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GROUNDED THEORY Eugénia M, Fernandes Angela Maia Introdugio ‘A grounded theory & uma das metodologias qualitativas que tem_vindo progressivamente a ser mais utilizada pelos investigadores no ambito das ciéncias sociais e humanas, nomeadamente em diferentes éreas da psicologia. Ela decorre da evolugio das formas de pensar 0 conhecimento € os préprios processos de construcio de conhecimento, nao podendo entender-se os seus pressupostos ¢ ceracterfsticas sem termos em conta 0 contexto mais global da histéria da ciéncia no tiltimo século. ‘As rupturas nos paradigmas cientificos estio associadas a impossibilidade de uma perspectiva dominante compreender ¢ explicar novos conhecimentos, exigindo im uma reformulacio ao nivel dos quadros conceptuais que os possam suporta. Se, por um lado, os desenvolvimentos te6ricos fundamentam o desenvolvimento de novas ‘metodologias, por outro lado também eles podem emergir pela forca das producdes derivadas das novas metodologias. Apesar desta dinimica responsével pelas rupturas, cada paradigma pode ser classificado, segundo Guba (1990), pela forma como conceptualiza a natureza da realidade (ontologia), pela concepeao acerca dos processos de conhecimento (epistemologia) pelas estratégias consideradas adequadas para procluzir 0 conhecimento (metodologia). ‘As formas de producio de conhecimento que tém dominado as sociedades ocidentais partem do pressuposto de que existe uma realidade exterra verdadeira que pode ser conhecida através de metodologias rigorosas e precisas. Est:s principios tm sido considerados, por alguns autores (Guba, 1990; Guba & Lincola, 1994), como a base do paradigma positivista e de uma perspectiva dualista, segundo a qual existe um sujeito conhecedor /observador ¢ um objecto externo que pode set objectivamente estudado. Nesta perspectiva o objecto a conhecer / observar ¢ distante € extemno; as metodologias so rigorosas e precisas; e, por isso, 0 conhecimento construido & descontextualizado, sendo veiculado em relatos objectivos ¢ estruturados por normas. ‘A preocupagéo com interpretagSes objectivas, ficis © vélidas apoia-se num compromisso com 0 objectivismo na crenca na temporalidade (rcalidade estética, externa, verdadeira). Assim, num paradigma positivista, os relatos da investigacio, quer sejam do tipo quantitativo quer qualitativo, reflectem um esforzo de controlar 0 ponto de vista individual. Embora as metodologias quantitativas sejam aquelas que Métodes e tat de avaliagio: Contibutas para a prética e investigagio psicol6gicas melhor se adequam aos pressupostos que referimos, encontramos por parte de algumas ‘metodologias qualitativas esforgos para se aproximarem dos padrOes por que se regem (0s modelos quantitativos. (Os desenvolvimentos mais recentes da investigagio qualitativa tendem a adoptar uma posicio epistemolégica nao positivista, recortendo a_procedimentos metodolégicos que envolvem uma anélise mais detalhada ¢ flexivel de material escrito, Verbal ou visual, que nao é convertido em pontos ou escalas numéricas, nem considerado um espelho de uma realidad extema objectiva. Ela néo procura encontrar modelos abstractos. de conhecimento nem produz conhecimento nomotético, sendo particularmente utilizada para a compreensao das experiéncias e dos significados que {0s seres humanos constréem em interaccio. A epistemologia subjacente esté de acordo ‘com o pressuposto construtivista de que "..0 conhecimento cientiio do mundo nao reflecte directamente o mundo tal como ele existe externamente a0 seito conhecedor, mas € produzido ou construido pelas pessoas e dentro de relagies histérica, sociais € culturais" (Henwood & Nicolson, 1995, p.109).. Por isso, a metodologia qualitativa ¢ utilizada em estudos que contextualizam 6 conhecimento, tomando 0 proprio processo de construcéo de coahecimento como luma dimensio importante a considerar. Este posicionamento suporta-se na crenga de {que nio existe producdo de conhecimento independente do sujeito conhecedor, fassumindo-se que 0 investigador deve incorporar e assumir na sua produgio cientfica a sua propria subjectividade. Esta perspectiva assume, ainda, que os relatos seguem regras e tradigoes, nao sendo isentos de valores e, por isso, néo sao objectives. Uma outa crenga que suporta estas metodologias qualitativas é a de que niio é possivel ter fcesso a uma realidade externa sem fer em conta as caracteristicas do observador © as ‘metodologias de observacio. Segundo Denzin e Lincoln (1994), a investigacio qualitativa tem jé uma longa historia que pode set compreendida em cinco momentos diferentes. Num primeito perfodo, que Se iniciou por volla do ano 1900 e que decorreu até 1950, designado por periodo tradicional, 0S. investigadores das reas da sociologia ¢ antropologia Comecaram a utilizar os métodos qualitaivos para estudarem diferentes grupos hhumanos, fazendo relatos objectivos que eram descritos segundo os valores da cultura ‘ocidental. Este posicionamento tinha subjacente 0 principio que ha formas de Conhecimento que s40 superiores as outras e mais proximas da verdade, e que esta "verdade" poderia ser escrita de modo "cientfico". Num segundo momento, designado por modemnismo, que se situa entre 1950 e 1970, a preocupagio continuow a centrar-se hha procura do rigor, de tal modo que as altemativas de investigacio qualitativas propostas continuam a orientar-se pelos principios de validade defendidos pelas mmefodologias quantitativas, ainda que os objectos estudados fossem privilegiadamente definidos pela diferenca (e.g. estudo das comunidades homossexuais). O terceiro momento foi designado por géneros misturados precisamente por representar um periodo de emergéncia de diversidade de paradigmas, métodos ¢ estatégias, motivada pela ctise social, politica e de valores que dominou os fins dos anos 60. Um quarto momento, designado por crise da representagio, decorreu entre 1986 ¢ 1990, sublinhando o questionamento dos eritérios de validade, generalizazio e fidelidade da investigacéo qualitativa. As teorias interpretativas ganharam neste periodo maior importancia e desafiaram cada vez mais a nocio de verdade absoluta A partir dos anos 90, a investigagio qualitativa tem recebido mais aceitacio expandindo-se a disciplinas em que tradicionalmente no foram tio utilizades. Para além disso evidencia-se uma tendéncia para ler as teorias em termos contextuais © locais, a amplitude das teorias € de menor escala, as teorias so para problemas ¢ situagdes espectficas. Embora se possam diferenciar fases em que predominam determinadas forientagSes, cada momento histérico ainda actua no presente, existindo um maior leque de escotha dentro das metodologias / paradigmas estratégias. Actualmente reconhece-se a existéncia de momentos de descoberta e re-descoberts, a investigacio nao € vista como neutra ou objectiva, estuda-se os fendmenos no seu meio natural, a investigacdo € entendida como ium processo interactivo, dependente do poder e dos valores ‘Apesar da crescente aceitacio e abertura a investigaglo qualitativa, esta sofreu «© continua a sofrer algumas resisténcias por parte dos investigadores mais tradicionais descrentes e criticos. dos estudos qualitativos. Os investigadores quaitativos foram apelidados de Soft Scientists, ¢ a investigagdo qualitativa foi consicerada como um trabalho nao cientifico, exploratério, inteiramente pessoal, com muito viés, como um desafio a razio e & verdade. No outro extremo, alguns autores t&m vindo a chamar a atencao para a necessidade de a psicologia se libertar da "ortodoxia metodolégica" (Valsiner, 1991), ou da "narrativa progressiva" (Gergen & Gergen, 1986), que dio ‘origem a’ modelos ¢ estratégias empiricas cada vez mais abstracts ¢ refinadas, mas ‘cada vez. mais distantes do ser humano. A este prop6sito, podemos lembrar as palavras dde Wittgenstein (citado por Santos, 1993, p. 137) "Semtimos que mesmo depois de terem sido respondidas todas as questdes cientificas posstveis, os problemas de vida petmanecem completamente intactos". Esta necessidade de uma _reforma ‘metodol6gica, corresponded a defesa da substituicao da "artlharia metodol6gica’ com que as ciéncias sociais e humanas se muniram seguindo os cinones das ciéncias naturais, pelasestratégias qualitativas. ‘A nossa postura, tal como defendeu Polkinghorne (1991), € de que esta reforma nio deve corresponder & substituigio de uma verdade por outra, A investigacio qualitatva ndo deve ser entendida como superior & quanitativa, mas sim ‘como uma altemnativa de que os investigadores podem dispor, permitindo estas dias metodologias dar oportunidade de responder a questées de investigacéo diferentes, tendo consciéncia que a escolha de métodos diferentes dé origem a formas de ‘conhecimento diferentes. Ao contrério da defesa de uma exclusividade metodolégica, ‘© panorama actual da investigacéo permite escolher, sabendo que néo hé um método ‘universal, ou