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‘um regime “animico” ou sobre a homeostasejivaro talvez no sejam, finalmente, tio distantes assim do deslocamento lévi-straussiano do par natureza/sociedade para o plano das cosmologias indigenas e das idéias do mesmo LévieStrauss, ou de Clastres, sobre a contengio estrutural que manteve as sociedades amazénicas longe do produti- vismo, do despotismo e do progressivismo, Talvez seja realmente ‘este © caso; mas nfo estou certo de que tal conclusio seria epistemo- Togicamente pessimist. Pois é provavel que as perspectivas autopoié- ticas e alopoiéticas (Varela 1979) sobre a dicotomia natureza/socie- dade sejam descrigées alternativas que se implicam mutuamente, € pportanto, que qualquer sintese deva comegar por reconhecer sua necesséria complementaridade, [Wb lagen da nae de sociedad Capitulo 7 PERSPECTIVISMO E MULTINATURALISMO NA AMERICA INDIGRNA - Perspectivismo ¢ multinaturalismo na América indigena A relatvidade do epaso « do tempo tam sido imagi- ada como se dependese da ecolhe de um oservador, E perfeiamenselegtimo incur o ebservador, ze ee aclta ax explicagiee, Ma é do compo do obsernador que precscno, node suc mente AN. Whitehecd Assim, a reciprocidade de perspecivas que vi como a : caracteretca pripria do pensemento mivce pode ri 2 vindicar um dominio de aplicasio muito mais vast. — C. Lévi-Strauss Introduedo' (© tema deste ensaio & aquele aspeeto do pensamento amerindio que ‘manifesta sua “qualidade perspective” (Achem 1993) ou “relativ dade perspectiva” (Gray 1996): trata-se da concepgZo, comum a mui 105 povos do continent, segundo a qual o mundo € habitado por dife- rentes espécies de sujeitos ou pessoas, humanas e ndo-humanas, que © aprender segundo pontos de vista distntos. Os pressupostos € conseqiiéncias dessa idéia sao irredutiveis (como mostrou Lima t995: 425-38) 20 nosso conceito corrente de relativismo, que & primeira 1. Aspiginas que seguem tém sua origem em um didlogo com Tinia Stave Lima, {A primeia versio do principal dos artigos aqui refunds (Viveitos de Casto > | ecands como fodprafe pcan, 1981) sar vista parecem evocar. Bles se dispem, a bem dizer, de modo exata- mente ortogonal & oposicao entre relativismo e universalismo. Tel resisténcia do perspectivismo amerindio aos termos de nossos debates epistemolégicos pbe sob suspeita a robuster ea transportabilidade das partigdes ontolégicas que os alimentam. Em particular, como muitos antropélogos jé concluiram (embora por outros motives), a distingio cléssica entre Natureza e Cultura no pode ser utilizada para descre- ver dimensées ou dominios internos a cosmologias nfo-ocidentais sem passar antes por uma critica etnolégica rigorosa. “Tal eritca, no caso presente, exige a dissociagio e redistribuiglo dos predicados subsumidos nas duas séries paradigmiticas que tradi- cionalmente se opdem sob os réculos de Natureza ¢ Cultura: univer sal e particular, objetivo e subjetivo,fisico ¢ moral, fato e valor, dado e construido, necessidade e espontaneidade, imangncia e transcen- déncia, corpo e espirito, animalidade e humanidade, e outros tantos. Esse reembaralhamento das cartas conceituais leva-me a sugerir 0 > 1996) fo esritae pubicada sneronicamente a estudo de Tina sobre o perspee- tivismojuruna, aque remetooleitor (Lima 1996). 0 enssio de Latour (199%)sobre anogio de modernidade foiuma fonteindirea, mas decisiva de inspragto pacaessa ‘primeira versio. Meses depois de ver publiado o artigo de 1996, lium veh texto de Fitz Krause (1g referido em Boelscher 1: 212n. ro) onde encontei dias curiosumenteconvergentescom algumasdasaquiexpostas elas sero dscutidas em ‘outra oportunidad, A real coavergénciaignorada no artigo de 196, entretant, & com a teria desenvolvida por Rey Wagner em The imentio of eure, lveo que ‘eulera quinzeanos antes (em 1981, ano desta segunda edigfo) masapageradetodo «da membre, eertamente por estar ele aia de mink eapacidade de compreensz0, ‘Ao relé-lo, em 1998, percebi que asimilaa algume coisa, afinal, visto baverrein- ‘ventado certs pasos crucais do aagumento de Wagner (jt ficaré mais clato 90 cap. 8 infa) Peter Go, Aparecida Vilga, Philippe Descola¢ Michael Houseman contribufram, como sempre, com sugestbes e comentiros, em vérios estigis da laboragio do texto Por fim, os desenvolvimentos em curs ds ees aqui exposts| (iveiros de Castro em preparagio) devem is luzes de Brano Latour e de Maly ‘Serathern muito mis do que é possvel regia, por or ak Peper ¢malinatrelione termo muleinaturalismo para assinalar um dos tragos contrastivos do pensamento amerindio em relagao