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E. Meurer | Abair Bonini | DEsiREE Motta-RotH Désirée Motta-Roth Viviane Maria Heberle Orlando Vian Jr. Rodrigo E. de Lima-l« Sumiko Nishitani I Anna Elizabeth Baloc J.L. Meurer Barbara Hemais Bernardete Biasi-Rod Gisele de Carvalho — Rosangela Hammes Ri Roxane Rojo Adair Bonini = Anna Rachel Machado Maria Marta Furlanetto AT Oreo? Parte 3 ORDAGENS SOCIO-DISCURSIVAS A NOCAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATICO-TEXTUAL DE JEAN-MICHEL ADAM Abar Bows (Us) 1 INTRODUCGAO este capftulo, apresento a nogao de seqiiéncia textual, conforme delineada por Jean-Michel Adam, em sua obra. Embora conside- re os trabalhos mais recentes do autor, esta exposigao estara centrada nos textos do final dos anos 1980 ¢ inicio dos anos 1990. Em termos gerais, Adam aproxima os quadros teGricos da lingitistica textual e da anilise do discurso francesa, apontando 0 texto como um objeto circundado e determinado pelo discurso. Partindo da enunciagao ou das praticas discursivas (onde localiza o género, o discurso e o interdiscurso), ele delimita o campo da lingiiistica textual como o responsdvel pelo estudo do | modo como os mecanismos de textualizacdo se constituem e se caracterizam. A seqiiéncia textual, nesse caso, um desses mecanismos, é vista como um conjunto de proposigées psicolégicas que se estabilizaram como recurso composicional dos varios géneros. O fato de ser lingiiisticamente estavel é que possibilita sua determinagao (mais facilmente em relacao ao género), embora ela também ocorra de modo heterogéneo nas realizacGes textuais. Esse conceito foi incorporado aos Parametros Curriculares Nacionais (PCNs) para oO sino fundamental é médio no Brasil e, em termos tedricos, tem sido considerado um valioso ponto de reflexao no quadro de varias teorias de. géneros. Pretendo, além de r sobre a proposta tedrica de Adam, tratar ‘a sequiéncia como uma nogdo pertinente ao debate nas diversas perspectivas do estudo dos géneros (textuais, discursivos, de linguagem). Os contetidos aqui expostos estao distribuidos em cinco segdes. Em um primeiro momento, fago um breve apanhado das influéncias tedricas no tra- balho de Adam. Na segunda segao, procuro delinear o quadro tedrico propos- to pelo autor, apresentando seu conceito de seqiiéncia. Na terceira segao, apresento os cinco tipos de seqiiéncias textuais que ele concebeu. Na quarta, procuro, em uma andlise de dois exemplares do género critica cinematogra- fica, aplicar 0 conceito de seqiiéncia; e, na ultima secao, tendo em vista 0 panorama tedrico em relagéo ao tema, fago alguns apontamentos sobre a nogao de seqiiéncia. ANOGAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATICO-TEXTUAL DE JEAN-MICHEL ADAM 209 2 BASES TEORICAS DA NOGAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NO TRABALHO DE ADAM Desde seus pri 3, Jean-Michel Adam procurou construir um t as orientagoes formais e enunciativas a respeito do texto. Sua carreira de pesquisador foi marcada, inicialmente, pelas questées de estudo e ensino da narrativa literaria, motivo pelo qual recorreu (e tem recorrido constantemente) ao quadro teérico da anilise estrutural da nartativa (especialmente aos formalistas russos e aos autores do contexto francés como Algirdas Julien Greimas, Roland Barthes e Gérard Genette). Ao mesmo tempo em que recorria a esse campo de reflexao, Adam também sofria influéncias dos trabalhos sobre gramatica narrativa (principalmente pela perspectiva aberta por Teun A. van Dijk) e dos trabalhos da andlise do dis- curso francesa (inicialmente, os de Michel Pécheux e, posteriormente, os de Dominique Maingueneau). $40 exemplos de sua producao nessa primeira fase, o livro Lingiiistica e discurso literdrio (Adam & Goldenstein, 1976) e sua tese de doutorado Gramatica de texto e andilise de discurso, defendida em 1978. Um de seus trabalhos iniciais mais conhecidos é Le récit (Adam, 1984), em que, sob a influéncia da andlise do discurso francesa, propde uma reorientacao, em termos enunciativos, para 0 entendimento da narrativa. Nesse livro, j é possivel visualizar as bases de seu conceito de seqiiéncia textual e de sua teoria do texto. A nocao de seqiiéncia comega a ser definida em varios artigos publica- dos no decorrer da década de 1980 (Adam, 1987), sendo aprofundada em seus trés trabalhos mais importantes (Adam, 1990, 1992 e 1999). O livro de 1992 é dedicado inteiramente a esse tema. Conforme se percebe nesse texto de 1992, a nogao de seqiiéncia se erige a partir de seis conceitos-chave, reformulados em uma proposta global, sen- do eles: os conceitos de género e de enunciado de Bakhtin (1929, 1953), 0 de prototipo (Rosch, 1978), os de base e tipo de texto (Werlich, 1976) e o de superestrutura (van Dijk, 1978). Bakhtin (1953) concebe os géneros como “tipos relativamente estaveis de enunciados”, entendendo por enunciado “uma unidade real, estritamente delimitada pela alternancia dos sujeitos falantes, e que termina por uma transferéncia da palavra ao outro [...]”. Por meio desses conceitos, propde interligar linguagem/atividade discursiva e sociedade, uma vez que ao enun- ciado, como unidade real e dialégica, acopla-se 0 género, unidade motriz da linguagem e elemento estabilizado em/de uma instancia social. Bakhtin (op. cit.) prop6e ainda duas categorias de géneros: os primarios (tipos simples de enunciados, como a réplica do didlogo cotidiano e a carta) e os secundarios (tipos complexos, como o romance e a pega de teatro, que incorporam os primeiros). e vale da idéia de estabilidade de Bakhtin, propondo que ios sejam vistos como tipos nucleares, menos heterogé- 210 ‘Aare Boer | neos, € como responséveis pela estruturacao dos géneros secundarios. Os géneros primarios sao concebidos, entéo, como seqiiéncias textuais, ou seja, como componentes t is (compostos por proposicées veis € maledveis), que atravessam os géneros secundarios, A estabilidade das seqiiéncias é pensada mediante raciocinio prototipico (Rosch, 1978; Kleiber, 1990). As seqiiéncias (narragao, descrigao, explicacao, argumentagao e didlogo) sao entendidas, entéo, como pontos centrais da categorizagao dos textos e, portanto, como os principais componentes para a atividade com textos. O protétipo, segundo Rosch (op. cit.), 6 o objeto mais tfpico da cate- goria; € aquele que retine o maior mimero de pistas de validade para ser membro dela. A categoria de pdssaros, por exemplo, constitui-se por um princfpio de gradualidade, dispondo seus membros mais ou menos dis- tantes do nticleo (conforme o ntimero de pistas que compartilham com o protétipo). Nessa categoria, o nticleo seria preenchido pelo pardal, o re- presentante mais tipico, estando os membros como avestruz e pingiiim na periferia, por deterem poucas pistas de validade em comum com o modelo (o pardal). Nesse caso, para Adam, os géneros e seus exemplares sao dispostos em cate- gorias pelos tracos que compartilham com as seqincias (os prototipos). Géneros laudo de acidente e a noticia comporiam a categoria As seqiiéncias, por sua vez, sao pensadas a partir dos conceitos de base e tipo de texto e de superestrutura textual. Werlich (op. cit.) props 0 conceito. de base de texto como uma forma de entender a competéncia textual do falante, ao que afirma: Se toda a comunicacdo entre os seres humanos é uma comunica¢ao por meio de textos, entao os falantes e escritores competentes também podem ser vistos como seguindo, na producao da sentenga, regras que servem para criar textos, ou seja, regras pelas quais as seqii¢ncias de palavras e de sentengas sao, ou podem ser, combinadas em totalidades lingiiisticas mais amplas e significativas (p. 14). Nesse sentido, o falante/escritor disporia de um conhecimento intuitivo sobre o texto e sobre a formagao dos tipos de textos. Esse conhecimento estaria centrado em dois pélos: o contexto (dispondo a referéncia textual) e a mente (dispondo processos cognitivos relacionados ao contexto e 4 produ- ao do texto) [quadro 10.1]. Do cruzamento desses dois pdlos é que surge 0 conhecimento sobre os mecanismos textuais e sobre os tipos produzidos na atividade comunicativa. Werlich postula cinco tipos de texto: a descrigao, a narragao, a exposi¢ao, a argumentacao e a instrucao. O conhecimento relativo aos tipos encerra também um modo de produ- go textual. A base tematica do texto (que, segundo o autor, j4 pode ser visualizada na estrutura da frase) corresponde a uma unidade tematico-for- mal, a partir da qual o texto tem inicio e se expande na direcado de um dos A NOGAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATICO-TEXTUAL DE JEAN-MicHEL ADaM | 211 cinco tipos’ [quadro 10.1]. Segundo Werlich: Uma base tematica de texto é uma unidade lingiifstico-textual inicial que permite, estrutural e semanticamente, a expansao em texto, através de seqiiéncias de unidades lingiifsticas comple- tas e coerentes (p. 27). Assim como Werlich, Adam assume que os tipos compéem um conjunto de recursos cognitivos responsdveis, em parte, pela produgao do texto. Nao leva em consideragao, contudo, a explicacdo de Werlich sobre a referéncia contextual de base e sobre os processos cognitivos implicados na formagao desses tipos (apresentados no quadro 10.1). Adam entende que os compo- nentes textuais existem em func¢ao/decorréncia das praticas sociais de lingua- gem. Desse modo, concebe todo esse _processo de fixagio/estabilizagao do tipo como determinado s como regido por um principio de ti Adam aceita ainda o principio de que a sentenga jd traz marcas