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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E
CULTURA CONTEMPORÂNEAS

ANDRÉ RAMOS FRANÇA

DAS TEORIAS DO CINEMA À ANÁLISE FÍLMICA

Salvador
2002
ANDRÉ RAMOS FRANÇA

DAS TEORIAS DO CINEMA À ANÁLISE FÍLMICA

Dissertação submetida à Câmara de Ensino de Pós-


Graduação e Pesquisa da Universidade Federal da
Bahia em satisfação parcial dos requisitos ao Grau
de Mestre em Comunicação e Cultura
Contemporâneas.

Orientador: Dr. Monclar E. G. L. Valverde

Salvador
2002

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A minha mãe,
que me mostrou o cinema.

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AGRADECIMENTOS

Ao final desta importante etapa, desejo agradecer ao Programa de Pós-Graduação em

Comunicação e Cultura Contemporâneas pela oportunidade que me foi dada de aprender e de me

exercitar como pesquisador na área de Comunicação. Agradeço especialmente aos professores

que ministraram as disciplinas que cursei: Monclar Valverde, Marcos Palácios, Wilson Gomes e

José Benjamim Picado.

Agradeço ao meu orientador, o professor Monclar Valverde, pela atenção com que me

acompanhou neste período, pelos autores que me apresentou, pela paciência e generosidade,

pelas leituras cuidadosas que fez de meus textos, pelos encontros de boa conversa e discussão.

Quero também agradecer aos amigos e colegas que de várias maneiras participaram deste

meu percurso: pessoas com quem eu pude conversar sobre o projeto original da pesquisa e

também sobre a dissertação, à medida que esta ganhava corpo; aqueles que me indicaram, deram

ou emprestaram material bibliográfico; aqueles me ajudaram na revisão das normas técnicas do

texto; aqueles que estiveram próximos e me apoiaram nos muitos dias de trabalho; aqueles com

quem tenho a alegria de partilhar a experiência do cinema. Agradeço a André Setaro, Antonio

Marcos Pereira, Aroldo Cerqueira, Carla Schwingel, José Carlos Ribeiro, Jussilene Santana,

Marcelo e Tião (da Sala de Arte Bahiano), Regina Gomes, Sandra Pereira e Silvia Ferrite.

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RESUMO

Este trabalho pretende examinar e discutir o modelo de análise fílmica proposto por Francis
Vanoye e Anne Goliot-Lété (1994), adotando como referencial de discussão a descrição feita por
Dudley Andrew (1989) de algumas das principais teorias do cinema. Neste percurso,
examinamos o conceito de “texto” em Christian Metz e Roland Barthes, conceito importante
naquele modelo de análise, e procuramos investigar que relações este modelo mantém com
conceitos formulados nas teorias do cinema consideradas, que principais posições teóricas o
influenciam. Em seguida, examinamos as principais características dos textos analíticos de três
grandes críticos brasileiros de cinema (Paulo Emílio Sales Gomes, Walter da Silveira e José Lino
Grünewald) e comentamos algumas das principais variáveis associadas aos problemas
enfrentados na atividade de crítica cinematográfica contemporânea no Brasil em veículos de
grande circulação. Por fim, tendo como referência o modelo de Vanoye e Goliot-Lété examinado
aqui e a crítica que fazemos dele, esboçamos um modelo de análise fílmica que procura
contemplar conceitos das teorias do cinema cuja aplicação julgamos útil e enriquecedora para o
trabalho de uma análise fílmica.

Palavras-chave: Crítica cinematográfica – Brasil; Cinema – Brasil; Críticos de cinema – Brasil.

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ABSTRACT

The present work aims at an examination and discussion of the model of film analysis proposed
by Francis Vanoye and Anne Goliot-Lété (1994), taking as its reference for the discussion the
description of some of the main theories of film made by Dudley Andrew (1989). Considering
the importance of the concept of (text) in the works of Christian Metz and Roland Barthes for
Vanoye and Goliot-Lété’s analytical model, we present an analysis of such a concept, and we
explore the relations between Vanoye and Goliot-Lété’s analytical model and concepts
formulated within the theories of film we have discussed, in an attempt to establish which of the
main theorethical positions might have influenced the authors. Following this discussion, we
examine the main features of the analytical texts of three well-known Brazilian writers of film
criticism (Paulo Emílio Sales Gomes, Walter da Silveira e José Lino Grünewald), and we discuss
some of the main variables associated to the problems faced by contemporary film criticism in
the popular press in Brazil. Taking as a focal point both Vanoye and Goliot-Lété’s analytical
model and the criticism we make of it hereing, we conclude by sketching a model of film
analysis that seeks to take into consideration concepts of film theories whose application we
deem useful and fruitful for the work of film analysis.

Keywords: Film criticism – Brazil; Cinema – Brazil; Film critics – Brazil.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................08

1. UM TEXTO PARA A IMAGEM EM MOVIMENTO


(As principais teorias do cinema segundo Dudley Andrew)..............................15
1.1. Teorias formativas.......................................................................................16
1.2. Teorias realistas...........................................................................................36
1.3. Teorias compreensivas................................................................................46

2. TEORIAS DO CINEMA E ANÁLISE FÍLMICA......................................60


2.1. Atomismo e “deslumbramento participante”...........................................60
Exame da proposta de análise fílmica de Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété
2.2. Variações sobre o texto fílmico (Metz e Barthes).....................................75
2.3. A descrição das teorias do cinema feita por Andrew e o modelo de
análise fílmica proposto por Vanoye e Goliot-Lété..................................88

CONCLUSÃO......................................................................................................96
Três críticos brasileiros e a análise fílmica hoje no Brasil...............................100
Esboço de um modelo de análise fílmica...........................................................121

ANEXO.................................................................................................................134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................150

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INTRODUÇÃO

Considerando o analista de filmes como aquele que oferece a um conjunto de

espectadores a sua visão sobre o filme (sua leitura, apreciação ou interpretação), muitas vezes

fazendo com que o espectador amplie também as suas idéias em relação à obra, considerando

então esta espécie de função, podemos talvez apontar um ancestral do analista de filmes. Jean-

Claude Carrière (1995) conta que, na segunda década do século XX era muito comum encontrar

na África (e ele supõe que em vários outros lugares também) a figura do explicador de filmes.

Este era um homem que ficava próximo à tela onde era projetado o filme, segurando um longo

bastão de madeira que apontava para a tela e que ia, desta forma, explicando o filme aos seus

espectadores. A necessidade destas explicações advinha do fato de que, nestes filmes, a câmera

não mais permanecia parada num único longo plano durante todo o filme, oferecendo um ponto

de vista fixo semelhante àquele do teatro e presente nos filmes da primeira década do século –

ponto de vista mais fácil de ser acompanhado pelos que assistiam ao filme. A novidade naqueles

novos filmes é que eles agora se apresentavam como uma sucessão de planos distintos,

oferecendo diferentes pontos de vista e perspectivas sobre as paisagens ou personagens filmadas.

Postos lado a lado, substituindo-se uns aos outros na sucessão temporal, tais planos deixavam

desnorteados os primeiros espectadores, que simplesmente não compreendiam a história que se

desenrolava diante de seus olhos. Era justamente aí que entrava o explicador de filmes,

costurando o que se passava na tela, ensinando aos espectadores uma nova forma de olhar.

Essa passagem da história do cinema interessa a Carrière como um exemplo de contato

de uma determinada comunidade com o novo tipo de “linguagem” que o cinema, segundo aquele

autor, introduzia. A nós, de maneira bem distinta, o relato interessa pois vemos aí talvez o

rascunho, ao menos enquanto função, de uma das facetas que a sociedade contemporânea atribui

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ao analista de filmes ou ao crítico de cinema; aquela mesma dos tempos de outrora, de explicar o

filme, de lançar luz sobre ele quando este parece obscuro e difícil, de contextualizá-lo em relação

à história do cinema, de oferecer enfim sobre ele informações ou uma leitura que torne ainda

mais interessante a experiência de assistir a uma determinada obra.

Trata-se, evidentemente, no exemplo citado acima, de um momento inicial, uma espécie

de pré-história da análise fílmica (em que sua função era bastante distinta daquela

contemporânea), uma vez que havia ali simplesmente a intenção de assegurar a compreensão

(educando o olhar do espectador) de uma forma inédita de apresentação de informação

seqüencial. É interessante notar que, naquele caso, o trabalho realizado pelo explicador era

exatamente o oposto do que se poderia chamar de um trabalho de análise, como se realiza e se

propõe tão freqüentemente nos dias atuais em relação ao trabalho com os filmes. Ao invés de

“quebrar” o filme em suas menores partes, os planos, os elementos fílmicos, o explicador os

suturava, e oferecia ao espectador, através desta sutura, o sentido das imagens cambiantes que se

viam na tela.

Correria ainda algum tempo até que um discurso propriamente crítico ou analítico em

relação aos filmes se apresentasse, pudesse ser construído e formalizado. Mas até lá, desde o

início, o fenômeno do cinema, em suas apresentações públicas sempre ruidosas, ia já sendo

objeto dos comentários nos jornais diários e é justamente assim que se inicia a tradição deste

discurso sobre cinema na imprensa, através da crônica eufórica das primeiras projeções. Na

primeiríssima projeção pública, realizada em Paris no dia 28 de dezembro de 1895, estava

presente na platéia o prestidigitador Georges Méliès, um dos heróis daquela época de aurora do

cinema. Assim foi para ele aquela noite:

Estávamos, os outros convidados e eu, diante de uma pequena tela, parecida com as que nos
serviam para as projeções Molteni e, após um instante, uma fotografia imóvel representando a

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Place Bellecour, em Lyon, apareceu em projeção. Um tanto surpreso, mal tive tempo de dizer a
meu vizinho: ‘Foi para nos mostrar projeções que nos fizeram vir aqui? Eu as faço há mais de dez
anos.’ Mal acabei de falar, um cavalo puxando um caminhão se pôs em marcha em nossa direção,
seguido de outros veículos, depois de pedestres, enfim, toda a animação da rua. Ficamos todos
boquiabertos com a aquele espetáculo, estupefatos, tomados por uma surpresa inenarrável.
(MÉLIÈS apud TOULET, 2000, p. 15)

Este sentimento de arrebatada surpresa e estupefação gerou em alguns homens o desejo

de compreender aquele novo fenômeno e, logo depois, de pensar suas possibilidades, propor

caminhos para o seu desenvolvimento, conceder-lhe de forma justificada a condição de atividade

artística. Assim nascia a tradição das teorias do cinema, esforço no sentido de estabelecer um

texto para a imagem em movimento. Já em 1916, um ano após o lançamento de O Nascimento de

uma Nação (D.W. Griffith, 1915), filme que revolucionaria o alcance da capacidade expressiva

do cinema, distanciando-o definitivamente do teatro, Hugo Munsterberg lança seu livro The

Photoplay: A Psychological Study, que apresenta a concepção geral do cinema como uma arte da

mente.

Em outro pólo do campo da escrita, como uma espécie de contraparte ao texto das teorias

do cinema, desenvolvia-se a análise fílmica, o texto que se detia a examinar a obra realizada,

suas características, seus prazeres, suas conquistas, suas surpresas. Nascia aí a outra grande

tradição textual ligada ao cinema, que o acompanharia sempre de perto, ao longo do novo século

nos jornais, revistas e outras publicações. Era o trabalho do comentador, do explicador de filmes,

que já então se debatia com a dificuldade, com o paradoxo de ter que escrever sobre algo que,

desenrolando-se numa tela, prescindia de palavras.

Apesar do surgimento, no decorrer do primeiro século de cinema, de alguns nomes

estrangeiros e brasileiros considerados pilares da atividade crítica nesta área, reconhecidos

mestres do ofício, apesar da popularização desta prática enquanto gênero jornalístico, assim

como a produção de uma bibliografia dedicada ao assunto, o que constatamos, quando abrimos

uma revista ou jornal hoje em dia e lemos um comentário ou crítica sobre algum filme, é a

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grande diversidade de formas, estilos e abordagens. Não se evidencia, no conjunto destes textos,

um roteiro determinado de análise, um corpo de características do filme que mereceria ser

observado de maneira constante e sistemática. O estilo em que é redigido o texto, da mesma

forma, varia enormemente, da concisão ao discurso prolixo, da objetividade à subjetividade, do

sóbrio respeito ao leitor à subestimação de sua inteligência, da construção de um discurso sobre

a obra a um outro muito mais sobre o próprio analista.

Entre os espectadores de cinema mais exigentes, que têm leituras sobre esta forma de

expressão e que costumam também ler os textos sobre cinema nos jornais ou revistas, o resultado

é, muitas vezes, frustração, insatisfação, espanto, indignação, devido à enorme quantidade de

textos onde se pode verificar sem dificuldade a inabilidade do autor para o exercício da função

realizada. Assim, em tais textos, não raramente conta-se com detalhes a história do filme,

privando o espectador de uma possível e agradável surpresa (cada dia mais rara nos dias atuais);

comenta-se sumariamente a obra em tom irônico ou jocoso; muitas vezes negligencia-se as

observações sobre os aspectos técnicos do filme; escreve-se mais sobre a bilheteria já acumulada

do que propriamente sobre o filme, entre outros procedimentos que encontramos.

O espanto e a insatisfação diante de tais textos é um dos motivos que nos faz iniciar aqui

esta investigação sobre o fenômeno da análise fílmica, procurando entender porque, hoje em dia,

ao menos nos veículos impressos de grande circulação, os textos dedicados ao cinema oferecem

tão pouco ao leitor, abandonam muitas vezes a prática de formar o espectador e, com grande

freqüência, resumem-se a reeditar as informações veiculadas nos releases publicitários das

companhias distribuidoras de filmes.

Interessa-nos principalmente, neste trabalho, investigar o que é uma análise fílmica, uma

crítica de cinema. O que os estudiosos que se dedicam ao assunto vêm propondo a respeito?