que qualquer discurso tem um lugar privilegiado. Estas metodologias nio fo necessariamente incompat momentos do processo de distintos. Como veremos posteriormente, as metodologias qualitaivas seguem cnones de validagéo diferentes, dando azo a uma reflexdo sobre os eritrios mais adequados para julgar a validade desta investigacdo e substituindo os significaéos de conceitos como validade, fidelidade e generalizacéo. No fimbito da investigacio qualitativa podemos encontrar uma diversidade de estratégias metodol6gicas, como por exemplo os estudos ideografices, etnografia, etnometodologia, grounded theory, anise de discurso, andlise da conversacio, anslise st Métodas ¢ téenicas de avaliagio: Contributos para a prtica ¢ investigacdo psicol6gicas narrativa, etc. Cada uma destas metodologias olha para os dados qualitativos com quadros de referéncia distintos dando por isso origem a formas de conhecimento diferentes. © Handbook of Qualitative Research (Denzin & Lincoln, 1994) const uuma obra de referéncia para os investigadores atraidos por estas. metodologi apresentando uma boa diversidade das altemnativas disponiveis. Na Grea da psicologia, 0 percurso da investigacio psicolégica cedew tradicionalmente & sedugio das metodologias quantitativas, mama tentativa de aproximagio dos parimetros da cientificidade das ciéncias’ naturais. O. método Cientifico, © rigor experimental, © controlo de variéveis bem operacionalizadas, a formulacio ¢ verificagao de hipéteses tem orientado tradicionalmente a investigacio na psicologia. No entanto, ¢ reportando-nos aos tiltimos anos, a investigacéo qualitativa tem recebido uma crescente aceitacio ¢ reconhecimento por parte de investigadores em diferentes reas de conhecimento psicoldgico. Apesar da forte tradicio das metodologias quantitativas na psicologia, a recolha de dados qualitativos nao & algo novo no contexto da investigagio nesta disciplina. O que parece ser mais inovador € 0 valor ¢ tratamento que estes dados qualitativos mereceram recentemente no mbito da investigagao em psicologia. De facto, sendo 0 objecto de estudo da psicologia 0 comportamento humano, ¢ este tomado nas suas dimensoes mais discretas ou interactivas e hist6rieas, nfo pode o investigador nesta rea deixar de dar importdncia 0s dados qualitativos que se relacionam com a experiéncia, 0 discurso ou a historia, ‘mais com palavras do que com digitos. Como concluem Henwood e Nicolson (1995, 1.109) "os dados qualitativos tém sido sempre uma parte do repertSrio metodol6gico da psicologia’. Procuramos enquadrar as metodologias qualitativas no ambito do percurso histérico da investigacio, mas sendo este capitulo dedicado & grounded theory, ppassaremos agora a abordar esta metodologia, comecando por félar acerca da sua ‘origem e objectivos ¢ debrucando-nos depois sobre os procedimentes. Grounded theory A grounded theory surgiu hé mais de 30 anos e, tal como outros modelos de investigagio qualitativa, teve a sua origem no contexto dos estudos sociolégicos. A tradigao do interacionismo simbético ligada & Escola de Chicago teve como um dos seus aspects distintivos a valorizacio do envolvimento do investigador no processo de investigacio, ou seja, na forma como o investigador se vé neste processo € no como o mundo exterior se Ihe apresenta (Layder, 1993). Como veremos mais tarde, os autores da grounded theory vao salientar esta dimens2o na formulacéo do seu modelo, mas ele surgiv: igualmente como reacgio a sua insatisfacio com os modelos prevalecentes na sociologia (teorias de Merton, Parsons e Blau) pelo facto de serem _emusiado especulativos, isto & nfo teem uma relagio com o préprio proesso de | investigacio, apresentado-se com problemas de validade por falta de correspondéncia & ‘realidade. Glaser Strauss, no / tertiinais em contexto hospitalar, sentiram a necessidade de formelizar uma resposta metodol6gica que Ihes respondesse a estas questées. Propuseram por isso um modelo de investigacio "grounded", com o objectivo de eriar uma ligagio mais estreita entre a { teoriae a realidade estudada, sem por de parte 0 papel activo do investigador neste | processo. A grounded theory foi proposta por Glaser ¢ Strauss (1967) na obra The discovery of Grounded theory: Strategies for qualitative research. Esta obra apresenta ainda sinais de alguma énfase numa epistemologia positivista, que podem ser encontrados no préprio titulo © na crenca que Transmitem dé que os resultados so obtidos através do método da descoberta e que esses resultados so independentes do investigador. Importa referit que obras posteriores destes autores Glaser, 1978; Strauss & Corbin, 1990; 1998) tém vindo a afastar-se do paradigma positivista assumindo uma postura mais préxima do paradigma construtivista. Strauss ¢ Corbin fazem mesmo questio de sublinkar na obra editada em 1998 que "teorizar é um acto de /~ ‘construcag” (p. 25). A aplicagio da grounded theory a diferentes dominios de investigacao tem evidenciado esta postura por parte dos investigadores. Os diferentes estudos reflectem lum processo que & funcéo do contexto ¢ dos objectivos de investigagio, criando alguma diversidade na uilizacio desta metodologia. No entanto, apesar da diversidade, os diferentes autores que se debrugam sobre a grounded theory partilham © abandono da crenca na existéncia de uma verdade sobre uma realidade externa que pode ser descoberta, valorizando as_condicdes contextuais em que os fenémenos ‘ocorrem, ou seja, a teoria é "enacted" num processo em que co-existem interpretacoes de miltiplos actores. Como afirma Rennie (1998, p. 101) a grounded theory tem uma logica de justificacdo hermenéutica “envolvendo uma reconciliagéo do realismo com 0 relativism e uma teoria néo fundamentalista de verdade, sendo pot isso atractiva para quem prefere mergulhar nos dados antes de se langar para a teoria © facto de os psicdlogos terem importado este modelo de investigacao esti relacionado com o facto de a grounded theory, ¢ contrafiamente aos métodos que tal como este tinham surgido antes na sociologia, se centrar na dimensio humana da. sociedade, nos significados que as pessoas atribuem as suas vidas © nos, as subjectivos da vida social (Layder, 1993). Julgamos que esta preocupacao esti mais | préxima das actuais preocupagSes da psicologia relativamente compreensio da cexpetiéncia © da construcio de significados. Uma outra razio da sua crescente Positivismo e 0 pés-positivismo na investigacio sociol6gica ¢ psicol postos em causa os cinones das ciéncias naturais sobre os quais se Psicologia cientifica, foi possivel valorizar perspectivas tedricas e de investigagdo que tinham sido afastadas pelo paradigma dominante. Esta metodologia veio contribuir assim para dar resposta as necessidades de investigacio mais coerentes com os paradigmas pés-modernos na psicologia. ‘A grounded theory, enquanto metodologia qualitativa, partlha os princfpios contolégico e epistemolégico que referimos anietiormente acerea das metodologias 4qualitativas. Apresenta, por isso, algumas similaridades com outras metodologias. ualitatvas, nomeadamente quanto aos materiais que podem ser analisados, como entrevista, observagdes de campo assim como documentos de todos 0s tipos (datos, cartas, autobiografias, biografia, relatos histicos, jomais, videos e outros materials dos media), entre outros. O grounded tcorist, tal como outros investigadores 4qualitativos, assume a responsabilidade do seu papel interpretative e inclui as perspectivas das vozes que sao estudads. 53 Métodos et6 los para a prtica e investigagio psicoldgicas Existem, no entanto, algumas diferencas em relagéo a outras metodologias ‘qualitativas. Uma delas, como veremos posteriormente, 6 a possibilidade de os procedimentos de grounded theory poderem combinar técnicas qualitativas © uantitativas, Uma outra diferenca é a centracao desta metodologia na construcio (€ no na verificagio) de teoria. Porque a nogio de teoria € central e dstintiva neste método, procuraremos aqui transmitir © que € que 0s autores que se tém debrugado sobre a grounded theory entendem por “teoria”. Teoria € diferente de uma descricio de dados, construindo-se com base num conjunto de procedimentos de conceptualizacéo e no estabelecimento de relagées plausiveis entre conceitos e conjunto de conceitos. Os investigadores da grounded theory nio estéo interessados em criar teoria sobre os éctores individual mas sobre 0s padres de acgio ¢ interacgéo entre vérios tipos de unidades sociais, Sobre processos decorrentes das mudancas nas condigdes quer intemas, quer externas, ao fenémeno em estudo. Por isso, a teoria baseada nesta metodologia ¢ informada por tum modelo paradigmitico (Strauss & Corbin, 1990) que especifica as consequéncias condicdes particulares do fendmeno; ¢ ela torna-se preditiva no sentido em que se ‘ocorrerem condigdes similares, poderio ocorrer consequéncias similares. "Apesar de a complexidade conceptual desenvolvida no precesso de