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A pedagogia da Ocupação das Escolas

Fortaleza, Rio de Janeiro, Goiânia ... As lutas dos estudantes secundaristas espalham-se pelo País. Em São Paulo as ocupações resultaram
no não fechamento de escolas e na abertura da CPI dos Roubo da Merenda. O que aponta a auto-organização dos estudantes?

Por Fernando José Martins

Os dados são difusos, esparsos e esperamos que pesquisadores e universidades possam dissertar academicamente sobre o
processo de ocupação das escolas de São Paulo, ocorrido em 2015, que se espalharam pelo Brasil, e ainda hoje são pautas
nas principais cidades brasileiras, como ainda São Paulo e Rio de Janeiro. Esse fenômeno não é recente e está presente na
organização escolar brasileira em toda sua história, ainda que o caso de São Paulo seja digno de nota e seja central na
presente análise, e, repetido em muitos estados, em pauta atualmente no Rio de Janeiro, as ocupações se tornam ferramentas
políticas importantes em defesa da educação pública.
O caso paulista traz fatos importantes a serem destacados, não somente o número de escolas envolvidas e a repercussão
internacional, mas o desenvolvimento de todo processo. De saída, uma decisão judicial do Tribunal de Justiça negando a
reintegração de posse ao Estado de São Paulo. Tal fato é muito pertinente do ponto de vista pedagógico. Enfim, de quem é a
posse da escola? Em uma perspectiva emancipatória, democrática, a resposta é obvia: pertence aos sujeitos que a constituem.
E mesmo legalmente, quando a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional indicam a
autonomia da escola, a resposta pode ser a mesma. Pedagogicamente, quanto mais a escola se vincular aos seus sujeitos, ou
seja, estiver ocupada por aqueles que a constituem, melhor será o êxito das atividades ali desenvolvidas. A adesão da
sociedade civil às ocupações das escolas também é digna de nota. Artistas, pais, comunidades, organizações voltaram suas
atenções para as escolas, tão abandonadas, ultimamente, por esses mesmos sujeitos, e ainda mais pelos mantenedores. E por
fim, o resultado prático: a decisão do governo de São Paulo de recuar na organização do sistema escolar, fulcro do processo
de ocupação das escolas. Uma vitória do referido movimento, uma mostra de força dos sujeitos constituintes das escolas, ou
seja, do povo organizado, e uma porção relevante desse povo, os estudantes da educação básica, geralmente secundarizada
nos processos políticos do País.
Os processos de ocupação da escola não são inéditos e ocorrem com mais frequência do que se pensa. A tese de doutorado
em educação chamada “Ocupação da Escola: uma categoria em construção” por mim defendida em 2009, na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, já evidencia tal fato. Experiências como as que se deram junto ao movimento operário da
década de 1910 e 20, principalmente sob a tendência anarquista ou, ainda, a luta das periferias pela democratização da escola
pública, das mães por creches nas décadas de 1940 e 50, as escolas comunitárias que ainda hoje se espalham pelo Brasil ou,
ainda, a prática das escolas do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, todas evidenciam que o processo de
ocupação da escola se dá em vários lugares e em tempos distintos, porém, todas as experiências têm um ponto de partida
comum: a negação ao direito à educação e à escola.
Algumas potencialidades pedagógicas comuns nos processos de ocupação da escola, sejam nas escolas de São Paulo ou no
Rio de Janeiro, sejam nos demais processos citados, residem, inicialmente, em seu caráter de formação política, na luta pelo
direito à escola e à educação. Os estudantes de São Paulo lutam para que sua escola não feche; ou por melhores condições
nas escolas do Rio de Janeiro; os estudantes dos acampamentos do MST lutam para que se tenham escolas onde eles vivem.
Tais experiências também se dão somente em caráter coletivo. As ocupações se multiplicaram e se auxiliavam mutuamente,
coletivizando os processos das escolas e dos sujeitos envolvidos, assim, democratizando as práticas escolares. Esse processo
culmina com a auto-organização dos estudantes que, nas práticas convencionais, nada mais são que “depósitos” do
conhecimento escolar. Nas ocupações, os estudantes participam efetivamente e dirigem os processos pedagógicos, o que
marca positivamente sua formação e inverte uma lógica cristalizada: em vez de aprender a obedecer (o que acontece na
escola convencional), ele aprende a ser parte integrante dos processos. Um perigo para a ordem instituída!
As ocupações das escolas estão cheias de processos educativos significativos que levam de fato ao aprendizado. Mostram
que a escola é mais que conteúdo, que é arte, é política, é direito e, mais importante, pertence aos sujeitos que a compõe. As
experiências recentes mostram que a política educacional necessita ser feita com as bases, ou seja, as escolas. Evidenciaram
também que não há escolas suficientes para toda a população e que qualquer tentativa de “otimizar” o sistema deixará a
população longe da escola, que é um direito, garantido legalmente. E mais do que tudo isso: com suas práticas, os estudantes
mostraram que a escola pode ser diferente dos modelos que estão estabelecidos. E a participação popular, estudantil e social
é uma ferramenta indispensável para fazer uma escola diferente.

Fernando José Martins

Fernando José Martins é Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste – Campus de Foz do Iguaçu.
Pedagogo, mestre e doutor em Educação

11 de Maio de 2016

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