Como deve ser construída uma análise fílmica? Que características do filme ela deve contemplar,

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de que maneira, em que ordem? Qual o objetivo da análise fílmica? Que relações existem (ou

deveriam existir) entre esta e as teorias do cinema? Estas são algumas das questões que

procuraremos abordar neste estudo.

Num primeiro momento, no capítulo intitulado “Um Texto para a Imagem em

Movimento”, introduzimos o nosso estudo com um resumo das mais importantes idéias teóricas

apresentadas por Dudley Andrew (1989) em seu livro As Principais Teorias do Cinema.

Interessa-nos aí salientar a visão que Andrew nos oferece das posições conceituais de cada um

daqueles teóricos do cinema. O objetivo geral do cinema; a tensão entre expressão e

representação nos filmes; a matéria-prima usada para a criação das obras cinematográficas; as

posições teóricas sobre os recursos técnicos como a montagem, fotografia, o som; a forma do

filme; as vocações e capacidades formativas e realistas do cinema; as questões da significação e

da experiência, enfim, serão alguns dos tópicos abordados sobre as concepções de dez

importantes teóricos do cinema.

Adotamos esta obra como referencial teórico da primeira parte deste estudo, pois ela

apresenta um painel bastante significativo da produção teórica no campo do cinema durante o

século XX; apresenta uma estrutura que facilita as comparações entre as diversas teorias; e,

também, por ser obra bastante disseminada no meio acadêmico brasileiro dedicado ao estudo do

cinema. Ainda, esta opção pela obra de Andrew, ao invés de trabalharmos detidamente com as

obras daqueles teóricos, deve-se à sua própria qualidade e ao escopo desta dissertação, que tem

como preocupação principal o exame de um modelo de análise fílmica e não o exame crítico das

teorias do cinema, oferecendo então a obra de Andrew dados suficientes sobre as principais

idéias teóricas do cinema para o confronto que desejamos realizar entre estas idéias e aquele

modelo de análise.

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No segundo capítulo, intitulado “Teorias do Cinema e Análise Fílmica”, inicialmente

examinaremos o modelo de análise de filmes apresentado por Francis Vanoye e Anne Goliot-

Lété (1994) em seu livro Ensaio sobre a análise fílmica. Escolhemos trabalhar com esta obra

pois ela procura apresentar de forma sistemática uma proposta de análise fílmica, discutindo-a do

ponto de vista metodológico; além disso, é obra largamente utilizada nos meios acadêmicos

brasileiros ligados ao estudo do cinema, ocupando atualmente lugar de referência na literatura

publicada em nosso país sobre o tema da análise fílmica.

Em seguida, nos deteremos no exame do conceito de “texto” em dois autores, Christian

Metz e Roland Barthes, uma vez que este conceito é importante no modelo proposto no livro

acima mencionado. Na última parte deste capítulo, procuraremos investigar as possíveis

influências e interseções entre a descrição das principais teorias do cinema apresentada por

Dudley Andrew e a proposta de análise fílmica de Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété.

Na conclusão deste trabalho, após algumas considerações sobre o projeto das teorias do

cinema (como apresentado a nós por Andrew), lançaremos um breve olhar sobre o estilo e a

concepção da análise fílmica praticada por três grandes críticos brasileiros (Paulo Emílio Sales

Gomes, Walter da Silveira e José Lino Grünewald); de forma sucinta, observaremos como suas

análises são construídas, o estilo de cada um, sobre o que se detêm os seus textos. A isto se

seguirá uma rápida reflexão sobre a produção brasileira contemporânea de crítica de cinema, a

partir de uma entrevista realizada com vários críticos de cinema de jornais de destaque.

Comentaremos algumas das variáveis mais comumente associadas aos problemas apresentados

naquelas análises, a saber, o curto espaço dedicado nas páginas de jornais e revistas para a

publicação dos textos sobre cinema, a questão da formação do crítico de cinema (ou analista de

filmes), e, por último, a questão da função do crítico.

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Por fim, partindo do referencial inicial do modelo de análise de Francis Vanoye e Anne

Goliot-Lété, procuraremos construir um esboço de modelo de análise fílmica que contemple em

sua estrutura algumas posições teóricas que julgamos interessantes, apreendidas no nosso estudo

de teorias do cinema.

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1. UM TEXTO PARA A IMAGEM EM MOVIMENTO
As principais teorias do cinema segundo Dudley Andrew

Uma teoria do cinema pode ser definida como um conjunto de proposições verificáveis

sobre cinema que procura dar conta das capacidades deste veículo, ou seja, daquilo que se chama

de capacidades cinemáticas. Deve, portanto, oferecer respostas à pergunta geral: que coisas o

cinema é capaz de realizar? A reflexão em torno desta pergunta e as eventuais respostas a ela

possibilitam que o cinema continue se desenvolvendo no sentido de aproveitar e explorar suas

potencialidades.

Aquela pergunta central é então acompanhada de outras, nas quais ela se desdobra. Um

teórico do cinema poderá voltar-se para diferentes questões relacionadas à sua própria formação

teórica, a interesses pessoais seus, a questões provocadas pela sua própria experiência particular

com o cinema. Tais questões podem ser de ordem prática, procurando solucionar problemas,

otimizar produções ou propor direções de trabalho àqueles que realizam filmes (qual a melhor

bitola a ser empregada para a captação das imagens de um filme? O cinema, depois de nos

oferecer o som e a cor, deveria também proporcionar odores nas sessões dos filmes? Qual o

tamanho ideal de uma sala de projeção? Como transformar para o meio digital todo o processo

de produção de filmes?), ou podem ser de ordem teórica, investigando o próprio fenômeno

cinematográfico, suas especificidades enquanto forma de arte, sua influência sobre os

espectadores (O que se pretende com a realização de um filme? Por que alguém deve fazer

cinema? Que forma apresenta um filme plenamente realizado? Em que pontos a literatura e o

cinema se aproximam?).

Uma teoria do cinema deve ser construída de forma sistemática e procurar sempre se

voltar para um horizonte de aplicação o mais amplo possível, no sentido de poder ser verificada e

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explicar o maior número possível de filmes. Desta forma, dirige-se ao fenômeno cinema e não ao

estudo de filmes individuais, de conjuntos de filmes ou de determinados realizadores, como é o

caso de algumas abordagens sistemáticas de investigação no campo do cinema, por exemplo, a

chamada teoria do autor e a crítica de gênero, que não se constituem em verdadeiras teorias

exatamente porque investigam os casos particulares do fenômeno cinematográfico (determinados

filmes e diretores) e não o fenômeno geral.

Para melhor possibilitar a comparação entre as diversas posições teóricas daqueles

autores, Andrew organizou seu livro de modo a apresentar alguns pontos centrais e importantes

em cada teórico. Estes pontos, que na verdade são agrupamentos de questões afins, são: a

matéria-prima do cinema, os métodos e técnicas do cinema, as formas e modelos do cinema e o

objetivo e valor do cinema.

Neste primeiro momento, examinaremos as principais idéias destes teóricos na forma em

que Andrew as apresenta em seu livro. Num momento posterior, examinaremos o livro Ensaio

sobre a análise fílmica, de Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété e estaremos interessados em

investigar de que formas as principais teorias do cinema influenciaram a construção desta

proposta de análise. Alguma das teorias é privilegiada? Que conceitos teóricos se encontram

mais presentes neste modelo de análise? Existe alguma correspondência entre o propósito de

uma análise fílmica e o objetivo de um filme (ou do cinema)? Que tipo de tributo os modelos de

análise pagam às teorias do cinema? Estas são algumas das questões que procuraremos responder

neste estudo.

1.1 Teorias formativas do cinema

A teoria formativa do cinema está vinculada à tradição do formalismo nas teorias da arte

e teve dois principais períodos de produção. O primeiro período, entre 1920 e 1935, marca o

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momento em que os intelectuais abandonaram a posição segundo a qual o cinema era

equivalente a uma vulgar diversão circense e passaram a considerá-lo como uma forma de arte

séria, não inferior a nenhuma das outras artes estabelecidas há séculos. Portanto, além de

importante fenômeno sociológico, o cinema passa a ser objeto de sérias discussões estéticas,

preocupadas em conhecer profundamente as suas propriedades, seus caminhos de

aperfeiçoamento em direção à maturidade de suas capacidades expressivas.

Um segundo período principal de produção dentro da teoria formativa do cinema inicia-

se no início da década de 1960 e é marcado pelo interesse do ambiente acadêmico pelo cinema.

As obras produzidas neste período são em sua maioria manuais que procuram estudar os efeitos

resultantes das diversas técnicas disponíveis na realização de um filme. Costumam conter

capítulos que abordam, por exemplo, a iluminação, a montagem, os tipos de planos, o trabalho

dos atores, geralmente procurando classificar os muitos modos de uso destas técnicas,

vinculando-as a significações pré-estabelecidas. Reside justamente aí a limitação e o perigo desta

abordagem, que se centra inteiramente nos aspectos técnicos e procura legislar sobre os

correspondentes significados dos seus empregos.

É portanto desta abordagem que surgem as conhecidas noções de “linguagem do

cinema”, “gramática do cinema”, muito em voga neste período e que tratavam o conjunto dos

recursos e características técnicas do cinema como um leque de efeitos pré-determinados à

disposição do cineasta, que então lançaria mão deles de acordo com a história que quisesse

contar e com a maneira com que quisesse conduzir a narrativa. É evidente que tal perspectiva

somente diminui, limita e apequena as capacidades expressivas do cinema, na medida que se

constitui como um conjunto de fórmulas prontas a serem aplicadas de acordo com o objetivo.

Tal abordagem claramente põe em evidência (e numa posição hierárquica superior)

aqueles cineastas que, em seus trabalhos, apresentam um emprego da técnica mais visível, em

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comparação com aqueles que a empregam de forma mais sutil, discreta, “invisível”. Sobre este

ponto, Andrew (1989, p. 88) comenta que “sem um senso abrangente de forma e objetivo, a

teoria nada nos proporciona além de um catálogo de efeitos cinematográficos, e isso dificilmente

é suficiente para uma teoria do cinema”.

Parece não ser por acaso que esta abordagem é tão fortemente centrada no uso da técnica.

Andrew aponta que a primeira fase da teoria formativa do cinema acontece na mesma época em

que floresce o movimento formalista russo, tendo este movimento influenciado Eisenstein e

sendo do conhecimento de teóricos como Arnheim e Balázs. O formalismo russo ainda ressurge

nos anos 60, sendo nesta época amplamente traduzido e divulgado.

Informados da influência entre estes movimentos, não estranhamos a posição de

prevalência que é conferida à técnica na teoria formativa do cinema, quando sabemos que os

teóricos do formalismo russo acreditavam (e pregavam) que, no processo de criação da obra de

arte, quando da representação das coisas do mundo na obra, dever-se-ia fazer intervir na maneira

de representar os objetos (na técnica) um certo grau de distorção que dotasse a representação de

uma forma “desviante”, estranha, distorcida, em comparação ao objeto do mundo que a inspira.

E a própria significação da representação fica então atrelada a esta distorção, à quebra de uma

certa continuidade da visão por ela provocada.

Como exemplos destas posições, Andrew (1989, p. 90) traz uma citação de Hans Ricther,

famoso artista de vanguarda dos anos 20: “O principal problema estético do cinema, que foi

inventado para reproduzir, é, paradoxalmente, ultrapassar a reprodução”. Menciona também o

caso de Eisenstein, que rejeitava o uso do plano geral em seus filmes por julgar que este plano

proporcionaria ao olhar do espectador uma “continuidade da visão”, que deveria ser

necessariamente quebrada (através da decupagem) para propósitos artísticos. “Torne o objeto

estranho!”, gritavam os formalistas russos, que acreditavam que a técnica da arte se baseava nos

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desvios introduzidos nas representações. O processo através do qual a técnica chama a atenção

para o objeto foi chamado de desfamiliarização. Era um processo que também se reconhecia em

outras artes; na literatura, por exemplo, tomando a forma da chamada meta-ficção. A

desfamiliarização resultava então numa distorção, num exagero consciente no momento de

representar um objeto da realidade.

Este exagero e distorção foi logo associado ao primeiro plano, recurso técnico do cinema

que apresenta (fotografa) um objeto com certo destaque, em detalhe, podendo neste

procedimento deformar sua forma física mais reconhecível, provocando assim certo

estranhamento em quem o percebe. A expressão primeiro plano foi uma sofisticação do conceito

de desfamiliarização, realizada dentro do formalismo literário, na Praga dos anos 20 e que foi

apropriada pelos teóricos que pensavam o cinema dentro da perspectiva formalista. Béla Balázs,

um dos principais nomes do movimento, segundo Andrew (1989, p. 92) afirmava “o cinema

como arte por sua capacidade de fazer primeiros planos” – (que Balázs chamava de) “a formação

pictórica dos detalhes”.

Da mesma forma que a noção de primeiro plano estava associada a uma distorção

espacial, a noção de ritmo apresentou-se associada à montagem, recurso técnico que poderia

distorcer e manipular o filme do ponto de vista temporal.

O advento do som nos filmes, recurso largamente explorado pelos produtores para

aumentar o sentimento de realismo no cinema, é um marco de declínio na primeira fase da teoria

formativa do cinema, seu momento mais importante. Mas, como veremos a seguir, alguns

autores, como Eisenstein, procurarão usar o novo recurso de maneira a servir às concepções

formativas do cinema. De qualquer maneira, era já um claro anúncio da grande onda da teoria

realista que viria mais tarde, viés que já estava intuitivamente presente e privilegiado na mente

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dos primeiros espectadores do cinema e contra o qual tiveram que lutar os primeiros teóricos

formativos, até para alçar o cinema à categoria de arte.

Veremos a seguir um resumo das principais idéias dos mais importantes teóricos do

cinema, dentro da tradição formativa. Procuraremos apresentar estas idéias da maneira como

foram organizadas por Andrew (1989), colocando em evidência as posições dos teóricos sobre

alguns pontos teóricos centrais, a saber, a matéria-prima do cinema, seus métodos e técnicas, a

forma do filme e o objetivo do cinema. Os teóricos apresentados nesta seção serão Hugo

Munsterberg, Rudolf Arnheim, Sergei Eisenstein e Béla Balázs.

