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Esta obra foi publicada originatmente em italiano com 0 titulo LO STATO DI DIRITTO: STORIA, TEORIA, CRITICA por Feltrinli, Mild, Este volume ¢ fruto de wma pesquisa desenvolvida no Departamento de Teoria e Hisiéria do Direito dda Universit degli Sut de Florenga Copyright © 2006, Liovaria Martins Foutes Eiitora Lade., ‘Sito Paulo, para a presente edi, AM edigio 2006 Tradugio CARLO ALBERTO DASTOLL Acompanhamento editorial Luzi Aparecta dos Santos Preparagio do original Tiana Medina Revisdes grificas Ana Maria de O. M. Barbosa Sandra Garcia Cortes Dinarte Zorzanelli da Sito Producio gritica Geraldo Abws PaginagioFotolitos ‘Shuto 3 Desenvoetmento tiitorial Dados Intemacionais de Catalogagio na Put (Cimara Brasileia do Livro, SP, Br © Estado de Direto: historia, teoria,eritie / organizado por Pietro Costa, Danilo Zolo ; com a colaboragio de Emilio, Santoro ; tradugio Carlo Alberto Dastoli - Si0 Paulo : Mar~ tins Fontes, 2006, ~ Justiga e direito} icagio (CIP) ‘Titulo original: Lo Stato di Dirito : storia, teoria, critica ISDN 85-336-2315-1 1. Bstado de Direito I. Costa, Pietro. I. Zole, Danilo. NL Santoro, Emilio. LV. Série, 05-5330 indices para catélogo sisten 1. Estado de Direito : Diteito constitucional 342.22 Tosi os direitos desta edigto para o Brasil reservados Livraria Martins Fontes Editora Ltda. Rua Conselheiro Ramatho, 330 01325-000 Sio Paulo SP Brasit Tel. (1) 32413677 Fax (11) 3101.1042 e-mail: info martinsfontes.com-.br hittp:|/tww.nartinsfontes.com br Teoria e critica do Estado de Direito* Por Danilo Zolo 1. O retorno do Estado de Direito Nos tiltimos decénios do século XX, encerrado o longo paréntese do pés-guerra, o “Estado de Direito” afirmou-se como uma das férmulas mais felizes da filosofia politica e da filoso- fia juridica ocidentais', O léxico teérico dessas disciplinas regis- tra, na realidade, ao lado da expresso européia-continental “Estado de Direito” (Rechtsstaat, Etat de droit, Stato di diritto, Estado de derecho), a exptessao rule of lav, tipica da cultura an- glo-saxénica, mas, afinal, universalmente difundida. Embora no continente europeu tenha prevalecido um uso promiscuo das duas expressées — “Estado de Direito”, rule of law -, nao é pacifica a sua coincidéncia conceitual. A propria divergéncia terminolégica e a bem conhecida dificuldade de tradugao* con- eee eee * Agradeco particularmente a Luigi Ferrajoli a contribuigao critica gene- Tosamente oferecida para a producao deste ensaio. __ 1. Para confitmar a grande utilizagao desta nogao, também para além de um Ambito estritamente cientifico, a Carta dos Dircitos Fundamentals da Uniio Européia, aprovada em Nice, em dezembro de 2000, faz referéncia, nas pri- meiras linhas do seu preatnbulo, aos “prinefpios do Estado de Direito” como fundamento da Unido. Também a “Declaragao do Cairo” de 3 a 4 de abril de 2000, na conclusio da ciipula Africa-Europa, inclui, no seu quarto capitulo, no att. 53, uma norma de adesio aos “prinefpios do Estado de Direito”. 2. CE. M. Barberis, Presentazione em A.V. Dicey, Dirittoe opinione pubbli- ca nell‘Inghilterra dell'Ottocento, il Mulino, Bologna, 1997, p. XV. Como é sabi- do, Max Weber propunha a (discutivel) formula de Herrschaft des Gesetzes (do- minio da lei) para rule of lm, ao passo que Neil MacCormick traduz 4 O ESTADO DE DIREITO firmam a diversi ‘sida > i‘ r = pannlenae ae eee dos contextos culturais e a relativa inde- Ae aie corias, De fato, as duas formulas remetem a tra- pice th i cas oficial initidamente distintas. A primeira teve Xe em sepuidt, diner aon da segunda metade do século fats \, ndiu-se no contine: i i em patticular o direito inente, influenciando eptiblic ian ee a segunda ostenta profundissimas raizes conquista noomand nstitucional da Gra-Bretanha, desde a ca indelével noe on laaté a Era Moderna, e imprimiu uma mar- da América eae as ee constitucionais dos Estados Unidos qe ee itos pai influé ¥ instituigdes britaniens Paises que sofreram a influéncia das < A equiparagio concei of lew Takeo conceitual entre “Estado de Direito” e rule mendado neste eng um ponto de vista tedrico que serd reco- mentagao, tanto no pla hee Portanto, uma acurada argu- no histéri qualquer modo, pores istorico como no conceitual. De do de Direito corresponde sat que 0 atual retorno do Esta- acd : cir anci iti ‘ tagdes culturais gue paraene jae politicas e a orien- que unifique, no interior d iticar uma abordagem teérica reito” ~ ou de rule of law 4 categoria geral de “Estado de Di- ji ‘ : = anoga i . nica. Apés 0 eclipse do "Socialisme pire e aanglo-saxd- Ceedee esemtativos, a nosdo de Estado de Dress nett ved lente em estreita ligacaio com a ‘© de Direito retorna ao ee ou 1 direitos fundamentais”), Beet So eauell eae onald Dworkin, Ralf Dahrendost nie nee autores * Jiirgen Habermas, Rechtsstaat com a férmuta a igual eee Maco, Constitutionaliser ma? Don nye) de Staten or), Theorie : ) Pee nt Cnet of ats, Machetes Uneaten t ork, 1999, pp. 125, 128-30; N. Mace ress, Manches. : 125, 1 act anche “rule of lew jlatenasttng ,39 (1984), pp. sem ee Rechstaa nd ie c , Diritto e opinione publica nell'nehit i es Pre Muli EB i te pubblica nell’ rire ta ome ewes ee Mer mop : les Gesetzes ("dotninio de Weegee eee a (discu- oso Nal MacCormick traduz Rechtsstaat coma tome 23 oft, ao ante) Sete arin N. MacCorick, Constitution ea mente cis- ry, em R, Bellamy (rganizado por), Tories and Cancpts of Pati chester University Press, Manchester-New York, 1993, ro so ies Man- MacCormick, Der Rechtssinat und die “rule of law’, ope 5, 128-30; N (1984), pp. 56-70. 7 Muestenzeitung”, 39 nder-lo; cf, N. publico da Itdlia unitaria e da Terceira , , Sey INTRODUGOES 5 Norberto Bobbio, Luigi Ferrajoli?. Essa nocéo retorna como uma teoria politico-juridica que pe em primeiro plano a tute- la dos “direitos do homem”, aqueles direitos que uma longa sé- tie de constituigées nacionais e de convengdes internacionais definiu no decorrer dos séculos XIX e XX, em particular o di- reito & vida ¢ A seguranca pessoal, a liberdade, a propriedade privada, 4 autonomia de negociagao, aos direitos politicos. Nesse contexto, que Bobbio chamou de “A Era dos Direi- tos”, posicionar-se a favor do Estado de Direito ~ ou, indife- rentemente, do rule of law - significa quere as instituigdes— politicas eos aparelhos juridicos tenham rigorosamente por finalidade a garantia dos direitos subjetivos. Contra as recor- rentes interpretagdes formalistas do Estado de Direito, pode- se afirmar, alids, que os seus institutos sao hoje explicitamente pensados por tedricos europeu-continentais e anglo-saxGes a luz de uma filosofia politica “individualista”; uma filosofia que | definitivamente o organicismo social, o uti ‘fa e o estatismo, mas que subordina a dimen- sao publica e 0 interesse geral ao_primado absoluto dos valo- tes e das expectativas individuais’, Ea real izagao desses valores” 3, Ver: R. Dworkin, Taking Rights Seriously, Duckworth, London, 1977, trad. it, parcial, il Mulino, Bologna, 1982 [trad, bras. Leomudo as direitos a sério, Sao Pauto, Martins Fontes, 2002]; R, Dworkin, Laos Enipire, Harvard Univer- sity Press, Cambridge (Mass.), 1986, trad. it. il Saggiatore, Milano, 1989 [tra bras, O império do direito, $30 Paulo, Martins Fontes, 1999]; R. Dahrendort Quasirare il cerchio, Laterza, Roma-Bati, 1995; J. Habermas, Faktizitit rd Gel thang, Beitriige zur Diskurstheorie des Rechts wid des demokratischen Rechtsstaats Sahrkamp Verlag, Frankfurt aM., 1992, trad. it, Guerini e Associat, Milano, ‘1996; N. Bobbio, L’ett dei diritti, Einaudi, Torino, 1990; L. Ferrajoli, Dinitto¢ ra. sione, Teoria del garantisn penale, Laterza, Roma-Bar, 1989; L, Ferrajoli, Diritti Jondamentali, “Teoria politica” (1998), 2, pp. 3-33. A propésito das teses defen- didas por Ferrajoli neste tltimo ensaio pode-se ver D. Zolo, Literti, propriett ¢d eguaglianza nella teoria dei “diritti fondamentali’, “Teoria politica’, 15 (1999), 4, agora em L. Ferrajoli, Dirittifondamentali, Laterza, Roma-Bari 2001. Ver, além disso, a contribuigio de Luigi Ferrajoli ao presente volume, 4. Ver N. Bobbio, L’eta dei diritti, cit. 5 Entre os defensores da concepgao formalista do rule of law, ver]. Raz, ‘The Rule of Law and its Virtue, “The Law Quarterly Review" (1977), 93;]. Raz, The Rule of Law, em J. Raz, The Authority of Law, Clarendon Press, Oxford, 1979; A. Sealia, The Rule of Law as a Law of Rules. Oliver Wendell Holmes Bicen- jonnial Lecture, “Harvard Law School", 56 (1989), 4; sobre a alternativa entre N\ : O ESTADO DE DIREITO firmam a diversidade dos contextos culturais e a relativa inde- pendéncia das teorias, De fato, as duas formulas remetem a tra- digdes politicas e jtidicd8\nitidamente distintas. A primeira teve origem na cultiita beralalema da segunda metade do século XIX e, em seguida, diftindiu-se no continente, influenciando em particular o direito piblico da Italia unitaria e da Terceira Reptiblica francesa. A segunda ostenta profundissimas raizes + : conquista normanda até a Era Moderna, e imprimiu uma mar- 7; ca indelével nas estruturas constitucionais dos Estados Unidos da América e de muitos paises que sofreram a influéncia das < instituigdes britanicas, of a i Sauiparagio conceitual entre “Estado de Direito” e rule imendeas Wet 7 um ponto de vista tedrico que sera reco- Hoe ensaio — exigird, portanto, uma acurada argu- qualge " ane - plano histérico como no conceitual. De do de Diteite oo pode-se observar que 0 atual retorno do Esta- tages Perenaeuttel tal a circunstincias politicas e a orien- que unifique, Ten parecem justificar uma abordagem te6rica reito” - ou de a at da categoria geral de “Estado de Di- nica, Apés o ecli of a a nogao continental e a anglo-sax6- tos Tepe sence ieee real” ea crise dos institu-_ Ocicente em eae Ueerto de Estado de Dircito retorna ao + asin Aa ee fundamentais”). Basta lembrar autores “ ‘onald Dworkin, Ralf Dahrendorf, Jiirgen Habermas, cn formula (igualmente discutivel) de State-under-law; cf. N. on) Theorie, qu ttitionaism and Democracy, em R. Bellamy (organizado pon ler: and Coceps of Politics, Manchester Unversity Press, Marches “rule of lato’, “huriste PP. 125, 128-30; N. MacCormick, Der Rechtsstaat und die zione em A.V pice maeitung”, 39 (1984), pp. 56-70. Cf. M, Barberis, Presenta- Mulino, Bolo ae ‘ritto € opinione pubblica nell'Inghilterra dell’Ottocento, il tied fSermula de Uenchap des ese are ada aru oN ‘ setzes (“dominio da lei”) para rule of lav, paso que Nel MacCormick tacuz Rehtsstat com a fone, tgealeorted ds. cativel) de State-uider-law; ef. N. MacCormick, Consttutionalism and Demo- racy, em R. Bellamy (organizado por), Theories and Concepts of Politics, Man- eae pee Pres, Manchester-New York, 1993, pp. 125, 128-30; N. facCormick, Der Rechtsstaat und die “rule of law”, “Juristenz ne (1984), pp. 56-70. of Juristenzeitung”, 39 ‘do com a doutrina dos direitos sub- >“ ee Tor ty ' i na hist6riapolitico-constitucional da Gra-Bretanha, desde a2” ay INTRODUGOES 5 Norberto Bobbio, Luigi Ferrajoli’. Essa nocao retorna como uma teoria politico-juridica que pde em primeiro plano a tute- la dos “direitos do homem’, aqueles direitos que uma longa sé- tie de constituigdes nacionais e de convengées internacionais definiu no decorrer dos séculos XIX e XX, em particular o di- reito vida e & seguranca pessoal, a liberdade, 4 propriedade privada, 4 autonomia de negociagao, aos direitos politicos. Nesse contexto, que Bobbio chamou de “A Era dos Direi- tos”4, posicionar-se a favor do Estado de Direito — ou, indife- rentemente, do rule of law — significa querer que as instituig6es_. politicas_e_os_aparelhos juridicos tenham rigorosamente por finalidade a garantia dos. direitos subjetivos. Contra as recor- rentes interpretagdes formalistas do Estado de Direito, pode- se afirmar, alids, que os seus institutos sao hoje explicitamente pensados por teéricos europeu-continentais e anglo-saxdes a luz de uma filosofia politica “individualista”’ iz nao s6 abandonou definitivamente 0 organicismo social, 0 u litarismo coletivista eo estatismo, mas que subordina‘a dimen sao publica e o interesse geral ao primado absoluto dos val tes e das expectativas indi 3. Ver: R. Dworkin, Taking Rights Seriously, Duckworth, London, 1977, trad. it. parcial, i] Mulino, Bologna, 1982 {trad. bras. Levando os direitos a sério, Sio Paulo, Martins Fontes, 2002}; R. Dworkin, Lawo’s Empire, Harvard Univer- sity Press, Cambridge (Mass.), 1986, trad. it il Saggiatore, Milano, 1989 [trad. bras. O império do dircito, Sao Paulo, Martins Fontes, 1999]; R. Dahrendorf, Quadrare il cerchio, Laterza, Roma-Bari, 1995; J. Habermas, Faktizitit und Gel- tung. Beitrige zur Diskurstheorie des Rechts umd des demokratischen Rechisstaats, Suhrkamp Verlag, Frankfurt a.M,, 1992, trad. it. Guerini e Associati, Milano, 1996; N. Bobbio, L’eta dei diritti, Einaudi, Torino, 1990; L. Ferrajoli, Diritto ¢ ra- gione, Teoria del garantismo penale, Laterza, Roma-Bati, 1989; L. Ferrajoli, Diritti {fondamentali, “Teoria politica” (1998), 2, pp. 3-33. A propésito das teses defen- didas por Ferrajoli neste tiltimo ensaio pode-se ver D. Zolo, Liberte, propriett ed eguaglianza nella teoria dei “diritti fondamentali”, "Teoria politica’, 15 (1999), 4, agora em L. Ferrajoli, Diritti fondamentali, Laterza, Roma-Bari, 2001. Ver, além disso, a contribuigdo de Luigi Ferrajoli ao presente volume. 4. Ver N. Bobbio, L’etit dei diritti, cit 5. Entre os defensores da concepgio formalista do rule of law, ver J. Raz, The Rule of Law and its Virtue, “The Law Quarterly Review” (1977), 93;J. Raz, The Rule of Law, em J. Raz, The Authority of Law, Clarendon Press, Oxford, 1979; A. Scalia, The Rule of Lavo as a Lav of Rules. Oliver Wendell Holmes Bicen- tennial Lecture, “Harvard Law School”, 56 (1989), 4; sobre a alternativa entre iduais®. E a realizagao desses valores’ 6 O ESTADO DE DIREITO. a Satisfacdo dessas expectativas que os tedricos do Estado de Direito, tanto no continente europeu como no nrtindo aiglo- saxo, assumem hoje como a fonte primaria de legitimacdo do sistema politico. Isso, obviamente, nao significa subestimar as particularidades normativas e institucionais que, como vere- mos, diferenciaram as duas tradig6es, ou ignorar a pluralidade dos percursos politico-constitucionais que se propagou no in- terior de cada uma delas. 2. Uma interpretagao construtiva Olema tedrico “Estado de Direito” (rule of law) j4 faz par- te, como uma férmula prestigiosa, da linguagem politica e cul- tural do Ocidente. A publicistica politica, em particular, faz des- ta formula um uso crescente e tende a apresentd-la como uma caracteristica institucional que contribui para desenhar a pré- pria imagem da civilizagao ocidental em contraposigao a ou- tras Civilizagdes, em particular aquela islamica e aquela sino- confuciana. Entretanto, os perfis conceituais do Estado de Di Teito permanecem particularmente incertos e controversos*. E, opiniao difusa que a literatura especializada tem se empenha- do, até o momento, de modo escasso, em uma determinagao analitica que possa caracterizar o Estado de Direito sob 0 pe fil institucional e normativo, distinguindo-o de nogées conti- guas com as quais, muitas vezes, é confundido ou deliberada- Concepses formalistas ¢ concepgdes antiformalistas (ow éticas) do Est cepsbes formalistas ¢ a alistas (ou éticas tado de Diet cf. P. P. Craig, Formal and Substantive Conceptions of the Rule of Law, i iritto pubblico’ , 1 (1995), 1, pp. 35-54. Ver também: L. L. Fuller, The Mora- lity of Law, Yale University Press, New Haven, 1969, trad. it. Giuffré, Milano, 1986; D. Lyons, Ethics and the Rule of Law, Cambridge University Press, Cam- bridge. 1 28 J Waldron, The Rule of Law, em J. Waldron, The Law, Routledge, -New York, 1990; I, Shapiro (org), 1 e ive Landon New Yor, 10901 Shapiro (org), The Rule of Lawo, New York Univer- 6. CE, neste sentido, J. N. Shklar, Political Theor : hy ne , ar, ry and the Rule of Law, em A. C. Hutchinson, P. Monaham (organizado por), The Rule ofl, Ideal or Ideology, Carswell, Toronto-Calgary-Vancouver, 1987, p. 1. Cf. Neste sentido, J. N. Shklar, Political Theory and the Rule of Law, em A. C, Hutchinson, P. Monaham (organizado por), The Rule of Lavo. Ideal or Ideology, Carswell, To. ronto-Calgary-Vancouver, 1987, p. 1 : ee INTRODUGOES 7 mente identificado: “Estado legal’, “Estado liberal”, “Estado democratico”, “Estado constitucional”. No continente europeu, os manuais de teoria politica e os diciondrios enciclopédicos observam, na maioria das vezes, um rigoroso siléncio acerca do tema, ao passo que os textos anglo-saxGnicos referem-se ex- clusivamente ao fato constitucional inglés e 4 nogao especifica de rule of law, com uma ritual homenagem a obra de Albert Venn Dicey’. Perpetua-se assim uma longa tradigSo, se é verdade que Carl Schmitt, no inicio dos anos 1930, ja afirmava que o termo “Estado de Direito” “pode significar coisas tao diversas como 0 termo ‘direito’ e também coisas tao diversas como s&o as nu- merosas modalidades organizativas implicitas no termo ‘Es- tado’”, E acrescentava sarcasticamente que era compreensivel 0 fato de “que propagandistas e advogados de todo género se apropriassem a seu bel-prazer do termo para difamar os pré- prios adversarios como inimigos do Estado de Direito”*. Tam- bém na Itdlia, vinte anos depois, autores como Fernando Gar- zoni continuavam a lamentar a incerteza conceitual e a ambi- gitidade da nogo de “Estado de Direito”’. E nao por acaso foi levantada a hipétese segundo a qual a fortuna secular desse termo deveu-se, da mesma forma que 0 conceito de “direito natural”, a sua prdpria \ ductilidade e funcionalidade idealogi- 7. Cf. N. Bobbio, N. Matteucci, G. Pasquino (organizado por), Dizionario di politica, Utet, Torino, 1983, no qual nao figura o lema “Estado de Direito”, Para a Gri-Bretanha, ver, dentre muitos autores: R. Scruton, A Dictionary of Political Thought, Pan Books, London, 1982; D. Miller (organizado por), The Blackwell Encyclopedia of Political Thought, Basil Blackwell, Oxford, 1987. No que concerne a literatura alemi: ver, por exemplo, M. Stolleis, Rechfsstaat, em A. Erler, E. Kaufmann, Handwerterbuch zur deutschen Rechtsgeschichie, Erich eradcs 1990. 8. CLC. Schmitt, Legalitiit und Legitimitit, Dunker und Humblot, Leip- zigeMiinchen, 1932, trad. it.em C. Schmitt, Le categorie del politico, il Mulino, Bologna, 1972, p. 223; acerca da critica de Schmitt ao Estado de Direito, veja- se C. Galli, Genealogia della politica, Carl Schmitt ¢ la crisi del pensiero politico moderna, il Mulino, Bologna, 1996, pp. 513-36; P. Costa, Civitas. Storia della cit- tadinanza in Europa, vol. 4, Lett dei totalitarismi e della democrazia, Laterza, Roma-Bari, 2001, pp. 328-36 9. CE. F. Garzoni, Die Rechtsstaatsidee int schaveizerischen Staatsdenken des 19. Jahrhunderts, Polygraphischer Verlag, Ziitich, 1953. O ESTADO DE DIREITO ca’*. Péde ocorrer, por exemplo, que até mesmo teéricos do fas- “~cismo italiano e do nacional-socialismo aleméo, como Sérgio Panunzio, Otto Koellreutter, Heinrich Lange, entre outros, rei- vindicassem para seus préprios modelos politicos o titulo de “Estado de Direito”", Obviamente seria grave ingenuidade por-se a procura de uma definigao semanticamente univoca e ideologicamen- te neutra de Estado de Direito. Uma abordagem “cientificis. ta” desse tipo, considerando o clevado ntimero de determi- nag6es juridicas e institucionais que foram atribuidas - e po- dem ser atribuidas ~ ao Estado de Direito, acabaria propondo fout court o arquivamento do conceito e da sua relativa ex- pressdo", Mas é claro que, utilizando critérios andlogos, todo © aparato conceitual da reflexio teo: ico-politica e tedrico-juri- dica - sendo até mesmo das ciéncias sociais no seu conjunto — poderia ser eliminado da comunicagao cientifica, porque seria considerado impreciso, inverificavel, contaminado por juizos de valor. ‘Tomando-se como ponto de partida pressupostos episte- molégicos inspirados e_convencionalismo_cognitivo_e no Pragmatismo, aquilo que conta nao é a univocidade semantica a neutralidade ideolégica das Proposigdes teéricas. E, antes, a sua clareza e utilidade comunicativa no interior de campos enunciativos de natureza convencional, orientados preensao e a solugao de problemas" ee para a com- . Se se acolhe uma “epis- He 10. Cf. A. Baratta, Stato di diritto, em A. Neg (organizado po), Scienze politiche, Enciclopedia Feltrinelli Fisher, Feltrinelli/ Milano, 1970, 11. Ver S. Panunzio, Lo Stato di diritto, Il solco, Citta di Castello, 1922; O. Koellreutter, Grundriss der allgemeinen Staatslehre, Mohr, Tibingen, 1933; H. Lange, Vom Gesetzesstaat zum Rechtsstaat, Mohr, Tiibingen, 1933. 12. P, Kunig apresentou efetivamente esta Proposta, como lembra P. P. Portinaro na sua contribuigio ao presente volume, em Das Rechtsstaatsprinzip, Mohr Siebeck, Tiibingen, 1986; Para uma andlise minuciosa da polissemia tedrica da nogdo de Rechtsstaat, ver K. Subota, Das Prinzip Rechtsstaat. Verfas- sungs- und verwaltungsrechtliche A: spekte, Mohr Siebeck, Tiibingen, 1997; C. Margiotta, Quale Stato di diritto?, “Teoria politica”, 17 (2001), 2, pp. 17-41. (( 19. Ppra uma critica do mito neopositivista sobre a precisao da lingua- gin cientifica e, em geral, para uma abordagem epistemolégica nas ciéncias sociais dé tendéncia “pés-empirista”, pode-se ver D. Zolo, Reflexive Epistemol- ogy, Kluwer Publishers, Boston, 1989. 