You are on page 1of 15
ESTAR LA A antropologia ¢ 0 cendrio da escrita A ilusio de que a etnografia & uma questio de dispor faros estanhos e iegulaces em categorias familiares e orde- nadas — isto é magia, aquilo & tecnologia ~ foi demolida hi muito tempo, O que ela é, entretanto, nfo esti muito cla. Que talver a etnografia sei uma espécie de eserita um eolocar 8 coisas no pape, é algo que tem ocorrido, vez por outta, 08 que se empenam em produzi-la, consumi-la, ow ambas. Mas seu exame como tal tem sido impedido por diversas con- siderages, nenhuma das quais & muito razodvel, Uma delas, de peso especial entre os produtores, tem sido, simplesmente, a de que fazer esse exame € antiantropo- igico, O que um etndgrafo propriamente dito deve fazer, popriamente, é ira lugares, voltar de [4 com informagses sobre como as pessoas vive e tomar essa informagdes dis- pponiveis 4 comunidade especializada, de uma forma pritica fem vex de fear vadiando por bibliotecas, refletindo sobre questbeslteririas A preocupacio exagerada ~ que, na pritca, costuma signifiear qualquer preocupagio = eom a mancira ‘como sio construdos os textos emnogeficos parece constitu tum ensimesmamento doentio, conducente a perda de tempo, 1a melhor das hipéteses, ou hipocondraeo, oa pioe delas. O ‘que nos importa conhecer si0 0s tkopianos ¢ os tlensis, e no as esteatégias nareativas de Raymond Firth ow o apaeato retiico de Meyer Fortes (Outra objeso, esta proveniente sobrerudo dos consu- imidores, éa de que os textos de antropologia no sao dignos dessa atengio esmerada, Uma coisa € investigar como um Conrad, um Flaubert ou até um Balzac obtim seus efeitos; investie nuena empretada dessas a sespeito de um Lowie ou tum Radeliffe-Brown, para falar apenas dos mottos, parece cémico, Alguns antropdlogos ~ Sapir, Benedict, Malinowski «,ulimamente, Lévi-Strauss ~ podem ser reconhecidos como dtados de um estilo literio singular, nfo se acanhando ems ‘usar uma ow outa Fgura de linguagem ocasional. Mas isso & inusitado e um tanto prejudicial para eles ~ sugestivo até de uma pritica ardilosa, Os bons textos de anteopologia sio sim- plese despretensiosos, Nao eonvidam a uma minuciosa leiura literoertica, nem tampouco a recompensam, ‘Talvex a objeso mais vigorosa, ao entanto, proveniente de toda parte ¢, a sigor, bastante generalizada na vida intlec- tual dos dhimos tempos, sej ade que concentra nosso olhar nas maneiras como sio enunciadas as afirmagSes de um saber solapa nossa eapacidade de levar a sério qualquer dessas afc mages. De algum modo, supSe-se que atentar para coisas ‘como imageria, as metiforas, « faseologia ow a vor leva a um selatvismo corrosiva, no qual tudo nio passa de uma ex- eRe pressio mais ou menos sagaz de opinides A etnograta, dizem, toma-se um mero jogo de palavras, como se presume que sejam 0s poemas ¢ 08 romances. Expor de que modo a coisa feta equivale a sugerir que, tal como a mulher serrada a0 ‘meio, cla simplesmente no se fiz sas concep9ies so irae, porque no se asc tm expergncia de ameasas presents eefeiras om que Sequer estejam asomano as em imagine as possiesameces que tcorteram se de rpente rao fosse diftene do gue €a80- ra, Se os antroplogos parassem de informar como sio fees ts coisas a Aca ena Polini, se om ver ds, gstassem Seu tempo tentanlo encontrar amas duplasem Alfred Kroe- ber ou naradoresnio fdedigans em Max Gluckman, € viestem serament a afrmar que as hsiras de Fabre Wes- termatc sobre © Marrocos as de Paul Boles elacionam- se com seu rma do mesmo mod, com 0s mesos recut € fs mesinasfinalidades, a8 cosas realmente icaiam uma sieuagio hmentivel Mas é di ceserita antropologica fosse levada a sério como escrita. As raizes do temor devem estar noutto lugar talvez no sentido de que, se houvesse um entendimento melhor do cariter li teritio da antropologia, alguns mitos profssionas sobre como 1m