dos tipos de texto, embora va postular que essas marcas se subordinam ao tipo que sera produzido. Uma sentenga que, fora de um contexto textual, apresenta tragos narrativos, pode assumir um carater argumentativo, ao ser estruturada como parte de uma seqtiéncia argumentativa*. Assim como os tipos servem carac- teristicamente a varios géneros textuais, também as sentengas servem aos varios tipos. Para al desses pontos de contato com o trabalho de Werlich, Adam refere a base do texto de um conhecimento sobre o texto. A descricao desse conhecimento tem inspiracdo no conceito de superestrutura de van _Dijk (1973, 1978), bem como no modelo de processamento do texto de Kintsch e van Dijk (1978), com recorréncia ao conceito de proposigao psicolégica utilizado nesses trabalhos e desenvolvido por Kintsch (1974). A superestrutura é pensada, por van Dijk (1978), como um esquema cognitivo composto por categorias vazias que, ao ser preenchidas, sao res- ponsaveis pela realizacao das partes caracteristicas do texto. Kintsch & van Dijk (1978) afirmam que a superestrutura intervém globalmente nos processamentos de compreensao e produgao textual, pois organiza as propo- sigdes que vao sendo percebidas no texto, durante a leitura/escuta, ou linearizadas textualmente, durante a escritura/fala. Adam aceita a afirmacao de van Dijk (op. cit.) de que a superestrutura seja um esquema textual superposto as estruturas gramaticais. A partir de seu trabalho de 1992, contudo, deixa de usar o termo, por dois motivos. Em primeiro lugar, esse termo recobre tanto as formas textuais primitivas (ex. Regularmente, os textos contém mais do que um tipo, como apontam Adam e Bronckart. A esse respeito, conferir a discussdo apresentada na secdo 6, adiante, e 0 capitulo de Machado, neste livro. Um tratamento mais abrangente desse aspecto também pode ser encontrado em Meurer (2002). 2 Esse aspecto ¢ apresentado com maiores pormenores, adiante, na subsecdo 3.2. 212 Apar Bonne ou o ouvinte/ leitor. Referéncia/ foco Processos Base temiatica cognitivos do texto envolvidos Descrigaio Sobre os fenéme- | Percepcao | Sentenca de registro Milhares de nos factuais no no espaco | com verbo de nao- copos estavam | contexto espacial. mudanga (ser, pare- sobre as mesas. cer, conter etc.), no presente ou no pas- sado, e um adjetivo adverbial de lugar. Narracao Sobre os fendme- | Percepcao | Sentenca de marca- Os passageiros | nas factuais e/ou | no tempo _ | cao de aco com um desembarcaram | conceituais no verbo de mudanga em Nova York contexto (crescer, correr etc.), no meio da temporal. no passado, ¢ adjeti- noite. vo adverbial de tem- po e lugar. Exposigao 1. Sobre a 1. Compre- | 1. Sentenga de 1. Uma parte decomposigao ensao de identificagao de do cérebro € 0 | (andlise) em conceitos fendmeno com cértex ou 0 elementos gerais verbo ser de nao- revestimento. constituintes dos | (andlise) mudanca, no 2. O cérebro conceitos dos 2. Compre- | presente, mais um tem dez mi- fendmenos ensdo de complemento Ihdes de 2. Sobre a conceitos (grupo nominal). neurdnios. composicao particulares | 2. Sentenca de (sintese) a partir | (sintese) relagao no fendme- dos elementos no com verbo ter constituintes dos de néo-mudanga, no conceitos dos presente, mais um fenémenos. complemento : __| (grupo nominal). Argumentacao | Sobre as relacdes | Julgamento | Sentenca de atribui- A obsessao pela | entre os concei- cdo de qualidade durabilidadena | tos dos fenéme- com 0 verbo ser, de arte nao é nos. ndo-mudanga e com permanente. negagao, no presen- te, mais um adjetivo. Instrucgao Na composi¢ao Planejamen- | Sentenca de deman- Pare! Nao se de um comporta- | to de da por uma acao, mova! mento futura- comporta- | com um verbo no mente observavel_| mento imperativo. em um dos futuro : interactores: 0 falante/escritor QUADRO 1; COMPONENTES DA DESCRIGAO DOS TIPOS DE TEXTO (ADAPTADO DE WERLICH, 1976). A NOGAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATICO-TEXTUAL DE JEAN-Micet Apam | 213 narrativa, descricdo, argumentacao) quanto as derivadas (ex. noticia, memo- rando, carta). Adam vé nas seqiiéncias um tipo diferente de conhecimento daquele dos géneros e, portanto, uma certa impropriedade do termo superes- trutura. Em segundo lugar, ao recobrir ambos os fenémenos textuais, o termo promove uma confusao entre plano de texto e esquema cognitivo de texto. Para Adam, as caracteristicas prosédicas que estruturam um soneto, por exem- plo, estéo dispostas no plano de texto (como um fendémeno de superficie), mas nao na composicao textual propriamente, que poder ser descritiva, narrativa, explicativa etc. Neste sentido é que propde seu trabalho como uma “passagem de uma teoria das superestruturas para uma hipdtese sobre a estrutura seqiiencial dos textos e sobre os protétipos dos esquemas seqiienciais de base [...]” (1992, p. 14). A partir da reflexao sobre os conceitos de enunciado, género primario, prototipo, tipo e base de texto e superestrutura, Adam desenvolve um quadro te6rico_cujas linhas mestras sao: 1) a delimitacéo do campo da lingtifstica textual e 2) a redefinicao da nogao de texto. Inicialmente, Prop6e a distingao entre as dimensGes discursiva e textual, afirmando ser a tiltima propriamente © objeto da lingiiistica textual. cis (© subgéneros) [2] do discurso l ENUNCIADOS Alvo: Localizagio: ‘Cocstio Conectividade Seqiencialidade ‘locucional ‘cnunciativa ‘semfittica By ‘[B2) (cveréncia) (maundos) | tat 142} 143} CONFIGURAGAO SUCESSAO DE PRAGMATICA PROPOSICOES | a Bl eee RET TEXTO HIG, 10.1: AS BASES DA TIPOLOGIZAGAO NO QUADRO DA LINGDISTICA TEXTUAL (ADAM, 1992, p. 17) Na dimensao discursiva [fig. 10.1: itens 1 e 2] estariam fendmenos de natureza social (discurso, intera¢ao social e género) e, portanto, nao passiveis de uma andlise essencialmente lingitistica®. Afirma, entao: “A lingiifstica textual * Convém frisar que essa delimitagao ¢ estranha ao conjunto dos trabalhos apresentados no presente livro. Mesmo nos trabalhos mais recentes de Adam (1997, 1999) é possivel notar um Tompimento com a distin¢ao formalizével/nao-formaliz4vel e com esse tipo de delimitagao do quadro da lingitistica textual. De qualquer modo, continua sendo um ponto de visivel fragilidade em seu edificio conceitual. 214 pair Bowint | toma por objetivo a observacdo de regularidades, uma vez que nao tem os meios (tedricos) de colocar-se em relacao direta com os parametros do ato’ material da enunciacao-produ¢ao do discurso e da intera¢ao social” (1987, p. 55). Afirma também que esta restricao é de ordem metodoldgica e que nao pressupde uma autonomia (que seria ficticia) das produgoes lingitisticas em relagao ao discurso. Na base dessa restrigao, também nega a possibilidade de trabalho com qualquer tipologia de natureza puramente discursiva ou social (de discurso, de géneros, de atos de fala, de enunciagées etc.). Resulta disso que, como _o género provém do discurso (e esté a ele ligado), (pelo men menos em sua proposta de 19925 objeto da lingitfstica textual, mui seqiiéncias, ‘como objetos textuais, sejam componentes do discurso e do género. Na _dimensiao textual, estaria_presente_o texto como objeto formal e »gnitivo. Adam, neste caso, opera uma distingao entre enunciado (objeto material, empirico, de natur ral ou escrita) e texto (objeto abstrato, resi tante de uma teoria que explica sua estrutura composicional). Como as tipologias textuais sofrem do paradoxo de limitar e ao mesmo tempo revelar a multiplicidade do fenémeno, Adam se propée estudar as formas mais estaveis (mais delimitaveis), mas pensando-as como imbricadas na atividade discursiva (abertas & heterogeneidade). Neste sentido é que as seqliéncias sao pensadas como protétipos e como fo! formas que se adaptam ao ao ‘contetido da interagao e do género, dando origem ao que ele de jomina uma pragmatica textual. 3 GENERO E SEQUENCIA TEXTUAL Embora inicialmente posicione 0 género fora do escopo da lingiiistica textual, Adam (1997) apresenta um esquema [fig. 10.2] que engloba interacao sociodiscursiva (dimens&o discursiva) e estruturacao lingiifstico-textual (di- mensiao textual). Nesse esquema, o género é concebido como um elemento intermedidrio e descrito, a partir da definigao de Maingueneau (1998), segun- do cinco nticleos de atengao: 1) 0 estatuto dos enunciadores e dos co- enunciadores; 2) as circunstancias temporais e locais da enunciagio; 3) o suporte e os modos de difusdo; 4) os temas que podem ser introduzidos; e 5) a extensao e o modo de organizacao. Adam afirma também que os géneros compéem categorias de natureza prdtico-empiricas, prototipicas e regulado- ras dos enunciados. Em seu livro de 1999 (p. 41), retoma o esquema da fig. 10.2 com pequenas alteracées, atribuindo o papel central ao componente esquematizacao. Todo texto, como “uma representacao verbal [...] parcial, seletiva e estratégica de uma realidade (p. 103)’, consiste, ent&o, em uma esquematizacéo proposta por um. + Em sua obra de 1999, o autor incorpora 0 género como parte de seu programa de pesquisas. ‘A NOGAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATICO-TEXTUAL DE JEaN-MiceL Anam [215 esquematizador a um co-esquematizador. Neste caso, 0 esquematizador sele- ciona tragos pertinentes do referente para compor um microuniverso que sera restaurado também parcial, seletiva e estrategicamente pelo co-esquematizador. FORMAGOES ————_ INTERACAO €———__ ACAo(@ES) <5 DISCURSIVAS sécio-discursiva DISCURSIVA(S) Gi 5) [Comandar. Interdiscurso s | Instmir(dovere) GENEROS informar-explicar. (© subgéneros) Argumentar, ‘do