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NOTA PARA UM LIVRO DIVERTID{ssIMO BUCANAA PERRAZ “Je trone dans T'azar comme un sphine incompri.” (Charles Baudelaire, “La Beau’, Les Flees d mal Houve o tempo em que um trabalho mide ¢ constante de difamagio do modemnismo tomava como exemplo da pior literatura 0 poema “No meio do camino”. Carlos Drummond de Andrade, seu autor, reme- ‘moraria em depoimento radiofénico: Como podis eu imaginar que um texta insignificente, um jogo moné- ono, deliberadamente mondtono, de palavras causasse tanta initas, ‘lo 66 nos meios literdsios como ainda na exfera da administra, envolvendo seu autor numa atmosfera de escdsnio? Professores de pormgués, sinda sem custo de letras, geralmente bachantis de forme- co literiria convencional, espalhavam pelo Brasil inteiro, nos Ginisios, que o modernismo era uma piada ou uma loucura, ¢ como prova liam «© poeminhs da pedes. Sucessoabsoluto de galhofa. Imagem gravada na sente de mithares de garotos, que dal por diante assimilasiam 0 con- ceito de modernismo-pedra-burrice-loveura* 2 Convers com Lya Cavalean, ums série de oto programas dominic na Rédio Minisdsio da Beueapio ¢ Cultura vada ao ar sob o nome de Quase memérias, ex 194 Apéso sparecimento,em parter, ast paginas do Jornal de Bra depoimento foi peblicado com o tale Tempe, oid, poses confit me ridin, em 1986. De: Presale, Rio de Janeiro: Nova Agalla, 2002, . 2307. A posigio de chefe de gubinete de Gustavo Capanems, ministro da Edducagio e Sate Pablica, rouxe o poeta para o Rio de Janeiro em 1934, «com isso instalou-o numa espécie de vitrine, aacads, evidentemente, com « pedra que arrastaria para onde fosse: (© autor da pedsa em posigho-chave no Mi O sole crigido em norma ofc de linguager.. Capanema sempce foi o mais indulgente dos homens. Nao se podie atacar o Estado Novo, porque censura do pir vigiava ¢ rosnava, Mes atacar o Capanema, podia; ele ro que cuide do ea- “tiaha um pede’, em luger de *havia uma pec, ava Bberdade, ¢ lém do mais nfo tinka coberture em Minas, onde Benedito Valadares the fan peracas enchumadas. Bntio, pau 0 Capa- ema. Ente ou a peda seria para mostrar que s6 podia set saluco um ministro que tinha seeetiio maluco? Politica ¢ literanura viamn-se, assim, estrategicamente confundidas, enquanto pareciam inconciléveis a figura do funcionério exemplar e a do poets exzavagante num mesmo suitor ‘Mais de uma vez me disseram: “Engracado, eu pensava que o senhor fosse débil mental, mas agora, vendo que providencia 0 andemnento dos rocessos € fz a8 coisas normalmente, velo que me engenei, Desculpe: {oi por causa da pedre no caminho..”* Lemb: gue Drummer 1945, ano em que deixou 0 rete de Capaneme, publicara, além de Alpume paetia — de que fecia parte “No meio do ? ~ outros livros excepcionsis, como Brejo 2 Pras 3 Dien das almas, de 1934; Sentimente do mundo, de 1940; Poesas, de 1942, vo" Jame com o qual « editore José Olympio reuniu os e8s livros anteriores ‘mais um inédito, oss ea sequéncia culminaria com o espléndido A rota de pove, de 1945. © ‘poeminha da pedra", no entanto, descomediu-se em relagdo a obra. A ignorincis ¢ 2 maledicéasia fizeram 2 dolorosa fama dos versos © do poeta, projetando sobre a vida do funcionsrio do sinistério uma sombra penhascosa ¢ demorada: Nas raras eunides a que comparecia, sempre encontrava um gaiato ot ‘uma guiate que me perguntava pela ped: se sinha ecbarrado nela € machuetdo 0 dedio, sea afestara do camino, coisas asim. A princpio, ex respondia seco ¢ encalistrado. Depois, prepare respostas de contra ataque. Afinal me acostumei. E se nfo Bz de minha dor um poeme, como pretendia Goethe, fz de minha chateasto um lio. Colecione: «© publiquel tudo 0 que se escreveu sobre a pedra no casninho, pré ¢ contra, claro que na maioris contra, Pois a ess altura a pedis havia as- sumide aspects exstenias e floséficos que nunce me psstaram pela cabepa. A pedra ¢ um simbolo! E ums besteirs! Genial! Idiota! Etc ‘Afzal: ficou divertidissimo, Foi otnioo caso de agressio que, por sus continldade ¢ generaliaaoto, me machucou.+ AA disserninasdo insultuosa do poema acabou por Ihe emprestar um aro isomorfismo: transformou © préprio texto em obsticlo, como a peda criada pelos vezso. © poeta, depois de responder “seco e encalistrado”, de preparer *res- postar de contra-staque”¢, sinde adiante, quando jé parecia acostumado, retosguiu em conformidade com urna das marcas definidoras de sua es- vita 2 iroale, Nao se defendeu com o alardearnento de prémios ¢gléxia 4 Pro elt opi pea, incontestivels, nem eclipsou, por meio de cauteloso siléncio, a relayio ‘raumética entre 0 poemna ¢ seus leitores. Em ver disso, para marcar 08. ‘quarenta anos de aparecimento de “No meio do caminho" na Revise de Ansropofegia, ex 1928, trouxe & luz 0 livro Uma pedra no meio do caminbo — Biografa de um poema, resultado dos anos em qu dizia do 'poeminha da pedra". Com ivou 0 que se eberam de volta 1m. espelho cuja ime- ‘gem refietida tinha o efeito expressive de uma caricatura.