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A vida na Terra surgiu há aproximadamente 3,8 Geologia: É na Biologiã que o paleontólogo busca sub-
bilhões de anos e, desde então, restos de animais e sídios para estudar os fósse~s, já que eles são restos de
vegetais oú evidências de suas atividades ficaram pre- um antigo organismo vivo. Em retorno, a Paleontologia
servados nas rochas. Estes restos e evidências são de- fornece aos biólogos uma dimensão do tempo em que
nominados çle FÓSSEIS e constiruem o objeto de os grandes ecossistemas atuais se estabeleceram e tam-
escudo da PALEONTOLOGIA. bém informações complementares às teorias evolutivas.
);a Geologia. os fósseis são utilizados como ferramen-
O termo Paleontologia, usado na literatura geo-
tas para datação e ordenação das seqüências
lógica pela primeira vez em 1834, foi formado a pareir
sedimentares. contribuindo para o detalhamento da
das palavras gregas: pai aios = antigo, ontos = ser, lagos
coluna cronogeológica. Ajudam na interpretação dos
= estudo. Já a palavra fóssil originou-se do termo lati-
ambientes amigos de sedimentação, bem como na
no fossilis = extraído da terra.
identificação das mudanças ocorridas na superfície do
A história dos fósseis é também a história da planeta atra\'és do tempo geológico.
migração dos continentes, das mudanças climáticas, das
Ponamo, os principais objetivos da Paleon-
extinções em massa e das modificações ocorridas na
rologia são:
fauna e flora ao longo do tempo geológico,
- fornecer dados para o conhecimento da evolução
A Paleontologia desempenha um papel impor- biológica dos seres vivos através do tempo;
tante nos dias de hoje. Já não é mais uma ciência her-
- estimar a datação relativa das camadas, pelo grau
mética, restrita aos cientistas e universidades. Todos
de evolução ou pela ocorrência de diversos grupos
se interessam pela história da Terra e de seus habitan-
de plantas e animais fósseis. A sucessão das camadas
tes durante o passado geológico, para conhecerem
de rochas e seu conteúdo fóssil está resumida na co-
. melhor suas origens.
luna cronoestratigráfica, bnde os grandes grupos e
sistemas estão arranjados em seqüência, com as ro-
Fundamentos e Objetivos chas mais amigas na base e mais novas no topO;
Os princípios e métodos da Paleontologia fun- - reconstituir o ambiente em que o fóssil viveu, contri-
damentam-se em outras duas ciências; a Biologia e a buindo para a paleogeografia e paleocltmarologia;
4 Paleontologia
Após a morte dos organismos, no ciclo natural da peram no meio, são alguns desses fatores, cujo soma-
vida, as partes moles entram em processo de decompo- tório determinará o modo de fossilização.
sição devido à ação das bactérias e as partes duras ficam Mesmo depois dos fósseis já estarem formados,
sujeitas às condições ambientais, culminando com sua outros fatores concorrem para a sua destruição nas ro-
destruição total (figura 1.1). A fossilização representa a chas, como águas percolantes, agentes erosivos, vulca-
quebra deste ciclo e portanto deve ser sempre vista nismo, eventos tectônicos e metamorfismo. As ro-
como um fenômeno excepcional. No decorrer do tem- chas onde os fósseis são encontrados indicam as con-
po geológico, apenas uma percentagem Ínfima das es- dições que prevaleceram no ambiente onde esses or-
pécies que um dia habitaram a biosfera terrestre preser- ganismos viviam ou para o qual seus restos foram
vou-se nas rochas. Muitas espécies surgiram e desapa- transportados.
receram sem deixar vestígios, existindo portanto mui-
tos hiatos no registro paleontológico.
Vários fatores atuam na preservação dos indivÍ- Tipos de Fossilização
duos e favorecem a fossilização. O soterramento rápi-
do após a morte, a ausência de decomposição bacte- Os fósseis podem se preservar de diferentes
rio lógica, a composição química e estrutural do esque- modos, dependendo dos fatores e das substâncias quí-
leto, o modo de vida, as condições químicas que im- micas que atuaram após a morte do organismo. Pode-
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Carnívoros
Decompositores
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iD,
Fossilização
Figura 1.1 Ciclo natural da vida, com as possíveis transformações da matéria orgânica.
