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Tributacao ambiental 20/05/2004 19h08 Page 663

TRIBUTAÇÃO AMBIENTALMENTE ORIENTADA -


POSSIBILIDADES NO BRASIL

ROBERTO FERRAZ
Doutor em Direito pela USP
Professor Titular de Direito Tributário da PUCPR

1. INTRODUÇÃO

Com a crescente preocupação pelo meio ambiente, freqüentemente se cogi-


ta a utilização dos tributos como instrumento para promover sua preservação.
Entretanto, esse tema tem sido tratado de maneira bastante confusa, equivo-
cada e até fraudulenta. Há quem confunda tributo com punição, quem propugna
tributos ambientalmente orientados que esbarrariam em impeditivos constitucio-
nais, e até mesmo quem apresente simples tributos, lançados com natureza pura-
mente arrecadatória e sem qualquer orientação ambiental efetiva, como um gran-
de esforço e exemplo na preservação do meio ambiente. Nessa última categoria
pode-se indicar os dados da OECD - Organization for Economic Co-operation and
Development, que, por exemplo, indicam todos os tributos incidentes sobre com-
bustíveis fósseis e energia elétrica (gerada em fontes nucleares ou de petróleo)
como se estes fossem ambientalmente orientados, num aparente esforço de pre-
servação ambiental, mas que apenas corresponde à habitual tributação, travestida.
Explicitar as bases teóricas e o modelo aplicado ofertado pelo direito brasi-
leiro, para a tributação ambientalmente orientada, é o objetivo do presente trabalho.

2. TRIBUTO NÃO É PENA

Alguns confundem tributação com sanção1, certamente por causa da de suas


origens não democráticas.

1
Cfr. Jorge Jiménez HERNÁNDEZ, “El tributo como instrumento de protección ambiental”, Ed. Comares, Granada,
1998, em diversas passagens, podendo-se destacar a seguinte (p.88): “De esta manera, más de um autor há criticado el
empleo del instituto tributario confines de ordenamiento social o económico como seria el caso de la protección del
medio ambiente. Y es que, em efecto, viéndolo desde tal perspectiva, por qué no utilizar los mecanismos administrativos
em lugar Del tributo para evitar el deterioro ambiental?; no é s más congruente con la naturaleza de la sanción admi-
nistrativa o incluso de la pena, la tarea de reprimir una conducta no deseada por la sociedad?; no será incluso más efec-
tiva la utilización de dichos mecanismos administrativos y judiciales que la del tributo? Nuestro enfoque, sin embargo,
es otro, ya que precisamente busca eliminar el carácter penalizador del tributo con fin no fiscal, según expondremos en
su momento”.
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No mundo antigo o tributo era devido pelo vencido ao vencedor, e essa


característica influenciou a concepção popular geral quanto à natureza do tribu-
to. Em ocasião anterior2 já reportou-se que:
O tributo surge como prêmio em favor do vencedor da guerra; imposto aos
povos dominados, inaceitável aos cidadãos livres.
Nesse primeiro momento, portanto, o tributo caracterizou-se como nota dis-
tintiva da ausência de liberdade, da ausência de igualdade entre derrotados e vito-
riosos. “O tributo ordinário trazia impresso, em todo mundo pré-romano, o
estigma da servidão.”3.
Entre os gregos clássicos, a exigência de tributo permanente, isto é, diferente
dos tributos extraordinários destinados às guerras pérsicas, cujo pagamento consti-
tuía elevada honra para o cidadão, configuraria a tirania, eis que ali também a imu-
nidade dos cidadãos e de seus bens à tributação era da essência de sua liberdade.
Na Grécia Antiga, portanto, a generalidade da tributação foi tida como aten-
tatória ao direito do cidadão, em absoluto contraste com a idéia contemporânea
de que a generalidade da tributação é princípio básico do regime democrático4.
Foi na Roma imperial, pelas mãos de Augusto que a tributação ordinária
aplicável aos cidadãos romanos foi introduzida, consistente em imposto sobre
heranças (vigesima hereditatum), mas não sem resistência. “O novo tributo foi
desde logo encarado como odioso; e todos os meios de evadi-lo foram tidos como
lícitos.”5
A rejeição aos tributos acentuou-se especialmente após a extensão da cida-
dania romana aos provincianos, com abolição das distinções entre cidadãos roma-
nos e demais pessoas sujeitas ao poder de Roma, e que fez com que os impostos
antes ditos provinciais (destacando-se o incidente sobre a propriedade do solo),
fossem estendidos a todos. Também a unificação do erarium, administrado pelo
Senado, ao fiscus, caixa privado do imperador que passou a confundir-se com o
do Estado, acentuou a rejeição.
Num contexto de ausência de conceitos de direito subjetivo frente ao
Estado, floresce uma reação no campo jurisprudencial que espelha o consciente
coletivo: os jurisconsultos passaram a limitar o poder fiscal do imperador6.
Porém, foi nessas circunstâncias que o império romano chegou a seu fim, sem
tempo para o questionamento direto da supremacia e poder ilimitado de cobran-
ça de tributos.