* Se pensamos no cuidado com que o poeta reuniu © montou em se= ses todo o material, surge-nos 0 retrato do burocrata aplicado, paciente, ‘organizado, vingando-te dos que Ihe perguntavar pela pedra, dos que o julgavam, preconceitucsamente, “bil mental”. O paetae o funciondrio rotinem-se de modo exemplar nesse Livro Cabe lembrar que Drummond permaneceu no gebinete de Gustavo Capanema até 1945, ano em que foi convidado por Rodrigo M. F. de Andrade para trabelhar na diretoria do Servigo do Patriménio Histérico «¢ Artistico Nacional (sextan), onde ocupou a chefia de Segio de Hises- ‘a, na Divisto de Estudos e Tombamento, aposentando-se como chefe de sesio em 1962, Ere inegével, portanto, a intimidade do “autor da pe~ Ata” com processos, ata, protocolos,registros,tombos,eatélogos, pases, lisas. Mais que isse, porém, é importante cbserar o gosto que 0 poeta 5 Una pds ne mcd amino — Biografi de un poe, elec emacrragem de Cu ies Drummond de Andrade, Ri de ania: Ears do Aton 6 Beatiow obterar qu limos manta, de charade entica da cpg. Se pera no meio ds caminko — agri dtm poome vai exatamente nese sentido, na ‘medida em que tux & tons o efeitos de um texto aoe miios em que circu, Ia © primeizo comentirio que nos chegou sobre o poema “No meio do ea sino” data de dexembro de 1924 01 inicios de 2925 & por signifcativa coincidéncie, da autoria do maior dovrrinador do modeznisine, Matio de Andrade, que Carlos Drummond conhecers numa noite do ano an terior no Grande Hotel de Belo Horizonte, ea cnja ince extica pas- sara. a submeter respeitosaments, por carta as suas produyées. Mirio de ‘Andrade, 2 quem nio deve ter escapado a centelba que biThava nos hos do timido moo minciro, sunca deixou de tecer minuciosos comenté~ sios sobre tis produgdes, em longus (e importantes) cartas que Caslos Drummond de Andrede, a0 contririo do que fzeram Manuel Bandeica, Sousa da Silica, e outros, pesite em manter inéditas depois de breve hhesitagdo traduzida na revelagio parcial de algumas >” E numa delas que vem o comentirio: 0 ‘No meio do camino’ € formidivel. E o mais forte exemple que vonhego, mais bem feissdo, mais psicolgica de cane sago intelectual”. Cerea de um ano depois, eambémn em carta a0 autor, Misio de Andrade repetira elogio. © poema, no entanto, 6 € publicedo em 1998, na primeira pigina do namero 3 da Revise de Amtropefigia.® E, que salbames, nfo provoca entdo nenhem comentisio escrito, 2 nfo sero de Alcantara Machado, igualmence em carta particular ao autor: “Mas estupenda mesmo & pedra que esti no meio do camino, Vamos semtarnela?"2” Compreende-se, em parte, este siléncio: una revista que ce pretendia toda ela eevolucionazia e provocante, ¢ 1m lado, tratavanse de de uma revista de pequens crculario ¢ tiragem; e, por outro lado, porque 27 As cars foram entetantopublicadas: Curia ¢ Mri. Rio de Janizo: Bean-e-viy 28 Edigho de julho de 938 29 Cara de oparapas de uma reviste se tatava, ado havie grande pretexto pare comentirios cescritos. Mas no repugna accitar que date de entio o inicio da popula~ rizagio do poema, ou que este tenhe provocado, desde logo, adesbes en tusiésticas e entusidsticas repalsas — como as que provocou depois que foi publicado em volume, em 1930. Na verdade, Joio Alphonsus deixos escrito que quando viram a luz de publicidade, em Belo Horizonte, os versos de "No meio do carninho" “causaram funda irritagio entre of in- telectuais que detinham a lideranca da tabela, como se diz em lingua~ _gem exportiva’ E, menos de dois meses apés 2 sua publicago em vo~ ume, jd Paulo Mendes de Almeida se referia ao poema nestes termos! “E tho sucesso que se tornou um Tugur-comum elogit Se sio muitos, e bons, os elogios que em 1930 se escrevem sobre 1 ‘poema de pedra” (além dos citados, os de Cyro dos Anjos, Manuel Bandeira, Milton Campos, Murtlo Mendes, Martins de Almeida ete), silo ainda raros, todavia, os ataques que se the fazer por escrito: dois, apenas, um deles anduimo ¢ 0 outro ca autoria de Oscar Mendes, que lids fi prodigo em elogios « Alguma presi. Sucedeu coma 0 poema 0 que sucedeu com este limo, que foi entusiasticamente saudado por hhomens como Manuel Bandsira, Métio de Andrade, Joao Alphonsus, Augusto Meyer, Tristio de Athayde ete. ¢ entusiasticamente repelido apenas por Medeiros ¢ Albuquerque: os detratores mantiveram-se quase todos na sombra, preferindo ridiculariaé-lo de viva voz, nas assembleias, academias, cafés ct. E s6.a pants de 40 que os ataques ou remoques por escrito a0 “poema a pedis” — como pastou e ser comamente designado — se intensifi- caram ov multiplicaram: como os elogios ou referéncias encomiésticas, alids. A que se teré devido isso, aparentemente estriaho? yo 7A pedes no camino, Folba da Monht, So Paulo, 250.943. 3 “Deis posse’, Dis de 5, Pauls, Sto Pau, 22.073930. Creio que se teri devido, antes de mais nada, 20 fato de 0 poeta ‘ccupar um importante lugar piblico no Ministério da Educaco, como chefe de gabinete do ainistro Capanema,¢ & maior projegio do nome de Carlos Drummond de Andrade, que entretanto publicara mais. em recrudescido 0: ataques, mas agora por razses diversas, ao modernismo, Lédo Ivo chegaria mesmo s escrever que era necessirio joger “ama pedze na vidraga da janela’ de Drummond ¢ voltar & Bilae. E ter-se-d devido ainda ao fato de, em 1938, Gondin da Fonseca, num jomal de grande circulacko (Cerreio da Manba) e num ‘cartointervalo de tempo, haver ridicularizado, por trés vezes,“No meio de caminko (hoje sabemos que foi 2 ele mesmo que se rdicalerizou). De 1950 para c4, sumentaram os elogios a0 poema, mas ainda aio de- sapareceram, de todo, os ataques ou as izonias. Agora tudo parece dito sobre 4 glosa a parddie, desde anedota & meditscio, desde a simples alusio 20 comentirio, desde o titulo da noticia ou de livro 20 livro, desde o pretexto de ameaga ‘ica, o pequeno poema de der versos t conhecido também todos os degraus da escala de valores: “pilhéris” , “bobagem” (Cavaradossi), ‘poems gozado” (Augusto