as cosmologias ‘multiculturalistas’ ‘modernas. Enquanto estas se apéiamn na implicagao meitua entre unici- dade da narureza e multiplicidade das eulturas —a primeira garantida pela universilidade objetiva dos corpos e da substincia, a segunda gerada pela partcularidade subjetiva dos espiitos e do significado? =, a cancepetio amerindia suporia, a contréri, uma unidade do espi- sito e uma diversidade dos corpos. A cultura ou o sujeito seriam aqui a forma do universal a natureza ou 0 objeto, a forma do particular. Essa inversfo, talver. demasiado simétrica para ser mais que especulativa, deve-se desdobrar em uma interpretagio fenomeno- logicamente rica das nogdes cosmolégicas amerindias, capaz de determinar as condigdes de constituigio dos contextos que se pode- riam chamar ‘natureza’ ¢ ‘cultura’. Recombinar, portanto, para em seguida dessubstancializar, pois as categorias de Natureza ¢ Cultura, ro pensamento amerindio, nfo s6 nio subsumemn 05 mesmos contes- dos, como alo possuiem o mesmo estatuto de seus anélogos ociden- tas; elas nfo assinalam regides do ser, mas antes configuragdes rela- cionais, perspectivas méveis, em suma —pontos de vista. Como esti claro, penso que a distingdo natureza/cultara deve ser crticada, mas nfo para concluir que tal coisa nao existe (hi coisas demais que no existem). O “valor sobretudo metodol6gico” que Lévi-Strauss (196ab: 327) veio a the asibuir sera, aqui, enten- dido como valor sobretudo comparativo. A florescente indistria da 10 tem advogado 6 abandona de nossa heranga intelectual dicotémicas o problema & bem real, mas as contrapropostas etnologicamente motivadas tém- se resumido, a agora, a desideratos p6s-binatios antes verbais que critica a0 cardter ocidentalizante de todo d 2. "Tal €a logics de um discurso, omumentecoshecido como ‘oxidena, cujo fans _damento ontolgico reside em uma separago dos dominios subjetvo e objetivo, o primeiro coneebide como mundo interior da mente edo significado, segundo, ‘mundo exterior da matéria eda substincia” (Ingold 1991 55). Mo | | | | propriamente conceituais. Prefiro, enquanto espero, perspectivizar ‘nossos contrastes, contrastando-os com as distingdes efetivamente ‘operantes nas cosmologias amerindias Perspectivisma (© estimulo inicial para esta reflexao foram as numeroses referencias, nna etnoggrafia amazénica, a uma coneeped6o indigena segundo a qual ‘¢ modo como os seres humanos véem os animais ¢ outras subjetivi- dades que povoam o universo —deuses, espiitos, mortos, habitantes de outros niveis eésmicos, plantas, fendmenos meteorol6gicos, aci- dentes geogrificos, objetos e artefatos ~, 6 profundamente diferente cdo modo como esses seres véem os humanos e se vem a si mesmos. Tipicamente, os humanos, em condigdes normais, véem os |humanos como humanos e os animais como animais; quanto 20s cespiritos, ver estes seres usualmente invisiveis é um signo seguro de que as ‘condigdes’ nfo so normais. Os animais predadores e os, espititos, entreranto, véem os humanos como animais de presa, 20 asso que os animais de presa véem 0s humans como espiritos ou como animais predadores: “O ser humano se vé a si mesmo como tal. A lua, asexpente, o jaguar e a mie da varfola 0 véem, contudo, como um tapir ou um pecari, que eles matam”, anota Baer (1994 224) sobre os Machiguenga. Vendo-nos como nio-humanos, é a si esmos que 05 animais e espiritos véem como humanos. Eles se apreendem como, ou se tornam, antropomorfos quando esto em suas préprias casas ou aldeias,¢ experimentam seus proprios habitos ¢ caracteristcas sob a espécie da cultura: véem seu alimento como alimento humano (os jaguares véem o sangue como cauim, 08 mor tos véem os grilos como peixes, os urubus vem os vermes da carne podre como peixe assado etc.), seus atributos corporais (pelagem, plumas, garras, bicos ete.) como adornos ou instrumentos cultura, seu sistema social como organizado identicamente as instivuigbes 350 Prpevvinmee hiner Jrumanas (com chefes, xamis,ritos, regras de casamento ete.) Esse “ver como’ refere-se literalmente a perceptos, eno analogicamente a conceitos, ainda que, em alguns casos, a énfese seja mals no aspecto categorial que sensorial do fendmeno; de qualquer modo, os xamis, mestres do esquematisme césmico (Taussig 1987: 462-63) dedica— dos a comunicar ¢ administear as perspectivas cruzadas, estZo sem- pre ai para tornar sensiveis os conceitos ou inteligiveis as intuigbes, Em suma, os animais so gente, ou se véem como pessoas, Tal con- cep estd quase sempre associada &idéia de que a forma manifesta de cada espécie € um envolt6rio (uma ‘roupa’) @ esconder