Professional Documents
Culture Documents
Acta Scientiarum. Biological Sciences Maringá, v. 27, no. 1, p. 21-28, Jan./March, 2005
22 Fonseca e Rodrigues
A planície de inundação do alto rio Paraná a. Lagoa Clara, ambiente lêntico sem comunicação
apresenta vários tipos de ambientes aquáticos e de com o canal principal do rio Paraná, localizada
transição terra-água, que se distinguem pela sua na ilha Porto Rico, sendo suas margens
morfometria, hidrodinâmica e pelo grau de conexão compostas por gramíneas e ciperáceas; possui
com o rio principal e tributários secundários. Tais profundidade média de 1,2 m e em toda sua área
diferenças conferem a esses ambientes características (aproximadamente 0,91 ha) possui extensos
limnológicas próprias, que controlam os padrões de bancos de macrófitas aquáticas, constituídos
distribuição dos organismos e a dinâmica funcional principalmente por espécies submersas de
dos sistemas (Thomaz et al., 1997). Tais ambientes Nymphaea e Utricularia e flutuantes fixas, como
como lagoas, ressacos e remansos, por serem Eichhornia azurea Kunth;
predominantemente rasos, apresentam extensos b. Lagoa das Garças, ambiente lêntico, situada na
bancos de macrófitas aquáticas, que propiciam um margem direita do rio Paraná, com o qual se
grande desenvolvimento da comunidade perifítica. comunica permanentemente através de um
O ficoperifíton desempenha, por ser estreito canal; possui aproximadamente 2 km de
primariamente autotrófico, papel fundamental nos extensão e 150 m de largura e apresenta a região
ecossistemas aquáticos, promovendo o intercâmbio litorânea com grande riqueza de macrófitas
entre os componentes químicos, físicos e biológicos aquáticas, destacando-se E. azurea;
(Lowe e Pan, 1996). A qualidade alimentar do c. Ressaco do Pau Véio, situado na ilha Mutum,
perifíton é determinada pela composição dos ambiente semilótico com cerca de 1,2 km de
maiores grupos de algas, que influenciam a produção extensão e 50 m de largura; apresenta margem
secundária e o fluxo de energia dos consumidores esquerda formada por um dique marginal
(Bott, 1996). Campeau et al. (1994) demonstraram natural o qual o separa do rio Paraná, onde se
que as algas perifíticas podem constituir a principal observa uma gradação da vegetação do sistema
fonte alimentar para cladóceros, copépodos, larvas de aquático para o sistema terrestre, compreendida
quironomídeos e oligoquetas, afetando seu por macrófitas aquáticas (principalmente E.
crescimento, desenvolvimento, sobrevivência e azurea) e vegetação ripária herbácea e arbustiva;
reprodução. Além disso, a biomassa produzida pelo sua margem direita é, em sua maior parte,
perifíton pode ser alocada em vários níveis utilizada para pastagem;
energéticos, tais como acumulação algal, d. Canal Cortado, ambiente caracterizado, no ano
decomposição (cadeia detritívora), herbivoria (cadeia de 2001, como lótico no período de águas altas e
dos consumidores) ou exportação de matéria como semilótico no período de águas baixas;
orgânica. com cerca de 2 km de comprimento e 80 m de
Tendo por base o relevante papel do regime largura, está localizado na margem esquerda do
hidrológico no funcionamento das planícies de rio Paraná; apresenta vegetação ripária de porte
inundação, este trabalho pretendeu avaliar a arbóreo, em ambas as margens, e, na região
influência do regime hidrodinâmico sobre a litorânea, estandes multiespecíficos de
densidade da comunidade de algas perifíticas em macrófitas aquáticas, com dominância de E.
diferentes ambientes da planície de inundação do azurea.
alto rio Paraná.
Metodologia
Material e métodos
métodos As coletas foram realizadas durante três dias em
dois períodos do ano de 2001, caracterizando
Área de Estudo períodos hidrológicos distintos (águas altas –
fevereiro e águas baixas – agosto). Para fins
O trabalho foi desenvolvido nas proximidades do
comparativos, padronizou-se o tipo de substrato,
município de Porto Rico, Estado do Paraná, o qual
que foram pecíolos de Eichhornia azurea Kunth no
faz divisa com o estado de Mato Grosso do Sul,
estádio adulto, conforme recomendação de
situando-se entre as coordenadas 22o40’ - 22o45’S e
Schwarzbold (1990), por ser a macrófita aquática
53o15’ - 53o25’W (Figura 1).
presente e bem representada nos quatro ambientes.
Foram escolhidos quatro ambientes com
Para a análise quantitativa, o perifíton foi
distintos regimes hidrodinâmicos:
removido, sempre em réplica (n = 2) e o material
foi fixado com solução de lugol acético 5%.