discurso ‘Agradar (piacere), ‘Seduzir. Tessiture Estritura -Representaglo —-»-Emunciagio frésticae _composicional semintica FIG, 102; ESQUEMA DO FUNCIONAMENTO DISCURSIVO (ADAM, 1997, p. 16) Na esqu matizagao, intervém os saberes eee o grau de fami- ites da agao dé lingua- gem. Além disso, ela se caracteriza por um dizer aaa pelo que ela pode mobilizar no co- esquematizador (pathos) e pelo que pode insinuar da figura e do comportamento de seu esquematiz: Nessa perspectiva, a estrutura composicional do texto resulta de dois processos composicionais, a planificacao e a estruturagdo. A planificacdo, como processo descendente, é instaurada a partir do género, neste caso, entendido como um plano de texto fixo, convencional, normatizado. JA a estruturacao, como processo ascendente, instaura-se a partir da proposic¢ao, para combinar seqiiéncias e obter um plano de texto ocasional. Deste modo, Adam pretende explicar a ocorréncia de um texto/enunciado empirico em uma situa¢gao empirica. Nao deixa bastante claro, contudo, que tipo de recurso cognitivo é © género. Também nao prope um conceito especifico ou um programa de pesquisas para o género, mas um método de andlise textual em que este elemento intervém. No trabalho de 1992, central para nossa exposico, os géneros sao enten- didos como componentes da intera¢ao social e as sex Jas em interagao dentro de um género. Sendo organizagoes lingiiistic ‘mais mais (na forma de uma sucessao organizada de proposicoes ([fig.10. seqiiéncias se realizam nos géneros mediante pressoes de ordem di genérica (ocorrendo, entao, uma configuracaio pragmatica Ifig. 10.1: Al). 3.1 A configuracao pragmatica No médulo da configuracao pray ica {fig. 10.1: A], Adam (1992) aloca trés pontos de atengao, onde se desencadeiam subsistemas, todos em interagao 216 Apar Bonint e integrados. Os trés submédulos dariam conta do alcance de um alvo comu- nicativo e do balizamento enunciativo e semantico do texto, e seriam respon- sdveis por conferir as guias de sentido e de unidade ao grupo de proposicoes. Sao entendidos, neste caso, como médulos de gestao ligados ao nivel global do_discurso. O primeiro desses submédulos [fig. 10.1: Al] é 0 do alvo ilocucional. Na instancia desse submGdulo, o texto € entendido como um macroato de dis- curso, que se dé como uma seqiiéncia de microatos. O texto é atravessado um alvo ilocuciondrio global (um objetivo explicito ou nao) de agir sobre representagoes, as crengas e/ou sobre 0 comportamento de um destinatari (individual ou coletivo). Nesse nivel, o texto esta orientado por um principit dialdgico, um movimento bi-interpretativo (enunciador/enunciatdrio) qui produz a coeréncia textual. No segundo submédulo [fig. 10.1: A2], 0 da localizagéo enunciativa (ou demarcacao), da-se o proce: ie ancoragem da enunciacdo, mediante pla- nos enunciativos globais e locais. Adam (1992) cita seis modos de ocorréncia da localizagdo da enunciagao: 1) oral face a face (eu, tu, aqui, agora); 2) escrita (atual), onde o contexto precisa ser verbalizado; 3) a enunciacao historica (nao atual), ficticia ou ndo, onde o sujeito se poe a distancia; 4) proverbial, de um sujeito coletivo universal e de um presente atemporal; 5) do discurso légico/tedrico-cientifico, onde a referéncia deixa de ser situacional e passa a ser a do texto em si e onde o sujeito representa a voz da ciéncia; e 6) do discurso poético, compreendido por um jogo verbal, uma luta oratéria desencadeada no aqui e agora dos co-enunciadores. No terceiro submédulo [fig. 10.1: A3], 0 da coestio semantica (mundos), d4-se o estabelecimento de um mundo representacional do qual decorre e ao qual se filia o tema global (macroestrutura) do texto. Na base do mundo instaurado, assentam-se demarcadores como o carater de ficgao ou de nao-ficgdo e as condigdes de verdade (possibilidades légicas de univer- sos de referéncia reais ou imagindrios). Neste submddulo, desencadeiam- se (nos niveis global e local) os processos de coeréncia em termos de isotopias® semantico-referenciais, em relac¢ao a progressdo dos enunciados e ao mundo instaurado. 3.2 A sucessdo de proposi¢ées Este médulo € onde ocorre a composicao do texto, disposta em dois submédulo: qiiencialidade. Ambos sao operados pelo conceito de proposicao psicolégica de acordo com a pro- posta de Kintsch (1974) e Kintsch & van Dijk (1978). Trata-se, neste caso, + Isotopias sao os lacos de sentido que ligam uma categoria a outa no decorrer de um enun- ciado (texto). Os itens lexicais de um texto fazem sentido, na cadeia textual, em funcio.do modo como se remetem mutuamente e em fungdo do modo como podem ser interpretados em um mundo instaurado (real ou ficticio). A NOGAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATICO-TEXTUAL DE JEAN-MicHEL ADAM _| 217 de pensar o texto (em um certo nfvel cognitivo) como composto de unidades predicado/argumento inter-relacionadas. As proposigoes nao sao propriamente representacées lingiifsticas, mas unidades de contetido que, em forma de teia [quadro 10.2], mapeiam as relagées significativas postas em um texto. TEXTO PROPOSICOES Uma série de confrontos vio- | 1: [série, confrontos] lentos e sangrentos entre a | 2: [violentos, confrontos} policia e os membros da orga- | 3: [sangrentos, confrontos] nizagao dos Black Panters | 4: (entre, afrontamentos, policia, Black Panters) marcaram os primeiros dias do | 5: [tempo: em, confrontos, verao] verdio de 1969. [...] 6: [inicio, verao] 7; [tempo: em, verao, 1969] (QUADRO 10.2: GRAFICO DE PROPOSIGOES TEXTUAIS (KINTSCH & VAN DIK, 1878) ao O submédulo da conectividade [fig. 10.1: B1] corresponde propriamente ao processo de coeséo como € comumente explicitado em lingiiistica textual. Trata-se das ligacdes inter e intrafrdsticas que, por meio de uma série de recursos lingtifsticos (pronomes, artigos etc.), estabelecem as retomadas e reapresentacdes importantes para assegurar a continuidade textual. A conectividade € vista por Adam como uma parte do que ele denomina uma gramdtica textual. O segundo submédulo, o da seqiiencialidade [fig. 10.1: B2], explicita a organizacao das proposigées em agrupamentos caracteristicos (prototipicos). Temos aqui as seqiiéncias textuais, propriamente, entendidas como um recur- so cognitivo indispensdvel 4 producao e a compreensao do texto. Adam (1992, p. 28) define seqiiéncia como: © uma rede relacional hierdrquica: grandeza decomponivel em partes ligadas entre si e ligadas ao todo que elas constituem; e uma entidade relativamente auténoma, dotada de uma organizacao interna que lhe é prépria e, portanto, em relagdo de dependéncia/ independéncia com o conjunto mais vasto do qual faz parte. Aprincfpio, Adam (1987) concebeu sete tipos de seqiiéncia (narrativa, descri- tiva, argumentativa, expositivo-explicativa, injuntivo-instrucional, conversacional e pottico-autotélica). Posteriormente (Adam, 1992), reduziu o ntimero para cinco (narrativa, descritiva, explicativa, argumentativa e dialogal). Excluiu a injuntiva, por consideré-la parte da descricao, e a poética, por considerar 0 texto poético como 0 resultado dos ajustes de superficie na base do texto, mas nao exatamente como uma estrutura hierdrquica e ordenada de proposicées. éncia. Por um lado, ela de macrop! Dois tracos, portanto, caracterizam uma seq) corresponde a um conjunto hierarquicamente organizac posicdes. Cada uma das macroproposigées da conta de uma das caracteris ticas da seqiiéncia e pode ser | atualizada por uma ou varias proposigoes na 218 Abu Boxint | superficie do texto (o texto produzido). No caso da seqtiéncia narrativa prototipica (que sera descrita na seco 4.1), terfamos, essencialmente, cinco macroproposicées, correspondentes 4 situacao inicial, 8 complicacdo, as (te)agées, a resolucao e a situacao final. Por outro lado, as seqiiéncia te as exi cias pragmaticas de enunciado (correspondentes em parte ao género), 0 que faz com que uma seqiiéncia prototipica se mostre, na superficie textual, geralmente: de modo parcial em relacao aos seus tracos tipicos. Neste sentido, também, tais exigéncias podem levar o texto a explicitar, em sua superficie, mais de uma seqiiéncia, ao que uma delas serd dominante, devendo as demais a ela se adequar. Ressalte-se_que a seqiiéncia, embora concebida como mecanismo cognitivo, é determinada pelas condig6es externas, do discurso. Deste modo, em Adam ela nao se estabiliza (ganha sta igao de pro- _priedades intrinsecas da mente, como em Werlich, mas pela sua constante retomada em praticas discursivas. Outro aspecto a ser ressaltado é que, para Adam, embora se possam visualizar marcas de uma ou outra seqiiéncia em uma proposi¢ao individual, essa propo- sicdo nao pode ser vista como essencialmente narrativa, descritiva, argumentativa etc. (como previa Werlich). O verbo no passado, no exemplo 1, pode indicar que a proposicao tenha base narrativa, mas, se considerarmos as complementagées em 2 e 3, veremos que ela ganha carter argumentativo e explicativo. atualizadas no texto mediante as exigén- ()A marquesa saiu as cinco horas. (2)A marquesa saiu as cinco horas (entao é uma mentirosa). (3)A marquesa saiu as cinco horas (porque é casada). A proposicao, esté lagdo pragmatica de dependéncia com uma seqtiéncia textual. A seqiiéncia textual, por sua vez, esta em relacao pragmatica com o género (enunciado). Neste sentido é que Adam concebe uma pragmatica textual, pois as marcas formais (gramatica textual) interagem com uma exterioridade (condicées da enunciacao). Este conjunto de encaixes e relagdes ocorre da seguinte forma: @ Texto # (Seqiiéncia/s (Macroproposicées (Proposicées)))) Nessa férmula, o sinal de sustenido (#) indica as fronteiras (para)textuais, marcadas, segundo Adam, em termos de inicio e fim da comunicacao. Os parén- teses, por sua vez, indicam a estrutura de encaixes dos componentes textuais. 