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O Plano

como Aposta
CARLOS MATUS 1

O PLANO E A GOVERNABILIDADE DO HOMEM caso, decide, faz e conhece, de antemão, os


SOBRE AS SITUAÇÕES objetivos que pode alcançar. No segundo, não
decide quanto a nada, só pode apostar no futuro e
O plano é o produto momentâneo do processo entregar-se ao destino. É um espectador do
pelo qual um ato seleciona uma cadeia de ações mundo que o determina e que não pode alterar.
para alcançar seus objetivos. Em seu significado Pode apenas julgar e criticar esta realidade, ou
mais genérico, podemos falar de plano de ação agradecer e lamentar a sua sorte. Mesmo na zona
como algo inevitável na prática humana, cuja limite deste último caso, porém, a história mostra-
única alternativa é o domínio da improvisação. nos líderes que desafiam o impossível, nas
Esse conceito genérico de plano não depende, por condições mais adversas. Nesse extremo teórico,
conseguinte, de sua pertinência a um sistema o plano submete-se à máxima prova de sua
econômico-social determinado, mas do uso da eficácia. Se não pode ser potente na adversidade e
razão técnico-política na tomada de decisões. cede ante à improvisação, com muito mais razão
Sempre existe, porém, o perigo de confundir este esta última o deslocará nas condições favoráveis.
processo com um cálculo determinado por leis O governante real, como condutor de situações,
científicas precisas, apoiado num diagnóstico situa-se entre os dois extremos. O equilíbrio entre
preciso da realidade. O plano, na vida real, está as variáveis que controla e as que não controla
rodeado de incertezas, imprecisões surpresas, define sua governabilidade sobre o objeto do
rejeições e apoio de outros atores. Em plano. A governabilidade do homem sobre a
conseqüência, seu cálculo é nebuloso e sustenta- realidade aponta justamente para qual dos
se na compreensão da situação, ou seja, a extremos teóricos se encaminha sua situação. O
realidade analisada na particular perspectiva de governante pode decidir quanto às variáveis que
quem planifica. Eventualmente este plano conduz controla, mas, muitas vezes, não pode assegurar
à ação, de modo que , para repetir a frase de John resultados, porque dependem de uma parte do
Friedman, pode-se dizer que o plano é uma mundo que não controla.
mediação entre o conhecimento e a ação. Tal
mediação, contudo, não se produz através de uma Essa dificuldade não desanima o intento do
relação simples entre a realidade e as ciências, homem de governar a realidade por meio de
porque o conhecimento da primeira vai além do apostas que, com algum fundamento de cálculo,
âmbito tradicional da segunda. movem-no a anunciar os resultados de sua ação.
A política exige compromissos que se expressam
O homem, perante uma situação, debate-se entre como anúncios de resultados. Um plano é um
dois extremos. Num deles, controla totalmente os compromisso que anuncia resultados, ainda que
resultados de sua prática. Noutro, desafia ou tais resultados não dependam inteira ou
submete-se a processos nos quais é arrastado por
circunstâncias que não controla. No primeiro
1
Carlos Matus - economista, ministrou a cátedra de Política Econômica nos cursos de pós-graduação em Planejamento da CEPAL e do
Instituto Latino-Americano de Planificación e Desarollo (ILPS) das Nações Unidas. Autor de vários livros sobre planejamento.
Atualmente preside a Fundação Altadir Caracas, Venezuela. Tradução do texto de Carlos Matus feita por Frank Roy Cintra Ferreira
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 29

principalmente do cumprimento daqueles O JOGO DA CORDA ELÁSTICA E DO SINO


compromissos.
Agora, quanto depende do jogador 1 a meta de
Os fundamentos das apostas de um governante estabilizar o sino? Quanto pesam os movimentos
são tanto mais sólidas quanto maior for o peso das de 2, 3 e 4 ao alcance do objetivo? Este é
variáveis que controla em relação ao das que não exatamente um jogo em que o resultado depende
controla, e são mais débeis se as variáveis que apenas em parte da ação de 1. Neste caso, o
controla forem poucas e de pouco peso. Num cálculo que deve fazer quem queira impedir que o
extremo do controle absoluto, a aposta converte- sino toque é um cálculo não bem estruturado, que
se em certeza sobre os resultados. Noutro, de supera as possibilidades da moderna matemática,
absoluto descontrole, a aposta é um caso de sorte e o plano baseado neste cálculo quase estruturado
ou azar. é uma aposta que encerra certo grau de
vulnerabilidade. O jogo social, sem dúvida, é
O processo de governo situa-se numa zona
muito mais variado e complexo do que este,
intermediária entre a certeza absoluta e o puro
porque, entre outras razões, compõe-se de muitos
azar. Consequentemente, a teoria do governo não
subjogos em que o jogador 1 tem, sobre alguns
é uma teoria do controle determinístico do
deles, mais ou menos controle do que noutros.
governante sobre um sistema, nem a teoria de um
mero jogo de azar, mas contém doses de ambos os
ingredientes.

