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sistemas de distribuição e circulação das imagens

Vídeo frente a vídeo inéditas. Fotografia, cinema e televisão especificam


Vittorio Fagone também modelos linguísticos de comunicação
autónomos. A relação entre as artes visuais e estes
novos «universos de imagens» é complexa. Nas
origens da fotografia está a pesquisa da arte ocidental,
Num apontamento de trabalho, apenas desde há séculos debruçada sobre a construção de
recentemente publicado, Man Ray, que utilizou máquinas (câmara clara e câmara escura), capazes de
largamente a fotografia e o cinema para a sua fomecer uma reprodução do visível prospectivamente
investigação de vanguarda, escreveu: «Qualquer fiel e pontual. Não surpreenderá que os primeiros
forma de expressão tem os seus puristas. São os fotógrafos tenham sido pintores, que muitos pintores
fotógrafos que sustentam que o seu meio não tem se tenham valido, desde logo, da fotografia. O
qualquer relação com a pintura. São os pintores que encontro dos artistas visuais com a cinematografia foi
desprezam a fotografia, embora muitos, no último in-tenso nos anos da primeira vanguarda.
século, nela se tenham inspirado e a tenham utilizado. O manifesto A cinematografia futurista, de 1916,
São os arquitectos que recusam pendurar um quadro declara: «O cinematógrafo é uma arte em si. O
no seu palácio, afirmando que a sua obra é uma cinematógrafo não deve nunca, por conseguinte,
expressão completa, por si só. No mesmíssimo copiar o palco; sendo essencialmente visual, deve
espírito, quando surgiu o automóvel, alguns devem complementar antes do mais a evolução da pintura,
ter declarado que o cavalo é a mais perfeita forma de destacar-se da realidade, da fotografia, do gracioso e
locomoção. Todas estas atitudes derivam do temor de do solene. Tomar-se anti-gracioso, deformador;
que uma suplante a outra. Nada disso aconteceu. impressionista, sintético, dinâmico, discursivo. É
Ninguém procura abolir o automóvel, com o pretexto preciso libertar o cinematógrafo como meio de
de que temos o avião» 1. expressão, para fazer dele um instrumento ideal de
A cerca de vinte anos do primeiro ingresso dos uma nova arte, imensamente mais vasta e mais ágil
artistas no campo do vídeo, não se pode dizer que a do que todas as existentes». O carácter visual do
posição dos puristas de qualquer nova expressão cinema em contraposição à dimensão teatral, de cena
tenha mudado. Se no final dos anos Sessenta e nos reproduzida, é energicamente sustentado por Richter,
primeiros anos da década de Setenta a utilização da Man Ray, Duchamp. Léger exalta o cinema como
nova tecnologia televisiva por parte dos artistas imagem móvel, imagem protagonista. Todos estes
despertava adesões e consensos entusiastas, no virar artistas se empenham em produzir filmes que alargam
dos anos Oitenta encontra algumas reservas. A vídeo- os horizontes do cinema, as possibilidades de um uso
arte, neste sentido, deveria considerar-se um episódio dinâmico da imagem esteticamente determinada.
rapidamente consumado na primeira metade dos anos Quando, após 1945, muitos artistas visuais tomam a
Setenta 2. Quem considera a arte vídeo um episódio voltar ao cinema, as obras realizadas em França e na
concluído - e há teses que sustentam que as recentes Alemanha, nos anos Vinte e Trinta, pelos artistas
recuperações da pintura de feição sugestivista e neo- dadaístas e surrealistas voltam a constituir um ponto
expressionista pareciam confirmà-lo, não tem em seguro de referência. Mais complexa é a situação no
conta um dado essencial. O vídeo foi para os artistas, que diz respeito a artistas visuais e televisão. A
e é ainda para muitos, instrumento de pesquisa, mais origem da televisão está ligada, no plano técnico e no
do que código de um novo género ou disciplina. A da estruturação linguística, aos desenvolvimentos da
utilização que os artistas fazem do vídeo não respeita rádio. O domínio do sonoro, o valor do tempo real, a
a convenção do video como meio de grande inserção num espaço social de grande abertura, são
comunicação; o vídeo é antes, na pesquisa dos características que assinalam a evolução da televisão
artistas, utensílio eficaz de uma nova definição, desde o inicio.