4 TIPOS DE SEQUENCIA TEXTUAL A diferenca fundamental da seqiiéncia em relacao ao género, como ja foi dito antes, é sua menor variabilidade. Os géneros marcam situacgées sociais especificas, sendo essencialmente heterogéneos. Ja as seqiiéncias, como com- ponentes que atravessam todos os géneros, sao relativamente e: mais facilmente delimitaveisem um pequeno conjunto de tipos (ui A NOGAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATICO-TEXTUAL DE JEAN-MicHet Apamt | 219 [ver Meurer (2002), para uma discussdo mais elaborada sobre diferencas entre tipos de texto (0 que el hama de modalidades retdricas) e géneros}. 4.1 A seqiiéncia narrativa Para identificar a seqiiéncia narrativa, Adam (1992) parte de seis carac- teristicas que Ihe sao prprias, descrevendo-as do seguinte modo: 1) 2) 3) 4) 6) a sucessdéo de eventos: a narrativa consiste na delimitagao de um evento inserido em uma cadeia de eventos alinhados em ordem temporal. Ou seja, um evento (ou fato) é sempre a conseqiiéncia de outro evento, sendo o elemento principal, aqui, a delimitagao do tempo, que se da em funcdo do evento anterior e do subseqiiente; a unidade tematica: a ag&o narrada necessita ter um cardter de uni- dade. Para que isso ocorra, ela deverd privilegiar um sujeito agente. Mesmo que existam varios personagens, um deverd ser 0 mais impor- tante, dele desencadeando toda a acao narrada; os predicados transformados: o desenrolar de um fato implica a trans- formacao das caracteristicas do personagem, de modo que sera mau no infcio e se tornard bom no final, teré uma perna saudavel no inicio e quebrada no final etc; © processo: a narrativa deve ter um infcio, um meio e um fim. A estruturacao bdsica da seqiiéncia narrativa, na verdade, parte dessa idéia de processo. Para que haja o fato, é necessario que ocorra uma transformagao, ou seja, no inicio, tem-se 0 estabelecimento de uma situagdo, no meio, uma transformagao que transcorre em direcao a um fim, uma situagao final’; a intriga: a narrativa traz um conjunto de causas, orquestradas de modo a dar sustentagao aos fatos narrados. A intriga pode levar o narrador a alterar a ordem processual natural dos fatos, fazendo com que a narrativa comece, por exemplo, pelo meio (in media res). A auséncia de intriga pode levar certos autores a nao considerar croni- cas e relatos histdricos ou técnicos de fatos como narrativa; a moral: muitas narrativas trazem uma reflexao sobre o fato narrado, que pode encerrar a verdadeira razao de se contar aquela histdria. Nao é uma parte essencial & seqiiéncia narrativa, de modo que pode vir implicita. Quando a seqiiéncia esta inserida em determinado gé- nero, é uma das partes que mais comumente pode ser alterada, ao se adequar aos componentes do género como uma forma hierarquica- mente superior, mais geral. Com base em todos esses elementos e inspirado principalmente em Labov & Waletzky (1967), 0 esquema prototipico da seqiiéncia narrativa € © A nocao de processo, propria da narrativa, parece-me, nem sempre exigird a linearizagao dessas trés etapas (inicio, meio e fim). Essa seqiiéncia se aplica a uma narrativa pessoal completa, mas nfo necessariamente a trechos narrativos dentro de um determinado género de texto (como € 0 caso da noticia). 220 Anak Bown | descrito [fig. 10.3] como contendo cinco macroproposicdes que perfazem a situagao inicial, a complicagao, as (re)agées, a situa¢ao final e a moral. As macroproposigGes correspondentes a situagdo inicial e a situagdo final representam os momentos de equilfbrio da agao. Tém uma base mais descri- tiva, As macroproposigdes centrais (complicacao, re/agdes e resolucéio) sao propriamente as que caracterizam 0 esquema narrativo, onde um fato ocorre, quebrando a ordem estabelecida e desencadeando reacées que tendem & resolug&o e a uma nova situagdo de equilfbrio. A moral é uma reflexao com- plementar ao todo do fato narrado, sendo funcao do narrador. SBQUENCIA NARRATIVA be ween4 CT HHaae_aea=a>o 71 " Situagho Complicacio (Re)Agdee Resolucio Situagio Moral Iniciel Desencadeamento 1 ou Desencadeamento2 final (orientagao) avaliagéo FIG. 103: ESQUEMA DA SEQUENCIA NARRATIVA (ADAM, 1995: 57) Para ilustrar a seqiiéncia narrativa, Adam (1992, p. 61) recorre a um trecho da pega Os justos de Albert Camus (exemplo 4). Neste exemplo, a narrativa se encontra encaixada em meio ao didlogo, e nela as macroproposicoes se apresentam do seguinte modo: situacao inicial [a], com- plicagao [b], re/agao [c, d, e, f, gl’, resolucao (hj, situacao final [i]. Adam afirma, ainda, que a moral, embora nao esteja explicita na narrativa, 6 esperada pelo ouvinte da histéria, motivo pelo qual ele se manifesta com um “E dai?”. (4) Kaliayev: Nao é necessério dizer isso, irmao. Deus nada pode. A justica € negocio nosso! (Um siléncio.) Vocé nao compreende? Conhece a lenda de Sao Dimitri? Foka: Nao. Kaliayev: [a] Ele tinha um encontro, na estepe, com Deus em pessoa, € estava apressado, [b] quando encontra um camponés [c] cuja condugao estava atolada. [d] Entao, Sao Dimitri o ajuda. [e] A lama estava espessa o buraco, profundo. [f] Ele precisou batalhar durante uma hora. [g] E quando isto tudo terminou, [h] $40 Dimitri correu para 0 encontro. [i] Mas Deus nao estava mais la. Foka: E dat? Kaliayev: E dai que existem os que chegarao sempre atrasados ao encon- tro porque ha um bocado de irmaos para socorrer. 4.2 A seqiiéncia argumentativa Argumentar, no sentido mais elementar, é direcionar a atividade verbal para 0 convencimento do outro ou, mais especificamente, é a construgao por 7 Penso que o fragmento [c] faz parte da complicacao e nao das re/agoes, como aponta Adam. A NOGAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATICO-TEXTUAL DE JEAN-MicHEL Apa [221 um falante de um discurso que visa modificar a viséo de outro sobre deter- minado objeto, alterando, assim, o seu discurso. O ato argumentativo, conforme Ducrot (1987, 1988), € construfdo com base em um jd-dito, em um dizer temporalmente anterior (e conhecido pelo interlocutor) que, na sua forma mais caracteristica, aparece implicito. Ou seja, ja que conhecido pelo interlocutor, nao precisa ser dito. Consiste essencialmente na contraposic¢aéo de enunciados, tendo sua sus- tentagao em operadores argumentativos. Estes operadores sao palavras que tem a funcdo de opor um enunciado que esta sendo proferido a um jé-dito, deno- minado topos. O operador argumentativo mais caracteristico é a conjuncdo mas. O esquema argumentativo consiste, basicamente, na apresentagaio de um dado ou elemento explicito de sustentacéo (um argumento) e uma conclusio (um predicado), passando por um topos (um ja dito). Adam apresenta, como um exemplo caracteristico de enunciado argumentativo, a frase: (5) A marquesa tem maos suaves, mas eu nao a amo. Para ver que hd uma oposicao de enunciados aqui, devemos fazer uma inferéncia, ou seja, encontrar o enunciado implicito (0 topos), o que se dara por uma regra de inferéncia. O topos, neste caso, é 0 enunciado “Os homens amam as mulheres que tém maos suaves”. A partir deste enunciado, a conclusao plausivel, com relacdo ao exemplo cinco, seria, como podemos ver no esquema abaixo: “eu amo a marquesa”. a) Se os homens amam as mulheres que tém mios suaves, b) E a marquesa tem maos suaves, ) Entaéo eu amo a marquesa. No exemplo 5, a conjungao mas nao se opde a qualquer elemento an- terior da frase (marquesa ou maos suaves), mas ao topos: (homens) amar as mulheres que tém maos suaves. Ou seja: se a marquesa tem mos suaves eu deveria amé-la, mas eu nao a amo. Adam apresenta, para se compreender a argumentacao no exemplo 5, um esquema [fig. 10.4], onde se podem visualizar os elementos que a compéem. Proposic&o p ] (A marquesa ten (Eu ano mios suaves) ___ -a~ portanto — _, a marquesa) aDOS Be cea Concurso 54 que 2 menos que GARANTIA RESTRICEO {0s homens aman as (zefutagdo, mulheres que tém excecdo) mos suaves) estanto dado SUPORTE FIG. 10.4: VISUALIZAGAO DO MOVIMENTO ARGUMENZATIVO (ADAM, 1992, p. 106) 222 Apa Bonne A partir desse esquema, podemos ver como Adam organiza a seqiién argumentativa [fig. 10.5]. Para ele, esta seqiiéncia é formada de trés partes: dados (premissas), 0 escoramento de inferéncias e a conclusao, sendo segunda implicita. Completa-se por uma tese anterior e uma restri¢do. TESE + DADOS —— escoramento de’ portanto—> conciusho ANTERIOR (premissas) inferéncias provavelmente (nova tese) t a menos que RESTRIGHO FIG. 105: ESQUEMA TIPICO DA SEQUENCIA ARGUMENTATIVA (ADAM, 1992, p. 118) A tese anterior é a afirmagdo que serd contestada, a qual nao necesita: estar explicita no texto. Os dados sao as afirmagées que dao margem a con- clusao. O escoramento de inferéncias, nao estando explicito, é dado somente pelo sentido do enunciado. Direcionando a conclusao, ha uma particula que: pode ser conclusiva ou restritiva. A conclusdo é propriamente a opiniao do enunciador e pode servir de tese para uma nova seqiiéncia argumentativa. 