Linha- oemeto Futurists”, “mance indelével de uma fase de loucura da mais caracteristco da ‘nossa époce tio prosaica ¢ tio agitada” (Joto poema que nds todos desejaniamos tar escsito” (Cyro pletemente agradavel, impressionante ¢ desozienta de Almeide), “sem beleza, porém extremamente exuberante de poetia’ (Cctivio de Freitas Jinios), “coisa mais desesperadamente humana ¢ a2~ sustiada que se possa imaginar” (Pedro Vergara), “a melhor coisa do mundo” (Pradente de Morais Neto) “No meio do camiaho® nao € decerto o melhor poema de Drummond, nem seré mesmo um dos seus poemas mais dramdticos significativos, Com evideate exagero, o autor considera-o mesmo “insignificante em 6 clazo: serviu termbém de cartilha, a “carttha’ de que fala Joao Cabral ‘de Melo Neto num poema (“A educagio pela pedea") que ¢ talvez a me- Ihor defess ot a methor critica que se poderia esceever sobre o poema de Drummond, embora escrito sem essa intengéo. Cartilha com as quatro ligbes: de moral (resistencia fei ao que fui ee Bis, ea sex maleada’} de podtica (sua carmadura concrets") de economia (Yo adensar-se com acta”); ¢ 2 “antedidatica’: de “entranher a alma”. £ serviy, ainda, para rengio de muitos que de outro modo nfo teriam prestado stengfo a obra do poets; e para sulgarizar, como neabum outro poema, & poesia modernists. Porque, & semelhance da pedra de Deméstenes, a chamar 32 Tempos depois deter Sito ete ui, Joto Alphonsas madou de opin, 53 Confer de ina p75 1434 Publicado em O Brads de. Paul, 8.001966. Pedra de Drummond curou a gaguec (¢ através dela, a surdez) poética de muitos le Sab esce aspecto, penso que “No meio do csminho” deve ser um plo rasissime na versa ¢ que difcilmente deixard al- dis de consti tum poeta todo um tipo travar contra o conservadorismo ignorante, cor tra a esrupier insteuida Da luta — ¢ da glésia que s6 ela mesma chega (© pequeno ‘poema da pedsa” vale pois verdadeirament uma peda qualquer no me ue 0 poeta a si mesmo se erigiu, ¢ o seu séeulo REAGAO PELO RIDICULO «# Publicaros abaixo os formosissimos versos do conhecido beletrisea minciro, dc. Carlos Drummond de Andrade, Como veri o leitor,nestas Ennhas hd uma profunda fllosofia, que o vulgo nto percebe, mas que 05 cleitos sentem e compreendem. Esta peda & um simbolo. 6 uma peda que vale ouro, © poeta foi andando © topou pedra. Refugou. Sau safado com a pedra. E nunca mais se esqueceu dela. A pedi vive-Lhe na cebega ¢ nas retinas, Nessa pedra tem coisa Aivio os versos profundissimos: ' No meio de caminko tinba uma pedra Finha uma peda no meio de caminke ‘tinke ume pedro no meio do caminko tinka uma pedra None meexqucerei deste contecimente a vida de minds retinas tt ftigadas. Nuca me exqucerl gue ne mci do caminho inka uma peda inka uma pedva ne meio do caminke sno meio de casino tba uma pedva “Ua po com uit pode’, Folie de Net, Bebo Horizonte 1.052930. ‘© A sagecidade de um sberiok fez chegar As nossas mios o poema a seguiz, a lavte de um intelectual do nosso meio, esptito interessantiisimo ¢ original, e que sempre se revelou o mais ardente ¢ © mais entusiats ad- mirador da nossa moderna corrents literéria. Como se veré, 0 poema € apenas uma expressiva parédia do famoso “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade, poems este que tem sido alvo dos ‘aiores elogios por parte da nossa critica mnodernista, Como jsalienta~ ‘mos, essa parédia nos chegou as mos indizetamente, auma carts intima esse intelectual « um seu amigo sesidente em Belo Horizonte. Nessa carta, que ¢ uma verdadeira pigina liter e em que 0 seu stor interpreta claramente 4 profunde filosofia contida nos versos de Carlos Drummond de Andrade, foi onde achamos « de onde pudemos excrair a parédis, que temos agora o prazer de divulgar embora sem consentizmento do esccitos, Vai asim publicade, a titulo de cusiosidade, sob o pseudénimo de Bellini, o mesma que o autor usou na referida carta Porventusa o Sr. Bellini ficaré zangado? Eis, afnal,a sua pasédia: NO CAMINHO DA VIDA (ares do porma "No meio do eaminh, de Carlos Drummond de Andrade) Todo 0 mundo tem uma peda debaixe dope Debaisa dap todo 0 muds tem uma peda ‘Tada 0 murda tem toma pera debaixo do pe Entre a meia de seda aimafadinbs Evasola dope cheia de cull Nimca bavemos de nes esquecer dessa pedra soveladeira Que fica debaixa do pé Entre a meia de eda almafedinba Ea sola do pl cia de cls ‘odo 0 mundo tem wma pedrinka debaizo do p. eee » De cambulhads, porém, com poemas que podem agradas, muito moder nismo do mau, do barato, do berrador, desse em que jé nem se acha grag. B, apssar de todo o esforgo e de toda & boa vontade, ndo posto gortar de No meio do caminbo tinka wma peda nha uma petra no meio do caminko Yinka wma pedra so meio do carcino tinba uma peda {ue jd se disse ser 0 poesna mais sétio do livre. Quis descobrir 0 drama 1 que disseram haver repetigio de um fato tivialissime. Li ‘Malgrado meu, 36 me vinha & lem= ello poems, mas nis houve j branga aquela risivel istria: Marsis, id vem o bonds, Meme, id vem o bonds, Mamie, if vem 0 bonde do Caju Mamas, lé vem o bonde etc. ete. ee. + Dizem que todo o homem é mais ou menos vistrel. Nao ert, O st Galileu Saraiva, por cxemplo, que o digs. }éo sz. Carlos Drummond de Andrade, que consta ter aparecido suma sestio espirta para explicar 0 poema da pedsa no gem de Wells poi do caminho, fia tnveja a0 procio persona tem necessidade de ingerir uma droga violenta paca sutilizar-ee. O esforgo dele € no sentido de inventar outra droga que 0 tome visivel. Ainda