frequentemente crítica, do visível que incorpora som É sabido que os primeiros desenvolvimentos da
e tempo no processo de ordenamento e análise da televisão na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos se
imagem. A avaliação de uma extensão criativa da deram na segunda metade dos anos Trinta. A
utilização do meio televisivo, neste sentido, é afirmação do novo meio electrónico à escala mundial,
relacionàvel com a utilização da fotografia e do como meio revolucionário de comunicação, dá-se
cinema que foi realizada nas artes visuais deste apenas nos finais dos anos Quarenta e no inicio dos
século, pela primeira e pela segunda vanguardas. anos Cinquenta. Em relação a estas datas, pode
Fotografia, cinema e televisão representam três parecer tardio o interesse dos artistas visuais pelo
momentos de uma revolução radical no mundo da novo meio de comunicação. Nam June Paik,
comunicação visual moderna. As transformações que conjuntamente com Wolf Vosteil, intervém de forma
estas novas técnicas indujem, vêm a estabelecer renovadora sobre a imagem video, pela primeira vez,
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em Wuppertal, em Março de 1963 e em 1965, em equipamentos técnicos; na Europa - em França, na
Nova Iorque; Paik constrói uma obra definida Itália e na Alemanha - os duros golpes de 68 impelem
empregando o video portátil. Estas duas datas são os artistas para fora de campo, fora dos rituais do
importantes, ainda que seja da segunda que, em geral, negócio feiticista dos objectos de arte-mercadoria. As
se considera o surgimento da arte-vídeo. A primeira produções americana e japonesa são marcadas por,
data indica claramente o clima em que nasce a além de uma melhor qualidade técnica, uma insistente
atenção pelo novo meio de comunicação: o atenção aos processos de constituição de uma nova
movimento Fluxus, que explora simultaneamente o imagem, a imagem vídeo, situada no tempo com uma
espaço da comunicação modema, a dissipação dos diferente angulaçào relativamente à imagem imóvel
códigos de representação convencionais e as novas das artes plásticas e à imagem móvel do cinema.
propostas de comportamentos sem finalidade e Muitos vídeos europeus procuram entrar, com clareza
liberatórios. É desta área que nasce a dimensão objectiva, nos tempos e nos lugares do protesto do
complexa, não formalista, da pesquisa artística da Movimento: o novo meio frio consegue prolongar
segunda metade dos anos Sessenta, aberta a um novo uma tensão demonstrativa sem despoletar
desenvolvimento critico social mais forte do que incandescências populistas. Não é que estes dois
possa parecer pender para a recuperação do espírito filões, no agitado panorama das diversas experiências
dadaísta. vídeo na Europa e na América, não se encontrem, mas
A data da intervenção de Nam June Paik em Nova as tónicas e as dominâncias surgem diferentes.
Iorque é de igual modo importante, porquanto O vídeo (depois tomado filme) Anna, de Alberto
assinala, não só a definição perceptiva do espaço do Griti, é um texto indicativo. Mesmo que não tenha -
novo vídeo, como acontecia em Wuppertal, mas não queira ter- a extenuante complacência de muitas
também a possibilidade de emprego das novas imagens de vídeo consumidas nas galerias, demonstra
tecnologias ligeiras no campo da televisão. O atraso a capacidade de deslocar a nova imagem electrónica
relativo do ingresso dos artistas na experimentação para um espaço que não é o do cinema convencional,
ielcvisiva está estreitamente correlacionado com a nem tão pouco do vídeo comprazido nos seus
possibilidade de acesso e com a possibilidade de próprios virtuosismos. O vídeo é tecnologia e forma
substituição real dos novos meios. Não creio que cultural: os artistas empenham-se na exploração das
neste ponto a atitude de Paik, que declara fabriquer duas direcções, ainda que se mantenham excluidos,
un'image encore jamais vue 3 seja diferente da de até agora, da possibilidade de fazer circular as suas
Man Ray que escreve assim, a propósito do seu obras nos grandes circuitos. Se se analisar a relação
encontro com a máquina fotográfica: «Quando me do vídeo com as artes visuais é possível isolar
encontrei pela primeira vez frente a uma máquina relações fortes e relações fracas. Fortes, são as
fotográfica, fiquei muito intimidado. Assim, decidi relações que vêem o artista empenhado na definição
indagar. Mas conservei o modo de proceder do pintor, de um espaço novo que interaja com a imagem
ao ponto de ser acusado de fazer uma fotografia (vídeo-escultura, vídeo-instalação, vídeo-
parecer como se fosse um quadro. Há já muitos anos, performance) num tempo que não contradiz, nem
concebera a ideia de fazer um quadro que se duplica, mas marca a imagem-evento, na criação de
assemelhasse a uma fotografia. Havia razões válidas. escritas videográficas inéditas, na expansão da
Desejava desviar a atenção da destreza manual, de unicidade da imagem numa multiplicidade de novos
modo que fosse a ideia fundamental a impor-se. distanciamentos; menos fortes, ou débeis, são as
Naturalmente que haverá sempre alguém que olha as relações em que a televisão é chamada a difundir nos
obras de arte à lupa para tentar ver 'como', em vez de grandes circuitos imagens definidas e intransportáveis
usar o cérebro e imaginar 'porquê'» 4. Prolongando-se (neste caso, o uso de um sonoro impróprio exprime a
na nova técnica, a imaginação do artista visual gera tentativa de isolar imagens com duração diferente do
uma nova imagem profundamente determinada a fluxo das imagens quotidianas).