4.3 A seqiiéncia descritiva A descricao é a seqiiéncia menos auténoma dentre todas. Dificilmente sera predominante em um texto. Sua ocorréncia mais caracteristica € como parte da seqiiéncia narrativa, principalmente na parte inicial {a situacao), quando sao introduzidos 0 espaco e os personagens do fato. A seqiiéncia descritiva nao apresenta uma ordem muito fixa, ao contrério da narrag4o. Em seu sentido mais geral, consiste na determinagao de um rétulo e de um conjunto de propriedades relacionadas a ele. Adam aponta para a descricdo trés partes: 1) uma ancoragem (onde se tem um tema-titulo); 2) uma dispersao de propriedades (contendo dois pro- cessos basicos — a aspectualizagao e o estabelecimento de relagao); e 3) uma reformulagao (onde se tem uma nova visualizagao geral do tema). Estes componentes so apresentados em um esquema virtual [fig. 10.6]. O termo virtual justifica-se, neste caso, porque Os processos expostos no esquema nao estao dispostos exatamente na ordem em que possam caracteristicamente ocorrer, mas de forma a compor um quadro desses processos. Na descricdo, apés se estabelecer o tema-titulo, haverd uma especificago dele, por meio da aspectualizacao e/ou do estabelecimento de relacdéo. O pri- meiro desses processos caracteriza 0 objeto em seu aspecto fisico. Divide-se em dois subprocessos: o relato de propriedades do objeto (qualidades) e 0 relato de partes do objeto (sinédoque*). Cada uma das partes relatadas pode ® Sinédoque é uma figura de estilo que marca o uso de uma porcdo do objeto em relacdio ao todo e vice-versa. Neste caso, a palavra faz referéncia as relagées entre partes do objeto, nao necessariamente como recurso de estilo. A.NOGAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATIOO-TEXTUAL DE JEAN-MICHEL ADAM 223 ser, por sua vez, especificada, reaplicando-se ciclicamente 0s mesmos proces- sos (tematizacao). O segundo processo (0 estabelecimento de relagao) consiste em usar as caracteristicas de uma parte relatada para compor outra. Também se divide em dois subprocessos: a situagao do objeto (seja no espago ou no tempo) e a assimilacao de caracteristicas (mistura das caracteristicas para compor um. terceiro aspecto). A assimilagio pode ocorrer via comparacdo ou via metéfora. Através do exemplo 10.6, Adam (1992, p. 82) apresenta a comparagao (da mesma cor) e a metonimia (bigode + chapéu = Carlito). vena—titulo ‘RNCORAGEM i SS ! ASPECTUALIZAGAO oan 1 DE 9 aa 1 PROPRIEDADES PARTES SETUACKO ASSIMILAGAO 1 1 (qualidades) (sinédogues) _thetoninia) ae AS ee ie forma talhe ea Parte 1 2 ; ig Local Tempo Comparagdo metdfora | TESS teas \ i [1 TEMATIZAGKO Vat! TEMATIZACKO avattzacko 1 Revimilacao PROPRIEDADES conparative 7 ASPECTUALIZAGRO ESTABELECIMENTO zsTABELEcINENTO I DE RELAGRO —-ASPECTUALZZAGKO De RELACKO I ete etc. “™ -—~~ 1 PROPRIEDADES PARTES STTUAGKO ASSIMILAGKO l etc. ete. REFORMULACKO FIG. 10.8: ESQUEMA TIPICO DA SEQUENCIA DESCRITIVA (ADAM, 1982, p. 64) (6) Um pequeno bigode preto e um chapéu coco da mesma cor. Descrigao, ao mesmo tempo suméria e precisa, do amigo ptiblico numero 1: 0 Carlito. [...] 4.4 A seqiiéncia explicativa ‘A explicaco costuma ser chamada também de exposi¢ao. Adam, no entanto, nao acredita que haja uma seqiiéncia expositiva. Dessa forma, para ele, os casos apontados como exposicéo podem ser regularmente reinterpretados como uma seqiiéncia descritiva (na maioria dos casos) ou como uma seqiiéncia explicativa. Ambas as seqiiéncias tém como caracteristica prover uma resposta a questo Como?. Esta resposta na descricao, segundo Adam, tem uma forma procedimental, no sentido de responder a Como fazer para...?. O texto, nestes termos, descreve os passos para atingir um objetivo. Ja em relagao a explica- ao, seu propésito é construir um desenho claro de uma idéia. Para isso, responde-se a questao Por qué? ou Como?, mostrando quadros parciais da significagéo da idéia. A seqiiéncia explicativa também se diferencia da 224 Apam Bonne argumentativa, pois nao visa modificar uma crenga (visio de mundo), transformar uma convic¢ao (estado de conhecimento). 0. Macroproposic&o explicativa 0: Esquematizaco inicial 1. Por que X? Macroproposicéo explicativa 1: Problema (questo) (ou Como?) 2. Porque Macroproposic&o explicativa 2: Explicag&éo (resposta) 3. Macroproposic&o explicativa 3: Conclusdo-avaliacso FIG. 107; ESQUEMA TIPICO DA SEQUENGIA EXPLICATIVA (ADAM, 1982, p. 132) O esquema tfpico da seqiiéncia explicativa [fig. 10.7] apresenta trés parte havendo uma parte néo computdvel no inicio, uma vez que se trata de preparacao para o comego da explicagao. Nessas trés fases da explicagao, bust se levantar um questionamento, responder o questionamento ou resolver problema, detalhando-o, e, por fim, sumarizar a resposta, avaliando o probl Adam (1992, p. 137) apresenta um exemplo de uma seqiiéncia explicati encaixada em um antincio de eletrodoméstico (exemplo 7). O texto é intro- duzido com uma seqiiéncia descritiva [a, b, c, d]. A seqiiéncia explicativa tem inicio com a pergunta: por que uma Radiosa? [e]. A partir dai, em discurso direto, aparecem as partes da explicacao: a esquematizacao inicial [g, h, il, 0 problema [j], a explicacdo [kl e a conclusao-avaliacao (1, m, n). (7) [a] Bem no alto da cadeia dos Pireneus, na base do monte Vignemale, se encontra o lago de Gaube. [b] Neste lugar, usar um automdvel esta fora de questao, pois s6 se chega ld por uma trilha estreita. [c] No entanto, na beira do lago, hd um pequeno albergue: 0 de Madame Seyrés. [d] E, neste albergue, ha uma maquina de lavar roupa Radiosa. [e] Por que uma Radiosa? [f] Ouga o que diz Madame Seyres: [g] “Mesmo aqui é preciso uma maquina de lavar. [h] Para nossa roupa branca, claro. [i] Além disso, mesmo isolado como se estd, em um alber- gue, sempre ha muitos guardanapos e toalhas para lavar”. {j] “S6 6 preciso uma maquina que nao enguice. [k] Porque é muito dificil, para os técnicos, subir até aqui.” {l] “Entao, é preciso de algo forte. {m] Nés sempre tivemos uma Radiosa. [n] E nunca tivemos aborrecimentos com ela.” [o] Para a Radiosa, n&o s&o sé as mdquinas de lavar roupa que nao dao problemas: as lavadoras de louca, os fogdes, as geladeiras e os freezers também sao fabricados para durar como a maquina do lago de Gaube. Radiosa: Os eletrodomésticos sem problemas. 4.5 A seqiiéncia dialogal A seqiiéncia dialogal {fig. 10.8] é o componente principal, segundo Adam (1992), dos géneros textuais mais caracteristicos da comunicagéo humana: a conversacao e suas variantes (entrevista, conversacao telef6nica, debate etc.). Em relagao as demais, ela traz uma caracterfstica fundamental: o fato de ser poligerada. Ou seja, enquanto as seqiiéncias vistas até aqui s4o formas A. NOQAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATICO-TEXTUAL DE Jz4N-MICHEL ADAM 225 textuais construidas por um tnico interlocutor (falante/escritor), 0 didlogo é uma unidade formada, necessariamente, por mais de um interlocutor, poden- do estes interlocutores ser personagens, quando a seqiiéncia esta inserida em um género de ficcao. A composicao da seqiiéncia dialogal se dé pela emissao de enunciados de um interlocutor e outro (com alternancia de turnos), havendo aqui, segun- do Adam, dois tipos de seqiiéncias: as faticas e as transacionais. SEQUENCIA DIALOGAL sequéncia fatica seqiiéncias transacionais seqiéncia fatica de abertura de encerramento Al BL AZ ete. FIG. 10.8: ESQUEMA BASICO DA SEQUENCIA DIALOGAL (ADAPTADO A PARTIR DE ADAM, 1992, p. 159.163) As seqiiéncias faticas sao ritualfsticas e tém a fungao de abrir e fechar a interagao. Um exemplo de seqiiéncias faticas de abertura e encerramento de interagao (Adam, 1992, p. 156) pode ser: (8) Al - Bom dia! BI - Bom dia! lal AX - Até logo. BX - Até logo. As seqiiéncias transacionais sao as que compéem 0 corpo da intera¢ao, onde esta realmente a razo do ato comunicativo. Neste exemplo de Adam, as seqiiéncias transacionais correspondem a metade do primeiro turno e ao segundo turno: (@) Al - Desculpe. Vocé tem horas? B1 - Claro. Sao 6 horas. A2 - Obrigado. A forma mais caracteristica das seqliéncias transacionais é 0 padrao pergunta/resposta, podendo existir, como complemento, 0 comentario e 0 acordo (ou desacordo) com o comentario. 5 EMPREGANDO A NOCAO DE SEQUENCIA NA ANALISE DE EXEMPLARES DO GENERO “CRITICA DE CINEMA” As andlises presentes em Adam (1992) partem das préprias seqiiéncias para, em seguida, considerar o género em que estao inseridas. Em seu traba- Tho de 1999, ele considera o intertexto (condigdes de producio) e o processo de esquematizacao (planificacao [género] e estruturagao [seqiiéncias e de- 226 ‘Apa Bont | mais mecanismos textuais]), sendo este processo ainda considerado em seus trés aspectos: ethos, logos e pathos*. Na andlise de texto que aqui fago, vow partir de uma discussdo sobre o género critica de cinema para, em um mo- mento seguinte, considerar, no primeiro exemplo, as seqiiéncias ¢, no segun- do, os processos de planificagao e esquematizacao. Para uma visualizacao inicial da critica de cinema, como ha poucos traba~ Thos sobre este género, € possivel recorrer a descrigdes de géneros préximos. O que se apresenta mais préximo (podendo inclusive se confundir com a critica) € a resenha. Motta-Roth (2002) descreveu a resenha académica de livros (nas dreas de lingtifstica, economia e quimica), detectando uma organizacao em quatro grandes blocos textuais (movimentos retéricos). Segundo essa des- cricéo [quadro 10.3], este género é composto pelos seguintes movimentos: 1) apresentar o livro: apontando o caréter do livro (texto, coletanea etc.), o tema geral, as credenciais do autor, o campo de estudos a que se relaciona, o ptiblico a que a obra pode interessar etc.; 2) esquematizar o livro: descrevendo o modo como esta organizado (como foi dividido), relatando 0 que é discutido