nfo consegui, sro Péuix [Mos anpaape),"Um assonto deicade" Drie da Tarde, + Nao ha quinze dias, li um artigo de certo sujeito sobre o sx. Catlos Drummond achando-o o melhor poeta do Brasil (ainda acima de Ma- ‘nucl Bandeira, esse génio!) por cause de uma poesia que ele produaiu ¢ (que ev vou transcrever na integra: Tinka wma pedva no meio do caminko. No meio do consinbo Hnka wna pedra. Tinka wma pedral Nunca me esqueces este acontesimento Que re graven na minbe retina fatigada, \9 Tinka uma peda ne meio do camino, Tinbo uma pedral No meio do caminho tinba uma pera. fm postura de Leghorn (como foi 0 caio de iizias todos os dias. © st. Carios Drummond é dificil Por mais que esprema 0 cérebro, aio sai nada. Ve uma pedir no meio do caminho — coisa que todos os dias sucede a tode gente (mormente agora, que as ruas da cidade inteiza andar ern conserto) ~ e fica repetindo a coisa feito papagaio. Tinba uma pera no meio do caminto No meio do caminkotinba uma pedral Tina wma pera! Homem! E nio howe ume alma earidosa que pegasse nessa pedra ¢ she esborrachas ves fesse barat.” Cora da Manba, Ri de Jancze, 0.072936 + Os nostos génios poéticos atuais slo todos mais ou menos como esse malfadado Carlos Drummond, que penetron agora no Templo da Imoz- tslidade conduzido pela mio do st. Manuel Bandeira ¢ levando na ca besa a pedra sobre « quel burilou esse inimitivel poema que hé dias transcrevi ¢ que hoje torno a transerever,alucinada de entusiasmo: Tinha uma pera no meio do caminta [Nome do caminbo tins ama pears Tino one pada Nunes me esquece este aconteimento, Ques graven na minha retina fatigade! Tinka uma pecra no meio do caninbo Tina unt pera! [No mca do caminbo sinks uma pedral Se ease parusco morasse aqui para as minhas bandas, nfo compu- nha apenas uma breve poesia: elaborava um longo poema em 20 ou 30 ccantos, pois o material de sua inspiracéo é nesta zona abundantissimo depois que a Light deliberou transformar as russ em escombros 2 fim de mudar os wilhos dos bondss. HH peda no caminho que néo acaba sais! Dezenas, centenas, milhares! Os poetas antigos eram muito sais interesrantes que a meioria dos de hoje. Ainds anteontem, do- ringo, eu reli, delictado, alguns versos encantadores de Luis Deifino ‘dei depois uma boa gargalhada quando mentalmente os compacei & pedra do Drummond. la ance per agus endow primera, Porgue Borges de suas mos: egunda, org ninguém, como ela, tem no mundo Este esguiito xte serve cei [...] Hoje nao se rima. Um cabra vai pela nus, tropega por exemplo summa casca de banana, papagueia a coisa umas quatro ou cinco vezes ¢ pronto! Esté feito um poema: Ex tropeei agora numa cascade banana. Numa cases de banana! Maa casca de banana eu trapesi agora Cat para trs desamperadamente, E raygue os fies das ealgas! Mma cascade banana eu tropecel agora Is Numa casea de bomene! Ex tropeei agora numa casa de banana! ‘cowpea roxsuca,“Conua-s-mo. Os acsos aus gene patto” Conia de Mant, Rio de Jaseize, 26.08.1938 ‘+ Mita gente pensou que fosse apenas invenséo minke a célebre “poesia dda peda’ que ha dias publiguei neste meu canto de jornl, de auroria do sc, Carlos Drummond. Nio ¢ O Ladetra chegou certa vez a recité-le pelo radio, babando-se em elogios ao talento postico do sujcito. Ambo Porentes actatbus ec ‘GoNDIN DA Fonseca, C Manta Rio de Jancir,31.073938 s-somto, Lua de pes". Com + Todavie, ocalizando o subconsciente calcério dos nossos poetas avan- ‘sados, € impossivel furtar @ antologia a sua pega principal, a joiz mais caracterittica da colesio, aguela que pode ser considerada a “biblia” do ‘género € que s6 a umn Bomemsexcepcional ocorreria escrever, Hevia ume pedra no meu camino — no mew saminko bavia uma pedra, NO MEIO Do CAMINHO No meio do caminbe rinba wma pedva Finke uma peda no meio do camino nba uma peda sno meio do caminke rinke uma peda, Nunca me esquecerel dese acontecimento a vida de minbas retinas to ftigadas. Manca me eiguecere! gue no meio do caminbe ‘inka uma pecra inka uma petra no meio do caminbo no mia do caminko tinka uma pera (Ore essa! His, na sue simplicidade, um acontecimento que néo cor- responde a um espanto de horror ou de deshumbramento, a qualquer impressio epidérmica na alma do poeta, mas sim a um sentimento forte € duradouro em que o espitito se apoia com seguranga # wanguilidade ‘em virtude de seu fundo estivel e permanente. A coiss acontecida ficou ro poeta niio paseou por ele. Aquela impressio podtica permanece na alma que a sentiu, inalterével & luz ou & sombra, sempre a mesma em qualquer ambiente, nfo tendo a sua existéncia condicionada & epazicio 6 sol ou dz tua, (Quantas vezes por dia passamos ou troperamos numa pedra sem que cla nos arranque nada mais do que um olhar descuidade e vazio ou uma exclamagio irritada: Que diacho! Entretanto, bastou que Carlos Drum- mond olhesse de certa maneira 4 mesma pedra que acontece cotidians- mente na nossa vida para que a arte poética se clevasse mais um grav cima do nivel em que se achave Reelmente ¢ sensibilidade poética consiste simplesmente numa ma- neira especial e particular de ver as coises que se apresentam descobertas sas oficilizadas aos olhos de todos. Nos outros passamos por aquela pe- dra sem emogdo, com os sentidos anestesiados pelo habito. Algum outro ‘poderia vé-larevestida exteriormente de um aspecto poético sob pressio de um ambiente ou de circunstincias impressionantes que a fizessem res- saltaz, O verdadeiro poets, como Carlos Drummond, achou um fando pottico nela mesma, isoladamente, em