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como Aposta
CARLOS MATUS 1
predizíveis e se propõem ao máximo uso dos tampouco sabem com exatidão a jogada seguinte
limitados recursos que possuem, a fim de que será mais eficaz. Não se pode comprar ou
aumentá-los a cada nova jogada. Trata-se de um espionar uma informação que outrem não possui..
cálculo científico, apoiado no conhecimento das
Em outras palavras, nenhum jogador pode
leis de comportamento dos outros jogadores que
raciocinar de modo determinístico: “Se decido A,
cooperam e competem pelos mesmos recursos,
a conseqüência é B”. De outra maneira não seria
cuja posse é indispensável para alcançar objetivos
um jogo, mas um sistema controlado. E isto é
que, por sua vez, também são cooperativos e
válido, embora o jogo social seja desigual e
conflitivos. Neste caso, o suporte essencial para
outorgue a uns muito mais poder que a outros.
tomar uma decisão no jogo é o cálculo estruturado
Não obstante, em duas condições extremas e
que permite ao jogador no controle anunciar
concomitantes é possível reduzir teoricamente a
resultados determináveis, com certeza, ou
incerteza inexorável e convertê-la em certeza: a)
probabilidades objetivas. No “jogo da velha”, por
se um jogador chega a controlar todos os recursos
exemplo, não tenho controle sobre as decisões de
limitados de um jogo e transforma seus oponentes
meu oponente, mas posso fazer uma precisão
em servidores, e b) se esse jogo é completamente
precisa de todas as suas possíveis jogadas. O
independente dos outros jogos que se
mesmo se dá com meu adversário à respeito de
desenvolvem ao mesmo tempo. Mas tal extremo é
meus planos. Trata-se, por conseguinte, de um
mera curiosidade teórica que define a zona
jogo estruturado. Algo parecido ocorre
fronteiriça entre um jogo e um sistema
implicitamente com um modelo econométrico no
controlado. Na vida real, política, econômica,
qual se assume que o criador do modelo conhece
cognitiva, social etc., nenhuma das duas
a conduta dos agentes econômicos.
condições mencionadas é alcançável por um
Em contraposição, o sistema é semicontrolado se jogador.
todos os jogadores participantes são estrategistas
Este jogo difuso e nebuloso tem os seguintes
criativos que cooperam e entram em conflito
ingredientes de incerteza:
pelos limitados recursos que o resultado do jogo
distribui em cada momento de seu interminável • Ignorância quanto ao futuro daquela
desenvolvimento. Neste caso, o suporte essencial parte do mundo que supomos regida por
para tomar uma decisão no jogo é o julgamento leis que ainda desconhecemos ou que as
do apostador, fundamentado, em parte, por ciências ainda não esclareceram. É o
cálculos parciais bem estruturados e, em parte, aspecto de incerteza originado por nosso
por preferências explícitas quanto aos aspectos desconhecimento da natureza e dos
nebulosos ou não bem-estruturados. O julgamento processos sociais em que vigora a lei dos
do apostador pode refinar-se, explorando a grandes números. A investigação, o
eficácia de nossas ações, ou seja, seus resultados, estudo, a capacitação e o treinamento
em diversos futuros possíveis que se desenvolvem podem reduzir esta primeira limitação.
em diversas circunstâncias ou cenários. No jogo Hoje, por exemplo, não conhecemos as
da corda e do sino, por exemplo, o jogador 1 não leis seguidas pelo desenvolvimento da
tem capacidade alguma de predição e sua enfermidade conhecida como AIDS, mas
capacidade de previsão é incompleta e imprecisa no futuro, por meio da investigação, é
quanto aos movimentos dos outros jogadores. possível que descubramos essas leis. É
possível, também, que um ator
Na vida real, governa-se e planifica-se num jogo
monopolize certos conhecimentos em
semicontrolado, e isto altera todas as nossas bases
detrimento de outros.
de pensamento sobre a planificação.
• Criatividade dos jogadores. Irredutível
mediante informação e conhecimento,
NO JOGO SOCIAL, O FUTURO É NEBULOSO; NÃO É porque esses recursos alimentam mais
PREDIZÍVEL rapidamente a própria criatividade do
que a capacidade humana de predizê-la.