em cada unidade e que tipo de informagio adicional é possivel se encontrar nele (gra- ficos, figuras, quadros etc.); 3) ressaltar as partes do livro: selecionando e criticando (positiva ow negativamente) os seus componentes; 4) fornecer avaliacao final do livro: considerando-o no seu todo, de modo a recomendé-lo (expressamente ou com ressalvas) ou néo recomendé-lo. Denttre as descrig6es voltadas especificamente para o género em questéo (a critica de cinema), estd a proposta por Beacco & Darot (apud Machado, 1996). Para estes autores, a critica de cinema se caracteriza por trés operagdes que determinam sua estruturagao, sendo elas: 1) descrever: relato do contetido do filme, que se mostra lingiiisticamente pelo predominio da asser¢ado, de marcas de 3* pessoa e pela auséncia de marcas do sujeito enunciador; 2) apreciar: julgamento pessoal sobre o filme, levando-se em conta um sistema de valores, que se mostra lingiiisticamente por marcas do sujeito enunciador, pela presenga de unidades lexicais dotadas de conotagGes pejorativas ou valorativas, de unidades de comparacao e quantificacao e de verbos de contetido psicolégico ou emocional; 3) interpretar: explicagao sobre a significacao do filme (em termos da intengao do diretor, da légica do enredo, da coeréncia das persona- gens etc.), que se mostra lingiiisticamente por verbos ou nominali- zacdes (como “interpretar’, “interpretagao”), por perguntas retéricas (que colocam em evidéncia a construg¢ao da interpretagao), por mo- dalidades que marcam incerteza etc. © Estes aspectos so considerados brevemente no inicio da segao 3. [A Nogso DE SEQUENGIA TEXTUAL Na ANALISE PRAGMATICO-TixTUAL DE JEAN-Micuen Apa [227 ] Movimento 1 APRESENTANDO O LIVRO Passo 1 Definindo o t6pico geral do livro e/ ou Passo 2 Informando sobre a virtual audiéncia e/ ou Passo 3 Informando sobre o0/a autor/a e/ ou Passo 4 Fazendo generalizacgdes e/ ou Passo 5 Inserindo o livro na area Movimento 2 ESQUEMATIZANDO 0 LIVRO Passo 6 Delineando a organizagao geral do livro e/ ou Passo 7 Definindo 0 t6pico de cada capitulo e/ ou Passo 8 Citando material extratexto Movimento 3 RESSALTANDO PARTES DO LIVRO. Passo 9 Avaliando partes especificas Movimento 4 FORNECENDO AVALIACAO FINAL DO LIVRO Passo 10A Recomendando/desqualificando 0 livro ou Passo 10B Recomendando o livro apesar das falhas ‘QUADHO 10.3: DESCRIGAO ESQUEMATICA DA ORGANIZAGAO EM RESENEIAS ACADEMICAS (MOTTA-ROTH, 2002, p93) Machado (1996), em um dos poucos trabalhos que discutem a proposta de Adam no Brasil, concebe dois géneros com esta configuragao, os resumos eas resenhas criticas de cinema, optando pelo termo resenha critica para uma denominacao geral. Ela argumenta que se deve entender a constituicado desse género como uma projecao da seqiiéncia descritiva. Deste modo, durante 0 artigo, estabelece uma relacio da seqiiéncia descritiva com o esquema de Beacco & Darot, que pode ser apresentada do seguinte modo: 1) descrigao: nesse plano, estariam as operacées de aspectualizacao apontadas por Adam (listar propriedades, determinar as partes); 2) apreciacao: nesse plano, estariam as operagées de estabelecimento de relacdo, mais especificamente, a da assimilacao, pelo procedimento da comparacao entre filmes diferentes. A apreciagao se completa com a operagao de avaliacao, apontada por Adam como de possivel ocor- réncia na seqiiéncia descritiva. 3) interpretacao: seria uma espécie de descrigdo do contetido e/ou da forma do filme. Sua natureza descritiva se revela no fato de que ela comumente vem imbricada com a propria descricao. Trés pontos, contudo, podem ser reavaliados no trabalho de Machado, principalmente se tivermos em conta a descrigdo da resenha desenvolvida por Motta-Roth. O primeiro deles diz respeito & denominacao do género. No jornalismo, os textos que comentam obras literdrias, teatrais, cinematogra: ficas (e de artes pldsticas de um modo geral) séo denominados critica (li- terdria, teatral, cinematografica etc.). Embora haja similaridades claras entre resenha e critica, existe pelo menos uma diferenga marcante. Enquanto a resenha traz um relato pormenorizado da obra, avaliando sua pertinéncia para um campo de debates (campo das idéias), a critica se atém ao plano 228 Apa Bonn da construgao da obra (campo da forma), avaliando suas qualidades esté- ticas e/ou de entretenimento. O segundo ponto a destacar é o da organizacg&o do género. Ao que parece, o género critica cinematografica se enquadra mais na descricio de Motta-Roth que na de Beacco & Darot. Nao é possivel visualizar facilmente, nos exemplares deste género, categorias textuais como a descricao, a aprecia- cdo e a interpretacdo, pois sao termos relativamente vagos. Por outro lado, é mais facil perceber (embora minha andlise aqui também seja bastante intui- tiva) que os textos de critica comportam: 1) ficha técnica; 2) apresentacao do filme (tema geral, dados dos participantes, indicagado de audiéncia etc.); 3) esquematizacdo do filme (pela apresentacdo da sinopse, pelo destaque de cenas etc.); 4) avaliagao (explicita ou implicita). Enunciativamente, os exem- plares deste género produzem uma avaliacado da obra que desencadeia no leitor o interesse ou o desinteresse pelo filme. Nao esta direcionado, primei. ramente, a produgdo de um feedback aos idealizadores da obra e & audiéncia especializada (efeito da critica académica). Por fim, no trabalho de Machado, merece ser repensada a questao da identificacao entre a estrutura da seqiiéncia descritiva e a estrutura do pré- prio género. Neste caso, se observarmos os exemplos abaixo (textos 1 e 2), poderemos verificar a ocorréncia de varias seqiiéncias, sendo a descri¢ao a menos significativa. Vejamos como 0 texto 10.1 se configura. Pode-se observar, nele, a ocor- réncia de trés blocos textuais claramente delimitaveis: uma apresentagao do filme ([1] negrito), uma esquematizagao do filme ({2] caracteres normais) e uma avaliagao final do filme ({3] sublinhado). No primeiro bloco [1], que relata o mote do filme, a avaliagao se sobrep6e aos aspectos descritivos (havendo a dominancia da seqiiéncia argumentativa). No segundo bloco [2], em que 0 autor procura dar pistas da estrutura do filme, a esquematizacao, por se tratar de uma obra de ficcao, esta centrada na apre- sentacao da sinopse (havendo a dominancia da narragao). No terceiro bloco [3], em que o autor produz uma sintese interpretativa do filme, a avaliagdo se faz de modo implicito (havendo a dominancia da explicacao). No primeiro destes blocos ({1] em negrito), a seqiiéncia argumentativa traz tracos de explicacao, uma vez que se faz em tom neutro, nado polemiza. Pode-se visualizar, no periodo inicial, o seguinte esquema argumentativo: Tese anterior 1: imagindrio e real sao coisas distintas; Dados 1: pessoas normais viram celebridades e artistas se mostram co- muns e patéticos; Concluséo 1: imaginario e real nao sao coisas tao distintas (ténue divisao); Tese anterior 2: ténue linha entre imaginario e real; Dados 2: filme mostra influéncia do imaginaério mediocre da midia na vida das pessoas comuns; Conclusdo 2: real cada vez mais mediocre. ANOGAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATICO-TEXTUAT. DE JeaN-MicHEL ADAM 229 No segundo perfodo dessa seqiiéncia, os elementos que tém base cla- ramente descritiva (LaBute... polémico, incisivo, diretor de “Na companhia de homens”) ganham as cores da argumentagao (para reforcar; debatedor a al- tura de; a mais interessante delas), como postula Adam, pela relagdo de subordina¢ao ao primeiro perfodo (argumentativo). AENFERMEIRA BETTY Cotagdo (de 0 a 10): 8 [1] Nos dias de hoje, quando pessoas normais viram celebridades e “artis- tas” se revelam comuns e patéticos, filmes como “A enfermeira Betty” servem para mostrar a ténue linha entre o imagindrio e o real, cada vez mais mediocre. Para reforgar a tese, um debatedor a altura do tema: 0 incisivo e polémico diretor Neil LaBute (Na companhia de homens), que pode ter feito sua producao mais leve, porém, de longe, a mais interessante delas. [2] Renée Zellweger é uma moga normal da classe média interiorana ianque. Faz tudo que o marido pede, tem um emprego mixumuca, é gentil com todos e, sobretudo, nao perde um capitulo de sua novela preferida. A rotina muda quando testemunha o maridao sendo assassinado por uma dupla de matadores (Morgan Freeman e Chris Rock, étimos). Ela pira, passa a viver como se fosse uma personagem do tal dramalhao preferido da TV e vai em busca do amado doutor (Greg Kinnear) — ao mesmo tempo em que é perseguida pelos criminosos. (3) A fabula de LaBute usa o artificio de “Forrest sump” (a patetice e a inocéncia podem vencer o mal) de forma critica e acaba radiografando o coracao do americano médi Rodrigo Salem Nurse Betty, EUA, 2000. De Neil LaBute. Com Renée Zellweger, Morgan Freeman, Chris Rock. 110 min. Columbia. Comédia. ‘TEXTO 10.1: SET, EDITORA PELXES, EDIGAO 178, . 