intensificar a percepção; o novo instrumento adere, Situação diferente é aquela em que o video é
por outro lado, de modo eficaz a um dos postulados chamado a operar como instrumento de registo
das poéticas das vanguardas históricas e das novas: propriamente dito, agindo no tempo real. A relação
num processo anti-formalista, exibir sempre o entre o video e a performance nestes últimos anos,
«porquê», antes do «como», para levar à participação exemplificada em Locamo e em Ascona, demonstra
de quem oberva, numa relação aberta e criativa. como o video pode resultar num leitor e memorizador
Os anos da expansão da arte-vídeo na América, no fiel. A arte dos anos Setenta teve no vídeo um espelho
Japão e na Europa têm também temperamentos e um utensílio versátil. As pesquisas sobre o corpo,
diversos e contraditórios. Na América e no Japão, a sobre a imagem de narração, sobre o espaço
expansão da produção industrial televisiva solicita a energético das relações naturais e sociais, sobre as
experimentação, por parte dos artistas, dos novos definições elementares dos processos da arte,
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encontraram no vídeo grandes possibilidades de provém. Hoje, apenas exige que se possa confrontar
reflexão e de expressão. Na perspectiva dos anos com este. Frente a frente: vídeo frente a vídeo.
Oitenta há que ter em conta outras condições e
situações. A primeira, diz respeito à convergência 1 A fotografia pode ser arte, in Man Ray, Tutti gli scritti,
organizado por Janus, Feltrinelli, Milão, 1981. Segundo Janus, a
entre investigação experimental no video e observação, não datada, é posterior a 1923, p. 225.
investigação experimental no cinema. Dado que os 2 Gillo Dorfles numa comunicação ao Convénio do Prémio
dois instrumentos alargam as suas próprias Itália (Milão, 1978), sobre A TV como meio de uma nova
gramáticas, as diversas relações no que diz respeito expressividade visual declara: «Não quero ir ao ponto de afirrnar
que a vídeo-arte esteja já próxima de uma fase de declínio e de
ao tempo (real ou contraído) e os diferentes domínios exaustão, mas é indubitável que se assiste, após um período de
da imagem e do som, os intercâmbios tomam-se excessiva divulgação e de aceitação indiscriminada de documentos
rápidos. cada vez mais precários e ambíguos, a uma consecutiva
O desenvolvimento da técnica electrónica tende estanquicidade e reacção de defesa por parte do público. É um
facto que muitas das ilusões iniciais acerca das possibilidades
progressivamente a igualar a resolução da imagem oferecidas por esta nova forma expressiva foram varridas, à luz dos
electrónica do vídeo e da imagem química do cinema. produtos desde então divulgadíssimos e dos inúmeros encontros a
A meta é uma imagem fluida, veloz, transcorrente. O que temos assistido». (Cf. Le arti visuali e il ruolo deita televisione,
clima da pesquisa artística tomou-se frio. Não Eri, Roma, 1978, p. 125).
3 Cahiers du Cinéma, 299, Abril de 1979.
existem técnicas que confiram características de 4 Man Ray, Tutti gli scritti, loc. cit.
excelência. A novidade já não é o único critério
estético relevante. As imagens vivem pela sua força Referência Bibliográfica
interna, estrutura e coerência. Os entusiasmos pela Aristarco, Guido e Teresa, O Novo Mundo das
vídeo-arte estão historicamente selados. Quem hoje Imagens Eletrônicas, Edições 70, Lisboa, 1990
opera nesta área, fá-lo aceitando por inteiro o risco de
se empenhar numa obra intrinsecamente frágil,
obrigada porém a uma especificidade e a uma
estabilidade consistentes.
Um novo avanço da técnica, o vídeo-disco, porá
provavelmente em crise o circuito museus-galerias-
centros especializados em vídeo dos artistas. Fará
explodir a video-arte numa dimensão doméstica,
tomando o vídeo-disco, igual aos outros discos, ao
livro, objectos de escolha violentamente e
salutarmente subjectiva; defenderá muito
provavelmente melhor o trabalho dos artistas da
«piratagem». Existe, enfim, uma nova condição no
universo da arte, que emerge lentamente, mas com
uma força imparável, que não pode ser subestimada.
As imagens planetárias da televisão quotidiana, por
muito banais que possam ser julgadas, convivem com
todos nós e têm produzido e influenciado uma nova
forma de ver. São imagens especificadas pelo som,
sempre intenso, dadas em cores fluorescentes,
transparentes e sem corpo, cada vez mais próximas,
velozes ou refreadas, mas sempre empenhadas num
ritmo ou numa ordem.
Os artistas italianos da nova espectacularidade,
essa Gesamtkunstwork que nasce da explosão em
fragmentos luminosos da fronteira entre as belas-artes
e as artes da execução, utilizam as imagens de vídeo,
desde já, como um instrumento, ou uma disciplina
entre as outras, a incorporar ou a desintegrar: cinema,
teatro, performance, belas-artes - e como pano de
fundo constante. Reconduzindo tudo a uma condição
de espectáculo sem interrupção e sem
desenvolvimentos, o vídeo de artistas recupera
fantasmas, tempos e vozes da imaginação. Contrapõe-
se, com uma nova natureza, ao grande vídeo do qual
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