insustentivels, Em sreditar que tudo iso vita a ocorrer, sea cla consegue ser persuasiva tornar particular, alvez Fosse dificil defender a visto de que os textos cetnogrificos convencem, na medida em que chegim asercon- vincentes, pelo simples poder de sua substancalidade factual ‘A ordenagio ce um imenso niimero de detalles cultaras sa- ‘mamente especificos tem sido a principal maneira pela qual a apaténcia de verdade ~ a verossimilhanga, a eraitmblone, a 2 13 6 Wabricicntebtet —& buscada nesses textos. Qualquet divida induzida no letor pela estranheza do material deve ser supe- sada por sua simples abunddncia. Mas a verdade é que o grat de credibilidade, alto, baixo ou de outra natureza, fetivamen- te conferido a etnografia de Malinowski, Lévi-Strauss ou qual- {quer outto nio se assenta, 20 menos nio primordialmente, nessas bases. Se assim fosse,).G. Frazer, ou pelo menos Oscar Lewis, seria de fato um te, ¢ seria inexplicivel a suspensio «a deserenga que muitas pessoas inclusive eu) concedem aos Sistemas polos da atta Birminia, de Eammund Leach, com sua pobreza de dados, ou ao ensaio impressionsta de Margacet ‘Mead inticulado Balinese charac Os etndgrafos talvez pense, realmente, que ganham eredibilidad pela extensio de suas des crigdes, (Leach tentou responder 208 ataques empirstas deste sidos contra seu livro sobre a Birmania eserevendo vm i catreyado de dados factuais sobre o Sei Lanka, mas este rece- bbeu muito menos atengio. Mead afiemou que as centenas de Fotografias feitas por Gregory Bateson demonsteavam suas ‘ses, mas praticamente niaguém, inclusive Bateson, concor- dou muito com ela) Talvez se devesse ncreditar aos etndgratos pela extensio de suas descriges, mas nio parece set assim aque a coisa funciona. Por que persiste a idéia de que funciona assim, édiffil, dizer. Pode ser que as concepedes antiquadas sobre como se “estabelecem” os “fatos” nas ciéncias mais exatas tenham algo a ver com isso. Seja como for, a principal alternativa para esse tipo de teosia faewalisa sobre © que fix 08 textos de antropologia serem convinceates, a saber, que cles 0 s30 pela forga de seus argumentos teéricos,& igualmente implaw sivel. © aparato teérieo de Malinowski, que em certa epoca, oe foi uma torre imponente como poueas,esté basicamente em rainas, mas ele continua a sero supra-sumo do etndgrafo. A qualidade algo ultrapassada que boje parecem ter as espe- ‘culagdes pricaigies ede eultura-e-personaidade formuladas por Mead (Balinese chera foi financiado por uma verba des- ‘inada ao estudo da deméncia precoce, que os balineses supos- tamente exibiriam numa forma ambulante) no parece retiat grande coisa do poder de conviegio de suas observagdes, das «qoais nenhum de nds fie & leo, sobre como slo os balinescs ‘Ao menos uma parte do trabalho de Lévi-Strauss sobreviveri Aa dissolugio do estruturalismo em seus ardorosissimos suces- sores, Todos continua a ler Os mur, mesmo que, como vem tendendo a fazer, a teoria segmentar se cristalize num dogma. ‘A capacidade dos antropélogos de nos fazer levarasério fo que dizem tem menos a ver com uma aparéncia factual, ou com umm ar de clegineia conecitual, do que eom sua expaci dade de nos coavencer de que o que eles dizem resulta de hhaverem realmente penettado auma outta forma de vida (ou, se voeé prefece, de terem sido penetrados por ela) ~ de rel mente haverem, de um modo ou de outto, “estado la". E a, 20 nos convencer de que esse milagre dos bastidores ocorreu, aque entra a eset ooe As peculiaridades ceuciais da eserita emogrifica, tal ‘como a carta roubada,! encontram-se tio plenamente a vista «que passitn despercebidas: por exemplo,o fato de ea consist * Alas do atau eb conto do mesmo ome, sro por Pagar Abn Poe eorignamente puedo cm 1845.