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RESENHAS ACCARINI, J.H. Economia rural e desenvolvimento; reflexdes sobre 0 caso brasi« leiro. Petrépolis, Vozes, 1987, 224p, Constitufram motivagdo basica do antor, na elaboracSo deste seu livro, a “escassez. de textos abrangentes ¢ sobretudo adaptados aos problemas rurais de paises subdesen- volvidos”, ¢ a acessibilidade “‘ndo s6 a economistas, mas também a estudantes € a estu- diosos de outras dreas, visando provocar a abertura de debates mais amplos sobre a questo”. De forma explicita, o livro € dirigido a quem lida com o ensino da economia tural, da economia agricola e de outras do género. A matriz te6rica do autor, conquanto ndo se afaste da mais amplamente conhecida © praticada no Pais — a do valor utilidade —, nao lhe impds, como de habito, camisa de forga que o levasse a estudar a economia rural de pafses capitalistas periféricos e de- pendentes, exclusivamente a partir da 6tica da microeconomia. Em contrapartida, esta opgao teérica por ser ideologicamente marcada — como de resto qualquer outra ~ acaba por mascarar varios aspectos da exposig4o e do debate propostos pelo autor, espcial- mente por “tecnicizar” o debate na busca de uma neutralidade utépica. Assim, a “re- volugao verde” s6 se manifesta pelo seu prisma tecnolégico (p. 25); a criagio do motor de combustao é destinada a facilitar (sic) 0 trabalho humano (p. 26); 0 “empresdrio ru- tal” € equiparado ao “produtor” (p. 28); 0 “‘intermedidrio” é visto como um mal ne- cessirio (p. 31); a “averséo a mudangas” ¢ varidvel explicativa para a difuso de tec- nologia junto a “agricultores tradicionais” (p. 42) etc. Ressalvadas as limitagées que a prépria opgdo tedrica impéc, ainda assim, o resul- tado final € positivo e merece ser alargado e aprofundado. Constituem destaque da obra, no sentido de fornecer aos interessados um painel mais amplo do desenvolvi- mento rural, 0 que o autor chama de peculiaridades do setor rural ¢ suas conseqiiéncias econdmicas (cap. 1), € os modelos de desenvolvimento, tratados no capftulo 3. J& as classicas fungGes do setor rural no contexto macroeconémico s40 apresentadas sem ne- nhuma inovacdo ou mesmo adaptagao ao caso brasileiro, O despojamento da linguagem de rigor académico, para tornar o livro “plenamente assimilavel” (Apresentago), € preocupagio evidente ao longo de toda a obra. Em muitos casos, o objetivo € adequadamente atingido; em outros hd como que uma banali- zagao da linguagem, com a conseqiiente perda de qualidade do seu conteddo didético, Chamar o produtor rural de “alma do empreendimento” (p. 28); mensurar a produgao em forma de bé-4-bé (p. 20); atribuir ao poder de monopélio e de monopsénio a oportunidade de realizar “bons lucros” (p. 31) so alguns exemplos deste filtimo caso. Cad. Dif. Tecnol., Brasilia, 4(1):111- 115, jan./abr. 1987 11 Tais consideragées, tornadas concretas a partir da leitura do texto de Accarini, trazem 4 discussdo 0 processo educacional brasileiro, em especial a qualidade do ensino a qualidade dos profissionais que forma. A este propésito, € preocupante vislumbrar a hip6tese de que a experiéncia pedagégica do autor tenha recomendado tais artificios de simplificagdo, a fim de ajustar a compreensdo do texto A capacidade de apreensio do contetido pelos discentes. Aceitando-se certo despojamento da linguagem como uma tarefa desafiadora em busca da ampliagdo do circulo de interessados, deve-se estar atento para os limites que este exercicio impbe. Tais limites séo, precisamente, os de adaptar o texto ao ponto de emascular seu contetido, tornando-o nulo de significagao cientffica. De modo geral, forma ¢ contetido guardam entre si certo compromisso de convivéncia ¢ interfrutificagéo, sem 0 qual a predomin4ncia unilateral é deformadora, Assim, no campo da educago, € téo antipedagdégico trabalhar quaiquer questao teérica com o méximo formalismo quanto abandond-lo em proveito do entendimento facil, por ser este equipamento fértil. Compreensivelmente, © capitulo mais extenso (cap. 4) € 0 que trata dos instru- mentos da polftica de desenvolvimento rural. Af estéo os elementos concretos da agio do Estado no meio rural e sobre os quais o tratamento dispensado pelo autor € sufi- ciente como primeira abordagem. Os poucos lapsos nao desmerecem 0 quadro global, que poderia ser mais detalhado no que se Tefere aos aspectos institucionais ¢ A biblio- grafia particular. Coerente com os princfpios teéricos assumidos, a opgdo do autor é maior no sentido de abordar a questo riral como “problema agricola” do que como “problema agrdrio”. Neste aspecto, os instrumentos classicos da polftica agricola séo mais detalhados, Tanto assim que, a despeito de a reforma agréria ter assumido, desde 0 inicio da Nova Repdiblica, papel central no debate social e polftico, a ela nao € confe- rida ateng4o proporcional, exatamente porque, para a economia rural, a mesma é, em primeira inst4ncia, algo que extrapola os limites do “econdmico” ¢, também, porque a sua operacionalizacao € vista como o resultado concatenado da aplicagiio dos diversos instrumentos da polftica agricola. A parte reflexiva do livro, corretamente colocada no seu final (cap. 5), permite que © leitor, apés apropriar-se do conteddo anterior, acompanhe questies polémicas sobre a agricultura, de forma mais aproveitdvel, Mesmo com os pontos criticos identificados ao longo do trabalho, a obra de Acca- sini aporta nas escolas brasileiras como um elemento positivo na 4rea especifica do en- sino da economia rural, ndo s6 por trazer ao conhecimento de quantos por ela se inte- ressam um acervo organizado de temas da ciéncia econdmica aplicada, mas também por oferecer a possibilidade de confronto, ainda que timido, com as orientagées pedagégi- cas mais tradicionais e que suscitam, por isso mesmo, debate ¢ renovagao. Mauro Mércio Oliveira Assessor Parlamentar do Senado Cad. Dif. Tecnol., Brasflia, 4(1):111-115, jan./abr, 1987 12

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