6 Paleontologia
mos reunir os tipos de fossilização em dois grandes gru- São conhecidos na literatura alguns casos excep-
pos: restos e vestígios. Restos, quando alguma parte cionais, onde organismos completos se preservaram, tan-
do organismo ficou preservada e vestígios, quando to as partes moles como as duras. Ficaram de tal forma
temos apenas evidências indiretas do organismo ou protegidos que permaneceram intactos até os dias de
de suas atividades. hoje. Citaremos, a seguir, alguns destes exemplos.
As ocorrências de nódulos de âmbar contendo
insetos, aracnídeos, rãs e outros organismos são bas-
A. Restos tante conhecidas. O ârilbar é uma resina fóssil, prove-
niente de várias espécies de gimnospermas e angios-
Os restos, na maioria das vezes, consistem nas permas, encontradas em grandes quantidades nos ter-
partes mais resistentes dos organismos, tais como con- renos terciários na costa sul do Báltico e na República
chas, ossos e dentes, denominadas partes duras. Com Dominicana.
a evolução dos conhecimentos, têm-se descoberto no As condições glaciais na Sibéria e no Alasca pos-
registro fossilífero muitas partes moles preservadas, sibilitaram a preservação de mamutes lanosos e rino-
como vísceras, pele, músculos, vasos sangüíneos, que cerontes. Estes animais permaneceram congelados
têm contribuído para um melhor conhecimento da desde a última glaciação do Pleistoceno (45.000 anos)
anatomia e fisiologia dos organismos fósseis. e muitos deles ainda apresentavam a pele e os múscu-
As partes duras, devido à sua natureza, têm mais los em perfeito estado. Seu conteúdo estomacal esta-
chances de se fossilizarem. Sua composição pode ser va intacto e com isto foi possível conhecer os vegetais
de que eles se alimentavam.
de sí/ica (SiO), bastante resistente às intempéries,
como as espículas de algumas esponjas; de carbonato Fósseis de preguiças com as partes moles pre-
de cálcio (CaCOJ)sob a forma de calcita ou aragonita, servadas por dcssecação foram encontrados em terre-
das quais são constituídas as placas esqueléticas de nos pleistocênicos da Patagônia. Este tipo de fossili-
equinodermas e conchas de moluscos; de quitina, um zação ocorre em locais com clima seco e árido onde,
polissacarídeo complexo, menos durável do que a mai- após a morte, o animal desidrata rapidamente, fican-
oria dos esqueletos minerais e que compõe o exoes- do protegido do ataque das bactérias.
queteto dos insetos. Este processo de fossilização por desidratação é
Os restos vegetais apresentam-se sempre disso- denominado por alguns autores de rnurnificação. Ou-
ciados no registro fóssil, dificultando o estudo da planta tros, empregam também esta denominação para os or-
como um organismo completo. De um modo geral as ganismos que se preser.-aram inteiramente, como os
mamutes congelados e os insetos conservados no âmbar.
folhas, caules, sementes e polens encontram-se sepa-
rados nos sedimentos. }vlamutes lanosos e rinocerontes pleistocênicos
conservaram-se em ozocerite, uma parafina natural ou
cera fóssil, na região da Galícia, na Espanha.
Preservação das partes moles Vários mamíferos pleistocênicos extintos foram
encontrados em lagoas asfálticas nos Estados Unidos e
A preservação de partes moles é um evento ex- na Polônia. A turfa e o alcatrão com suas propriedades
traordinário. Após a morte, os organismos entram ra- anti-sépticas impediram o processo de decomposição,
pidamente em processo de decomposição e, depen- possibilitando a fossilização.
dendo do ambiente, raramente se conservam. Por A preservação das partes moles está mais fre-
exemplo, plantas e animais de t10restas tropicais de- qUentemente associada a mineralizações dos carbona-
compõem-se com tanta rapidez, devido à grande quan- tos, e em menor escala a de sulfetos e fosfatos. Um
tidade de água e oxigênio disponível no ambiente, exemplo é o calcário litográfico do ]urássico da Alema-
que somente em condições muito especiais, como um nha, onde o fóssil Archaeopteryx foi encontrado. O ex-
soterramento rápido, estes organismos podem se celente estado do fóssil, onde até as penas estavam
fossilizar. Água'!; ricas em cálcio neutralizam os ácidos impressas, deslumbrou a comunidade científica na
dentro dos sedimentos, permitindo que partes moles, época do achado. Como exemplo de ocorrências de
como pele, músculos e órgãos internos de vertebra- partes moles fosfatizadas, temos o caso das lulas, no
dos permaneçam intactos. ]urássico da Inglaterra e uilobitas com apêndices com-
Objetivos e Princípios 7
pletos, encontrados no Cambriano da Suécia. Ce- As partes duras podem ser preservadas através
falópodes do Devoniano da Alemanha, tiveram suas de vários processos de fossilização: incrustação, permi-
partes moles inteiramente piritizadas. neralização, recristalização, substituição e carbonificação.