uma forma interna humana, normalmente visvel apenas aos olhos da propria espé- cie ou de certos serestransespecificos, como os xamis.” Essa forma interna é 0 espfrito do animal: uma intencionalidade ou subjetividade formalmente idéntica & consciéncia humana, materializével, digamos assim, em um esquema corporal humano oculto sob a mascara animal. ‘Teriamos entdo, & primeira vista, uma distingio entre uma esséacia antropomorfa de tipo espiritual, comum aos seres animados, e una apa- réncia corporal varidvel, caracteristica de cada espécie, mas que ndo seria um atributo fixo, e sim uma roupa trocivel e descartivel. A nogdo de ‘roupaé, com efeito, uma das expresses privilegiadas da mecamor- {fase ~ espritos, mortos ¢ xamas que assumem formas znimas, bichos ‘que viram outeos bichos, humanos que si inadvertidamente mudados ‘em animais , procesto onipresente no “mundo alramente transforma cional” (Riviére 1994) proposto pelas cularas amazinicas.* 5: Quando esti reunidos em suas aldeias na mata, p. ex, 0s animals despem as roupas¢assumem aua figura humana. Em outeos eases, a roups seria como que tronsperente aos olhos da prdpria espécie eds xamfs humanos 4A. nogio de roups’ corporal oi registra, entre oxteos, para as Maku Achem 1933),08 Yaga (Chaumil 98} 125-27), 0s iro (Gow compes.} 05 Teo Riviére 1994) 04 0s Alto-Xinguanos (Gregor 19775225 Vivezos de Casto 197: 183) Elaé provavelmentepanamericana tendo um grand rendiment, px, na cosmologia ‘vali (Goldman 1975 62-65, 224-2, 18286, 22728) Pa Essas concepgSes sio consignadas em varias etnografias sul- americanas, mas foram, via de regra, objeto de registros sucintos, ¢ parecem ser muito desigualmente elaboradas pelas cosmologias em pauta3 Blas se acham também, e ali com um valor talver ainda mais pregnante, nas culturas da zona setentrional da América do Norte ¢ da Asia, e mais raramente entre alguns cagadores-coletores tropicals de outros continentes.“ Na América do Sul, as sociedades do noroeste amazénico mostram os desenvolvimentos mais completos (ver Achem 1993 € 1996, em quem a caracterizagio que precede foi largamemte ingpirada; Reichel-Dolmatoff 19853 S. Hugh-Jones 19962). Mas so as etnogralias de Vilaga (1992) sobre o canibalismo wari’ ¢ de Lima (1995) sobre 2 epistemologia juruna que trazem as contribuigdes mais dizetamente afins ao presente trabalho, por ligarem a questo dos pon tos de vista nfo-humanos e da natureza relacional das categorias cos- molégieas a0 quadro mais amplo das manifestagdes de uma economia ageral da alieridade (Viveiros de Castro 19932, 1996a).? 4 Ct, para alguns exemplos: Baer upp 02, 119-124 (Machiguenga); Grenand 198: 42 (Wayap Jara 99S 68-73 (Akar); Osborn ge: 1 (Uva) Viveros de Caso sop: 68 (Arawets); Weis ig6p st (Comps) 6.Cf, p. ex, Saladin d’Anglure 1990, Fienup-Riordan 1994 CEsqutmd); Nelson 1983, MeDonnell 1984 (Keyuhon, Kaska); Tanner t97p, Soot 989, Brightman 1993 (Crea) Hallowell 1960 (Ojibwa); Goldman 1975 (Koski); Guédon 194 (Tsimshian); Boelscher 185 (Haids)- Para atta, ef Hamayon 1990. CE, enim, Howell, 19960 Kasim 181, para os Chewonge Me'Betsé da Malia, Oest- dade Howell 198 foi urs dos primeitos a se demorar sobre o tems. Concepsies semelhantes também foram regitrads em uma cosmelogia menésa,a dos Kaul Gchieflin w76eap. 5). 7. CF. caps. 2€ 4, supra. As nogBes de perspectva eponto de vst tm um papel decsivo em textos que escteviantevioemente, mas seu foco de aplicagi era al, principalmenee,adinémieaintra-humana, em particule o canibalimo tp, e seu significado quase sempre analiico eabstrato(Viveios de Castro 19938 248-5 35695 196 [eap. 4p). Ov entados de Vilage, sobre, ode Lima mostae "ameme gue era possvel enealizar esas nogBes.(N.B. A mengio 3 noxio de> 352 Paap e natalie Alguns esclarecimentos iniciais so necessitios, Em primeiro lugar, o perspectivismo raramente se aplica em extensio a todos os animais (além de englobar outros seres); ele parece incidir mais fre- qiientemente sobre espécies como os grandes predadores e carnicei- ros, tais o jaguar, a sucuri, os urubus ou a harpia, bem como sobre 4s press tipicas dos humanos, tis o pecari, 05 macacos, os peixes, ‘08 veados ou a anta. Pois uma das dimensdes basicas, talvex mesmo a dimensio constivutiva, das inversdes perspectivas diz respeito aos cestatutos relativos e relacionais de predador e presa* A ontologia amaz6nica da predagio é um contexto pragmitico e tebrico alta- mente propiio ao perspectvismo. Em segundo lugar, a ‘personitude’ e a ‘perspectividade” — a capacidade de ocupar um ponto de vista — sio uma questio de grau e de situagio, mais que