toda sua purezs lirica, sem qual- quer moldura sobressalente, A verdade ¢ que Carlos Drummond nao encontrou propriamente uma pedse, mas 0 proprio Carlos Drummond. Mais facilmente re~ conheve os objetos do que os descobre. Quero explicar que um dos ‘epectos curiosos da sus psicologia de poeta é a volta & ele mesmo, a interiorizagdo do cbjeto de sua contemplacio, a incorporacéo ativa dos fatos & sua natureze sntima. Os aeontecimentos ou saem dele mesmo ‘para viverem instantes de realidade objetiva e setomareen a ele, ou reli- zamse fora dele mas quando o encontram integram-se imediatersente no seu fundo espiritual. MARTINS DE ALACECD4, “Alguima poets’. O Jornal, Rio de Janeen, 10.8393. © (--]incapaz ¢ frigil diante da vida (ver 0 admirével “No meio do ca- minbo”} [...] dso pe avanane, “A posts Reps ie Apts de terse Bra 32". Revirer Neva, Sto Palo, sos. Ri de Jansto: Amerie Ed, 2545 Bs. + E quando Carlos Drummond de Andrade se transforma no blagueur delicioso, de que a “Pedra no caminho" (Alpuma poesia) & 0 atestado mais puro. J0K0 poRwAS 71:10, "A propésito de Br der alma”. Etod de Minas, Belo Horizont, 3.06.03 |os + [...] nesse registro do cotidieno, do tezra a terra mais elementas, por vyeaes 2 “Totografiz" pode assumir elevagdes de simbolo: € 0 que se dé com 0 famoso “No meio do caminho", qusisquer que tenham sido as intengBes do poeta. * [J foie poesia concreta que assumi as consequéncias de certa linha de poemitice drummondiana (aquela que o esitico Oliveira Bastos ras- ‘weou, & maneisa de um continuum formal, de Oswald 2 Drummond ¢ deste a JoBo Cabral, num artigo publicado no deslbar do movimento). De sminho", do livo de estreia de Carlos Drummond de Andrade (Afguma poesia sla mas de toda uma fase heroica de nosso modernismo e €assim que fo weem os postas concretos — como uma verdadeira “concregic" a~ guistice, pois se utiliza de uma escandalosa tdenica de repetigdes (e uma ‘extrema redundancia, como adverte Max Bens jé se pode constituis, por sua originalidade, em informasto estétice) para fazer dela o suporte tautoligico no qual se engasta, como uma pérole na sua madrepézol, @ emogdo-surpress ("Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas to fatigndas”) “Drummond, mestee de coisas aRoLD9 2 ae 8, Pale, = Se entre os poets brasileiros Carlos Drummond de Andrade € dos “mnais expostos & gulhofa’, oa obra drummondiana bem mereceria esta classifieagdo aquele farnoso poema “No meio do caminhc", publicado em 1930 no volume Alguma poesia para s6 citar uma amostra, umn poema como ‘No meio do ca~ composigdo que se tornou emblematica nfo 36 de sua poe ‘Mesmo entre admiradores do poeta é comum considerar-se © poema da pedra ume piada — de bom ou de mau gosto, isto nfo vem 20 caso, mas pisds sempre —, uma isveveréncia dos chamados modernistas, naquelas primeiras décadas do século em que, muitas vezes, o artista sactificava mesmo a sus cbra de maneira consciente e limps, “pensada ¢ repensada”, como dizia Mario de Andrade, com o fim de preparer 0 remeno pare a verdadeira arte de expresso nacional. ‘Hi 05 que no consideram o poema propriamente uma pilhéria; ape~ nas ume extravagincla, produto de um impeto de originalidede, qual- quer coisa assim como esse “Samba de uma nota s6” gue anda pelas ruas. Virewosismo, quando muito Armim, tudo isso repugna. Encaro de maneisa muito diferente o poema, ‘Habituei-me a ver nele a expressio Gnica de um estado emocional nico, excelente exemplo da indissolubilidade da propo: De inicio o poets nos apresenta uma situagio — “Na meio do as sinha uma pera’ —, ¢ 0 wom & de quem vai contar uma historia. Mas 0 verso seguinte ¢ exatamente o reftaxo do primeiro — “tinba ume peda ‘no meio do caminbe". A ordem inversa em relacio ao anterior fea-n0s vol- tar ao poato de partide, ¢ a narrativa se interrompe, deixand o li ‘espera de uma palavrz mais, No entanto, la no vem, 0 poeta ni ta comesar de novo, no terceiro verso — denso porque a pause que se segue a essa tentativa de recomeso, tentativa frustrada, pois ‘0 verso sc intecrompe abruptamnente, aumenta a expectativa do leitor. (Que peda serd essa? Metifora de que substincia viva, de que pulsagSes hhamanas? E esse caminho, que fuéncia de tempo sugere e encobse? “Mas o poeta, em vez de prosseguir, como era de esperar, retorna a0 [Ponto inical, a0 mesmo Saxo do primeiro verso —“ne meio de caminko ‘inka wa peda’. Situasao espacial c temporal, para ela no poerna, sem raizes, em horizontes. E termina assim a primeira estincia, cem que 0 © POEMA VISTO PELO AUTOR + Em todo 0 cato, posso dizer aqui aiguma coisa de Carlos Drummond de Andrade, Foi ele mesmo que me falou, com algum desgosto, de “A pedra no mio do caminko”, tantes vezes desrespeitosamente citada por rim, Compreendi entio que o artista de Breje das almas tem mais amor a sus poesia do que & sua prose, completa, perfeita ¢ invefivel. A alusio 30 poema da pedra ers uma censure ou uma queixa. (Astim o devoto mostraria um ateu o santo da sua preferéacie.) "Carlos Drummond de Andrade” Fl de Minas, Belo Hosionte, + Ost, Drummond de Andrade passa por ser 0 autor de um poeme (?) jou que melhor nome tenha, a que deu o titulo “No meio do caminho", Essa produgto corre raundo ¢ € considerada ora obse de génio, ora mo- ‘numento de estupides, Na relidade, nfo é nenhuma dessas coisas, nem pettence ao estro do st, Drummond. Com efeito, quem se des ao traba~ tho de examinar-the o texto verifcars que se trata tio somente da repe~ {isto cito vezes