2
ROBERTO FERRAZ, “Da Hipótese ao Pressuposto de Incidência”, in Direito Tributário, Estudos em Homenagem a
Alcides Jorge Costa, São Paulo, Ed. Quartier Latin, 2003, p. 175 e ss.
3
EZIO VANONI, “Natureza e interpretação das Leis Tributárias”, tradução de Rubens Gomes de Souza, Ed. Financeiras
S.A., Rio de Janeiro, sem data, p. 16
4
FRITZ NEUMARK, em “Principios de la Imposición”, versão espanhola de “Grundsätze gerechter und ökonomish
rationaler Steuerpolitik”, J.C.B.Mohr, Tübingen, 1970, publicada pelo Instituto de Estudos Fiscales, Madrid, 1974, com
tradução de José Zamit Ferrer
5 EZIO VANONI, “Natureza e interpretação das Leis Tributárias”, ob. cit., p. 19
6 EZIO VANONI, “Natureza...”, ob. cit. p. 22 e ss. Cita o exemplo aplicação dada à lex Julia et Papia Popea cujo uso
teria sido desvirtuado pelo Fisco, eis que desencorajava o celibato dando ao Estado a herança destes, e que teria ficado
ab-rogada tantas as exceções criadas pela jurisprudência.
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Para os povos germânicos, os longobardos e os francos, o tributo também


representava um atentado à liberdade, sendo aplicável apenas aos vencidos na
guerra.
No período feudal7, sendo a principal fonte de renda dos soberanos os pro-
veitos patrimoniais, ficaram os súditos, de maneira geral, desobrigados de forne-
cer prestações distintas de serviços pessoais, e de outras em espécie, em certas
circunstâncias, ao lado do desenvolvimento do que mais tarde se caracterizou
como taxa.
Assim, desde a Antigüidade até a Idade Média, especialmente em função da
concepção então dominante de liberdade individual, ocorreu que “a ordenação
dos meios econômicos do Estado não pôde articular-se em nada parecido com o
que hoje chamamos um sistema fiscal”, como diz Sainz de Bujanda8.
É com São Tomás de Aquino que se retoma o questionamento sobre a natu-
reza e legitimidade dos tributos, seguindo passos de Santo Alberto Magno.
Tão interessante o enquadramento e desenvolvimento dado pelo aquinate ao
tema, e tão surpreendente quando contrastado com os escritos modernos, que se
sente necessidade de transcrever as passagens que resumem seu pensar.
“Se pode haver rapina sem pecado.
(omissis)
“Solução. - A rapina importa uma certa violência e coação, pela qual e con-
tra a justiça tiramos a alguém o que lhe pertence. Ora, na sociedade humana só
pode exercer a coação quem é investido do poder público. E portanto, a pessoa
privada, não investida do poder público, que tirar violentamente uma coisa a
outrem, age ilicitamente e pratica uma rapina, como é o caso dos ladrões.
“Aos governantes, porém, foi dado o poder público para serem guardas da
justiça. Por onde, não lhes é lícito usar de violência e coação senão de acordo com
os ditames da justiça; e isto, quer lutando contra os inimigos, quer punindo os
cidadãos malfazejos. E o ato violento pelo qual se lhes tira uma coisa, não sendo
contrário à justiça, não tem natureza de rapina. Mas, os que, investidos do poder
público, tirarem violentamente aos outros, contra a justiça, o que lhes pertence,
agem ilicitamente, cometendo rapina e são por isso obrigados à restituição.

7
LUIGI VITTORIO BERLIRI, no “La Giusta Imposta”, Giuffré, Milano, 1945, com reedição em 1975 e versão espa-
nhola do Instituto de Estudios Fiscales, Madrid, 1986, p. 40/1, bem ilustra o ambiente contrário à tributação e seus moti-
vos na seguinte passagem:
“Por outro lado, à abstração formal e à irracionalidade substancial da imposição, correspondia a irracionalidade e arbi-
trariedade das isenções e imunidades mais estendidas, expressão e prova direta da graça soberana, da mesma forma que
o imposto o era do poder do soberano.
“Nestas condições não surpreende que o organismo jurídico reagisse frente ao imposto, precisamente como um organis-
mo vivente reage ante um corpo estranho, quer dizer, tratando unicamente de isolá-lo e limitá-lo. De tal sorte que,
enquanto de um lado os moralistas iam elaborando e consolidando a doutrina segundo a qual as leis impositivas non
obligant in conscientia ad illa solvenda, neque ad declarandum, quin potius ad non occultandum debitum, seu funda-
mentum eius, de outro lado, as teorias jurídicas que se desenvolviam em torno ao imposto desembocaram substancial-
mente, através do célebre fragmento de Modestino, na formação triunfal da máxima in dubio contra fiscum, todavia ope-
rante de algum modo em nossos dias na jurisprudência e na prática. E não carece de significado que durante toda a
Idade Média se difundisse, ainda que por diferentes acepções e por distintas considerações, o conceito de odiositas, que
no fundo reafirmava a concepção do imposto como um mal necessário, uma limitação do direito por razão de força, uma
exceção, em suma, ‘odiosa’ precisamente por ser ‘imposta’, aos princípios do Direito.”
8
Fernando Sainz De Bujanda, “Hacienda y Derecho”, Instituto de Estudios Politicos, Madrid, 1955, p. 136
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(omissis)
“Os governantes que exigem por justiça dos súditos o que estes lhes devem,
para a conservação do bem comum, não cometem rapina, mesmo se violenta-
mente, o exigirem. Os que, porém extorquirem indebitamente, por violência,
cometem tanto rapina como latrocínio. Por isso, diz Agostinho: ‘Posta de parte a
justiça, que são os reinos senão grandes latrocínios? Pois, por seu lado, que são
os latrocínios senão pequenos reinos?’ E a Escritura: ‘Os seus príncipes eram no
meio dela como uns lobos que arrebatam a sua presa.’ E portanto, estão, como os
ladrões, obrigados à restituição. E tanto mais gravemente pecam que os ladrões,
quanto mais perigosa e geralmente agem contra a justiça pública, da qual foram
constituídos guardas.” 9
Esta lúcida colocação do tema da tributação, não a aceitando sem questio-
nar como simples ato soberano, nem a rejeitando de plano como tirania, exige
ainda hoje reflexão atenta e posicionamento.
Há até hoje quem pretenda sustentar tais posições, isto é, há quem pretenda
argumentar a favor ou contra a tributação sem recorrer a qualquer fundamento
diferente de uma simples adoção de posicionamento mais “de esquerda” ou “de
direita”, não obstante seja possível buscar uma concepção equilibrada e não sim-
plesmente ideológica10.
O questionamento de SÃO TOMÁS demonstra que a questão da tributação
exige ser colocada num ponto de vista muito mais elevado. Não se trata de um
apriorismo, mas de uma questão prática de extrema relevância diante dos mais
elevados reclamos da Justiça.
Da visão tomista ressalta o fato de que a legitimidade ou ilegitimidade da
cobrança de tributo dependerá inclusive da atuação da autoridade pública, con-
forme seja voltada ao bem comum ou não. Realmente não se trata de um concei-
to estritamente teórico, que se possa verificar de maneira totalmente independen-
te de aspectos estritamente práticos como a efetiva aplicação do dinheiro público.
Quais os limites entre o autêntico tributo e o abuso de poder?
VANONI dá notícia de que os escolásticos teriam desenvolvido o pensamen-
to de SÃO TOMÁS exigindo para legitimação do tributo que se justificasse median-
te a verificação de soberania (causa efficiens), por um objetivo de utilidade geral
(causa finalis), por uma justa relação entre encargo e resultado (causa formalis)
e por uma equitativa escolha das pessoas e das coisas sobre as quais recai (causa
materialis)11. É também muito interessante esse detalhamento utilizando as cate-
gorias metafísicas clássicas de ARISTÓTELES, combinando elementos totalmente
abstratos com outros integralmente práticos.