O PLANO: COMBINAÇÃO DE CÁLCULO E


APOSTAS

Na proposta anterior enraíza-se toda a diferença


entre a planificação tradicional - muito apegada
ao determinismo e ao economicismo tecnocrático,
cuja base científica é a teoria do controle de um
sistema por um “agente” - e a planificação
estratégico-situacional (PES), cujo fundamento é
a teoria de um jogo semicontrolado à serviço da
prática racional da ação humana.
Para entender o que é um jogo semicontrolado,
assumamos como metáfora este problema bem
A principal característica do que chamamos de
simples. Você, o jogador 1, tem uma corda de 1,5
um jogo semicontrolado está no seguinte: há
metro de comprimento. No meio da corda está
aspectos e momentos do jogo em que, apesar dos
amarrado, pendente de um fio curto, um sininho
outros jogadores, pode-se calcular resultados com
que, por ser muito sensível à instabilidade, emite
alta margem de segurança ou com probabilidades.
seu ruído típico a qualquer movimento. O jogo
Se o sino está estabilizado, por exemplo, basta
consiste em tomar a corda pelos dois extremos e
que os jogadores se abstenham de fazer
esticá-la, tentando reduzir ao mínimo o tempo em
movimentos para que permaneça silencioso. O
que o sino ressoa. Se você é o único jogador, o
sistema torna-se mais previsível. Mas há outros
problema parece fácil. Só depende de você não
aspectos e momentos do jogo em que só se pode
fazer movimentos desnecessários, e você decide
fazer apostas condicionadas à ocorrência de
quando a corda elástica está suficientemente
determinadas circunstâncias e decidir apenas na
esticada. Agreguemos, então, o jogador 2. Agora
base de preferência quanto a alguma aposta, pois
você segura só um dos extremos da corda e o
o cálculo de resultados é impossível. Por
jogador 2 segura o outro. Suponhamos que ambos
exemplo: o sino está tocando e todos tratam de
os jogadores cooperem. Mesmo assim, o
fazer movimentos para estabilizá-lo, com
problema já é mais difícil. O menor
resultados imprevisíveis. Neste último caso, o
“movimentozinho” do outro jogador pode
futuro é nebuloso, difuso e indeterminável. Não
derrotar seu objetivo. Tampouco será fácil um
se pode calcular o risco de uma jogada ou de uma
acordo sobre o conceito de “corda
decisão. A incerteza é inexorável. o que o plano
suficientemente esticada”. Juntemos a seguir mais
anuncia é uma aposta débil.
dois jogadores, de modo que os quatro, em certos
momentos, desejem cooperar para alcançar o Para compreender a teoria da planificação é
objetivo e, em outros, tratem de impedir que um conveniente, portanto, distinguir um sistema
mantenha o sino estável e silencioso. controlado de outro, semicontrolado.
O sistema é controlado por um jogador se os
outros participantes do jogo têm comportamentos
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predizíveis e se propõem ao máximo uso dos tampouco sabem com exatidão a jogada seguinte
limitados recursos que possuem, a fim de que será mais eficaz. Não se pode comprar ou
aumentá-los a cada nova jogada. Trata-se de um espionar uma informação que outrem não possui..
cálculo científico, apoiado no conhecimento das
Em outras palavras, nenhum jogador pode
leis de comportamento dos outros jogadores que
raciocinar de modo determinístico: “Se decido A,
cooperam e competem pelos mesmos recursos,
a conseqüência é B”. De outra maneira não seria
cuja posse é indispensável para alcançar objetivos
um jogo, mas um sistema controlado. E isto é
que, por sua vez, também são cooperativos e
válido, embora o jogo social seja desigual e
conflitivos. Neste caso, o suporte essencial para
outorgue a uns muito mais poder que a outros.
tomar uma decisão no jogo é o cálculo estruturado
Não obstante, em duas condições extremas e
que permite ao jogador no controle anunciar
concomitantes é possível reduzir teoricamente a
resultados determináveis, com certeza, ou
incerteza inexorável e convertê-la em certeza: a)
probabilidades objetivas. No “jogo da velha”, por
se um jogador chega a controlar todos os recursos
exemplo, não tenho controle sobre as decisões de
limitados de um jogo e transforma seus oponentes
meu oponente, mas posso fazer uma precisão
em servidores, e b) se esse jogo é completamente
precisa de todas as suas possíveis jogadas. O
independente dos outros jogos que se
mesmo se dá com meu adversário à respeito de
desenvolvem ao mesmo tempo. Mas tal extremo é
meus planos. Trata-se, por conseguinte, de um
mera curiosidade teórica que define a zona
jogo estruturado. Algo parecido ocorre
fronteiriça entre um jogo e um sistema
implicitamente com um modelo econométrico no
controlado. Na vida real, política, econômica,
qual se assume que o criador do modelo conhece
cognitiva, social etc., nenhuma das duas
a conduta dos agentes econômicos.
condições mencionadas é alcançável por um
Em contraposição, o sistema é semicontrolado se jogador.
todos os jogadores participantes são estrategistas
Este jogo difuso e nebuloso tem os seguintes
criativos que cooperam e entram em conflito
ingredientes de incerteza:
pelos limitados recursos que o resultado do jogo
distribui em cada momento de seu interminável • Ignorância quanto ao futuro daquela
desenvolvimento. Neste caso, o suporte essencial parte do mundo que supomos regida por
para tomar uma decisão no jogo é o julgamento leis que ainda desconhecemos ou que as
do apostador, fundamentado, em parte, por ciências ainda não esclareceram. É o
cálculos parciais bem estruturados e, em parte, aspecto de incerteza originado por nosso
por preferências explícitas quanto aos aspectos desconhecimento da natureza e dos
nebulosos ou não bem-estruturados. O julgamento processos sociais em que vigora a lei dos
do apostador pode refinar-se, explorando a grandes números. A investigação, o
eficácia de nossas ações, ou seja, seus resultados, estudo, a capacitação e o treinamento
em diversos futuros possíveis que se desenvolvem podem reduzir esta primeira limitação.
em diversas circunstâncias ou cenários. No jogo Hoje, por exemplo, não conhecemos as
da corda e do sino, por exemplo, o jogador 1 não leis seguidas pelo desenvolvimento da
tem capacidade alguma de predição e sua enfermidade conhecida como AIDS, mas
capacidade de previsão é incompleta e imprecisa no futuro, por meio da investigação, é
quanto aos movimentos dos outros jogadores. possível que descubramos essas leis. É
possível, também, que um ator
Na vida real, governa-se e planifica-se num jogo
monopolize certos conhecimentos em
semicontrolado, e isto altera todas as nossas bases
detrimento de outros.
de pensamento sobre a planificação.
• Criatividade dos jogadores. Irredutível
mediante informação e conhecimento,
NO JOGO SOCIAL, O FUTURO É NEBULOSO; NÃO É porque esses recursos alimentam mais
PREDIZÍVEL rapidamente a própria criatividade do
que a capacidade humana de predizê-la.
O aspecto incontrolável do jogo social está em
É o aspecto interativo e mais fascinante
que todos os jogadores têm limitações de
do jogo. A criatividade é uma
informação e de recursos para pretender ganhar o
característica da interação humana entre
jogo e, mesmo com abundância de recursos
poucos. Eu jogo “X”; qual será a jogada
econômicos, não podem comprar boa parte desta
seguinte de meu oponente? Qual será
informação. Uma parte muito importante da
minha resposta a essa hipotética jogada?
informação de que os jogadores necessitam para
Essa é a essência da interação criativa
jogar com eficácia não pode ser obtida mediante
em que cada jogador é um bom ou um
investigação ou espionagem. Os jogadores,
mau estrategista. Este cálculo, por
portanto, não sabem com certeza como superar
definição, não segue leis e gera uma
essas limitações, pois, em cada momento do jogo,
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certeza inexorável que não se reduz, de Neste jogo, em cada momento de seu
forma expressiva, com mais desenvolvimento, os jogadores podem comparar
conhecimentos. O surpreendente e o os objetivos a que se propuseram com os
inimaginável descontrolam os planos dos resultados do jogo, vale dizer, com os objetivos
jogadores. Também dificulta o jogo a alcançados.
multiplicidade do futuro imaginável,
Por esta via, ao analisar os resultados do jogo,
diante da necessidade de apostar numa
cada um dos jogadores identifica problemas.
variedade muito mais reduzida de
Assim, um problema para um jogador é o
possibilidades. Só as possibilidades são
resultado insatisfatório que, em determinada data,
aos milhares, como apostar nas duas ou
o jogo lhe oferece. Portanto, é natural que o que é
três mais relevantes? Esta incerteza é
um problema para o jogador 1 seja justamente um
inevitável. Um jogador pode estar mais
bom resultado para o jogador 2. O problema
ou menos preparado para prover e reagir
sempre é relativo a um jogador. Não obstante, há
ante esta nebulosidade do futuro, mas
uma exceção: os problemas que provém de
não pode evitá-la, na vida prática.
beneficiários do jogo B que afetam negativamente
• Opacidade da linguagem, que, muitas nosso jogo A. Neste caso, surgem problemas
vezes, torna ambíguo o intercâmbio de comuns a todos os jogadores participantes do jogo
significados, que se produz nas A.
conversações entre jogadores. O jogador
1 pode falar “A” e o jogador 2 escutar
“B”. No jogo de bridge, esses erros de APRENDER A JOGAR
conversação são muito comuns, pois
fala-se, principalmente, através das Se deseja alcançar bons resultados, o governante
próprias jogadas e estas admitem mais de deve aprender a jogar no jogo social. Mas o que
significa jogar bem? Esta é a pergunta-chave para
uma interpretação. No jogo social ocorre
a teoria do governo e a planificação, porque jogar
algo parecido. Como posso saber se a
bem não apenas implica o domínio intelectual da
ameaça de uma greve, uma renúncia ou
complexidade do jogo semicontrolado, como,
uma guerra é real ou uma fanfarronada?
principalmente, a arte de jogar bem na prática,
Por isso existe uma dimensão lingüística
medir-se com os outros jogadores e dominar a
na nebulosidade do jogo social.
tensão que o jogo produz numa situação concreta.
• O jogo maior ou o contexto em que se
situa o nosso jogo particular, sobre o Aqui podemos tratar apenas do problema do
qual não só não temos controle, como domínio intelectual da complexidade do jogo
nem mesmo capacidade de predição. semicontrolado. O outro aspecto, mais importante
Quando muito, dispomos de limitada ainda, requer mestria artística, vocação e aptidões
capacidade de previsão sobre o contexto que só são provadas na prática política e
ou circunstâncias que cercam e conseguidas mediante o treinamento perseverante.
condicionam nosso jogo. Aqui, Um estadista o é conforme tenha domínio, tanto
“previsão” é uma predição condicionada intelectual como artístico sobre o jogo
que começa com a conjunção “se” semicontrolado.
precedendo as circunstâncias em que se Em síntese genérica, pode-se dizer que o domínio
situa meu plano. Os jogadores escolhem intelectual da complexidade do jogo
seu plano de jogo, mas não as semicontrolado apresenta quatro grandes
circunstâncias em que devem realizá-lo. problemas:
Nesse nicho de incerteza os jogadores entram em • Saber explicar a realidade do jogo;
cooperação e em conflito e, assim, surgem
problemas de relações no interior do plano de um • Saber delinear propostas de ação sob
ator, e de relações externas entre os planos dos forte incerteza;
diversos jogadores. No nível dos objetivos do • Saber pensar estratégias para lidar com
plano, por exemplo, podem verificar-se as os outros jogadores e com as
interações descritas no quadro acima. circunstâncias, para calcular bem o que
O conflito de planos e objetivos é fonte de podemos fazer, em cada momento, em
incertezas, pois a eficácia da jogada de 1 depende relação ao que podemos fazer para
do que antes tenha jogado 2 e do que jogue alcançar os objetivos; e
depois. Contudo, mesmo na cooperação entre • Saber fazer no momento oportuno e com
jogadores, há incerteza, porque nem sempre é eficácia, recalculando e completando o
fácil decidir quanto à jogada que é de mútua plano com um complemento de
conveniência. improvisação subordinada.
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Contrastes da planificação tradicional com a PES