Hugo Munsterberg – cinema: uma arte da mente

Hugo Munsterberg, nome importante da psicologia no começo do século XX, um dos

fundadores da Gestalt, também filósofo, diretor do departamento de filosofia em Harvard durante

a era de William James e outros filósofos importantes, lança, em 1916, o livro The Photoplay: A

Psychological Study. Seu livro, dividido em duas partes, apresenta uma psicologia do cinema e

uma estética do cinema. Andrew o considera um marco, pois se apresenta não apenas como a

primeira das teorias do cinema, como também a mais direta, uma vez que escrita sem

precedentes de outros trabalhos teóricos.

Andrew (1989) comenta que o livro de Munsterberg começa com uma introdução

histórica sobre o aparecimento do cinema e seus primeiros desenvolvimentos. Esta história do

cinema é dividida por Munsterberg no que ele chama de desenvolvimentos cinematográficos

“externos” e “internos”, sendo os primeiros a história dos desenvolvimentos tecnológicos do

cinema e, os segundos, a evolução do uso, pela sociedade, do veículo cinema. Esta história do

cinema culmina com uma apologia à capacidade narrativa do cinema, uma vez que Munsterberg

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considera esta a verdadeira vocação do cinema, a forma de sua realização plena, sua afinidade

natural. Considerava, portanto, a realização dos filmes documentários como algo inferior ao

filme narrativo.

Para Munsterberg, o cinema narrativo era o produto que alcançava e se realizava no

verdadeiro domínio ao qual o cinema se dirigia: a mente humana. Pensando nas categorias

delimitadas por Andrew (1989) para confrontar comparativamente as posições dos diversos

teóricos do cinema, se considerarmos a matéria-prima do cinema, aquilo a partir de que são

feitos os filmes, os materiais utilizados pelos cineastas, para Munsterberg, trata-se do conjunto

dos recursos da própria mente humana. Assim, para um espectador na sala escura, a experiência

cinematográfica seria uma espécie de processamento (trabalho) mental a partir dos elementos

oferecidos durante a projeção. O trabalho do cineasta, portanto, seria organizar de tal modo estes

elementos que, considerando ainda que intuitivamente as leis da mente, esta pudesse fazer a sua

parte e gerar assim o cinema. Desta maneira, é que o cinema era considerado uma “arte da

mente”.

Munsterberg acreditava que a mente se organizava de forma hierárquica, vários níveis

(inferiores e superiores), cada um deles lidando com (e resolvendo) um determinado tipo de

estímulo. Por exemplo, no primeiro destes níveis, a mente dá movimento ao mundo sensorial, ela

confere movimento aos estímulos. Trata-se de uma visão ativa da mente, pois é ela que confere

estes movimentos, ao contrário de uma visão passiva, oferecida por outros teóricos que

defendiam a percepção do movimento através de uma “retenção de estímulos visuais”.

Munsterberg explicou o fenômeno da percepção do movimento através daquilo que descreveu

como o fenômeno-phi, que se traduzia no movimento ilusório de linhas, figuras, ou outros

objetos mostrados numa rápida sucessão de posições diferentes, sem que na verdade qualquer

movimento autêntico fosse apresentado à visão.

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Para Munsterberg, o fenômeno-phi seria um dado, uma característica de um nível inferior

da mente que, de forma ativa, organizaria os elementos apreendidos pela percepção oferecendo-

nos assim o movimento. A tecnologia do cinema, por outro lado, teria sido desenvolvida

intuitivamente simplesmente no sentido de aproveitar este “poder da mente” de transformar em

fluxo contínuo de movimento imagens distintas, intermitentes, apresentadas em série. A partir

desta capacidade da mente, Munsterberg concebe todo o processo cinemático como um processo

mental. A mente seria assim, a fonte do cineasta e a substância dos filmes.

Se desta forma se explicava a percepção do movimento, outras características do filme

eram, para Munsterberg, resultado do funcionamento de outras propriedades da mente. Assim,

imagens de primeiros planos e ângulos de câmera eram percebidos não apenas por causa do

aparato técnico usado nas filmagens, mas por causa de um modo específico de trabalho da

mente, que ele denominou de “atenção”, que seria uma propriedade mental que organizaria o

mundo percebido.

Num nível mais elevado da mente, sede das operações da memória e da imaginação, o

mundo percebido ganha um sentido. As propriedades do filme correspondentes a estas operações

seriam, para Munsterberg, os diversos tipos de montagem que conferem aos elementos fílmicos

organização, força e direção dramática. No nível mais alto da mente, situa-se a sede das

emoções, consideradas por Munsterberg como os eventos mentais completos. A própria história

do filme seria o elemento correspondente às emoções, o elemento fundamental da obra e que

organizaria os elementos dos níveis inferiores. Registrar emoções seria portanto o objetivo

central da “peça cinematográfica”, para Munsterberg; o cinema seria assim um veículo da mente

e não do mundo.

Para Munsterberg, inovações técnicas como o surgimento do som e da cor seriam

supérfluos, já que não ativariam novos níveis da mente.

22
Devido a estas distinções dos materiais do filme, em que estes aparecem em relação com

as propriedades da mente, é que se pode dizer que Munsterberg nos oferece uma psicologia do

cinema na primeira parte de seu livro. A segunda parte é construída como uma estética do

cinema; ali Munsterberg envereda pela filosofia para procurar descrever o valor do objeto

cinema. Seguidor da estética kantiana, Munsterberg via o objeto belo, artístico, como passível de

ser isolado do mundo durante a experiência estética, ao mesmo tempo em que nós, apreciadores

da obra bela, nos isolamos também daquele mundo enquanto estamos absorvidos na apreciação.

A experiência de encontro com este objeto é buscada em si mesma, sem que se possa ganhar

nada mais que a própria experiência. Experimentar (experienciar) o objeto é tudo que podemos

fazer com ele.

O encontro da mente com o objeto de arte seria como que o encontro com um objeto

feito, talhado especialmente para ela. Neste encontro, a mente é “pressionada”, sofrendo um

“relaxamento” prazeroso em seguida. Munsterberg observou que tal acontecia durante a

experiência de ver determinados filmes. Durante o tempo da projeção experimenta-se este

sentimento de alheamento, isolamento mútuo (do filme e do espectador com o mundo, ao mesmo

tempo que os dois “se encontram”). Estado chamado de “atenção extasiada”, nele nossa mente

vê-se, por aproximadamente duas horas, afastada de todos os nossos compromissos com o

mundo externo. Para Munsterberg, esta experiência singular é o objetivo final do cinema.

Para explicar como o cinema pode se constituir num objeto de arte deste tipo,

primeiramente Munsterberg diz que o cinema não é um mero canal de transmissão do trabalho

teatral e nem da experiência estética do mundo natural (onde encontramos nossa primeira

experiência estética). Em seguida, Munsterberg afirma que estes elementos, uma paisagem

natural, uma passagem de peça teatral, se funcionam esteticamente em um filme é porque o

23
cinema, com sua poética, os transforma em objetos novos, objetos fílmicos de contemplação.

Trata-se aí da produção de um objeto mental.

Mas como o filme deve ser realizado para se tornar uma obra de arte, já que nem todos

eles são? Para Munsterberg, o cineasta deve organizar a realidade através das três categorias

(kantianas) básicas - espaço, tempo e causalidade -, levando o filme, em seu desenrolar, a

resolver todas as tensões convocadas durante a narrativa, produzindo o efeito de distensão,

relaxamento ao final, onde a experiência do encontro com o objeto nos basta.

Esta resolução das tensões ao final do filme faz com que, para Munsterberg, seja possível

abordar num filme qualquer tema, incluindo aqueles violentos ou eróticos, desde que estes

alcancem resolução apropriada e satisfatória ao final, de maneira a reforçar o sentido de unidade

da obra.

Rudolf Arnheim – cinema: uma ilusão mais que perfeita da realidade

Também um representante da escola gestaltista de psicologia, Rudolf Arnheim

interessou-se pela reflexão teórica sobre cinema, embora a sua incursão nesta área não possa ser

comparada, em volume e profundidade, aos seus trabalhos principais sobre arte e percepção

visual. Teve, de qualquer forma, maior influência do que Munsterberg sobre as teorias do cinema

produzidas depois dele.

Publicou em 1932 o livro Film as Art, no qual, como deixa entrever o título, desde o

início Arnheim afirma que seu interesse pelo cinema limita-se somente ao cinema enquanto

forma de arte. Esta concepção de “arte” aplicada ao cinema, pode ser melhor compreendida a

partir daquilo que Arnheim considera como sendo a matéria-prima do cinema; segundo Andrew

24
(1989, p. 38), esta deve se constituir de “todos os fatores que tornam o cinema uma ilusão mais

que perfeita da realidade.”

Tais fatores, segundo Arnheim, são justamente aquelas características do cinema, que,

tomadas em seu conjunto, fazem com que o filme seja não um retrato fiel da realidade (caso em

que então, para Arnheim, ele não seria uma obra de arte), mas sim uma versão deformada,

alterada, distorcida. Tais fatores “irreais” do cinema são:

1. a projeção de sólidos numa superfície bidimensional; 2. a redução de um sentido de


profundidade e o problema do tamanho absoluto da imagem; 3. a iluminação e a ausência da cor;
4. o enquadramento da imagem; 5. a ausência da continuidade espaço-temporal graças à
montagem; a ausência de entradas (inputs) de outros sentidos. (ANDREW, 1989, p. 38)

Assim, para Arnheim, estes são os elementos de que o cineasta dispõe para criar seus

filmes, ou seja, as próprias características técnicas do meio, consideradas aqui como fatores de

limitação a uma capacidade de perfeita representação da realidade. Os elementos básicos para a

construção do filme não estão, portanto, no mundo (como a pedra está para a escultura e os

pigmentos para a pintura), mas são já um artefato técnico produzido pelo homem. As imagens

originadas do uso destes artefatos é que constituirão o material do filme, e não a realidade ou

seus elementos. A arte cinematográfica seria, nesta perspectiva, “um produto da tensão entre a

representação e a distorção.” (ANDREW, 1989, p. 40). O cinema como arte, para Arnheim, se

caracteriza pelo uso de processos expressivos, ao invés de representativos, os primeiros

garantidos pelos aparelhos empregados no cinema.

Arnheim relaciona também os efeitos artísticos correspondentes às diversas

características técnicas empregadas no cinema. Tais efeitos incluem câmera lenta e acelerada,

alteração de cor das imagens pelo uso de filtros, figuras de transição como fades e fusões, uso de

um fotograma estático, distorções pelo uso do foco, movimento para trás, a própria fragmentação

espaço-temporal provocada pela decupagem (que pode se mostrar fluida, “invisível, ou não).

25
Deve-se mencionar que tal abordagem, mais tarde tomada de forma sistemática por outros

autores e buscando atrelar significados pré-estabelecidos a estes efeitos, foi que gerou o projeto

de uma “gramática” para o cinema, conceito relacionado àquele proposto de “linguagem

cinematográfica”.

Para Arnheim, o cinema havia, já nos anos 20, alcançado sua forma perfeita e acabada

nas produções do cinema mudo. Este havia sido o momento em que os filmes tiveram as

melhores condições de se tornarem objetos de arte, segundo a visão de Arnheim. Não é difícil

entender sua posição, já que o desenvolvimento técnico do cinema de então apresentava, na sua

perspectiva, as condições que produziam um determinado afastamento de uma representação

realista da realidade. Novidades técnicas que vieram depois, como o uso do som e das cores, só

poderiam degradar os recursos de um cinema artístico, uma vez que tornavam os filmes

representações muito próximas da realidade como a percebemos com os nossos sentidos. A

importância desmesurada que se passou a dar aos diálogos (em detrimento de outras

características do filme) com a introdução do som, é um dos pontos negativos apontados por

Arnheim nesta virada tecnológica do cinema.

Para Arnheim, a produção artística é um jogo de via dupla que se processa entre o artista

e o mundo. O artista recebe do mundo diversos estímulos que percebe como objetos e eventos e,

por sua vez, constrói ele próprio objetos (artísticos) que lança ao mundo. Esta obra expressará

características do artista e do mundo, estas últimas, eventualmente, difíceis de serem percebidas

de outra maneira, pois que são a contribuição pessoal da percepção do artista. O processo se

resume então a um jogo ou circuito mental, entre o artista e o mundo.

Qual então seria o objetivo da arte (e do cinema) para Arnheim? Andrew (1989, p. 49)

aponta que “Arnheim sente que o objetivo da arte é perceber e expressar as forças gerais da

existência”. Enquanto todos os seres humanos transformam o mundo de estímulos brutos em um

26
mundo de objetos e eventos, o artista vai além, abstraindo desses objetos e eventos suas

características gerais.

Sergei Eisenstein – cinema: montagem de atrações

Dentre todos os teóricos do cinema, Eisenstein se destaca por ter sido, além de um teórico

brilhante, arrojado e autor de uma vasta e consistente obra, também um dos mais importantes

cineastas do século XX, responsável por filmes fundamentais como O Encouraçado Potemkim e

Outubro. A grande repercussão de seus filmes garantiu ampla leitura aos seus trabalhos teóricos

sobre cinema, que, por sua vez, influenciaram enormemente os estudiosos e cineastas. Eisenstein

interessava-se por um grande numero de assuntos e sua cultura e formação refletem seus

múltiplos interesses em suas teorias. Psicologia, antropologia e teatro (em especial o teatro

kabuki japonês) foram apenas alguns dos campos que o influenciaram a ponto de deixarem

marcas claras em sua teoria.