9
Summa Theologica, tradução de Alexandre Correia, Ed. Siqueira, São Paulo, 1944-49, vol 18, questão LXVI, artigo
VIII.
10
Sainz De Bujanda, em “Hacienda y Derecho”, ob. cit., p. 462, diz que: En tan diversos tipos de organización financiera,
la posición del hombre ha sufrido, como no podía menos de suceder, cambios fundamentales: desde la exaltación de los
derechos de los ciudadanos, en las culturas clásicas, hasta la radical esclavitud fiscal de los individuos en los Estados de
Economía integralmente planificada. El Derecho financiero de nuestro tiempo há de esforzarse por encontrar un punto de
equilíbrio entre la soberanía fiscal del Estado y los derechos sagrados e irrenunciables de la persona humana.”
11
“Natureza e interpretação das Leis Tributárias” , ob. cit., p. 28
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No entanto, o pensamento tomista não teve maior repercussão na elabora-


ção do direito fiscal, que foi mais influenciado pelos estudos no âmbito do direi-
to romano12.
Porém, as idéias expressas na SUMMA THEOLOGICA vieram a ter importantes
manifestações, especialmente no século XX, como se verá a seguir.
Henry David Thoreau ao questionar a tributação em seu ensaio sobre a
“Desobediência Civil” prestou valorosa contribuição a Ghandi em sua luta pela
liberdade da Índia, mas talvez tenha colaborado ainda mais com a concepção de
tributo, ainda que de maneira também pouco explorada até hoje.
De fato, tendo-se recusado a pagar tributo ao governo de Massachusetts, que
era escravocrata e promotor de guerra de conquista, e sendo encarcerado por esse
motivo, esse pensador traz grande luz ao afirmar que:
“Vi que, além do muro de pedra, erguia-se entre mim e meus concidadãos
outro muro ainda mais difícil de escalar ou de romper para que pudessem vir a
ser tão livres quanto eu era. Nem por um momento me senti encarcerado, e os
muros pareciam um grande desperdício de pedra e argamassa. Sentia-me como
se, de todos os meus concidadãos, eu tivesse sido o único a pagar o meu tributo.”
“Manifestamente, eles não sabiam como tratar-me, mas comportavam-se
como pessoas mal educadas. Em cada ameaça e em cada cumprimento, havia um
equívoco, pois eles pensavam que meu principal desejo fosse ficar do outro lado
daquele muro de pedra. Eu não podia senão sorrir ao ver quão diligentemente
fechavam a porta sobre as minhas meditações, que os seguiam até lá fora, sem
qualquer estorvo ou obstáculo, e eles eram, na verdade, todo o perigo. (...) Vi que
o Estado era néscio, tímido como uma mulher solitária com suas colheres de
prata, e que não sabia distinguir seus amigos de seus inimigos; perdi, então, o
resto de respeito que ainda tinha por ele, e deplorei-o.”
Naquela situação em que a finalidade dada ao produto da arrecadação (sus-
tentar a escravidão e a guerra injusta) desvirtuava o tributo, considerou Thoreau
que naquelas circunstâncias a verdadeira liberdade se exerceria recusando seu
pagamento, e que teria, ele sim, sido o único a pagar tributo.
Seria o tributo contrário à liberdade, seria direito incontrastável do Estado,
seria o preço da liberdade13, ou seria o próprio exercício da liberdade e da cida-
dania apenas quando cumpridos os requisitos para configurar-se a justiça em sua
imposição?
Muito oportuna a colocação de Enrico de Mita, que, ao tratar da noção de
tributo, levanta a questão sob o ponto de vista da causa, do por quê do sacrifício
fiscal, lembrando que “historicamente mudou a concepção política do tributo
que, de ‘conotação da escravidão’ no mundo antigo, se torna ‘direito’ com a revo-
lução francesa” facilitando-nos a visão de que a destinação do tributo (para pagar

12
13
Em torno a brocardos como in dubio pro (ou contra) fiscum e centenas de outros desenvolvimentos semelhantes
Ricardo Lobo Torres, “A Idéia de Liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal”, Ed. Renovar, Rio de Janeiro,
1991
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as contas dos dominadores ou para pagar as despesas geradas pela busca do bem
comum) é que faz identificar a natureza do tributo14.
Foi portanto com as idéias republicanas que o tributo perdeu a substancial
identificação que tinha na Antigüidade com a condição de dominado.
Num regime democrático, portanto, carece de sentido a visão do tributo
como pena, como sanção.