PLANIFICAÇÃO TRADICIONAL PROBLEMAS BÁSICOS PLANIFICAÇÃO ESTRATÉGICA

1. Unidimensional (apenas recursos 1. Como explicar 2. Como esboçar o futuro 1. Multidimensional (político, econômico,
econômicos) cognitivo etc.

Diagnóstico Asserção
2. Determinística versus versus 2. Incerteza dura β
A B Explicação Situacional Aposta
A B

J1
3. Sem contexto (circunstâncias 3. Contexto explícito
implícitas Parcialmente enumerável (B = a,b...?)
Mesa
J3 de J2
4. Sem atores sociais (um governante e Jogo 4. Atores sociais em um jogo
um sistema governado)
J4

5. Proposta de ação ao político com Consulta Política Conselho Técnico 5. Vários planos com resultados variáveis
anúncio de resultados precisos versus versus segundo as circunstâncias
Análise Estratégica Cálculo Situacional
6. O escritório de planificaçào planifica 3. Como calcular o 4. O que fazer hoje 6. Quem governa planifica
possível

EXPLICAÇÃO SITUACIONAL OU DIAGNÓSTICO? Diferenciação de Explicações

O primeiro problema, “saber explicar”, obriga- B


João Pedro
A
nos a questionar o conceito de diagnóstico. Num
jogo, há vários jogadores e diferentes perspectivas (I) (II)
João explica o jogo Atribui a Pedro uma
de análise do mesmo. Existe o outro, que também João
tendo a si próprio como explicação do jogo,
joga. Quem tem a capacidade e a necessidade de referência... feito por João
explicar? Todos os jogadores. Existem, pois,
várias explicações sobre a realidade do jogo (III) (IV)
social. Dependo de quem explica. A explicação Pedro Atribui a João uma Pedro explica o jogo
explicação do jogo feita tendo a si próprio como
de João, ganhador, não pode ser a mesma de por Pedro referência e...
Pedro, derrotado.
Se sou o jogador João, interessa-me conhecer a
explicação dos que competem ou cooperam
comigo? É óbvio que sim, porque com este Certamente a atribuição recíproca de explicações
conhecimento posso jogar melhor. Minha corretas é um ideal inalcançavel e implica:
explicação é mais poderosa se considera e para João, que II = IV
diferencia as dos outros.
para Pedro, que III = I
Explicar bem é diferenciar as explicações dos
diversos jogadores e atribuir corretamente a cada É natural que, quanto mais próximas forem as
jogador as explicações diferenciadas. Implica explicações II e IV, melhor possa jogar João e,
também verificar se os jogadores jogam de inversamente, quanto mais próximas as
maneira consistente com as explicações que lhes explicações III e I, melhor pode jogar Pedro.
atribuímos. A explicação - de provisória convertida em
Em face da necessidade de fundamentar suas definitiva, de subjetiva em objetiva ou de
estratégias, produz-se, entre dois jogadores, João apreciação situacional em diagnóstico - supõe a
e Pedro, uma recíproca atribuição de explicações perda da liberdade de ver e aprender o mundo. A
situacionais, tal como indicado no quadro a realidade é um espaço de possibilidades
seguir. explicativas aberto a todos os jogadores que nela
atuam. Uma explicação, por conseguinte, fecha
esse espaço de possibilidades quando se aferra a
uma única visão excludente.
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A diferenciação de explicações abre o caminho do determinadamente. Um químico, em seu