Segundo a visão que tinha do cinema, o cineasta nunca deveria ser simplesmente uma

espécie de intermediário entre uma certa realidade (captada em filme) e o público. Ele deveria

sim assumir um papel ativo, forte, organizador dos materiais captados, colocando-os de tal modo

a que servissem aos propósitos do cineasta.

Inicialmente, para Eisenstein, os tais elementos ou partículas elementares do cinema,

passíveis de serem combinadas pelo realizador de acordo com seus propósitos eram os planos,

tomados individualmente como blocos básicos do cinema. Sua experiência com o teatro kabuki o

fez conceber para o cinema um sistema no qual o filme, em seu desenrolar, proporcionaria

“choques” no espectador, devido à sucessão de planos determinados que, no processo mesmo das

substituições (dos planos, através da montagem) produziriam os efeitos de choque.

27
Os próprios planos foram então concebidos por Eisenstein como sendo “atrações”

(exatamente no sentido de atrações circenses). Dentro do plano se encontram diversos elementos,

como a iluminação, composição, interpretação dos atores, cenários e outros. Estes elementos são

capazes de dar ao espectador impressões psicológicas precisas; combinados, eles fazem do

próprio plano uma “atração”, que, por sua vez, seria combinada a outra através da montagem.

Mais tarde, são os elementos que se apresentam dentro do plano (iluminação, som,

interpretação, etc) que passarão a ter a atenção de Eisenstein e que ele considerará como as

“atrações” a serem combinadas tanto de forma harmoniosa quanto conflitante. Tais “atrações” ou

elementos são, para Eisenstein, a matéria-prima dos filmes. Ele acreditava ainda que as atrações

deviam ser organizadas de maneira a produzir os efeitos de transferência e sinestesia. Na

transferência, um único efeito pode ser produzido por vários elementos diferentes. Segundo

Andrew (1989, p. 58), num “filme, muitos elementos estão presentes na tela ao mesmo tempo.

Eles podem reforçar-se uns aos outros, aumentando o efeito; os elementos podem entrar em

conflito entre si e criar um novo efeito; ou um elemento inesperado pode acrescentar um efeito

necessário. Este último é o auge da transferência.” Por outro lado, quando temos vários

elementos combinados ao mesmo tempo, ocorre a sinestesia. É justamente a capacidade que tem

o cineasta de manipular as diferentes atrações que lhe possibilita organizá-las no sentido da

produção destes efeitos.

O famoso conceito de montagem, em Eisenstein, tem importante papel na maneira como

são organizados e utilizados os diversos estímulos ou atrações. A concepção de montagem do

cineasta foi influenciada pelos seus estudos de poesia haiku, na qual em poucos versos é

realizado um confronto entre imagens que, chocando-se, produzem determinados efeitos, geram

uma terceira imagem ou idéia. Cada frase do poema pode ser considerada como uma “atração” e

elas são postas em choque na passagem de um verso a outro (Eisenstein pensará, no caso do

28
cinema, no choque de atrações na passagem de um plano a outro). Segundo tal modelo, o

cineasta enumera diferentes tipos de conflitos entre as atrações que podem ser promovidos:

conflito de direção gráfica, de escalas, de volumes, de massas, de profundidades, de escuridões e

claridades, de distâncias focais e outros. A montagem também varia segundo alguns modelos que

procuram explorar desde a simples duração (métrica) dos planos até o trabalho intelectual

realizado pelo espectador, quando este liga duas imagens em planos contíguos à forma de uma

metáfora. As idéias de montagem de Eisenstein foram também influenciadas pelos estudos que

tinha do campo da psicologia (Titchener, Vygotsky e, principalmente, Piaget).

Os avanços tecnológicos do cinema também foram incorporados por Eisenstein de

maneira a integrar sua concepção de elementos de atração e servir à ampliação dos recursos

formativos do cinema. No caso, por exemplo, de uma inovação como o surgimento do som nos

filmes, advento visto pela maioria como algo que contribuiria exclusivamente para aumentar o

realismo no cinema, Eisenstein procura formular um uso do som que faça avançar a concepção

que tinha de cinema, protegendo-a ao mesmo tempo da destruição da cultura da montagem

construída até ali. Assim ele diz que “apenas um USO EM CONTRAPONTO do som em relação

à peça de montagem visual permitirá uma nova potencialidade do desenvolvimento e

aperfeiçoamento da montagem” (ANDREW, 1989, pg. 62)

Eisenstein também apoiou o cinema em cores, uma vez que entendia que o conjunto das

diversas cores poderia ser usado como um complexo código de atrações que poderia interagir

com outros elementos do filme. Interessava-lhe também a fotografia tridimensional e a tela

quadrada.

Se em um determinado plano de um filme existem diversas atrações, Eisenstein

acreditava que o cineasta deveria promover uma espécie de equilíbrio entre elas, conferindo-lhes

valor semelhante. A este processo ele chamou de “neutralização”. Ao mesmo tempo que procura

29
realizar a neutralização, também reconhecia a existência da “dominante”, isto é, uma das

atrações do plano que é mais saliente, que chama mais a atenção do espectador do que as outras,

sendo estas então atrações secundárias. Na maioria dos filmes de ficção, o enredo é esta atração

que fica em primeiro plano e que mais convoca a atenção do espectador. No entanto, Andrew

(1989, p. 67) observa que “Eisenstein estava claramente ansioso por subverter esta convenção e

dar mais independência e importância a esses outros códigos ‘subsidiários’”. Recomendava

então que fossem trabalhados os estímulos (atrações) secundárias, de modo a criar um efeito de

sinestesia semelhante ao alcançado na música impressionista de Debussy e Scriabin. Uma

primitiva concepção de montagem de Eisenstein, ele o admitiu, era baseada nas justaposições de

diferentes dominantes numa cena cinematográfica.

Com relação à forma do filme, Eisenstein acreditava que a montagem tinha aí

fundamental papel no sentido de imprimir não apenas ritmo ao filme, mas de organizar os

materiais nele utilizados, contribuindo assim para criar um conjunto coeso. Esta concepção de

montagem era chamada de montagem polifônica; seu uso resultava num “sentimento de

conjunto” para a obra e numa “experiência total” para o espectador. Ainda sobre a forma

cinematográfica, Eisenstein tinha concepções que a aproximavam das imagens da “máquina

artística” e do “organismo artístico”.

A primeira imagem resulta de uma analogia entre uma máquina e o trabalho artístico.

Prevê assim noções como planejamento, objetivo, processamento de materiais, reparos, entre

outros. Vários desses aspectos se adequam à concepção que Eisenstein tinha de cinema. Pare ele,

o cinema processava determinados materiais (a matéria-prima, as atrações); apresentava-se como

uma máquina psicológica conectada ao espectador, dando-lhe “choques”; criava uma corrente

estável de movimento (a montagem); desenvolvia um significado dramático (na forma do

enredo, personagem, etc) e, por fim, alcançava um produto final, o fim do filme, na forma de

30
uma idéia ou tema. Trata-se de uma concepção para a qual a platéia tem participação ativa na

realização do trabalho artístico, já que a mente do espectador é considerada como uma

contraparte da máquina que permite seu funcionamento.

Já a analogia orgânica considera a obra de arte como algo que existe por si mesmo, como

um organismo vivo, e não para um determinado propósito. Entre as características dos

organismos, a que mais fascinava Eisenstein quando este pensava na correspondência com as

obras de arte, era a existência de uma alma, que ele chamou de “tema”, no caso do filme. A

descoberta do tema era, para Eisenstein, a tarefa mais importante da realização de um filme. A

forma do trabalho artístico, por outro lado, precisa inicialmente ser apreendida pelo artista para

então ser transposta para a obra. Neste caso, segundo Andrew (1989, p. 75) “o cineasta deve

olhar abaixo da superfície do realismo de um evento até que sua forma dialética se torne clara; só

então é capaz de ‘tematizar’ seu tema.” Tal abordagem retira do cineasta a origem da forma de

um filme. Pelo mesmo motivo, a montagem deixa de ser vista como um recurso capaz de

manipular, dirigir o espectador.

Segundo Andrew (1989), Eisenstein vacilou sempre entre estas duas concepções da

forma do filme, uma vez que nunca teve certeza absoluta da função ou do objetivo da arte

cinematográfica. Para examinar melhor este ponto, Andrew acha interessante avaliar as

inclinações das concepções de Eisenstein em relação à retórica e a arte autônoma.

Uma função retórica encaixa-se facilmente no desenho da obra de arte enquanto máquina.

Esta é projetada e ajustada para transmitir com clareza e força as idéias do seu realizador,

produzindo um determinado efeito na platéia. Andrew informa que Eisenstein, em seus primeiros

escritos, estava cônscio de tal poder do cinema e queria explorá-lo plenamente. Apesar disso,

Eisenstein “achava que a arte estava reservada para aqueles tipos de efeitos e mensagens não

disponíveis ao discurso comum. Isto é, a arte visa antes de tudo as emoções, e apenas em

31
segundo lugar a razão.” (ANDREW, 1989, p. 78-79), o que talvez revele uma posição

discordante quanto ao uso do cinema (da arte) como uma atividade retórica.

Era ambivalente a posição de Eisenstein entre uma função retórica ou de arte pura para o

cinema. Ao mesmo tempo que podia formular que, no estágio criativo, o cineasta deve cuidar de

fazer evocar ou surgir na mente do espectador uma imagem que antes estivera em sua própria

mente, por outro lado, ele diz também que esta primeira imagem não é pronta, fixa, acabada, mas

nasce. Não tendo colocado o problema como de oposição entre retórica e arte autônoma,

Eisenstein tendeu mais a formulá-lo entre discurso (quando as expressões afetam o espectador

através dos canais claramente públicos do discurso) e discurso interior (quando as expressões

afetam o espectador invadindo o seu mundo mental privado). Podemos pensar que este último

processo era privilegiado por Eisenstein na sua visão da dinâmica da percepção do espectador

uma vez que ele optava por oferecer material para que o próprio espectador fosse fazendo suas

conexões, suas associações entre as imagens e planos do filme. Lembremos da noção de “pulo

consciente” realizada pelo espectador na passagem entre os planos do filme, que lhe permitia

mesmo antecipar, prever os movimentos seguintes da obra. Uma concepção que requisita uma

participação tão ativa e criativa do espectador parece distanciar-se de uma abordagem retórica

simplista e aproximar-se de uma visão mais orgânica da obra de arte e portanto da arte

autônoma. Sobre a forma como operam estes diferentes processos, Andrew coloca que “a arte

(...) pode ainda mudar o comportamento ao mudar a percepção, mas o faz de modo muito

indireto, como subproduto natural do fato de simplesmente ser ela mesma. A retórica, por outro

lado, existe apenas para fazer mudanças específicas no conhecimento ou no comportamento.”

(ANDREW, 1989, p. 83).

32
Béla Balázs – cinema: o assunto fílmico recolhido do drama humano

Os escritos de Béla Balázs sobre cinema, produzidos nas décadas de 20, 30 e 40

encontram-se reunidos no volume Theory of the Film (1952).

Assim como Arnheim, o interesse de Balázs pelo cinema restringe-se ao cinema enquanto

arte, o que chamava de “forma lingüística” do cinema. Esta forma lingüística para Balázs era

produto da oscilação presente entre o tema escolhido para ser abordado na obra e a forma técnica

empregada. Tal forma surge nos primeiros anos do cinema, quando este se descola de uma

apresentação que apenas filmava o teatro para ganhar uma autonomia própria, conquistando e

explorando outros espaços com a invenção de Griffith (é a ele que Balázs credita) da decupagem

clássica. Com este advento, Balázs, assim como outros teóricos, acreditava que já nos anos 20, o

cinema mudo alcançara o apogeu das suas capacidades expressivas.

Para Balázs, a matéria-prima do cinema a ser utilizada na realização dos filmes era o

“assunto fílmico”, ou seja, um determinado tema que pudesse ser recolhido no mundo (embora

não com o objetivo de fazer um retrato fílmico da realidade), das histórias do drama humano e

que se adequasse às transformações geradas pelas formas técnicas do cinema.

O assunto fílmico, quando encontrado em outras obras (por exemplo, literárias), pode ser

transformado em cinema, segundo Balázs, desde que se apresente moldado corretamente pelas

formas técnicas expressivas do cinema. Sobre este caso, o da adaptação de outras obras para

cinema, ele recomendava que o assunto fílmico fosse encontrado em obras medíocres, para que a

expressão cinematográfica não tivesse que competir, se equiparar com uma prévia realização de

excelência em outra forma artística.

Uma vez que a correta escolha e tratamento do assunto fílmico eram centrais na visão de

Balázs, ele conferia ao roteiro bem realizado já o status de arte independente, uma vez que o

33
assunto já se apresentava ali plenamente abordado e desenvolvido, ainda que não na forma

cinemática.

Com relação ao emprego das técnicas cinematográficas, Balázs acreditava que elas

deveriam ser usadas nos apropriados assuntos fílmicos ou temas cinemáticos. Para Balázs, um

tema cinemático naturalmente produzia técnicas cinemáticas, assim como era produzido por elas.

As técnicas deveriam sempre ser empregadas no sentido de utilizar seus potenciais formativos e

não realistas. Mesmo inovações técnicas, como o surgimento do som, eram vistas (assim como

para Eisenstein) como recursos a serem implementados em favor das características formativas

do veículo.

No entanto, o apoio dado por Balázs às distorções no cinema tinham um limite: elas

deveriam ser realizadas contra um determinado fundo “naturalista”, no qual poderiam ser

situadas e ainda reconhecidas. Uma distorção apresentada descontextualizada e sem

possibilidade de reconhecimento não tinha o menor sentido para Balázs e não deveria ser

realizada.

Sua concepção de montagem era bastante mecanicista e previa sucessões de idéias postas

em movimento pela montagem, formando uma corrente de associações na mente do espectador.

No entanto, diante das realizações mais radicais neste campo, como na montagem intelectual de

Outubro, de Eisenstein, Balázs recua, criticando o caráter hermético e excessivamente conceitual

da obra.