O aspecto incontrolável do jogo social está em
É o aspecto interativo e mais fascinante
que todos os jogadores têm limitações de
do jogo. A criatividade é uma
informação e de recursos para pretender ganhar o
característica da interação humana entre
jogo e, mesmo com abundância de recursos
poucos. Eu jogo “X”; qual será a jogada
econômicos, não podem comprar boa parte desta
seguinte de meu oponente? Qual será
informação. Uma parte muito importante da
minha resposta a essa hipotética jogada?
informação de que os jogadores necessitam para
Essa é a essência da interação criativa
jogar com eficácia não pode ser obtida mediante
em que cada jogador é um bom ou um
investigação ou espionagem. Os jogadores,
mau estrategista. Este cálculo, por
portanto, não sabem com certeza como superar
definição, não segue leis e gera uma
essas limitações, pois, em cada momento do jogo,
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 31
certeza inexorável que não se reduz, de Neste jogo, em cada momento de seu
forma expressiva, com mais desenvolvimento, os jogadores podem comparar
conhecimentos. O surpreendente e o os objetivos a que se propuseram com os
inimaginável descontrolam os planos dos resultados do jogo, vale dizer, com os objetivos
jogadores. Também dificulta o jogo a alcançados.
multiplicidade do futuro imaginável,
Por esta via, ao analisar os resultados do jogo,
diante da necessidade de apostar numa
cada um dos jogadores identifica problemas.
variedade muito mais reduzida de
Assim, um problema para um jogador é o
possibilidades. Só as possibilidades são
resultado insatisfatório que, em determinada data,
aos milhares, como apostar nas duas ou
o jogo lhe oferece. Portanto, é natural que o que é
três mais relevantes? Esta incerteza é
um problema para o jogador 1 seja justamente um
inevitável. Um jogador pode estar mais
bom resultado para o jogador 2. O problema
ou menos preparado para prover e reagir
sempre é relativo a um jogador. Não obstante, há
ante esta nebulosidade do futuro, mas
uma exceção: os problemas que provém de
não pode evitá-la, na vida prática.
beneficiários do jogo B que afetam negativamente
• Opacidade da linguagem, que, muitas nosso jogo A. Neste caso, surgem problemas
vezes, torna ambíguo o intercâmbio de comuns a todos os jogadores participantes do jogo
significados, que se produz nas A.
conversações entre jogadores. O jogador
1 pode falar “A” e o jogador 2 escutar
“B”. No jogo de bridge, esses erros de APRENDER A JOGAR
conversação são muito comuns, pois
fala-se, principalmente, através das Se deseja alcançar bons resultados, o governante
próprias jogadas e estas admitem mais de deve aprender a jogar no jogo social. Mas o que
significa jogar bem? Esta é a pergunta-chave para
uma interpretação. No jogo social ocorre
a teoria do governo e a planificação, porque jogar
algo parecido. Como posso saber se a
bem não apenas implica o domínio intelectual da
ameaça de uma greve, uma renúncia ou
complexidade do jogo semicontrolado, como,
uma guerra é real ou uma fanfarronada?
principalmente, a arte de jogar bem na prática,
Por isso existe uma dimensão lingüística
medir-se com os outros jogadores e dominar a
na nebulosidade do jogo social.
tensão que o jogo produz numa situação concreta.
• O jogo maior ou o contexto em que se
situa o nosso jogo particular, sobre o Aqui podemos tratar apenas do problema do
qual não só não temos controle, como domínio intelectual da complexidade do jogo
nem mesmo capacidade de predição. semicontrolado. O outro aspecto, mais importante
Quando muito, dispomos de limitada ainda, requer mestria artística, vocação e aptidões
capacidade de previsão sobre o contexto que só são provadas na prática política e
ou circunstâncias que cercam e conseguidas mediante o treinamento perseverante.
condicionam nosso jogo. Aqui, Um estadista o é conforme tenha domínio, tanto
“previsão” é uma predição condicionada intelectual como artístico sobre o jogo
que começa com a conjunção “se” semicontrolado.