entendimento e aperfeiçoa o do confronto. Essa laboratório, pode realizar uma experiência já
diferenciação explicativa não reside na realidade provada e anunciar, com segurança, seu resultado.
em si, mas em quem a explica. Mas, como a Seu experimento não é uma aposta. É um
explicação motiva a ação e esta muda a realidade, delineamento em que não existem variáveis de
toda explicação é uma colaboração na construção incerteza, nem no texto nem no contexto do
do mundo. Existe, pois, uma relação subjetiva e experimento. Seu anúncio de resultados está a
interativa entre o ator que explica e a realidade salvo de qualquer perturbação significativa alheia
como dado objetivo, aberto, entretanto, a muitas às variáveis que o químico controla, aplica e dosa
explicações. em precisas proporções.
Uma explicação situacional o é apenas se há um No jogo social, tal certeza é impossível por duas
ator ou jogador que se lhe identifica. Uma razões:
investigação, em troca, para ser válida, não requer
porque o jogador escolhe seu plano segundo o
atores que se identifiquem com sua proposta de
controle que tem sobre as variáveis que para ele
causalidade e resultados.
são opções, mas apenas uma parcela das variáveis
Isso leva-nos ao conceito de situação e de são relevantes para calcular o resultado de sua
explicação situacional. A apreciação situacional ação; os outros jogadores também controlam parte
de cada jogador é o motivo e o motor de sua ação. das variáveis que influem sobre os resultados de
O conceito de diagnóstico, porém, apega-se a uma meu plano; e
explicação única supostamente objetiva, e, muitas
porque o jogador não pode escolher as
vezes, sem autor reconhecível porque, em vez de
circunstâncias em que tem de realizar o plano,
diferenciar as explicações dos diversos jogadores,
quer dizer, não pode decidir quanto às variáveis
combina-as, ou confunde-as numa só explicação
que nenhum dos jogadores dessa mesa de jogo
genérica que não representa ninguém em
controla. Parte do jogo I se decide no
particular, salvo, às vezes, uma técnica de
desenvolvimento de um jogo II, do qual, por
planejamento que não participa da mesa do jogo
vezes, sabemos muito pouco.
social, nem a ela tem acesso seus conselhos.
Em consequência, se queremos atingir o resultado
Em síntese, o primeiro problema é identificar
B, temos agora de raciocinar considerando nossa
corretamente os problemas e explicá-los,
situacionalmente; quer dizer, diferenciar as ação A e as circunstâncias β que pode se atuar.
explicações, para saber não apenas onde atuar Como só controlamos A e não podemos afetar β,
para enfrentá-los, como também perante quem nosso plano deve trabalhar com previsões como
devemos fazê-lo. as seguintes:

Na explicação do jogo social não existem β1


problemas óbvios, nem explicações absolutas e
seguras. Toda argumentação sobre o jogo passado
A1
supõe a relação de causalidade condicionada B
β A2

β2

A B Essa expressão poderia ser lida assim: “Se as


circunstâncias são β1, para se atingir o resultado
onde A é uma causa, B é o resultado causado e β B devo fazer A1. Se as circunstâncias são β2,
as circunstâncias de contexto em gerar cambiantes porém, para atingir B, devo fazer A2”.
que, influenciando a explicação, validam a
argumentação causal. Por isso, sempre a rigor, é Se assumirmos que só é possível produzir a ação
necessário verificar a solidez de cada relação A1, então o plano será:
causal que fundamenta nossa ação, pois as β1
circunstâncias β podem ser distintas no plano e na
explicação situacional.
A1 B

O PLANO COMO APOSTA ABERTA A2 C

O segundo problema: “saber delinear frente à


incerteza” consiste em saber delinear sob forte β2
dúvida. Isto é o oposto de delinear
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Quer dizer, os resultados de nosso plano estrategista deste. Mas as circunstâncias β, por
dependerão das circunstâncias. sua vez, estão, em geral, afetadas pelas
A interação dos jogadores é fonte de geração de circunstâncias π, vale dizer, variáveis de outros
jogos que perturbam o nosso. O gráfico a seguir
circunstâncias β incertas e internas ao jogo. O
ilustra estas relações.
jogador 1 não escolhe seu adversário e,
consequentemente, a força e a qualidade como

β2

J2
A2 C

α2

β1 π

Outro
J1 A1 B jogo

α1

Espaço de governabilidade de J1

Espaço do jogo

Pode-se apreciar com clareza que o resultado B, de perícia nos estratos político, técnico-político
que o jogador 2 tenta conseguir, depende de técnico e burocrático da máquina do Estado.
variáveis que o jogador 1 controla e também de Nessa conceituação, denominamos variáveis
circunstâncias π que escapam ao controle de controladas aquelas que são objeto de opções e
ambos. Por isso a PES enfatiza a idéia de plano escolha para um jogador e, ao mesmo tempo, são
dual, ou seja, um plano que sempre tem duas relevantes para a consecução do objetivo de seu
caras: um plano de ação e um plano de demandas plano. No outro extremo, as variáveis fora de
e denúncias. No primeiro, o governante assume a controle podem ser de natureza muito diferente. A
responsabilidade de atacar os problemas. No seguinte distinção é útil para a planificação
segundo, reclama a cooperação de outros atores situacional:
ou denuncia a sua oposição, já que os resultados
de B não dependem exclusivamente de seu plano • Chamamos de invariantes aquelas
de ação. O bom político sempre dosa com variáveis que o jogador não controla,
sabedoria o plano de ação com o plano de mas conhece-lhes a lei de mudança
demandas e denúncias, como forma de cuidar de futura e, portanto, tem capacidade de
seu capital político. predizê-la