3. O TRIBUTO TEM SEU CAMPO PRÓPRIO NO ÂMBITO DA ATIVIDADE LÍCITA

A concepção de que o tributo não é sanção veio a ser bem explicitada no


direito brasileiro, através do Código Tributário Nacional, que resultou dos traba-
lhos da comissão chefiada por Rubens Gomes de Sousa, em artigo a seguir trans-
crito e destacado:
“Art. 3o. - Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou
cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, insti-
tuída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Efetivamente, uma prestação pecuniária compulsória que se constitua como
sanção de ato ilícito será multa e não tributo. A distinção é essencial a esta figura.
Portanto o tributo, característico da democracia, sinal de cidadania e exercí-
cio de liberdade, somente se aplica ao âmbito das atividades lícitas, não podendo
em nenhum momento ser concebido como sanção de atividade ilícita, como
encargo a ser lançado contra atividades econômicas como punição.
No dizer de Fernando Magalhães Modé:
“Desta forma, verifica-se que a tributação ambiental, em regra, não se
estrutura, como ocorre com os mecanismos de comando, em face de uma dicoto-
mia: permitido/proibido. A tributação ambiental, ao revés, parte do pressuposto
de que todas as atividades econômicas a comportem a hipótese de incidência de
um tributo ambiental são lícitas, pois, se razão houvesse para tê-las como ilíci-
tas, deveriam ser assim tratadas por normas de conteúdo proibitivo, e não pela
tributação ambiental.” 15
Assim, é de fundamental importância que se perceba que a função essencial
do tributo é incompatível com qualquer forma de sanção de atividade.
Não se está afirmando aqui que o Direito Tributário não consagre nenhum
valor, ou que, como afirmam alguns, simplesmente seja amoral. Todo o Direito
traduz valores. O que ocorre com o tributo é que não é sua função sancionar nada,

14
“PRINCIPI DI DIRITTO TRIBUTARIO”, Giuffrè Editore, 2000, p. 5/6
“Il tributo si caratterizza dunque prima di tutto per il profilo formale dell’imposizione, ‘senza che la volontá del privato
vi concorra’ per usare le parole della Corte Costituzionale. Ma intorno a questa categoria è continuamente aperto il pro-
blema della giustificazione, della causa, sicché la nozione di tributo sembra continuamente soggetta a riconsiderazione
sotto la spinta delle diverse valutazioni politiche intorno al perché e al che cosa del sacrificio fiscale.
“Basti qui ricordare che storicamente è mutata la concezione politica del tributo che, da ‘connotato della schiavitù’ nel
mondo antico, diventa ‘diritto’ con la rivoluzione francese. Ma una definizione che non avesse un fondamento giuridico
si risolverebbe in una delle tante petizioni de principio che rendono ardua la definizione di tributo.”
15
“Tributação Ambiental - a função do tributo na proteção do meio ambiente”, Curitiba, 2004, 1a. ed., 2a. tiragem, Ed.
Juruá, p. 82
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não é de sua natureza penalizar coisa alguma, a não ser que se considere, num
retorno à concepção da Antigüidade em que o tributo era estigma da derrota,
como se demonstrou acima.
Seria portanto totalmente impróprio e errado pretender sancionar atividades
poluidoras com tributos mais pesados. Quando o objetivo seja sancionar, o ins-
trumento próprio será a proibição sancionada com multa ou outra pena que o sis-
tema jurídico possa indicar; mas nunca o tributo.
Isso não significa que não se possa tributar diferenciada e mais pesadamen-
te uma atividade nociva ao meio ambiente, mas não como sanção. A tributação
ambientalmente orientada haverá de respeitar a estrutura e regras próprias do tri-
buto (que, repita-se, jamais pode caracterizar sanção).
Portanto, uma primeira característica fundamental da tributação ambiental-
mente orientada é que ela deverá ocorrer, necessariamente, no âmbito das ativi-
dades lícitas, como orientadora dessas atividades, mas nunca como sancionatória.
A proibição e conseqüente sanção da atividade nociva ou perigosa ao meio
ambiente deverá ocorrer exclusivamente no campo administrativo e penal, não
tendo qualquer possibilidade de ser exercida por via tributária.
A redação do parágrafo 4o. do artigo 182 da Constituição, que prevê
“imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo”
como “pena” pelo inadequado aproveitamento de imóvel não edificado, subuti-
lizado ou não utilizado, não contradiz o ponto ora sustentado neste trabalho; pelo
contrário, afirma a necessidade de clareza nos conceitos e a freqüente existência
de erros nessa área.

4. TRIBUTO AMBIENTALMENTE ORIENTADO COMO INSTRUMENTO DE ‘INTERNALIZAÇÃO’


DOS CUSTOS AMBIENTAIS DAS ATIVIDADES LÍCITAS QUE SEJAM NOCIVAS OU
PERIGOSAS AO MEIO AMBIENTE

Os tributos ecologicamente orientados, são aqueles que influenciam na


decisão econômica de modo a tornar mais interessante a opção ecologicamente
mais adequada.16
Nada mais devem fazer que refletir a realidade dos custos da atividade eco-
logicamente desorientada.
Na atividade econômica, as decisões são orientadas pelo binômio
custo/benefício e assim, ainda que não seja critério exclusivo, o custo é critério
de extrema relevância nas decisões diárias, não apenas do empresário mas de
todos. Ora, se os custos da degradação ambiental não forem refletidos nos preços,
as decisões econômicas nunca serão ecologicamente corretas. A função dos green
taxes é precisamente essa: “internalizar” (neologismo de origem norte-america-
na) os custos ambientais, isto é, trazer para o custo de cada bem ou mercadoria o