Acta Scientiarum. Biological Sciences Maringá, v. 27, no. 1, p. 21-28, Jan./March, 2005
Algas perifíticas do alto rio Paraná 23
Figura 1. Localização do rio Paraná e dos quatro ambientes selecionados na planície de inundação do alto rio Paraná, com regimes
hidrodinâmicos diferentes (sistema lótico: Canal Cortado, sistema semilótico: ressaco do Pau Véio, sistemas lênticos: lagoa Clara e lagoa
das Garças).
Acta Scientiarum. Biological Sciences Maringá, v. 27, no. 1, p. 21-28, Jan./March, 2005
24 Fonseca e Rodrigues
ACP 2
-1
4
dissolvido, fósforo e nitrogênio total (Mackereth et
N-tot., PO
al., 1978); carbono orgânico dissolvido (Analisador -2
Acta Scientiarum. Biological Sciences Maringá, v. 27, no. 1, p. 21-28, Jan./March, 2005
Algas perifíticas do alto Rio Paraná 25
-2
ind. x 10 . cm
hidrológicos, não foi possível estabelecer qualquer
diferença significativa, apesar de os dados
3
80
quantitativos serem bastante distintos (Figura 3).
240
40
AB
180
0
CC RPV LG LC
-2
ind. x 10 . cm
Ambientes (AA)
120
3
AB
AA b)
160 Cyanophyceae
60
AA AA Bacillariophyceae
AA
AB AB Chlorophyceae
Oedogoniophyceae
120
-2
0 Zygnemaphyceae
ind. x 10 . cm
CC RPV LG LC
Outros
Ambientes
3
80
Figura 3. Densidade total de algas perifíticas (ind. x 103.cm-2) nos
ambientes estudados – Canal Cortado, ressaco do Pau Véio, lagoa
40
das Garças e lagoa Clara - na planície alagável do alto rio Paraná e
períodos de amostragem (AA – águas altas e AB – águas baixas),
do ano de 2001. 0
CC RPV LG LC
Acta Scientiarum. Biological Sciences Maringá, v. 27, no. 1, p. 21-28, Jan./March, 2005
26 Fonseca e Rodrigues
estabelecimento e desenvolvimento. Tanto nos Garças e o ressaco do Pau Véio em águas baixas
aspectos qualitativo quanto quantitativo, essas ficaram no lado direito do eixo 1. As correlações
características devem ter propiciado vantagem indicaram que a temperatura, fósforo total e fósforo
competitiva às diatomáceas em condições mais dissolvido foram as variáveis mais importantes na
estressantes, impostas pelo nível hidrométrico, ordenação do eixo 1. O coeficiente canônico
principalmente em águas baixas, e velocidade da mostrou que o fósforo dissolvido e total foram as
corrente no canal Cortado em águas altas. variáveis abióticas que mais pesaram na ordenação
As cianobactérias (Cyanophyceae) formam um deste eixo (Tabela 3).
grupo de algas extremamente oportunistas (Huzsar
et al., 2000). De acordo com Whitton (1992), elas Tabela 2. Síntese dos resultados da ACC realizada a partir das
variáveis abióticas e das variáveis bióticas, conforme a Figura 5.
toleram altas temperaturas e radiação solar, sendo
capazes de utilizar, de forma bastante eficaz, as Eixo 1 Eixo 2
formas nitrogenadas (nitrato e amônio). A Autovalores 0,351 0,063
Porcentagem de variância explicada (%) 78,4 14,2
estabilidade térmica do ambiente, usualmente maior Porcentagem de variância acumulada (%) 78,4 92,6
nos períodos quentes e chuvosos, é também Correlação de Pearson 1 1
Teste de Monte Carlo
fundamental para o bom desenvolvimento desses Autovalores 0,001 0,002
organismos. Essas condições se fizeram presentes no Correlação 0,95 0,92
período de águas altas em todos os ambientes
estudados, provavelmente propiciando o aumento de Tabela 3. Coeficientes Canônicos e Correlações (ACC) “intra-
táxons dessa Classe, assim como sua densidade. set” das sete variáveis ambientais com os eixos 1 e 2 da ACC,
baseada em sete variáveis abióticas e doze bióticas, no período de
Train et al. (2004) registraram um incremento de estudo (n=16).
cianobactérias na biomassa fitoplanctônica na
maioria dos 33 biótopos analisados na planície de Coeficiente de Correlação
Coeficiente Canônico
“intra-set”
inundação, principalmente em período de águas Variáveis Eixo 1 Eixo 2 Eixo 1 Eixo 2
altas, com temperaturas mais elevadas. Tº C H2O -0,584 -0,149 -0,346 -0,038
O predomínio de Chlorophyceae na lagoa Clara NO3 -0,123 0,03 -0,073 0,008
MST 0,20 -0,579 0,118 -0,146
em águas baixas provavelmente está relacionado à NT 0,099 -0,018 0,058 -0,005
presença de extensos bancos de macrófitas, que PO4 -0,277 0,698 -0,164 0,176
P-dis 0,705 0,036 0,418 0,009
praticamente dominaram todo o ambiente, PT 0,721 -0,468 0,427 -0,118
propiciando o hábito metafítico/perifítico. De acordo
com Happey-Wood (1988), devido ao tamanho Assim, os valores mais elevados de temperatura
reduzido que eleva a razão superfície/volume, as separaram os ambientes de águas altas e os valores
microalgas verdes são capazes de otimizar a mais elevados de orto-fosfato separaram a lagoa
utilização de recursos do meio, o que favorece seu Clara em águas baixas dos demais ambientes (Figura
desenvolvimento em condições de escassez de 5).
recursos.