Entre os elementos condicionantes do resultado B • Em contraste, variantes são variáveis que


do jogador 1, é importante mencionar as o jogador não controla e tampouco
condições α, que se referem à qualidade do plano conhece sua lei de mudança, pelo que
elaborado e à eficácia de sua gestão. As condições não tem capacidade de predizê-las
α dependem da capacidade de governo, quer • O jogo pode produzir eventos de
dizer, da potência dos métodos e práticas de probabilidade muito baixa, mas de
trabalho da equipe de governo, assim como da sensível impacto positivo ou negativo
perícia de seus integrantes. Esta capacidade de sobre os objetivos do plano de um
governo tem um aspecto pessoal e outro aspecto jogador. A estes eventos chamamos de
institucional. O pessoal indica a qualidade e a surpresas.
perícia da liderança do momento. O institucional,
em troca, é mais estável e refere-se à acumulação Por conseguinte, β compõe-se de eventos de
significativa probabilidade de ocorrência no
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próprio jogo, que não controlamos e nem Esse triângulo sintetiza a situação de um
conhecemos sua lei de causalidade, que governante perante a realidade. As três variáveis
denominamos variantes do jogo (VP), variantes (B, β e α) dão forma ao sistema. A baixa
de outros jogos (VO), invariantes (IV), ou seja, capacidade de governo afeta a governabilidade, a
eventos que não controlamos, nem conhecemos a qualidade da proposta e a gestão do governo. As
lei de ocorrência e de surpresas (S), que são exigências do projeto de governo põem em prova
eventos de probabilidade muito baixa originados a capacidade de governo e a governabilidade do
na convergência do tempo de vários eventos de sistema. A governabilidade do sistema, por fim,
baixa probabilidade. impõe limites ao projeto de governo e faz
exigências à capacidade de governo.
(VP, VO) (IV) (S) A planificação situacional, em síntese, nos diz
VARIANTES INVARIANTES SURPRESAS
que nunca se governa com total governabilidade
βa βb βc
do sistema e total capacidade de governo. Deve
haver um equilíbrio dinâmico entre B, β e α.
β (Variáveis fora de controle)
Essas limitações nos impõem abandonar o
A B delineamento determinístico sobre o futuro e
α (Qualidade do plano
adotar formas de delineamento mais flexíveis.
e sua gestão) Noutras palavras, devemos substituir o cálculo
determinístico pelo cálculo interativo e a
fundamentação de apostas em contextos
Noutras palavras, a condicionante β, que afeta os explícitos. Estes contextos explícitos são cenários
resultados de nossa ação, se compõe de: possíveis do plano. O delineamento do plano
converte-se, portanto, numa série de cadeias de
β = (VP, VO, IV, S) apostas bem ou mal sustentadas em cadeias de
Nestas condições, não é possível anunciar argumentos, cálculos parciais e pressupostos.
resultados absolutos e precisos. Apenas podemos Devemos, então, revisar radicalmente nossa
fazer prognósticos condicionados pelo conjunto forma de delinear planos num mundo infestado de
de circunstâncias que dão forma ao contexto que incertezas e surpresas.
chamamos β.
Num jogo semicontrolado, combinam-se nos
O esquema a seguir mostra as relações de grandes problemas do plano as relações de texto
condicionamento que um plano estratégico deve (plano) e contexto (cenários estáveis ou
explicitar. turbulentos) com situações de diferentes tipos de
As principais relações anteriores podem também incerteza. Quando o plano se localiza no caso em
ilustrar o que a PES denomina de triângulo de que β = 0, estamos na presença da planificação
governo. tradicional normativa ou prescritiva, geralmente
sem contexto explícito. Em troca, a planificação
estratégico-situacional contempla todas as
situações anteriores e obriga a explicitar o
Peso de β B (Projeto de governo)
contexto β em que o plano se situa e anuncia
Peso de α
resultados.
Se nos perguntarmos agora sobre as vias para
β α lidar com as circunstâncias β e elevar a qualidade
(Governabilidade) (Capacidade de governo) das condições α, podemos sintetizar as propostas
da PES no esquema que se segue.
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Técnicas de cenários
Técnicas de absorção
de incertezas Planos de contingência

(VP, VO) (IV) (S)

β (Variáveis fora de controle)

A B

α (Qualidade do plano e sua gestão)

Direção estratégica Análise de vulnerabilidade e Pré e pós-avaliação


confiabilidade do plano de operações

Aqui, destacam-se as técnicas de cenários, de maior será a necessidade de elevar a qualidade


absorção de incertezas e de planos de dos condicionantes α, e isto obriga a métodos
contingência para enfrentar a incerteza que β mais poderosos e complexos de direção e
gera. Para elevar a qualidade das condições α, planificação.
destacam-se expressamente a adoção de métodos Pelas razões anteriores, como indica o gráfico a
de direção estratégica, a análise de seguir, o plano é uma seleção de operações
vulnerabilidade e confiabilidade do plano e a pré destinadas a alterar a situação inicial e atingir a
e pós avaliação de operações. situação-objetivo. Mas a pertinência, o produto e
Todas essas considerações sobre a incerteza os resultados ou efeitos de tais operações sobre a
fazem mais complexo o delineamento prescritivo situação inicial só estão explorados num espaço
do plano, mas o tornam muito mais flexível e parcial das possibilidades que podem ser gestadas
realista. pelas condições β, fora do controle do ator, e das
condições α, que dependem das capacidades de
A realidade complexa não pode ser abordada com gestão e planificação do plano.
métodos simples. Com efeito, quanto mais
variedade e peso apresentam as condições β, tanto

História Hoje Futuro (plano)

Possibilidades não exploradas


Não ocorreu

História Real Possibilidades exploradas no plano

Não ocorreu
Possibilidades não exploradas
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 37

Um plano não deve cobrir o universo teórico de de um jogador podem-se diferenciar grandes
possibilidades que o futuro oferece e, por razões domínios de escassez de recursos, dentre os quais
práticas, explora apenas algumas. As demais convém destacar o controle dos centros de
permanecem na nebulosidade do futuro. O plano decisão (poder político), o controle de recursos
fecha um espaço de possibilidades que a realidade econômicos e decisões orçamentárias (poder
mantém abertas. Embora isso seja, a nosso ver, econômico), o controle de recursos
totalizante, satisfatório e pouco vulnerável, comunicacionais (poder comunicacional) e o
sempre será incompleto, pois refere-se apenas a controle das capacidades científicas e técnicas
uma interpretação das muitas outras (poder cognitivo e organizativo). O vetor de peso
interpretações possíveis que o futuro encerra. Este de um jogador é a enumeração das capacidades
é um argumento claro e definitivo para que ele controla diretamente ou de maneira
compreender o plano como uma obra aberta para indireta por meio das adesões de outros jogadores
a permanente e incessante necessidade de ajuste e da população não-organizada.
às surpresas e alterações, que permanecem não- O vetor de peso de um ator A, pode ser
reveladas e potenciais no momento de sua estruturado da seguinte forma:
revelação.