Com relação ao uso de figuras de transição como fades e fusões, Balázs dizia que elas

mantêm uma relação naturalista com os processos mentais do espectador, isto é, são como os

processos mentais através dos quais nos movemos por entre as diversas imagens em nossas

mentes. Tal associação de uma técnica cinematográfica com um processo mental e a

recomendação de seu uso por Balázs devido a este caráter natural, representa um relativo

34
afastamento das posições formativas e uma certa aproximação a uma posição realista que

privilegia tais comparações e aproximações entre o cinema e a “naturalidade” da experiência do

espectador, no sentido de oferecer ao espectador uma experiência cinemática mais próxima de

sua experiência cotidiana com a realidade.

Este é um dos pontos em Balázs que podem ser apontados como um sinal de uma certa

tensão que ele provavelmente experimentava entre sua posição formativa declarada e

determinadas inclinações realistas que ele aparentemente procurava reprimir. Segundo Andrew

(1989, p. 101), “Balázs queria reter o status do objeto (não excessivamente deformado) e elevá-

lo à significação através da técnica cinematográfica.” Ele mantinha um vínculo de interesse com

estes objetos, enquanto que outros formalistas não tinham qualquer pudor em deformá-los

completamente.

Nas considerações de Balázs sobre a forma do filme, ele coloca as obras do cinema numa

linha contínua cujas extremidades são o filme de vanguarda ou abstrato e o documentário puro.

Acreditava que estudando estes extremos, alcançaria as leis sobre a forma do filme. Esta linha

contínua une a mais pura abordagem realista àquela mais ousadamente formativa. Para ele,

ambas são inadequadas; a primeira pois evita uma história (um assunto) e a segunda porque, com

suas distorções radicais, ultrapassa qualquer história, perdendo assim contato com a realidade

que deveria interpretar. Assim, segundo Andrew (1989, p. 105) Balázs “privilegia a forma

narrativa à custa da forma plástica”, o que certamente denuncia a tensão mencionada acima, na

forma de suas inclinações realistas em detrimento da estética formativa.

Quanto ao objetivo do cinema, a preferência de Balázs pelos filmes narrativos,

dramáticos, segundo Andrew (1989, p. 106) se dava porque eles “realizam inequivocamente a

função de todas as grandes artes, ao nos levar a uma consciência do significado e da percepção

humanos e ao expandir esse significado e essa percepção.” Quanto ao próprio veículo, Balázs

35
acreditava que o cinema deveria continuar crescendo sempre, aperfeiçoando-se no sentido de

alcançar o máximo de seu potencial expressivo.

Balázs ainda salientou os processos de identificação do espectador durante a experiência

com o filme como sendo a verdadeira forma do cinema, o que se mostra como uma incoerência

quando lembramos que a noção formalista de desfamiliarização (primeiro plano) produz

justamente um afastamento, pela estranheza, o que dificultaria o processo de identificação.

O primeiro plano tem importante papel no que ele chamou de microdramático, que não é

outra coisa senão uma abordagem detalhista, intimista de um pequeno drama psicológico. Se,

como ele admitiu, tal drama não revela a “verdade total” que se poderia alcançar pelo

formalismo, por outro lado, ele certamente se localiza no plano da “realidade”.

1.2. Teorias realistas do cinema

As teorias realistas do cinema, apesar de apenas formuladas e desenvolvidas de maneira

sistemática em meados do século XX com Kracauer e Bazin, já se mostravam desde cedo nas

inclinações e projetos de cineastas que adotavam uma posição contrária aos ideais dos cineastas

e teóricos vinculados à escola formativa. Já em 1913, segundo Andrew (1989, p. 111), Louis

Feuillade divulgava seus filmes dizendo que eles mostravam “a vida como ela é”, influenciado

pelos trabalhos dos documentaristas britânicos Paul Rotha e John Grierson. Na Rússia, Dziga

Vertov proclamava o realismo do seu Cinema-olho, propondo um forte contraste em relação à

produção dos formalistas Eisenstein e Pudovkin.

Tratava-se de uma abordagem que procurava estabelecer com a realidade, com as sociedades

em que emergiam, uma visada política, um diálogo de descoberta e conhecimento. No entanto,

antes de Kracauer e Bazin, os ensaios dos cineastas realistas se voltavam mais para os próprios

36
aspectos sociais que procuravam captar em seus filmes do que para as possibilidades cinemáticas

de um retrato realista do mundo.

Siegfried Kracauer – cinema: o enredo encontrado no mundo

Jornalista alemão, Kracauer lançou seu Theory of Film em 1960. Publicou ainda, durante

a Segunda Guerra, De Caligari a Hitler, fundamental estudo sobre o cinema expressionista

alemão.

Enquanto os teóricos anteriores do cinema haviam se interessado principalmente pela

forma artística dos filmes, Kracauer afirmou que a sua era uma “estética material baseada na

prioridade do conteúdo.” (ANDREW, 1989, p. 115). A teoria de Kracauer vê o veículo cinema

como uma mistura de assunto e tratamento do assunto; portanto uma mistura de dois domínios: o

da realidade e o das capacidades técnicas do cinema. Neste quadro, a função do cineasta é “ler

tanto a realidade quanto seu veículo de modo justo, a fim de que possa ter certeza de que

emprega as técnicas apropriadas ao assunto apropriado.” (ANDREW, 1989, p. 116).

Para Kracauer, o assunto do cinema, a sua matéria-prima é sempre o mundo visível,

fotografável. Ele dividiu o modo do cinema, segundo suas propriedades, em dois grupos: as

propriedades básicas e as propriedades técnicas. As propriedades básicas são sempre e

inteiramente fotográficas. Apesar de a fotografia ter limitações (variáveis) técnicas que

produzem transformações em suas imagens quando comparadas à realidade visível, Kracauer

despreza este fator, considerando essencialmente realista a aptidão do veículo, isto é, ao cinema

o mundo (a “realidade”) se oferece naturalmente como conteúdo da obra fílmica, levando grande

vantagem sobre a forma, que o teórico considerava secundária no cinema. Esta sua posição, de

saída rejeita a abordagem da teoria formativa.

37
As propriedades técnicas do cinema, vistas como suplementares, incluem recursos como

a montagem, o primeiro plano, efeitos óticos, a distorção da lente, entre outros, e devem ser

usados, recomendava Kracauer, apenas para “apoiar a função básica do veículo: o registro e a

revelação do mundo visível a nosso redor” (ANDREW, 1989, p. 118). O uso excessivo destas

técnicas suplementares, fazem o espectador prestar atenção no filme (no seus modos de

representação), retirando assim a sua atenção do assunto (o mundo).

A concepção do cinema como veículo realista é fruto direto da concepção análoga que

tinha Kracauer sobre a fotografia. Esta concepção, cuja debilidade aponta Andrew (1989, p.

119), era a de que “como a fotografia pode servir à realidade visível, precisa fazer isso; e como

precisa fazê-lo, então seu herdeiro e filho, o cinema, deve fazê-lo também.”

No entanto, Kracauer não radicaliza o que chamou de “abordagem cinemática” (a

abordagem realista), propondo, por exemplo, que não sejam utilizadas as técnicas formativas.

Para ele, seu uso é legítimo, sim, e faz parte do repertório necessário do cinema para revelar o

mundo e penetrar nele. No entanto, sua posição é de que são as técnicas realistas que sempre

devem predominar neste processo. Já o uso formativo do material do cinema, para Kracauer,

acontece em dois níveis. O primeiro é o nível da imagem, quando se pode fotografar o objeto de

forma “artística” (formativa) e o segundo é o nível da organização e contextualização daquelas

imagens, processo que Kracauer chamou de “composição” e que se expressa nos diferentes

gêneros de filmes presentes no cinema.

Quando aborda os gêneros, Kracauer divide os filmes sem enredo em “filme

experimental” e “filme de fato”. Os primeiros são marcados, segundo ele, pela intenção de

inventar formas, ao invés de registrá-las ou descobrí-las; de trabalhar com ritmos não presentes

na natureza e de usar as imagens criadas para projetar conteúdos que são mais visões pessoais do

que implicações daquelas imagens. O “filme de fato”, o verdadeiro documentário (cinejornais,

38
filmes educativos), segundo Andrew de forma surpreendente para um teórico realista, não recebe

prestígio especial de Kracauer. Ele falou pouco sobre eles, criticando aqueles trabalhos que,

adotando este formato, “exploravam o mundo visível a serviço de uma criação imaginativa

abstrata ou (...) de uma mensagem didática, doutrinária” (ANDREW, 1989, p. 125).

Já o uso do enredo, para Kracauer, introduz profundidade aos filmes, capacitando-os a

abordar o drama humano. Segundo Andrew (1989, p.126) para Kracauer (assim como para

Balázs) “o filme de enredo é a base estética, assim como econômica, do cinema, pois coloca em

ação um tipo de assunto e um tipo de envolvimento da platéia que podem ser responsáveis pelas

experiências mais complexas.” É importante observar que não se trata neste caso do chamado

filme ficcional, que tanto Balázs como Kracauer consideravam como “literatura” e

“entretenimento de massa” no lugar de um uso “puro” do cinema. Kracauer delimitou três

categorias de filme de enredo. O primeiro deles é o filme teatral, que, segundo o teórico, vai

contra todos os princípios cinemáticos, pois nestas obras o enredo, em vez de ajudar a explorar a

realidade, torna-se um substituto dela. Apresentando cenários artificiais e falas estilizadas, tem

representantes na maioria das produções de Hollywood e se prestam a popularizar os clássicos

do teatro e entreter as multidões. A segunda subcategoria é a das adaptações literárias que, para

Kracauer, “só fazem sentido quando o conteúdo do romance se baseia firmemente na realidade

objetiva, não na experiência mental ou espiritual.” (ANDREW, 1989, p. 127). Portanto são os

romances realistas e naturalistas os indicados para as adaptações cinematográficas. A terceira

subcategoria, para Kracauer o gênero cinemático ideal, foi chamada de “enredo encontrado” e

resulta da descoberta, na realidade, de um tema, de um assunto que será então abordado no filme

com intenções documentais. Tal enredo não será inventado, mas reconhecido na realidade; e será

então aberto, não-interpretado e indeterminado. Segundo Andrew (1989, p. 128), “nunca nesses

filmes um indivíduo inicia uma trama, pois a trama deve vir da própria realidade. O indivíduo

39
existe nesses filmes para revelar as dimensões humanas de uma situação ampla e objetiva, para

fazer com que nós, como espectadores, a vejamos profunda e apaixonadamente”.

Kracauer apontou ainda como conteúdos não-cinemáticos aqueles dos filmes que

privilegiam ou procuram colocar na tela um determinado raciocínio conceitual (pois são obras

organizadas por sistemas lógicos fechados, ilustrados por imagens), e também aqueles de gênero

trágico, uma vez que neles há preocupação exclusiva com as questões humanas, há a

pressuposição de um cosmo finito, ordenado, sem espaço para o fortuito e o acidental.

Para Kracauer, o objetivo do cinema seria proporcionar ao homem uma espécie de

reaproximação, re-sintonização com o mundo, com a realidade, com a terra. Segundo ele, o

homem contemporâneo vive imerso no vazio que se seguiu ao desaparecimento e à fragmentação

das ideologias; e a ciência, entronizada como um novo deus no centro da cultura, com seus

métodos analíticos e suas construções abstratas, tampouco é capaz de realizar esta

reaproximação. Mas o cinema, para Kracauer, com sua capacidade de plasmar a realidade, de

nos chamar a atenção para as coisas do mundo, segue os padrões da natureza e é capaz portanto

de deixar “o mundo dos objetos falar conosco diretamente” (ANDREW, 1989, p. 131),

promovendo uma nova conexão com “o mundo que eliminamos em troca do conhecimento

científico geral.” (ANDREW, 1989, p. 132).

André Bazin – cinema: a arte do real

Nome mais importante da teoria realista do cinema, André Bazin deixou uma obra

influente e consistente. Um dos responsáveis pelo surgimento da revista Cahiers du Cinema,

Bazin foi o mestre de uma importante geração de brilhantes cineastas franceses (Truffaut,

40
Rohmer, Godard, Chabrol) que, em seus filmes, procuravam passar para a tela as idéias que

surgiam na teoria de Bazin. Morreu muito cedo, aos quarenta anos.

Para Bazin, o cinema é a arte do real. Tal noção, segundo Andrew (1989) se baseia nas

concepções que tinha Bazin sobre a fotografia, que julgava capaz de produzir dois tipos de

sensações ou impressões realistas. A primeira sensação deve-se, para Bazin, à capacidade da

fotografia (e do cinema) de realizar um registro do espaço, da espacialidade dos objetos e dos

espaços entre eles. A segunda sensação é produzida pois a fotografia surge de um procedimento

mecânico, onde o homem intervém pouco ou nada, sendo capaz então de resultar num registro

objetivo, fiel à realidade, pois destituído da interferência de uma pessoa. À crítica que pode ser

feita de que os aparelhos que registram a fotografia e as imagens dos filmes são criados pelo

homem, Bazin diz que “o homem criou essas invenções e trabalha com elas a fim de que a

natureza penetre no celulóide, onde pode ser preservada e estudada.” (ANDREW, 1989, p. 143)

Para Bazin, a matéria-prima do cinema não é a realidade, mas o desenho que esta deixa

no celulóide quando a câmera é acionada. Segundo Andrew (1989, p. 144), tais desenhos têm

duas importantes propriedades; primeiro, “são geneticamente ligados à realidade que espelham,

como um molde está ligado a seu modelo (...) e, segundo, já são compreensíveis”, não

necessitando de decifrações, como um raio-x ou um eletrocardiograma. Bazin chamou tais

desenhos de “assíntotas da realidade”, pois se colocam ao lado desta, cada vez mais próximos.

Pensava também que os cineastas poderiam utilizar esta matéria-prima de várias formas

diferentes, mas sempre levando em conta sua natureza realista, fazendo então com que o filme

assuma uma forma adequada ao seu material.