(N.da) 215 6 fem grande parte em asseveragies incorrigiveis, A natureza altamente situacional da desctigio einogrifien um dado etné- _grafo, em tal época etl ugar, com tis informantes ais com- promissos e tals expetiéncias, representante de uma dada cultura e membro de uma certa classe — confere 20 grosso do «que dito um cariter do tipo “é pegar ou largae”."Foct echteve 1i, Sharlie2", como costumava dizer o Bario de Munchausen de Jack Peatl? Anda que, como vem acontecendo cada vez mas, outros profissionais tbalhem na mesma dea ou com 0 mesmo grupo, de tal sorte que se fiz possivel ao menos uma veri fieagio gota, é muito difelinvalidaro que foi dito poralgué ‘que nio seja obviamente desinformado. Podemos tornar a cexaminat os szandes, mas, se nio for encontrada a complexa teotia da paixio, do conhecimento da causalidade que Evans- Pritchard disse ter descoberto li, & mais provivel que duvi- ‘demos de nossos préprios poderes de observagio do que dos dle ~ ou, quem sabe, que conclaamos simplesmente que 0s azandes jd no s30 os mesmos. Sea qual for estado da te- Flexo sobre a natureza das rocas do Kula no momento aul, ce cla vem-se modificanda rapidamente, a imagem fornecida dessas trocas em Or argonautar dp Paseo aidental contioua indelével, pata todos os fins piticos. Aqueles dente ns que desejarem reduzir sua forga terZo de dar um jeito, de algum modo, de deslocar nosst atenglo para outa imagens. Até na 2 ack Peat oium ween dosplcos none-amereans qu endo estado fo edi em 1982, no progr "Zeya Flies ofthe At, reve uma ‘ond de soesto 193-193, evan ao at wn Bao de Munchausen de torque credo eran comic (Nd) °° situagZo do que, na maioria dos outros tipos de estudos em: piricos, seria considerado uma contradicio diteta (Robert Redfield e Oscar Lewis falando de Tepotalan, por exemplo), a tendéncia, quando se tata de dois estudiosos de renome, é considerar que 0 problema advém do fato de tipos diferentes de mentes abordaem partes diferentes do elefante ~ e wma terccita opin s6 faria acentuae esse embarago, Nio significa ‘que tudo 0 que os etndgrafos dizem seja aceito de uima vee por todas, pelo simples fo de eles 0 dizerem. Uma enorme parcela, gragas a Deus, no é acita, Mas ocorre que as razdies io extremamente especificas de dda aceitagio ou da eecusa «cada pessoa. Impossibiltados de recuperat os dados imedliatos do trabalho de campo para uma reinspegio empitica, damos ‘ouvidos a algumas vozes ¢ ignomamos outras. Isso seria escandaloso, se déssemos ouvidos a uns e no 4 outros — 8 questio € relativa, & elago — por eapricho, por hibito ou (@ que é uma das explicagbes Favortas hoje em dia) por preconceito ou desejo politica, Mas, seo fizermos por que alguns etndgrafos sio mais eficientes do que outros em eriat :\jmpressfo, em sua prosa, de que tiveram um conato esteito com vidas distantes, a situaglo talvez seja menos desespera- dora. Ao deseobritmos de que modo, numa determinada mo- rografia ou artigo, essa impressio & criada, deseobritemos, 30 mesmo tempo, por as critéros ulgilox Assim como a ex tica da ego da poesia rota melhos do compromissoimagi- nativo com a prépia fegio e com a poesia do que de idias impostadas sobre como estas devem see, a eritica dos eseritos cot (que, num sentido estito, nio sio uma coisa antropol nem outta, e, num sentido lato, so ambas 2s cosas) deve bro- tar de um engajamento semelhante com slr, € nto de pre- oe concepgdes sobre como deve sera antropologia para se qual- ficae como ciéncia Pela natureza de nossos julgamentos nessas questdes, que & specifica de cada pesson (¢ no “pessoal, 0 logar ‘vio para iniciar esse engajumento &a questio do que vem a serum “autor” na antrapologia. Pde ser que, noattos campos de discurso, 0 autor Guntamente com o homem, a histéxa, 0 cu, Deus e outros petrechos da classe médlis)esteja morrendo, mas ele, ou ela ainda esti vivissimo entre os anteopdlogos Em nossa ingénua disiplina, tlvez uma episteme atrasada, como de praxe, ainda & muito importante saber quem esté falando. Fago essas alusdesirreverentes 20 famoso artigo de Mi- chel Foucault, “What is an Author?” (com 0 qual concordo, aliés, a alo ser por suas premissas, suas conclusbes © sua mentalidade), porque, independentemente do que se pense de um mundo em que todas as formas de discurso se reduzitiam a0 “anonimato de um murmicio", a bem da dispersio do poder, ou do que se pense da idéia de que Mallarmé marcou uma ruptura decisiva na histérla da Iieraturs, depois da qual a nogio de obra literdea vitiasendo sistematicamente substitulda pela de modos textuais de lominagio, esse artigo situa a questio que estou propondo ‘com uma certaexatido, Foucault distingue ness texto, talvez com nitidez um tanto exagerada, dois campos de discurs: aquele — sobretudo 0 da ficgio (mas também da historia, da biografia, da filosofa eda poesia) — no qual o que ele chama de “Fungio-nutor” continua razoavelmente forte, pelo menos porenquanto, outro, especialmente o da ciéncia (mas também das cartas partculares, dos coneratos legais e dos ataques o 1B 6 politicos verbais), em que, na maioria dos casos, tal fu no se preserva. Esse nfo & um dado constante, nem mesmo dentro de nossa pr6printradigio: na Idade Média, a maioria das narrativas fiecionais ~ como a Cangio de Rolando ~ nto ‘nha autor, enquanto a maiora dos tatados cientiieos ~ como 0 Almagso — 0 tinha. Mas ‘ocorteu uma inversio no século XVII ou XVIIL Or di ‘cursos cientficos eomesaram a scr aceitos por eles mesmos, ro anonimato de uma verdaeestabeleca ou sempe ree rmonstrivel; sua insereio num eosiuato sstemitico, © no referénca 0 individu que os produits, colocowe como ‘su garanta. A fangio-autor esmaece, servindo o nome do Javemtor apenas pata batize um teorema, uma proposigo. ‘ou um determinado efit, propriedade, corpo, grape de cle- -mentos ou sindrome patoldgie. Da mesma mais, 0 dis «cursos iteriios passaram ase actos somente quando cram ddotados da fungio-autor. Hoje indagamos sobre cada texto poético ou ficcional, de onde ele vio, quem o escreveu, ‘quando, em que cteunstincas ou apart de que propesita sentido que Ihe €atribuido e 0 sate ou valor que Ihe conferido dependem da maneira como respondemos a essts perguntas. (.) Como resultado, a fungio-ator desempenta hoje um papel importante [embors, na visio de Foucault, também decrescente} em aossa visio das obras litt, (Foveauly, 1979, p. 149-150) Fiea claro que, nesses termos, antropologia ests prac camente toda do lado dos discursos “literitios”, © alo dos *ciemtficos”. Os nomes de pessoas sio ligados aliveos e arti: 05 €, mais ocasionalmente, a sistemas de pensamento (0 “funcionalismo radeliffe-browniano”,o “esteuturlismmo seraus- sano"). Salvo pouguissimas excegdes, eles nfo se vinculam Mt, Fuca, "What san author, nV, Hata one, Tia agi hac NY, 2 19 6 4 descobertas, propriedades ou proposigdes (um “easamento tmurdockiano” seria uma piada polémics; “o efeito wester- marek” ~ deixando de lado sua realidade ~talvez se quali ficasse). ss0 no nos transforma em romancistas, do mesmo modo que construie hipéteses ou eserever fOemulas iio n0s converte, como alguns parecem pensar, em fisicos. Mas de fato sugere algumas semelhangas de famfia que, cal como a ‘mula norte-africana que sempee fala do imo da mie, 0 e1- valo, mas nunca do pai, o burto, endemos 2 omitir em favor de outtas, supostamente mais bem-vistas. Se admitiemos, portanto, que os textos de etnografia ten- dem a parecer romances, pelo menos tanto quanto Iaudos laboratoriais (embora, como acontece com nosst mula, nile sejam realmente iguais a nenhum dos dois), levantam-se ime- listamente dass perguntas ou, talvez, uma mesma pergunt duplamente formula (1) Como se evideneia no texto “fun- ‘Goautor” (ov, visto pretendeemos ser leroy a esse res- peito, qu tal diet apenas “o autor"); 2) De que ~ alm da