VPA = X1A...X2A...X3A.......XjA Xj + 1A Xj + 2A Xj + kA
A NECESSIDADE DO CÁLCULO ESTRATÉGICO
Controle direto Adesões
O terceiro problema: o “cálculo estratégico” de recursos
refere-se a pensar estratégias para tornar o plano
viável. Ou seja, articular o “deve ser” com o
“pode ser”. Não basta dispor de um bom onde cada XjA, precisa de um controle de
delineamento normativo e prescritivo do plano. É recursos do ator A, e cada Xj + kA, indica uma
preciso, além disso, uma boa estratégia para lidar adesão de outros atores A1, A2, A3.... Aj.
com os outros jogadores e com as circunstâncias Qualquer jogada de um ator requer uma
que cercam o jogo social. É este, exatamente, o combinação de recursos escassos que o vetor de
problema de saber jogar. Um jogador pode dispor peso enumera, embora algumas exijam
de boas cartas num jogo de baralho, mas, se não predominantemente apenas alguns dos tipos de
souber jogá-las, perde para outro que tem cartas recursos enumerados. Os resultados de uma
inferiores. jogada sobre o jogo, por sua vez, cruzam todos os
A metáfora iguala o delineamento prescritivo do domínios mencionados, se bem que possam
plano às cartas que o jogador tem. O plano concentrar-se, transitoriamente, em alguns destes
tradicional consiste em dizer: “Estas são as cartas e sobre alguns dos outros jogadores.
que devemos jogar. São boas cartas”. Mas é A eficácia política surge, aqui, como critério
evidente que o plano não pode limitar-se a isto, ou essencial de avaliação estratégica, em
seja, a nos comprometermos com uma proposta concorrência com os critérios de eficácia
prescritiva sobre o que devemos fazer. É econômica, cognitiva e organizativa. A eficácia
imprescindível a exploração de estratégias de jogo global de uma jogada não pode, portanto, ser
para descobrir o máximo que podemos fazer. avaliada apenas num domínio parcial do jogo e
Neste ponto, emergem com clareza as limitações em relação a um único recurso escasso.
da antiga planificação do desenvolvimento A planificação tradicional omite este capítulo e
econômico e social, que isola uma parcela da formula seus planos num vazio de contexto
realidade do jogo político à qual pertence o situacional que ignora o político como oposto ao
econômico-social. E, para maior simplicidade, técnico. Assume que o problema estratégico é dos
trata a parcela econômica de modo determinista e políticos e a planificação econômica é de domínio
no mero plano prescritivo. A análise estratégica dos técnicos. Por esta razão, temos praticado uma
leva-nos, inevitavelmente, à planificação integral planificação formal, ritual e tecnocrática, sem
da ação, sem separar o econômico do político. O estratégica política que lhe incorpore viabilidade.
poder, como recurso escasso, desempenha, nesta Esta planificação, na prática, é ignorada pelos
interação sistêmica, um papel chave para políticos, que primeiro intuem e depois
entender-se a complexidade do problema que um comprovam sua inutilidade.
governante enfrenta ao tomar decisões diante de
opções de resultados incertos que também A análise estratégica suscita as questões mais
dependem da ação de outros jogadores. complexas, pois devemos trabalhar num nível
prático-operacional com os conceitos de poder,
Nessas decisões, cada jogador fica limitado em motivação para atuar usando o poder, força
sua capacidade de ação por um vetor variado de aplicada ou pressão de um jogador sobre uma
múltiplos recursos escassos. Neste vetor de peso jogada etc. Devemos saber, ademais, distinguir
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 38

entre viabilidade para decidir uma jogada e c) Estratégia, ou seja, a maneira ou modo de atuar
viabilidade para alterar estavelmente a situação do diante dos outros jogadores em relação à cada
jogo depois da jogada. Uma coisa não leva, operação ou jogada. Entre as diversas
necessariamente, à outra. Em um e outro caso, é estratégias, convém destacar:
preciso avaliar os resultados sobre o poder
• autoridade;
acumulado pelos jogadores e suas motivações.
Por fim, é preciso propor estratégias de jogo em • cooptação;
que se combinam a autoridade, a cooptação, a
• negociação;
negociação, o confronto e a dissuasão. É preciso
combinar estas estratégias, diferenciando • confronto;
jogadores e jogadas ao longo da trajetória do
• dissuasão
jogo, donde a consideração do tempo e da
oportunidade podem ser muito importantes. d) Trajetórias, ou seja, a maneira de utilizar o
Na análise estratégica, é necessário combinar as tempo e a sequência das ações para provocar
seguintes variáveis: as consequências desejadas

a) Atores ou jogadores, quer dizer, os sujeitos e) Operações ou jogadas que podem ser de dois
criativos que dinamizam o jogo com seus tipos:
interesses em confronto. • operações ou jogadas constitutivas do
b) Motivação e peso dos atores, variáveis que plano, sem as quais é impossível
dependem de: alcançar a situação-objeto, que
denominamos operações Op; e
• interesse ou posição que os jogadores
• operações ou jogadas táticas, cuja única
assumem perante às operações que os
participantes do jogo social buscam utilidade consiste em buscar, durante o
realizar (apoio, recusa, indiferença); jogo, incorporar viabilidade às operações
Op. A essas operações chamamos Ok.
• valor ou importância que os jogadores Uma operação Op pode ser realizada por
atribuem à cada operação (alto, médio, meio de uma gama de alternativas de
baixo); operações Ok, de modo que uma
operação Ok sempre é prescindível, mas
• peso ou força que cada jogador tem,
definido pelo correspondente valor de alguma operação Ok sempre é
peso; necessária.

• pressão ou força aplicada sobre uma


A análise estratégica explora a maneira de
operação ou jogada numa situação combinar todas as variáveis mencionadas para
concreta, que depende da motivação e do incorporar viabilidade a cada operação do próprio
vetor de peso. plano. O princípio estratégico fundamental
consiste em conseguir uma combinação com a
As categorias anteriores permitem construir o qual cada operação jogada abra caminho a outra
seguinte modelo conceitual: que vem a seguir, até realizá-las todas numa
determinada trajetória. Naturalmente nossos
oponentes buscarão fazer o mesmo em relação a
Interesse (+, -, 0) seus planos.
Motivação
As possibilidades de combinação, num jogo de
Valor (a, m, b)
Pressão três atores A1, A2 e A3, em relação ao plano de
A1 que contempla 3 operações Op1, Op2 e Op3,
podem ser vistas na ilustração a seguir.
Vetor de peso
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 39