grounded theory permitir niveis de abstraccio, as tcorias sao sempre tracéveis aos dados que Ihes dio origem, dentro do contexto interactivo da colecta e andlise dos dados, em que © investigador € também um interactuante significative. As teoriss compreendem a possibilidade da exploracio de cada nova situacio para ver se se adequam, como se podem adequar e como podem nao se adequat, exigindo uma abertura do investigador para o cardcter provisério de qualquer teoria © método: Grounded Analysis ‘© método da grounded theory consiste num conjunto de procedimentos sistematicos e rigorosos de andlise de dados, organizados numa sequéncia que tende para uma maior complexidade e integracio. Neste ponto, restringir-nos-emos a fazer luma descrigo muito suméia ¢ geral dos tipos de procedimentos analiticas (grounded ‘analysis) inerentes. a cada fase desta sequéncia, atendendo a especificidade de cada procedimento ¢ & complexidade de todo 0 processo de anélise © tomando como feferéncia as indicagdes de Strauss ¢ Corbin (1990; 1998). Para uma aprendizagem e aprofundamento deste método, aconselhamos 0 leitor a consultat as fontes dos seus autores originais (Glaser & Strauss, 1967; Strauss & Corbin, 1999; 1998) bem como de outros autores de referéncia no uso desta metodologia (Rennie, Phillips & Quartaro, 1988; Charmaz, 1990, 1997; Henwood & Pidgeon, 1992). ‘Como referimos antes, a metodologia da grounded theory tem como objectivo Gltimo gerar teoria que € consiruida com base na recolha ¢ anilise sistemética © rigorosa dos dados e na orientagao dos investigadores através de um processo indutivo de producéo de conhecimento. Com efeito, s€, por um lado, os procedimentos da ‘grounded theory sio bem definidos no sentido de conduzir a interpretagio com rigor © precisio, por outro permitem a criatividade necesséria 4 ocorréncia de um dos princfpios bésicos na construcio de teoria: a interpretagao © conceptualizagéo dos Gados. A ctiatividade suporta a sensibilidade te6rica, ou seja, a capacidade para dar sentido e significado aos dados, ¢ estimula a formulagio de qusst6es, sendo assim também favordvel ao método de comparacio constante que, come veremos, é um “instrumenio” central ao longo de todo processo. Durante o processo de questionamento é importante que 0 investigador se preocupe com 0 da_sensibilidade te6rica, de modo a criar abertura para desa‘iar os proprios ipostos, aprofundar a experiéncia ¢ olhar para além da literatura. As leituras cientificas ¢’a experiéncia e conhecimentos do investigador séo, segundo Strauss ¢ Corbin (1990), algumas das fontes desta sensibilidade, embora sugiram varias téenicas para se desenvolver 0 processo de questionamento tao caro a grounded theory. Definiga do problema de investigagio imeiro passo para se iniciar uma grounded analysis € definir o problema ou as a ponies que orientardo a investigacio. Embora ocorra numa fase muito inical, & impofiante nao descurarmos os cuidados que merece. O uso desta metodologia pode ficar comprometido, logo de inicio, pela forma como. colocamos.as_questaes. O investigador tem que fazer algumas escolhas e compromissos que ajudam a definir os limites do fenémeno a estudar. Como afirmam Strauss e Corbin (1990, p. 38) “a questao_de investigacéo num estudo de grounded theory & uma_afirmacio que identifica 0 fendmeno em estudo”. Por exemplo, se queremos estudar a experiéncia dos alunos universitérios aquando da transico para o mundo do trabalho, nao teremos, ue estudar todas as dimenses deste fendmeno, mas teremos que seleccionar alguns dos aspectos do problema. Por outras palavras, o investigador formula questées suficientemente abertas para permitir um percurso_de_anélise..flexivel ¢ em profundidade do fenémeno em estudo, mas. compromisso com os limites definidos pela questio ajuda a tomar investigivel o fenémeno escolhido para estudo Glaser & Strauss, 1990). A definicdo do problema e das questdes que o representam néo acabam no inicio da investigacao. No ambito desta metodologia, as proprias questoes também evoluem com a andlise. Formular uma questo corresponde ao inicio de uma atitude de compromisso com o principio fundamental da andlise inerente a grounded theory: 0 método de comparacio constante. O método de comparacio constante € o principio central da grounded theory ¢ consiste num movimento contfnuo entre a gonstrucdo do investigador e 0 retorno aos dados, até este processo ficar “‘saturada”. E este método ‘que permite que a elaboragio que o investigador vai fwzendo se mantenha pr dadas (grounded) (Rennie, Phillips & Quartaro, 1988; Hendwood & Pidgeon, 1995). Este método tem sido descrito pelos seus autores em varias obras (eg., Glaser, 1978; Glaser & Strauss, 1967; Strauss, 1987; Strauss & Corbin, 1990), sendo enrique cstimulado pela sensibilidade te6rica do investigador, o que permite que & medida que a anilise se vai desenvolvendo, outras questdes vao Sendo formuladas, o que exige 0 retomo aos dads. Neste processo de reformulacio de questoes, estas vao evoluindo de qiesises abefias para questdes progressivamente mais focalizadas e orientadss. Em geral as diversas questdes que orientam um estudo de grounded theory orientam 0 investigador para os processos,subjacentes aos_fenémenos em estudo. Comecam frequentemente por Como...?, reenviando para as_experiéncias ou.accdes dos participantes. No entanto, a formulacao das questdes também vai evoluindo & medida ue 0 proprio processo de anilise decorre. Assim, o questionamento é informado pela propria anélise, assim como os resultados desta informam sobre a necessidade de Métodos e técnicas de avaliagéo: Coatributos para a pratica€ investigacto psicoldgicas Construgdo da amostra Os estudos que usam a metodologia da grounded theory, constréem uma ‘amostra teérica, ou seja, a amostra vai sendo definida pela propria anélise ¢ nfo seleccionada na integra previamente. Na prética, vai-se diferenciando em fungio das {questées ¢ ideias que vao surgindo durante a andlise, nao se tratando de uma amostra representativa das caracteristicas dos participantes, mas uma amostra " relevante” para © fenémeno em estudo, que pretende ser representativa das variagées ¢ tipicidades do fenémeno, e que, por isso, & ditigida intencionalmente pelo processo de anilise de dados (Strauss & Corbin, 1990). Por exemplo Matos e Goncalves (2000), ao usarem a grounded theory para estudar os processos de construcio da identidade da mulher associados & violéncia conjugal, utiizaram dois grupos contrastantes de mulheres vitimas de maus tratos (jé em processo de divércio ou em inicio da procura de ajuda) ‘com variedade de posturas face & experiéncia de vitimizacao. Embora o miimero de pessoas ou casos utilizados dependam do acesso, tempo € recursos disponiveis, para satisfazet os requisitos da construcéo de uma amostra te6rica 0 procedimento adequado é ir analisando as entrevistas & medida que elas so realizadas, terminando quando se atinge uma saturacao teérica, ou seja, quando as categorias encontradas comecam a estabilizar ¢ os casos novos nio trazem nada de novo ao investigador. Procedimentos de codificacao Podemos distinguir na grounded analysis tes tipos de codificacéo:aberta, axial ¢ selectiva, O procedimento de codificagdo aberta consiste na "decemposicéo, andlise, comparagio, conceptualizacio e categorizacio dos dados" (Strauss & Corbin, 1990, p. 61). Os procedimentos usados para fazer esta codificacdo aberta sio essencialmente: fazer questées, fazer comparacoes, rotular ¢ etiquetar. O processo de questionamento cem contacto estreito com os dados, é também uma oportunidade de questionamento Xdas expectativas e pressupostos que o investigador desenvolveu proviamente acerca do fenémeno que estuda. Assim, esta fase ¢ j4 uma fase de exploracdo para a diversidade construgio de conhecimento tedrico. ‘Como se faz a codificacéo aberta?” A codificagio aberta ocomre numa alternncia de dois processos: fazer questées ¢ fazer comparagdes. Neste processo de {questionamento e comparacéo constante, o investigador inicia a conceptualizacao do fenémeno em estudo. O primeiro passo € decompor os dados em wnidades de andlise (Geja uma observagéo, um afirmagdo, um texto, um acontecimento critica, algo que represente o fendmeno) e questionar abertamente acerca destas unidades. Por exemplo, ‘questoes do tipo: "O que € isto? O que é que isto representa? ajudam a focalizar a ‘atengio no fenémeno ¢ abrem caminko para a construcdo de conhecimenio indutivo” (Strauss & Corbin, 1990, p. 64). Este questionamento exige competéncias de observacio e atencao focalizada, atitude de curiosidade, e capacidade para ir nomeando ¢ conceptualizando as respostas, que vo emergindo neste processo. Este acto de nomear as tnidades de andlise € tanto ‘mais rico ¢ eficaz quanto mais se aproximar de uma conceptualizacio em vez de uma descricdo, pois as categorias conceptuais permitem trabalhar maior nfimero de dados. No entanio, este processo de gerar