0 9 INTRODUGOES temologia fraca” desse tipo, entao se atribui a teoria social ata- refa de elaborar “interpretacdes coerentes” — nao definigdes plicativas — dos prdprios objetos de pesquisa e recomenda f a aceitagao dos interlocutores com argumentos persuasivos. Isto pode ser feito e, segundo a opinido de quem escreve, deve ain- da ser feito no que diz respeito ao Estado de Direito. Se é assim, uma coerente interpretagao tedrica do Estado de Direito deverd se empenhar, mais do que em uma minu- ciosa documentagao histérica e filologica dos fatos particula- res e da sua yelativa-literatura'’;-em urna‘tentativa de identificar,. as referéncias,de valotj as T institucionais que aproxi férirarn — ou forai m_as diversas experiéncias que se feridas — a nogao de Estado de Direito. "Uma interpretacdo desse tipo 6, por sua natureza, “nomotéti- ca”, ou seja, seletiva e construtiva, e isto implica inevitavel- “Thente uma ampla margem de discricionariedade por parte do intérprete: ele estard livre para decidir pelo menos quais expe- riéncias hist6ricas abarcar no interior da sua “coerente” inter- pretacao geral. No nosso caso, por exemplo, tratar-se-a, de dar relevancia, mais do que aos desdobramentos da historia in- terna” tipicamente alema da nogao de “Estado de Direito (Rechtsstaat), sua “histéria externa”. Ea sua “historia eer na” é um acontecimento teérico que comega com o processo de formagao do Estado moderno europeu e que pode ser ee construfda apenas fazendo referéncia, em termos implicitos, mas discriminantes, a tradicao do liberalismo classico, de Loc- ke a Montesquieu, a Kant, a Beccaria, a Humboldt, a Cons- tant. Trata-se de um acontecimento que inclui, em um tinico € grandioso cendrio histérico-politico, as guerras civis inglesas do século XVII, a revolta das colénias americanas contra a me- trépole, o constitucionalismo revolucionario na Franca, ° pro- cesso de formacio do Reich alemdo, as instituigdes da Tercei- ra Reptiblica francesa. : : oe Uma opgao interpretativa desse tipo dard, ao contrario, pouco espaco ao pensamento tradicionalista alemao da pri- 14, Uma ampla documentagio histérico-tedrica é dada, no presente vo- lume, pelo ensaio de Pietro Costa. 15. Cf. A. Baratta, Stato di diritto, cit., p, 513. odalidades normativas ¢ asformas __ 10 O ESTADO DE DIREITO meira metade do século XIX ~ basta lembrar autores como Friedrich Julius Stahl, Rudolf von Gneist, Robert von Mohl, Otto Bahr ~, nao obstante esta corrente de pensamento ter fa- vorecido o nascimento da nogao continental de Estado de Di- reito’. E evitard dar relevincia a (embaracosa) circunstancia na qual o Estado de Direito se afirmou na América setentrio- nal no contexto ndo apenas da bem conhecida revolta contra a metr6pole colonial, mas também do genocidio dos nativos ameticanos; a nogdo de “Estado de Direito” conviveu longa- mente coma escravidao dos negros africanos e, depois, coma discriminagéo racial’. Além disso, esta opsao interpretativa deverd ignorar também as teses dos teéricos nazistas que, di- ferentemente de Carl Schmitt e, as vezes, em polémica com ele, nao rejeitaram o modelo de Estado de Direito, mas procu- Taram torna-lo compativel com a experiéncia de um Estado totalitario, que eles a presentavam como nationaler Rechtsstaat: era um Estado de Direito, argumentavam, enquanto “Estado legal” (Gesetzesstaat), que fazia uso da “lei” como instrumento normativo “geral e abstrato” e garantia a independéncia poli- tica do poder judiciario®. Esta interpretagao deixara de lado, enfim, doutrinas e experiéncias constitucionais que se referi- ram ao Estado de Direito, sem oferecer contribuicgdes particu- larmente originais do Ponto de vista tedrico; é o caso, por exemplo, da obra de Vittorio Emanuele Orlando que, no con- texto monarquico-parlamentar da Itélia giolittiana, referiu-se ao modelo estatalista do Rechisstaat”, ; 16. Sobre estes autores e em geral sobre o paradiema ” lista” ti 5b ul e paradigma “estatalista” tipico 7 inspubliticn ater da primeira metade do século XIX fP. Costa, Civi, fas. Storia della cittadinanza in Europa, vol. 3, La civilta libernle, Latex, 7 oo 1 a civilté liberale, Laterza, Roma- 17, Mario Dogliani sublinha esse aspecto, normalmente descurado, em Introduzione al diritto costituzionale, il Mulino, Bologna, 1994, pp. 191-3. Sobre © tema, ver, no presente volume, o ensaio de Bartolomé Clavero 18. Sobre o tema, ver: E.-W. Bickenforde (organizado pos), Staatsreckt und Staaisrechtsiehre im Dritten Reich, Miiller, Heidelberg, 1985. _ 19. Ver V. E. Orlando, Diritto pubblico generale. Scritti vari coordinati in sistema (1881-1940), Giuffré, Milano, 1940. Para Orlando, o Estado de Direito Gaquele Estado que “impde a si mesmo o frefo de normas juridicas capazes de conter a agao da autoridade publica, de modo que sejam reconhecidos e res. peitados os interesses legitimos dos stiditos” (V. E. Orlando, Primo trattato com- INTRODUGOES 11 3. As experiéncias histéricas do Estado de Direito Nesta moldura interpretativa, os acontecimentos da “his- toria externa” do Estado de Direito que merecem plena rele- vancia teérica sao essencialmente quatro: 1) a experiéncia do Rechtsstaat alemao; 2) a do rule of law inglés; 3) a importante variante do rule of law norte-americano; 4) o Etat de droit fran- cés. A hipotese aqui sustentada é que os elementos tedricos que emergem dessas quatro experiéncias podem ser organica- mente recompostos em um modelo geral. Deveria, assim, ser possivel atribuir uma consistente identidade tedrica 4 nogéo de “Estado de Direito”, entendido como um Estado moderno no qual ao ordenamento juridico — nao a outros subsistemas funcionais — é atribuida a tarefa de “garantir” os direitos indi- viduais, refreando a natural tendéncia do poder politico a ex- | pandir-se e a operar de maneira arbitraria. 3.1. O Rechtsstaat Como se sabe, a expressio “Estado de Direito” (Rechts- staal) foi utilizada pela primeira vez por Robert von Mohl, nos anos 30 do século XIX, no tratado Die Polizeiwissenschaft nach den Grundséitzen des Rechtsstaates. Nessa obra, a liberdade do sujeito ja 6 concebida como um objetivo central da agdo esta- tal”. Mas o Rechtsstaat se afirma, na realidade, na Alemanha, no decorrer da restauragao sucessiva as revoltas de 1848. E as- sume a forma dé um compromisso entre a doutrina liberal, ntada pela burguesia iluminada, e a ideologia autoritaria vac /P almente a monarquia, a aris- tocracia agraria ea alta burocracia militar. O suporte’ tedrico do compromisso institucional, no perfodo que compreende o pleto di diritto amministrativo italiano, vol. 1, Societ’ Editrice Libraria, Milano, 1900, pp. 32 ss). Sobre o modelo estatalista ce Orlando ef. P. Costa, Lo Stato immaginario, Metafore e paradigm nella cultura giuridica italiana fra Ottocento ¢ Novecento, Giuffré, Milano, 1986, pp. 124-35 e passim. 20. Ver Robert von Mohl, Die Polizeitvissenschaft nach den Grundséitzen des Rechtsstaates, 3 vol., Laupp, Tabingen, 1832-34. oy 12 O ESTADO DE DIREITO Primeiro e 0 Segundo Império, é dado, com grande riqueza e sofisticagao de instrumentos doutrinarios, pela ciéncia juspu- blicistica alema, representada, em particular, pelos escritos de Georg Jellinek, Otto Mayer e Rudolf von Jhering”. é Inspirando-se no pensamento dg Kant ode Hambol essa doutrina contrapée o Estado de Direi todo Estado abgolu- tista ¢ ao Estado de policia, reelaborando em termos juridicos segundo o.“método juridico” ~ elementos centrais mento Jibéral classico, ‘em particular o principio da Ss ( tutela ptiblica dos direitos fundafnentais e o da assim chama- -+ da “separagéo dos poderes”. Nessa reelaborago alema, os dois principios liberais se traduzem na célebre teoria dos “di- reitos ptiblicos subjetivos” — construida por Jellinek - e no pri- mado da lei como sistema de regras impessoais, abstratas, ge- rals e nao-retroativas. A teoria dos “direitos pitblicos subjetivos” é, indubitavel- mente, uma concepgao estatalista dos direitos individuais, Ea autoridade soberana do Estado — uma autoridade em equili- : brio entre o principio monarquico e a fungao Tepresentativa do “Parlamento — que institui os direitos subjetivos “autolimitan- do-se”. Nao € a soberania popular, como tinham, ao contré- rlo, teorizado os revolucionatios franceses, a fonte dos direitos individuais: a Unica fonte originaria positiva do direito é 0 po- der legislador do Estado, no qual se expressa a propria identi- dade espiritual do povo. Nao Por acaso, como enfatiza critica- mente Carl Schmitt, a doutrina e a praxis constitucional ale- mas tinham eliminado, seguindo a ligdo kantiana, 0 “direito de resisténcia” do elenco dos direitos de liberdade®, Na auséncia 21. Ver R. von Jheting, Der Geist des réimtisch en Rechts auf den verschiede- teu Sten seiner Entockung, Breitkopf und Hittel,Leiprig Line oe iat k Milano, Pirotta, 1885; G. Jllinek, System der subjlticon ofentichen Rechte, Mohs, Tiibingen, 1905, tra. it. Sistema dei diritti pubblci soggettoi, Societd Eaitvice Lubraia, Roma, T9R1;O. Mayer, Deutsches Verealugsrch, Darker und Hume blot, Leipzig, 1895, Ver também, no presente volume, 0 ensaio de Gustavo : 22. Cf. C. Schmitt, Legalitat und Legitimitiit, trad. it. cit, pp. 212, 226, 229. Como foi observado, a contribuigéo kantiana 4 teoria do Ter i coincide com a idéia ético-metafisica de que o “governe da let" rio com base nos principios de uma teoria moral poral lo de Direito |} ja necessa- INTRODUGOES 8 de uma Constituigao rigida - esta 6 a normalidade no interior do constitucionalismo europeu do século XIX* ~, é 0 poder le- gislativo que decide e disciplina a atribuicdo dos direitos subje- tivos. E estes permanecem de exclusiva competéncia do poder legislativo em virtude da “reserva de legislacio”. Essa posigéo anticontratualista, muito mais préxima do constitucionalismo inglés do que do francés, corresponde, indubitavelmente, a uma preocupagao moderada ¢ talvez conservadora™. Ela re- gistra, porém, ao mesmo tempo, uma tendéncia profunda do pensamento constitucional alemao: a exigéncia, que ressente da lig&o historicista e antijusnaturalista de Savigny e Puchta, de uma rigorosa secularizagdo do ordenamento juridico e dos préprios direitos subjetivos. As liberdades individuais nao é reconhecida a origem pré-politica e a natureza religiosa — trans- cendente, universalista, jusnaturalista — que Ihes tinha sido atri- bujda pelo contratualismo de John Locke”. No que diz respeito ao segundo axioma, ou seja, ao pri- mado da lei, este se traduz no “principio da legalidade” (Ge- setzmissigkeit), por forga da qual o sistema de regras estatuido pelo Parlamento deve ser rigorosamente respeitado pelo po- der executivo e pelo poder judicidrio, como condigao de legi- mitidade dos seus atos. Essa dupla subordinagao ao primado da lei é enfaticamente concebida como a defesa mais eficaz em relagdo a qualquer prevaricagao potestativa e como garan- tia suprema da tutela dos direitos individuais. 23. No que diz respeito & Alemanha Cf. G. Gozzi, Democrazia e diritti. Germania: dallo Stato di diritto alla democrazia costituzionale, Laterza, Roma- Bari, 1999, pp. 59-63. 24. Jellinek é um atento estudioso da tradigao constitucionalista ingle- sa ¢ alemé, que ele tende a contrapor & filosofia contratualista da Revolugaio Francesa; Cf. M. Dogliani, Introduzione al diritto costituaionale, cit, pp. 162 $5.; M. Fioravanti, Costituzione ¢ Stato di diritto, “Filosofia politica”, 5 (1991), 2, pp. 336-7. 25, Pode-se portanto sustentar, em geral, que o Estado de Direito néo remete necessariamente a wma concepsao contratualista, mesmo que reste verdadeiro que os diteitos civis fundamentais por cle protegidos sio aqueles que Locke julga fundados sobre o pactum societatis: vida, seguranca, liberdade, propriedade; cf. N. Luhmann, Gesellschafiliche und politische Bedingungen des Rechisstaates, em N. Luhmann, Politische Planung, Westdeutscher Verlag, Opladen, 1971, pp. 57-9; G. Gozzi, Democrazia e diritti, cit., pp. 31-3. 14 O ESTADO DE DIREITO O possivel uso arbitratio do poder legislativo nao 6, ob- viamente, levado em consideracao Por essa teoria do Estado de Direito, j que se assume a perfeita correspondéncia entre vontade estatal, legalida legitimidade moral e se supde como certa a confianga dos cidadaos nessa correspondéncia. Falou-se, por isso, de vacuidade legali ‘a do Estado de Direito alemdo, de uma “tautolégica”, cerimonial reducdo a puro “Es- tado legal”. Na Alemanha, o Rechisstaat nao teria sido senao 0 “direito do Estado” (Staatsrecht), caracterizado por um concei- to de lei puramente técnico-formal (a generalidade e a abstra- sao das normas). Desvinculado de qualquer referéncia a valo- res éticos e a contetidos politicos, e nao submetido a controles jurisdicionais de constitucionalidade, esse direito estatal teria se tevelado paradoxalmente arbitrario: sic volo, sic jubeo, Mas é 0 proprio Carl Schmitt, eritico severissimo do Rechtsstaat, que re- conhece que os procedimentos legislativos, com o seu compli- cado mecanismo de vinculos e contrapesos, ofereciam significa- tivas garantias de moderagao e de protegao dos direitos subjeti- Vos contra os possiveis abusos da lei, A protegao da liberdade e da propriedade, Para além de qualquer formalismo legal e de qualquer “religido da lei”, era, na realidade, o “contetido mate- tial” — politico e ideolégico — do Estado de Direito alemao”. 3.2. O rule of law “O vento e a chuva podem entrar na cabana do pobre, o tei ndo. Todo cidadao inglés, nao importa se funcionario pu- blico ou nobre, esta submetido, de igual modo, a lei ¢ aos jui- zes ordindrios”®, Assim €screvia, em 1867, William Edward 36, CLC. Schmitt, Leglitit und Legitimit, trad. it et, pp. 223-33. 37. Neste sentido, cf P. Costa, Civitas, Storia deliacttadigrman ig Europa, vol. La civita liberate, op. cit, pp. 192-3; ver também Forsthofi, Rechisstaat int Wamdel, Beck, Miinchen, 1976; trad. it. Stato di divitio i trasformazione, Giuffté, Milano, 1973, 28. CE. W. E. Hearn, The Government 0 velopment, Longmans, London, 1867, pp. 89-91, CE § Cassese, Albert Venn Dicey ¢ il diritto anuninistrativo, "Quaderni fiorentini pet la storia del pensiero giuridico moderno”, 19 (1990), pp. 37-8, of England, Its Structure and its De- a 15 INTRODUGOES Hearn, o autor que esta na origem da formula do eo como reconhece Albert Venn Dicey nas paginas introd to the do seu célebre e respeitabilissimo tratado, ttn ‘oduction Study of the Law of the Constitution, de 1885”. Sia Os guiding principles constitucionais ai aie aigual- Estado de Direito inglés compreendem, antes , ee Social dade juridica dos sujeitos, independentemente is desigualda- € das condigdes econdmicas. Apesar da profun 7 : Bane de social ~ percebida como totalmente dbvia ~ oe law, Sao submetidos sem excegio as regras gerais da ms integrida, €m particular no que se refere as sangbes penais € or jurisdi- de patrimonial. E essas regras so aplicadas a si 7 ouncil Ges especiais, como foram na historia inglesa ol 7 eae © a Star Chamber — e como sao para Dicey, famnemn or Cor- de Justica administrativas operantes na Franca” =, = ope, por- tes ordindrias. A igualdade jurfdica dos st eitos s também ao tanto, nao a atribuigdo de privilégios pessoais, mas 1 do Poder exercicio arbitrdrio ou excessivamente discricional Executivo. 7 e Constitution 29. Ci. A. V. Dicey, Introduction to the Study oft Law areata a [1885], Macmillan, London, 1982, pp. COXXVI-CAXVI Dicey Tule of law nos seguintes tenmos: “In England no man can be MOC Punishment or to pay damages for any conduct not defini mt the law; every man’s legal rights or liabilities are almost inary Ae by the ordinary Courts of the realm, and each man’s in roaiation is less the result of our constitution than the basis on Ww! iq obra de Dicey, que founded” (ibid., p. LV). Sobre a excepcional factana da pola doutina © pela atingiu 8 edigdes no prazo de 30 anos, sendo conside ra Po “Santoro, Cal jutisprudéncia um classico do direito constitucional ingles, ‘Torino, 1999, pp-5- men Law eCosttuione nel ghiterma modern, Giappichelt Terr 15, Sobre o pensamento de Dicey, ver R. A. Cosgrove Thea Men Dic Vor Dicey, Victorian jurist, Macmillan, London, 1980; T. Ford, Af of Liberte Dicey Barry Rose, Chicester, 1985; D. Sugarman, Tite Legal ey Liberalism and Legal Science, “Modem Law Review", Fae of the Constitution, 30. Cf. A. V. Dicey, Introduction to the Study of the Diney ao direitoad- Git, pp. 213-67. Para a célobre © controversa oposkso de Dicey oe miiniewative (francés), vor 8. Cassese, Albert Vent Oh Male - iphal oneeee ezione di Dicey in Ita t. Leont 29, cit, pp. 6-17; 8. Cassese, La recezione d 95), 1, pp. 107-31; B. vali per una tora dela ealera giurcicn, 25 (1995), 1. PP. Freedom and the Law, trad. it. cit, pp- 68-86. 16 O ESTADO DE DIREITO O segundo “principio-guia” é a sinergia normativa entre o Parlamento e as Cortes judiciarias: uma sinergia em sentido preciso de acordo com a qual a regulagao dos casos individuais concretos 6, na Inglaterra, 0 resultado de decisdes que ema- nam de duas fontes que sao de fato ~ se nao certamente de di- reito ~ igualmente soberanas. De um lado, existe a legislative sovereignty do Parlamento, ou seja, da Coroa, da Camara dos Lordes e da Camara dos Comuns, conforme a célebre formula do King in Parliament; de outro, a tradigdo do common law, ad- ministrada por juizes ordinarios. A primeira é uma fonte juri- dica formal; a segunda é uma fonte juridica “efetiva”. As Cor- tes ordinarias nao tém nenhuma atribuicdo para controlar os atos do Parlamento e nao podem, certamente, arvorar-se em “defensoras da Constituigao”. Elas so, obviamente, obriga- das & aplicagao tigorosa da lei e, todavia, o sao em um sentido muito complexo por estarem igualmente vinculadas ao respei- to dos “antecedentes”, ou seja, da prdpria, auténoma tradigao jurisprudencial. Além disso, os common lawyers tém nas pro- prias maos o instrumento da interpretacao da lei que ~ eles es- tao perfeitamente cientes disto ~ pode tornar muito flexivel a telacdo entre ditado legislativo e sentengas. A esse respeito es- Creve, por exemplo, Dicey: © Parlamento € 0 supremo legislador, mas, a partir do Momento em que o Parlamento exprimiu a sua vontade legis lativa, esta vontade esta sujcita a interpretagdio dos juizes ordi- Ratios, os juizes [...] so influenciados, seja pelas proprias Opinioes enquanto magistrados, seja pel ; lo espirito geral do com- mon law.) A soberania da lei, quer emane diretamente de um ato do Parlamento (statute law), quer surja da mediagao jurispruden- cial das cortes do common law, é, portanto, concebida e exerci- da essencialmente em relagdio as prerrogativas discricionais do Executivo no interior de um quadro institucional que foi signi- ficativamente chamado de “reino da lei e dos juizes”. 31. CEA. V. Dicey, Introduction to the Study of the Law of the Constitution, cit, p. 273. INTRODUCOES 7 Oterceiro principio, igualmente fundamental, refere-se 4 tutela dos direitos subjetivos. Essa tutela, no decorrer do secu- lar evento do constitucionalismo inglés — das garantias feudais da Magna Charta as regras procedimentais do habeas corpus, , a0 catdlogo dos direitos fundamentais contido na Petition of ( Rights e no Bill of Rights — foi assegurada muito mais pela ju- tisdigio das Cortes de common law do que pelo Parlamento. Foi a extraordinaria capacidade de resisténcia das Cortes con- tra as pretensdes absolutistas da monarquia que favoreceu 0 nascimento das “liberdades dos ingleses”. Os préprios atos legislativos, como os Habeas Corpus Acts de 1679 e de 1816, fo- ram precedidos por um longo trabalho jurisprudencial que 0 Parlamento, em substancia, ratificou”, Além disso, as decisdes judiciais desempenharam a fungio de protesio dos direitos de liberty and property contra o possivel arbitrio ndo apenas da burocracia administrativa (subordinada 4 Coroa), mas tam- bém do Parlamento. Jé Edward Coke ~ basta lembrar 0 famo- so Bonhams Case ~ tinha afirmado que os juizes ordinarios te- riam considerado nulo e, portanto, desaplicado qualquer ato do Parlamento que tivessem julgado “against common right and reason’®, E, dois séculos mais tarde, Dicey repete que uma das fungGes que, de fato, eram desempenhadas pelas common law courts era a de fazer valer, se necessdrio também em rela- sao ao Parlamento, a supremacy of ordinary law enquanto regra geral da Constituic&o™. Os juizes de common law, profissional- mente empenhados no respeito dos “antecedentes”, ou seja, de uma série de regras e de procedimentos orientados para a 32. Cf. A. V. Dicey, Introduction to the Study of the Law of te Constitution, cit, pp. 117, 130 33. CE. C.K, Allen, Law in the Making, Clarendon Press, Oxford, 1964, pp. 456-7. Sobre Coke e a sua concepgao do common law ver J. Beauté, Un grand juriste anglais: Sir Edward Coke 1552-1634. Ses idées politiques et constitutionnels, Presses Universitaires de France, Paris, 1975, pp. 72-6; P. Costa, Civitas. Storia della cittadinanza in Europa, vol. 1, Dalla civilti comunale al Settecento, Laterza, Roma-Bari, 1999, pp. 188-97. : 34. Cf. A. V. Dicey, Introduction to the Study of the Law of the Constitution, it, p. CXLVIIL A Constituigao inglesa, escrove Dicey, é “the fruit of contests carried on in the Courts on behalf of the rights of individuals [..J, i8 a judge- made constitution, and it bears on its face all the features of judge-made law” (ibid, p. 116). 