16, N. 4, ABRIL DE 2002, p. No segundo trecho ({2} em caracteres normais), ocorre uma seqiiéncia narrativa. Nos dois primeiros periodos, o autor relata a ambientagao da his- t6ria, no terceiro, a complicagao, e, no quarto, as re/acdes da personagem. Pode-se notar, neste caso, que esta narra¢do nao traz um traco importan- te, apontado por Adam, a intriga. Trata-se de um relato em ordem cronoldgica, perfazendo o que Bronckart (1999) chama de script. Ou seja, mostra-se como © grau zero da ordem do narrar (comum no texto jornalfstico), em que a narrativa se faz como mero relato dos fatos. Vemos aqui mais uma confirma- cdo da posicao de Adam de que uma seqiiéncia se subordina a outra domi- nante. Neste caso, se pensarmos no texto como um todo, a argumentagao é dominante, de modo que a narrativa nado se desenvolve prototipicamente. Com este texto o autor quer explicitar uma avaliagao do filme e, como se trata de um filme de ficcdo, a parte da esquematizagao (propésito implicito) se faz pela narragao do enredo, mas esta narracao nao se dé de modo tipico, pois esta subordinada a fungao geral (avaliar). Apair Bonin No terceiro trecho do texto ((3] caracteres sublinhados), ocorre uma seqiiéncia explicativa, pois o autor procura responder a um como?, formulado implicitamente, acrescentando uma conclusao-avaliacio, visivel nos elemen- tos argumentativos (de forma critica, acaba). Em suma, 0 texto 10.1 apresenta, de modo heterogéneo e dependente da argumentagao, as seguintes seqiiéncias: argumentativa [1], narrativa [2] e explicativa [3]. Para finalizar esta etapa, observemos 0 segundo exemplo (texto 10.2), ‘uma critica cinematografica em que as partes do texto sao delimitadas, pelos editores da revista Vip, como secGes, sendo elas: 0 filme (os créditos da obra), mote (o tema do filme, geralmente pela apresentagdo da sinopse), hype™® (algum fato relacionado ao filme: bastidor, reagdo da critica, antecedentes histéricos etc.), e por que assistir (a avaliagéo propriamente, ficando a reco- mendacao geralmente implicita). Este segundo exemplo sugere uma consciéncia da comunidade discursiva em relacdo & organizagdo do género e/ou em relacao as exigéncias postas para a tarefa, uma vez que as categorias do género sao destacadas. Para Adam (1999), neste nivel, ocorre a planificacdo, determinada pela mem6ria discursiva do falante/escritor, onde estariam os planos fixos dos textos, mas também as informacoes contextuais e intertextuais (dados da tarefa e do filme, os discur- sos proferidos em torno do filme etc.). O FILME MOTE HYPE POR QUE ASSISTIR O quarto do [1] Divorciada, | [2] Sem um (3) Mais conheci- panico (Panic com filha adoles- | sucesso desde do por filmes Room) De David | cente, e disposta a | Contato, Judie para ld de Fincher, Com torrar a grana do | quase nao entra | polémicos (como Jodie Foster, ex, Meg compra _| nesse Quarto: ela | Clube da Luta), Forester mansio em Nova | ganhouo papel | Fincher baixou a Whitaker, Jared | York com quarto. | quando a protago-| guarda e deixou Leto. fortificado — que | nista original, sua perfeicaio se prova titil ao _| Nicole Kidman, técnica guiar um ser invadida por nao se recuperou trés ladroes. de lesoes ganhas em Moulin Rouge. Cotagao: 7,5 gens”, s6 entrete- nimento. Roberto Sadovski ‘TEXTO 102: VIP, EDITORA ABRIL, EDIGAO 205, ¥. 21, N. 6, JUNHO DE 2002, p. 120 No interior do plano de texto, constréi-se 0 jogo de seqiiéncias, com a ocorréncia da narracao [1 e 2] e da argumentacao [3]. Este processo, que Adam ‘© Termo técnico que diz, respeito ao nivel de prestigio produzido por estratégias de marketing, cuja relacdo com 0 texto nao é muito clara. ‘A NOGAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATICO-TEXTUAL De JEAN-MicueL Apa | 231 (1999) chama de estruturacdo, faz-se como um jogo de encaixes estruturais (quanto as propriedades da seqiiéncia) e de determinagées discursivas (quanto ao contexto e ao intertexto). Notemos que, pelo fato de os blocos textuais estarem separados, nao haveria um processo claro de dominancia seqiiencial, uma vez que estes blocos nao se juntam, lingiiisticamente (ao menos de modo direto), para compor um todo. Nao obstante isso, todos os fragmentos apresentam um mesmo tom expositivo, provavelmente mostrando a influéncia da atividade jornalistica e da tarefa especifica na organizacao do texto. 6 DISCUTINDO A NOGAO DE SEQUENCIA ‘A nogao de seqiiéncia (embora nao formalizada nos termos de Adam e recebendo geralmente o nome de tipo de texto) aparece na literatura da area em proposigées teéricas relativamente distintas e mesmo em datas anteriores ao trabalho de Adam (Werlich, 1976; Brewer, 1980; Longacre, 1983; Virtanen, 1992; Bronckart, 1999). A partir da proposta teérica de Adam, contudo, é que ela ganha credibilidade e passa a integrar os debates académicos como um conceito mais ou menos estabilizado. Em termos gerais, embora haja certo consenso sobre a validade epistémica da nogao de seqiiéncia, dois pontos merecem atencao. Em primeiro lugar, é preciso considerar que as orientacoes tedricas diferentes elaboram explica- cées também diferentes para a nocao. Em segundo lugar, a delimitacio do numero de seqiiéncias nao é consensual, variando bastante entre os autores que discutem o tema. Com relacao, especificamente, ao trabalho de Adam, muitas criticas tem sido esbocadas. Giering (2000) aponta, com base no livro de 1992, que o autor prioriza a seqiiencialidade, nao demonstrando a viabilidade do médulo configuracional e nado mostrando claramente como a heterogeneidade se constitui no efeito texto. Além disso, em termos conceituais, afirma que Adam nao deixa claro 0 que permite a distingao entre tipo e plano de texto e, do mesmo modo, 0 que permite a identificagao de uma seqiiéncia e de sua fronteira com as demais seqiiéncias presentes no texto. Mostra que o préprio Adam, em ocasiées diferentes, atribuiu seqiiéncias diferentes ao mesmo texto. Penso que a fragilidade esta na natureza epistemoldgica de sua teoria. Existem pelo menos trés pontos criticos no trabalho de Adam: 0 problema interno/externo, o problema do género primario e o problema da categorizagao. O primeiro destes pontos criticos diz respeito ao modo como 0 autor combinou uma p i a (com base na pragmiatica) com uma perspecti base na anilise do discurso francesa), ao que Bronckart comenta: “Os problemas da conceituagao de Adam, na esséncia, parecem decorrer do cardter_heterogéneo das _epistemologias subjacentes aos quadros teéricos em que se inspira” (Bronckart, 1999, p. 148). 232, Avair BonInt No intuito de dar conta de um paradoxo (a natureza ao mesmo tempo homo- génea e heterogénea dos textos), propés, penso, um quadro tedrico onde nao fica clara a fronteira entre 0 que é externo 4 mente (fenémeno social) e o que é interno (fendmeno cognitivo). Deste modo, 0 modelo tedrico nao explica a con- tento nem o processamento textual nem o processo de constituicéo social das seqiiéncias. Em seu livro de 1999, alcanga certo nivel de explanacao, ao conceber 0 contexto como uma entidade cognitiva. A relagdo entre extra e intramental, contudo, ainda permanece um ponto bastante fragil nessa elaboracao. O campo discursivo (das praticas sociais), neste quadro tedrico, torna-se um recurso epistémico de adiamento da resposta. Fora do dominio da lin- giifstica textual (como estabelecido por Adam, 1992) 0 campo das praticas sociais (discursivo) passa a ser uma instancia de indefinicao, onde sao postas as quest6es de dificil resolucio, como as relativas aos processos de externalizacado do texto (o ato discursivo). O segundo ponto critico no trabalho de Adam corresponde ao problema do género primario. Bakhtin nao propGe o género primario como uma forma mais estavel que 0 género secundario. Esta distingéo esta centrada na com- plexidade da enunciacgaéo que desencadeia cada um desses tipos. O género primdrio é uma forma presente nas enunciacdes menos complexas, onde os enunciadores interagem mais diretamente (caso dos didlogos face a face, por telefone, das cartas etc.). O género secundario, por outro lado, é uma forma presente nas enunciacdes mais complexas, onde os interlocutores interagem de modo mais indireto (caso do romance, do artigo cientifico, onde a resposta nao é direta e os préprios géneros assumem caracterfsticas mais complexas, incorporando inclusive os géneros primarios). ‘Ao substituir a nogao de género primério pela de seqiiéncia, Adam rom- pe 0 conceito de enunciado como formulado por Bakhtin. Diferentemente do enunciado (como uma unidade de alternancia entre interlocutores e que pode assumir a forma de um género), a seqiiéncia nao funciona como uni- dade viva da lingua, nao podendo corresponder a um género primario. Mes- mo com o conceito de esquematizagao, fica dificil saber qual é a relagao psicoldgica entre intertexto, género, seqiiéncia e proposi¢ao. O terceiro ponto critico no trabalho de Adam corresponde ao problema da categorizacao. Se a linguagem acontece na producao (e/ou desencadea- mento de discursos), torna-se incoerente a afirmacgo de que as categorias textuais se organizam mediante protdtipos seqiienciais. Parece mais ponde- rado pensar que estas categorias se formam como agrupamentos de géneros (os tipos de entrevistas, os tipos de cartas, os tipos de noticia etc.) de acordo com as experiéncias que os sujeitos vivenciam em relagdo as agGes e a linguagem que as acompanham. Ressalta-se que o conceito de protétipo, como proposto por Rosch (1978), corresponde a um fenoémeno identificavel por meio de experimentos empiricos. No trabalho de Adam, no entanto, o termo é empregado de forma metaférica, como afirma: “Sem me pronunciar aqui sobre os debates entre a ANOGAO DE SEQUENCIA TEXTUAL NA ANALISE PRAGMATICO-TEXTUAL DE JEAN-MicueL ApaM | 233 ‘teoria standard’ e a teoria dita ‘dos prototipos’ ou ainda sobre o fato de que somente uma definigéo possa provavelmente validar uma categoria, direi apenas que esta perspectiva tedrica, hoje, torna possivel uma abordagem renovada das categorizacdes das producées discursivas” (Adam, 1997, p. 12). Torna-se incoerente, entao, o fato de que, embora assuma 0 cardter metafé- rico (nao-experimental) de sua nogao de protétipo textual, Adam o descreva como um componente da cognic¢ao. Nos itens que se seguem, passo a contemplar alguns aspectos relaciona- dos a nocao de seqiiéncia textual, procurando responder as seguintes ques- t6es: 1) Existem formas alternativas de conceber a seqiiéncia?; 2) E possivel comprovar sua realidade psicolégica?; 3) Até que ponto ela se revela um recurso produtivo para o ensino? 