conceitos acerca do fenémeno resulta, por vezes, em alguma confusio e diversidade de conceitos associados as unidades de andlise. © passo seguinte consiste em agrupar os conceitos em categorias. A construcéo destas categorias resulta do estabelecimento de relagbes de similaridade entre conceitos que parecem associar-se a0 mesmo fenémeno. A associacéo de cada conceito a uma categoria nio 6 6 provis6ria, como nao € mutuamente exclusiva, ou seja, 0 mesmo conceito pode associar-se a outros conceitos para integrar diferentes categorias. Assim, © nome atribuido & categoria conceptual deve ser mais abstrcto, de forma a ‘compreender os conceitos mais especificos que com ela se relacionam. © proceso que conduz dos conceitos &s categorias conceptuais assenta de novo na alternancia entre 0 questionamento € a comparacio. Strauss e Corbin (1990) sugerem duas formas de proceder neste processo de categorizacio conceptual, ¢ que io, ou questionar cada um dos conceitos, ou questionar a totalidade com questées do tipo: O que ¢ isto? ou A que tipo de fendmeno pertence?, identiticando relagées de similaridade e contribuindo para a construgdo de categorias abstractas. Neste processo de questionamento e comparagio constante, o investigador identifica relagies de similaridade que unem alguns conceites ¢ que, 20 serem nomeadas, formam uma categoria conceptual. A nomeagio da categoria pode surgir quer por influéncia dos ‘conceitos identificados e da sua ligacio lexical aos dados, quer da seasibilidade te6rica do investigador, ou ainda remeter para outros significados frequentemente veiculados na literatura. Neste titimo caso € importante clarficar o significado que a categoria assume no estudo em causa, e diferencis-lo dos significados tradicionalmente associados. No entanto, 0 procedimento de conceptualizagio € um pouco mais, complexo do que nomeat. Identificar uma categoria exige a sua especificacto, ou seja, implica a definicéo das suas caracteristicas no contexto do fenémeno em estudo. De acordo com 0 método da grounded analysis, definir uma categoria pessa por identificar propriedades bem como as suas respectivas dimensoes. AS dimersdes definem um continuo da propriedade em relacdo & qual o fenémeno se posiciona, A codificagéo aberta centra-se quer na identificagao de categorias, quer 2) definigio flexivel de propriedades e dimensOes. Tanto as proptiedades como as dimensées so aspectos importantes para 0 estabelecimento de relagdes entre as | respectivas categorias e contribuem, portanto, para a identificacao de uma categoria de nivel mais abstracto, em fases postetiores. A definicao de propriedades e respectivas dimensoes permite, com a continuldade do proceso de andlise sobre novos acontecimentos, identificar perfis para as categorias e, eventualmente, definir perfis, padronizados. Este processo de identificacdo de propriedades © dimensoes pode complexificar-se em diferentes niveis hierérquicos, dando origem a uma estrutura conceptual complexa e densa. De qualquer forma, esta deve ter possibilidade de ser verificada nos dados analisados. processo da grounded theory supde que cada propriedade (sendo ela propria uma categoria) pode ter em si propria as suas sub-propriedades (ou caracteristicas), cada uma delas susceptivel de ser dimensionalizada. Por exemplo, num estudo realizado por uma das autoras, a propésito das memérias dos terapeutas (Fernandes, 1999), uma das categorias inserida no dominio da experiéncia dessa membria no mbito da sesso terapéutica era resposta interna. Esta categoria tinha diferentes propriedades (ou caracteristicas): cognitiva, emocional, sensorial. Cada uma destas propriedades linha dimensOes especificas. A dimensao cognitiva poderia definir-se ‘num continuo entre a complexidade e a simplicidade cognitiva; a dimenso emocional 37 Métodos e téenicas de avaliagio: Contributos para a prética © poderia situar-se num continuo entre a emocionalidade positiva, neutra ou negativa; enquanto a propriedade da experiéncia sensorial definia-se num continuo entre intensa eleve. Segundo Strauss ¢ Corbin (1990), a identificagio das propriedades pode fazer- se por tm processo de questionamento dedutivo, partindo de propriedades gerais © posterior verificagdo junto dos dados relativos ao fendmeno em estudo, ou por um processo de questionamento indutivo, identificando e notando no discurso ou relatos. analisados as propriedades das categorias que temetem para o seu posicionamento num, ‘continuo dimensional. Por exemplo, quando um adolescente diz: “vou passar grande Parte das minhas férias a passear”, grande parte remete para uma dimensio temporal ‘que caracteriza a categoria féris. Dependendo do objectivo subjacente ao estudo, o investigador pode parar a sua andlise nesta fase, se, por exemplo, 0 objectivo for apenas identificar temas sobre 0 assunto em estudo. No entanto, Strauss e Corbin (1990) advertem para a necessidade de continuar 0 processo de andlise se se pretender fazer um “verdadeiro” estudo de grounded theory, ou seja, construir teoria. Em suma, 0 processo da codificagao aberta assenta num questionamento constante dos dados, na conceptualizazio das respostas encontradas, voltar atrés no sentido de detalhar as andlises efectuadas e especificar as calegorias construfdas, questionando ¢ verificando até & saturacao deste processo. Tal como referimos antes, esta metodologia permite a articulagéo com métodos quantitativos. Rennie, Philips ¢ Quartaro, (1988), dio indicagdes sobre as formas de realizar estes procedimentos. Por exemplo, a identificacio da categoria central desta fase, especialmente numa perspectiva mais clissica da grounded theory, pode decorrer da quantificacio das relagdes que ela estabyelece com as outras, permitindo definir uma estrutura hierérquica a partir da frequéncia dessas relagbes entre categorias. Foi este 0 procedimento utilizado por Fernandes (1993). A codificacao axial é um outro procedimento que, em geral, decorre numa fase posterior & codificacdo aberta. Ela consiste num conjunto de procedimentas através dos 4uais os dados ja conceptualizados sio reorganizados com base no estabelecimento de ligagées entre as categorias, indo para além das suas propriedades ¢ dimensées. Isto significa que € um procedimento que permite a especificacio das categorias que ‘emergem da codificacao aberta em termos de um conjunto de condigdes que Ihe dio suporte ¢ preciséo, salientando uma das categorias como representando a ideia central € em relagio & qual outras estabelecem relagdes de subordinacao. Estas relagées sio definidas pelas diferentes condigées: condigdes causais (acontecimentos ou factores que levam & ocorréncia do fenémeno ¢ que geralmente no texto analisado sio roferéncias das expresses causais do tipo: "desde...", "porque..., "devido..."), contexto (conjunto de condigdes que especificam a localizagao do fenémeno, quer em {ermos da sua ocorréncia, quer em termos da sua resolucio, situando-o também numa perspectiva temporal © evolutiva), condigdes intervenientes (conjunto de factores, contextuais mais latos, mas que podem afectar a ocorréncia e desenvolvimento do fonémeno em estudo, como por exemplo: cultura, politicas sociais, historia...) estratégias de acgao e consequéncias. Entre as categorias construfdas na codificagdo aberta algumas so condigées ligadas a condigSes causais, accdes, estratégias.. ou seja, as condigdes inerentes a0 modelo definido para organizar a codificacio axial. Mas pode acontecer que durante a codificagéo aberta surjam diversas categorias que ndo denotam necessariamente uma condigio, uma estratégia ou uma consequéncia. Assim, a identificagdo destas ‘condigses pode exigir um esforgo de orientacio do investigador. Em suma, este modelo paradigmético organiza as. diferentes categorias anteriormente identificadas na codificacao aberta, estabelecendo relagoes entre clas. Neste recurso constante a0 questionamento indutivo sobre os dados ¢ as categorias, entretanto codificadas, define-se o fenémeno de estudo. Para o estatelecimento destas relagies ¢ atribuigio de condigSes especificas a determinadas categorias, 0 investigador recorre de novo aos procedimentos analiticos inerentes & codificagéo aberta, ou seja, questionamento sistematico dos dadas ¢ comparacio constante entre conceptualizagio © dados. O questionamento deve reenviar para a ratureza relacional do vinculo potencial entre as categorias. As categorias construidas para definir estas relagées devem ser referenciadas a0 modelo axial, € devem ser verificadas em confronto com os dados. Para além disso, se esta codificagéo axial tem na sua base ‘uma codificagéo aberta, cada uma das categorias que representam estas condicées ‘organizadoras também podem ter propriedades e dimens6es, a que o investigador deve continuar a dar uma atencio, permitindo a renovacdo da estrutira conceptual ja ‘construfda quando outros acontecimentos novos sao analisados. Do mesmo modo que na fase da codificacao