18 OESTADO DE DIREITO defesa dos direitos individuais, nao podiam sendo ser adver- sarios intransigentes de qualquer forma de arbitrio potestati- vo. Eles teriam se oposto, de modo inflexivel, por exemplo, a aplicagao de multas excessivas ou de penas inusitadas, even- tualmente introduzidas pelo Parlamento contra o principio de certeza e irretroatividade da lei penal. Em geral, a originalidade do regime constitucional de rule of law, como havia sublinhado William Blackstone, reside no fato de que, na Inglaterra, o cardter difuso e diferenciado dos poderes nao se deve a atos de comando do Estado ou da “von- tade geral” de uma assembléia constituinte, expressio “con- tratualista” da soberania popular. E nado depende nem sequer de uma Constituicao escrita, rigida e normativamente hierar- quizada, segundo a tendéncia que se afirmou nos Estados Uni- dos e que, finalmente, serd vencedora também no continente europeu. Na Inglaterra, o Parlamento pode modificar a Cons- tituigao em qualquer momento, e nao existe nenhum orgao delegado ao controle da constitucionalidade dos atos legislati- vos. A estrutura constitucional inglesa depende de uma secu- lar tradigao civil que tem raizes em conflitos politicos, atos normativos, normas consuetudindrias, costumes, praticas e pre- ceitos, mesmo nao estritamente juridicos que, em alguns ca- $05, antecedem de séculos ao nascimento do Estado moderno e da prépria filosofia liberal, Trata-se de uma tradicéio nor-} mativa, em grande parte nao escrita, que pretende até mesmo | ancorar-se em uma milenar, imemoravel ancient Constitution, | # cuja validade se faz descender nao de origens miticas ou trans- { cendentes ou do valor universal dos seus contetidos, mas da | sua propria antiquity, de todo-miindana. Ela depende da sua } peculiarissima qualidade de law of the land, respeitada e trans- mitida de geracaio em geragao ¢ fruto de histéricas batalhas™. Escreve Dicey no ensaio sobre Law and Public Opinion in England: 35, Ver, H. Bracton, De legibus et consuetudinibus Angliae, organizado por T. Thess; Hein, Buffalo (N-Y), 1990. \ 36. Sobre o mito da “Constituigdo antiga” como fundamento do com- mon Taw sobre a intervencio “racionalizadora” antes de William Blackstone, com os seus célebres Connmentaries, e depois de Dicey, ver E. Santoro, Common 19 INTRODUGOES A revolugaio de 1689 foi conduzida sob a orientagao de ju- ristas whig. Sem querer nem saber, eles langaram as bases da monarquia constitucional moderna, mas a intengdo deles nao era a de afirmar no Bill of Rights ou no Act of Settlement os direi- tos naturais dos homens; era a de reiterar as imemordveis liber- dades dos ingleses, transmitidas ao longo dos séculos.” O rule of law nao 6, senado muito indiretamente, uma teo- tia juridica do Estado, uma sua “juridicizagao” ou “constitucio- nalizagao”. Esse se distancia nitidamente do “Estado legislati- vo" alemio (e, em geral, continental), no qual os juizes sao fun- ciondrios puiblicos que aplicam a lei do Estado e os prdprios di- reitos individuais séo “postos” pelo Parlamento®. Sob esse perfil, 0 rule of law, como escreveu Dicey, é a distinctive charac- teristic of the English constitution”. 3.3. O rule of law na versdo norte-americana Dicey considerava a estrutura constitucional dos Estados Unidos um tfpico exemplo de rule of law pelo simples fato de os seus pais fundadores terem se inspirado diretamente nas tradicSes inglesas. Também de matriz inglesa era, sem dtivida, a atribuigdo ao poder judiciario, e néo apenas ao Parlamento, da tarefa de proteger os direitos individuais contra os possiveis Law ¢ Costituzione nell'Inghilterra moderna, cit,, pp. 45-56, 109-46; e ver o clas- sico J. G. A. Pocock, The Ancient Constitution and the Feudal Law, Cambridge University Press, Cambridge, 1987, ; 37. CE. A. V. Dicey, Lectures on the Relation bettveen Law and Public Opinion in England during the Nineteenth Century, Macmillan, London, 1914, trad. it. it Mulino, Bologna, 1997, p. 134. Posigdes andlogas tinkam sido defendidas, como é notério, por Edmund Burke, nas suas Reflections on the Revolution in France, em E. Burke, Works, vol. Il, George Bell and Sons, London, 1790, trad, item E. Burke, Scritti politici, Utet, Torino, 1963, pp. 191-2. 38. Segundo MacCormick, as “liberdades dos ingleses” sio customary rights (ndo constitutionally derivative rights, @ In Bentham, nem fundamen- tal rights, @ la Locke); Cf. N. MacCormick, Constitutionalisim and Democracy, cit, p. 135. 39. CEA. V, Dicey, Introduction to the Study of the Law of the Constitution, cit, p. LV. 20 O ESTADO DE DIREITO abusos do executivo ou do legislativo", E, igualmente, influen- ciada pela tradicao inglesa foi a escolha de nao redigir um Bill of Rights para incluir no texto da Constituica como é notério, a Carta dos Direitos foi introduzida pelas primeiras dez emen- das constitucionais somente no final de 1791 e em um elenco nao-taxativo. Na evolucéio institucional posterior as declaragées de in- dependéncia € a aprovagao da Constituigao, a linha modera- da e liberal do federalismo tepublicano de Alexander Hamil- ton e James Madison prevaleceu sobre a filosofia democratica de Thomas Jefferson e de Thomas Paine, muito mais proxima das doutrinas francesas da soberania popular e do primado do poder constituinte. E emergiram, em uma concepsao de algum modo fundamentalista da liberdade ¢ da propriedade, motivagdes de carter teligioso que tinham permanecido es- tranhas a ideologia inglesa do rule of law e que teriam perma- necido estranhas ao juspositivismo do Rechtsstaat germani- cot, Nos princfpios fundamentais do texto constitucional pa- receu cristalizar-se, em chave jusnaturalista, a propria idéia de soberania. Ea soberania da Constituicdo foi posta em di- reta oposicao a funcio legislativa do Parlamento federal, con- focus ee Tais perigosa para as liberdades fundamen- eee de de propriedade do que o proprio poder oO regime constitucional estadunidense mostrou bem cedo uma precisa inclinagao para solugGes inspiradas no liberalis- mo moderado, tevelando-se escassamente sensivel ao tema da representatividade democratica e da dindmica conflitual dos interesses sociais. Ao contrario, foi muito mais sensivel ao tema, que estaria no centro do liberalismo aristocratico de Ale- xis de Tocqueville, da necessidade de prevenir, em termos for- ~ Mais, a ameaca representada pelas maiorias parlamentares hostis as liberdades individuais. E 0 remédio cogitado, além de um tendencial enrijecimento da Constituigdo escrita, foi o 40. CEB. Leoni, Freedom and the Law, trad. it. cit, p. 71. 41, Tanto Georg Jellinek como Ernst Troeltsch sublinharam a origem reli- -Biosa da democracia americana (ef. G. Gozzi, Democrazia e diriti, ct, pp. 6-10). 42. C.-M, Fioravaniti; Costituzione, il Mulino, Bologna, 1999, pp. 102-9. INTRODUGOES 7 recurso a judicial review of legislation e & atribuigdo, a partir da sentenga do juiz Marshall no proceso Marbury v. Madison, de 1803, de um controle de constitucionalidade sobre os atos le- gislativos por parte da Corte Suprema. O poder do Parlamen- to federal, particularmente no tocante ao tema dos direitos subjetivos, foi assim atenuado, em uma negagao radical de qualquer possivel conexao entre o reconhecimento dos direi- tos ¢ as reivindicacdes normativas emergentes do conflito po- -y litico e motivadas em nome da soberania popular”. Julgou-se, de fato, que 0 profissionalismo ¢ 0 tecnicismo dos juizes espe- cialistas estivessem em condicdes de garantir, melhor do que o Parlamento, uma correta interpretagao do ditado constitucio- nal e, portanto, uma_tutela i itica dos direi- tos individuais", Trata-se de solug6es institucionais que” tior do paradigma do rule of law, distanciam a experiéncia ame~ ticana daquela inglesa. Na Inglaterra, nem as Cortes ordinarias de common law, nem os organismos judicidrios de nivel supe- 43, Sobre o tema, além do ensaio de Brunella Casalini neste volume, ver J. Ely, Democracy and Distrust: A Theory of Judicial Review, Harvard University Press, Cambridge (Mass.), 1980; J. Agresto, The Supreme Court and Constitutional Democracy, Comell University Press, Ithaca, 1984; P. Kahn, The Reig of Law. Marbury v. Madison and the Construction of America, Yale University Press, New Haven, 1997; E. Lambert, Le gouvernement des juges et la lutte contre Ia lé- gislation sociale aux Etats-Unis, Giard & Cie, Paris, 1921, trad. it. Giuffré, Mila- no, 1996. De forma mais geral, ver B. Ackerman, We The People. Foundations, Harvard University Press, Cambridge (Mass.), 1991; C. R. Sunstein, The Par- tial Constitution, Harvard University Press, Cambridge (Mass.), 1993; J. Wal- dron, A Right-Based Critique of Constitutional Rights, “Oxford Journal of Legal Studies”, 13 (1993), 1; $. M. Griffin, American Constitutionalism, Princeton Uni- versity Press, Princeton, 1996, Para uma critica do moralismo constituciona- istico estadunidense do ponto de vista da andlise econdmica do direito, cf.o clissico R. A. Posner, Economic Analysis of Lavo, Little, Brown & Co., Boston 1992. 44. Cf. M. V. Tushnet, Red, White and Blue, A Critical Analysis of Consti- tutional Law, Harvard University Press Cambridge (Mass), 1988; R. M. Unger, Law in Modern Society, The Free Press, New York, 1976; A. Carrino, Roberto M. Unger e i “Critical Legal Studies”: scetticismo e diritto, em G. Zanetti (organizado por), Filosofi del diritto contemporanei, Cortina, Milano, 1999, pp. 171 -7;G. Min- da, Postmodern Legal Movements, New York University Press, New York, 1995, trad. it. il Mulino, Bologna, 2001, pp. 177-211. 22 O ESTADO DE DIREITO tior jamais tinham sido investidos de uma fung’o de judicial review em nome de uma superioridade normativa e irrevoga- bilidade formal dos principios constitucionais". A tutela das “liberdades inglesas” era confiada a efetividade de uma secu- lar tradigao jurisprudencial, nao a engenhocas institucionais administradas pela alta burocracia judicidria. E também no continente europeu, no decorrer e para além do século XIX, as cartas constitucionais permaneceriam flexiveis e 4 disposigao do poder legislativo. 3.4, L’Btat de droit Na Franga, uma explicita teoria do Estado de Direito (Etat de droit) & elaborada com particular atraso. A sua formulagao é atribuida a Raimond Carré de Malberg, que atua nos primei- ros decénios do século XX, no contexto da Terceira Republi- ca". Diferentemente de Dicey, que tinha concebido a idéia do rule of law com total independéncia em relacdo A nogdo de Rechtsstaat, Carré de Malberg sofre a influéncia da experiéncia alema e em parte também da estadunidense. Pode-se dizer que, se Dicey tinha reconstruido a tradigao constitucional inglesa teivindicando sua autonomia e exceléncia, Carré de Malberg Parece empenhado em reconhecer a superioridade da doutri- na alema e da estadunidense em relagdo ao direito publico 45. Sobre o tema, ver P. P. Craig, Publie Law and Dem ; 7 ; tocracy in the United Kingdom and the United States, Clarendon Press Oxford, 1990, A. L. Goodhatt, i Rule of Lavo and Absolute Sovereignty, "University of Pennsylvani - tae nee ignty, "University of Pennsylvania Law Re 46. Ver R. Carré de Malberg, Contribution a la théorie général de IE: 46. Ver fa tr général de l'Etat, vol. - Siey, Paris, 1920-1922. Sobre a nogo de “Estado de Direito” em Carré de Malberg, ver P. Costa, Civitas, Storia della cittadinanza in Europa, vol. 4, L’eta dei fotalitarisini e della democrazia, cit, pp. 106-15. De forma mais geral, sobre a Juspublicisica francesa pode-se ver M.-J. Redor, De l Etat légal a l'Etat de droit. olution des conceptions de la doctrine publiciste francaise 1879-1914, Econo- me Paris, 1992; M. Troper, Le concept d'Etat de droit, “Droits”, 5 (1992); sobre @ influéncia do modelo aleméo na Franga, ver J. Chevallier, L’Etat de droit, Montchrestien, Paris, 1999. Ver, també sente ve ribuiga . Paris, 199. Ver, também, no present ibuig ee Pl fe volume, a contribuigao INTRODUCOES 23 francés. Ele tenta, substancialmente, fazer uma sintese entre essas duas experiéncias que possa ser aplicada as instituig6es francesas. E, enquanto Dicey e os tedricos alemaes do Rechits- staat elaboram as suas teorias com base em efetivas experién- cias historicas de “Estado de Direito”, Carré de Malberg pro- poe o seu modelo de Etat de droit como alternativo a realidade do constitucionalismo francés, submetendo 4 critica severa as proprias instituicdes da Terceira Republica. A tutela dos direitos subjetivos em relacio aos possiveis atos de arbitrio das autoridades ptiblicas 6 também para Carré de Malberg, como para os juristas liberais alemaes, 0 objetivo central do Estado de Direito que, para esse fim, “autolimita” 0 seu poder soberano, submetendo-o ao respeito de regras ge- rais, vlidas erga onnes. Mas a garantia dos direitos exige, segun- do 0 juizo de Carré de Malberg, um profundo repensamento da tradigao constitucional francesa, que inclua um exame criti- co do préprio acontecimento revolucionario. As instituigdes puiblicas francesas, ele afirma, so dominadas pela onipotén- cia do Parlamento, que parece ter herdado do absolutismo mondarquico a titularidade monopolista da soberania estatal, e esse monopélio representa o maior perigo para as liberdades dos franceses”. Na Franga, 0 vetor mais dindmico da teoria revoluciona- ria tinha sido a doutrina da soberania popular (ou nacional). Essa doutrina atribufa ao Parlamento um primado absoluto em relagéio aos outros poderes do Estado, uma vez que o Parla- mento era 0 tinico drgao que podia ostentar uma investidura popular direta. E a “lei” tinha sido concebida, @ Ja Rousseau, como expressdo da vontade geral da nagao a cujas prescrigdes © Poder Executivo devia ater-se rigorosamente. Quanto ao Poder Judiciario, tanto nas declaragdes dos direitos como nos textos constitucionais da Franga revolucionaria, tinha sido ob- jeto de prescrigSes exclusivaménte negativas: os juizes nao de- viam se intrometer no exercicio do poder legislativo e nao ti- 47. CER. Carré de Malberg, Contribution a ta théorie général de IEtat, cit, vol. I, pp. 140 ss. 24 O ESTADO DE DIREITO nham nenhum poder de suspender a execugao das leis". desconfianga, que era a conseqiiéncia do papel desempenha- do pelas magistraturas no antigo regime, fazia do equilibrio constitucional francés alguma coisa de profundamente diver- sa, tanto em relacdo 4 Gra-Bretanha como em relagao aos Es- tados Unidos. Além disso, a idéia rousseauniana da imprescritibilidade e inalienabilidade da soberania popular tinha inspirado um autor de grande prestigio como Emmanuel-Joseph Sieyés a fazer uma célebre distingéo entre pouvoir constituant e pou- voirs constitués"”. O poder constituinte, entendido como o gran- de legislador coletivo que define os valores, elabora os princi- Pios e pe as regras que fundam a comunidade politica, é um poder pré-jurfdico que nao se esgota no ato originario que da vida ao Estado e aos seus “poderes constitufdos”. Diferente- mente destes tiltimos, que sdo poderes limitados, 0 poder constituinte 6 um poder dotado de uma energia ilimitada e inexaurtvel, subtraido aos préprios vinculos normativos pos- tos pelo texto constitucional. O artigo 28 da Declaragao dos Direitos de 1793, por exemplo, estabelecia, nos termos mais explicitos, que o povo tem sempre o direito de rever, reformat € mudar a prdpria Constituicgéo e que nenhuma geragao tem 0 dever de sujeitar-se as leis prescritas pelas geragSes pre- cedentes, Do voluntarismo normativo dessa doutrina radical-de- Mocrata originavam-se duas conseqiiéncias de grande rele- vancia: em primeiro lugar, o Parlamento tendia, simultanea- mente, a revestir as fungdes do poder constituinte e do poder constituido, atribuindo-se, portanto, prerrogativas soberanas. E reivindicava, em particular, um poder permanente de revi- sao constitucional e de uma revisao sem limites, equivalente 4 plenitude do poder constituinte®. Em segundo lugar, tinha 48. CE. o artigo III do capitulo 5, titulo 3, da Constituigao de 1791 49. CE. P. P. Portinaro, Il grande legislatore e if custode della costituzione, em G. Zagrebelsky, P. P. Portinaro, J. Luther (organizado por), Il futuro della costituzione, Kinaudi, Torino, 1996, pp. 18-22. _ 50. Sobre a relagdo entre poder constituinte e poder de revisdo constitu- cional na experiéncia européia, ver M. Dogliani, Potere costituente e revisione cos INTRODUGOES 25 se afirmado uma orientago constitucional de nitida aversao ao assim chamado gouvernement des juges, ou seja, de oposi- Go, seja ao instituto da rigidez do texto constitucional, ‘seja Aquele do controle judiciario de constitucionalidade da lei or dinaria. ; Carré de Malberg opde-se energicamente a essa tradi- sao “jacobina”, em nome de uma concepgao do Estado de Direito no qual todos os poderes, inclusive 0 legislativo, es- tejam subordinados ao direito. Nesse quadro, 0 Parlamento nao é sen&o um dos poderes constitufdos — nao é, de modo algum, um poder constituinte — e as suas fungdes devem ser submetidas a limites e controles, exatamente como acontece com 0 poder administrativo. Submeter os atos da adminis- tragdo ao principio de legalidade é muito importante, mas nao é suficiente para garantir uma tutela plena dos direitos indi- viduais: 0 Etat légal nao é, ainda, propriamente, um Etat de droit. Um auténtico Estado de Direito deve fornecer aos cida- daos os instrumentos legais para se oporem também 4 von- tade do legislador, no caso em que os seus atos violem os di- reitos fundamentais dos primeiros"'. E isso requer, se nao pro- priamente 0 instituto, em vigor nos Estados Unidos, da judi- cial review of legislation - Carré de Malberg teme que isso nao possa ser proposto na Franga -, certamente uma nitida di 7 tingao entre a Carta constitucional e a lei ordinai ma distin-\ cdo que “supra-ordene” normativamente a primeira 4 segun- da e imponha ao Parlamento o respeito pelos limites juridi- / cos postos pela Constituicéo, renunciando a qualquer pre~/ tensdo constituinte™. lituzionale, em G. Zagrebelsky, P. P. Portinaro, J. Luther (organizado por), I! fu- turo delia costituzione, cit,, pp. 253-89; E.-W, Bockenfrde, If potere costituente del popolo. Un concetto limite del diritto costituzionale, ibid., pp. 231-52. : 51. Cf. R, Carré de Malberg, Contribution a ta théorie général de lEtat, cit, vol. I, pp. 488-92. - 52. Sobre a relagdo entre instituig6es norte-americanas ¢ tradigao cor titucional francesa, cf. R. Carré de Malberg, Le Loi, expression de la volonté géné- rale, Librairie du Recueil Sirey, Paris, 1931, pp. 104-10; sobre a relagio entre a Constituigao escrita ¢ 0 poder constituinte, ef. R. Carré de Malberg, Contribu- tion a la théorie général de Etat, cit,, vol. I, pp. 493-500. 26 O ESTADO DE DIREITO 3.5. O rule of law inglés: uma “excegdo fundante” As quatro experiéncias histéricas de Estado de Direito que examinamos aqui apresentam perfis distintos, tanto no plano normativo como naquele institucional. facil mostra-lo utili-_, nia, a fungao constitucional, a modalidade de tutela dos direi- tos subjetivos. O Rechtsstaat alemao concentra os atributos da soberania No poder legislativo, o qual goza de um absoluto primado not- Iativo sobre os outros poderes. A Constituigao é escrita, mas ¢, a0 mesmo tempo, flexivel, nao supra-ordenada a lei ordina- tia e nao assistida por uma jurisdicao constitucional. A tutela dos direitos subjetivos é contiada exclusivamente ao Parlamen- to, que é a sua fonte originaria e garantidora. : Também na experiéncia inglesa do rule of law, a soberania pertence ao Parlamento, mas esse drgio exerce 0 seu primado Normativo quase exclusivamente em relagio ao executivo. A Constituicdo inglesa nao s6 nao é escrita, mas nao é, sequer, em sentido estrito, um ato ou um costume de natureza juridi- as ee das tradigdes judicidrias, dos atos normativos, Hee Gee e das Praticas sociais que concorrem para li- dos direitos i 7 7 Poder executivo. A elaboragéio normativa ‘A vatiante naan le common law. 7 le nia estatal ainda mais li ate lae prone va eA soberania acaba por sia a, distribuida e diferencia a macia normativa de um Hes i: simbolicamente com a aoe cialmente rigido, que Bienen escrito e ae Estado, incluindo 0 poder lec none soos 8 poderes Ce individuais e a sua tutela eeisative. A definigao dos direitos der de interpretagdo dos pare om Brande parte do po- pelo poder dos especialistcs apie che STi No modelo do Etat de Gao é berg, a soberania coincide com it proposto por Carré de Mal- tendido como e cH © primado do Parlamento, en- como expressao da soberania popular. Mas 0 Parla- mento nao é um poder constituinte: é ape: dos “pode- res constituidos”. Por isso també cae eee aes eM as suas funcgdes devem ser zando trés parametros comparativos: a atribuicdo da sare | INTRODUCOES 27 submetidas a limites e controles. E isso supde uma nitida dis- tingdo entre a Constituicdo e a lei ordinaria ¢ uma supra-orde- nacao da primeira 4 segunda. Em um Estado de Direito, os ci- dadaos dispdem de remédios legais contra os atos do legisla- dor ~ no apenas contra os da administragdo -, quando estes lesarem os seus direitos fundamentais. E inegavel que nos encontramos diante de experiéncias politico-culturais e de regimes juridicos muito diversos, quer do ponto de vista da soberania das fontes normativas, quer em relacdo as técnicas constitucionais de limitagao e diferenciagao dos poderes estatais, quer, enfim, no que diz respeito ao fun- damento dos direitos subjetivos e as modalidades da sua tute- la, Sob esses trés aspectos emerge com clareza uma “grande divisdo” na histéria ocidental do Estado de Direito: de um lado existe a “excegdo fundante” do rule of law inglés; de outro, em- bora entre si ulteriormente diferenciadas, as experiéncias do rule of law norte-americano e do Estado de Direito europeu- continental». O que faz do constitucionalismo inglés um fendmeno ao mesmo tempo excepcional e fundante 6, como sublinhou Carl Schmitt na estcira de Friedrich von Savigny, 0 fato de ele ser “um direito consuetudinario vivente”, Trata-se de um “di- reito constitucional” aliinéntado muito menos por uma refle- xo tedrica e por um arranjo conceitual do que por uma longa tradigao de ajustamento pratico do direito por parte de uma classe juridica “privada” e “auténoma”. Essa classe nao se identifica com 0 Estado, néo é uma corporagao ou burocracia interna ao Estado. Ao contrario, pode-se dizer que, em rela- do ao Estado, ela nao usa e tampouco conhece esse nome. Os common lawyers tendem, antes, a interpretar a historia po- litica, os conflitos sociais; os costumes civis ¢ 0 éthos norma~ tivo de um povo elaborando uma cultura jurfdica socialmen- te difusa™. 53. CE. N. MacCormick, Constitutionalisnt and Democracy, cit., pp. 124- 30, 144-5. 