propriedades diacriticas fixas desta ou daquela espécie. Alguns ndo-humanos atualizam essas poten- cialidades de modo mais completo que outros; certos deles, alias, manifestam-nas com uma intensidade superior & de nossa pré- pria espécie, e, neste sentido, so ‘mais pessoas’ que os humanos (Hallowell 1960: 69). Além disso, a questio possi wma qualidade a posteriori essencial. A. possibilidade de que um ser até entdo insig- nificanterevele-se como um agente prosopomérfico capaz de afe- tar os negécios humanos est sempre aberta; a experiéneia pessoal, propria ou alheia, é mais decisiva que qualquer dogma cosmolé- gico substantivo. Nem sempre é 0 casa, além liso, que almas ou subjetivida- des sejam atribuidas aos representantes individuals, empiricos, das espécies vivas; hd exemplos de cosmologias que negam a todos os animais pés-miticos a capacidade de consciéncia, ou algum outro > perspectiva ns linhasfinais do cap. do presente veo nfo constava das verses ‘originals dos artigos ali fundidos), 8 Cf. Renard-Casevie 1991: 10-11 29-31; Vilaga 1993: 49st; Athem 1995: 11-25, Howell 1996333. 33 predicado espiritual” Entretanto, a nogo de espititos ‘donos’ dos animais (‘Macs da casa’, ‘Mestres dos queinadas’ ete.) & como se sabe, de enorme difusio no continente. Esses espfritos-mestres, invax riavelmente dotados de uma intencionalidade andloga humana, fun ionam como hipéstases das espécies animais a que estio associados, criando um campo intersubjetivo humano-animal mesmo ali onde 18 animais empiricos nao sio espiritualizados. Actescente-se que a cr mestres das espécies nem sempre 6 clara ou pertinente (Alexiades 1999: 194); de resto, é sempre possivel que aquilo que, 20 toparmos com ele na mata, parecia ser apenas um bicho, revele-se como o dis farce de um espirito de natureza completamente diferente. Recordemos, por fim e sobretudo, que, se hd uma nogao virtual- ‘mente universal no pensamento amerindio, & aquela de um estado originirio de indiferenciagio entre os humanos ¢ 0s animais, des- tito pela mitologia: io entre os animais vistos sob seu aspecto-alma e os espritos- [0 que é um mito?] — Se voed perguntasse a um tndio americano, & muita provavel que ele reepondesse: € uma hisiria do tempo em gus oe homens @ o¢ animais ainda ndo se distinguiam. Esta definigio me parece muito profinda (Lévi-Strauss & Eribon 1988: 193). ‘As narrativas miticas sto povoadas de seres cuja forma, nome e compor- tamento misturam inextricavelmente atributos humanos e no-huma- nos, em um contexto comum de intercomunicabilidade idéntico 20 «que define o mundo intra-humano anual. O perspectivismo amerindio conhece ento no mito um lugar, geométrico por assim dizer, onde @ diferenga entre 05 pontos de vista é ao mesmo tempo anulada e exacer~ bada. Nesse diseurso absoluto, cada expécie de ser aparece aos outros ‘eres como aparece para si mesma — como humana ~, entretanto age ‘5, Oring 198 249-28 1986 24-46; Vis de Castro 192327574 Baer 19948. 354 Parpctiviaa¢ muinaaralions como se jé manifestando sua natureza dstintva e definitiva de animal, planta ou espirite. De certa forma, todos os personagens que povoam a mitologia sio xamis, 0 que, aids, é afirmado por algunas eulturas amazSnicas (Guss 1989: 52). Discurso sem sujeito, disse Lévi-Strauss do mito (1964: 19); discurso ‘s6 sujeito’, poderiamos igualmente dizer, desta vez falando no da enuneiagio do discurso, mas de seu enunciado. Ponto de fuga universal do perspectivismo, 0 mito fala de um estado do ser onde os coxpos eos nome, 28 alas ¢ a ages, ou €0 outro se interpenetram, mergulhadas em um mesmo meio pré-subjetivo ¢ pré- objetivo, Meio cujo fim, justamente, a mitologia se prope a contar. ‘Tal fim — também no sentido de finalidade — é, como sabemos, aquela diferenciagio entre cultura ¢ natureza analisada na monumen- tal etralogia de Lévi-Straus (1964, 1966, 1967, 1971). Este process, porém, ¢ 0 ponto foi relativamente pouco notado, nio fala de uma diferenciagao do humano a partir do animal, como é 0 caso em nossa mitologia evolucionista moderna. condipao original comura aos husmanos ¢ animais néo é a animalidade, mas a humanidade. A grande divisio mitica mostra menos a cultura se distinguindo da natureza que a natureza se afastando da cultura: os mitos contam como os animais perderam os atributos herdados ou mantidos pelos buma- nos (Lévi-Strauss 1985: L4, 199; Brightman 1993: 40, 160). Os humanos sio aqueles que continuaram iguas asi mesmos: os animais sf0 ex- humanos, e nao os humanos ex-animais.!