aberta, nesta fase o investigador deve estar atento a diversidade de padres que emergem da Codificacao axial, e notara diversidade ou desvio da tipicidade, tomando-os como indicadores tteis para o estudo da variabilidade do fenémeno ou do que no ambito do fendmeno em estudo & diferente. Este serd entéo mais um momento de enriquecimento ca amostra teGrica ccujo desenvolvimento vai acompanhando a anélise de grounded theory. Como afirmam Strauss © Corbin (1990, p.109) “seguir através das diferencas acrescenta densidade ¢ variacio a teoria” Embora a codificagio aberta e a codificacio axial sejam procedimentos de andlise distntos, durante 0 processo global de andlise o investigador alterna entre estes dois tipos de procedimentos. De facto, durante 0 processo de codificacéo axial 0 investigadot move-se constantemente entre o pensamento indutivo e dedutivo. Se, por tum lado, o investigador define categorias que subentendem uma relacéo entre outras Categorias, por outro tem de proceder a um movimento de verificayao destas relagies junto dos dados. Portanto este processo de estabelecimento de relagdes entre categorias inerente a codificagéo axial também obedece ao prinefpio do método de comparagio onstante, pelo que 2s construgoes so sempre provisérias. E esta estrutura hicrérquica das categorias, definida por relagSes diferenciadas e complexas, que dé suporte &teoria construida com base nos dados analisados. Na figura 1, procuramos representar 0 resultado hipotético de uma codificagdo axial acerca do fenmeno “tisteza”. 59 “Métodos e tenicas de avaliacio: Contributos para a prtica ¢ investigagio pricoldgicas Fenimeno “isters Condigges usa Cont inerpesoal Proprsdades do onto ‘mative repeating Contra da ritexa ‘Sem can, com poicsocupaio, as das cinzetos stépias pra lidar coma isteza ‘spicata telefonems a uma colega ‘omer choose e fazer compras Consequtncias Praia elemento scat Dimensde expctca do iolamento ovagio: conn ino: precoce Condes itervenienes ‘na avo-stinn fa ge soporte socal sivas Consequtncias rio taglidade maior nsegurange Figura 1: Exemplo de uma codificagio axial A. codificagio selectiva_(categorizacio rérquica [estubelecimento de relagdes, identificagio de categorias centras) consiste num processo de selecgio da categoria central, ou seja, do fenémeno a volta do qual todos os outros so integrados. Embora nao sendo muito diferente da codificacéo axial, este processo de codificagio é de nivel mais abstracto, derivando do estabelecimento de um relacionamento sistematico entre a categoria central e as outras categorias, © pela validacio destas relagées. £ nesta fase que o investigador constr6i a histria ou narretiva descritiva do fenémeno central de estudo. Depois de analisar e codificar os dados que sistematicamente ¢ de um modo informado pela anélise vo sendo recolhidos, o investigador confrontase com tarefa de integrar as categorias na forma de teoria. Esta integracéo exige de novo 0 recurso 20 método da comparagéo constante, incidindo nesta fase sobre as propriedades © dimensoes das varias categorias j@ organizadas por meio do mode'o paradigmatic. Durante este proceso de comparacio, 0 investigador continua numa atitude de {questionamento a formular concepeSes acerca do fenémeno em estudo, que precisam de ser validadas. Strauss e Corbin (1990) sugerem um conjunto de orientagées' para proceder a este process de integracio, de que o primeiro passo consist: na seleccio © compromisso com uma categor 1, de entre as varias categorias j4 construtdas, no sentido do explicar 0 que aqueles autores identificam como “a linha da histéria’ ‘Uma forma de identificar a categoria que representa o fenGmeno & contar uma hist6ria escrevendo algumas linhas sobre o essencial da hist6ria, procurando responder a) Guestdes como: O que parece mais importante na diversidade de categorias? Qual me| parece ser 0 problema principal? Trata-se, portanto, de uma fase de selecgio e| {escrigdo geral do foco mais importante ou saliente ao longo da andlise dos diferentes relatos. Apés esta descricio, o investigador pode seleccionar entre as varias categorias a que melhor The parece represeniar a descricao_anteriormente feita. Mais uma vez pode ser inferessante, nesia fase, identificar 0 que seriam casos excepgéo ou negativos // desta categoria central 'A segunda ofientacéo dos autores refere-se ao estabelecimento de relagées das categorias subsididrias com a categoria central por meio de um paradigma. Para além ia definir a categoria central, também deve referir es propriedades © imensdes. O relacionamento das diversas categorias & categoria central é feito por melo do paradigma axial: condigoes, contexto, estratégias e consequéncias. Entio, a ‘questo € identificar que categorias denotam que parte do paradigma, ou seja, que ‘eategorias so definidoras do contexto, que categorias definem as ostratégias.... Esta identificacéo ordena as categorias subsidisrias em relagbes paradigméticas, assumindo deste modo a teoria construida uma ordem narrativa do tipo: A (condigGes) leva a0 B (enémeno) que surge num C (contexto) que leva a D (accdes) e, depois, leva a E (consequencias). Fot este procedimento que uma das autoras realizeu num estudlo que procurava identificar uma narrativa protétipo de sujeitos deprimidos (Maia, 1998). Para isso, os acontecimentos de vida inesqueciveis relatados por stjeitos deprimidos foram categorizados em sete agrupamentos de significado que, depois, foram organizados sobre a forma de uma narrativa. Ou seja, como se pode ver na figura Seguinte (Figura 2), a partir das categorias previamente construfdas, foi claborada uma narrativa. 61 Métods etécnicas de avaliagio: Contributos para a pritica e investigacio psicol6gicas ‘Contesta | Precptante | Repota | Objectivo | Acgies | Resulado | Fim sowerna Bape end) | ncreduticde, | Comprecndere | Parisi, | Prostagioe | Frgilidade interna | decepgio | twisters, ava |acciarstugio| iolamento, | abancono shor "Koil foe deda inespradnnete quando estva em casa. Esa pessoa inka aeabado de more, Assalione um Senimento de ineredulidoe. No pode er verdae o que seabava de ouvir. uando li chegeiprebi que em de facto verdae.Fiquel pasado a procuar peceber 0 qu 2 elava a pasa, entand a todo cco acta oti. ‘Comecs eno stent na profunda ez acompanhada de una grande revo, ol ni que dei fa sozinho€ ‘comece chor. Estava 6 iste também ala, No me peel fazer na, mas smplesmente a sozino ma ‘nna rites» procurat svar ecompreende sung, iq com a seasagio de que o mul desahnva sobre in txandosme spenao conta mim propo, incpar de dar um pass que fesse. Desde ese momento sent-ne mais nas rg pam enfetaro modo, com uma grande vontade de desparece. Figura. 2- Exemplo de codifieagio selectiva na construgio de uma narrative (© relacionamento das categorias a0 nivel dimensional ¢ a validagio destas relagées, no confronto com os dados, constituem outras duas sugestées. Ainda que posteriormente voltemos a abordar esta questio de validagio, referimos jé que validar as relagdes pode implicar que 0 investigador se envolva nam proceso de questionamento centrado ma aplicabilidade da construcéo conceptual aos relatos de cada participante. Por fim, os autores recomendam que se dé atencic & necessidade de completar as categorias que possam precisar de um maior refinamento € desenvolvimento. Por mais complexa ¢ densa que seja a construcio conceptual subjacente & narrativa construfda, nem sempre cla consegue esgotar a complexidade e variabilidade observada nos dados. A construcio de padres € uma das formas de organizar esta ddiversidade. Jé na codificagio axial o investigador vai anotando algumas redundancias ‘quando estabelece relagies entre categorias a0 nivel das propriedadcs e dimensoes. O Tecurso constante questées ¢ comparacdes numa atitude de suporte & construcio € Werificagio permite sistematizar e solidificar as conexdes que 0 investigador faz. & neste processo que o investigador chega & identificagéo de padres que resultam da identificagio da variabilidade ou consisténcia das propriedades e dimensGes das categorias. A organizacio e apresentacio destes padrées ¢ sequéncias narrativas pode ser feita quer através de diagramas, quer através de narrativas orientadas pelo modelo paradigmatico. Em suma, 05 estudos de grounded theory sio otientados para a organizagio de uma sequéncia de acgBes e para a compreensio de um processo, que nem sempre texplicitado na andlise. O proprio modelo paradigmatico que os aulores da grounded theory propdem para organizar as relagGes entre as categorias sugete uma natureza dinimica e processual da teoria construida. No entanto, nem sempre no decorter da analise subjacente as codificagies aberta, axial ¢ selectiva 0 processe emerge, podendo ser necessério analisé-lo intencionalmente. Alguns fenémenos, como Os que a psicologia estuda, justificam e ficam beneficiados com uma anélise de grounded theory focalizada na anilise do processo. Por exemplo quando