precedendo as circunstâncias em que se Em síntese genérica, pode-se dizer que o domínio
situa meu plano. Os jogadores escolhem intelectual da complexidade do jogo
seu plano de jogo, mas não as semicontrolado apresenta quatro grandes
circunstâncias em que devem realizá-lo. problemas:
Nesse nicho de incerteza os jogadores entram em • Saber explicar a realidade do jogo;
cooperação e em conflito e, assim, surgem
problemas de relações no interior do plano de um • Saber delinear propostas de ação sob
ator, e de relações externas entre os planos dos forte incerteza;
diversos jogadores. No nível dos objetivos do • Saber pensar estratégias para lidar com
plano, por exemplo, podem verificar-se as os outros jogadores e com as
interações descritas no quadro acima. circunstâncias, para calcular bem o que
O conflito de planos e objetivos é fonte de podemos fazer, em cada momento, em
incertezas, pois a eficácia da jogada de 1 depende relação ao que podemos fazer para
do que antes tenha jogado 2 e do que jogue alcançar os objetivos; e
depois. Contudo, mesmo na cooperação entre • Saber fazer no momento oportuno e com
jogadores, há incerteza, porque nem sempre é eficácia, recalculando e completando o
fácil decidir quanto à jogada que é de mútua plano com um complemento de
conveniência. improvisação subordinada.
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1. Unidimensional (apenas recursos 1. Como explicar 2. Como esboçar o futuro 1. Multidimensional (político, econômico,
econômicos) cognitivo etc.
Diagnóstico Asserção
2. Determinística versus versus 2. Incerteza dura β
A B Explicação Situacional Aposta
A B
J1
3. Sem contexto (circunstâncias 3. Contexto explícito
implícitas Parcialmente enumerável (B = a,b...?)
Mesa
J3 de J2
4. Sem atores sociais (um governante e Jogo 4. Atores sociais em um jogo
um sistema governado)
J4
5. Proposta de ação ao político com Consulta Política Conselho Técnico 5. Vários planos com resultados variáveis
anúncio de resultados precisos versus versus segundo as circunstâncias
Análise Estratégica Cálculo Situacional
6. O escritório de planificaçào planifica 3. Como calcular o 4. O que fazer hoje 6. Quem governa planifica
possível
β2
Quer dizer, os resultados de nosso plano estrategista deste. Mas as circunstâncias β, por
dependerão das circunstâncias. sua vez, estão, em geral, afetadas pelas
A interação dos jogadores é fonte de geração de circunstâncias π, vale dizer, variáveis de outros
jogos que perturbam o nosso. O gráfico a seguir
circunstâncias β incertas e internas ao jogo. O
ilustra estas relações.
jogador 1 não escolhe seu adversário e,
consequentemente, a força e a qualidade como
β2
J2
A2 C
α2
β1 π
Outro
J1 A1 B jogo
α1
Espaço de governabilidade de J1
Espaço do jogo
Pode-se apreciar com clareza que o resultado B, de perícia nos estratos político, técnico-político
que o jogador 2 tenta conseguir, depende de técnico e burocrático da máquina do Estado.
variáveis que o jogador 1 controla e também de Nessa conceituação, denominamos variáveis
circunstâncias π que escapam ao controle de controladas aquelas que são objeto de opções e
ambos. Por isso a PES enfatiza a idéia de plano escolha para um jogador e, ao mesmo tempo, são
dual, ou seja, um plano que sempre tem duas relevantes para a consecução do objetivo de seu
caras: um plano de ação e um plano de demandas plano. No outro extremo, as variáveis fora de
e denúncias. No primeiro, o governante assume a controle podem ser de natureza muito diferente. A
responsabilidade de atacar os problemas. No seguinte distinção é útil para a planificação
segundo, reclama a cooperação de outros atores situacional:
ou denuncia a sua oposição, já que os resultados
de B não dependem exclusivamente de seu plano • Chamamos de invariantes aquelas
de ação. O bom político sempre dosa com variáveis que o jogador não controla,
sabedoria o plano de ação com o plano de mas conhece-lhes a lei de mudança
demandas e denúncias, como forma de cuidar de futura e, portanto, tem capacidade de
seu capital político. predizê-la
próprio jogo, que não controlamos e nem Esse triângulo sintetiza a situação de um
conhecemos sua lei de causalidade, que governante perante a realidade. As três variáveis
denominamos variantes do jogo (VP), variantes (B, β e α) dão forma ao sistema. A baixa
de outros jogos (VO), invariantes (IV), ou seja, capacidade de governo afeta a governabilidade, a
eventos que não controlamos, nem conhecemos a qualidade da proposta e a gestão do governo. As
lei de ocorrência e de surpresas (S), que são exigências do projeto de governo põem em prova
eventos de probabilidade muito baixa originados a capacidade de governo e a governabilidade do
na convergência do tempo de vários eventos de sistema. A governabilidade do sistema, por fim,
baixa probabilidade. impõe limites ao projeto de governo e faz
exigências à capacidade de governo.