16
Desenvolve-se neste item o mesmo conteúdo do artigo “Green tax no Brasil”, ROBERTO FERRAZ Revista de Direito
Ambiental, RT, vol. 31. p. 167 e ss.
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custo que seu consumo representa em termos ambientais. Assim, por exemplo, se
uma fábrica de fertilizantes polui um rio, o ‘imposto verde’ deverá acrescentar um
custo ao produto, correspondente ao custo que o Estado terá para promover a
‘despoluição’ do rio, tornando interno à atividade um custo que antes lhe era
externo. Nessa hipótese a tendência é de substituição da atividade poluente por
outra economicamente mais interessante, isto é, por outra que não tenha todo
aquele custo embutido. Não se trata, portanto de punir a empresa, cuja atividade
é lícita à luz do ordenamento jurídico (na hipótese aqui imaginada), mas de admi-
tindo a atividade poluidora, buscar compor o custo sócio-ambiental da atividade
com a obtenção de receita precipuamente voltada a corrigir aquela agressão
ambiental, ao mesmo tempo em que se induz uma mudança de comportamento
não apenas pela determinação do Estado que proíbe mas pela utilização do talen-
to da atividade privada na busca de uma solução mais econômica.
O tributo verde tem, portanto, papel re-orientador da atividade empresarial
e popular (não se pode esquecer a ingente necessidade de modificação das práti-
cas individuais, visando a proteção do meio ambiente), sem que se possa criticá-
lo por forçada, artificial. Tais tributos não criam uma variante que distorce a
melhor decisão econômica, e a correspectiva liberdade, mas, pelo contrário, a
fazem brotar com dados reais, pois o custo ambiental é real. Por isso já afirmou-
se, quase metaforicamente, que esse modelo de reforma tributária traz como novi-
dade a proposta de tributos impostos não pelo Estado mas pela Natureza.
Essa é talvez a grande novidade que o sistema tributário nos reserva para
este início de milênio, com tributos orientados por uma nova lógica, em que a
simples satisfação do apetite estatal é insuficiente para justificar a imposição tri-
butária. Não se trata apenas de tributar mas de tributar racionalmente17, mostran-
do a lógica e a coerência do sistema com os valores social (e constitucionalmen-
te) eleitos.
Existem muitas alternativas para a utilização de instrumentos tributários
(sentido estrito) ou a eles ligados (sentido lato) com a finalidade de proteger a
natureza.
A experiência comparada indica diversos países que vêm adotando incenti-
vos fiscais, especialmente na área do imposto sobre a renda, destinados a promo-
ver e subsidiar a implantação de equipamentos anti-poluentes na indústria, por
exemplo. Freqüentemente o método utilizado é o de admitir depreciações excep-
cionalmente aceleradas para os equipamentos adquiridos na implementação de
programas anti-poluição18. Seria um método ligado ao tributo mas não propria-
mente tributário, pois se trata de autênticos subsídios à aquisição de equipamen-
tos, o que não caracteriza propriamente matéria tributária.
Outra prática freqüente que tem sido considerada integrante da política de

17
Cfr. Hamilton Dias de Souza, “A Competência Tributária e seu exercício: a racionalidade como limitação ao poder de
tributar.”, Resenha Tributária, 1994, bem como Enrico de Mita, “Principi de Diritto Tributário”, Giuffrè Editore, Milano,
2000, especialmente p. 82
18 Cfr., p. e. Taxation for Environamental Protection - A Multinational Legal Study, Stanford Gaines e Richard Westin,
Editors, et alii, Quorum Books, New York, 1991
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instituição de green taxes tem sido o aumento de alíquotas incidentes em com-


bustíveis e energia elétrica19. O raciocínio é simples, mas, como já se referiu na
introdução, muito enganoso. Parte-se do preconceito de que a maior oneração dos
combustíveis e da energia elétrica redundará necessariamente num menor consu-
mo e conseqüente menor poluição pela emissão de gases e de resíduos nucleares
(utilizados nos países membros da OECD para produção da quase totalidade de
sua energia elétrica).
Ainda que seja óbvia e incontestável a relação existente entre preço de tais pro-
dutos e seu consumo, inexistente qualquer vinculação entre a arrecadação e o con-
trole ambiental, não é seguro que o aumento dos impostos incidentes sobre com-
bustíveis e sobre energia elétrica redunde em menor poluição. Muitas são as demais
variáveis a considerar, de maneira que o simples aumento dos impostos incidentes
em tais produtos, não é, isoladamente, medida segura de proteção ambiental.
As noções elementares de Economia já indicam a existência de consumos
com demanda elástica ou inelástica. Caracterizam a primeira os produtos cuja uti-
lização varia diretamente com o preço da mercadoria dada sua desnecessidade,
como seria o caso de artigos de luxo. Já a segunda categoria, dos produtos com
demanda inelástica, é formada por mercadorias necessárias como os clássicos
exemplos dos remédios e do sal, produtos cujo consumo não é pautado pela varia-
ção de preços20.
Precisamente o consumo de combustíveis e de energia elétrica, são casos
típicos de produtos cujo consumo não segue uma curva elástica de demanda, mas
sim uma tendência fortemente inelástica dado a essencialidade desses bens na
vida contemporânea.
Além disso, a prática demonstra apenas que o setor petrolífero e o de ener-
gia são fortes candidatos a “contribuintes preferenciais”, se assim pudermos cha-
mar os contribuintes que se encontram numa posição particular no sistema eco-
nômico que lhes dá um perfil especialmente interessante e querido aos olhos do
fisco, como os Bancos, as empresas de telefonia, as de energia elétrica, as de
cigarro, as de combustíveis, e as montadoras, que movimentam grandes volumes
de dinheiro, tendem a concentrar-se para ganhar escala, são amplamente infor-
matizadas e totalmente sujeitas ao Estado, de cuja permissão dependem em todas
as suas ações.
Assim, o aumento dos tributos incidentes em tais atividades, isoladamente,
apenas indicaria o apetite do Estado, não uma orientação ambiental da tributação.
Para que o aumento relativo dos tributos incidentes sobre combustíveis e
sobre energia elétrica possa ser considerado ecologicamente orientado, faz falta,
em primeiro lugar, que se reconheça na destinação do produto da arrecadação essa