Análise integrada
integrada dos fatores limnológicos abióticos e
bióticos
A ordenação pela Análise de Correspondência
Canônica (ACC) das unidades amostrais referentes
aos ambientes e aos períodos hidrológicos (variáveis
bióticas e abióticas) resumiu 92,6% da variabilidade
dos dados em seus dois primeiros eixos. A hipótese
de que os eixos tenham sido gerados ao acaso foi
rejeitada de acordo com o teste de Monte Carlo
(Autovalor do eixo 1= 0,35; p= 0,001; eixo 2=
0,063; p=0,002) (Tabela 2).
No primeiro eixo, houve a separação das Figura 5. Análise de Correspondência Canônica (ACC)
ordenando os locais de acordo com as características ambientais.
unidades amostrais em função do regime
Teste de Monte Carlo com 5000 interações.
hidrodinâmico dos ambientes. Todos os ambientes
em águas altas e os ambientes lagoa Clara e canal As Classes de algas mais correlacionadas com o
Cortado, em águas baixas, posicionaram-se à lado esquerdo do eixo 1 foram crisofíceas (-3,705),
esquerda do eixo 1 (Figura 4). Apenas a lagoa das que se associou ao ressaco do Pau Véio em águas
Acta Scientiarum. Biological Sciences Maringá, v. 27, no. 1, p. 21-28, Jan./March, 2005
Algas perifíticas do alto Rio Paraná 27
Acta Scientiarum. Biological Sciences Maringá, v. 27, no. 1, p. 21-28, Jan./March, 2005
28 Fonseca e Rodrigues
RODRIGUES, L.; BICUDO, D.C. Similarity among THOMAZ, S.M. et al. Macrófitas aquáticas em Itaipu:
periphyton algal communities in a lentic-lotic gradient of ecologia e perspectivas para o manejo. In: THOMAZ, S.
the upper Paraná river floodplain, Brazil. Rev. Bras. Bot., M.; BINI, L. M. Ecologia e Manejo de Macrófitas Aquáticas,
São Paulo, v. 24, n. 3, p. 235-248, 2001. Maringá: Eduem, 2003. cap. 16, p. 319-341.
RODRIGUES, L. et al. O papel do perifíton em áreas TRAIN, S. et al. Phytoplankton Composition and Biomass
alagáveis e nos diagnósticos ambientais. In: THOMAZ, Environments of the Paraná River Floodplain. In:
S.M.; BINI, L.M. (Ed.). Ecologia e manejo de macrófitas AGOSTINHO, A.A. et al.(Ed.). Structure and Functioning of
aquáticas. Maringá: Eduem, 2003. cap. 10, p. 211-242. the Paraná River and its Floodplain: LTER – site 6. Maringá:
ROS, J. Práticas de Ecologia. Barcelona: Ed. Omega, 1979. Eduem, 2004. cap. 2, p. 63-74.
SCHWARZBOLD, A. Métodos ecológicos aplicados ao UTERMÖHL, H. Zur Vervollkommung der
estudo do perifíton. Acta Limnologica Brasiliensia, São Paulo; quantitativen phytoplankton-methodik. Mitteilungen
v. 3, n.1, p. 545-592, 1990. Internationale Vereinigung Limnologie, v. 9, p. 1-38, 1958.
STEVENSON, R.J. An Introduction to Algal Ecology in WHITTON, B.A. Diversity, ecology and taxonomy of
Freshwater Benthic Habitats. In: STEVENSON, R.J. et al. Cyanobacteria. In: MANN, N.G.; CARR, N.G.
(Ed.). Algal Ecology: freshwater benthic ecosystems. San Photosynthetic procariotes. New York: Plenum Press, 1992.
Diego: Academic Press, 1996. cap. 1, p. 3-30. cap. 1, p. 1-51.
THOMAZ, S.M. et al. Caracterização limnológica dos ZAGATTO, E.A.G. et al. Manual de análises de plantas
ambientes aquáticos e influência dos níveis fluviométricos. empregando sistemas de injeção em fluxo. São Paulo:
In: VAZZOLER, A. E. A. M. et al. (Ed.). A planície alagável Universidade de São Paulo. 1981.
do alto rio Paraná: aspectos físicos, biológicos e Received on July 13, 2004.
socioeconômicos. Maringá: Eduem, 1997. cap. 3, p. 73- Accepted on March 03, 2005.
102.
Acta Scientiarum. Biological Sciences Maringá, v. 27, no. 1, p. 21-28, Jan./March, 2005