(VP, VO) (IV) (S) A planificação situacional, em síntese, nos diz
VARIANTES INVARIANTES SURPRESAS
que nunca se governa com total governabilidade
βa βb βc
do sistema e total capacidade de governo. Deve
haver um equilíbrio dinâmico entre B, β e α.
β (Variáveis fora de controle)
Essas limitações nos impõem abandonar o
A B delineamento determinístico sobre o futuro e
α (Qualidade do plano
adotar formas de delineamento mais flexíveis.
e sua gestão) Noutras palavras, devemos substituir o cálculo
determinístico pelo cálculo interativo e a
fundamentação de apostas em contextos
Noutras palavras, a condicionante β, que afeta os explícitos. Estes contextos explícitos são cenários
resultados de nossa ação, se compõe de: possíveis do plano. O delineamento do plano
converte-se, portanto, numa série de cadeias de
β = (VP, VO, IV, S) apostas bem ou mal sustentadas em cadeias de
Nestas condições, não é possível anunciar argumentos, cálculos parciais e pressupostos.
resultados absolutos e precisos. Apenas podemos Devemos, então, revisar radicalmente nossa
fazer prognósticos condicionados pelo conjunto forma de delinear planos num mundo infestado de
de circunstâncias que dão forma ao contexto que incertezas e surpresas.
chamamos β.
Num jogo semicontrolado, combinam-se nos
O esquema a seguir mostra as relações de grandes problemas do plano as relações de texto
condicionamento que um plano estratégico deve (plano) e contexto (cenários estáveis ou
explicitar. turbulentos) com situações de diferentes tipos de
As principais relações anteriores podem também incerteza. Quando o plano se localiza no caso em
ilustrar o que a PES denomina de triângulo de que β = 0, estamos na presença da planificação
governo. tradicional normativa ou prescritiva, geralmente
sem contexto explícito. Em troca, a planificação
estratégico-situacional contempla todas as
situações anteriores e obriga a explicitar o
Peso de β B (Projeto de governo)
contexto β em que o plano se situa e anuncia
Peso de α
resultados.
Se nos perguntarmos agora sobre as vias para
β α lidar com as circunstâncias β e elevar a qualidade
(Governabilidade) (Capacidade de governo) das condições α, podemos sintetizar as propostas
da PES no esquema que se segue.
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Técnicas de cenários
Técnicas de absorção
de incertezas Planos de contingência
A B
Não ocorreu
Possibilidades não exploradas
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Um plano não deve cobrir o universo teórico de de um jogador podem-se diferenciar grandes
possibilidades que o futuro oferece e, por razões domínios de escassez de recursos, dentre os quais
práticas, explora apenas algumas. As demais convém destacar o controle dos centros de
permanecem na nebulosidade do futuro. O plano decisão (poder político), o controle de recursos
fecha um espaço de possibilidades que a realidade econômicos e decisões orçamentárias (poder
mantém abertas. Embora isso seja, a nosso ver, econômico), o controle de recursos
totalizante, satisfatório e pouco vulnerável, comunicacionais (poder comunicacional) e o
sempre será incompleto, pois refere-se apenas a controle das capacidades científicas e técnicas
uma interpretação das muitas outras (poder cognitivo e organizativo). O vetor de peso
interpretações possíveis que o futuro encerra. Este de um jogador é a enumeração das capacidades
é um argumento claro e definitivo para que ele controla diretamente ou de maneira
compreender o plano como uma obra aberta para indireta por meio das adesões de outros jogadores
a permanente e incessante necessidade de ajuste e da população não-organizada.
às surpresas e alterações, que permanecem não- O vetor de peso de um ator A, pode ser
reveladas e potenciais no momento de sua estruturado da seguinte forma:
revelação.