Entre os melhores exemplos de fossilização de Na Íncrustação, as substâncias transportadas
tecidos moles está o Folhelho Burgess, da Columbia pela água cristalizam-se na superfície da estrutura, re-
Britânica, Canadá. Vários organismos marinhos como vestindo-a por completo, preservando assim a parte
algas, esponjas, animais vermiformes e artrópodes, fi- dura. Este é o processo de fossilização que ocorre ge-
caram preservados. Além desses, ocorrem algumas for- ralmente com organismos mortos ou transportados para
mas bizarras, que parecem ter sido apenas parte de cavernas. Os animais morrem, a parte orgânica desa-
um organismo, sem similares no registro parece e então os ossos são incrustados de carbonato
paleontológico. Há extensa literatura sobre esta asso- de cálcio. Além da calcita, outras substâncias podem
ciação fossilífera, entre as q uais destacamos Gould também participar deste processo como a pirita, a
(1990). limonita e a sílica.
Ambiente
PTERossAuRO & PÓLEN
Aéreo
Marinho
normal! SEDIMENTO FINO
salobro
& FeOOH ~
HALÓCLlNA
FONTES
NUTRITIVAS
Hipersalino OSTRACODES
AUTIGÊNESE DE FOSFATOS BENTÔNICOS
CADÁVER
TAPETES DE ENTERRADO
PROCARIOTAS ••• :_.: :; •.••0'
Zona
Sub-óxica S04""
t ~t ""
Ca++
CaC03
/
CaC03
,/
Ca++
tt t
2HC03"
Zona de
redução FORMAÇÃO DE
de sufaltos UMA CONCREÇÃO
H2S
/'"FeS2
FeS2
----------------------------
Zona
metanogênica
FERRUGINIZAÇÃO
TARDIA t
CIMENTO CALCíTICO
Figura 1.2 Modelo de Martill (1988) para a origem dos nódulos carbonáticos da Formação Santana.
Outro processo de fossilização é a substituição. É Carbonífero da Bacia do Amazonas. Quando esse processo
o que ocorre quando, por exemplo, o carbonato de cálcio ~ rrfuito lento, detalhes da estrutura dos tecidos podem
que constitui as conchas é substituído por sílica, pirita ou ficar preservados, e segundo Mendes (1982), nos troncos
limonita, e até mesmo por novo carbonato de cálcio. vegetais em que se deu esse tipo de substituição foram
Nesses casos, os fósseis são réplicas das conchas primitivas. encontrados restos de tecidos carbonificados. Esse pro-
Mendes (1959) estudou braquiópodes silicificados do cesso denomina-se histometabase:
Objetivos e Prinápios 9
Contramolde
Preenchimento do espaço
ocupado anteriormente
pela concha
10 Paleontologia
o 1cm o 1cm
A L......J B L..-.J
o 1cm
c L..-.J
o 1cm
D l-J
Figura 1.4 Exemplos de fósseis-vivos: (:\) Giflgko sp. Gênero vivente das ginkgoales, com registro mais antigo no Judssico.
(B) Liflgu!a sp. Gênero de braquiópode com ocorrência desde o Ordoviciano. (C) Limu!us sp. Artrópode xifosuro, surgido no
Cambriano, que pode ser encomrado ainda hoje em algumas regiões estuarinas. (O) Latimeria cha!u!lIlIae, conhecido como celacanto,
é a única forma vivenre de peixes Actinistia. Era considerado como extinto no Mesozóico, até a descoberta, em 1938 ,de alguns
exemplares na costa de Madagascar (modificado de Boardman et a!ii, 1987 e Pough et a!ii, 1993).