5d. CE, C. Schmitt, Die Lage der europilischen Rechtswissenschaft, Dunker und Humblot, Berlin, 1958, trad. it. La condizione della scienza giuridica europea, Pellicani, Roma, 1996, pp. 70-2. i O ESTADO DE DIREITO A propria formulagao dos direitos individuais nao depende de inferéncias doutrindrias extrafdas dos principios de uma Constituigao escrita ou de uma codificagao: é o fruto de indu- Ges e generalizagdes normativas a partir de decisées particu- lares das Cortes em tema de liberdade, de propriedade e€ de contrato, A cisao entre law in books e law in action, que os jus- realistas americanos e escandinavos teriam denunciado como uma constante do positivismo juridico e do normativismo, pa- rece ter sido totalmente estranha A tradigdo “garantista” do common law. Na Inglaterra, a Constituicgéo € por sua natureza dtictil ¢ flexivel, mas isto nao impede que seja rigorosamente aplicada pelas Cortes ordinatias, diferentemente do que 0cor- Te no continente europeu. Aqui, como afirma Dicey, as solenes € redundantes declaracdes constitucionais contém, na maioria das vezes, abstratas enunciagdes de principios, sem adequa- das garantias processuais, sendo destinadas a permanecer em grande parte desaplicadas®, A Constituicao inglesa nao é uma uae aera © de regras gerais derivadas, @ la Rousseau, Ailal en gonstituinte de uma elite politica. Nao é 0 “ma poe bala dale ie Nova sociedade que os representantes do truco de fists order ees assumir como guia para a cons- dada ou reclamada em Taine a: nae at ido S da “natureza” moral ou raci le valores universais, deduzidos Facional dos homens e, por i880, de- Patriménio de toda a humanidade. O cardter particularista e sj dos in, singula “i i " enquanto enraizadas no Be ine le pe ee the land e, bigSes universalistas, radigai stone, a Dicey. S80 de common law, de Coke a Black- Pois bem, este Patticularissimo, loc: lismo inglés operou Paradoxalmente ti cpliaranier. c 3 beak ‘ae ocidental do Estado pec agp Paracigma exemplar da protegio dos direitos indwviduais. ‘alistico constituciona- 55. CE A.V. Di i cit, pp. 198 88, Sobre ct sania oe Siudy ofthe Law of the Consittion, nais eurocontinentais, retomaremos mais agian hae pie * jos Ge 7. INTRODUGOES 29 De resto, 0 primado histérico da “liberdade dos ingleses” — da Magna Charta ao Bill of Rights - foi abertamente reconhecido, tanto além do Atlantico como no continente europeu: dos fe- deralistas americanos aos revolucionarios franceses, aos teéri- cos alemaes dos “direitos publicos subjetivos”®. Ao mesmo tempo, porém, o rule of law inglés revelou-se sem nenhuma capacidade transitiva no plano das técnicas cons- titucionais e dos mecanismos institucionais de garantia formal dos direitos. Daqui nasce, exatamente, aquela que pode ser denominada a “grande divisio” do constitucionali nos Estados Unidos, como na Alemanha, na Franca, na Italia e nas outras experiéncias de democracia liberal, nao é 0 modelo de uma Constituigado n&o-escrita— e, portanto, flexivel ~— que se afirma. E nao cria raizes tampouco a idéia segundo a qual é supérflua ou até contraproducente a catalogagao nor- mativa dos direitos fundamentais. E menos ainda vinga 0 pos- tulado segundo o qual as liberdades podem ser bem tuteladas por uma classe de juizes e de juristas praticos: uma classe que estabilize e difunda socialmente os padrdes de uma cultura ju- ridica tao atenta a regulamentagao dos casos concretos, mas pouco interessada na elaboragao de uma “ciéncia juridica” ge- neralizante e formalista. Nos Estados Unidos e no continente europeu, embora com modalidades diferenciadas e em tempos diversos, preva- lece o modelo de uma Constituicéo escrita e de um explicito catdlogo de direitos tendencialmente “universais”. Constitui- ao e Carta dos direitos séo concebidas como expressées da soberania do grupo social que se organiza em forma estatal e poe como fundamento da sua vida politica alguns principios considerados inviolaveis. E toma corpo uma tendéncia a hie- rarquizar o ordenamento juridico, de modo que submeta a lei ordindria ao primado normativo da Constituigao e, portanto, 56. Sobre o tema das relagdes entre a Revolugio Francesa ¢ a Revolugdo Americana e sobre a célebre polémica levantada a propésito por Georg Jelli- nek, ver N. Bobbio, La Rivolizione francese ¢ i diritti dell'uomo, em N. Bobbio, Leta dei diritti, Einaudi, Torino, 1990, pp. 89-120; sobre o primado atribuido por Jellinek & common law na histéria da “legislagio da liberdade”, ef. G. Goz- zi, Democrazia ¢ diritti, cit., pp. 16-22. 7 OESTADO DE pIREITO pia Principios e regras constitucionais. Essa tendéncia *° ‘ anal no decorrer do século XX, dando vida, principe” ts obra de Hans Kelsen, a um verdadeito € Le Co ordings, Tistatio de constitucionalidade sobre a lest t maria, que vai muito além da praxis estadunidens? judicial revi . cee 7 judicial review. A partir da sua introdugaio na Constituigae aus trfa 7 2 e ee 1920 - 0 célebre Verfassungsgerichtshof — difunde-s¢ ‘orte constitucional, que ee f ‘ tra Mundial tera particular 5¥ no: e a ines awe se libertaram dos regimes autoritarios, ¢™ Pee ar ha Italia, na Alemanha e, mais tarde, em Portugal ¢ ™ Espanha. O fim tra i Marea «fi tragico da Republica de Weimar, que tinh alema Petes parlamentarismo da primeira democrat idéia de ir ee defender a Constituigao de 1919, reforst Gio. Esse iat unal que opere como “protetor” da Constl a invalidade 7 munal deverd ter 0 poder de declarar evg@ a nao simplesmer ma norma legislativa julgada inconstitucion” Howe ae de torna-la inoperante em um caso ju ane telacionada eo) ee © modelo estadunidense. Estritame ti { ™ essas importantes evolugdes politico-const tucionais, ¢ ” COMO Veremos, é : de uma “der ‘i » €ama °] sta ae democracia constitucional”s7, ni thea 4.Um Gri quadro teérico coerente ¢ unitario As peculiar; idadaaaeesete ; He Pe sae Juridico-institucionais que diferencie’™ zem respeito, conta © as doutrinas do Estado de Direito di- soberania, aos mecai ie Peep eens MnNOS COnstitucionais ¢ as formas de tu- tela dos direitos subjet; d ubjetivos, m : : e divisio” eae ci s. Isto vale ey particular para a “grar rr sear a Ze im = riéncias ocidentais, Asdivenn do rule of law as outras expe- desaparecerem por cor ple dades atenuam-se fortemente até mpleto no que diz respeito ao contrario 57. O tema da “den emocracia constitucional” é : i, Democrazia e dirt, ‘onstitucional” é 0 centro do ensaio de G. : cit., em partic és , L. Ferrajoli, Diritti fondamentat, eat 82 Sua segunda parte; ver, além cit, pp. 157-62. Mali, cit, passim; M. Fioravanti, Costituzione, INTRODUCOES 31 ~ esta é tese que serd defendida nas préximas paginas ~, aos Pressupostos filosdfico-politicos e as referéncias de valor. E, igualmente, pode-se dizer 0 mesmo no que se refere a uma ampla série de institutos juridicos e de estruturas politicas que estado presentes em formas substancialmente equivalentes nas diversas experiéncias que examinamos. com base nessas premissas que a complexidade da “histéria externa” do Estado de Direito pode ser legitimamente reduzida no plano teérico. E torna-se assim plausivel recompor a diversidade das expe- riéncias historicas em um quadro tedrico coerente e unitério, capaz de fornecer uma identidade conceitual precisa & nocio de “Estado de Direito”. (iss sentido, o Estado de Direito é uma versao do Esta- don odern’y europeu, na qual, com base em especificos | supostos filos6 ico-politicos, atribui dico a fungao de tutelar os direitos tendéncia do poder politico de dilatar-se, de operat de modo arbitrario ¢ prevaricar. Em termos mais analiticos, pode-se afir- mar que 6 Estado de Direito é uma figura juifdito-institucio- nal que resulta de um processo evolutivo secular ue leva & afirmacdo, no interior das estruturas do Estado moderno euro- peu, de tois principios fundamentais: o da “difusio do poder” eo da “diferenciagao do poder”®. O “principio de difusio” tende a limitar, com vinculos ex- plicitos, os poderes do Estado para dilatar_o ambito das liber- dades individuais. Ele implica, por isso, uma definigao juridica dos poderes puiblicos e da sua relagdo com os poderes dos su- jeitos individuais, também eles juridicamente definidos. 58, Para uma reinterpretagdo do Rechitsstaat que poe em evidéncia os seus elementos de diferenciagéo funcional, ver N. Luhmann, Gesellschajiliche und politische Bedingungen des Rechtsstantes, cit, pp. 53-65. Sobre o tema, ver também C. Schmitt, Verfassungslelire 1928, Duncker und Humblot, Berlin, 1957, pp. 123ss,, tead. it,, Giuffre, Milano, 1984, pp. 171 ss, C. Schmitt, Der biirger- liche Rechtsstaat, "Die Schikigenossen” (1928), 2, pp. 128-33; Nazionalsozialis- mus tnd Rechtsstaat, “Juristische Wochenschrift”, 63 (1934), pp. 714-5; Was edeutet der Streit wn den "Rechtsstaat’? (1935), em C. Schmitt, Staat, Grossraum, Noms. Arbeiten aus den Jahren 1916-1969, Duncker und Hamblot, Berlin, 1995, pp. 124-5. O ESTADO DE DIREITO O “prinefpio de diferenciagio” se expressa seja como di- ferenciagao do sistema Politico-juridico com relagdo aos ou- ttos subsistemas, em Particular 9 Stico-religioso e o econdmi- C0, seja como critério de delimitaggo, coordenacao e regula- Mentagao juridica de distintas funcdes estatais, sumariamente correspondentes 4 Posigdo de formas (legis latio) ea aplicagéo de normas (legis executio), 4,1. Os Pressupostos Ffiloséfico-politicos Examinemos, antes de tudo, og Pressupostos filosdficos e 8 postulados de y; alor que aproximam as diversas experiéncias do Estado de Direito © as teorias pertinentes, Notberto Bobbio ressaltou com veeméncia que 0 individualismo 6 a premissa fi- loséfico-politica Beral do Estado de Diteito e da doutrina dos direitos fundamentais», Bobbio fala, sem dtivida, com uma ine- vitdvel sim Plificagdo historiogratica, de “inversao” na telagao entre Estado e cidadaos: da Prioridade’G los deveres dos stiditos €m relacéo a autoridade politica (ec teligiosa) Passou-se, na Eu- Topa, no decorrer da formagao do Estado moderno, a priorida- de dos direitos do cidadao ¢ ao dever da autoridade puiblica de Teconhecé-los, de tutela-log © enfim, também de promové-los. No interior do Estado moderno (Soberano, nacional, laico), a rigindria ~ 9 dever ~ deixa assim 0 campo Para uma nova e, em grande parte, posta figura deontolégica, ada &xpectativa ou Pretensfo individual coletivamente reco- nhecida e tutelada na forma do “direito subjetivo”, No plano histérico, essa “inversiio de Perspectiva” perfila- Se nitidamente no decorrer das guerras de religiio que termi- haram, na metade do século XVII, coma Paz de Vestefalia. No centro desses conflitos nasce 6 direito de Tesist€ncia & opressao, OU seja, 0 direito dos individuog de gozar de algumas liberda- des fundamentais, E essas liberdades si consideradas funda- Mentais porque sao Metafisicamente assumidas como “natu- tais’. E, por conseguinte, pode-se Considerar que 0 modelo —. 59. CEN, Bobbio, L’eta det diritti, cit, Pp- IX, 58 ss, aye (om < .glTRoDUCOES sre) 33 i -se na Europa e~é plitco-juridico do Estado de Direito me eo a ?M sublinha-lo — apenas na Europa, porq [6gica aqui emer- bde uma secular evolugao politico-antropolégi i a nsamento que j ~ € torna-se dominante uma orientacéo de pens: eae a istotélico-tomista). -» P”! S€ P82 a0 “modelo aristotélico” (& oe aoa que ™Abandonada 4 cOncepsa0 organicista eit a condigao faz da integragio do individuo nO grupo i emerge a pets~ mesma da sua humanidade e cnaieed Ve “dindito natu- Pectiva jushaturalista ou, como foi uegseaid bs antigo". Atra- tal moderno”em oposicao ao “direito nai chee ae vés de aco) tacimentos muito complexos ae ior ceauiie XI e Nos ad-véluntarismo da teologia franciscana es em esquecer a IV e aos seus forename ccceatites de Maquiavel tradigio conflitualista ¢ democr coctadicdl. de M como Espinosa — toma forca a nogao de direito su a em oposigao reito natural”, E um direito entendido Aaneeea eao “di- a lex, ou seja, em Sposi¢ao ao comando 7 é expressao e ga- "eito objetivo” do qual a potestas ae égica da ordem na- Tantia. Decai a idéia harmonistica e nomol enon as doutri- tural e da sua estruturagao hierdrquica, enh ciceroniana) é Nas classicas (a omonoia dos gregos ea con catélica, Em direta amplamente desenvolvida pela ooo crea °Posi¢ao a esas filosofias consolida-se 0 P giuridico, Comunit, 60. Ver N. Bobbio, Giusnaturalismo ¢ ee pa: 1968; Milano, 1965; P. Piovant Linco ee ee toate Societe Sta- N. Bobbio, 17 modelo giusnaturalistico, em ris 1979; P. Piovani, Gius- {0 nella filosofia politica moderna, il Seat . : dere, Naturalism ed etica moderna, Later, lout ‘de a pensée juridine dee "fr. * 61. Sobre o tema, M. Villey, La for i 986 [trad. bras. A j oncheetion, Pare Taf So ee ee eee aati Fontes, 2005]; C. sto do pensamento juridico moderna, Sao Pau nine frescanesin Pa {tele Profil giuidi cela questione sonny Clute, Nilone, 1964 E a Ockham ern Scritt in memoria di Antonio oe Pisa, 1998, pp. 148-65. OE ‘0%, Autonoma individual, kberta ¢: Sat srael, Radical STE Or Corrente conilitualista ver, por exemplo,. rd University Press, i Osophy and the Making of Modernity : hae feteatra eens ford, 2001; &. fy sito, Ordine e confitto, eli, Ragion di Stato ¢ Levis inascimento italiano, Liguori, Napoli, 1984; G. eae pein, il Mulino, Bo: 128°. Conseroasione e seamibio aie o ‘gint della mode logna, 1993, Be Seater nh ) | peticulosidade a 84 O ESTADO DE DIREITO social do Sujeito humano e da su; .como lugar da autonomia moral e mo sendo no interior de um cont ordenado pela razao, Pela moral e tural “antigo” perde a sua solidez em uma pluralidade de “direitos naturais” que nao dependent da vontade do 8TUPo ~ que nao so acordados pelas suas au- toridades politico-religiosas ~ Mas que, ao contrario, a socie- fade politica deve reconhecer com pressuposto, como. condicho da sua propria le itimidade. A preservacdo dos “direi- ‘Os ndturais e imprescritiv eis do homem’” torna-se, como de- seja a énfase revoluciondria da Declaragéo de 1789, “o_escopo, de toda associacio olitica’”®, No plano da filosol Politica e d; d IplOs que esto como coro] 1) do ontolégico do Sujeito individua » liberdade e autonomia: 1 a “consciéncia” individual da liberdade politica, mes- exto social que se pretende pelo dircito”. O direito-naz ‘a teoria do direito, sao latios da tese do prima- le do valor axiolégico da sua 3 ) 0 pessimismo Potestativo, ou seja, a F ‘ idgia da Periculosidade do poder sot, Politico; 2) 6 otimismo nor- ue seja possivel contrastar a 0 poder por meio do instrumento do direito, entendido seja como 6 Conjunto dos direitos subjetivos consti- tucionalmente Barantidos, seja.como a “juridicizacéio” de toda a estrutura do Estado modemo. oO Pessimismo em telacio ao Poder politico parte do pres- suposto — é uma tese ¢] "se classica do liberalismo europeu — segun- doo qualo Poder 6, ao mesmo tempo, ai 7 funcionalmente neces- : ca wu al =S- SStio < Socialmente perigoso, © Poder, em particular nas suas modalidades repressivas, indispensével para garantir a or- dem, a coesio e a estabilidade d, fb mativo, ou Seja, a conviccdo de q les individuais — porque Propenso a ge concentrar, a se reproduzir arbitrario, st também. Profundamente es- totélico-tomista que atribui ao poder po- inisterial” de servico do “bem comum’” ¢ O pessimismo Potestativo 6 tranho 4 filosofia aris litico uma fungao “mi Bo yee SMCFO, Autonoma indsduat, tera ” ” ‘ta e diritti, 2 er Ht blumenberg, Die Latin Newzeis Frankfurt aM, 1974, trad. it Maret Genova, 1992,” cit., passim, Suhrkamp Verlag, normativa e st fragmenta] 35 INTRODUGOES pu i s ético-religio- © concebe como projegio vicdria de ie igualmen- Sas, se ndo mesmo da onipoténcia ae aul clalarane te para o organicismo politico comum. entais, em particular ao de parte das filosofias ético-politicas ori “In individuo € obriga- confucionismo. Para essas doutrinas, Ge Timente aos comandos do, em linha de prinefpio, a obedecer st ide fazer valer nenhu- da autoridade politica, para a qual ndo p ma pretensao juridica subjetiva. igualmente estranha, seja a0 A tese pessimista resultara igual ja as concepeoes éti- otimismo revoluciondrio do marxismo, s\ sr talitarios ‘do século cas do Estado que irdo inspirar os et (0. Para Carl Schmitt, XX, in primis o nacional-socialismo alemi goa a “juridiciza- € notério, a idéia de que o poder Pons gerais ¢ “neulras do” ~, ou seja, exercido segundo as ta (kels eniana), porque © oder é, por sua na : a0", Deci ie parcihlidade, particularisii yi savieattien crid-lasex hove, mente nao significa respeitar regras: ae Sapecitica Wopor € nisto estd precisamente a fungao positiva, in iti jaar otestativo — “er as muitas verses ce sae o pessimism Stico-religiosas, revoluciondrias, oa oe exige que no Esta- que inspira os tedricos do Estado de sre @ orgios institu- e seoiCanNL band aera ao de identifica, contrastar € cionais que desempen! em a a oe reprimin 0 abuso e 0 arbitrio co eee oder politico, os tesri- Para conter 0 carater arbitrario y undo lugar, que seja Cos do Estado de Direito julgam, em s in forca.do.direito. oO Recessdria, e de algum modo Sea aielto natural - pode direito ~ 0 direito positivo, nao paar alizacao do exercicio e deve operar como instrumento de sit on ver C. Pee eee Cee or jtdt, Duncker & see ea sie Raita ele der Souci oon tel po- fe ae Ce 1922 (rate. Sc politi, ct: G. Poe ite, Nate oe, © Gall ee et Rome Bat 1996, para a texossi, Carl Schutt la fradizione moder, io stad de Ditto, GP Cos, assonante (e inspiradora) critica nietzschiana Vol. 3, La ciilta liberal ta, Civitas. Storia della cittadinanza in Europa, vol. Patticular pp. 530 ss. rmativismo kelseniano, 36 O ESTADO DE DIREITO do poder. Em outras palavras, é Preciso que os poderes do Es- tado (antes de tudo 0 executivo © 0 judiciario) estejam vincula- dos ao respeito de Tegras gerais. A “lei”, como modalidade normativa “geral e abstrata” (tipico-abstraente), deve substi- tuir a commissio, ou Seja, 0 comando pessoal do monarca e , Suas arbitrarias e nado Motivadas lettres de cachet. O direito como “lei” pode obter, por meio da imposicio de formas e de proce- dimentos gerais ~ muito mais do que por meio da prescri¢ao - 1, | de contetidos ou fins Particulares — uma drdstica redugio da oe L discricionariedade politica. a 2 is transparente ~ ou menos opaco + © Por isso mais “visivel” ¢ controlavel por parte dos cida- dios®, E, Portanto, no interior do Estado moderno europeu, 0 ordenamento juridico & chamado a desempenhar uma triplice ~problematica e em certa medida ambigua — funcao: a de ins- trumento da ordem e da estabilidade do grupo social, enquan- to expressdo normativa do Poder de governo; a de mecanismo legislativo de titualizagSo-limitaca ti ‘S40 do poder politico; e aque- | la, estritamente correlata e ¢ i | Ja, ata e complementar, de ga di- at Lreitos subjetivos. 7 1 de garantia dos 4.2. O principio de difusio do poder O Principio de difusio do Poder opera como critério geral de atribuicao de faculdades © poderes jurias & idos i ‘eitos ig utidicamente reconhe- cidos ¢ sancionados, aos sujeitos individuais, No Estado de Di- reito, os individuos ~€ as formacdes Sociais e ag associa de Di quais cles legitimamente dao vida ~ so titulares ” iagGes as pla gama de pretensdes legitimas e de ctopodeity. Th am- de pretensdes e de poderes que, gracas tes. Trata-se ca, podem também ser exercidos contra o: Sue definigéo juridi- S OTgaos do governo 65, Sobre o tema da “visibilidaderinvisibiidadee aacetaiaeet as paginas de Norberto Bobbio: ef, sobretude ll junee dere 0 slassicas di, Torino, 1984, Sobre oefeito de legitimacio d9 pores que a ritual ena cedimental é capaz de promover, cf as realists alizagio pro. Legitimation durch Verfahren, Luchtethand, Newt Anotacées de N, Li Berlin, ee: Luhmann, 37 INTRODUGOES A soci ente limitada. Politico, cuja esfera de exercicio é Cae canner © ordenamento juridico, com as suas eae apenas mento e os seus vinculos processuais, nao Iitico e para con Para tornar “visivel” 0 exercicio do poder pol também o exer- trastar sua intrinseca vocagao despética: tsa as esferas de Cicio desse poder no momento em que de! dos direitos fun “nao-interferéncia” politica como protect sua liberdade € damentais dos individuos, antes de ae caida des, pre- Propriedade. Desse modo, a titularidade ra vuico tinha hie- tensdes e poderes que 0 absolutismo moni me os do gover- Tarquizado e concentrado nos sujeitos € oe ie dos espa- No politico do Estado, distribui-se sociale existem S08 do poder oficial néo existem mais apenas “8°71 Cidadaos titulares de pod sjuridicamen } de Direito, 0 prin- Nas experiéncias historicas do Estad lo cialmente através cipio de difusio do poder se expressa essencia dos seguintes institutos Sharia hey de do sujeitojuridico ~ oO 4.2.1. A unicidade e inl sos rd oo sites 7 ignifica, antes de tudo, do préprio ordenamento jurfdico. Isto Sede em li- AB¢ a todos os membros do grupo ae serem titulares de, the de principio, uma igual capacidade de. sere tos, direitos e de produzirem, .com.os_propris he. tradigio milenat, Conseqiiéncias juridicas. Superando uma medievais - basta ainda em vigor nos ordenamentos juridicos owa propria Mag- lembrar 0 Edito de Teodorico ou o de Rotari, inefpio da unici- na Charta -, 0 Estado de Direito faz valer “mbém no seu in- dade ¢ individualidade do sujeito juridico. de da condicao fe- terior sobrevive “obviamente” a dene direito familiar minina no que diz respeito, em particular, .stes tiltimos, varios aos direitos politicos’. E, em relagao a & Iej recor aldade perante a lei recor + fe pirvitos do Homem edo Ck a Brn eclaragtio explicita do principio d 66. A declaragdo explici rattonen ee s, da “Declaragao Fe, em numerosos documentos, da “Dec i dado” de 1789 a Constituigao republicana france emo el eiches, 849 cdo feminina, ver, Pett eke, stags entre Estado de Direltoe congo fe A. Phillips, Ci- Bresente volume, oeneaio de Anna Lorton Ptrganizado pod citi tizenship and Feminist Theory, em ce re ME Diets, Context Is All: Femini Wwrence and Wishart, London, 1991, pp. 76-88: 38 O ESTADO DE DIREITO critérios de discriminagao censitaria, teorizados tanto por Sie- yés como por Kant, serao aplicados durante muito tempo tam- bém em relagao aos cidadaos masculinos. Mas, a parte essas conclamadas anomalias, o Estado de Direito cancela, na Euro- pa, qualquer diferenciagao de status juridico, por exemplo, en- tre livres, libertos, servos e escravos"*. E nao reconhece mais como titulares de privilégios feudais garantidos por Cartas ou estatutos ad hoc, as cidades, as corporacdes, as baronias € os bispados. 