° 12. A nogo deque o sujeto ~0s homens 0s indis, meu gropo que distingueéo termo hiscoriaihenteestivel da distingio entre oe! € 0 ‘outto’~ os aimais, os brancos, os outeosindios ~ aparece anto no caso da diferenciagdointrespecficn _quantoso d separacio intacespecifea, como sepode ver nos dferentesmitos ame rindios de origer dos Brancos (fp. ex.,DaMatte 1970, 1973;S. HughJones 1985; LéviStrauss 1991; ef também cap. supa Viveiros de Castro 2000). Os outros foramo que soros,enio, como para nds, sfo oque fomos, Bassim xe percebe io Pettinente pode sera nogio de “sociedades fis”: a histria existe sim, mas 6 algo _qve 38 acontace ave outros, ou por causn dees, Bs Em algumas etnografias amazdnicas, encontra-se claramente formulada a idéia de que a humanidade € a matéria do plenum pri- mordial, ou a forma originéria de virtualmente tudo, ndo apenas dos animais: A mitologia dos Campa é, em larga medida, a hstiria de como, um a tum, os Compa primordiais foram ireversivelmente tansformades nas _prinsirs representantes de véraeexpéces de animaise plantas, Bem ‘como de corposeelestes ou de acidentes geogréfieos. x] O desenvelvix mento do universe, portato, fo um processo de dversifcagao, ¢@ humax dade da cubsténcia primeve a perts da qual emergirem mutias endo todas ax categoria de sees cosas no universe; os Campa de hoje 80 as deccendentes dos Campa ancestras qu excaparam & transferase (Weis 1973 169-70). ‘Assim, se nossa antropologia popular véa humanidade como erguida sobre alicerces animais, normalmente ocultos pela cultura — tendo ‘outrora sido ‘completamente’ animais, permanecemos, ‘no fando’, animais —, 0 pensamento indigena conelui 20 contrério que, tendo outrora sido humanos, os animais e outros seres do cosmos conti- smuam a ser humanos, mesmo que de modo ndo-evidente, [Em suma, para os amerindios “o referencial comum a todos os seres da natureza nfo 6 0 homem enquanto espécie, mas a humani- dade enquanto condigdo” (Descola 1986: 120). Esta distingao entre a espécie e a condigZo humanas deve ser sublinhada.! Ela tem uma conexio evidente com a idéia das roupas animais a esconder uma ‘esséncia? humano-espiritual comum, e com o probleme do sentido feral do perspeetivismo, 1. dingo Ganiloga de Wagaer (98135) 0 Ingold (194) ens bumani- dade com expécie (ou hunartind) como ideal moral (ou human). 356 Peapectviona emanates Xamanismo (© perspectivismo amerindio esté associado a duas earacteristicas recortentes na Amazbnia: a valorizado simbélica da caca, eaimpor- tncia do xamanismo." No que respeita 4 caga, sublinhe-se que se trata de uma ressondncia simbdlica, no de uma dependéncia ecold- gica: horticultores aplicados como os Tukano ou os Juruna— que além disso sio principalmence pescadores ~ nio diferem muito dos grandes cacadores do Canad e Alasca, quanto ao peso cosmoliigico conferido & predagao animal (venatéria ou haligutica), & subjetiva- o espiritual dos animais, ¢&teoria de que o universo é povoado de intencionalidades extra-humanas dotadas de perspectivas préprias. esse sentido, a espiritualizagio das plantas, meteoros ¢ artefatos talver pudesse ser vista como secundéria ou derivada diante da espiritualizagdo dos animais: 0 animal parece ser 0 prowtipo extra- humano do Outro, mantendo uma relagdo privilegiada com outras figuras protorfpicas da alteridade, como os afins." Ideotogia de cacadores, esta érambém e sobretudo uma ideologia de xamis. A nogio de que 0s niio-humanos atuais possuem um lado prosopomérfico invisivel € um pressuposto fundamental de varias dimensdes da pratica indigena; mas cla vem ao primero plano em um ‘contexto particular, o xamanismo, © xamanismo amazOnico pode ser Las Areacio enero zaman exeaga éuma questi sis, CE Cham 9 apryac Crocker i985 1735, 15. A iimportinia da eago venstxio-xamaniia com o mundo imal em soce- dades ce econdnia seeds na horiculura ena pesca ms qu ca, suc problemas interssants para a hss cultural dx Amazdria(Viveros de Castco ‘pbb ef. ap 6.x. 14, CE. ikson og to-15 Dscola 1986: 37-45 Acer 556 Regie ence toot, que na clas da Amaznia cident em epacal aaguelas que fam uo deslucinégeno, a personifieagi ds plans parece see ao menos a salente quanto a dos annus, equ, em Seas come o Alto Xing, a esprtalinagio dos nefits dezempenha um grande papel cosmolégica, 7 definido como a habilidade manifesta por certos individuos de eruzat daliberadamente as barreras corporais e adotar a perspectiva de subje- tividades alo-especificas, de modo a adrninistrar as relagOes entre estas «eos humanos. Vendo os eres nfo-humanos como estes se véem (como Ihumanos), os wamis sio capazes de assumir o papel de interlocutores ativos no didlogo transespecifieo; sobretudo, eles