se estuda questdes relacionadas com mudangas ou desenvolvimento, a andlise do processo deve ser intencionalizada. Neste caso 0 investigador deve identificar as cendigdes ¢ accbes correspondentes que movem 0 processo, identificando os pontos de viragem. Para ‘além desta descri¢io do movimento o investigador deve também estar atento as vvatiagées do processo através das fases e estidios. Mesmo quando a categoria central & ‘ormulada de uma forma dindmica, deve ser tratada como qualquer fendmeno central © deve ser desenvolvida em termos de paradigma. Para finalizar, gostariamos de salientar algumas ideias que nos parecem centrais ¢ se tomam cada vez mais claras & medida que aprofundamos os estudos de grounded theory. Uma das primeiras ideias refere-se & escolha € utilizagio dos procedimentos, 0 que ocorre normalmente num percurso de anélise sequencial de procedimentos’ mais simples de codificagio para procedimentos cada vez mais, complexos de organizacio ¢ integracio das anélises anteriores. Embora as tenhamos apresentado numa sequéncia cumulativa, tal como séo descritos por Strauss ¢ Corbin (1990), temos vindo a verificar que elas podem ser usadas de modos distintos. Os préprios autores sugerem que estas fases podem ser alternadas ou tecorrentes © que néo tém que ser sempre todas usadas. E, de facto, especialmente na investigagio em psicologia, nao s6 frequentemente elas no se organizam sempre numa sequéncia linear, como podem mesmo funcionar como procedimentos de andlise independentes (Rennie, Phillips & Quartaro, 1988), ou seja, temos verificado, na consulta de diversos relatos de investigacio em psicologia com referéncia ao uso da grounded theory, que (8 diferentes investigadores constréem e seleccionam procedimentos especificos mais relevantes para os scus objectivos e objectos de estudo. Esta atitude de investigagio se, por um lado, pode ser crticada e entendida como irreverente face &s sugestdes clissicas da grounded theory, indica também alguma flexibilidade evolugio das respostas que esta metodologia oferece. Esta particularidade ¢ ‘contextualizago do uso desta metodologia surge como uma resposta possivel para lidar com o dificil problema da integragao conceptual que a grounded theory coloca. De qualquer modo € essencial estudar e compreender bem todos os procedimentos antes de realizar a anélise. Diesing (1971, p.14, citado por Strauss & Corbin 1990, p. 59) defende que "os procedimentos nao sio mecdnicos ¢ automticos, nem constituem lum algoritmo garantido para dar resultados. Eles tém de ser aplicados com flexibilidade de acordo com as circunstincias. A sua ordem pode variar © as alternativas estio disponiveis em qualquer fase". Na pritica, os seus usos variam com as especificidade da frea sob estudo, 0 propésito € 0 foco de investigacio, as contingéncias encontradas durante 0 projecto ¢ talvez aspectos particulares relacionados com a sensibilidade te6rica e a abertura do investigador. Com a expetincia, os investigadores reconhecem que as informagdes e recomendagoes a propésito dos procedimentos da grounded theory recebidos, quer nas obras de Teferéncia, quer em sessées de formagoes, sio orientagdes importantes mas requerem ‘alguma adaptacio as cireunstncias particulares. Apesar desta abertura e accitacto da flexibilidade no uso dos procedimentos, os autores de referéncia para esta metodologia acreditam que 0 desenvolvimento ¢ a conceptualizacio da grounded theory néo mudou nos seus elementos centrais, especialmente no respeito pelo questionamento © comparacio constante, Método e técnicas de avaliagio: Contributos para a priticae investigacio psicol6gicas ‘Uma outra ideia que gostarfamos de salientar, © que se toma mais clara & medida que prosseguimos ¢ aprofundamos os estudos de grounded theory, & a ideia da grande complexidade subjacente aos seus procedimentos. Esta complexidade deriva do carécter provisério dos resultados da andlise que exige a0 invéstigador o cuidado constante de verificagio da anilise junto dos dados. Quando o investigador se ‘compromete com um estudo com esta metodologia, compromete-se com um percurso de andlise sujeito & novidade que 0 vaivém entre os dados ¢ a andlise pode trazer, € que inclusivamente pode exigir a reformulacdo das andlises jé efectuadas anteriormente. Um dos principios que caracteriza este método, ¢ que esti na base de qualquer procedimento, desde os procedimentos de codificacio aos procedimentos de integragio, 6 © método de comparacéo constante, que se define por um movimento entre um questionamento constante e recutsivo a propésito dos dados que sio recolhidos © a comparacio constante entre as respostas que sio encontradas para as questies ¢ os dados que as suscitaram, Para além disso, este método da comparacio constante tem em consideracéo uma dimensio de temporalidade da andlise, exigindo luma comparacio entre a conceptualizacéo que vai sendo construida ¢ os dados recolhides nos diferentes momentos do processo de anilise, informando a prépria recotha de dados, na medida em que o resultado da analise de dados j4 recolhidos informa sobre a necessidade de outras fontes de dados pertinentes para a clarificacao e ‘especificagao da andlise jé realizada. Por exemplo a recolha de casos contrastantes ou ‘de casos negativas (que contrariam os padrées que vio sendo construidos) pode ser um procedimento que enriquece a teoria construfda pois contribui para a compreensio da ‘sua variabilidade. Mas toda esta complexidade dificulta por vezes as conclusoes simples € claras e exige alguns cuidados que o investigador deve ter, nomeadamente com a escrita dos estudos. Para além disso, toda a complexidade causa nos investigadores iniciados muita inseguranca e confusio. A este propésito Strauss € Corbin (1990) aconselham o estudo e treino prévio dos procedimentos, bem como a supervisio de investigadores rnais experientes eom o métouo, Todas estes procedimentos podem ser utilizados com a ajuda de software. A utilizagio de software como um instrumento iitil para as anélises qualitativas remonta aos anos 60 quando os investigadores da rea da literatura os usaram para fins estatisticos do tipo contar o mimero de vezes que uma determinada palavra aparecia na ‘obra de um autor (Seale, 2000). Nestes estudos cles apresentavam a vantagem de realizar a tarefa de uma forma muito mais rdpida. S6 a partir dos anos 80, com a evolugio dos computadores pessoais © 0 desenvolvimento répido de softwares, surgiram programas suficientemente rigorosos ¢ flexiveis, constituindo um auxilio & sofisticagéo das andlises qualitativas. Flick (1998) refere a existéncia de mais de 25 programas, aindi que reconheca que muitas vezes néo ¢ claro o que € que alguns trazem de novo. Seale (2000) identifica como principais vantagens da utilizacao de anilise de dados qualitativas assistidas por computador (ADQAC) a rapidez, 0 rigor, a facilitagio do trabalho em equipa pelo desenvolvimento de esquemas de codificacao consistentes; ¢ a ajuda nas decisoes de amostragem, por assegurar que todos os casos relacionados com um fendmeno serdo inclufdos na andlise. Abordamos brevemente trés programas de software que podem ser utilizados como auxilio da realizagio de ‘grounded analysis: 0 ETNOGRAPH, o NUD*DIST ¢ 0 ATLAS. © ETNOGRAPH (http:/Iwww.QualisResearch.com) surgi nos anos oitenta e foi_um dos primeiros programas a ser desenvolvido iliar nas andlises qualitativas. Uma das raz6es do seu sucesso deveu-se & sua simplicidade. Exige, como 08 outros programas, que os dados entrem a partir de processamento de texto, ¢ uma ‘vez importado, as linhas sio numeradas. As codificagdes dos segmentos de texto fica associadas a esses niimeros, permitindo ainda associar memos. Por ottro lado também permite fazer andlises seleccionando s6 um interlocutor de entrevistas, ow em funcéo das caracteristicas das entrevista (selecciona algumas entrevista, mas outrasnéo) (f Seale, 2000). © NUD'ST (hup:/www.gsr.comat) surgiu mais tarde do que 0 ETNOGRAPH, ¢ foi sempre mais completo do que 0 seu antecessor, mas € mais, complicado para aprender. Permite que os resultados de procuras anteriores sejam armazenados e sejam encontrados em procuras posteriores, bem como comentarios que © investigador faga na sua interaccéo com os dados podem ser guardados e entrarem posteriormente em pesquisa, oferecendo igualmente uma apresertacéo visual da codificagio numa estrutura hierdrquica em Arvore, que vai mudando 4 medida que a codificagio vai evoluindo. Este programa tem sido utilizado por alguns investigadores da Universidade do Minho (e.g. Matos & Goncalves, 2000). © ATLAS foi desenvolvido especificamente para apoiar @ investigacéo realizada com base na grounded theory, ¢ baseou-se na obra de Strauss (1987). E um programa sofisticado, e permite a utiizacdo de palavras, mas também de imagens. Permite ainda criar diagramas conceptuais, que representam ligagies entre ideias que ‘vao surgindo. Tem interface com 0 SPSS ¢ outros programas estaisticos, mas para alguns utilizadores a sua sofisticagio pode nao justficar a sua complexidade (cf. Seale, 2000; Flick, 1998) Estes e outros programas podem ajudar, por arquivarem 0s comentérios ¢ as ceategorias que 0 investigador vai associando aos dados. No entanto, 6 0 investigndor que tem de realizar o trabalho criativo ¢ sistemético de procurar conceptualizar 0 dados. Aliés na escolha do suporte informatico o investigador deve avaliar quais as potencialidades, nomeadamente quais as suas fungbes especificas (c. ‘codificacéo de dados, pesquisa e organizacdo, memoing, construgio de mattizes, cconstrugio de redes, construgéo de teoria) ¢ a sua adequagio aos objectives e anilises planeadas para o projecto de investigacio. Exemplo de um estudo segundo 0s procedimentos da grounded theory "Neste ponto apresentaremos um estudo de investigagso com 0 propisito de exemplificar a utilizagio dos procedimentos da grounded theory. Atendendo & complexidade que a descticio de um estudo de grounded theory exige, informamos que a apresentagio que aqui faremos seré muito simplificada. Além disso, o leitor poderé notar que a aplicagéo desta metodologia a um domfnio especifico, a investigagéo em psicoterapia, privilegiou a opcdo por alguns procedimentos dos anteriormente apresentados. No estudo realizado por Femandes (1999) sobre a co-construgéo em psicoterapia, a autora pretendia estudar como as memérias do tetapeuta eram activadas pelo processo de recordagéo do cliente, durante a sessio psicoterapéutica, bem como compreender a experiéncia subjectiva destes epis6dios terapéuticos. 65 Métodos © para a prética¢ investigacio psicoldgicas Para prosseguir este objectivo foram realizadas entrevistas a 18 psicoterapeutas, ‘com formagao no *modelo de psicoterapia cognitiva narrativa” (Goncalves, 1998). Estes participantes foram seleccionados com base num critério teérico, ou seja a relevincia da sua formacéo narrativa (em particular o treino na atitude de recordacio natrativa) para o processo de co-construgio terapéutica, que se procurava explorar. O iupo de participantes comecou por inteprar psicoterapeutas com formacio e pritica Som 0 reierido modelo, sendo progressivamente alargado aos terapeutas recém formados (sem pritica) no mesmo modelo. Este alargamento teve em consideragio © facto de ambos os subgrupos de terapeutas poderem constituir-se como grupos contrastantes relativamente ao crtério tedrico (desenvolvimento de uma atitude hatrativa) inerente & construgio da amostra ¢, portanto, permitirem defini quer a tipicidade, quer a variabilidade na co-construcao narrativa. "AS entrevistas focalizaram-se na identificagao de episédios mnésicos do terapeuta durante a sessio terapéutica em andlise, ¢ por meio de um procedimento metodol6gico especifico, 0 processo de recordagdo interpessoal, foram estruturadas de acordo com uma estrutura narrativa. Assim, 0 guido da entrevista compreendia ‘algumas questdes gerais: Qual o precipitante da meméria?; Qual a meméria em si?; Como foi a experiéncia subjectiva dessa meméria?; e Como ocorren a finalizagao da meméria no dmbito da sessao?. Foi feita a transcricio verbatim de todas as entrevistas ¢ seguiu-se @ grounded analysis dos dados. O primeito passo da andlise consistiu na seleecio do material relevante para andlise, ou seja considerou-se dil manter para analis: todo © material {que se referia aos dominios da sequéncia narrativa (precipitante, mersria, experiéncia @ finalizagio). Os dados soltos, sem uma referéncia clara a um dos dominios, ‘comentarios paralelos ou que safam fora do contexto da entrevista foram retirados do material para andlise. ‘De seguida iniciou-se a codificagio aberta, ou seja decompés-se cada uma das cntrevistas em Unidades de andlise, sendo que o eritério usado pasa as definir foi 0 facto de representarem uma ideia nica. Cada um dos protocolos de entrevista podia conter diferentes extractos pertencentes @ mesma unidade de andlise, assim como {ncluir diferentes Unidades de andlise. Estas foram também colocadas no respectivo dominio narrativo (precipitante, meméria, expetiéncia ou finalizacio), tendo-se tullizado cores distintas para representar a unidade de anélise de cada um, a0 longo do texto. Cada unidade de anélise foi codificada com trés algarismos, sendo o primeiro relativo 20 néimero da entrevista, o segundo referia-se ao ntimero do epis6dio mnésico © 0 tereeito dizia respeito ao nimero de ordem na sequéncia do texto. Por exemplo 0 ‘codigo 01-01-02 refere-se & primeira entrevista, primeiro epis6dio mnésico e segunda tunidade de andlise identificada. Na mesma entrevista era possivel identificar outros segmentos do texto que pertenciam também a esta unidade, como por exemplo 01-05~ 02, ou seja 6 a mesma unidade mas presente num outro episédio mnésico relatado na mesma entrevista, Esta codificacio facilitou posteriormente a identificagao dos dados, ‘aquando da verificagio da correspondéncia das categorias construfdas ans dados. este mado, os textos das entrevistas foram decompostos ¢ as unidades de anilise foram. categorizadas dentro dos respectivos dominios _previamente identificados. Comecou-se por fazer uma categorizacio descritiva, ou seja a cada ‘unidade de anélise foram atribuidas tantas categorias descritivas quantas as que era possivel construir, quando a investigadora perguntava por exemplo: © que é que isto representa?, ou A que se refere esta unidade de andlise?, ou Sobre o que é isto? Esta categorizacio era ainda muito proxima das préprias palavras que os psicoterapeutas usaram, Assim, cada unidade de anélise podia estar associada a uma ou varias categorias descritivas, assim como cada uma das categorias descritivas podia vir a integrar diferentes unidades de andlise, identificadas a0 longos de cada uma ou das vrias entrevistas Para facilitar esta tarefa (¢ uma vez. que néo foi usado qualquet software para realizar esta anilise) a autora organizou a informacao em quadros do tipo do Quadro 1, ‘que apresentamos como um exemplo. Quadro I - Exemplo de construc de categorias descritivas Domisio | Unidae danse Citgo — | Caepoas divas recipianie | usndo el flo das fotogaian 05-01-01 | eomide do steam deco ene fotografie Teemisla” | Lembrabme de ver asin uma tie de| 07-01-02 [tosh fotografie... fograas de mim em efoto rin preo branco x6 asl um lash recodagSes de ver uma sie de fetopratias ‘pens | fol um Mash DOLE [senda deliagio oti ligds, um mito de anode, uma | 03-01-04 | emocional ‘era nora Talzagio | E daquls coisas que vio © que vem, jo 0501-5 [vale vem ro. me Jenbro do. que et die, mat movimento Jembrome de volar af vole ‘A medida que as entrevistas foram sendo feitas e analisadas de acordo com 0s procedimentos descritos acima, o processo de andlise continuou em cois sentidos: (i) deu-se continuidade aos procedimentos de categorizagio, nomeadamente a categorizacéo conceptual, ¢ (ii) sempre que uma nova entrevista era analisada Vetificava-se se surgiam novas categorias, ¢ se a comparacdo destas com os dados ja analisados justficava a reformulagao da anélise jé efectuada. ‘A categorizacio conceptual consistiu em construir categorias mais abstractas © compreensivas das categorias descritivas, atendendo as inter-relagées entre elas. Cada categoria descritiva podia relacionar-se com vérias categorias conceptuais, assim como ‘cada uma destas podia integrar varias categorias descritivas. Neste processo de ‘categorizagio conceptual, seguiu-se, tal como anteriormente uma postura de ‘questionamento aberto constante. A propésito de cada categoria descritiva e atendendo a0 dominio da sua inserglo, perguntava-se: O que & isto?, A que se refere?, Com que outras categorias esta se relaciona ¢ como?. Nesta fase eram feitas outras questées relacionadas com as propriedades das categorias j4 construfdas, quer porque 0 texto fomnecia indicagdes nesse sentido, quer porque de um ponto de vista te6rico se tomava pertinente fazé-las. Responder as estas questdes obrigava a recomer de novo as lunidades de analise e 20 contexto global do episédio mnésico em anilise, no sentido de verificar que fosse mantido um sentido de coeréncia entre os dados e a hierarquia de 67 _Métodos ¢ téenicas de avaliagio: Contibutas para a préticae investigagio psicolégicas categorias em construgio. O critério para acabar a categorizagio conceptual foi efinido pela impossibilidade de construir novas categoris, ou seja, mesmo quando fra analisada uma nova entrevista as categorias repetiam-se, nfo acrescentando ‘qualquer novidade. Considerava-se enti que 0 processo de’ categorizacio_tinha tingido a sua saturagfo. No quadro II apresentamos um exemplo da aplicacio destes procedimentos em relacio ao mesmo epis6dio mnésico apresentado ro quadro I. ‘Quadro I- Sintese da categorizacio conceptual sobre o episédio:03-01, Unidad de nse ‘Ciigo | Caegri deserve [eiegotzaeto Dominion conceptual ‘reciitante | Ovando esau das foografan [OS OT-01 | asco d