tautologia Sbvia, “uma obra” ~ 0 autor é autor? A primeira pergunta ~ chamemo-la de questio da assinatura ~ & uma {questio de construgio de uma identidade autoral. A segunda, digamos,a questdo do discurso, & uma questio de desenvolver uum modo le enuncit as coisas ~ um vocabulésio, uma ret riea, un padsio de argumentagio — que este de tal maneira Tigado a essa identidade que parega provie dela, assim como tum comentisio provém de uma mente, A questio da assinatura, estabelecimento de uma pre- senga autoral num texto, tem atormentado a etnografia desde 2 2° seus primérdios, embora o tena feito sob forma disfargada ‘na maioria dos casos. Disfarcada porque, em gera, no tem sido apresentada como um problema da ordem da nasratva, tama questio da melhor maneira de fizet com que uma histéxia hhonestaseja contada honestamente, mas como um problema cpistemolégico, uma questio de como impedie que vies sub- jetivas distorgam fatos objetivos. O choque entre as conven ‘gbes expositivas dos textos sttursdos e as dos textos esvazin dos de autor, que brota da natuseza particular da emprcitada ‘etnogrifica,étido como um choque entre ver a5 cosas como se deseja que elas sejam e vé-las como realmente sio, Diversos resultados lamentiveis decorreram desse sepul- tamento da questio de camo os textos etnogrificos so ‘zados” por baiso das angistias (a meu ver, bastante exage- radas) a respeito da subjtividade. Entre eles encontra-se um cempitismo exagerado até para as cigncias socisis, porém wm dos resultados mais nocivos & 0 de que, embora as ambigi- dades implicias nessa questio sejam profunda e continus- ‘mente sentidas, tem sido extremamente dificil abord ‘modo diceta, Os antropélogos estio imbuidos da ida de que as questes metodolégicas centrais envolvidas na descrigio cetnogrificatém a ver com a mecinica do conhecimento ~ a legitimidade da “empatia”, do “insight” e coisas similares en- quanto Formas de cognisio; a verificabilidade das deserigées jnteralistas dos pensamentos sentimentos de outtas pessoas; ‘6 estatuto ontolégico da culeurs. Em consonincia com isso, aibuem suas dificuldades para construir tais deserigdes & problematica do trabalho de campo, ¢ no & problemitica do Aiscurso Se for possivel administea a relagio entee o observa dor eo abservado (rapport), a telagio entre 0 autor © 0 testo {assinatura) se seguiri por si s6 —a0 que se supe as de eae Nilo se trata apenas de que isso sejainveridic, de que, por mais delicada que seja a questio de enfrentar 0 outro, ela ‘io scja igual a enfrentae a pigina. A dificuldade esti em que a estranheza de constrir textos ostensivamente cientificos a partir de experiéncias em grande parte biogrifieas, que € 0 {que fuzem os etngrafos, aina, ica inceiramente abscurecida. [A questio da assinatura, tal como 0 etndgrafo a confronta, ‘ou tal como ela confronts 0 etnégrafo, exige 0 olimpianismo do fisico nio-autoral e a consciéncia soberana do romancista hhiper-autoral, sem de fato permitirnenbum dos dois. O prime suscitaacusagdes de insensibilidade de trataras pessoas como objetos, de ouvie a lea, mas no a misica, ¢, & claro, de cetnocentrismo. A segunda, acusagBes de impressionism, de tratar as pessoas como fantoches, de ouvir uma misiea que rio existe ¢, & claro, de etnocentrismo, Nao admira que a maior dos etndgrafos tends a oscil, insegura, entre as dus coisas, ora em livros diferentes, ora, com mais freqiéncia, 00 mesmo livro, Para comeco de conversa, deseobrir onde se situar num texto do qual, 20 mesmo tempo, espera-se que seja uma visio intima e urna avaliagio fia € quase tio desa: fiador quanto chegat a essa visio e fazer a avalicio. claro que, pats se ter uma iden dese dsafio ~ de que snaneia soar como um pererino eum cartégrafo 20 mesmo tempo ~ edo matestar que ele prods, bem como do gra em que ele &cepresentado como decorrente das complexi- dades das