slo capazes de voltar para contar 2 historia, algo que os leigos dificilmente podem fazer. O encontro ou o intercdmbio de perspectivas & um provesso perigoso, © uma arte politica — uma diplomacia. $e o‘multiculturalismo’ ocidental 6 0 selativismo como politica pili tindio & 0 multinatucalismo como politica césmica. (© xamanismo é um modo de agir que implica um modo de conhe- cer, ou antes, um certo ideal de conhecimento. Tal ideal é, sob varios aspectos, 0 oposto polar da epistemologia objetivistafavorecida pela modernidade ocidental. Nesta iltima, a eategoria do objeto fornece ‘otelos: conhecer & objetivar;é poder distinguir no objeto o que lhe & intrinseco do que pertence ao sujeito cognoscente, ¢ que, como ta, foi indevida e/ou inevitavelmente projetado no objeto. Conhecer, assim, € dessubjetivar, explicitar a parte do sujeito presente no objeto, de ‘modo a reduzi-laa um minimo ideal, Os sueitos, tanto quanto 0s obje- tos, sio vistos como resultantes de provessos de objetivacio: 0 sujeito se constitui ou reconhece a si mesmo nos objetos que produz, € se conhece objetivamente quando consegue se ver ‘de fora’, como um “isso. Nosso jogo epistemol6gico se chama objetivagio; o que nao foi objetivado permanece irreal eabstrato. A forma do Outro é a coisa. (© xamanismo amerindio parece guiado pelo ideal inverso. ‘Conhecer & personificar, tomar 0 ponto de vista daquilo que deve ser conhiecido ~ daquilo, ou antes, daquele; pois o conhecimento xamfinico visa um ‘algo’ que é um ‘alguém’, um outro sujeito ou agente. A forma do Outro é a pessoa. 0 perspectvismo xamiinico ame- 15, Observo que ese modo de exprimie o contrast no & pens semelhante elle. [bre oposgo entre ‘dom e‘mescacora, Entendo que seratado mesmo contrast, > 338 Pepetviono muinatraline Para usar um vocabuléio em voga, eu dria que a personificagao ‘ou subjetivagio xamfnicas refletem uma propensio a universalizar a “atitude intencional” destacada por Dennett (1978) € outros filésofos modernos da mente (ou filésofos da mente moderna). Sendo mais pre~ iso ~ visto que os indios sio perfeitamente capazes de adotar as atitu- des “fisica” e “funcional” (op.cit.) em sua vida cotidiana ~, disia que ‘estamos diante de um ideal epistemolégico que, longe de buscar redu- tiv a ‘intencionalidade ambiente’ a zero a fim de atingir uma repre- sentagio absolutamente objetiva do mundo, toma a decistio oposta: ‘o conhecimento verdadeiro visa a revelagio de um méximo de inten- formulad em termosnfo-esonomicists "seem uma ezonomia erent 38 eins ex pesoes seamen forma soil acl, eno em una economia do dom elas assume a forma soil da pessoa” (Sater 198: 155 ef Gregory 1984). 16. A defiigh terico-antsopolgea do ‘ate como envolvendoo proceso de atuugfo de agéncia ext magistralmenteexposta por Alfred Gell em dr nd agen (0999), 17- Esto me refeindo agua conesto de Demet sobre aoedinaidade dos sie- tna intecioals, Un sistema inrencional de segunda orem xe ondeo obser sador iui no apes crengas, deseoseoutrasimenges a0 objeto (primeira corde), mstambém erengasetc. orepete de outrascrengasct. tse cogntvsa tons acct suse que apenas o Homo scpiow eb ntencionldade de dem ‘gual ovsnpesiors di. Oberve-te que meu principio xamanitico de‘sbdugto de tm maxim de ade vide enconee evidentemene aoe dogmas da pscologa fala: “Os prcslogoe tm fespememente recor ao principio cnbeckdo > 39 seja,& determinagao de sua relagio social com aquele que conhece, & ‘xamanisticamente insignificante ~ é um residuo epistémico, um fator {impessoal resistente ao conhecimento preciso. Nossa epistemologia objetivista, escusado dizer, toma o rumo oposto: ela considera a ati- tude intencional do senso-comum como uma mera fieg20 cémoda, algo que adotamos quando 0 comportamento do objeto-alvo é com- plicado demais para ser decomposto em processos fisicos elementa- es. Uma explicaglo cientifica exaustiva do mundo deve poder redu- tir toda acho a uma cadeia de eventos eausais, ¢ estes a interagdes ‘materialmente densas (nada de ‘ago’ & distancia). Em suma, se no mundo naturalista da modernidade um sujeito 6 um objeto insuficientemente analisado, a convengao interpretativa amerindia segue o principio inves pletamente interpretado, Aqui, é preciso saber personificar, porque é preciso personificar para saber. O objeto da interpretagao é a contra interpretagiio do objeto." Pois este deve, ou ser expandido até atin air sua forma intencional plena — de espirito, de animal em sua face human -, ou, no minimo, ter sua relagio com um sujeico demons trada, isto & ser determinado como algo que existe “na vizinhanga” de um agente (Gell op.cit.). No que respeita a esta segunda opglo, a idéia de que os agentes ndo-humanos percebem-se a si mesmos ¢ > pelo nome deinen de parciménia de Loe Morgan’, que pode servi come um ‘oso pacar danavlis de cs. se pinata quse deve tibuicsum or sikmoo mii deinen, ouconsin,oraconaidadesufiissparadarcone tadeseu congonamento™ (Denne p.e:374). Comet, achocle doxand én ‘nssrumeno depo intiamente diferente da navalha de Ocean x pode servi para cscrevr ago de gic, mas no mito bos, p. x, para ecperar amas pedis 18. Como observa Marlyn Steathecn, a propésito de um regime epstrnoligio semelhanteoamerndo: [Esa] convengi requer que oF objetoe de icerpeasio = humanos ou no ~ sem entendidos como outraspssos; com efit 0 pripsio sto de incexprtagi presnupe a peesonitde [ersond| do que ea sendo inter peta, [] 0 ques encontr, sin, 20 fazer interpeages, sf sempre con- seaierpreasSes..” (1995235). 360 Pepecirimne miinctraliene um objeto 6 um sujeito incom- 4 seu comportamento sob a forma da cultura humana desempenha tum papel cracal. A traduglo da ‘cultura’ para os mundos das subjetivi- dades extra-humanas tem como corolério a redefiniglo de varios even- tos ¢ objetos ‘naturais’ como sendo in social pode ser ahduzida. © caso mais comum é a transformagio de algo que, para os humanos, é um mero fato bruto, em um artefato ou comportamento altamente civilizados, do ponto de vista de outra espé- cies o que chamamos ‘sangue” &a ‘cerveja’ do jaguar, o que temos por um barteiro lamacento, as antas tem por uma grande casa cerimonial, assim por diante. Os artefatos possuem esta ontologia interessante- mente ambigua: sio objetos, mas apontam necessariamente para um sujeito, pois so como agties congeladas, encarnagbes materia de uma intencionalidade no-material (Gell 1998: 16-18, 67). E assim, que uns chamam de ‘natureza’ pode bem ser a ‘cultura’ dos outros. Eis af uma lio que a antropologia poderia aproveitar.” a partir dos quais a agéncia Animismo © leitor tera advertido que meu ‘perspectivismo’ evoea a nogio de ‘animismo’, recentemente recuperada por Descola (1992, 1996) para designar um modo de articulagio das séries natural e social que seria o simétrico e inverso do totemisto. Afirmando que toda conceitualizago dos nfo-hamanos é sempre referida a0 dominio social, Descola distingue trés modos de “objetivagio da natureza”: 6 totemisme, onde as diferengas entre as espécies naturais sfo utili- zadas para organizar logicamente a ordem interna & sociedade, isto 6, onde a relagdo entre natureza ¢ cultura é de tipo metaférico e mar- cada pela descontinuidade intra-e inter-serial; 0 animismo, onde 2s “categorias clementares da vida social” organizam as relagGes entre 08 hhumanos ¢ as espécies naturais, definindo assim uma continuidade 19. Wagner (1981) foi um dos poucos que soube fané-o. 36 de tipo sociomérfico entre natureza ¢eultura, fundada na atribuigéo de “ 362 Perpeciviana¢ mahintreisme smeico 2 adm claro que muitas das proposigdes de Descola (como ele seria 0 pri- jf esto presentes na obra desse autor. Assim, as “ categoris clementares de estruturacio da vida social” que organiza iam as relagdes entre humanos e nfo-humanos si essencialmente, nos casos amazénicos discutidos por Descola, as categorias de pparentesco, ¢ em particular as eategorias da consangtinidade e da afinidade, Ora, em O pensamento sbsagem lé-se a observacto que jé cite alles (cap. 2 supe): Eure as populagies onde as clasificagbestoémieas« as expecialic ope fncionas tim um rendimento muito redugida, sto quando do estdo completamente aucentes, as rocas metrimoniis podem fornecer um moielodiretamente oplicivel & medias da natura da cultura (LévieStrauss 1962b: 170). Isso é uma prefiguragio concisa do que muitos emégrafos vieram a escrever, mais tarde, sobre o papel da afinidade como operador cosmolégico na Amazénia. Ao sugerir, outrossim, a distibuiglo complementar desse modelo de troca entee naturezae cultura e dos sistemas totémicos, Lévi-Strauss parece estar visando algo muito semelhante a0 modelo animico aqui discutido, Oueea convergen- cia: Descola menciona o3 Bororo como exemplo de coexisténcia entre animismo e towemismo; mas podria ter etado também 0 caso dos Ojibwa, onde a coabitagio dos sistemas totem e manido (Lévi- ‘Strauss 19622: 25-33), que serviu de matrix para a oposigio geral entre totemismo e sacrificio (id. 1962b: 295-303), pode ser dizera- ‘mente interpretada no quad da dstingZo totemismo /animismo?" > cosmologias tpi bem como do cariverdietamente social (enfoexpecularmente 364 Perpectvinmae meiner Em nossa ontologia natualista, interface