6.1 Formalizagao e quantificacdo das seqiiéncias Entre os autores que tém discutido as seqiiéncias (ou tipos de base), é comum 0 entendimento de que elas sejam um tipo de recurso cognitivo ou parametro de textualizagdo. Podem-se notar nestes trabalhos, contudo, duas posicées a partir das quais se constr6i 0 quadro teérico que as caracteriza. Autores como Werlich (1976), Brewer (1980) e Virtanen (1992) tendem a pens: las como resultantes de processos cognitivos primadrios da mente (localizagao espacial, localizagao temporal, julgamento etc.). Elas se dariam como conse- qiiéncia do desencadeamento desses processos em relagao ao contexto (a referéncia-alvo). Este recurso a processos primarios da mente prové um ponto de partida para afirmar que as seqiiéncias séo tipos primdrios em relacdo aos géneros. Longacre (1983), embora conceba os tipos como cristalizagdes den- tro de uma cultura, tende a buscar universais funcionais, o que possibilita (de certo modo) sua inclusdo nessa primeira perspectiva. Ja o trabalho de Adam abre outra perspectiva, pois imprime uma postura relativista, concebendo esses tipos apenas como cristalizagdes a partir das praticas discursivas. Quanto & posigao de Bronckart (1999), est claramente marcada por ambas as perspectivas. Por um lado, concebe as seqiiéncias como cristaliza- ¢6es no interdiscurso. Por outro, recorre a mecanismos psicolégicos: os mundos discursivos (do narrar e do expor) e os arquétipos psicoldgicos (discurso interativo, discurso teérico, relato interativo, narragaio). Neste caso, as seqiién- cias sao vistas como formas de planificacao relacionadas, por um lado, aos arquétipos e, por outro, aos géneros e as circunstancias contextuais. A tentativa de explicar estes arquétipos via discurso, contudo, apaga a relacao entre linguagem e mente, uma vez que nao fica claro o que determina, em termos cognitivos (da ontologia dos comportamentos humanos, princi- palmente em termos neurais), o que determina tais arquétipos. De todo modo, é uma proposta mais coerente que a de Adam. Em um trabalho anterior (Bonini, 2002), sugeri que as seqiiéncias se relacionariam & psique humana, mediante uma gradagiio de fatores psicol6- gicos, quanto ao grau de importdncia para a sobrevivéncia do individuo. Estes a ce Be 234 Apatr Bonint fatores seriam: 1) de ordem egéica — a oposi¢ao ao outro, como sustentacao da personalidade, originando a argumentacao; 2) a determinacao temporal, dando origem a narrativa; 3) a determinacdo espacial, dando origem a des- ctic&o; e 4) de ordem discursiva — a recorréncia a propria atividade de linguagem, dando origem as seqiiéncias expositiva e dialogal. Se a formalizacao teérica das seqiiéncias é um tema que merece discus- sao, também a determinacao do ntimero delas nao é consensual e ainda necessita de levantamentos e debates. Mesmo o_termo seqiiéncia nado é consensual, uma vez que muitos ainda preferem_o ) tipo de texto, e Meurer (2000) fala em modalidades retoricas, entendendo-as como estruturas e fungGes textuais: “Estratégias utilizadas para organizar a linguagem, muitas vezes independentemente das fungdes comunicativas associadas aos géneros textuais especificos” (p. 150). Os varios estudiosos do tema ja propuseram os seguintes tipos: descritivo, narrativo, expositivo, argumentativo, instrutivo, procedimental, comportamental (injuntivo), explicativo. Mesmo entre Adam e Bronckart, que compartilham um quadro teérico préximo, ha divergéncia quanto a existéncia ou nao da seqiiéncia injuntiva. Adam (1992) afirma que a injuncdo é um tipo de descrigao. Bronckart (1999), além de incorporar mais um tipo ao conjunto delimitado por Adam, desenvolve um raciocinio gradativo dentro de cada mundo (do expor e do narrar), de modo a acrescentar um grau zero da planificagéo na ordem do narrar (0 script: que corresponde a um relato puramente cronoldgico) e um grau zero para a planificacdo na ordem do expor (a esquematizaciio: que se realiza como enumeragoes, formulas, cadeias causais etc). O conjunto, portanto, nao estd fechado. Adam e Bronckart nao conside- ram um tipo expositivo. Sem este tipo, contudo, torna-se dificil explicar a planificacao da noticia. Nao se pode dizer que ela é determinada claramente nem por uma seqiiéncia explicativa (nao se explica o fato), nem narrativa (j4 que o fato, pelo menos na tradi¢ao americana, nao é contado), nem descritiva (j4 que n&o se descreve o fato): 6.2 Realidade psicoldgica das seqiiéncias Quitro tema relacionado as seqiiéncias ¢ 0 da realidade psicolégica. Exis- tiriam realmente como componentes cognitivos da linguagem? Embora a maioria dos estudiosos as conceba como recursos cognitive ha traba- Ihos em andamento que busquem confirmar ou negar esta possibilidade. — Se concebermos que as seqiiéncias se organizam como esquemas cognitivos (ao modo de Adam) e, ao mesmo tempo, que os géneros também. 0 s&0 (como nos propée o trabalho de van Dijk, 1990, sobre a noticia), fica a questo de como estes esquemas se inter-relacionam. Bonini (1999) propée que os géneros se organizariam como superestruturas e as seqiiéncias como intra-estruturas encaixadas. Nao ha, contudo, nenhum experimento confir- mando esse tipo de relacao. [ ANocaO DE SEQUENGIA TEXIUAL WA ANALISE PRAGMATICO-TEETUAL DE JEAN-MicHEL Adam [235 Em termos psicoldgicos, é possivel perguntar até mesmo se as seqiién- cias realmente existem como estruturas textuais, se nao seriam, elas, proje- ces das funcées relacionadas um género (algo que se pode inferir a partir da posic¢ao de Meurer). Sera que, ao escrever a sinopse de um filme, no interior de uma critica, 0 escritor acessa um esquema narrativo ou isto se daria como uma agenda dentro da prépria estruturacgao do género e/ou de cumprimento da tarefa? Caso isso se verificasse, deveriamos entender que os géneros nao sao atravessados por seqiiéncias, mas por fungdes decorrentes do contexto e que, por motivos culturais e psicoldgicos, tais fungoes sao em ntimero reduzido, mas que também variam de contexto para contexto. Volta- rfamos, de certo modo, explicagao de Werlich, mas dando primazia ao ‘género e apagando a nocao de tipo como estrutura textual. 6.3 Seqiiéncia textual e ensino de producao textual e leituralescuta de textos Em termos de ensino, cabe perguntar até que ponto as seqtiéncias se ) produtivo, mesmo trabalhadas no interior dos generos. Os textos que discutem o ensino de lingua no Brasil (Brasil, 1998; Brandao, 2000) incluem as seqiiéncias como contetidos programaticos (a partir de Adam ou Bronckart), propondo que se trabalhe o texto a partir do conceito de género de Bakhtin (1953). No texto de Brandao (que descreve e comenta varias tipologias), nao fica claro o modo como este trabalho sobre as seqiiéncias pode ser operacionalizado. Nos PCNs, o trabalho com as seqiiéncias é proposto, mais direta e explicitamente, para as atividades analiticas (a leitura de textos escritos e a pratica de andlise lingiifstica) com os seguintes objetivos: Na leitura de textos escritos: Articulacdio dos enunciados estabelecendo a progressao tematica, em funcao das caracteristicas das seqiiéncias predominantes (narrativa, descritiva, expositiva, argumentativa e conversacional) e de suas especificidades no interior do género Brasil, 1998, p. 56). Na pratica de anilise lingiifstica (como parte das atividades de reconhe- cimento das caracteristicas dos diferentes géneros): Anilise das seqiiéncias discursivas predominantes (narrativa, descritiva, expositiva argumentativa, conversacional) e dos recursos expressivos recorrentes no inte- rior do género (Brasil, 1998, p. 60). hneuwly (1996) afirmam que, com a pratica de géneros em sala nos desenvolvem competéncias relativas as se 0 editorial, por exemplo, o aluno esas _desenvolvendo a apropriar habilidade “que esta seqiiéncia pode ocorrer (a critica ou a res ate “poem, entao, que os géneros a ser ensinados sejam agruy ipados de acordo com “a capacidade que se queira desenvolver (0 ni mentar, e o instruir/ ‘prescrever). Os PCNs propoem que este agrupamento se artir da circulacao social dos géneros (em literarios, de imprensa, 236 Apamr Bontt publicitarios etc.) e Bonini (2001), segundo a instancia social de ocorréncia dos génert Mesmo com essas indefini¢Ges, ao se adotar o termo seqiiéncia, hd uma vantagem imediata para o ensino: a renovagao da nogado de redacdo escolar tradicionalmente praticada nas escolas. Termos como narra¢ao, descricao e dissertac¢éo passam a ser entendidos como componentes textuais e nao mais como géneros. 7 CONSIDERAGOES FINAIS O trabalho de Adam inova ao propor o conceito (e de certo modo até mesmo a no¢ao) de seqiiéncia, que, como tal, enriquece o campo dos débatés sobre os géneros textuais e possibilita pensar quest6es sobre as metodologias de ensino de lingua e sobre a pesquisa do processamento cognitivo da lnguagem. Ainda que se considere a validade epistemoldgica do conceito, cabe res- saltar que existe ainda um grande campo de discuss6es aberto sobre a natureza do fendmeno propriamente e sobre quantas séo de fato as seqiiéncias.

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