seguidas, dos substantivos “meio®, “camino” e ‘pers’, ligados por preposigdes, artigos ¢ um verbo, Nao hi nisto poema alum, bom ou mau. Hi apenss alguns voedbulos, que podera sez encontrados facilmente no Pegueno dlciondrio brasileiro da Hngua portuguesa, revisto pelo sz Aurélio Buarque de Holanda. ‘cant0s DEUBMOND DE aNDaabs, "Autonet, Carlos Drummond visto por Carlos Drummond” Leituns, Rio de} ‘© Una pedra no meio do camino 1 apenas wm rasir, no importa ‘+ Mas confesso-Ihe que me surpreendi ao ver surgis ao lado da minhe rmodeste e atacada ‘pedra no meio do caminho” um soneto que The in- ‘terpreta e desenvolve o sentido.” Porque a referids pedra — vou usar de toda a frangueza — nfo tem sentido algum, a nfo ser 0 que The dio as [pessoas que a atscam e com ela se icritam. E uma simples, uma pobre peda, como tantas que hé por ai, nada mais. O poema (se assim se pode chamar) em que ela aparece no pretend expor nenhhum fato de ordem moral, psicoldgica ou floséfica. Quer somente dizer 0 que esti escrito nile, a saber, que havia uma pedra ao meio do camino, e que essa ch cunstincia me ficou gravada na meméria. Como vé, € muito poueo, é mesmo quase nada, mas é 0 que hé. CcaRLos DRUMMOND 92 axDRADE, carts Lautionce Bel, Rio de Jandiae 24.03.64 + Entro para a antologia, nfo sem registrar que sou 0 autor confesto de certo poema, insignificante em si, mas que a partir de rga8 vem es candalizando mea tempo, ¢ serve até hoje para dividir 0 Brasil em duas categorias ments: [No meio do carinbo tnke wna pedra inka uma pedra no meio do caminbo nba uma pedra re meio do caminbs tink wea pedro 59 Verp.ays Nunca me ecqucerei dese acontecimento na vida de minbas retinas to ftigadas. Nunca me equecerei gue ne meio do camino inka uma pedra inka uma peda no meio do caminke no meio do caminbs tinka uma pedra (c4R108 ORUNNOND DE ANDRADE,“Autobiograia para ura evs", Confinder de Minas Rio de Janeiro: Americ Bi, 2044, 9.73. © o ENIGMA As pedras caminhavam pela estrada. Bis que uma forma obscuca Ihes barra o caminho, Blas se intecrogam, ¢& sua experiéncia mais particular. Conheciam outras formas deambulantes, ¢ 0 perigo de cada objeto em circulagfo na terra, Aquele, todavia, ero nada se assemelha as imagens ‘tituradas pela experitnci, prisioneiras do hdbito ou domadas pelo ins- ‘nto imemorial das pedras, As pedras detém-te. No esforgo de compre- ‘ender, chegam a imobilizar-se de todo. E na contengio desse instante, ‘fxam-se as pedras — para sempre — no chfo, compondo montanhas colossais, ou simples ¢ perplexos e pobres seixos desgarrados. Mas a Coisa sombria — desmesurada, por sua vez— af esté, A me- neisa dos enigmas, que zombam de tentative de intespretacio, £ mal de enigmas nfo se deciftarem a si préprios. Carecem de argiicia alheia, que os liberte de sua confusio amaldicoada. E repeler-na a0 mesmo ‘tempo, tal € a condislo dos enigmas. Esse travou o avango das pedras, rebanho desprevenido, ¢ amanha fixart por igual as Arvores, aré que chegue o dia dos ventos, € 0 dos passaros, €o do ar pululante de insetos, «¢ wibragdes, ¢ 0 de toda vida, © o da mesma cepacidade universel de se costesponder ¢ se completas, que sebrevive & consciéncia. O enigma rende a paralisar 0 mundo, Telvez que ¢ enorme Coisa sofra ns intimidade de suas fbras, mas no se compadece de si nem daqueles que recur 4 congelada expectagzo. Ail de que serve a inteligéncia — lastimam-se as pedras. Nés éramos inteligentes,e, contudo, pensar a amneasa nko € remové-ls écré-Is, Ail de que serve a sensibilidade — choram as pedras. Nés éramos, sensiveis, ¢ 0 dom de misericérdia se volta contra nés, quando contéva~ ‘mos aplici-lo a espécies menos favorecidas Anoiteceu, ¢o ar, modulado de dolentes canges que preexistem 20s, instrumentos de misica, espalha no cBncavo, jf pleno de serras zbruptas de ignoradasjazidas, melancsica moleza. ‘Mas a Coisa intesceptante nio se resolve. Ela barra o caminho, e me dita, obscura, exRLOS DAULMOND DE ANDRADE, Ce Rio de Jancico, 05.08 647 Rep nz Poe até ayona Rio de Janeiro: Jat Olympio, m8, p ash © LecADO Que lembranca dare ao pats que me dew sudo gue leno es, tudo quanto xenti® Na noite do serefim, Breve otro esqucces inde incerta medalbs, 2 mew nome seri E merge egperar mais do gue os cates, eu? Ticndo me enganas, mune, endo teengana at ues menstosatuas, naa os eativa Orf, « oagar,taiturn, entre otalven 60s [Noo deinarei de mina nanbure canto radio, soma vex matinal palpitando na bruma e gue arrangue de algutm sex mais secret epinko De tude quanto foi mex paso eaprichoro na vide, restart piso rst seem, uma pedra gue have em meio de camino. ORD DE ANDRADE. Corn gre. Rio de antico: Jos Hanba, Rio de anciso, 8.06.1980 yap, + O pocma moderno que mais discussées suscitou no Brasil € sem dui= vida “No meio do carsinho", de Carlos Drummond de Andrade. O pré- pio autor, mum artigo de autocritca, teoeu a ceu respeito, hé anos, estes comentisios maliciosos: © se Drummond de Andrade passa por ser o autor de um poems (2) ou que melhor nome tenha, a que deu o titulo *No meio do caminho’. Essa producio corre mundo e é considerada ore obra de génio, ora mo- snumento de esrapider. Na realidade, no € nenbuma dessas coisas, nem pertence ao estro do st Drummond, Com efeito, quem se der ao trade Iho de exeminas-he 0 texto verficard que se trata tio somente da repe- tigdo,oito vezes seguidas, dos substentivos “meic", “camino” e ‘pera’ Ligados por preposigdes, artigos e um verbo, Néo hi isto poems algum, bom ou mat. Hé apenas alguns