VPA = X1A...X2A...X3A.......XjA Xj + 1A Xj + 2A Xj + kA
A NECESSIDADE DO CÁLCULO ESTRATÉGICO
Controle direto Adesões
O terceiro problema: o “cálculo estratégico” de recursos
refere-se a pensar estratégias para tornar o plano
viável. Ou seja, articular o “deve ser” com o
“pode ser”. Não basta dispor de um bom onde cada XjA, precisa de um controle de
delineamento normativo e prescritivo do plano. É recursos do ator A, e cada Xj + kA, indica uma
preciso, além disso, uma boa estratégia para lidar adesão de outros atores A1, A2, A3.... Aj.
com os outros jogadores e com as circunstâncias Qualquer jogada de um ator requer uma
que cercam o jogo social. É este, exatamente, o combinação de recursos escassos que o vetor de
problema de saber jogar. Um jogador pode dispor peso enumera, embora algumas exijam
de boas cartas num jogo de baralho, mas, se não predominantemente apenas alguns dos tipos de
souber jogá-las, perde para outro que tem cartas recursos enumerados. Os resultados de uma
inferiores. jogada sobre o jogo, por sua vez, cruzam todos os
A metáfora iguala o delineamento prescritivo do domínios mencionados, se bem que possam
plano às cartas que o jogador tem. O plano concentrar-se, transitoriamente, em alguns destes
tradicional consiste em dizer: “Estas são as cartas e sobre alguns dos outros jogadores.
que devemos jogar. São boas cartas”. Mas é A eficácia política surge, aqui, como critério
evidente que o plano não pode limitar-se a isto, ou essencial de avaliação estratégica, em
seja, a nos comprometermos com uma proposta concorrência com os critérios de eficácia
prescritiva sobre o que devemos fazer. É econômica, cognitiva e organizativa. A eficácia
imprescindível a exploração de estratégias de jogo global de uma jogada não pode, portanto, ser
para descobrir o máximo que podemos fazer. avaliada apenas num domínio parcial do jogo e
Neste ponto, emergem com clareza as limitações em relação a um único recurso escasso.
da antiga planificação do desenvolvimento A planificação tradicional omite este capítulo e
econômico e social, que isola uma parcela da formula seus planos num vazio de contexto
realidade do jogo político à qual pertence o situacional que ignora o político como oposto ao
econômico-social. E, para maior simplicidade, técnico. Assume que o problema estratégico é dos
trata a parcela econômica de modo determinista e políticos e a planificação econômica é de domínio
no mero plano prescritivo. A análise estratégica dos técnicos. Por esta razão, temos praticado uma
leva-nos, inevitavelmente, à planificação integral planificação formal, ritual e tecnocrática, sem
da ação, sem separar o econômico do político. O estratégica política que lhe incorpore viabilidade.
poder, como recurso escasso, desempenha, nesta Esta planificação, na prática, é ignorada pelos
interação sistêmica, um papel chave para políticos, que primeiro intuem e depois
entender-se a complexidade do problema que um comprovam sua inutilidade.
governante enfrenta ao tomar decisões diante de
opções de resultados incertos que também A análise estratégica suscita as questões mais
dependem da ação de outros jogadores. complexas, pois devemos trabalhar num nível
prático-operacional com os conceitos de poder,
Nessas decisões, cada jogador fica limitado em motivação para atuar usando o poder, força
sua capacidade de ação por um vetor variado de aplicada ou pressão de um jogador sobre uma
múltiplos recursos escassos. Neste vetor de peso jogada etc. Devemos saber, ademais, distinguir
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entre viabilidade para decidir uma jogada e c) Estratégia, ou seja, a maneira ou modo de atuar
viabilidade para alterar estavelmente a situação do diante dos outros jogadores em relação à cada
jogo depois da jogada. Uma coisa não leva, operação ou jogada. Entre as diversas
necessariamente, à outra. Em um e outro caso, é estratégias, convém destacar:
preciso avaliar os resultados sobre o poder
• autoridade;
acumulado pelos jogadores e suas motivações.
Por fim, é preciso propor estratégias de jogo em • cooptação;
que se combinam a autoridade, a cooptação, a
• negociação;
negociação, o confronto e a dissuasão. É preciso
combinar estas estratégias, diferenciando • confronto;
jogadores e jogadas ao longo da trajetória do
• dissuasão
jogo, donde a consideração do tempo e da
oportunidade podem ser muito importantes. d) Trajetórias, ou seja, a maneira de utilizar o
Na análise estratégica, é necessário combinar as tempo e a sequência das ações para provocar
seguintes variáveis: as consequências desejadas
a) Atores ou jogadores, quer dizer, os sujeitos e) Operações ou jogadas que podem ser de dois
criativos que dinamizam o jogo com seus tipos:
interesses em confronto. • operações ou jogadas constitutivas do
b) Motivação e peso dos atores, variáveis que plano, sem as quais é impossível
dependem de: alcançar a situação-objeto, que
denominamos operações Op; e
• interesse ou posição que os jogadores
• operações ou jogadas táticas, cuja única
assumem perante às operações que os
participantes do jogo social buscam utilidade consiste em buscar, durante o
realizar (apoio, recusa, indiferença); jogo, incorporar viabilidade às operações
Op. A essas operações chamamos Ok.