mada para a época geológica em curso: o Holoceno ou GOULD, S. 1990. Vida lUaravilhosa. Trad. PC. Olivei-
Recente. ra. São Paulo. Ed. Schwarcz Ltda. Tradução de
Os fósseis ocorrem em sua grande maioria em Wonderful life, The Burgess Shale and the nature of
rochas sedimentares. Excepcionalmente, alguns foram history. 391 p.
encontrados em rochas metamórficas de baixo grau e HESSEL, M. H. & CARVALHO, M. T N.1987. Padrão
em rochas ígneas eruptivas. de coloração em Natica (Gastropoda) do Albiano
Não é imprescindível que o organismo fos- Inferior de Sergipe. In: CONG RESSO BR-\SILEI-
silizado seja um ser extinto. Muitos animais e vegetais RO DE PALEONTOLOGIA, 10, Rio de Janeiro.
que vivem nos dias de hoje são encontrados no registro AI/ais. v. 2, p. 457-469.
fossilífero. Alguns grupos sofreram poucas modificações HOFFMAN, A. 1990. The past decade and the future.
ao longo do tempo geológico, e há formas conhecidas 11/: BRIGGS, D.E.G. & CROWTHER, P R (eds.).
desde o Paleozóico. São denominados de fósseis-vi- Palaeobiology: A Synthesis. Cambridge: BlackvvelI Sci-
vos ou formas-relíquias e como exemplos podemos entific Publications. capo 6.5.4, p. 550-555.
citar o Ginkgo biloba, Lingula sp., Limulus sp. e Latimeria KELLNER, A. W. A. & CANIPOS, D. A. 1999. Archosaur
chalumnae (figura 1.4). soft tissue from the Cretaceous of the Araripe Basin,
Quando os restos ou vestígios possuem menos i\"ortheastern Brazil. Boletim do Museu lVacional, Ge-
de 11.000 anos, são denominados de subfósseis. São ologia, 42, 22 p.
encontrados alguns exemplos na literatura, como um ~lARTILL, D. 1988. Preservation of fish in the
bisão preservado em turfeira e um homem antigo, mu- Cretaceous Santana Formation. Palaeontology, 31: 1-
mificado, em depósitos de caverna. Encaixam-se neste 18.
caso os sambaquis, acúmulos de conchas, ossos e carvão
J\IEi\"DES, J. C. 1959. Chonetacea e Productacea
resultantes da atividade humana, muito freqüentes no carboníferos da Amazônia. Boletim da Faculdade de
litoral brasileiro.
Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São
Ainda são utilizados os termos dubiofósseis e Paulo, Geologia, 17:79-83.
pseudofósseis. São considerados como dubiofósseis
J\IEi\"DES,].C. 1982. Paleontologia Geral. Rio de Janei-
algumas estruturas que podem ser de origem orgânica,
ro. Livros Técnicos e Científicos Ed. SA, 2". edição,
mas cuja natureza ainda não foi comprovada. Já os
368 p.
pseudofósseis são estruturas comprovadamente inor-
J\IIi\"ELLO, L. F. 1993. As florestas petrificadas da re-
gânicas, que se assemelham a organismos, tais como os
gião de São Pedra do Sul e Mata, RS. 11. Processo de
dendritos de pirolusita (óxido de manganês) cujo hábi-
fossilização e composição mineral. In: CONGRES-
to cristalino lembra impressões de um vegetal.
SO BRASILEIRO DE PALEONTOLOGL\, 13, São
Leopoldo. Boletim de Resumos, p. 35.
Referências SI.\IO.\rE, L. R L. & MEZZALIRA, S. 1993. Vestígios
de partes moles em um bivalve fóssil (Unionoida,
BOARDMAN, RS.; CHEETAM, A. H. & ROWELL, .\Iycetopodidae) do Grupo Bauru (Creráceo Superi-
A.]. 1987. Fossillnvertebrates. Cambridge, Blackwell or), São Paulo, Brasil. Anais da Academia Brasileira
Scientific Publications. 713 p. de Ciências, 65:155-159
DANA, J. D. 1970. Manual de Mineralogia. Trad. R.R. POCGH, F. H.; HEISER,]. B. & MCFARLA.'\JD, W. N.
Franco. Rio de Janeiro. Ed. Livro Técnico, Tradu- 1993. A vida dos vertebrados. São Paulo, Atheneu
ção de Dana's Manual of Mineralogy. 642 p. Ed. 839 p.