4.2.2. A igualdade juridica dos sujeitos individuais - Todos 0s individuos sao iguais perante a lei. Gragas ao carater geral do instrumento legislativo, as situagdes subjetivas que esto compreendidas em determinado fato abstrato sao tratadas de modo igual, ou seja, 4 luz dos mesmos principios normativos e segundo as mesmas regras. Iguais, portanto, sao todas as con- seqii¢ncias juridicas de comportamentos juridicos equivalen- tes. Isto nao significa que o Estado de Direito tenda a equipa- rar os cidadaos em fungao de certos padres conteudisticos ou finalisticos. A igualdade juridica nao deve ser confundida com a igualdade “substancial” (com esta expresso genérica, no Ocidente, entende-se, na maioria das vezes, algum tipo de equilibrio das condigdes socioeconémicas dos sujeitos), nem deve ser confundida com um efetivo e igual gozo dos direitos and Theories of Citizenship, em C. Moutfe (organizado por), Dimensions of Radi- cal Democracy, Verso, London, 1992, pp, 63-85. Sobre a relagao entre diferen= ga de género ¢ direito, ver F. Olsen, Feminism and Critical Legal Theory: An American Perspective, “The American Journal of the Sociology of Law”, 18 (1900), 2; C. Smart, The Woman of Legal Discourse, “Social and Legal Studies”, 1 (1992), 1; T. Pitch, Diritto e diritti. Un percorso nel dibattito Semminista, “De- mocrazia ¢ diritto”, 33 (1993), 2, pp. 3-47; L. Ferrajoli, La difforenza sessuale le Saranzie delleguagtianza, ibid, pp. 49-73; M. Gragiosi,Infirmitas sexus, La dona nell“inmaginario penalistico, ibid, pp. 99-143; A, Facchi, i pensiero femminista stl Ahiritto, em G. Zanetti, Filosofi del diritto contemportnel, cit, pp. 129-53; G- Minda, Postmodern: Legal Movements, trad. it. cit, pp. 213-46. 68. Isto nao exclui, como mostramos ¢ como emerge de alguns ensaios deste volume ~ em particular os de Bartolomé Clavero e Catlos Petit ~ que, no Novo Mundo, 0 Estado de Direito tenha de fato reconhecido como legitima a escraviddio dos negros afticanos ¢ que, no decorrer do século XIX, as suas Htuigdes tenham sido impostas 4s populagdes ndo-européias de forma colo- nial, ou seja, iliberal e discriminatéria, INTRODUGOES 39 dos quais os cidadaos sao formalmente titulares. De fato, cada um € capaz de usufruir dos mesmos direitos (liberdade de pa- lavra, de ensino, de imprensa, de associagao, de iniciativa eco- némica etc.) em modos e quantidades diversas, e é apenas com relagdo concreta titularidade de tais direitos que cada um é tratado de modo igual em relagao aos outros titulares. Sob nu- merosos perfis juridicos, e nao apenas factuais, o proprietario diferencia-se do indigente, o trabalhador subordinado do tra- balhador auténomo, 0 filho menor de idade do pai, 0 cidadao do estrangeiro, o “condenado” do cidadao irrepreenstvel. Igual- dade formal significa, portanto, supressio do privilégio en- quanto discriminacéio normativa entre cidadaos que se encon- trem em condi¢des de fato juridicamente equivalentes. E signi- fica, portanto, ao mesmo tempo, remeter-se de modo implicito ao amplo repertério das desigualdades que de fato sao assu- midas pelo ordenamento como pressupostos legitimos de tra- tamentos juridicos diferenciados: entre elas, em primeiro lu- Bat, as socioecondmicas, que nao cabe ao Estado de Direito qua talis tentar atenuar ou remover”. » 4.2.3. A certeza do direito ~ O Estado de Direito se empe- nha em garantir a cada cidadao a capacidade de prever, em li- nha de prinefpio, as conseqiiéncias juridicas seja dos préprios comportamentos, seja dos atores sociais com os quais entra necessariamente em contato. Isso significa que, em um Estado de Dircito, todos os cidadaos ~ nao apenas os membros das elites sociais - devem dispor de meios cognitivos para prever quais tipos de decisdes poderdo ser tomadas no futuro em rela- Gao a eles pelos poderes do Estado, em particular pelo Executi- vo e pelo Judiciario. Entendida nesse sentido, a “certeza do di- reito” é um bem social difuso que contribui para o fortaleci- 69. Nao 6 certamente por acaso que nos iiltimos decénios do século XIX tenha sido precisamente Albert Venn Dicey a se empenhar numa dura polé- mica contra as nascentes formas do “Estado social”, aeusado de violar os prin- cipios fundamentais do Estado de Direito por causa das suas tendéncias coleti- vistas ¢ igualitérias: ver A. V. Dicey, Lectures on the Relation between Law and Pu- blic Opinion in England during the Nineteenth Century, trad. it. cit,, pp. 237-310. Sobre o tema da relacdo entre igtaldade juridica formal ¢ igualdacte substancial, vejam-se as incisivas paginas de Alf Ross, On Law and justice, Steven & Sons, London, 1958, trad. it. Diritto e giustizia, Uinaudi, Torino, 1990, pp. 253-72 40 O ESTADO DE DIREITO mento das expectativas individuais e para a redugao da incer- teza. Adotando a terminologia sistémica proposta por Niklas Luhmann, pode-se dizer que, garantindo a “certeza do direi- to”, o Estado opera uma “reducao da complexidade” que con- tribui para atenuar, nos cidadaos, o sentimento de inseguran- ca diante dos riscos do ambiente social e permite, portanto, uma interacao social mais estdvel, ordenada e funcionalmente econémica®. A contribuigéo especifica dada pela “certeza do direito” - enquanto redugao da inseguranga diante dos riscos de natureza jurfdica ~ 6 a possibilidade de que todos os cida- daos se dediquem com confianga aos proptios “afazeres” e rei- vindiquem com uma boa expectativa de sucesso os préprios direitos tanto em relacdo aos partners sociais como as autori- dades politicas. Para que se possa falar de “certeza do direito” 6 preciso, antes de tudo, que os cidadaos estejam em condigdes de saber qual € 0 direito vigente. Eles néo devem ser obrigados a igno- rantia legis, pela impossibilidade de conhecer com antecedéncia e de interpretar com relativa seguranga as normas juridicas que Ihes dizem respeito e que lhes serdio aplicadas pelas autoridades administrativas do Estado. B, portanto, antes de tudo, necessa- tio que as leis nao sejam secretas ¢ que os enunciados normati- vos sejam formulados claramente e nao déem lugar a antino- mias. E preciso, além disso, que as leis nao tenham eficdcia re- troativa, em particular em matéria penal, na qual deve valer 0 prinefpio nullum crimen sine lege. E visto que também a mais ab- soluta “certeza do direito” (do direito legislative) pode ser anu- lada por uma jurisdicao arbitraria; 6 necessario que vigore 0 principio do juiz “natural” (predeterminado por lei), com a co- nexa proibicao da instituigao de tribunais ad hoc”. Enfim, como 70. Sobre esses temas cf. N. Luhmann, Rechtssoziologie, Reinbek bei Hamburg, Rowohlt, 1972, trad. it. Laterza, Roma-Bari, 1977; N. Luhmann, Macht, Enke Verlag, Stuttgart, 1975, trad. it. Potere ¢ complessita sociale, Il Sag- giatore, Milano, 1979; cf. também D. Zolo, Function, Meaning, Complexity. The Epistemological Premisses of Niklas Luhmann’s “Sociological Enlightenment”, “Philosophy of the Social Sciences”, 16 (1986), 2. 71. Para a ctitica dos tribunais ad hoc, cf. A. V. Dicey, Introduction to the Study of the Law of the Constitution, cit., pp. 213-67. INTRODUGOES 41 sublinham com vigor polémico Bruno Leoni ¢ Friedrich von Hayek, a “certeza do direito” exige que o Poder Legislativo nao seja ele mesmo fonte de turbuléncia normativa. Isso pode acon- tecer se, com uma legiferacéo redundante, parlamentos ou go- vernos modificarem freqiientemente e de modo imprevisivel ~ sobretudo se nao estiverem vinculados ao respeito de normas constitucionais rigidas ~ a disciplina de casos concretos”. 4.2.4.0 hecimento constitucional dos direitos subjetivos -No centro do Estado de Direito existe o reconhecimento dos direitos subjetivos como atributos normativos “origindrios” dos individuos, ou seja, a atribuigao “positiva” de tais direitos a todos os membros do grupo politico. Para além das nota- veis divergéncias nas motivagées filosdficas e nas modalida- des de tutela — jusnaturalismo contra juspositivismo, univer- salismo contra particularismo, rigidez contra flexibilidade constitucional, judicial review of legislation contra 0 absoluto primado do legislativo -, as diversas experiéncias do Estado de Direito caracterizam-se pelo empenho constitucional em garantir os direitos subjetivos, atribuindo aos seus titulares o poder de fazé-los valer em ambito judicidrio também contra os drgaos do Estado. ie Se se acolhe a taxionomia histérico-sociolégica propos- ta por Thomas Marshall, os direitos subjetivos podem ser distinguidos em trés categorias: direitos civis, direitos politi- cos e direitos sociais”. Os direitos civis compreendem, além do direito a vida, os assim chamados “direitos de liberdade”: a liberdade pessoal, as garantias processuais do habeas corpus em relagao aos poderes repressivos do Estado, a liberdade de palavra, de pensamento e de religiao, a inviolabilidade do do- 72. Ver B. Leoni, Freedont and the Law, Van Nostrand, Princeton, 1961, trad. it. Liberilibri, Macerata, 1994, em particular as pp. 67-86; F. A. von Hayek, Lav, Legislation and Liberty, Routledge and Kegan Paul, London, 1982, trad. it. 1! Saggiatore, Milano, 1994, pp. 114-7. 73. CE. T. H,, Marshall, Citizenship and Social Class, em T. H. Marshall, Class, Citizenship, and Social Development, The University of Chicago Press, Chicago, 1964, trad. it. Cittadinanza e classe sociale, UTEL, Torino, 1976. Para uma critica da triparticao marshalliana, ver L. Ferrajoli, Dai diritti del cittadino ai diritti della persona, em D. Zolo (organizado por), La cittadinanza. Apparte- nenza, identiti, diritti, Laterza, Roma-Bari, 1994, pp. 277-83. 42 O ESTADO DE DIREITO micilio, a confidencialidade das comunicagGes pessoais e as- sim por diante. Estritamente relacionados estao os direitos patrimoniais — no centro dos quais estd o direito de proprie- dade e a liberdade de iniciativa econémica -, a autonomia de negociagao (ou seja, o poder de realizar contratos com valor vinculante entre as partes), 0 direito aos servigos do sistema judiciario, Os direitos politicos sancionam o interesse dos cidadaos de participar do exercicio do poder politico como membros de Orgaos investidos de autoridade deciséria ou como eleitores de tais orgéos: o sufrdgio geral para a eleigdo do Parlamento e das outras assembléias ptiblicas é a expressdo principal desse di- reito. Enfim, os direitos sociais — ao trabalho, a satide, a instru- 40, a habitacdio, a assisténcia e previdéncia social etc. ~ corres- pondem tentativa de conferir dimensao normativa ao inte- resse dos cidaddos em um nivel de educagéo, de bem-estar e de seguranga social adequados aos padrées predominantes em determinado pais (industrialmente avancado). Se se acolhe essa tripartigdo, pode-se afirmar que 0 Esta- do de Direito concede a sua protegao essencialmente aos di- teitos civis, enquanto coincidentes com a dimensao da “liber- dade negativa”’. Na segunda metade do século XIX, a prote- Cao foi estendida, nao sem tensdes, dificuldades e lacunas, aos direitos politicos, ao passo que os “direitos sociais”, objeto, no decorrer do século XX, de uma parcial tutela por parte do Wel- fare State europeu, permanecem substancialmente estranhos & l6gica funcional do Estado de Direito. Segundo essa ldgica, a titularidade dos direitos civis ¢ politicos deveria permitir a cada cidadao empenhar-se livremente como an independent unit na 74, Sobre a distingdo entre “liberdade negativa” ¢ “liberdade positiva”, Ver o classico ensaio de Isaiah Berlin, Two Concepts of Liberty, agora em 1. Ber- lin, Four Essays on Liberty, Oxford University Press, Oxford, 1969, trad. it. Fel- trinelli, Milano, 1989, pp. 185-245; sem esquecer G. De Ruggiero, Storia del li- Leralismo europeo, Laterza, Bati, 1925. Sobre o debate sucessivo: R. Young, Personal Autonomy: Beyond Negative and Positive Liberty, Croom Helm, Lon don, 1986; D. Parfit, Reasons and Persons, Clarendon Press, Oxford, 1984, trad. it Milano, Il Saggiatore, 1989; E, Santoro, Antonomia individual, iverth e dirit- ti, ETS, Pisa, 1999. ~ funcional em relaco ao | INTRODUGOES 43 interagao social. E deveria justificar, ao mesmo tempo, a pre- sungao segundo a qual todos os individuos disponham dos ins- trumentos juridicos suficientes para se afirmarem socialmente sem recorrer a paternalistica protegao do Estado”. 4.3, O principio de diferenciagao do poder O principio de diferenciagdo do poder, como elemento caracteristico do Estado de Direito, apresenta, como indiquei, dois aspectos essenciais: 1) 0 da autodiferenciagao do subsis- istemas fun- tema politico-juridico em relagao aos outros sul cionais; 2) o da diferenciagao i i em um processo que aumenta a sua complexidade, esp zacao e eficiéncia, dando vida a uma pluralidade de estrutu- ras ¢ de modalidades diversas de exercicio do poder. Esse pro- cesso, como ¢ notério, foi interpretado (e vulgarizado) pela teoria politica liberal, de Montesquieu em diante, como uma estratégia de “divisio dos poderes” intencionalmente objeti- vada ao equilibrio entre os drgaos do Estado, ao “governo moderado” e, como tiltimo corolario, a protegao dos direitos subjetivos”. No que se refere ao primeiro aspecto, pode-se considerar que o Estado de Direito europeu se caracteriza, em relacdo as formas politicas do passado, pelo seu alto grau de autonomia istema ético-religioso e ao eco- némico, E gracas a essa autonomia que 0 pressuposto indivi- , dualistico se impGe no Estado de Direito contra o remoto mo- delo organicistico. A definicao juridica - e nao ético-religiosa de faculdades, pretensdes e poderes dos individuos singulares remete de fato ao processo geral de “positivizagio do direito” como seu necessario pressuposto funcional. O ordenamento juridico “positivo”, também nas suas versdes jusnaturalistas, 75. Cf. T. H, Marshall, Citizenship and Social Class, cit, pp. 95-6. 76, Para uma discussio analitica dos diversos possiveis significados fun- cionais da “separagao clos poderes”, ef. R. Guastini, I! diritto come linguaggio, Giappichelli, Torino, 2001, pp. 73-80. 44 O ESTADO DE DIREITO funda em definitive o valor normativo das suas prescrigdes no “contrato social”, ou seja, na vontade concorde dos membros do grupo, sem mais nenhuma referéncia direta a deontologias transcendentes”. F gragas a essa conquista evolutiva que, na Europa, 0 ordenamento juridico, livrando-se do seu tradicio- nal inv6lucro ético-religioso, liberta-se também da sua anco- ragem ao organicismo aristotélico-tomista e a sua concep¢ao monista da verdade e do bem. Isso vale, em particular, como vimos, para a tradigao inglesa do common law e para a filosofia liberal que, na Alemanha, batizou o Rechisstaat. E se deve ain- da a elevada autonomia funcional do ordenamento juridico ° fato de que, no Estado de Direito, estabiliza-se o principio da igualdade “formal” dos sujeitos: uma igualdade que abstrai da posigao diversa que cada sujeito ocupa no interior do sistema de estratificag&io econdmico-social, fundada na propriedade, no poder, nas relagdes de parentesco. Nao por acaso, esse as- pecto “formalistico” e “atomistico” teria estado no centro da critica comunista do jovem Marx contra o “direito igual” e as “liberdades burguesas’™. E, por outro lado, tanto a unicidade- individualidade do sujeito quanto a igualdade juridica formal dos sujeitos so, por sua vez, fatores funcionais que concor- Tem para o desenvolvimento de uma economia de mercado, também ela desvinculada de pressupostos organicistas e de fi- nalidades ético-religiosas”. No que se refere ao segundo aspecto ~a diferenciagaéo fun- cional interna -, o Estado de Direito é um sistema politico de alta complexidade, antes de tudo pela sua diferenciagdo em dois setores formalmente distintos: de_um lado, o ambito da 77. Sobre 0 tema da “positivizagio do direito” como pressuposto do tado moderno e em particular do Estado de Direito, ef. N. Luhmann, Grundrech- teals Institution, Duncker und Humblot, Berlin, 1965, pp. 16 ss. 186-200. 78. CE. K, Marx, Zur Judenfrage, em Marx-Engels Werke (MEW), vol. 1, Institut ffir Marxismus-Leninismus, Berlin, 1956-69, p. 364, trad. it. em La questione ebraica ed altri scritti giovanili, Editori Riuniti, Roma, 1969. Sobre 0 tema, ver a recente contribuigdo de G. Lohmann, La critica fatale di Marx ai di- rit wmani, em “Studi perugini” (1998), 5, pp. 187-99. 79. CE.N. Luhmann, Politische Planug, cit., pp. 35-45, 53-89; sobre o te- ma, pode-se ver D, Zolo, Complessita, potere, democrazia, agora em D. Zolo, Complessitiie democrazia, Giappichelli, Torino, 1986, pp. 69-90. INTRODUCOES 45 conquista e da gestdo do poder politico por meio da organiza- gao dos partidos e os rituais eleitorais; de outro, a atividade ad- ministrativa, unificada pela fungao de emanar decisées vincu- lantes por meio de procedimentos burocraticos”. No Estado de Direito, diferentemente dos regimes despéticos ou totalitarios, os partidos (como os sindicatos) nao so érgaos da burocracia estatal e nao tém o poder de emanar decisdes vinculantes erga omnes, Por sua vez, a atividade administrativa articula-se se- gundo duas fungdes que, em linha de principio, tendem a ser desenvolvidas em ambitos institucionais diversos e com pro- cedimentos distintos: de um lado, a atividade legislativa, atri- buida principalmente a Parlamentos eletivos, que tm 0 poder de emanar normas gerais e abstratas; de outro, confiada essen- cialmente & administraco propriamente dita, a atividade de aplicacéo das normas gerais, ou melhor, de emanagao de deci- sdes vinculantes para cada caso concreto". Enfim, no interior da administragdo desenvolveu-se um ulterior processo de au- tonomizagao funcional: a magistratura judicante “separou-se” do executivo, subtraindo-se aos vinculos da dependéncia bu- rocratica, e emana decisdes com base em um (problematico) pressuposto de imparcialidade e autonomia politica dos pré- prios funcionarios. De modo muito esquemitico, pode-se, por conseguinte, afirmar que, nas experiéncias histéricas do Estado de Direito, o principio de diferenciagao do poder se expressa através das seguintes das modalidades institucionais: 4.3.1. A delimitagdo do dmbito de exercicio do poder e de apli- cactio do direil processo de autodiferenciacao dé sistema politico, que alcanga 0 seu nivel maximo no Estado de Direito, produz dois efeitos simétricos: de um lado, tende a excluir a interferéncia funcional dos subsistemas ético-religioso e eco- ndmico do ambito da politica e do direito; de outro, define de 80. Cf. N. Luhmann, Politische Planug, cit,, pp. 42, 62; N. Luhmann, Rechtssoziologie, ttad. it. cit, p. 238. 81. Na perspectiva do realismo juridico, como & not6rio, a atividade do executivo e em particular do poder judicidrio consiste na criagio de normas ad hoc para a decisio de casos concretos individuais, Ver, para todos, A. Ross, On Law and Justice, trad. it. cit,, pp. 103-48. ee O ESTADO DE DIREITO modo explicito o Ambito funcional do subsistema juridico- politico por meio de uma limitagao (ou autolimitacao) da ace berania interna do Estado. A demarcacao entre “esfera publi- * ca” e “esfera privada” determina-se no sentido de excluir da competéncia da politica e do direito a érea que, na Europa, de Ferguson a Marx, foi chamada de “sociedade civil” (civil so- ciety, bitrgerliche Gesellschaft). Essa 4rea compreende, de um lado, o Ambito da privacy, ou seja, as crencas e as praticas Te ligiosas, as experiéncias sexual e familiar, as comunicagoes ¢ informagGes pessoais, as expressdes da criatividade literdria artistica etc.; de outro, inclui o ambito da autonomia de nego- ciagao, das iniciativas empresariais e das atividades patrimo- iais em geral. oe 4.3.2. A separaciio entre instituigdes legislativas e institnighes administrativas — Como vimos, no Estado de Direito, a fungao de emanar normas gerais ¢ abstratas (lei) é atribuida a drgaos especializados (os Parlamentos), ao passo que aos outros apa- relhos burocraticos (0 executivo eo judiciério) é atribufda a ta- tefa de “aplicar” as leis, ou seja, mais precisamente, de ema- nar normas individuais (atos executivos e sentencas) e de pro- ver 4 sua “aplicagdo”. Embora uma distingdo rigorosa entre Posicao de normas gerais (legis latio) e aplicacéio de normas (legis executio) seja ardua a ser delineada, é indubitdvel que © Estado de Direito se organiza segundo um esquema dual que, em prinefpio, “separa” as instituigdes legislativas das institui- g6es administrativas, 4.3.3. O primado do poder legislativo, o principio de legalida- de, a reserva de legislagiio ~ No Estado de Diteito, 08 6fBa0s que tém o poder de emanar normas gerais (leis) gozam de um pri- mado funcional com tespeito aos rgdos que desempenham a fungdo de regular os casos concretos, emanando normas indi- viduais (disposicées do executivo e sentengas). Esse primado pode ser mais ou menos absoluto em relacdo a maior ou me- nor subordinagio do poder legislativo aos princfpios constitu- clonais ¢ em relago a intensidade do controle de constitucio- nalidade'das leis, eventualmente confiado a Orgios judiciarios. Em todo caso, toda a estrutura normativa e institucional do Estado de Direito 6 modelada pelo “principio de legalidade”, INTRODUGOES 47 segundo o qual qualquer ato administrativo ~ executivo ou ju- dicidtio — deve ser “conforme” a uma norma geral preceden- te, A mesma l6gica corresponde o instituto da “reserva de le- gislagao”, que atribui apenas ao poder legislativo a competén- cia de emanar normas gerais em matéria de direitos subjeti- vos, excluindo desta fungdo tanto o poder executivo como o judiciario. 