sociedade /natureza é natural: 0s humanos sio organismos como os outros, corpos-objetos em interagio ‘ecolégica’ com outros corpos ¢ foreas, todos regula- dos pelas leis necessiias da biologi dafisica; as orcas produtives’ aplicam as Forgas naturais. Relagdes sociais, isto 6, relagdes contra- tuais ou instituidas entre sujetos, s6 porlem existir no interior da sociedade humana. Mas, ¢ este €o problema do naturalismo ~ quo ‘nio-naturais’ slo essas relagbes? Dada a universalidade da natu- reza,o estaruto do mundo humano e social é profundamente insté- vel, €, como mostca nossa tradigZo, perpetuamente oscilante entre 0 ‘monismo naturalista (de que a sociobiologia ou a psicologia evolu- ciondria slo dois dos avatares atuais) e 0 dualismo ontol6gico natu- e1a/eultura (de que 0 culturalismo ou a antropologia simbélica siio algumas das expressbes contempordneas). A afirmagio deste ‘ltimo dualismo e seus correlatos (corpo/ mente, razo pura/raxd0 pritica ete.) porém, s6 faz reforgar 0 cardter de referencal tiltimo da nogdo de Natureza, a0 se revelar descendente em linha direta da ‘oposigio teolégica entre esta ea nogio de Sobrenatureza, de etimo- logia transparente. Pois a Cultura € 0 nome moderno do Espirito ~ recorde-se a distinglo entre as Naturvissenschafien ¢ as Geisteswis~ senschafien =, on pelo menos 0 nome do compromisso incerto entre a Natureza ea Graca. Do lado do animism, ser que a instabilidade est4 no pélo oposto: 0 problema aqui admi- ura de culeusa e natureza presente nos animais, ¢ nfo, como entre nés, a combinagio de humanidade e animalidade que constitui os humanoss a questo é diferenciar uma natureza a partir 10s tentados a dizer nistrar a > distingto& vista como ‘natural, i, dode. Agu, ¢ eaegorie de natureza que defini prévia da culeura. (Para 0 contrast entre 0 ‘dade inato' ef ‘Wagner 198, esa aplicagio no cap. 8 inf.) 25, Cf-Strathem 1980 Latour 991, par essa insabilidadesem Malik 00 aca-se uma boa exporigfo popular da tensio entre monismo.e dualismo na consciéncia moderna 385 do sociomorfismo universal, ¢ um corpo ‘particularmente” humano «partir de um espirito‘puiblico’, transespecifico. Muito bem. Mas é realmente possivel, esobretudo interessante, definir 0 animismo como uma projegio das diferengas e qualidades internas ao mundo humano sobre o mundo néo-hamano, isto & como um modelo “sociocéntrico” onde categorias e relagdes intra- hhumanas sto usadas para mapear 0 universo (Descola 1996)? Tal interpretacao projetivista & explicita em algumas glosas da teoria: “se os sistemas torémicos tomam a natureza por modelo da socie- dade, entio os sistemas animicos tomam a sociedade por modelo da natureza” (Arhem 1996: 185). O problema aqui, obviamente, é0 de cevitar uma indesejavel proximidade com a acepeao tradicional do termo ‘animismo', ou com a redugio das ‘classificacbes primitivas’ a emanagdes da morfologia social; mas é também o de ir além de coutras caracterizagbes cléssicas da relaglo sociedade/natureza, nota damente a que devemos a Radeliffe-Brown, em seu primeiro artigo sobre o totemismo." Ingold (1991, 1996) mostrou como os esquemas de projecio metafériea ou de modelizagio social da natureza eseapam do redu- cionismo naturalista apenas para cairem em um dualismo natureza/ cultura que, ao distinguir entre uma natureza ‘realmente natural’ € uma natureza ‘culturalmente construida’, revela-se como uma tipica antinomia cosmol6gica, viciada pela regressio 20 infinito. A nogao de modelo ou analogia supde a distingao prévia entre um 134. Cf. Redsife-Brown 1925: 130-5, onde, entre outros angumentos dignos de nota, distnguem-se 08 proceroe de perenifiagao das espécies¢fendmenos natt- ris (que "permitem conceber a nazera como sefosse uma sciedade de pessoas, {iazendo dela uma ordem social ou moral"), como os que sacham entre 0 Esqule smés.ou Andamaneses, dos sitemas de classifica das espéces natura, como 05 cencontrados na Austria, e que configura um “sistema de solidaridads socials” centre homem ensiuzen, Isto evoca de porto sdstngio animiemo /totemisme de escola, em como 0 contrate anid /tarem explorado por Léi-Statss 3665 Perpeivionse mulinataralione dominio onde as relagies sociais sio constivutivase literais ¢ outro onde elas so representativas e metafSricas, Em outras palavras, a {déia de que humanos e animais estéo ligados por uma socialidade ‘comum depend contraditoriamente de uma descontinuidade onto- 6gica primeica. © animismo, interpretado como projegdo da sociali- dade humana sobre o mundo no-humano, nfo passaria da metéfora

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