cate fotogalis ‘qeioen ‘que que peigi: conto quando ue a meri stvad?; quando a chen fala come do dices vate 8 ay clste ue rela existe ene precpantee mem? semethanga Hee ‘memdra | Lembretme de vera una ie de [OS01-02 [flash Fovopafias ftogatie de mim em verfotograas rapt etneo 56 assim um recoragies ash de ver una sie de ftogais pee amo € mers veal. iid, sem pormenors|- vis ov imagétcn sobre oque sos ceases fotografia? pasado do tapes] pide “fg tve es merit Nese comet? efetoca pra | pormenores ‘omprens | -asocatio 20 asd do ferapoutaetertacia ‘cape | foo Tash TsOLas | iio cone! ghd, uo miso de saad, | 05:01-08 | emocional ‘uma coa sot. “pes a1 tipo de emogto? psi | -emecioral qe tipo despot? igs ene o cine ws emia /enberla| «tengo tame Tialzgio | E daqucascotas que vio e que vim, [OB0T05 | vale vem too me lembro do qe ea ds, mae Provimento embrome de vot a. volar “ere fim ago amo aca opis mnésea? vag, padi | - volar gradual one fx emia? algo qe cents dise|- voir 20 dscuso da A medida que este procedimento de categorizacio conceptual sobre os relatos dos episédios mnésicos incluidos nas varias entrevistas foi sendo desenvolvido, foi-se tomando perceptivel que algumas das categorias conceptuais se relacionavam entre si, sendo algumas destas relagbes suportadas em propriedades comuns. Por exemplo, no dominio do precipitante — consideraram-se propriedades como fonte, natureza © ‘mecanismo. O dominio da meméria poderia ser organizado segundo o seu contetido, a sua forma, a sua fungi, ¢ a sua nafureza. Quanto ao dominio da experiéncia foi ‘organizado segundo o tipo de experiéncia e o tipo de resposta & activagio. Finalmente © dominio da finalizagio organizou-se segundo fonte, forma e mecanismo. A {dentificacdo destas propriedades comuns a diferentes categorias permitiu reorganizar numa hierarquia as categorias descritivas ¢ conceptuais de acordo com alguns eixos ccontrais em cada dominio. Este tltimo procedimento refere-se & codificagao axial que, {al como a codificacio aberta, exigiu a comparagéo constante com 0s dados, no sentido de manter a coeréncia com os mesmos. ‘Como resultado desta codificagio axial, construiu-se um diagrama para cada dominio narrativo (precipitante, meméri, experiéncia c finalizacio), das quai a titulo te exemplo apresentamos o relative ao dominio da finalizagéo, na figura 3. Figura 3- Dominio da finalizagdo da meméria ‘Como vemos na figura 3, a finalizagio dos epis6dios mnésicos activados durante © processo de recordagao do cliente pode seguir diferentes percursos, definidos jor trés categorias centrais, que representam as propriedades da finalizacao: () a fonte (interna ou externa ao psicoterapeuta - ex. 0 terapeuta podia dizer cespectivamente: pensei para mim préprio que nio me podia distrait” ou "o cliente comecou a chorar"; (i) a forma como a meméria finalizou (gradual- ex. "foi acabando", waga - ex. "i no me lembro do que ela disse, mas lembro-me de volta’, indefinida- ex. "no sei muito bem", inverrompida- ex. "quando cla comegou a falar do tio", © corte- ex. "pens tenho que acabar com isto, tenho que dar o meu melhor"), ¢ (ii) 0 mecanismo (accao do cliente- ex. "com a risada dele acabamos por nos ritmos e acabou", accao do terapeuta - ex. "fiz um esforco para desligar", esgotamento- ex. acabou por eu nfo me Tembrar de mais informagio"). Em suma, este estudo utilizou essencialmemte 0s procedimentos de codificagio aberta e axial da grounded analysis. Esta anilise permitiu criar um modelo compreensivo da co-construgio terapéutica, construindo pereursos narratives. alternativos para as memérias dos terapeutas activadas no ‘contexto da sessio psicoterapéutica. Escolha, validagio e escrita de metodologia qualitativa ‘Quando os investigadores tém de tomar decisdes sobre a metadologia que thes parece mais apropriada para estudar uma determinada érea, muitas vezes vém-se ‘confrontados com uma diversidade de metodologias que, por tratarem dados de tipos diferentes, ou setem, mesmo dentro do mesmo tipo de dados, abordagens 40 69 iagdo: Contributos para a prtica ¢investigacio psicol6gicas incompariveis, tomam a decisdo acerca da metodologia mais dificil do que a escolha do tema. Um dos nossos objectivos neste capitulo foi oferecer un enquadramento ontolégico e epistemol6gico para as metodologias qualitativas, de modo que esta escolha seja feita com a consciéncia de que 0 conhecimento que é produzido nao é independente das metodologias utilizadas ¢ dos quadros te6ricos cam que Ihe é dado significado. Procuramos por isso inicialmente dar alguma informacio de background sobre a analise qualitativa em geral e sobre a grounded theory em particular, de modo a ajudar um investigador que queira decidir que tipo de metodologia utilizar, a ter mais, claros quais 0s fundamentos ontolégicos ¢ epistemolégicos que esto subjacentes esta metodologia. Algumas das questdes que os estudantes de mestrado ¢ doutoramento colocam fo sobre a possiblidade de realizarem, em contexto das provas académicas, projectos de investigacdo que recorram as metodologias qualitativas. A maioria das licenciaturas continuam a pautar 0s seus contetidos, particularmente visfveis nas disciplinas de cariz metodolégico, pela racionalidade positivista/objectivista, ¢, por isso, perseguem 0 objectivo que dominou a ciéncia pelo menos desde 0 renascimento: a descoberta, ppondo em causa a validade dos estudos qualitativos do tipo grounded theory. A outros investigadores, as dtividas podem surgir numa fase diferente, quand ja tém dados do tipo qualitativo e se questionam acerca do modo como podem dar sentido a todos esses ddados; ou como podem ter uma interpretacéo tedrica baseada nessa ralidade empirica, tendo a certeza de que os seus dados ¢ interpretagées sao vilidos e ficis? ‘A construgéo de conhecimento esti associada 20 desenvolvimento de estratégias que procuram aferir até que ponto ele se adequa ao fendmeno a que se aplica, No paradigma positivista, os conceitos de validade e fidelidade sio os critérios a partir dos quais se procura analisar a fiabilidade com que um modelo poderd ser considerado uma representacéo adequada da realidade. ‘A utilizagio de métodos de anélise qualitativos, intencionalizados para a compreensio dos fendmenos subjectivos, conduziu 4 emergéncia de uma reflexdo sobre os critérios que poderio ser utilizados neste tipo de investigacio, tendo alguns autores defendido que os padres ou cdnones pelos quais os estudos quantitativos sao julgados slo inadequados para os estudos qualitativos. Nesse sentido eles devem ser ‘modificados para poderem ser aplicados a investigagéo qualitativa (e.g. Agar, 1986; Guba, 1981; Kirk & Miller, 1986). Por exemplo, Guba e Lincoln (1939) sugeriram que a nocéo de validade deve ser substituida pela nocio de autenticidade e rejeitaram a nogio de generalizagao que deve ser substituida pela nogéo de transferibilidade. Outros, autores tém procurado propor critérios que assegurem a validacao do conhecimento produzido através de andlises qualitativas. Reisman (1993), debrucando-se sobre 0 conceito de validade na andlise narrativa, defende que este deve ser teconceptualizado tuma vez que a validade de uma narrativa decorre de tés caracterfsticas: ser persuasiva, no sentido em que se apresenta como plausivel; correspondéncia, que Se refere 20 modo como a populacdo a partir da qual foram recolhidos os resultados. da andlise narrativa se revé na teoria construfda (0 que exige que, ap6s o tratamento do material, ele seja devolvido aos individuos, proporcionando meios para avaliar se cles se reconhecem no tratamento dos dados); € coeréncia global, local ¢ temética com que a narrativa 6 apresentada. Por seu lado, Connely ¢ Clandinin (1990) sugerem que no pprocesso de avaliagio de uma narrativa os crtérios de fidelidade e validade devem ser ilhanea. Ou seja, uma nacrativa deve fazer sentido para aqueles qUe~esid0 envolvidos. no fenémeno estudalo, mostrando-se adequada e plausivel em relacdo ao assunto que procura abarcar;e oferecer um sentido de totalidade que, sem se perder em detalhes, desperte nos leitores uma conexo com 0 particular, convidando a estabelecer relagdes com a sua experiéncia subjectiva. "Um relato plausivel é um relato que tende a tocar a verdade. E um relato do qual se poderia dizer "Eu posso imaginar isto a acontecer" (Connely & Clandinin, 1990, p.8). trabalho inicial de Glaser e Strauss (1967), surgido no Ambito da sociologia, da necessidade sentida pelos autores de’ elaborar uma metodologia que peritisse gerar teoria, atendendo ao énfase que julgavam excessivo na década de sessenta no sentido exclusivo da verificacdo de teotias dos fundadores da sociologia e da utilizagio de métodos quantitatives. Mas outro dos objectivos centrais da obra era oferecer uma metodologia de investigagio mio especulativa, cuidadosamente legitimada, de modo a combater 0 estatuto desvalorizado que’ as_metodologias

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