4.3.4, A subordinagéo do poder legislativo ao respeito dos di- reitos subjetivos constitucionalmente definidos — O problema dos” limites do poder legislativo 6 um dos térias mais delicados e controversos na experiéncia do Estado de Direito. Seja como for, pode-se considerar que, mesmo de formas muito diversas, em todas as experiéncias histéricas do Estado de Direito, o po- der legislativo encontra os limites que Ihe derivam do dever de respeitar os direitos subjetivos reconhecidos pela Constitui- cdo. Esses limites apresentam carater preponderantemente i plicito ~ ou seja, politico — na Gra-Bretanha, na Alemanha e na Franga, ao passo que possuem natureza eponderantemente juridica (judiciaria) nos Estados Unidos. (7: . 4.3.5. A autonomia do poder judicidrio- A magistratura ju- dicante — uma exposicao diversa € muito complexa deveria ser feita para a magistratura de investigacdo - esta “submetida apenas lei”. A funcio jurisdicional distingue-se no interior da atividade administrativa por seu anscio em se colocar den- tro de um espago institucional “terceiro” e neutro em relagao aos interesses politico-sociais em conflito. Por essa razio, no exercicio dos seus poderes decisérios, o juiz opera independen- temente de qualquer vinculo de dependéncia hierarquica, em particular em relagéo as ctipulas do poder executivo que, por sua natureza, exprimem as orientagdes ideolégicas e politicas de determinada maioria de governo. 82. A “conformidade” do ato administrative - executivo ou judiciario ~ a.uma norma geral prévia é, como se sabe, tema altamente erso; cf, por exemplo, R. Guastini, I! giudicie ¢ la legge, Giappichelli, Torino, 1995, pp. 35-66. 4 48 O ESTADO DE DIREITO 5. ° estatuto epistemolégico, a estrutura filos6fico-politica ¢ og limites de validade da teoria veri 2 teopenae febtea apresentada no pardgrafo anterior de- comecado: a ae fae ice exigéncia da qual este ensaio tinha fosse ae situar uma teoria do Estado de Direito que mo tempo, iti 0 Laie de vista hist6rico e que fosse, ao mes- para a com, cm termos cognitivos, a fim de ser utilizada Ar Preensao e a solugao de problemas praticos. ae afore tedrica do Estado de Direito que foi pro- supostos de pri ce um quadro unitario e coerente dos pres- Postos de principio e das modalidades normativas ¢ insti- tucionai: oriz als que caracterizaram as experiéncias histéricas mais ee a ae levantes do Estado de Direito, Essa teconstrugao deveria Ser persuasiva de um ponto I d de vista histérico, mesmo que, obvia i Baldiaadh fruto de uma das miiltiplas interpretagdes fae eee “nomeno altamente complexo. Em todo caso, fo pleas nae oe que atribui um significado mui- distingwe de ¢ vo ie “Estado de Direito” (ou rule of law) ea Sadan tel $ Com as quais ela foi freqiientemente tro- icado repertério de conceitos, formulas e postula- gundo essa interpretacao, eed longo tempo submergida. Se- nido como a versio do Estado Estado de Direito” pode ser defi- uma filosofia individualista on sare See rect : : 10 diiplice coroldri imis otestativo e is 0 duplice coroldrio do pessimismo fas a ioe otimisma normativo) e através de ore de di- a fungi priméria eae poder, atribui ao ordenamento jurtdico tando, com essa finalidade a Ge vis ¢ politicos, contras- . ie 7 al fie at . prevaricagiio, ‘nctinagao do poder ao arbitrio ¢ a Trata-se agora d 7 te € precisar i licacdes filoséf Ft 9 Status epistemologi im- ta on co-politicas ¢ os limites de valldade ‘lee ous ia. apes : i Possivel experimentar a sua utilidade cogniti- va, colocando-a em a confronto co: js que, no contexto dos processos a a © conjunto de problemas integracd i complexificaca i rings lca dosage le reeraeese Obviamente pet © a limitacio do anbittio 0- dos segundo uma ab 4 ‘je, esses temas devem ser dis scat abordagem que dé ampla relevancia & di- INTRODUCOES 7 mensao internacional e transnacional, indo, por isso, muito além do espago do Estado de Direito, que é o do Estado na- cional soberano®. 5.1. O estatuto epistemolégico No que diz respeito ao estatuto epistemoldgico da teoria Proposta, é importante sublinhar principalmente o seu carater “avaliatério” e n&o formalista. Mesmo nao sendo uma teoria geral da justiga e nao se inspirando em uma metafisica ético- politica de tipo classico, a teoria do Estado de Direito implica, como vimos, algumas opgdes especificas acerca dos fins da polt- tica e do direito. A mesma hostilidade em relag&o ao poder arbi- trario e a mesma aspiragao A certeza do direito - temas que al- uns autores interpretaram como axiologicamente adidforos* — temetem a uma nitida pressuposicao de valor, uma vez que ex- pressam preferéncia por uma ordem politica racional e previsi- vel, na qual 0 direito garanta, antes de tudo, a liberdade dos su- jeitos individuais e a seguranca das suas transacGes (deixando em segundo plano os temas “comunitdrios” da justiga, da soli- datiedade, da igualdade social). Mesmo nao sendo um projeto ético-politico de construgao da “étima reptiblica” — 0 Estado de Direito nao é um “Estado de justiga”*’ - e mesmo confiando-se ao instrumento funcionalmente diferenciado do direito, o Esta- do de Direito é inconcebivel fora de uma antropologia tipica- mente “ocidental”: individualista, racionalista, secularizada. Nao parece sequer sustentavel que a teoria do Estado de Direito se limite a recomendar alguns procedimentos destituf- 10 a expressio “espaco politico” no significado pregnante pro- posto recentemente por Carlo Gallina sua coletdnea de ensaios, Spazi politic. Leta modema e Veta global, il Mulino, Bologna, 2001 84. CEP. P. Craig, Formal and Substantive Conceptions of the Rule of Lavo, cit., pp. 42-5; J, Raz, The Rule of Law and its Virtue, cit., pp. 195 ss. J. Raz, The Rule of Law, em J, Raz, Tite Authority of Lavo, cit,, passi ce 85. Sobre a contraposigio entre Estado de Diteito e “Estado de justica”, Veja-se G. Fassd, Stato di diritto e Stato di giustizia, em R. Orecchia (organizado pot), Attas do VE Congresso nacional de filosofa do direito, Pisa, 30 maio-2 junho de 1963, Giuffre, Milano, 1963. 50 O ESTADO DE DIREITO dos de contetidos prescritivos, que seja uma ap aeet rs roca see om fe 6 do Estado de i Certamente, sob muitos aspectos, o mode- ou em monta eer ted Tesolve em técnicas procedimentais aparecer come “for ucionais que, enquanto tais, podem certeza do direito, ee axiologicamente indeterminadas. A contetidos das aoa ane Pode parecer indiferente a03 uuma legislagio racists gene mod? que se poderia afirmar que to, desde que as suas Scja compativel com o Estado de Direi- e nao-retroativas: ca a Ssjam claras, ndo-contraditérias argumentos andlopos ane Palavras, la légalité qui tue. Com deria ser entendign e ambém o “principio de legalidade” po- pretende, por ex : ee sentido puramente formal, como , mplo, Antonin Scalia com a sua interpretagao do rule ee oe S of Tulles*, Isso nao implica, de fato, ne- - bre os dl i or peridast oes , 's contetidos da lei, nem Por parte da administragao que € obrigadaa aplica-la, nem por 7 que sio os se inatéri | Essas interpretagdeg us destinatarios finais. teoria do Estado de Direit Parecem ignorar, todavia, que, na mais nao sio 5 ” Institui¢des e procedimentos for- Bucm 0 objetivo da tutela d Prio legislador esta obr; a tos Tae sda a Pane ae instituigdes ¢ Procedimen- &, de resto, enunciado ¢ Tumentagao linear desse objetivo, que las tradigdes constituein eros OBetES pelos textos ou pe- minador axiome ee Descurando esse simples e ilu- Direito - como a itr erpretacdes formalistas do Estado de cracia~revelam, ma 7 nes teorias procedimentais da demo- trina formaliste a a lidade, a falacia geral de qualquer dou- malismo lingtifoti Polftica edo direito, Para nao falar do for- remetem®”. ‘0 € cognitivo as quais essas implicitamente -_ 86. CEA, Scalia, Ty Bas \ The Rule of Law as Biro I Lecture, “Horvat ee ies tr of Rules Oliver Wendell Holmes ie de Brunei Casalini , 9), 4; e ver, neste volume, - CE. D. Zolo, Reflexive Ey : racy and Complexity, Stopes eaten, Sty PP. 167-77; D, Zolo, Demee- INTRODUCOES 51 5.2, Estado de Direito e teoria dos direitos subjetivos A doutrina do Estado de Direito 6 provavelmente o patri- ménio mais relevante que, hoje, nos infcios do terceiro milé- nio, a tradigao politica européia deixa em legado a cultura po- litica mundial. A sua excepcional relevancia tedrica esta na (al- cancada) tentativa de assegurar no interior e por meio de uma Particular organizagao do poder politico — um Estado nacional ~ a garantia das liberdades fundamentais do individuo. O Es- tado de Direito conjugou, em formas originais em relagdo a qualquer outra civilizacio, a necessidade de ordem e de segu- Tanga, que esté no centro da vida politica, com a reivindicagio, muito forte no interior de sociedades complexas, das liberda- des civis e politicas. A invengio do “direito subjetivo” como expressao juridica da liberdade individual 6, além da indubité- vel eficdcia das técnicas de diferenciagao do poder, a chave da sua originalidade e do seu sucesso. Essa “invengao” afirmou- se no decorrer de alguns séculos como modelo geral na Euro- Pa e na América setentrional, e 0 seu sucesso foi corroborado no decorrer do século XX pelos desafios, ambos perdedores, do autoritarismo fascista e do coletivismo marxista. Hoje o seu modelo nao é apenas sem alternativas no interior do mundo ocidental, mas parece destinado a se impor no plano interna- cional como condigSo de racionalidade, de modernidade e de Progresso nas culturas de todos os continentes, mesmo na- quelas mais distantes da civilizagao ocidental, como as cultu- tas islimicas, as autéctones americanas e africanas e, na Asia Oriental, 0 hinduismo, o budismo e o confucionismo". 88. Sobre a relagdo entre a tradi¢ao ocidental do Estado de Direito ea Cultura juridico-politica islimica, ver, neste volume, as contribuigdes de Raja Bablul, Baudouin Dupret e Tariq al-Bishri. Em geral: A. Abu-Sahlieh, A. Sami, Les Musulmans face aux droits de 'honime: religion, droit, politique, Winkler, Bo- chum, 1994; G: Gozzi (organizado por), Islam e democrazia, il Mulino, Bolog- ha, 1998; titeis indicagdes tematicas ¢ bibliograficas em M. G, Losano, I grandi Sistemi givridici, Laterza, Roma-Bati, 2000, pp. 325-80. Sobre a relagao entre a outrina ocidental dos direitos do homem e a tradigio sino-confuciana (¢ so- bre a vexata quaestio da violacao dos direitos subjetivos na China), ver, neste volume, os ensaios de Wu Shu-chen, Cao Pei, Lin Feng, Wang Zhenmin ¢ LiZhenghui, Em geral:J. A. Cohen, Contemporarey Chinese Law: Research Problems a O ESTADO DE DIREITO Existem, todavia, pelo menos trés questdes tedricas, aa tivas A Mstrumentagao conceitual do Estado de Direito e as ae implicagdes institucionais, que deveriam ser colocadas e a sivelmente Tesolvidas, Para que se possa afirmar a universal : aie i inter- dade da doutring ou endossar sua tendéncia a se impor int nacionalmente. A primei © modelo do Estado de Direito Bunda questio n, co) da soberani €a teoria democratica; a ee asce da oposicao entre o principio eee a popular e a tendéncia de grande parte mh Stado de Direito de Propor um endurecimento Bill of Rights Constitucional; a terceira questao se refere as fundamentos filos6ficos e, Portanto, a universalidade da teoria dos direitos Subjetivos (ou, no léxico internacionalista, “direi- tos do homem’), 5.2.1 ‘emocratico”), mesmo nas suas versdes mais fracas, inspiradas na critica “schumpeteriana” da democracia Patticipativa e daquela Tepresentativa®, Se & verdade que res- Peitdveis Pensadores liberal-democratas, a partir de Norberto Bobbio, Ralf Dahrendorf ¢ Jiirgen Habermas, consideram a Protecdo dos direitos Subjetivos como conditio sine qua non de i Co, testa o fato de que as ireito sio, enquanto tais, indiferen- aalguns aspectos centrais da concepgio demo- instituigdes do Estado de Di tes em relacaio Cambridge (Mass), 1970; E. » ing tov 1981; W. Chenguang, Z. Xianchtt {CrBanizado por), Introduction Chinese Laxo, Sweet & Maxwell Asis Hong- kong-Singapore, 1997, J. Ta0, The Chinese Moral Ethos and the Concept of Indi vidual Rights, “Journal of Applied Philosophy”, 7 (19syy 9 H.Y. Chen, Chinese Cultwral Tri Rights, Amnesty International zembro de 1997; M. G, Losano, ‘ma mais geral: W, Schmale (or- i ity: Europe, Islamic World, ‘ach, Keip, 1993; Mf. Yasutomo (organizado por), Law in a Bein ee Asin Altematives, “Archiy fii Rechtsund Sozialphilosophie”, 89. Sobr © 0 tema, pode- pp. 54-98, Se ver D, Zolo, Democracy and Complexity, cit., 53 INTRODUGOES ae Atica - cldssica e pés-classica - eae sass do ln implicita referéncia ao carater rep’ So ote! Sena a teoria do Estado de Direito nao aide poder legislativo, a i sobicianta popula: efetiv i ipa ae dos edad songs decisdes coletivas, as regras a ape eee Se aduanie o pluralismo dos vas a da Tep itica as responsiveness dos eee ‘4 e Direto se con- eae poe dru ob do totalitério a o Beta absolutista classico, ao Esta penne moderne eon seal ao Estado de policia. Nao ee ae asin ic te mes oligdrquicos ou Codiuutey “ ae Huleicrieer a eaids por uma despolit an eta pent ies diferencas econdmico-sociais. O a = politica clea em maior sintonia com a tra aca nual de nepirens sHberal do que com uma filosofia politi : ae 7 leg reso sabilidade civil dos cidadaos, a ane pie aoe sd Ge cor unicagao politica, a vitalidade da selina bli ee - Pela do Estado de Direito, a aaa taal arbi- dade waa parece derivar Peace epee : , o érgdos estatais, na A : ae Sea ae a ede outros sujeitos da vida prevari de. 2 a serianistaaa internacionalizagaio do ee nee do de Direito pode comportar uma one 7 eiiaoinon fo ional de alguns valores que na Europa sa vale hoje, con- Gand pattindnio da doutrina aa paeat aaa < integraga Hes cretamente, nee ° lees ci i os scr do" ae Bit deme ratico” tas atuais instituigoes ee tance on arpa temas de tutela dos direitos epee ai Sontetene aes pela cipula de Nice com ; erode ue Catta doe direitos fundamentais”. E 0 risco res da democra- 9 una “definigGo minima” das reggae dos valores d i ser Bobb della democrazia, Binaudi, Rae oer ca ea a contibugio de R. Bellamy ¢ Dario Castigo he neste volume. Sot Europa, em G. Zag LP. ra Grimm, Una Costituzione ver pa oe Pi Ti ‘se ae ye Costituzione per Europa? Os Pp. 339-67; J. Habermas, 2 OESTADO DE DIREITO presente concreta e dramaticamente também em escala glo- bal, como indica o contraste, de um lado, entre as grandes po- téncias ocidentais e, de Outro, numerosos paises nao-ociden- tais e um denso Brupo de associacdes nao-governamentais e de movimentos politicos transnacionais. As poténcias ociden- tais estao alinhadas a favor de uma expansio internacional do modelo do Estado de Direito e de uma intransigente defesa da universalidade, interdependéncia e indivisibilidade dos “di- teitos do homem”. Os outros interlocutores sio muito mais sensiveis ao que eles chamam de “direitos coletivos”, abran- gendo a reducao das desigualdades econdmico-sociais, a Protecao da identidade cultural e a da autonomia politica dos Povos, a luta contra a pobreza e as doengas epidémicas, a li- bertagao dos paises economicamente atrasados do endivida- mento externo”, 5.2.2, Constituigéo, direitos Como vimos, discutindo em Pp ttucionalismo estadunidense ~ um discurso a parte foi res Sd0 possiveis duas abordag: subjetivos, soberania popular — articular a experiéncia do cons- € do constitucionalismo francés ervado para a “excecao” inglesa -, ens diferentes no que se refere ao tema da garantia constitucional dos direitos subjetivos aoe Por comodidade, poderfamos chamar tespectivamente de “li- beral” e “democratico”, Grimm, ibid., pp. 369-75; R, Bellamy, do por), Democracy and Constitutional Culture in the Union of Europe, Lot Foundation Press, London, 1995; R. Bellamy (organizado por), Constitution alism, Democracy and Sovereignty: American and European Perspectives, Al- dershot, Avebury, 1996; G, - Rusconi, Quale democrazia costituzionale?, La Corte Federale neita politica tedesca e 1 problema della costituzione europea, “Ri- vista italiana di scienza politica”, 27 (1997), 2; M. Tela, L Europa attore inter- nazionale: potenza civile ¢ nuovo multilateralism, “Europa Europe”, 8 (1999), 5, pp. 37-56, : 92. Ver, por exemplo, a “Banjul Charter on Human and People’s Rights’ aprovada em 1981 pela Organizagéo da Unidade Africana, na qual os direitos econdmico-sociais, concebidos como direit coletivos dos povos, tém uma nitida preponderiincia om relagio aos diteitog Politicos dos individuos; igualmente pode-se dizer @ propdsito da “Carta arabe dos direitos do ho- rem”, aprovada no Cairo em setembro de 1994; cf. em geral R. J. Vincent, Human Rights and Internati nal Relations, Cambridge University Press, Cam bridge, 1986, pp. 39-44, V. Bufacchi, D. Castiglione (organiz 55 INTRODUCOES aaco aduniden- A abordagem liberal ~ Tipica da Pia mil pe Rgh a fonte Se, a abordagem liberal tende a fazer ee eae tutelamlae da obrigatoriedade dos princfpios e das neg : do Estado de 'iberdades fundamentais. A validade Gonalidade e de funda- Direito deriva de um postulado de racionali a seus princi- Mento jusnaturalista (ou quase ee ~ nem se- Pios, de modo que nenhuma maioria par! iwi Su erelplet quer 0 consenso undnime dos membros das iene que dizem Vas ~ pode revogar as normas do texto saad de liberda- Tespeito, por exemplo, ao direito 4 vida, aa iniciativa econd- de, ao direito de propriedade, a liberdade ae dessas normas, mica. Uma decisdo parlamentar de revogaca wistos para a re- Tian? due tespeitasse os procedimentos ada constitucional- visaio constitucional, deveria ser considera : mente eversiva e, portanto, nula e eee ing corolarios de Dessa posigéo de principio derivam al ar deriva antes grande relevancia procedimental e instituci a do Estado de tudo a exigéncia de estabilizar os fundam Se ae eg de Diteito, tornando o mais possivel rigidas La in subjetivos, Constitucional relevantes para a tutela dos aoe ate procedi- Prevendo maiorias qualificadas e outros a or parte das Mentais para a revisdo do texto aes Le almen- assembléias parlamentares, Em segundo eel também do te, é necessatio prever uma limitagao instituc jos um sindicato Poder legislativo, confiando a 6rgaos judiciar sobre a produ- © Constitucionalidade com eficacia erga ontnes 40 das leis, adoura, im- Na segunda metade do século XX, Ea a ‘ieee Soa Portante excegéio da Gra-Bretanha, a Toe: “inicialmente sur- Mos a falar, essa Posigao “liberal”, que tinha ante também na Bido nos Estados Unidos, tornou-se co particular na €xperiéncia do constitucionalismo europeu ~ identificar tout Alemanha e na Italia — e acabou assim por ab Direito. Essa Court com a doutrina continental do ee ee fundamen- Fae fo beta” faz.com que a garantia dos dieltos anda tais dependa do recfproco controle e oe ae sob a vigilante “poderes constitufdos”, inclusive o legis Hans Kelsen havia Protecéo da Corte Constitucional, como Sefariaacee ains- Proposto com autoridade. Ao mesmo temp %6 O ESTADO DE DIREITO tancia “demoeratica” que faz do Poder constituinte a fonte de toda possivel legitimidade constitucional”. E recusa-se, com maior razdo, a idéia da onipoténcia do 7 de ser sendo uma “democracia constitu- cional”, ou seja, uma democracia limitada por uma Con Sao liberal na qual og “direitos fundamentais”, como escreve Ferrajoli, sfio considerados inalienaveis e inviolaveis e por ce indecidiveis por Parte de qualquer maioria politica e de qual- quer poder, porque subtraidos a soberania popular’, a A abordagem democratica - A tutela dos direitos subjetivos © mais em geral, a definig&o dos Orgios do Estado e das suas fungdes devem depender, segundo essa abordagem, do poder constituinte da comunidade politica e da Permanente iniciati- va dos seus membros. Essa Posic&o voluntarista nao identifica @ Constituicao com a garantia dos direitos e a separagao dos Poderes, como pretendia o célebre artigo 16 da Declaragao dos Direitos do Homem e do Cidadao, de 1789", Uma Consti- tuigdo é plenamente tal, mesmo que nao seja deduzida de prin- cipios liberais, desde que tenha sido livremente desejada e de- mocraticamente deliberada Pela maioria dos membros do gru- Po politico organizado. O modelo de refi feréncia, nesse caso, é a experiéncia revolucionaria francesa, que precedeu a elabora- Sao da teoria do Etat de dro it © que, alids, Carré de Malberg cri- ticou diretamente. Na experiéncia francesa, a afirmagao dos 23. Ver, neste volume, o ensaio de Giorgio Bongiovanni i 94. CEL. Fetrajoli, Democrazia ¢ Costituzione, em G. Zagrebelsky, P. P. Portinaro, J. Luther (organizado Por), Il futuro della costtuzione, cit, pp. 323- sobre o tema, ver também S. Holmes, Precommitment and the Paradox of Demo- cracy, em J. Elster, R. Slagstad (organizado por), Constitutionalism and De- paciacy, Cambridge University Press, Cambridge, 1988, trad. it, em G. Zagre- belsky, P. P, Portinaro, J. Luther (organizado Por), Il futuro della costituzione, cit, pp. 167-208; em geral: U.K. Preuss, Zin Begriff der Verfassung. Die Ond- nung des Politischen, Fischer Verlag, Frankfurt, 1994; J. L. Jowell, The Changing Constitution, Clarendon Press, Oxford, 199: L. Compagna, Gli opposti sentieri del costituzionalisma, it Mulino, Bologna, 1998; A. Barbera, Le bast filosofiche del Costituzionatismo, em A. Batbera (organizado por), Le basi Silosofiche del costitu- zionalismo, Laterza; Roma-Bati, 1997; E. Ripepe, Riforma delin Costituasone o assalto alla Costituzione?, Cedar, Padova, 2000. 95. "Toute socier 6 dans la quelle la garantie ni la séparation des povoits déte des droits n’est pas assurée, Tminée, n/a point de constitution.” 