Andrew (1989, p. 147) aponta que “Bazin percebia uma articulação causal entre a forma

de um filme e o seu modo” – modelo cinemático (linguagem). Esta percepção se traduziu, em

41
sua obra, por um estudo sistemático das relações entre gênero (forma) e estilo, sendo o primeiro

o responsável pela significação em um filme e o segundo aquilo que lhe confere um significado.

Para Bazin, os “desenhos da realidade” impressos no celulóide podem ser usados pelo

cineasta de duas formas: para transformar a realidade empírica em signos que falam de alguma

verdade estética ou retórica não explícita (abordagem formativa), ou para deixar que o mundo

fale por si mesmo, exponha a sua verdade (explícita, impressa no celulóide).

Bazin diferia dos teóricos tradicionais do cinema devido a algumas posições: ele

acreditava na possibilidade do uso da imagem sem enfeites, limpa, como forma ideal de

expressar a realidade; ele acreditava que a linguagem cinematográfica era mais que uma lista de

efeitos técnicos associados a determinados significados prévios; ele acreditava que o cinema era

uma espécie de novo sentido para o homem, que, ao usá-lo, poderia perceber e conhecer coisas

sobre a realidade de outra forma impossíveis de acessar.

No processo de transposição de um objeto da realidade para o filme, na forma da

representação, intervêm categorias que Bazin chamou de “plasticidade da imagem” e “recursos

da montagem”, e que influenciam a maneira como vemos os objetos representados. Seus

comentários sobre estas categorias são também usados por ele como parte de sua defesa da

abordagem realista, ou, da sua tentativa de mostrar que o significado cinemático se apresenta

num continuum que vai dos filmes mais realistas até aqueles mais abstratos.

No campo da plasticidade da imagem, Bazin sempre defendeu os desenvolvimentos

técnicos do cinema que aproximassem a percepção que temos do filme da nossa percepção

natural. Som, cor, tela panorâmica, haviam aparecido para realizar esta aproximação. Ao mesmo

tempo, convenções (como a superposição) não deveriam ser utilizadas no cinema, assim como

outras formas de estilização; para Bazin, ambas são a essência do teatro. Sua concepção de

cinema realista incluía a noção da tela do cinema como uma “máscara que mostra apenas uma

42
parte da realidade”, mas que considera que o que não é mostrado continua existindo lá, como

realidade não mostrada. Esta concepção relaciona-se àquilo que Andrew (1989, p. 156) aponta

como uma conclusão central da teoria de Bazin: “a visão de um artista deveria ser determinada

pela seleção que ele faz da realidade, não por sua transformação dessa realidade”; e, este

processo de seleção é variável importante nas características plásticas da imagem.

Os filmes de Jean Renoir eram para Bazin a mais perfeita expressão desta visão realista

do cinema. Nestes filmes, o uso da profundidade de campo (mesmo antes de Welles), a intensa

exploração das entradas e saídas das personagens do campo (plano), a recusa do uso da

retroprojeção (quando ele podia obter um efeito muito mais orgânico e verdadeiro filmando em

locação), resultava num mundo que surgia como verdadeiro e que deixava suas figuras

(personagens, objetos) falarem da mesma forma como somos atingidos na percepção que temos

quotidianamente. Estética chamada de “estilo neutro” devido à ausência de intervenções

formativas na imagem, tal abordagem exigia da platéia “não a compreensão do significado

daquilo que o cineasta está criando, mas o reconhecimento dos níveis de significado na própria

natureza.” (ANDREW, 1989, p. 156). É aí mesmo, no âmbito da construção realista da imagem

que Bazin vê espaço para o uso simbólico no cinema, desde que tais “correspondências” nasçam

da própria realidade (segundo ele, este é o caso dos diretores do neo-realismo italiano).

Quanto à segunda categoria mencionada acima, os recursos de montagem, a sua

discussão surge no âmbito da tentativa de responder à pergunta: como é que um evento pode ser

mostrado no cinema? (assumindo o evento como a unidade básica do registro cinematográfico).

Bazin então concebe duas formas diferentes de montagem. No primeiro tipo de montagem,

chamada por Andrew (1989) de montagem “atmosférica”, os eventos representados não

acontecem de fato em frente à câmera cinematográfica, mas são justamente simulados,

construídos através da montagem. Trata-se de uma forma de montagem associada ao cinema

43
mudo, na qual as imagens são reunidas e postas numa ordem de acordo com algum princípio

abstrato de argumento, drama ou forma. Pudovkin nos oferece vários exemplos deste tipo de

montagem quando cria uma explosão reunindo pedaços de filme, ou quando cria “alegria”

montando imagens de uma criança sorrindo, um rio, um prisioneiro que será libertado. Para ele

trata-se aí de “levar o espectador passo a passo a aceitar sua compreensão dramática de um

evento.” (ANDREW, 1989, p. 159). Os comerciais de televisão são apontados como os herdeiros

deste tipo de montagem.

Um segundo tipo de montagem, chamada de montagem psicológica, tem prevalecido

desde o surgimento dos filmes sonoros e hoje é francamente hegemônica. Nesta forma de montar

o filme, a decupagem é previamente concebida pelo diretor no sentido de quebrar o filme em

planos e depois colocá-los numa seqüência que procura simular a própria atenção do espectador,

o movimento e ritmo de seus olhos, caso ele estivesse realmente presenciando o desenrolar da

cena que vê na tela. A montagem que alterna plano e contraplano de duas pessoas que estão

conversando é um exemplo bem conhecido. A montagem psicológica é uma das marcas

características do cinema clássico de Hollywood, contexto no qual é também chamada de

montagem invisível, pois é construída de tal maneira a justapor os planos do filme de forma

muito discreta, sem chamar a atenção do espectador para estas mudanças, na verdade,

objetivando que elas não sejam mesmo notadas, que passem como invisíveis na tela,

proporcionando ao espectador a sensação (a ilusão) de que assiste ao evento em sua inteireza,

desenrolando-se num continuum espaço-temporal.

A estes dois tipos de montagem, Bazin opôs a chamada técnica da “profundidade de

campo”, que se utiliza da combinação de lentes do tipo grande-angular e pequenas aberturas do

diafragma da câmera cinematográfica para criar imagens nas quais todos os objetos estão em

foco, desde aqueles próximos à lente até o infinito. Isto permite desenvolver a ação do filme com

44
as personagens movimentando-se dentro do quadro (em planos longos) e não cortando a ação em

vários planos diferentes para depois montá-los. Bazin prefere esta técnica às outras formas de

montagem pois a considera mais realista e próxima à maneira como naturalmente processamos

os eventos, enquanto que a montagem propriamente dita é um estilo menos realista, pois trabalha

tanto o espaço como o tempo de forma abstrata, com o objetivo de criar uma continuidade

mental. Para Bazin, os filmes de Orson Welles apresentavam um uso exemplar desta técnica.

O plano geral, além de freqüentemente usado com grande profundidade de campo, tinha

ainda para Bazin a vantagem de introduzir uma certa ambigüidade à imagem, uma vez que não

dirige o olhar do espectador, ao contrário, permite que este vagueie pela imagem, eleja nela o

que há de mais importante. No caso da montagem psicológica, esta liberdade não é dada ao

espectador, seja porque a abrangência espacial do plano é restrita, como porque, segundo Bazin,

para que este tipo de montagem funcione, seus planos fragmentados têm de ter um significado

definido, sem ambigüidades. Outra técnica associada a estas duas (filmagem em profundidade e

plano geral) é o reenquadramento, que se realiza para “seguir a ação”, ao invés de cortar o plano

e montar algum outro ao seu lado.

Apesar de sua posição favorável ao uso da técnica da profundidade de campo, Bazin não

defendia a eliminação das outras formas de montagem, simplesmente acreditava que alguns

filmes se beneficiam mais de uma abordagem que de outra, e, que a profundidade de campo

sempre seria mais adequada aos filmes que se pretendessem realistas.

Com relação à questão da importância ou do objetivo do cinema para Bazin, Andrew (1989)

acredita que ele mantinha duas concepções simultâneas sobre o assunto: na primeira,

influenciada pelo seu amor pela natureza, o cinema nos auxiliaria no processo de descoberta do

mundo, da natureza, da realidade; na segunda concepção, o cinema era visto como uma entidade

intrinsecamente valiosa e em contínuo desenvolvimento, como um organismo; e ele se

45
preocupava com os destinos do cinema no futuro, desejando que ele continuasse evoluindo para

formas mais variadas e pessoais. Além disso, assim como Kracauer, Bazin acreditava que “o

cinema pode proporcionar uma compreensão comum, não-ideológica, da terra, a partir da qual os

homens podem começar a forjar novas e duradouras relações sociais.” (ANDREW, 1989, p.

172).

1.3. Teorias compreensivas

Embora essa designação não esteja presente no texto de Andrew, ela é empregada aqui para

reunir as abordagens que privilegiam os processos significativos desencadeados pelas estratégias

produtivas ou os efeitos de sentido constitutivos da recepção estética.

Jean Mitry – cinema: percepção que se torna linguagem

Mitry, contemporâneo da época de ouro do cinema mudo, é o responsável por uma

abordagem bastante moderna no campo das teorias do cinema. Com seu livro Esthétique et

psychologie du cinema (1963-1965), ele instaura uma nova abordagem dos estudos do campo,

uma abordagem acadêmica, científica, sistemática, que procura considerar com cuidado cada um

dos problemas da teoria do cinema, ao invés de simplesmente manifestar e defender sua visão

pessoal sobre o tópico, como haviam feito vários teóricos anteriores.

A concepção que tem Mitry da matéria-prima do cinema, segundo Andrew (1989, p. 192)

é a da “imagem que nos dá uma percepção imediata (não mediada, não transformada) do

mundo”, existindo (...) “ao lado do mundo que representa.” A característica mais importante de

tais imagens, para Mitry, é o próprio fato de elas surgirem na tela porque foram escolhidas,

46
compostas e colocadas lá por uma pessoa, que, desta forma, as investe de significado,

encaminhando-as de uma determinada maneira ao nosso olhar, oferecendo-as a nós como uma

espécie de versão do mundo daquele cineasta.

Tais imagens possuem determinadas peculiaridades; uma delas, o enquadramento, ao

mesmo tempo que nos esconde a realidade, pois seleciona os seus elementos, também organiza

os elementos e objetos que aparecem dentro do quadro. Numa outra perspectiva, o

enquadramento confere ao mundo uma determinada orientação proposta pelo cineasta (aspectos

estéticos da imagem), mas, ao mesmo tempo, naquela imagem o mundo surge, “lembrando-nos

que existem outros incontáveis modos de vê-lo.” (aspectos psicológicos da imagem) (ANDREW,

1989, 194).

Na sua visão, a montagem tem um papel análogo àquele dos nossos sentidos, constituindo

e disseminando no espaço e no tempo os objetos que percebemos. Sua concepção de montagem é

bastante ampla e inclui mesmo cenas de um único plano onde a câmera se movimenta (pois este

movimento coloca em relação as várias “imagens-objetos” que surgem na tela) ou em que a

câmera permanece parada, fixa num mesmo ângulo, mas captando imagens de objetos que se

movimentam e se relacionam dentro do plano. Nestes dois exemplos, não há a ocorrência da

montagem como conceito clássico (a justaposição de dois planos distintos), mas Mitry entende

que a inter-relação de diferentes elementos num único plano, tem efeito semelhante, transmitindo

um nível de significado maior do que aqueles elementos isolados ou numa configuração em que

não estão em relação. Mitry associa à narrativa este nível de significação.

São três os níveis de significação que podem se apresentar na imagem cinematográfica,

pensava Mitry. O primeiro nível é o da percepção, que capta a imagem cinematográfica enquanto

um análogo visual da realidade; o segundo é o nível da narrativa e da seqüência das imagens,

através das quais fala e significa o cineasta que as cria e ordena; o terceiro nível é o do

47
significado abstrato, geralmente presente nos filmes mais importantes e artísticos e que se coloca

um nível acima do significado óbvio do enredo. Ele associa estes níveis superiores do significado

cinematográfico ao significado puramente poético, afirmando que a história da arte

cinematográfica é a história das técnicas poéticas e não dos temas ou das histórias.

Com relação às experiências de cineastas da escola russa, que procuraram através da

montagem dirigir-se diretamente às faculdades mais abstratas da mente, superando assim a

narração, Mitry defende que o cineasta deve primeiro oferecer ao espectador um mundo, para

que depois aquele possa reconhecer as abstrações ali apresentadas. A relação abstrata que pode

haver entre dois planos não existe em si mesma, mas depende da experiência do espectador, do

conhecimento que este tem do mundo, de uma lógica adquirida em suas experiências com a

realidade. Ao contrário da literatura, na qual “signos abstratos (palavras) geram conceitos em

nossas mentes” (ANDREW, 1989, 201), no caso do cinema, “todo significado abstrato (...) deve

basear-se primeiro em nossos sentimentos concretos”, a partir de imagens concretas, análogos

visuais da realidade. Por isso ele se opõe ao uso da chamada montagem intelectual, tão praticada

por Eisenstein, observando que não se pode controlar ou dirigir o significado que se produz

quando se justapõe dois planos de filme.

Com exceção das críticas acima, Mitry defende uma posição de compreensão e respeito

por todos os tipos de montagem. Para ele, a montagem narrativa, praticada por Hollywood,

simula a lógica perceptiva que temos em nossa vida cotidiana, desta forma criando a ilusão

perfeita do universo ficcional. Estabelecida como uma fórmula hegemônica, outros modelos de

montagem a ela se opõem. Uma delas é a chamada “montagem lírica”, através da qual o cineasta

procura criar momentos de grande intensidade dramática, como uma ênfase de alguma situação

real. Tal montagem encontra em Pudovkin seu mestre (como já vimos quando abordamos a

teoria de Eisenstein), com trabalhos de montagem organizados em decupagens

48
ultrafragmentadas, que simulam de forma enfática a ocorrência de um evento (que na realidade

nem acontece realmente diante da câmera).