• valor ou importância que os jogadores Uma operação Op pode ser realizada por
atribuem à cada operação (alto, médio, meio de uma gama de alternativas de
baixo); operações Ok, de modo que uma
operação Ok sempre é prescindível, mas
• peso ou força que cada jogador tem,
definido pelo correspondente valor de alguma operação Ok sempre é
peso; necessária.
t1 t2
Atores
OP
A3 1
OP
2
A2 OP
3
Autoridade
Cooptação
Negociação
Confronto
Decisão
O Gráfico tridimensional explica uma estratégia Deve ser vencido antes que ocorra, criando-se as
possível de A1. Este ator propõe-se a negociar condições prévias mais favoráveis para o êxito.
com o ator A2 e cooptar A3 para a realização da Se formos capazes de explorar tudo isso de forma
operação Op2, como forma de iniciar sua razoável, então estamos preparados para jogar
trajetória de jogadas. Este cálculo deve ser feito com o suporte de um cálculo estratégico eficaz.
para cada operação, a fim de que a estratégia dê Agora, resta apenas atuar com este suporte em
forma a uma trajetória em que cada operação cada momento do jogo, já que só a ação altera a
situa-se em dadas coordenadas estratégicas. As realidade.
coordenadas da operação Op1 no tempo t1, por
exemplo, são:
NO MOMENTO DE FAZER, DECIDE-SE TUDO
O quarto problema: “fazer”, refere-se a atuar, a
jogar, a realizar de acordo com o plano. É curioso
Op1 [(negociação, A2), (cooptação, A3)] t1 que o problema do fazer ocupe pouco espaço na
teoria da planificação, quando o plano só se
completa na ação, nunca antes. Este é um ponto
A estratégia deve procurar esquivar-se ao de extrema importância prática. Não existe a
confronto, para realizar o plano por consenso possibilidade de um plano completo em seu
(autoridade, cooptação, negociação) mas, se o delineamento e cálculo estratégico antes da ação.
confronto é inevitável, convém chegar a ela Na improvisação tática da ação do momento,
escolhendo o momento em que as condições completa-se o conteúdo prático do plano. Em
sejam melhores, vale dizer, naquela situação em consequência, um tema central de preocupação
que podemos exercer mais pressão que os outros deve ser o estudo das forças que, no momento da
oponentes. Para isso, a condição é a seguinte: prática, decretam o domínio da improvisação
sobre o plano ou do plano sobre a improvisação.
Esta é uma luta típica que se expressa na desigual
Ator A1 Oponentes concorrência entre as urgências e as importâncias
Pressão de A1 > Pressão dos oponentes na agenda do dirigente. Como a improvisação é
um cálculo situacional oportuno, supera
Motivação sobre Opx Motivação sobre Opx facilmente a planificação tradicional, que é
(+) 0 (-) tecnocrática e lenta. Aqui surge um requisito bem
Vetor de peso aplicável Vetor de peso aplicável
preciso: o plano deve ser um cálculo superior à
improvisação, para o que deve ser, não apenas
oportuno, como também profundo e acertado.
Por conseguinte, boa parte da qualidade de uma
Estudar o momento de fazer conduz ao conceito
estratégia decide-se na escolha do confronto ou
de sistema de direção. A planificação pode ser
negociação conflitiva, e do momento para fazê-lo.
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 40
parte ritual ou operacional do sistema de direção; Nessa tecnologia por módulos adotada pela PES,
que ocorra uma coisa ou outra, porém, não vale distinguir o seguinte:
depende principalmente do sistema de
• módulos explicativos (macroproblemas,
planificação, mas das regras que sustentam o
megaproblemas, problemas etc.);
sistema de direção. Tais regras podem gerar
demanda por planificação ou demanda por • módulos de ação (projetos de ação,
improvisação. operações, ações etc.);
O dirigente troca compromissos com seus • módulos de gestão (organismos que
superiores e subordinados. A prestação de contas assumem responsabilidades por
quanto aos compromissos assumidos constitui problemas e operações); e
regra-chave para compreender que uma direção
• módulos complementares (cenários,
responsável está submetida a uma estrita
prestação de contas que a obriga a operar com planos de contingência etc.).