t1 t2
Atores
OP
A3 1
OP
2
A2 OP
3

Autoridade

Cooptação

Negociação

Confronto

Decisão

O Gráfico tridimensional explica uma estratégia Deve ser vencido antes que ocorra, criando-se as
possível de A1. Este ator propõe-se a negociar condições prévias mais favoráveis para o êxito.
com o ator A2 e cooptar A3 para a realização da Se formos capazes de explorar tudo isso de forma
operação Op2, como forma de iniciar sua razoável, então estamos preparados para jogar
trajetória de jogadas. Este cálculo deve ser feito com o suporte de um cálculo estratégico eficaz.
para cada operação, a fim de que a estratégia dê Agora, resta apenas atuar com este suporte em
forma a uma trajetória em que cada operação cada momento do jogo, já que só a ação altera a
situa-se em dadas coordenadas estratégicas. As realidade.
coordenadas da operação Op1 no tempo t1, por
exemplo, são:
NO MOMENTO DE FAZER, DECIDE-SE TUDO
O quarto problema: “fazer”, refere-se a atuar, a
jogar, a realizar de acordo com o plano. É curioso
Op1 [(negociação, A2), (cooptação, A3)] t1 que o problema do fazer ocupe pouco espaço na
teoria da planificação, quando o plano só se
completa na ação, nunca antes. Este é um ponto
A estratégia deve procurar esquivar-se ao de extrema importância prática. Não existe a
confronto, para realizar o plano por consenso possibilidade de um plano completo em seu
(autoridade, cooptação, negociação) mas, se o delineamento e cálculo estratégico antes da ação.
confronto é inevitável, convém chegar a ela Na improvisação tática da ação do momento,
escolhendo o momento em que as condições completa-se o conteúdo prático do plano. Em
sejam melhores, vale dizer, naquela situação em consequência, um tema central de preocupação
que podemos exercer mais pressão que os outros deve ser o estudo das forças que, no momento da
oponentes. Para isso, a condição é a seguinte: prática, decretam o domínio da improvisação
sobre o plano ou do plano sobre a improvisação.
Esta é uma luta típica que se expressa na desigual
Ator A1 Oponentes concorrência entre as urgências e as importâncias
Pressão de A1 > Pressão dos oponentes na agenda do dirigente. Como a improvisação é
um cálculo situacional oportuno, supera
Motivação sobre Opx Motivação sobre Opx facilmente a planificação tradicional, que é
(+) 0 (-) tecnocrática e lenta. Aqui surge um requisito bem
Vetor de peso aplicável Vetor de peso aplicável
preciso: o plano deve ser um cálculo superior à
improvisação, para o que deve ser, não apenas
oportuno, como também profundo e acertado.
Por conseguinte, boa parte da qualidade de uma
Estudar o momento de fazer conduz ao conceito
estratégia decide-se na escolha do confronto ou
de sistema de direção. A planificação pode ser
negociação conflitiva, e do momento para fazê-lo.
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 40

parte ritual ou operacional do sistema de direção; Nessa tecnologia por módulos adotada pela PES,
que ocorra uma coisa ou outra, porém, não vale distinguir o seguinte:
depende principalmente do sistema de
• módulos explicativos (macroproblemas,
planificação, mas das regras que sustentam o
megaproblemas, problemas etc.);
sistema de direção. Tais regras podem gerar
demanda por planificação ou demanda por • módulos de ação (projetos de ação,
improvisação. operações, ações etc.);
O dirigente troca compromissos com seus • módulos de gestão (organismos que
superiores e subordinados. A prestação de contas assumem responsabilidades por
quanto aos compromissos assumidos constitui problemas e operações); e
regra-chave para compreender que uma direção
• módulos complementares (cenários,
responsável está submetida a uma estrita
prestação de contas que a obriga a operar com planos de contingência etc.).
uma gerência criativa, a dar espaço em sua Esta proposta de trabalhar com módulos tem
agenda às importâncias e a sustentar o tratamento muitas vantagens. Entre outras, a de precisão e
das importâncias com um poderoso sistema de rigor que sua conformação exige, constituindo-se
planificação. Como são as regras do jogo frente à ambigüidade e à imprecisão prática da
institucional? É a pergunta chave para entender o planificação tradicional.
que acontece com o sistema de direção e
planificação. Se não existe uma direção A idéia do plano modular permite ainda a
responsável, a agenda fica tolhida de urgências, a vinculação real do plano e do orçamento, já que
gerência será rotineira e a planificação subsistirá entrega ao plano a função de ser instrumento de
como mero ritual de efeitos simbólicos. organização para ação, com responsabilidades
bem definidas.
A velocidade de fazer, exigida pela velocidade
dos acontecimentos, é um sério desafio ao que Não obstante, na prática diária da ação, nada vai
poderíamos chamar de tecnologia de planificação. ocorrer exatamente como planejado e, às vezes,
Como resposta, a planificação estratégica não acontecerá nada daquilo a que nos
situacional propõe o conceito de plano modular. propusemos. Haverá falhas de análise dos
O conceito de módulo alude à idéia de construir problemas, deficiências nos fundamentos das
algo combinando peças previamente elaboradas. apostas, incapacidade de prover possibilidades,
Essas peças elementares, naturalmente, estão aparição de surpresas, agradáveis e desagradáveis,
abertas a muitas formas de combinação e equívocos, no cálculo estratégico e atrasos não
significado, pois, de outra maneira, não seriam considerados na gestão rotineira da burocracia
peças, mas obras fechadas. que executa as operações do plano.

Em nosso caso, trata-se dois arquivos. O primeiro Nenhuma técnica de planificação é segura diante
é o próprio plano como estrutura composta de da incerteza do mundo real e devemos nos apoiar
módulos processados segundo critério e visão do em nossa capacidade para acompanhar a
ator que assume o plano. O arquivo plano é uma realidade.
obra fechada à interpretação de um ator e a Aqui cabe recordar a análise do grande filósofo
serviço de seu jogo. O segundo arquivo, em troca, Hume, que se espantava com o cálculo que um
é a reserva com a qual se constrói o primeiro e cão faz para perseguir e alcançar um coelho.
compõe-se de módulos pré-processados que Trata-se de um plano em condições de alta
podem ser postos em aplicações com rápidas incerteza.
adaptações às circunstâncias do jogo concreto do
momento. Este é um arquivo aberto, não é O cão tem capacidade nula de predição e baixa
produto de uma seleção situacional filtrada pela capacidade de previsão quanto aos movimentos
subjetividade de um ator. Pelo contrário, é do coelho. No entanto, tem um plano de
formado por sedimentação de muitos planos perseguição baseado na capacidade de reagir com
anteriores ou pelo critério de várias equipes de rapidez diante dos inesperados movimentos da
estado-maior que entendem conveniente esta presa, e esse plano apoia-se num sistema de
reserva para responder com agilidade ante à acompanhamento dos movimentos do coelho.
demanda de seus líderes. Surge aqui o conceito de Notável, neste caso, não é precisamente, a
“investimento” em módulos pré-processados, a preocupação de Hume com as inimagináveis
fim de transformar o processo de fazer um plano matemáticas que o cão utilizaria para reduzir ao
no de “armar” e “adaptar” módulos previamente mínimo o percurso de sua perseguição, mas a
elaborados, na referência situacional do ator em capacidade do animal de alterar seu plano de
comando. Boa parte do tempo de uma agência de caça, com o máximo de rapidez, toda a vez que o
planejamento deve ser dedicado a investir na coelho alterar sua rota de fuga.
elaboração e no processamento de módulos.
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 41

Se o cão adotasse um único plano e, depois, o como método para aproximar-se do objetivo em
seguisse cegamente, fracassaria seu objetivo. sistemas de incerteza inexorável.
Assim, nada é mais importante que a sequência
E aqui é onde importa a direção estratégica, pois,
de outra forma, o cão pode distrair-se diante de
qualquer urgência e perder a noção de seu plano
Cálculo Ação Correção principal.