57 INTRODUCGOES ti ‘am vitoriosas direitos foi o resultado de lutas politicas aa indo do éxi- também gragas ao apoio das errant ae poderes to de um sofisticado e burocratico equilibri tutela das liberda. do governo “misto” ou omodeteae pain sttucional ou o sin- des, afirma-se, conta menos a rigidez cons' uma vigilante opi- dlicato de constitucionalidade das leis do ae competente, nido pablica, um debate politico-jurfdico iibiet eine oatiose uma permanente iniciativa popular que referendétia) das uma tempestiva renovacao legislativa Oe direitos, Também cartas constitucionais e das declaragdes or sae ants oe oe © Bill of Rights esta destinado, como ee ainda mais que se mativo, a ser superado pela mudanga soci dex evolutiva que trata de uma mudanga acelerada pela rapi excessiva tigidez caracteriza as sociedades complexas. Ten Hgecaad constitucional pode ser, portanto, um ve de constituir uma ¢80 social e um freio da democracia, al on nfiada a um direi- fragil protegdo dos direitos: frdgil porque col to que pretende neutralizar a politica aes posigées - Uma alternativa ideolégico-politica Sere Ceres embora igualmente voltadas para a prom feats eniuAlen direitos individuais — sao dificilmente conci Pacis noe lugdo que realize um compromisso entre 2 Ido Estado de Di- mativista, tipico da doutrina See a 50 “democratica” Teito, ¢ o voluntarismo democratico. \ posi¢ (oua fragilidade) pode-se obviamente objetar que a ee a tutela do Bill de vinculos procedimentais e eee ere of Rights corre o risco de deixar nas maos ne direitos indivi tias parlamentares ndo apenas o ee que um regime duais, mas a propria democracia, se oo ensavel sem o res- ‘emocratico ndo puramente a ae portanto, a preo- Peito aos principais direitos de liberdade. eS para a pre “liberal” é na realidade, uma ‘i contra o risco - de Propria democracia, uma vez que a defen on dda Repiiblica Modo algum escoléstico, como provou a q seja removido ou de Weimar - de que um regime demo ea rnine violagéo Substitufdo por um regime autoritario sem 99, pp. 110-2. 96. CE. P. P. Portinaro, Stato, il Mulino, Bologna, 1999, pp. i STADO DE DIREITO 58 OESTADO ae to, das regras de decisao parlamentar”, A democracia é, eee fortalecida, e no enfraquecida, Por vinculos liberais q edem a sua autodestruicao circular, e, “ A posicao “liberal” Pode-se, por outro lado, ree ‘ €m termos propriamente tedticos, tem pequena eae por fato de que uma Constituiggo seja aprovada ou See ee uma maioria qualificada, em vez de por uma maioria 7 ar ou de uma maioria absoluta. Resta o fato de que uma ae tuicdo — como uma singular norma constitucional io’, oi Sempre a vontade de uma Parte do “povo” (ou “naciio’ suites da que ela Possa ser ampla, contra a vontade de outra Pe es do mesmo modo que acontece comas leis ordinarias, qui cig normalmente votadas Por uma maioria simples. E al) a ainda mais em sociedades complexas, caracterizadas pelo He liteismo” das culturas € dos valores morais. Tudo isso ri Het que também as normas constitucionais relativas aos oe de Subjetivos sao expressao nao de uma Tousseauniana “von! a ’ Mas das preferéncias de uma parte politica. E co a Pouco que essa parte Considere “indecidiveis” og principios em quais acredita: essq Convicgao torna, aliés, dogmatica e tende: cialmente intolerante a sua psao “liberal”, Ainevitavel génese “hist6rica” e “partigiana” deveria, por- tanto, desaconselhar qu alquer atribuiggo de tacionalidade, in- decibilidade Sacralidade As normas de uma Constituigao = tatal, mesmo da mais “garantista” e inclusiva. Para o bem 7 paz de Kelsen, Segundo 0 qual nao existia nenhum autor polf tico da Constitui 40, & preciso reconhecer que as osetia Constitucionais so, em te ‘antia de valores e visdes ladaos compartilhou (e/ou ‘ou (e/ou rejeita). Portanto, -democrata pode ser opres- s de minorias dissidentes em © que uma Parte rejeit: também uma Constit i Siva aos interesses @ as expectativa: Telacio & maioria Constituinte: uma maioria, em hipstese, fa- voravel 4 pena de morte e & guerra, contraria a familia homos- Sexual, ao aborto, Asia ou ao Tespeito pelos animais ea , A eutana: 97. Cita-se, * Normalmente, de Weimar, spi nOPOsito, além do caso da Repiblica © do “suicidio” da Sepunda Reptiblica francesa. 59 INTRODUGOES \do- A isco, portanto, de ser para ae aaiae Aen tendéncia de ne ia Se ae oS determinado momento da one ee de valores Noeras © ao mesmo tempo, a burocracias oe cee ei ae ara que as assembléias i 7 eal to a 7 robes Ie islativas de natureza i ae ene che cone hoje, a5 Mea eurocontinentais oF x cera ee noe i aS pode ser afirmado sem a ee nimamente a rele vancia e a originalidade no interi eae fa “externa do totale de Direito - é 0 de aeeaeeey tia “externa” do tumifique a vontade dos pais are constitucional que mi avado pela atribuigao as co ae E esse risco pode eer Beate da Carta scone nel na as e ids rios, mas de fato constituin ies oe res formalmente as tomar flexvel nas suas maos - — tivos -, a ponto 7 inde de qualquer modo “rigi a eee inte on i ‘do Parlamento”. E se poderia age Pe pees ant ando ser as cortes Hae oP pera i i s politicos deveriam ser sca nee eee cisioy ee exemplo Sh oe q cussioe Seis constitucionalmente “indecidve ae see parece i que a posicaéo “liberal’ ” aeons tet iso “4 Atica”, estd exposta & critica da au ee de clr. saree cm eset pr tiedade ci . Para i a xtc, $8 nt Die se eng en st som eee fora (pou ee) prescrigdes rea manu sheen a liberdade de pensamento : » della Costituzione, ———— islatore e il custode della fl it grande legislatore e il cus estadunidense p 98, CEP. Porno gd consitucanaismo estacunidens Por cit, pp. 22-31, “Tishnot e dos "Criial oe toca 'G. Zanetl (erga Mt unert Crt Taga huis sets iri, e i M, Unger e os "Critical Leg nei, cit., pp. 171-7. | estadu- i ritto contemporanei, ‘ istiturcional : bene oe Banca tthe Peal Ee et eee tam hidense, C.R. Sunstein, iversity Press, espeito a Ale- Unie ieee Bem neste ee sila EW Dickenforde, Stat manha, ver em particular E Suhtkamp, Frankfurt aM, 1991. at O ESTADO DE DIREITO ine o da posal blcamente ~ Cuja violagdo comporte a anu- politica ,. dade de livre e eficaz expressio da vontade ‘thea, ee onicao de legitimidade, tanto liberal como Politico. Apenas essas prescri- mMentais — ng bilidacts. aie toa oe en Postulados metatisicos de indeci ciso consideray ae Muito dificil a sua Tevogacao, E sera pre- ~ como so com feet Sociedades politicamente fracionadas plexas ~ a maiori quencia as sociedades diferenciadas e com- + Hotla simples nas decisdes parlamentares repre- , da para além da qual se perfila o risco da pa- liberal” e a abordagem “de- a consideracdes empiricas e ol0gico-politicas amplamente opindveis: um Onica esta em condicdes de encaminhat Une terccira ae untversalidade dos direitos subjetivos 7 ao fundamen. filosse estdes tedricas insoltiveis diz respeito direitos roe © a universalidade da doutrina dos geral aplcabinie : questies que se refletem no tema da ramatene Cetcitiva dos direitos do homem, tema nte outra vez Proposto pela “guerra humanitéria” - Norberto Bobbio sustentou a impossi- .2a8e filoséfica — @, Portanto, racional e uni omem”. O motivo prin- € essa doutrina apresen- sot olgtces, em particular a que Pecos irmace,ceitos patrimoniais A igual- tate Cont valor que a afirmagao dos *dheitn coca ere: Te tutelar!” 100. Isto vale para toy a tornar £es teses que Luigi Ferrajoli sus tibuiene, a importan- Hees £5488 que, permaneconde on 52 ma epsH0 ao presente vol dentro da opeao ne eMeERCO 0 eacaeg bu i nitro da opeao tiie '@ aqui tracado, se inscrevem 81. Sobre o tema, pode-se ver D Zol . Zolo, coming gia inaudt Torino, 2000, CH eeumanth.Guemn, dt 192 CL N. Bobbio, Leta doi deny [ix D. 2olo, Liberte, propriety ef cont th Sit, wp. 40.4, g . Ie cit, pp. 3-24” POPPE ed eouagtianss wee : gaia fena podle-se pan ‘eoria dei “diritti fondamenta- 61 INTRODUCOES Outros autores, dentre os quais Jack Barbalet, ee Seram, no interior do catélogo normativo dos direitos de li . dade, os direitos “nao-aquisitivos” aos direitos ae Os primeiros se concentram em uma tutela da 2 banat Negativa”, ou seja, em limites postos a intervengao a al (ede terceiros) na esfera individual, como no caso ee dade pessoal, da liberdade de pensamento, da inviolabil int de do domicilio, da propriedade privada; ou se resolvem, co ii € 0 caso dos direitos sociais, em simples poderes de te i mir. Os segundos, como a autonomia de nee sais dade de associagao, a liberdade de imprensa, a liberdade i iniciativa econémica, sao dotados de alta cepacia te oT va porque, em certas condigdes, o exercicio de tais ee Produz poder politico, econdmico e comunicativo on il §em dos seus titulares. Como, normalmente, Sen Noria de sujeitos esta em condigdes de dispor dos ae on tos politicos, econdmicos e organizativos ee Lee explorar as propriedades aquisitivas desse segundo tips aaa Teitos de liberdade, ocorre que o seu exercicio produz a a a tvel restric&o da liberdade dos outros sujcitos, além a Me tiplicar as desigualdades sociais. A idéia, muito difusa, oa 0s direitos subjetivos atribuam aos individuos ee ec gitimas que convergem espontaneamente em uma ea Me Social pacifica e progressiva deveria, portanto, ser P rea lado e substitufda por uma visio agonistica e conflitua “luta pelos direitos”. a ia de Bobbio e de Barbalet pode-se acrescentar que a doutrina dos direitos do homem carece de cxitérios, para ea um Iéxico sistémico, de auto-regulagio cognitiva ra mee ts: Pde de categorias tedricas capazes de uma tigorosa i = ea Gdoe definigdo dos direitos subjetivos (a taxionomia Pp ae Por Thomas Marshall, embora muito util, é de aera - tico-sociolégica e esta, além disso, diretamente molda nee Ultimos trés séculos da histéria inglesa). Por isso acontece q ‘ity Press, Milton Key- Jon CE.}.-M. Barbale, Citizenship, Open University Press, MER Res, 1988, trad. it. Liviana Editrico, Padova, 1992, pp. 49- ddinanza, em D. Zolo Hfondamentali, cit, passin; D, Zolo, La strategia della cittadinanza, (organizado por), Lacittadinanza, cit, pp. 33 8. 62 O ESTADO DE DIREITO o “catélogo dos direitos” esta constantemente exposto a ex- pandir-se pletoricamente, gragas a processos de cumulagado anémica, por sucessivas “geragdes” ou por interpolagdes nor- mativas ligadas a puras circunstdncias de fato’’. E ndo foram poucos 0s fildsofos e juristas que propuseram uma extensao da teoria dos direitos subjetivos também aos seres vivos nao per- tencentes 4 espécie humana, aos embrides e até mesmo aos objetos inanimados. Em definitiva, apesar da “Declaragao Uni- versal” de 1948 e & parte um difuso consenso pragmatico acer- ca de alguns direitos ”fundamentais”, substancialmente coin- cidentes com aqueles que Marshall chamou de “direitos civis”, hoje n&o existe uma “tébua” dos direitos subjetivos que seja teoricamente definida e geralmente compartilhada nem sequer no Ocidente. E isto vale ainda mais para as implicag6es nor- mativas e as aplicagées praticas de cada direito. Citemos alguns exemplos dentre os tantos possiveis: se verdade que o direito vida 6 um dos direitos subjetivos mais “certos” do ponto de vista normativo, 6 igualmente verdade que nao existe nenhum consenso tedrico a respeito da sua in- compatibilidade com a pena de morte: uma pena, como e no- torio, amplamente praticada também nos Estados Unidos, que hoje sao considerados e se consideram a patria dos direi tos individuais e do rule of law. Outro exemplo: a condenagao 4 prisdo perpétua, nas formas mais brutais, préximas a tortura, em que muitas vezes a reclusao penal é praticada nos paises ocidentais, 6 normalmente considerada compativel seja com 0s direitos de liberdade, seja com o direito integridade fisica se € 104. A expresso “geragdes” é de Bobbio e exclui qualquer pretensio te6rica. Também P. Barile, em Diritti dell'uomo e liberta fondamentali, il Mulino, Bologna, 1984, limita-se a uma (titi!) compilagio de direito constitucional po- sitivo. Tentativas de elaboracao tedrica esto em R. Alexy, Theorie der Grand~ rechte, Nomos Verlagsgesellschaft, Baden-Baden, 1985; J. Rawls, The Basie Li- berties and Their Priorities, em $. M. McMartin (organizado por), The Tanner Lectures on Human Values, vol. 3, University of Utah Press, Salt Lake City, 1982, pp. 1-87, trad. it. em H. L. A. Hart, J. Rawls, Le liberta fondamentali, La Rosa iditrice, Torino, 1994; G. Peces-Barba Martinez, Curso de derechos findamen- tales, Eucema, Madrid, 1991, trad. it. Giuffré, Milano, 1993. Luigi Ferrajoli Props recentemente uma teoria formal dos direitos fundamentais, no ensaio, varias vezes citado, Diritti fondamentali. INTRODUGOES 63 e psiquica dos cidadaos reclusos. As opinides discordantes sio de todo minoritarias™, E ainda: as mutilagdes genitais femini- nas (conhecidas como “infibulagéo”), muito difundidas em al- guns paises da Africa norte-oriental ¢ central, foram cocrente- mente declaradas pela legislacgdo de numerosos Estados euro- peus como lesivas aos direitos das mulheres e a sua integrida- de fisica e psiquica. Quanto as mutilagdes genitais masculinas (“circuncisdo”), 6 notério que sao praticadas nao apenas no mundo isldmico e judaico, mas também, em geral, no mundo ocidental, em particular nos Estados Unidos, sem explicitas motivag6es religiosas. Essas mutilagdes nao séo normalmente consideradas uma violagdo da integridade pessoal dos meno- res. Embora constituam uma les’o com conseqiiéncias nor- malmente menos graves em relagao a “infibulagéo” feminina, uma minoria de médicos ¢ de juristas ocidentais sublinhou que se trata, de qualquer modo, da mutilagdo de um érgao sadio, exercida sem 0 consentimento do interessado e sem nenhuma razdo sanitaria™. Poder-se-ia concluir, por todas essas razées, que é pouco titi] ir em busca de uma teoria rigorosa dos dircitos subjetivos (ou “direitos do homem’”) e que é suficiente um empenho de cardter pratico para a sua aplicacao. E nesse sentido parece es- tar orientado o préprio Bobbio"”. Certamente, a justificagao de 105. Cf. D. Zolo, Filosofia della pena e istituzioni penitenziarie, “Iride” 14 (2001), 32, pp. 47-58; A. Cassese, Umano-disuntano, Carceri ¢ commissariati nell Europa di oggi, Laterza, Bati, 1994; T, Mathiesen, Prison on Trial: A Critical Assessment, Sage Publicatons, London, 1990; E, Santoro, Carcere e societa libe- vale, Giappichelli, Torino, 1997; L. Wacquant, Les prisons de la misére, Paris, Editions Raisons d’Agir, 1999, trad. it. Feltrinelli, Milano, 2000. 106. A experiéncia clinica assinala a insurgéncia de significativas pato- logias e disfungées sexuais entre os homens circuncidados: hemorragias, in- fecgSes, fistulas urctrais, retengdo utinaria, cistes do prepticio, necrose da glande. Por essas razées, nos Estados Unidos surgiram numerosas organiza- gOes que se opdem a pratica da circuncisio masculina, como o NOCIR, 0 NOHARMM, 0 NORM. Ver: W. J. Prescott, Genital Paint versus Genital Pleas~ re, “The Truth Secker”, 1 (1989), 3; A. Abu-Sablich, To Mutilate in the Name of Jeowa or Allali: Legitimation of Male and Female Circumcision, “Medical Law”, 13 (1994); A. J. Chessler, Justifying the Injustifinble, “Buffalo Law Review", 45 (1997). 107. Cf. N. Bobbio, L’etd dei diritti, cit,, pp. 40-4. 64 O ESTADO DE DIREITO tais direitos nao pode ser senao de cardter hist6rico e pragma- tico e, portanto, contingente. De resto, 6 notério que os direi- tos civis e politicos se afirmaram na Europa, em uma fase par- ticular da sua histdria, como resultado de longas e sangrentas lutas sociais. Nao restaria, portanto, sendo admitir que a dou- trina dos direitos subjetivos é filosoficamente infundada e im- perfeita do ponto de vista deontolégico: um produto histérico ocidental, importante para o Ocidente, mas que nao pode jus- tificar nenhuma pretensao universalista, nem nenhum prose- litismo “civilizador’. Mas poder-se-ia ainda sustentar que uma teoria rigorosa do Estado de Direito exige uma elaboracao rigorosa da doutri- na dos direitos subjetivos. E poder-se-ia acrescentar que é pro- priamente a falta de rigor tedrico que hoje concorre para tor- nar incerta, como veremos, a efetividade de muitos aspectos do Estado de Direito. E, circunstancia ainda mais grave, essa falta favorece o desvirtuamento propagandistico da doutrina dos “direitos do homem” em termos de um agressivo univer- salismo “colonial”, como foi o caso das motivagées humanita- tias da guerra de Kosovo, conduzida pelas poténcias ociden- tais contra a Repuiblica Iugoslava. Embora carega de base filo- sOfica e de universalidade normativa e, alids, precisamente por isso, porque libertada do beco sem saida dos conceitos univer- sais, a doutrina dos direitos subjetivos poderia ser “universali- zada” em termos comunicativos. A diiplice condigao é que ela assuma uma fisionomia tedrica mais rigorosa — em termos de teoria juridica e politica, de “base” metafisica - e que a universalizacio comunicativa se funde sobre uma “tradugéo” intercultural de todo o léxico e de toda a sintaxe deontolégica do modelo do Estado de Direito®, Uma confirmagao da atua- lidade e da relevancia desses problemas de comunicagao in- tercultural surgiu da polémica que teve como epicentro Cin- eas ee China, acerca da contraposicao dos Asian Aaa igs do Ocidente de impor as culturas orientais ‘alotes ético-politicos — 0 Estado de Direito e os direi- 108. Ver L, Bact passim, li, 1 particolarismo dei diritti, Carocci, Roma, 1999, INTRODUGOES 65 tos individuais, acima de tudo — juntamente com a tecnologia, a industria e a burocracia ocidentais™. 5.3, Estado de Direito e relagoes internacionais O limite de validade mais relevante da doutrina do “Esta- do de Direito” deve-se ao seu restrito horizonte normativo, que nao vai além do espago politico do Estado nacional. Esse limite da doutrina, que contrasta singularmente com a preten- sao universalista de grande parte dos seus fatores contempo- raneos, apresenta um duplo perfil. 5.3.1. As relagées entre os Estados — Em primeiro lugar, a doutrina do Estado de Direito nao se ocupa das relacGes entre um Estado em particular e os outros Estados. Ela diz respeito exclusivamente 4 “soberania interna” do Estado nacional e néo toca nem nas relagGes politicas internacionais desse Estado — a sua “politica externa” — nem nas suas relagdes de direito inter- nacional, que sao totalmente confiadas 4 regulamentagao de acordos por meio de convengées e tratados. Pode-se dizer, em suma, que 0 Estado de Direito implica uma significativa limita- cio da “soberania interna” do Estado, mas deixa intacta a sua “soberania externa”, incluindo 0 jus ad bellum, que a partir da paz de Vestefalia, em meados do século XVII, tinha assumido. até a condigao de prerrogativa soberana dos Estados". As ve- 109. Sobre o tema ver, neste volume, o ensaio de Alice Ehr-Soon Tay, no qual se propde uma nitida distingdo entre os valores confucianos “autén- ticos” e o uso politicamente instrumental que teriam feito disso os defenso- res do “modelo Cingapura’; ver, além disso: M. C. Davis (organizado por), Human Rights and Chinese Values. Legal, Philosophical and Political Perspectives, Columbia University Press, New York, 1995; W. T. de Bary, T. Weiming (or- ganizado por), Confucianism and Human Rights, Columbia University Press, New York, 1998; D. A. Bell, A Communitarian Critique of Authoritarianism. The case of Singapore, “Political Theory”, 25 (1997), 1; E. Vitale, “Valori asiatici” e diritti umani, “Teoria politica”, 15 (1999), 2-3, pp. 313-24; M. Bovero, Ididpo- lis, “Ragion pratica”, 7 (1999), 13, pp. 101-6; ver ainda a rubtica dedicada a0 tema, organizada por B. Casalini, no site Jura Gentium, , 110. Sobre o tema, ver L. Ferrajoli, La sovranitt nel mondo modero, Ana- basi, Milano, 1995 [trad. bras. A soberania no mundo moderno, S3o Paulo, Mar- tins Fontes, 2002]. 