19 Cfr., p. e., Environamental Taxes and Green Tax Reform, OCDE, Paris, 1997 e edições posteriores; GREEN FEES:
How s Tax Shift Can Work for the Environement and the Economy, Robert Repetto et alii, World Resource Institute, New
York, 1992; Implementation Strategies for Environmental Taxes, OCDE, Paris, 1996
20 Cfr. Fábio Nusdeo, “Curso de Economia - Introdução ao Direito Econômico”, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais,
3a. ed., 2001, p. 230 e ss.
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orientação. Como já se referiu anteriormente, o tributo ecologicamente orientado


deverá “internalizar” os custos ambientais, isto é, trazer para dentro do custo do
produto o montante exigido pela reparação ambiental do mal que causa.
Ideal seria que fosse possível reparar todo e qualquer agravo feito à nature-
za, de maneira que o “poluidor-pagador” estaria, ao pagar o produto (que traria
em seu preço o tributo destinado a reparar o dano ambiental que causa), ao
mesmo tempo causando o dano e viabilizando os meios para o Estado repara-lo.
Como a maioria dos danos causados à natureza não é reparável, ao tributo
ambiental cabe a missão de aproximar, decisivamente, o custo do produto
ambientalmente nocivo ao seu custo real (tendente ao infinito, se o dano é irre-
parável). É preciso encarar cada instrumento com suas virtudes e defeitos; o tri-
buto certamente é um excelente instrumento utilizável na proteção ambiental,
mas certamente não é perfeito. O melhor instrumento é a educação, especial-
mente quando alcança a convicção do educando, que se torna então educado. O
tributo ambientalmente orientado realiza função auxiliar nessa tarefa educativa
induzindo uma atuação educada, ou mesmo facilitando a consciência do custo da
atividade nociva ao ambiente.
É por isso que a experiência internacional tem apontado para a adequação
da adoção de práticas tributárias que, ao invés de simplesmente incentivar ativi-
dades benéficas como a substituição de equipamentos, ou ainda de simplesmen-
te aumentar o peso tributário de determinados produtos cujo consumo se deseja
diminuir -como os combustíveis ou a energia elétrica-, busquem efetivamente
demonstrar o custo ambiental dos produtos, colocando em seu preço tributos pre-
cipuamente destinados à restauração dos prejuízos ambientais que causam. São
os incentivos baseados no mercado, Market-based incentives, a que se referem
Glen Jenkins e Ranjit Lamech, da Universidade de Harvard em interessante
ensaio21 do qual se extrai a seguinte passagem:
“Um incentivo baseado no mercado afeta as estimativas de custo se bene-
fícios de ações alternativas, influenciando, portanto, nas decisões e comporta-
mento dos indivíduos, empresas, e governos, de tal maneira que as alternativas
mais ecológicas são escolhidas. O uso dos MBIs economiza recursos econômicos
porque os tomadores de decisão são conscientizados, através dos preços, das
implicações ambientais de suas escolhas. Apesar de seus encantos, a maioria dos
MBIs são difíceis de administrar, e são, às vezes, politicamente inaceitáveis. Por
isso, é imperativo que os instrumentos fiscais projetados para o controle da polui-
ção sejam adequados à situação existente.”
Refletido sobre a questão, verifica-se integralmente procedente a opinião
dos citados autores de que a melhor opção para uma política fiscal ambiental-
mente orientada é a adoção de tributos que internalizem o custo ambiental dos
produtos, com necessária vinculação do produto da arrecadação a essa tarefa. Sua
flexibilidade, própria de um instrumento de mercado, tem a virtude de ser tão ágil

21
Green Taxes and Incentive Policies - an International Perspective, Harvard Press University, Boston, 1997
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quanto qualquer evento econômico, sendo portanto adequada ao tratamento de


uma questão econômica. Sua permanência, por compor o preço, tem a efetivida-
de que a regulação e fiscalização não têm. Citando, de momento, apenas duas
vantagens.
Convém lembrar, com Fernando Magalhães Modé, que: “a tributação
ambiental apresenta-se como instrumento viável e eficaz àquilo que se propõe:
aumentar a eficiência econômica de forma ambientalmente desejável. Não se
deve imputar a ela função para a qual não se encontra aparelhada” 22.

5. AS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS NO BRASIL E SUAS POSSÍVEIS UTILIZAÇÕES COMO


INSTRUMENTOS DE ORIENTAÇÃO AMBIENTAL

Três são as espécies tributárias23, de competência tanto da União Federal


como dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, no sistema constitucio-
nal brasileiro (art. 145): impostos, taxas e contribuições de melhoria.
Cada uma dessas espécies tem características próprias, constitucionalmente
definidas, e que definirão as possibilidades de sua utilização com finalidade
ambientalmente orientada.
Os impostos têm por característica distintiva sua não-vinculação a atividade
estatal específica relativa ao contribuinte24 e, por essa mesma razão, não poderão
ser exigidos distintamente de um ou outro contribuinte. Nos impostos, a exigên-
cia somente poderá variar de acordo com o critério de discriminação constitucio-
nalmente estabelecido, de capacidade econômica do contribuinte (art. 145, § 1o.),
sem possibilidade de oscilações em acordo com qualquer outra variável, inclusi-
ve sua atividade (art. 150, II).
Uma cobrança de impostos diferenciada em função da maior ou menor ade-
quação da atividade do contribuinte a parâmetros de preservação ambiental seria
inconstitucional por ferir os princípios da igualdade e da capacidade contributiva.
Já a cobrança de contribuição especial com hipótese de incidência de imposto não
tem esse vício, como se verá adiante.
Assim, não há espaço para cobrança de simples impostos com finalidade
ambientalmente orientada no sistema constitucional brasileiro. Tais exigências
somente poderão ocorrer sob a forma específica de contribuição de intervenção
no domínio econômico (admitida sob essa forma a hipótese de incidência de
imposto).