O cão e o coelho de Hume

C1 L1 C3 L3

C4 L4
C2 L2

A CONFIABILIDADE DO PLANO qual se combinam esses dois aspectos do plano


situacional.
O plano não é um anúncio de meios e resultados
fundamentado em cálculos científicos certos. O
plano é uma grande aposta sustentada em apostas UMA DINÂMICA DE QUATRO ELEMENTOS
parciais. Daí é válida a pergunta: Qual a
probabilidade de êxito dessa grande aposta? Esta Esses quatro grandes temas constituem os quatro
questão aponta para a confiabilidade do plano e momentos da dinâmica do processo de
permite avaliar as condições α. planificação que distingue o enfoque situacional.
Estes quatro elementos coincidem, justamente,
A confiabilidade de um plano aparece como tema com os quatro temas expostos, a saber:
crítico apenas no momento em que se toma
consciência de que o plano é constituído por • Primeiro momento: explicativo (foi, é,
cadeias de apostas prescritivas, estratégicas e tende a ser) - que se refere à construção
operacionais. O plano pode falhar por debilidades de explicações para fundamentar a
em alguns dos elos dessas cadeias. Portanto, todo própria ação e interferir e compreender a
plano deve estar acompanhado da análise de sua ação dos componentes. A apreciação da
confiabilidade. E este metaproblema cruza os situação conduz aos objetivos, e os
quatro temas anteriores e cada instância de objetivos à seleção de problemas e ao
recálculo e adaptação do plano às novas aprofundamento da explicação
realidades. situacional.

A necessidade do plano dual como resposta à • Segundo momento: normativo ou


interferência do outro obriga a ver também a prescritivo (deve ser) - que se refere à
análise da confiabilidade nessa perspectiva. No seleção das operações e ações
plano dual, a aposta é dupla. Aposto no êxito de necessárias para atingir os objetivos.
minha ação e aposto no êxito de minhas Neste momento, o plano adquire a forma
demandas e denúncias. A confiabilidade do plano de propostas de decisão que devem ser
também inclui, por consequência, a dosagem na tomadas a partir da situação inicial. O
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 42

momento normativo implica um cálculo VISÃO CURTA E VISÃO AMPLA


aproximado dos resultados. Por isso, é
Mas onde nos conduz esta incessante dinâmica de
preciso reconhecer a existência da
cálculo? Qual a eficácia e validade do objetivo
incerteza e das surpresas, trabalhando
que perseguimos? Como podemos imaginar nosso
com cenários, planos de contingência e
futuro? Como podemos verificar se as metas que
outros métodos apropriados. Deste
para nós traçamos levam a algo de valor? Nossos
modo, a situação-objetivo de um plano
planos têm um valor independente da sabedoria
sempre está condicionada à ocorrência
dos objetivos que traçamos?
de um cenário.
As urgências nos distraem da planificação, mas o
• Terceiro momento: estratégico (pode ser
jogo da planificação a curto prazo pode, por sua
do deve ser) - que se refere a explorar
vez, distrair-nos e cegar-nos quanto à reflexão
diferentes modos de jogar, considerando
sobre nosso lugar no mundo nos próximos
os oponentes e os aliados, para
quarenta anos. Quando estas perguntas surgem,
incorporar viabilidade ao plano
ultrapassamos os limites da planificação
concebido no segundo momento. Aqui, a
estratégico-situacional como técnica de visão
criação das condições políticas para a
curta, para entrar no domínio da grande
ação econômica e das condições
estratégica. O líder é o que vê mais além da
econômicas para a ação política é
esquina, mas só é estadista aquele que enxerga
fundamental. O cálculo interativo que
mais além da estrada.
caracteriza o momento estratégico é o
que demanda o processamento técnico- A grande estratégia exige uma forma de pensar
político que compõe toda estratégia. radicalmente diferente daquela que aqui
expusemos. A grande estratégia não é um jogo
• Quarto momento: tático-operacional
contra outros jogadores conhecidos, mas contra o
(fazer) - é o momento da ação: a ação,
óbvio, o rotineiro e o legitimado. É um jogo
porém, nunca é a mera execução do
contra nós mesmos, como portadores de idéias de
plano mas uma adaptação deste às
um mundo de seguidores. Lutamos para percorrer
circunstâncias do momento. Aqui
de novo, com menos atraso, a mesma via que
tendem a predominar as urgências, a
seguem aqueles a quem imitamos? Se não
velocidade da ação, as deficiências dos
pensamos na grande estratégia, estamos
organismos executores, a desinformação,
condenados a ser seguidores e a ficar sempre atrás
a distração tática e a incapacidade de
dos que abrem o caminho que seguimos.
recalcular o plano e não entregar-se à
improvisação. Aqui o essencial é dispor Imaginemos que estamos guiando um veículo no
de um sistema de direção estratégica, de meio da neblina e não podemos enxergar muito
uma agenda do dirigente que chame adiante. A comodidade e a conformidade nos
atenção sobre as importâncias e oferecem uma fácil solução: seguir os faroletes
processos, de modo técnico-político, as vermelhos da traseira do veículo que vai à frente.
propostas centrais de decisão. Mas nada Já não nos perguntamos quanto ao que se passa
disso é possível se o jogo institucional além da estrada que divisamos, simplesmente nos
for de baixa responsabilidade, não existir deixamos levar. O outro decide por nós, até
gerência criativa por operações e o despedaçar-se na bruma.
dirigente não prestar contas nem souber
exigi-las de seus executivos. Nesse Nossa única vantagem, neste caso, é ver como o
momento decide-se tudo e, na prática, outro cai primeiro. Vantagem efêmera, pois nossa
isto se verifica com o domínio do plano incapacidade de pensar o futuro nos impedirá de
sobre a improvisação ou da improvisação aproveitá-la para encontrar nosso próprio
sobre o plano. caminho e resistir aos hábitos. Os gritos de
lamento do veículo que nos antecede terão um eco
Cada momento é uma estância inesgotável, pois a nos nossos, um pouco mais tarde.
ele sempre se regressa, e requer particulares
ferramentas metodológicas de trabalho. O plano é Esta metáfora deve ser um sinal de alerta. Na
apenas um produto renovável desta incessante América Latina não existe nenhum centro que se
dinâmica. O plano sempre está se fazendo mas preocupe com a grande estratégia para esta região.
sempre está pronto para dar suporte a ação do A improvisação domina nosso dia-a-dia e a
dirigente. cegueira enevoa o caminho pelo qual trafegamos
até onde não sabemos.

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