negocigSesente 0 cu 0 outa, no entre oe 6 texto, sé mesmo examinando os prépioseseitos etno- arificos. , vito que 0 desafio eo males se fzem sent, fbeiamente, desde a orl da sobreeap, am bom ge pa cxamini-os, 0 anlar os Hvtos de etnogafi, si 05 come- {gos-as piginas de abertur ue situa o cen, desrevem 2 Be 4 tarefa e apresentam a ob, Portanto, para que eu indique com mais clareza aquilo sobre o que estou falando, pesmitam- ime tomar dois exemplos, um de um texto etnogeitico clissico, merecidamente visto como um estudo modela, Sereno ¢ pro: fessoral, © outro de um livzo muito recente, também muito bem feito, que recende & nervosa atualidade, A ob clissica€o liv de Raymond Firth, We th Tike ‘ia, orginalmente publicado em 1936, Apés duas introduces, ‘uma de Malinowski, para quem o livra de Firth “reforga nossa conviegio de que a anttopologia cultural nfo precisa ser uma _misturadla de leras ou rdtulos, uma fabica de seals caleados cemimpressBes gers, ou de reconstrugiesfeitas sobre conjec- tueas [nas sim] uma eineta social ~ sinto-me quase tentado a dizer a Gica cigncia entee os estados sociais”, ¢ outea de icth, que iia a necessdade de “um prolongade contato pes- soal com as pestoas festudadas]" e se desculpa pelo fato de “esen exposigio representat nio um teabalho de campo de fontem, mas o de sete anos ais”, o livro em si comera seu primeiro capitulo, "Na Polinésia primitva”: Na friagem da manbizinhs, pouco antes do alvrecer, a pproa do Suntory Cres embicou pata o leste do horizon, fonde ea tenuementevisivel um mindseulo contorno azul ecueo, Aos poco ele eavolimon nama escarpads masta ‘montanhosa que se eqpuia a prume do aceano; depois, 10 cheggrmos a uma dstincia de poueas milhas, es revelou fem sua base uma estcta fica de tects bina e planas, de ‘egetagio espesss,O dia cinzentoesoturna com sons mvens buasas,eeforgou minha impeessio intimidante de um pico solitiri, brivio ¢ tempestioeo,erguendo-teverialmente noma vastilio de Spun Em cerea de una hor, estivamos bem pera da costa © ppodiamos ver eanoas vindo do sul, da ora do reife, onde a raréestava baits, sas embareagbes, com estabilzadores ° 23 6 ‘ixados paalelamente so costa, chegatm mais porto, t= endo em sev interior homens de wonco nu, com tangs de tecido da cascada amorcts, grandes abanadorespresos na pee posterior da cinta, amglas de easco de tttaruga ou. tlindios de folhas ae Isbulo das orelhas e no nara, barba longs c eabelos compris, que Tes desciam sols sobre os ‘mos. Agu mangjavam os remo pesado eto, alguns levavam tapes de folhas de parstano delcadameate tang as, apoiados aos baacos a seu ada, outos ham nas mos pporrctes ou lanes pesados. O navio ancorou com amare ‘urtas a ba aberta prima a0 reife de con, Quase antes ‘den cortenteacabar de descer, os nativos comegaram a subit _ubordaescalando o estado por todos os meios que el of ‘eci,egrtandofurisamente uns com os outros © conosco, ‘numa lingua da qual nem uma sé pala fo entendida pelos {que no navio missonéro falavxm mo. Perguotel a ian ‘esmo como um material human turbulento como aque podera jamais ser induzidoa se submetera um estudo cin ‘eo. ‘Vahibaloa, meu “camareito”,elhando do convés superior para 0 costido, disse com um riso nervos “Paves, mim ‘ito assastado: mien acha que esse sjeto ti querendo me ‘eit. Kai 6 0 temo do inglés pidgin eqpivalente 3 "eo mer", Talvee pela primeira vez, 0 rapaz teh comesado a Adavidae da sensatez de haver denado o que er, para cle, a civlagio de Tol asede do govern, stad aquatrocents ‘ilhas dla im de passarum ano comigo nese local rem0%0, temimeio a selvagens de aparéncia to ero Sem ts, eu mes Fo muita certeza da reeepglo que nos esperiva~ embora oubesse que ela nio chara a canibalismo - eanghiliz!- 9, e comegumos a tazer as peovisdes para fork Mais tae, Tornoe até pia noma das canons. Ao nos apeosimarmos

You might also like