No caso da montagem reflexiva, para Mitry aquela que se apresenta em quase todos os

grandes filmes, o cineasta joga com diversos elementos do plano (e também de planos não

contíguos, ao longo do filme), à maneira de sobretons, fazendo com que se comuniquem, com

que seus efeitos e influências se acumulem, construindo assim uma linha de significado “ao

lado” da narrativa, com freqüência de natureza simbólica.

Se Mitry adota uma perspectiva bastante plural quanto aos estilos presentes nas obras de

cinema, tal pluralismo não se reflete no âmbito da forma, onde algumas delas receberam críticas

suas. Mitry criticou os filmes expressionistas e aqueles baseados em ritmos abstratos. Tais

filmes, em sua opinião, recusam a vocação natural do cinema (trabalhar com imagens análogas

àquelas de nossa percepção visual do mundo), para criar uma espécie de pintura cinemática (as

construções visuais do expressionismo) ou de música cinemática. Uma terceira forma criticada

por Mitry é a obra cinematográfica que pretende copiar de alguma forma as estruturas dramáticas

das peças teatrais. Também para ele o cinema só se torna arte quando abandona o ponto de vista

imutável e o tempo contínuo das cenas. Outra característica do teatro inadmissível de ser

transposta para o cinema (uma vez que feriria sua essência) é o que ele chama de “dramaturgia”

e que diz respeito à estilização da mise en scène, onde o homem se encontra num mundo abstrato

(o cenário), acompanhado de alguns poucos objetos e, neste mundo, desempenha seu papel

diante de outros homens ou de Deus; ao final, o conflito que o move alcança resolução final e

completa. Na dramaturgia cinemática, ao contrário, o que é retratado é o drama do homem no

mundo, que, atravessado por uma série de contingências, não admite resolução total. Assim, o

cinema se aproxima muito mais do romance, uma vez que ambos criam mundos humanos onde

estão presentes os acidentes, as contingências, as interdependências sociais e físicas.

49
Para Mitry o cinema é percepção que se torna uma linguagem, sendo que esta não é a que

falamos, mas a linguagem da arte ou da poesia. O filme, assim, pode muito mais propriamente

ser abordado a partir da poética que da lingüística. O jogo poético que se estabelece aí deriva do

trabalho com as “percepções brutas da realidade” (ANDREW, 1989, p. 208) (as imagens) que o

cineasta escolhe e ordena, fazendo irradiar delas determinados significados.

Essa tensão entre uma realidade bruta que reconhecemos e o conjunto de significados

associados a ela (ou produzidos a partir dela), nos oferece uma nova perspectiva do mundo (a do

cineasta) que vem enriquecer a nossa própria visão pessoal do mundo e da vida. Nestas visões

diferentes que podemos acessar através dos filmes, vemos o mundo em processo, se

transformando, ao contrário de outras artes, que o apresentam já num estado final.

Christian Metz – cinema: significante imaginário

Ao contrário de teóricos anteriores, que muitas vezes se preocuparam em construir uma

visão teórica genérica e pouco sistematizada sobre o cinema, Metz introduz uma abordagem que

se pretende científica, aproximando-se de forma sistemática de cada um dos problemas da teoria

do cinema. Seguindo os passos de Charles Pierce e Ferdinand de Saussurre, chama seu

empreendimento de uma “semiótica” do cinema, tendo como objetivo a descrição exata dos seus

processos de significação.

Metz divide o campo do cinema em duas partes, a fílmica e a cinemática. A primeira

compreende as várias relações que o cinema estabelece com outras atividades sociais (produção,

recursos humanos e tecnológicos envolvidos, as relações de todo tipo com a platéia) e a segunda

diz respeito aos temas restritos aos próprios filmes, tomados isoladamente, sem considerar as

50
estruturas de produção ou os diferentes efeitos da obra. Esta segunda parte é que é o objeto de

estudo da semiótica cinematográfica de Metz.

Para Metz, a matéria-prima do cinema são os canais de informação a que prestamos atenção

quando assistimos um filme. São os seguintes:

1. Imagens que são fotográficas, em movimento e múltiplas;

2. Traços gráficos que incluem todo o material que é lido, em off;

3. Discurso gravado;

4. Música gravada;

5. Barulho ou efeitos sonoros gravados.

É no significado desta mistura de materiais que o semiótico está interessado. Como a televisão

também pode apresentar estes mesmos materiais, Metz acredita que a diferença entre esta e o

cinema é uma diferença cultural e não semiótica.

Construindo sua semiótica do cinema a partir da lingüística, no começo de sua carreira

Metz perguntou: “De que maneira e até que ponto o cinema é como a linguagem verbal?”

Investigando inicialmente as relações entre significante e significado, ele aponta que, ao

contrário da linguagem verbal, onde estes são entidades distintas e pareadas de forma

completamente arbitrária, no cinema os significantes apresentam-se intimamente ligados aos

seus significados, “as imagens são representações realistas e os sons, reproduções exatas daquilo

a que se referem.” (ANDREW, 1989, p. 219). Não existem no cinema, para Metz, unidades

menores, equivalentes aos fonemas da linguagem verbal; estes constituem um material de

expressão, enquanto que no cinema seriam cinco os materiais ou canais de expressão (conforme

já mencionado acima). Da mesma forma, com relação aos monemas (as unidades do

significado), Metz diz que no cinema nada há que se possa comparar a um substantivo e que,

51
uma imagem de um objeto na tela é como uma sentença, uma afirmação (por exemplo, eis uma

pessoa, eis uma casa ou um barco).

A idéia de uma gramática para o cinema também parece equivocada para Metz, pois no

processo das construções imagéticas do cinema, apesar de existirem certas regras que o cineasta

considera, estas não são tão complexas ou estritas quanto aquelas da linguagem verbal; nunca o

espectador podendo criticar um cineasta por uma construção equivocada gramaticamente, ou

sequer reconhecer uma tal construção.

De um ponto de vista funcional, tampouco há semelhança para Metz. Na linguagem

verbal, trata-se de uma troca entre pessoas, enquanto que no cinema o que ocorre é uma emissão

de uma fonte para uma platéia. Também não há no cinema um “uso básico”, prático de seus

canais de expressão, de forma semelhante como existe na linguagem verbal.

Independentemente de todas as críticas acima em relação às analogias propostas entre

cinema e linguagem, Metz sente-se à vontade para aplicar conceitos lingüísticos (como código,

mensagem, sistema, texto, estrutura, paradigma) ao cinema quando estes se referem à teoria geral

da comunicação. No cinema, isto é, nos filmes, os códigos são construções dos semióticos que,

assistindo a um determinado grupo de obras, formulam a existência de determinados códigos

(regras, formas lógicas) como sendo os responsáveis pela transmissão e compreensão das

mensagens. São três as características básicas dos códigos: os graus de especificidade, os níveis

de generalidade e a redutibilidade a subcódigos. A primeira característica aponta aqueles códigos

ditos específicos, inerentes ao cinema, não encontrados em nenhuma outra forma de expressão

(Andrew aponta a montagem acelerada como o exemplo favorito de Metz), assim como também

relaciona outros códigos que o cinema partilha com outras artes (como a interpretação ou a

iluminação). A segunda categoria, que aborda os níveis de generalidade dos códigos, divide-os

em códigos gerais e específicos; os primeiros estão (ou podem estar) presentes em todos os

52
filmes e podem ter diferentes significados a depender do seu emprego (o plano geral é um

exemplo); os segundos são encontrados apenas num determinado grupo de filmes e costumam

caracterizar um gênero (western, noir), a produção em um certo período da história do cinema,

ou ainda o conjunto dos filmes de um autor de cinema. Nestes casos, estes códigos têm um

significado limitado, estrito. A terceira característica, a da redutibilidade a subcódigos, observa

os diversos tipos de usos que um código pode apresentar (são chamados de subcódigos) ao longo

da história do cinema; freqüentemente são soluções para os problemas de criação de significado

nas obras fílmicas. Um exemplo são as várias formas (códigos) de interpretação dos atores em

diversos períodos da história.

As noções de sistema e texto apresentam-se também pareadas na teoria do cinema de

Metz. O texto é o desenvolvimento manifesto da obra, do filme, aquilo que se desdobra

temporalmente diante dos olhos do espectador e, também, o lugar onde se encontram todas as

mensagens do filme. Pode-se considerar um texto maior ou menor que um filme específico

quando se considera que “o texto é um conjunto de mensagens que sentimos que deve ser lido

como um conjunto” (ANDREW, 1989, p. 227), abrangendo assim outros filmes de um

determinado gênero, uma série ou os filmes de um mesmo cineasta. O texto como um todo

também influi sobre os códigos nele presentes, determinando-os, alterando-lhes o significado.

Segundo Andrew (1989, p. 225), “o texto organiza as mensagens de um filme ao longo de dois

eixos, o sintagmático e o paradigmático”. O primeiro eixo é aquele vinculado ao desdobramento

seqüencial do filme, que apresenta, no seu desenrolar, suas mensagens e significados produzidos

nas relações de contigüidade entre os planos e as cenas do filme. O eixo paradigmático é aquele

no qual os significados são o produto das associações de diversos elementos do filme, não

necessariamente dispostos em contigüidade e que se aproximam e se atraem por uma lógica de

afinidade ou semelhança. Já o sistema do filme é sempre uma construção do crítico ou analista, e

53
corresponde a uma espécie de estrutura lógica que garante (ou propõe) a inteligibilidade do

filme. Voltaremos a ver com mais detalhes estas noções de texto e sistema do filme, em Metz,

em seção posterior desta dissertação.

A reflexão e o estudo da forma cinematográfica realizada pelo semiótico passa por uma

perspectiva histórica no sentido de que o convoca a optar por um dos dois campos de pesquisa:

projetar ou apontar um determinado futuro para o cinema, baseado no conjunto de possibilidades

cinemáticas não exploradas pelos realizadores do passado ou pelos atuais ou, por outro lado,

voltar-se para a história prévia do cinema e, observando a maneira como os códigos foram sendo

utilizados ou derivados em subcódigos, explicar porquê foram feitas aquelas escolhas, ao invés

de outras. Metz escolheu o segundo caminho. Para realizar este projeto, ele retoma de Mitry a

abordagem da análise destes três níveis de significado: o realismo da imagem, o papel modelador

da narrativa e as conotações superiores de um filme, concentrando-se nas duas primeiras. Com

relação à impressão de realidade no cinema, Metz a atribui à “interação da atividade mental com

as propriedades físicas brutas da imagem cinematográfica” (ANDREW, 1989, p. 230),

acreditando que a mente tem uma necessidade de perceber um mundo através da percepção (a

presença do movimento na tela trabalhando a favor daquela impressão). Posteriormente ele passa

a investigar o que permite ao espectador perceber as coisas como reais e quais são os códigos

que são acrescentados às imagens, já que não concebe qualquer imagem “pura”.

Na abordagem da narrativa, Metz acredita que esta é um discurso que se adequa

perfeitamente ao cinema, já que sua unidade básica, a afirmativa, encontra na imagem do plano

cinematográfico (posição sua mencionada anteriormente) um perfeito equivalente. Esta visão

desemboca no famoso texto “A Grande Sintagmática do Filme”.

Na reflexão de Metz que se vincula à questão dos objetivos do cinema, está a pergunta

sobre como a sociedade, historicamente, reprimiu o uso de determinados códigos do cinema,

54
“preferindo” outros, que se fortaleceram e se tornaram hegemônicos na forma do cinema

narrativo convencional. Segundo Andrew (1989), críticos de Cahiers du Cinema e Cinéthique

acusam aquele tipo de cinema de apoiar uma ideologia dominante repressiva que propaga uma

mentira que não é outra senão a insistência da nossa cultura na representação do real. Tal

concepção ignora as idéias científicas contemporâneas sobre a realidade e as características

estritas do aparato tecnológico do cinema. Os marxistas, diante de tal cenário, e mostrando que a

câmera cinematográfica não é neutra, acreditam que é papel do cinema ajudar a criar uma nova

cultura, uma nova visão de mundo que interrompa o processo de repressão dos desejos ditado

pela burguesia. Eles defendem um cinema que exponha ao espectador o próprio processo de

criação através de suas imagens e história, ao invés de oferecer-lhe uma ilusão. Segundo Andrew

(1989), uma parte da cinematografia de Godard é exemplo desta proposta de cinema.

A semiótica entraria exatamente neste processo, apontando para um cinema do futuro, ou

seja, um cinema de possibilidades ainda não experimentadas ou reprimidas. Tal processo exigiria

responsabilidade, pois seria um movimento de criação de novos significados, que por sua vez,

não deveria ser acessível às influências da ideologia dominante. Este então é o projeto de Metz e

outros semióticos: criticar o cinema atual (libertando-o), apontar para um novo cinema possível

que possa por sua vez nos libertar através da construção de uma nova visão de mundo. Assim,

afirma Andrew (1989, p. 239), “a semiótica, que começou como uma tentativa de tratar o cinema

cientificamente, logo adotou uma visão total do mundo e uma ética”, influenciadas pelo

pensamento de Marx e Freud. No entanto, ele também afirma que é difícil dizer que a semiótica

venha funcionando apenas dentro desta dogmática visão de mundo.

55
Amédée Ayfre e Henri Agel – cinema: experiência e contemplação

No último capítulo de seu livro, Dudley Andrew apresenta as teorias de Amédée Ayfre e

Henri Agel. Os dois são apresentados juntos, provavelmente, pelo fato de se filiarem

teoricamente à fenomenologia, mas, principalmente por não terem explorado, segundo Andrew

(1989), de forma sistemática e abrangente as possibilidades de uma teoria fenomenológica do

cinema. Por sua vez, isto é atribuído à morte prematura de André Bazin, em 1958 e de Ayfre, em

1963.