22
“Tributação Ambiental - a função do tributo na proteção do meio ambiente”, Curitiba, 2004, 1a. ed., 2a. tiragem, Ed.
Juruá, p. 124
23 Não se abordará no presente estudo as divergências quanto ao número de espécies tributárias, por impertinente ao seu
objeto. Sobre o tema, pode-se consultar Roberto Ferraz, “Pressupostos de Imposição das CIDEs - Critérios
Constitucionais de Validade para a Instituição das CIDEs”, Porto Alegre, Ed. Síntese, Revista de Estudos Tributários, vol.
34, p. 134 e ss., especialmente pp. 135-138
24 Cfr. art. 16 do CTN e a clássica doutrina de Geraldo Ataliba “Hipótese de Incidência Tributária”, São Paulo, Ed.
Malheiros, diversas edições.
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As taxas são tributos vinculados a atuação estatal específica relativa ao con-


tribuinte, consistente no exercício do poder de polícia ou na prestação de serviço
compulsoriamente prestado pelo Estado (art. 145, II, da CF).
Na sistemática constitucionalmente estabelecida para a cobrança das taxas
encontra-se sempre o mesmo pressuposto: o interesse público tutelado sob a
forma de fiscalização ou de obrigatória prestação de serviço25.
Por tais características, as taxas se prestam perfeitamente à tarefa de prote-
ção ambiental, podendo ser exigidas em função da atividade de fiscalização
ambiental como pela prestação obrigatória de serviços que tenham caráter
ambiental.
Nesse campo os limites são os constitucionalmente estabelecidos, como a
cobrança apenas dos montantes correspondentes ao custo da atividade estatal de
fiscalização ou de prestação de serviços. À parte tais limitações, tudo dependerá
da criatividade da administração pública, sendo admissíveis taxas relativas à fis-
calização da emissão de poluentes por veículos ou indústrias, relativas à utiliza-
ção da água, à proteção do solo, da fauna, da flora etc.
A contribuição de melhoria é também vinculada a atividade estatal especí-
fica relativa ao contribuinte, consistente na realização de obra pública que lhe
valorize imóvel (art. 145, III).
Trata-se de instrumento pouco utilizado no Brasil mas que poderia ter exce-
lente aplicação no campo das ações ambientalmente orientadas.
Veja-se, por exemplo, o caso ofertado pela criação de parques de preserva-
ção. A prática brasileira vem assistindo uma inversão nefasta. O Estado ao aten-
der o interesse geral acaba por comprometer-se com indenizações vultosas na
criação de parques. Via de regra o que ocorre é que o Estado estabelece a limita-
ção à propriedade criando o parque ou mesmo desapropria área com essa finali-
dade (direta ou indiretamente). Freqüentemente isso ocorre em áreas de escasso
valor de mercado. Em momento posterior, como conseqüência da própria criação
do parque (podemos imaginar um parque próximo de área urbana) há uma forte
valorização dos imóveis que estão a sua volta. O Estado não exige a contribuição
de melhoria pertinente. O particular limitado ou desapropriado de seu direito de
propriedade exige justa indenização, que acaba por ser calculada de acordo com
o parâmetro gerado pelas propriedades que se encontram em torno ao parque,
extremamente valorizados pelo próprio parque, aumentando enormemente o
valor da indenização devida pro sua criação. O resultado prático é, sob o ponto de
vista da economia pública, um desastre.

25
Cfr. A doutrina que acolhe essa forma de definição de serviço público, como em Celso Antônio Bandeira de Mello, em
“Curso de Direito Administrativo”, Malheiros, 9ª. Ed., p. 425., que considera o conceito de serviço público como jurídi-
co positivo (em contraposição aos que seriam lógico jurídicos), para assim defini-lo: “Serviço público é toda atividade
ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob
regime de Direito Público -portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais-, instituído pelo
Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.” Concorreriam, nessa con-
cepção de serviço público, dois elementos, um material (oferta de utilidades materiais) e o outro formal (regime jurídi-
co), onde o segundo é que teria importância definitiva, por conferir caráter jurídico à noção de serviço público.
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A correta utilização da contribuição de melhoria levaria a uma equação


muito diferente, e justa, na criação de parques e áreas de preservação ambiental.
O Poder Público ao decidir criar áreas de preservação ambiental, como pra-
ças, parques e reservas, particularmente junto a aglomerações urbanas: a) avalia-
ria a área e suas redondezas, como manda a lei relativa à contribuição de melho-
ria; b) exigiria a contribuição correspondente à valorização dos imóveis circunvi-
zinhos à área de preservação (obra pública); c) indenizaria o proprietário do imó-
vel sobre o qual recai a preservação obrigatória, pelo valor real do imóvel, com
os recursos advindos dessa arrecadação; d) teria condições de arcar com novas
desapropriações semelhantes. Também a utilização da contribuição de melhoria
como tributo ambientalmente orientado traz possibilidades infindáveis. Não se
trata aqui de induzir comportamentos mas de viabilizar economicamente, e com
justiça fiscal, a efetivação de políticas públicas ambientais.
Analisando-se os tributos sob outro o aspecto, o da vinculação do produto
da arrecadação, identifica-se que aqueles autorizados pela Constituição com essa
característica essencial são exclusivos da União Federal: as contribuições espe-
ciais (art. 149) e os empréstimos compulsórios (art. 148).
Podem assentar sobre impostos ou taxas, havendo portanto contribuições
que configuram taxas (as da OAB, por exemplo) ou impostos (a CIDE-com-
bustível, por exemplo), mas terão sempre e invariavelmente o produto da arre-
cadação vinculado ao fundamento de sua instituição, sob pena de inconstitu-
cionalidade26.
Os empréstimos compulsórios, por poderem ser instituídos em função de
calamidade pública (que pode ser de natureza ambiental), bem como para reali-
zação de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacio-
nal (que também pode ser de natureza ambiental), tendo necessária aplicação dos
recursos arrecadados nessas finalidades (art. 148 da CF), podem ser interessan-
tes instrumentos para viabilizar políticas públicas ambientais.
Além disso, a contribuição de intervenção no domínio econômico - CIDE,
tem por característica própria a exigibilidade somente em determinado âmbito
econômico, sem ofensa aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva,
o que a torna particularmente adequada à tributação ambientalmente orientada,
especialmente aquela com finalidade re-orientadora de comportamentos através
da ‘internalização’ de custos ambientais. Relativamente a essa figura do direito
tributário brasileiro não cabem as objeções que se fazem apontando no tributo
ambientalmente orientado uma violação ao princípio da igualdade concretizado
em matéria fiscal no critério de capacidade contributiva.