vocdbulos, que podem ser encontrados feciimente no Papueno dvionario brasieve da Hingua portuguesa, revisto pelo sr Aurélio Buarque de Holanda. Dizem que autor de Poesia até agora escreveu esse artigo para se ver livre das “aporrinhagées” dos eritcos ¢ leitores, que © atormentaram desde 2 publicagto do famosa poem. “Auroesegese de um poor” Fao ae Mana, Sto Paleo + LuJe breve nos dara Poesiar completas...] além de uma possivel Hfs- {ria ¢ antologia da peda no caminke, cora que se livre do longo reesique rotivado por esse pequeno (e bom) poema de 1929, longamente gozado pelos antimodernistas. user saaca."Gente da cidade. Cares Drummond de Andrade post". Manse io de Janeize, 3.955 * « pmo — Qual o primitivo sentido, ¢ como brotou, 0 seu famoso poema da pedra "No meio do caminko”? PONG — Jé 0 fz hi muito tempo, ¢ acho que queria dar a sensasio de monotonia ¢ cheteagio, a comerar pelas palavras(...] cee cansros, “Pieg-pong" "Fazend! is alas) Carlos Drummond de Andrade” 25.05.1956 + —E verdade o que disse 0 Geir Campos sobre 0 seu faroso poema da pedra “No meio do ceminho"? — B, Mas é mesmo chateagio © gue estava sentindo, Queria dar a sentagio de monotonia, nfo sentiu esta sensacto? —E perfeita om Carlos Deurmmend de Andnds" 2956 + En cuanto a mis experiencias, recuerdo una muy particular, Un poema de mi mocedad, “La piedra en el camino” (escrito en 1927), fae tici- culizado tremendamente. En ese poema yo sepetia una palabra, para dar la impresion de monotonia, en una repeticidn obsesive. Causd tna sisa universal aquel poema, y se popularizé en ese sentido, como burl, ptincipalmente por gente reacionaria. Con esa palabra hacian rete a los nitos, extremando el ridiculo; me enviaban cartes, Hamadas telefénicas. Entretanto, la critica lo califes de notable. He aquf un ejemplo de como as edo sabe rimar? Que enconteu ne caminbo aga mwvens nos ares, rina bem enc amor? Boss ;HOPNICS Nada Gomoum copo depois do outro. ef Publica oes © Gia, tedieval ¢ que, nesse movimento, o poeta translada, com mais expressi~ ‘dade, o poema medieval para seu tempo: © fazer se confiunde com o refazr, este, com 0 destizer a dlssolugio & © principio da construcdo. Cade imagem — como o conhesido poema de Drummond — revela um universo em permanente fragmentasio, cuja dissoiugdo &, no entanto, a coluna de sustentagio do nove fazer Literitio, “No meio do caminho"... comess o poema de Drummond, evocundo 4 primeira finha do “Tnfemo” d'4 divina eomédia, para logo aquebres¢ refazr... “tina uma peda’, compondo ai demidade como imagem. io da mo- Ea imtercexnulidade que permite, entio, a investigasio do posst- vel ditlogo entre os textos"... pars compor aio sléncio da modesne e inovadora construsio de umm camino, de uma postica, de um Enigma” Lal APEDRAE A REFLEXAO* DAVE ARRIGUCCI JR. Escrito em fins de 1924 ou no inicio de 25, 0 famoso “No meio do cami- nnho” foi publicado pela primeira vex no nt 3 da Reviste de Antrepefagia, tragado por Arnaldo Sarvs at coletsea Une pth na msde caminto — Big de um prem, sagem de Calo Drummond de Andrade (Rio de Jnr: Earn No meio ds caminbo tina uma peda Yinka uma pedra no meio do caminke inde wana peda re meio do caminko tinke wma pada. Nance me especre dese acontecimento 1 vida de minkas retinas te faigades. Manca me esquceei gue no meio do camino Sine una para ‘inka wna pedra no meia do carn se meio do cami the uma peda, Inciuido em Alguma poesia, provocou um vendaval na década de 30, «quando jf a revolta modernista da primeira hora pareciaassentads, Tor~ nov-se eatlo abjeto de chacotse impropérios, mas também de aplausos, mantendo acesa a chama da "2 por muitos e muitos nos. E, por isso, um dos poemas mais co de Drummond, Como pedra de escindalo em que todos tropesam, € sempre ci= tado, mas 56 considerado de passagem e, na verdade, poueo estudado andlitcamente, apesar da grande importincia para a compreensio da obra toda. NNele, pela primera ver, surge uma simuacio que depois se tornard ecorrente no conjunto, 0 encontro do poeta com algum obsticulo que Ihe barra a pascagem ou interfere em seu caminho. Como toda situasio reiterada, essa pode adquirie um papel simbélico, virando parte de uma hristia mai, e muito mais do que prometia & primeira vist, apesar do impacto inicial. Com efeito, 0 poema comegou por instanrar © panico na visio tra- dicional da poesia, pelo choque de sua nova concepgio do poético: a poesia jé nfo era 0 que se pensava, Ficava evidente o que entéo nio se sabia diteito, mas se tomaria « condicéo geral de toda a arte modems: © seu lugar incerto, ou, no caso especifco, a divida sobre o que se con- siderar poesia, No entanto, 0 poeta, ensimesmado na relexéo, nio parecia ter di- vide alguma sobre a invengo do novo. Baixava o poético das altaras tra- dicionais para o plano da expesitneia cotidians, quebrendo a mesmice por um golpe surpress, feito um seco e enigmitico koan, desferido na cabege de percepcio entorpecida, Sua arma era decerto o chist, jun- tando seriedade 20 cbmico, Era fcil sentir © goipe. O emprego do verbo “ter”, em vez de “ha- ver", no primeiro verso, até hoje assusta 0s purstay; © espaco nobre da poesia cscrita vinhe tomado pela fala coloquial; os mesmos segmentos de verso se repetiam mecanicamente quase no poems todo, pregando ‘uma pega permutante, absurdamente antipottica segundo os padres Ihabinaais, que fugiam da redundancia; por fim, a completa banalidade do que ali se considera literalmente um acontecimanto, isto &, topar com uma pedra no caminho, Parecia piads. E era, mas combinads a um adcleo grave e reflexivo, feito, por assim topada. sete faces", em que se observa, con- forme se analisou, o ebsbxamento do poeta, agora 0 fundamental 60 des- locamento, também para o terra a terra, do poético, aproximando-o de csfora baixa do cémico, para transformé-lo, no entanto, mais uma vez por via da refledo, em probleme sério. Mésio de Andrade, que acompa- gue o poeme te, mas ituminados, um simbolo? 