66 O ESTADO DE DIREITO zes ~ sao emblematicos os exemplos da Gra-Bretanha e da Fran- ca -, uma rigorosa aplicagao interna das regras do Estado de Direito coexiste com uma politica externa belicista imperialis- tae coma promulgacio do “direito colonial””’. Nao é, portanto, por acaso que, para Dicey, o maior teori- co do rule of law inglés, o ordenamento internacional nao fos- se sequer, propriamente, um ordenamento juridico. Seguindo a ligdo de John Austin, Dicey sustentou que as normas inter- nacionais podem ser consideradas, no maximo, como uma es- pécie de “ética publica” (public ethics), juridicamente nao vin- culante™. E segundo um tedrico igualmente respeitavel do Rechtsstaat, como Georg Jellinek, o direito internacional era wm conjunto de regras nao diverso e nao separado do ordenamen- to juridico estatal: segundo ele, as obrigacdes internacionais eram, da mesma forma que o direito constitucional e o direito administrative, um produto da “autolimitacio” da soberania do Estado nacional", _ Fica muito claro, ent&o, por que a doutrina do Estado de Direito carece de desdobramentos internacionais: 0s seus prin- cipios, em particular os principios de difusio e de diferencia~ a0 do poder, foram concebidos para serem aplicados apenas aos cidadaos e As instituicdes do Estado nacional. Aos cida- daos ou as instituigdes dos paises estrangeiros é atribuida re- levancia juridica apenas se entrarem explicitamente em conta- 111. Sobre 0 tema, com relagao ao colonialismo britanico na India, veja- Se, neste volume, o ensaio de Ananta Kumar iti. Para 0 “direito colonial” da Espanha, ver, neste volume, o ensaio de Carlos Petit. De forma mais geral so- bre 0 tema do “direito colonial’, ver $, Romano, Corso di diritto coloniale, Athenaeum, Roma, 1918, J. M. Cordero Torres, Tratado clemental de derecho colonial espariol, Editora Nacional, Madrid, 1941. Sobre os fatos do imperialis- ino, Vet, para cada caso, M. Nicholson, International Relations, London, Mac- millan, 1998, trad. it. il Mulino, Bologna, 2000, pp. 99-122; para uma reinter- Cenakae mais atual, ver M. Hardt, A. Negri, Empire, Harvard University Press, Tha tidge (Mass, 2000, Nao se deve descurar o classico H. Bull, A. Watson, ‘¢ Expansion of International Society, Clarendon Press, Oxford, 1984, trad. it. Jaca Book, Milano, 1994 a ae Ct A.V. Dicey, The Law of the Constitution, cit., p. 22; € cf. C. Schmitt, ndizione della scienza giuridica europea, cit, p. 35. Wien, 18806 G: Jelinek Die reltiche Natur der Stantencertrige, Hooker, INTRODUGOES 67 to com o ordenamento interno e também nesse caso sob cer- tas e precisas condigées — a clausula de reciprocidade, por exemplo — e com relevantes excegdes, sobretudo para com os individuos e as instituigdes nao pertecentes ao “mundo civil”, ‘ou seja, ao Ocidente. Além disso, a partir dos seus pais funda- dores — Hugo Grécio, Richard Zouche, Emeric de Vattel ~ 0 jus publicum curopaeum reconheceu como sujeitos do préprio or- denamento juridico apenas os Estados, ao passo que ficaram exclufdos os individuos, cujos “direitos fundamentais” foram considerados automaticamente representados e protegidos pe- Jos Estados aos quais pertencem. E preciso acrescentar que o princfpio de nao-ingeréncia na domestic jurisdiction, ou seja, nos “assuntos internos” dos Estados soberanos, que foi o pilar da ordem vestefaliana, pelo menos até toda a década de 1980, excluiu da competéncia do direito e das instituigdes internacionais as relagdes entre os governos e os seus cidadaos, inibindo qualquer possibilidade de que a protecdo dos direitos subjetivos assumisse uma di- mensio internacional. Uma relevante excecao foram os tribu- nais penais internacionais, criados no decorrer do século XX como objetivo declarado de perseguir os individuos que fossem responsdveis por graves violagdes dos “direitos do homem”. Mas a experiéncia desses tribunais ad hoc ~ de Nuremberg a T6quio, a Haia, a Arusha — foi, até agora, em muitos aspectos, decepcionante: essa experiéncia tem provado essencialmente que uma jurisdicao penal internacional, operante na auséncia de uma organizacéo das relagées internacionais de algum modo modeladas no Estado de Direito, nao pode almejar um grau mesmo minimo de autonomia em relacéo as grandes poténcias™. 5.3.2. A ordem mundial — Em segundo lugar, os prince’ do Estado de Direito, com a tinica, parcial excegaio do pacifis- mo kantiano, nunca foram teoricamente relacionados ao tema da ordem e da paz mundial". Essa lacuna nao foi preenchida 114. CE. D. Zolo, Chi dice umanita, cit, pp. 124-68. 115. CE. neste volume o ensaio de Stefano Mannoni, que, entre outras coisas, assinala o pacifismo institucional de Jeremy Bentham como uma das primeiras tentativas de aplicar o rule of law ao diteito internacional; ver tam- 68 O ESTADO DE DIREITO sequer quando, na primeira metade do século XX, emergiu no Ocidente a tendéncia de superar o “sistema de Vestefdlia” - 0 sistema “andrquico” dos Estados soberanos ~ para dar vida a instituigdes supranacionais centralizadas, como a Sociedade das Nagdes e as Nagées Unidas. Nao obstante a difusa ret6ri- ca acerca do rule of law internacional, a doutrina do Estado de Direito nao exerceu nenhuma influéncia no processo de for- magio dessas instituigdes — em particular as Nagdes Unidas a empenhadas em limitar a soberania dos Estados nacionals para a realizacao de uma “paz estavel e universal”: uma paz na realidade presidida pela hegemonia das poténcias que, con” forme as circunstancias, safram vencedoras dos conflitos em escala mundial. Mais do que no pacifismo cosmopolita de ori- gem kantiana e na conexa ideologia da cidadania universal e do “direito cosmopolita” (Weltbiirgerrecht), esse process INS Pirou-se no modelo hierarquico e autoritario da Santa Alian- ga", Com esse modelo, como sustentou Hans Morgenthau, se identifica em particular a estrutura das Nagdes Unidas, no centro da qual esté o Conselho de Seguranga dominado pelo poder de veto de cinco grandes poténcias e que se baseia, por~ tanto, na negagao de um principio fundamental do Estado de Direito: a igualdade formal dos sujeitos de direito'”. : : A tese de que a experiéncia do Estado de Direito nao ins- pirou nenhuma teoria do direito e das instituigdes pode pare- cer exagerada. Na realidade, poder-se-ia objetar que hoje, no Ocidente, existe um grande grupo de pensadores — os Western globalists, segundo a irénica definicdo de Hedley Bull - que, na esteira da ligéo kantiana e kelseniana, propée a aplicaga0 dos Principios e das regras do rule of law para a construgao de um eens tannons. Potenza e ragione. La scienza del dito intemazionale nella ri Shag dillbrie europeo, Giuffré, Milano, 1999, Para uma critica realista da tra- Soden can kantiano ~ de Kant a Kelson, a Bobbio, a Habermas ~, Pocch Roma, roe.” {signori dela pace. Una critica del globalism giurdico, Ca~ ase Peper, Hrealismo politico, Laterza, Roma-Bati, 1999, PP- 17. Ve » Stato, cit., pp. 128-32, 117. pp. Ht evnihaah aa agent, Politics aniong Nations, Knopf, New York, : : 0, Bolo; " a Order, Polity Press, Cambie 10967 D. Zolo, Cosmopolis. Prospects for Wor! INTRODUCOES 69 sistema politico e jurfdico global: de Richard Falk a David Held, a Jiirgen Habermas, para citar os mais conhecidos. Po- de-se, todavia, observar que autores como Falk e Held estéo interessados em divulgar algumas palavras de ordem sugesti- va ~ global civil society, global constitutionalism, global democracy, cosmopolitan democracy etc. -, com a tendéncia de “pantogra- far” em nivel global as suas convicges liberal-democratas, sem um empenho preciso, nem de especificagéo normativa e institucional do projeto de um eventual Estado de Direito pla- netario, nem de interagao com as culturas politicas e juridicas nao-ocidentais, que deveriam ser envolvidas no projeto cos- mopolita"’, Quanto a Habermas, ele nao parece nutrir nenhu- ma diivida acerca do nexo de causalidade evolutiva, por assim dizer, que, a seu ver, faz derivar 0 “direito cosmopolita” do Es- tado de Direito, a cidadania universal da cidadania democrati ca. “O direito cosmopolita — ele escreveu de forma lapidar — é uma conseqiiéncia da idéia do Estado de Dircito.”"” A expan- so cosmopolita do Estado de Direito ocidental, afirma Ha- bermas, obedece tanto a légica interna das instituigdes demo- craticas quanto ao contetido semantico — ao intrinseco univer- salismo — dos direitos do homem. 118. Cf. R. Falk, Human Rights and State Sovereignty, Holmes and Meier, New York, 1981; D. Held, Democracy aid the Global Order, Polity Press, Cam- bridge, 1995. Ver, além disso, os ensaios reunidos no volume organizado pot B. Holden, Global Democracy. Key Debates, Routledge, London-New York, 2000; cf. em particular, além da introdugao do organizador, as contribui- gGes de D. Held, The Changing Contours of Political Community: Rethinking Democracy in the Context of Globalization (pp. 17-31); D. Zolo, The Lords of Peace: {from the Holy Alliance to the New Intemational Criminal Tribunals (pp. 73-86); R, Falk, Global Civil Society and the Democratic Prospect (pp. 162-78) 119. “Das Weltbiirgerrecht ist eine Konsequenz der Rechtsstaatsidec” (. Habermas, Kants Idee des Ewigen Friedens — aus dem historischen Abstand von 200 Jahren, “Kritische Justiz”, 28, 1995, p. 317, agora em J. Habermas, Die Ein- beziehung des Anderen, Sutkamp, Frankfurt a.M., 1996, trad, it. L'inelusione dell altro, Feltrinelli, Milano, 2000, p. 213); ver ainda J. Habermas, Faktizitit und Geltung. Beitrige 2ur Diskursthcorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaat, Suhrkamp Verlag, Frankfurt .M,, 1992, trad. it. Guetini e Associ Milano, 1996. Para uma critica realista do cosmopolitismo habermasiano, pode-se ver D. Zolo, A Cosmopolitan Philosophy of Iiternational Law? A Realist Approach, “Ratio Juris”, 12 (1999) 4, pp. 429-44; ver também a réplica de Ha- bermas, id., pp. 450-3. 70 O ESTADO DE DIREITO Trata-se, em todos esses casos, de exemplos muito carac- teristicos de um uso fortemente etnocéntrico da domestic ana- logy, que considera dbvia a analogia entre a civil society, que entre os séculos XVII ¢ XVIII sustentou o desenvolvimento do Estado moderno europeu, € a atual, suposta global civil society. O argumento analégico permitiria aplicar a todas as popula- des do planeta — e ao planeta como tal — as categorias da re- presentatividade democratica, da separagéo dos poderes e da tutela dos “direitos do homem”™. Nessa perspectiva antropo- logica dogmética, Habermas distinguiu-se, como € notdrio, na produgao de argumentos universalistas a favor, seja da Guerra do Golfo, de 1991, seja da “guerra humanitaria” da Otan con- tra a Republica Iugoslava, de 1999". 6. A crise do Estado de Direito A teoria do Estado de Direito que discutimos até agora deveria oferecer uma contribuicéo para a compreensdo dos Hovos problemas que hoje, nos inicios do terceiro milénio, é necessario enfrentar para a promogio dos direitos subjetivos e 2 contengao do poder arbitrdrio. No contexto da crescente complexidade social e dos processos de globalizagao, os pro- blemas com os quais 6 preciso se confrontrar podem ser unifi- ee 0 titulo de “crise do Estado de Direito”. A crise refe- Estados a “id funcionamento das estruturas “garantistas’ dos tais do Ocidentais, em particular nas versbes euocninen: Sasi Petiodo pés-Segunda Guerra Mundial, seja, em nivel 2" 8 Protecao dos “direitos do homem”. Se se deve dar fé —_ Globalis ded it? tA critica dessas posigdes, voja-se: P. Hirst, G. Thompson, Son, Glenn uit Question, Polity Press, Cambridge, 1996; P. Hirst, G. Thomp- Dethoerna Miths and National Policies, em B. Holden (organizado por), Global nogratin yf ttg BP. 47-59; sobre o tema da domestic analogy, vera clissica mo- Cambridge Suganami, The Domestic Analogy and World Order Proposals, Ta Unvesity Press, Cambridge, 1989 iia raed Habermas, Bestialititt und Humanitiit, Ein Krieg an der Grenze ht und Moral, “Die Zeit”, (1999), 18, trad. it. em VV.AA,, L’ultina Crociata? Ry e Reset, Rome, 19, pa a guerra giusta, organizado por G. Bosetti, Libri di INTRODUGOES 71 aos documentos das NagGes Unidas e as relagdes de organiza- c6es nao-governamentais como a Anmesty International e a Human Rights Watch, milhes de pessoas hoje sao vitimas, em todos os continentes, de uma violagéo sem precedentes dos seus direitos fundamentais. Aamplitude do fenémeno é a conseqiiéncia nio sé do ca- rater desp6tico ou totalitario de muitos regimes estatais, mas também de decisGes arbitrarias de sujeitos internacionais do- tados de grande poder politico, econdmico ou militar: um po- der que os processos de globalizagdo tornaram sobrepujante e incontrolavel e contra o qual se perfila a sombra do global ter- rorisi™™. Esto sob acusagao a guerra, a pena de morte, a tor- tura, os maus-tratos carcerarios, o genocidio, a pobreza, as epi- demias, as regras do comércio internacional, a divida externa que sangra os paises mais pobres, a exploracdo neo-escravo- crata dos menores e das mulheres, a opressao racista de povos marginalizados ~ dos palestinos aos curdos, aos tibetanos, aos indo-americanos, aos ciganos, aos aborigenes africanos ¢ aus- tralianos —, a devastacao do ambiente natural. As razes da crise podem ser catalogadas em dois regis- tros distintos: o dos fendmenos de complexificagao social den- tro da area das sociedades industriais avangadas, investidas pela revolugio tecnoldgico-informatica; os dos processos de integragao em escala regional ~ a Uniao Européia ~ e em nivel global. No interior do primeiro registro assumem relevancia 122. Sobre os processos de globalizacdo, a literatura é, enfim, muito ex- tensa, Sobre os seus efeitos nas pessoas ¢ grupos, ver em particular I. Clark, Globatization and Fragmentation, Oxford University Press, Oxford, 1997, trad. itil Mulino, Bologna, 2001; U. Beck, Wes ist Globalisierung?, Suhrkamp Verlag, Frankfurt a.M.,1997, trad it. Carocci, Roma, 1999; Z. Baumann, Globalization The Human Consequences, Polity Press-Blackwell, Cambridge-Oxford, 1998, trad. it, Laterza, Roma-Bari,1999; P. De Senarclens, Mondialisation, souverai. neté, Armand Colin, Paris, 1998; P. de Senarclens, Maitriser la mondialisation, Presses de Sciences Po, Paris, 2000; L. Boltanski, E. Chiapello, Le towel esprit du capitalism, Gallimard, Patis, 1999; L. Gallino, Globulizzazione e disuguaglianza, Laterza, Roma-Bari, 2000; EB. Greblo, Globalizeazione e diritti umani, “Filosofia politica”, 14 (2000), 3, pp. 421-31; K. Bales, Disposable People, New Slavery in the Global Economy, California University Press, Berkeley (Cal,), 1999, trad. it Feltrinelli, Milano, 2000, Sobre o perigo global do terrorismo, pode-se ver D. Zolo, Chi dice umanita, cit., pp. 172-3, 219-20. +i 72 O ESTADO DE DIREITO sobretudo a crise da capacidade reguladora dos ordenamentos juridicos estatais e a decrescente efetividade da protecao dos direitos subjetivos. No interior do segundo registro, o tema central é 0 da erosao da soberania dos Estados nacionais e a preponderancia de poderes e de sujeitos transnacionais que se subtraem A ldgica da difusao e da diferenciagaéo do poder. 6.1. A crise da capacidade reguladora da lei ea inflagiio do direito Nao se pode certamente afirmar que nas sociedades com- plexas do Ocidente, hoje, estejam em crise os pressupostos fi- loséficos do Estado de Direito. Ao contrario, depois da queda do império soviético e do esgotamento da ideologia marxista, 0 individualismo parece dominar qualquer aspecto da vida so- cial, dos modelos de consumo aos estilos de vida, 4 experiéncia familiar e profissional, & obstinada tutela da privacy por patte de instituigdes burocraticas ad hoc. O que parece estar em crise & antes, a “capacidade reguladora” do ordenamento jurfdico, ou seja, o “rendimento” em termos de efetividade normativa das prescrigdes da lei, procedentes dos diversos drgiios que de- sempenham — ou deveriam desempenhar - fungdes legislati- vas. As razes desse impasse funcional, que atinge em particu- lar as democracias da Europa continental, foram analisadas pela sociologia sistémica do direito em termos de “inflagio do direito” nas sociedades diferenciadas e complexas’*. O processo de diferenciagio dos subsistemas sociais esti- mula o ordenamento juridico a perseguir essa evolucgado com uma crescente produgdo de normas, de contetido sempre mais especifico e particular. Mas o direito é um instrumento muito mais rigido e lento com respeito A flexibilidade e rapidez evo- lutiva de subsistemas como, em particular, o cientifico-tecno- 123. Cf.N, Luhmann, The Self Reproduction of the Law and Its Limits, Con- ae ao (on Autopoiesis in Lavo and Society, ee University Institute, Sosioletony aN, Lahmann, The Unity ofthe Legal Syste, ibid N, Lahmana, The Wille, Kona nition ofthe Theory and Practice of Law, ibid; G. Teubner, H. Recht, “Zeit ext und Autonome: Gesellschaftliche Selbststeverung durch reflexives * “Zeitschrift far Rechtssoziologie”, 6 (1984), Heft 1, pp. 4-35. Peed eet ten INTRODUGOES 73 ldgico e 0 econdmico, que sao dotados de alta capacidade de autoprogramagao e de autocorrecio. Desse fato deriva a crise inflacionaria do direito, que traz consigo desvalorizacao, re- dundancia e instabilidade normativa e, enfim, impoténcia re- guladora. A multiplicagdo da quantidade de atos legislativos junta-se a crescente opacidade expressiva e a extensao dos tex- tos, cada vez mais carregados de referéncias tecnoldgicas e de referéncias cruzadas a outros textos normativos. A fragmenta- riedade das disposigGes, a referéncia a situagdes de emergén- cia, a propensao a “programar” em vez de disciplinar agravam a tendéncia dessa legislagao estatal de perder 0 requisito da generalidade e abstragao e de se aproximar sempre mais, na substancia, das medidas administrativas”'. E, naturalmente, 0 modelo do “Cédigo”, com as suas pretensées iluministas de clareza, sistematicidade, universalidade e invariabilidade no tempo, tornou-se, enfim, um residuo histérico propriamente dito, submerso pela avalanche caética da microlegislagao. A esses fenédmenos é preciso acrescentar, sobretudo para os paises europeus diretamente envolvidos no processo de in- tegracio politica, a multiplicagao, além das fontes normativas internas (formais e informais), também daquelas supranacio- nais. A tendente anomia devido a sobrecarga normativa é as- sim agravada pela dificuldade de identificar os “prineipios ge- rais” do ordenamento juridico, para a definigaéo dos quais con- correm também uma variedade de 6rgaos jurisdicionais - bas- ta pensar na Corte de Justiga das comunidades européias -, que se atribuem a competéncia de interpretar as normas na- cionais, comunitarias e internacionais. Nasce assim um direito europeu de carater preponderantemente jurisprudencial, por definigao, subtraido aos esquemas do Estado de Direito™. Tanto o principio de difusio do poder quanto o da dife- renciagao do poder so atingidos pela crise da capacidade re- 124. Sobre o tema existe uma ampla literatura, ver, por exemplo, neste volume, a referéncia ao tema na contribuigéo de Luigi Ferrajoli. Jé em 1958, Carl Schmitt, no ensaio Die Lage der europitischen Rechtszvissenschaft, trad. it. cit, p. 61, exercia a sua critica contra a “motorizagio” da lei que a transforma- va em “medida administrativa” (Massnalimie). 125. Ver, neste volume, as referéncias ao tema nas contribuigdes de Alain Laquitze e Luigi Ferrajoli 74 O ESTADO DE DIREITO guladora do direito legislativo: em particular, esta gravemente ameagada a certeza do direito e, como conseqiiéncia direta, o principio de legalidade. A hipertrofia normativa, suuneie - tor penal como no civil, aumenta excessivamente 0 poder ce intérpretes e dos juizes, a ponto mesmo de Cee Sie dadeiro e proprio poder normativo das cortes, de Bane ori zadas a reescrever seletivamente os textos legislativos. Nao so a ignorantia legis € muito difusa, estando 0 cidadao cada menos em condigdes de saber quais sao as leis validas e qual é o seu alcance normativo, mas a deliberada poeta : uma pratica jurisdicional inevitavel também junto o ae nivel mais alto. Ignorar tacitamente, no todo ou a = leis parece que se tornou uma condigao Meee : ae eit ET falc ae eit 0 into ini ivas rotineiras. am-se, i t aero Estado de Direito, as reas de autonomia re- guladora ultra legem e, muitas vezes, contra lege a A respeito desses aspectos do despotismo “leg a do Estado de Direito continental concentrou-se a asp Pp : sical res como Bruno Leoni e Friedrich von. Hayek. me oe acai as orgias normativas do pouvoir’ législative a ee uténtica tradicao garantista do rule of Taw anglo- Scone ue dicdo de common law e na atribuigaio ao ee ni cos parlamentares — da tarefa de defen- eee i Se eli periade™. As “liberdades dos ingleses” sao a a ae ran Leoni e Hayek, com a tradicao au- incompa , aR ayek, The Constitution of Liberty, Routledge & Ke- 126. Ver F. A. von FLYNN ‘ra soci lier, Vallecchi, Firenze, 1969; F gan Paul, London, 100 yo, Institute for Human Studies, Menlo Park A. von Hayek The ee coon and the Law, trad. it. cit, pp. 67-107. Teses ané- (Ca), 1975; B. Leon Fr Nicola Matteucci Postiisio giridico ecosttuzio- Togas sao defendida® Fa, 1996, pp. 108 ss., 113), que exalta a idéia de um nuiso, il Mulino Pe SSbre o poder dos juizes e nao sobre o poder dos le- stado liberal fundae® ”ode-se ver também o comentitio critico a versio Ore Oe soni, D. Zolo, La liberate la lege, em “Quatern fio- isladores- oyna do ensaie gel pensiero giuridico moderno” (1995), 14; e D. Zolo, A rentini per 1a 807 islazione e liberta" di Friedrich A. von Hayek, “Diritto pri- rea <8 9p 167-81 Ver, além disso, neste volume, o ensaio de Ma- 1 (1996), ta chiara pievatolo INTRODUGOES 75 toritaria e nao-liberal do Estado de Direito continental. E aus- piciaram a substituicao da lei parlamentar por um direito con- suetudinario, e por um direito constituido de principios gerais, confiado essencialmente ao poder discricionario dos juizes. Um “direito dos juizes” poderia garantir — muito mais do que a cadtica emissdo de comandos especificos que hoje caracteri- za a atividade legislativa dos parlamentares democratas — tan- to a certeza do direito como a tutela dos direitos subjetivos. O que, todavia, parece escapar a essa critica liberal-conservadora do Estado de Direito eurocontinental - em alguns aspectos muito hicida ~ é a circunstancia que a prépria inflagao legisla- tiva e o colapso da certeza do direito estd levando, na Europa continental, a um declinio da fungao legislativa dos parlamen- tos e a um fortalecimento do poder normativo dos juizes, ou seja, de uma das modalidades mais primitivas e subdiferencia- das de produgao do direito. 6.2. A efetividade decrescente da protegio dos direitos Em seus ensaios sobre a cidadania na Europa, Thomas Marshall afirmou que 0 reconhecimento dos direitos civis — en- tre estes, em particular, a propriedade privada e a autonomia de negociagao — revelou-se de todo funcional & economia de mercado na sua fase nascente ¢ mais expansiva, ao passo que os direitos politicos, embora nascidos no decorrer do século XIX do:conflito de classe, favoreceram a insergo das classes trabalhadoras no interior das instituigdes elitistas do “Estado liberal”. Quanto aos assim chamados “direitos sociais”, Mar- shall sublinhou o seu radical paradoxo: o fato de que, diferen- temente dos direitos civis e em grande parte também dos di- reitos politicos, eles so de sinal oposto com respeito & logica aquisitiva do mercado. Os “direitos sociais” tendem essen- cialmente a igualdade, ao passo que o mercado produz desi- gualdade. Apesar disso, Marshall julgava que as instituicdes britanicas, modeladas pelos principios do rule of law, conse- guiriam subordinar os mecanismos do mercado aos critérios da justiga social, contaminando de forma estavel a légica da livre troca com a protecao dos “dircitos sociais”. No final, tan-

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