26
Cf. Roberto Ferraz, “Da Hipótese ao Pressuposto de Incidência”, in Direito Tributário, Estudos em Homenagem a
Alcides Jorge Costa, São Paulo, Ed. Quartier Latin, 2003, p. 175 e ss., especialmente 216 a 230; Roberto Ferraz,
“Pressupostos de Imposição das CIDEs - Critérios Constitucionais de Validade para a Instituição das CIDEs”, Porto
Alegre, Ed. Síntese, Revista de Estudos Tributários, vol. 34, p. 134 e ss., especialmente p. 142.
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6. CONCLUSÕES ARTICULADAS

6.1 Num regime democrático, carece de sentido a visão do tributo como pena,
como sanção. A primeira característica fundamental da tributação ambientalmen-
te orientada é que ela deverá ocorrer, necessariamente, no âmbito das atividades
lícitas, como orientadora dessas atividades, mas nunca como sancionatória.

6.2 Os tributos ecologicamente orientados, são aqueles que influenciam na deci-


são econômica de modo a tornar mais interessante a opção ecologicamente mais
adequada. Existem muitas alternativas para a utilização de instrumentos tributá-
rios (sentido estrito) ou a eles ligados (sentido lato) com a finalidade de proteger
a natureza.

6.3 A experiência internacional tem apontado para a adequação da adoção de prá-


ticas tributárias que, ao invés de simplesmente incentivar atividades benéficas
como a substituição de equipamentos, ou ainda de simplesmente aumentar o
peso tributário de determinados produtos cujo consumo se deseja diminuir -como
os combustíveis ou a energia elétrica-, busquem efetivamente demonstrar o custo
ambiental dos produtos, colocando em seu preço tributos precipuamente destina-
dos à restauração dos prejuízos ambientais que causam.

6.4 A melhor opção para uma política fiscal ambientalmente orientada é a ado-
ção de tributos que internalizem o custo ambiental dos produtos, com necessária
vinculação do produto da arrecadação a essa tarefa. Sua flexibilidade, própria de
um instrumento de mercado, tem a virtude de ser tão ágil quanto qualquer even-
to econômico, sendo portanto adequada ao tratamento de uma questão econômi-
ca. Sua permanência, por compor o preço, tem a efetividade que a regulação e
fiscalização não têm.

6.5 Não há espaço para cobrança de simples impostos com finalidade ambien-
talmente orientada no sistema constitucional brasileiro. Tais exigências somente
poderão ocorrer sob a forma específica de contribuição de intervenção no domí-
nio econômico (admitida sob essa forma a hipótese de incidência de imposto).

6.6 As taxas se prestam perfeitamente à tarefa de proteção ambiental, podendo


ser exigidas em função da atividade de fiscalização ambiental como pela presta-
ção obrigatória de serviços que tenham caráter ambiental.

6.7 A correta utilização da contribuição de melhoria levaria a uma equação muito


diferente, e justa, na criação de parques e áreas de preservação ambiental. O
Poder Público ao decidir criar áreas de preservação ambiental, como praças, par-
ques e reservas, particularmente junto a aglomerações urbanas: a) avaliaria a área
e suas redondezas, como manda a lei relativa à contribuição de melhoria; b) exi-
giria a contribuição correspondente à valorização dos imóveis circunvizinhos à
área de preservação (obra pública); c) indenizaria o proprietário do imóvel sobre
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o qual recai a preservação obrigatória, pelo valor real do imóvel, com os recursos
advindos dessa arrecadação; d) teria condições de arcar com novas desapropria-
ções semelhantes. Também a utilização da contribuição de melhoria como tribu-
to ambientalmente orientado traz possibilidades infindáveis. Não se trata aqui de
induzir comportamentos mas de viabilizar economicamente, e com justiça fiscal,
a efetivação de políticas públicas ambientais.

6.8 Os empréstimos compulsórios, por poderem ser instituídos em função de


calamidade pública (que pode ser de natureza ambiental), bem como para reali-
zação de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacio-
nal (que também pode ser de natureza ambiental), tendo necessária aplicação dos
recursos arrecadados nessas finalidades (art. 148 da CF), podem ser interessan-
tes instrumentos para viabilizar políticas públicas ambientais.

6.9 A contribuição de intervenção no domínio econômico - CIDE, tem por carac-


terística própria a exigibilidade somente em determinado âmbito econômico, sem
ofensa aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, o que a torna
particularmente adequada à tributação ambientalmente orientada, especialmente
aquela com finalidade re-orientadora de comportamentos através da ‘internaliza-
ção’ de custos ambientais. Relativamente a essa figura do direito tributário brasi-
leiro não cabem as objeções que se fazem apontando no tributo ambientalmente
orientado uma violação ao princípio da igualdade concretizado em matéria fiscal
no critério de capacidade contributiva.
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