2 CE Una para ne modo caminko opt. Provavelmente o que nele podia parecer o mais initante — 0 ra- ‘errio repetitive —, aos olhos de hoje, se torna, 20 contritio, nlo 36 seu principal procedimente de construsio, mas um realce a mais de seu poder inovadoe. (© exsencial no ¢ apenas a repeticéo, recurso que funda o ritmo € sem © qual nenhuma poesia pode passas, mas a forma particular que assume aqui, como arte combinatéria dos segmentos de verso, reafir~ mando 0 alto engenho sintitico de Drummond, o poder de ariculaso ‘com que tece seu pensamento poético, Aqui ele se mostra como um lance permutativo, que pela troca re~ potida de partes de verso faz. de novo do texto tecido verbal, tramado pelo zetoro ritmico dos segenentos como lancadeiras de um teas, repi~ sando pela repetiso cizculare infindive o eftito na alma do descon~ certo da A reiteragio constante tem algo de cOmico porque parece a i= sgidez mectnica ¢ absurda de uma rods do infortinio da qual nio se pode escapar; na aus mesna comicidade grotesca conota ainda algo de terrivel, cujo efeito corréi a elma, ensimesmads e abatida diante da pedia istemovivel. Esse sitmo de eterno retorno é também o mo rento da reflexto que sempre volta zo mesmo ponto, como a uma ideia fa. ‘Mas no meio do carninho (¢ do potma), sem se intesromper o es- forgo refexivo, da mesmice surge « diferenca da fadiga, do desalento, a perplexidade, elementos que compbem, na verdade, um complexo sentimento de nio poder do Ev, em que se observa uma atitade pare~ ida & do "Poema de sete faces": Nianoa me espuecerei dese acontecimento ne cia de minbes retinas to fatigadar, AS se encontra o eixo emotive ¢ intelectual da reflexio; a0 redor dele que retornaré logo em seguida, obrigatoriamente, o proprio movimento reflexivo, sem safda frente 20 obsticulo. A sitvagio & decerto aporétice, mas a énfase nfo recai no es forgo de decifracio da peda, qu © enigma aque causa no mais fntimo (como a meméris indelével de um trauma) ‘gir o circulo das repeticdes infinda Avtigor,o poema se reduz, portnto, 2 uma sinuagdo narrativa bésica — 4:do caminhante que se defzonta com o obsticulo —, situagdo essa que se converte no drama intimo de quem se abate diante da barzeirz, Visto assim no todo, o chiste parece uma “anedota de abstrasio’,? préimo do mito, em sua forma de continho concrete, mas com ata voltagem de generalizacio, prestando-se & ecorréncia Na verdade, faz pensar de novo no acontecimento no meio do cami- sho: a peda esti no inicio de rado e também, no fim. Atingindo a sensi- bilidade do poeta, cle desencadeia a reflexlo, pois cra @ aporia que esté no princlpio de toda querer saber. ‘A reflexio desencadeada faz dela, por sua vez, objeto do pensamento, © qual a recolhe ao interior da subjetividade, 20 mesmo tempo que a devolve como experiéncia constitutive de uma forms cbjetiva de lingus- gem, 0 pocma, em que cla & de novo a pedra “No meio do camino! [Nessa historieta circular, 0 que ests em jogo, portanto, € sempre principio ¢ o fim da criagdo poética: a pedra serf, ecorrentemente, 2 ppedca no ceminho de toda criagio drummondiana. Nela reside a di- fiouldade basice que para ele fanda a criagio: é fator desencadeante °, ,entrave do ato pottico. 3 Acexpresto ¢ de Guimertes Ros, no prefiio “Alera e hermentatie’, CE Tatar ei. Teena eras. Rio de Janeve: Jost Olyzmi 967 3 A pedra €0 que move o poets a refexio ¢ cla, entretanto, bara, obrigando-o ao circu ‘retomar "No meio do eaaninho” pode suger, pelo titulo, uma alusio parédica 20 principio do poema de Dante ¢ ao desgarramento fundamental do poeta, De fato, a dido nos ciel is, parece de tlgum modo ainda encontrar eco nesta errincia softida de um poeta moderno que a0 comesas, debrusado rocuza da poesia, que da busca sem fim, idamente. tic" do enilio do poeta desgarrado da reta via, per- sobre 0 proprio ato fandador da criasdo, vem ironicamente marcedo pela faciga do camino infindével, que mais parece impedimento que via certa do encontr, De algum modo ele jé comega pela perplexidade de buscar 0 perdido, 0 que de fato deixa confundido o corasio. No meio do czminho, © que sc encontra de verdade é 0 sentiment 0 da fraqueca e da falta de o poder nada frente ao sem-fim de dificuldade. © poemeto constitui, portanto, néo «6 a pedra de escindalo mo- dernista que marcou a inaugurasio do universo pottico de Drum- ‘mond, pelo rebaixamento inesperado, irénico e contundente da poesia so tetra a tetsa mais trivial, mas « meditagdo bésica ¢ simbélica do porta sobre 0 ato criador, cujo cariter problematico vem af expresso ‘eurto ¢ grosso como um desaforo para quem podia esperar do poético 6 mistétio ¢ elevasto. (© exemplo podia ser outro, mas © que esti em jogo € sempre a preensio intelectual ¢ imaginativa dos fatos e dos estados sentimentais 2 particular e complexa, 2 que ab sagudo senso de bu- ‘mor ¢ sempre, em dimensio profunda,refletida na tortvose interioridade, 4 relagio complicada consigo mesmo ¢ com o mundo de fora. [...J

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