uma gerência criativa, a dar espaço em sua Esta proposta de trabalhar com módulos tem
agenda às importâncias e a sustentar o tratamento muitas vantagens. Entre outras, a de precisão e
das importâncias com um poderoso sistema de rigor que sua conformação exige, constituindo-se
planificação. Como são as regras do jogo frente à ambigüidade e à imprecisão prática da
institucional? É a pergunta chave para entender o planificação tradicional.
que acontece com o sistema de direção e
planificação. Se não existe uma direção A idéia do plano modular permite ainda a
responsável, a agenda fica tolhida de urgências, a vinculação real do plano e do orçamento, já que
gerência será rotineira e a planificação subsistirá entrega ao plano a função de ser instrumento de
como mero ritual de efeitos simbólicos. organização para ação, com responsabilidades
bem definidas.
A velocidade de fazer, exigida pela velocidade
dos acontecimentos, é um sério desafio ao que Não obstante, na prática diária da ação, nada vai
poderíamos chamar de tecnologia de planificação. ocorrer exatamente como planejado e, às vezes,
Como resposta, a planificação estratégica não acontecerá nada daquilo a que nos
situacional propõe o conceito de plano modular. propusemos. Haverá falhas de análise dos
O conceito de módulo alude à idéia de construir problemas, deficiências nos fundamentos das
algo combinando peças previamente elaboradas. apostas, incapacidade de prover possibilidades,
Essas peças elementares, naturalmente, estão aparição de surpresas, agradáveis e desagradáveis,
abertas a muitas formas de combinação e equívocos, no cálculo estratégico e atrasos não
significado, pois, de outra maneira, não seriam considerados na gestão rotineira da burocracia
peças, mas obras fechadas. que executa as operações do plano.
Em nosso caso, trata-se dois arquivos. O primeiro Nenhuma técnica de planificação é segura diante
é o próprio plano como estrutura composta de da incerteza do mundo real e devemos nos apoiar
módulos processados segundo critério e visão do em nossa capacidade para acompanhar a
ator que assume o plano. O arquivo plano é uma realidade.
obra fechada à interpretação de um ator e a Aqui cabe recordar a análise do grande filósofo
serviço de seu jogo. O segundo arquivo, em troca, Hume, que se espantava com o cálculo que um
é a reserva com a qual se constrói o primeiro e cão faz para perseguir e alcançar um coelho.
compõe-se de módulos pré-processados que Trata-se de um plano em condições de alta
podem ser postos em aplicações com rápidas incerteza.
adaptações às circunstâncias do jogo concreto do
momento. Este é um arquivo aberto, não é O cão tem capacidade nula de predição e baixa
produto de uma seleção situacional filtrada pela capacidade de previsão quanto aos movimentos
subjetividade de um ator. Pelo contrário, é do coelho. No entanto, tem um plano de
formado por sedimentação de muitos planos perseguição baseado na capacidade de reagir com
anteriores ou pelo critério de várias equipes de rapidez diante dos inesperados movimentos da
estado-maior que entendem conveniente esta presa, e esse plano apoia-se num sistema de
reserva para responder com agilidade ante à acompanhamento dos movimentos do coelho.
demanda de seus líderes. Surge aqui o conceito de Notável, neste caso, não é precisamente, a
“investimento” em módulos pré-processados, a preocupação de Hume com as inimagináveis
fim de transformar o processo de fazer um plano matemáticas que o cão utilizaria para reduzir ao
no de “armar” e “adaptar” módulos previamente mínimo o percurso de sua perseguição, mas a
elaborados, na referência situacional do ator em capacidade do animal de alterar seu plano de
comando. Boa parte do tempo de uma agência de caça, com o máximo de rapidez, toda a vez que o
planejamento deve ser dedicado a investir na coelho alterar sua rota de fuga.
elaboração e no processamento de módulos.
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 41
Se o cão adotasse um único plano e, depois, o como método para aproximar-se do objetivo em
seguisse cegamente, fracassaria seu objetivo. sistemas de incerteza inexorável.
Assim, nada é mais importante que a sequência
E aqui é onde importa a direção estratégica, pois,
de outra forma, o cão pode distrair-se diante de
qualquer urgência e perder a noção de seu plano
Cálculo Ação Correção principal.
C1 L1 C3 L3
C4 L4
C2 L2