A abordagem destes autores, baseada na fenomenologia, situa a obra de arte como um

objeto singular, “absoluto” e quer colocar em primeiro plano a experiência que tem o fruidor

com a obra. O trabalho do teórico, desta forma, será perseguir “uma visão que transparece

através de sua experiência, tentando explicá-la, descrevê-la ou ampliá-la.” (ANDREW, 1989, p.

242). Propõe-se abordar a obra “de dentro”, submetendo-se a ela e à experiência vivida neste

contato, pois o trabalho de arte “existe apenas para experiência e apenas se experimentado.”

(ANDREW, 1989, p. 243). Assim, na perspectiva destes autores, são equivocadas as abordagens

mais comuns, que “partem de fora” em direção à obra, munidas do instrumental teórico de

campos como a psicologia, lingüística ou a semiótica. Para os teóricos fenomenologistas, a

verdade da obra que se pretende alcançar é acessível somente através da experiência da fruição,

não pode ser reduzida à lógica ou alcançada através da análise.

O lugar de prevalência conferido à experiência da fruição nesta abordagem está ancorado

na concepção de arte de Merleau-Ponty, segundo a qual esta é “uma atividade primária, um

modo natural, imediato e intuitivo de compreender a vida.” (ANDREW, 1989, p. 243). Uma

abordagem que privilegia a razão, com seu instrumental que disseca e analisa a obra seria

56
inadequada, pois desfiguraria tais processos primários. Segundo Andrew (1989, p. 243-244),

“Merleau-Ponty acredita que as atividades primárias, e especialmente a arte, são passagens que

levam para fora dos labirintos inúteis da lógica e para dentro das riquezas da experiência.”

Para Agel, o artista coloca na obra analogias e correspondências do mundo que o

espectador acessa quando a ela se submete. Na sua visão, os semióticos valorizam somente

aquilo que chama de cinema de “significado” e que tem em Eisenstein seu maior expoente,

negligenciando assim outro tipo de cinema, um cinema de “contemplação”, representado por

cineastas como Flaherty, Dreyer, Mizoguchi, Rossellini e Renoir, que permitem que o sentido

deslize em suas imagens que, por sua vez, deixam falar a natureza. Na visão de Agel, a

montagem de Eisenstein expressa uma invasão, no universo fílmico, de uma abordagem analítica

e violenta da vida, sintoma do desajustamento do homem na vida. Os autores do cinema de

contemplação, por outro lado, “pacientemente procuram as analogias proporcionadas pela

experiência concreta para alcançar uma realidade transcendente.” (ANDREW, 1989, p. 245)

Andrew fala também de duas crenças principais de Agel que não são cruciais para a

fenomenologia. Primeiro, ele acredita que determinados filmes são especiais, qualitativamente

diferentes da maioria das obras exibidas na televisão e nos cinemas, crença esta que aponta para

uma espécie de ética da feitura de filmes. Segundo, com relação à questão da transcendência,

Agel acredita que em momentos especiais, o cinema pode nos levar ao domínio do absoluto, e

que este é bom e importante para nós. Os críticos de Agel apontam que sua abordagem restringe

o estudo do cinema apenas a alguns momentos de determinados filmes especiais.

Segundo Andrew (1989, p. 247), os primeiros ensaios de Amédée Ayfre se constituem

numa espécie de ética do cinema neo-realista, mostrando que este movimento foi o único da

história do cinema até aquela data a “utilizar a plena capacidade do veículo para contar os

acidentes da vida”, ilustrando assim um “incessante diálogo do homem com a realidade física”.

57
Partindo dessa noção de diálogo, pode-se examinar o cinema a partir da posição do autor,

procurando ali a sua visão de mundo; pode-se focalizar a platéia, observando nela a repercussão

do filme e as mudanças comportamentais que gera; pode-se visar a própria realidade, procurando

nas imagens do filme algum tipo de verdade ou conhecimento científico. Mas “é apenas quando

consideramos o cinema em sua totalidade, que encontramos sua verdade humana” (ANDREW,

1989, p. 248). Tal verdade só existe quando se experimenta o filme, não se acessa num processo

de decomposição analítica. A objeção dos semióticos, por sua vez, é a de que Ayfre nunca

menciona o sistema de signos que une o autor, a realidade e a platéia. Negligência esta, segundo

Andrew (1989, p. 249), “típica da fenomenologia.”

Para Ayfre, apenas algumas imagens de um filme são expressões autênticas de uma visão

pessoal e, neste sentido, a maioria dos filmes precisa ser chamada de propagandístico (o diretor

ocupa um papel de poder e urge o espectador a se submeter a ele) ou de pornográfico (as

necessidades eróticas ou psicológicas do espectador se torna o objetivo da experiência e o foco

dos esforços do cineasta). O outro tipo de cinema, na visão de Ayfre, “amarra o cineasta e o

espectador juntos num diálogo com a terra (...)”(ANDREW, 1989, p. 250)

Ainda na perspectiva do diálogo, Ayfre concebe uma reciprocidade entre a imaginação e

a razão “que nos permite ampliar nosso conhecimento da vida e nossa capacidade de expressar o

mundo.” (ANDREW, 1989, p. 250). As imagens geradas a partir deste processo sofrem, segundo

ele, o perigo da possibilidade da censura quando nem chegam até nós e, também, o perigo do uso

de tais imagens a serviço, como instrumento do pensamento cognitivo.

Esta abordagem prevê um momento especial que une nossa experiência do filme à nossa

vida cotidiana, e que é, justamente o momento em que, após termos visto cuidadosamente o

filme, voltamos ao mundo “com sua experiência em nossos corpos” (ANDREW, 1989, p. 252) e

58
somos então convidados a deixar trabalhar dentro de nós as imagens do filme, proporcionando-

nos assim uma nova perspectiva para o nosso olhar diante do mundo.

59
2. TEORIAS DO CINEMA E ANÁLISE FÍLMICA

2.1. Atomismo e “deslumbramento participante”


Exame da proposta de análise fílmica de Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété

Estamos acostumados a encontrar nos cadernos de cultura dos jornais uma seção dedicada

ao cinema, na qual um colunista assina um texto sobre um ou mais filmes, geralmente obras que

entraram em cartaz naquele dia ou semana. A extensão, profundidade e qualidade destes textos

varia de acordo com o jornal e o colunista, mas são quase sempre textos curtos, com o objetivo

de apresentar o filme ao leitor, informando-lhe alguns detalhes sobre o enredo, produção, elenco,

sua posição no mercado cinematográfico (prêmios obtidos, bilheteria, carreira realizada até ali) e,

às vezes, algo sobre suas características estéticas. É, geralmente, portanto, um texto mais

informativo do que analítico. É interessante notar, no entanto, que encontramos estes textos

redigidos nos mais diversos estilos e abordagens, dando-nos a impressão de que seus autores têm

completa liberdade para escrever o que querem e que trabalham sem seguir uma metodologia

específica que possa ser identificada, chegando freqüentemente ao caso em que alcançam

posições muito distintas sobre um mesmo filme. Verifica-se também uma ampla gradação quanto

ao enfoque do texto, que pode ser mais sóbrio, “científico” e objetivo, até, num outro extremo,

um texto carregado de subjetividade, impressões pessoais, em que seu autor parece ter tanta

importância quanto o próprio filme.

Estas mesmas características com freqüência são também encontradas em um outro tipo de

texto, a análise de filmes ou análise fílmica, que encontramos em revistas especializadas em

cinema, publicações de associações de críticos de cinema e na produção universitária de cursos

de graduação e pós-graduação. Ao contrário das resenhas e comentários publicados nos jornais, a

análise fílmica tem como objetivo um exame mais profundo da obra, de suas características

60
poéticas e estéticas e da forma como ela se inscreve na tradição e história cinematográfica,

mantendo com estas um diálogo. Apesar do escopo mais abrangente e aprofundado, é

interessante que encontremos nestas análises aquele mesmo tipo de tensão entre posições

objetivas e subjetivas, entre um discurso mais sistemático e metodológico e outro, mais livre,

criativo e impressionista.

A seguir, discutiremos a construção deste objeto, a análise fílmica, sua forma, seu modo de

produção, as perspectivas que ele privilegia. Para tanto, tomaremos como objeto de exame a

proposta de análise fílmica apresentada no livro Ensaio sobre a Análise Fílmica (1994), de

Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété.

De início, os autores (Vanoye e Goliot-Lété) situam este tipo de produção, a análise fílmica,

como sendo realizada para satisfazer uma demanda institucional, quer seja um texto acadêmico

de graduação ou pós-graduação ou uma publicação (em livro ou periódico) sobre cinema. Mas,

excetuando-se este fim, para que mais pode servir uma análise fílmica? Ou, que ganhos tem o

leitor que a lê num livro ou revista? Segundo os autores, a análise de um filme pode proporcionar

ao leitor “prazeres específicos” em sua relação com o filme, uma vez que “desmontar um filme

é, de fato, estender seu registro perceptivo e, com isso, se o filme for realmente rico, usufruí-lo

melhor” (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 12). Para os autores, o processo de análise de

um filme passa necessariamente pelo seu exame técnico e resulta num processo de compreensão

da obra, processo este, ligado à origem dos prazeres específicos mencionados há pouco. Os

autores ainda dizem, logo adiante, que “o desafio da análise talvez seja reforçar o

deslumbramento do espectador, quando merece ficar maravilhado, mas tornando-o um

deslumbramento participante” (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 13).

Do que foi dito acima, duas noções importantes que trazem as posições dos autores sobre

o assunto podem ser depreendidas e serão detalhadas mais adiante. Primeiro, a forte atitude

61
atomista da abordagem, que quer “compreender” a obra analisando-a, desmontando-a,

esmiuçando-a em suas menores partes que são então observadas e estudadas isoladamente.

Segundo, a idéia de que o contato com a análise fílmica pode oferecer ao leitor (o espectador

comum de cinema ou especialista) uma relação de prazer “melhor”, superior com o filme, do que

aquela que ele teria apenas assistindo-o; ou seja, como se a experiência e a relação do

“espectador comum” com o filme fosse sempre e necessariamente inferior àquela que tem o

crítico ou o analista de filmes, e que este, através de sua “análise”, pudesse “iluminar” a

experiência daquele. Discutiremos adiante estas duas posições detalhadamente.

Sobre o método da análise de filmes

Vejamos como os autores entendem (e propõem) a atividade analítica aplicada aos filmes.

Segundo eles, ela se realiza em duas fases consecutivas. Numa primeira fase,

analisar um filme ou um fragmento é, antes de mais nada, no sentido científico do termo, assim
como se analisa, por exemplo, a composição química da água, decompô-lo em seus elementos
constitutivos. É despedaçar, descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais
que não se percebem isoladamente “a olho nu”, pois se é tomado pela totalidade. Parte-se,
portanto, do texto fílmico para “desconstruí-lo” e obter um conjunto de elementos distintos do
próprio filme. Através dessa etapa, o analista adquire um certo distanciamento do filme. Essa
desconstrução pode naturalmente ser mais ou menos aprofundada, mais ou menos seletiva
segundo os desígnios da análise. (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 15)

Numa segunda fase, o trabalho consiste em

estabelecer elos entre esses elementos isolados, em compreender como eles se associam e se
tornam cúmplices para fazer surgir um todo significante: reconstruir o filme ou o fragmento. É
evidente que essa reconstrução não apresenta qualquer ponto em comum com a realização
concreta do filme. É uma “criação” totalmente assumida pelo analista, é uma espécie de ficção,
enquanto a realização continua sendo uma realidade. O analista traz algo ao filme; por sua
atividade, à sua maneira, faz com que o filme exista. (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 15)

62
Vejamos inicialmente como se caracteriza a primeira fase do trabalho, na qual a

perspectiva fortemente atomista dos autores se mostra muito claramente já na associação da

palavra “análise” à sua conhecida acepção do campo das ciências exatas (principalmente na

química e física), onde se trata de quebrar o objeto de estudo sucessivas vezes, até que se consiga

isolar as suas menores (mínimas) partes que possuem características peculiares. Assim, na

química, quebra-se um fragmento de matéria para se chegar a uma molécula e, daí, aos seus

átomos, e destes átomos aos seus elétrons, nêutrons e prótons, e destes últimos aos mésons,

bósons, etc. Mas, e quanto à análise de filmes? Segundo os autores, podemos proceder da mesma

maneira e, portanto, já intuímos que podemos começar o trabalho “quebrando” o filme em suas

“partes constituintes”: as seqüências, as cenas, os planos, os elementos dos planos, a banda

sonora, etc. Nos perguntamos se seria realmente adequada a adoção de um mesmo método de

trabalho no estudo de objetos tão distintos como uma porção de matéria e um filme.

Vejamos mais de perto como colocam os autores:

analisar um filme ou um fragmento é, antes de mais nada, no sentido científico do termo, assim
como se analisa, por exemplo, a composição química da água, decompô-lo em seus elementos
constitutivos. É despedaçar, descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais
que não se percebem isoladamente “a olho nu”, pois se é tomado pela totalidade.

Se somos justamente “tomados pela totalidade” do filme, que sentido há em empreender

este esforço de esmiuçar a obra à procura de suas mínimas partes? As partes isoladas

necessariamente terão que ser articuladas com as outras partes da obra; afinal, é a totalidade, o

conjunto, o fluxo da obra que nos toma e arrebata. Dificilmente um discurso produzido por tal

empenho analítico pode pretender também falar desta totalidade que nos toma.

Parte-se, portanto, do texto fílmico para “desconstruí-lo” e obter um conjunto de elementos


distintos do próprio filme.

63
Ora, se estamos interessados em construir um discurso sobre uma determinada obra, um

filme, de que nos serve iniciar nosso trabalho com “um conjunto de elementos distintos do próprio

filme”? Pensamos que se partíssemos de elementos realmente distintos da obra, estaríamos assim

no caminho da construção de um discurso sobre um objeto inteiramente diferente do filme.

Através dessa etapa, o analista adquire um certo distanciamento do filme. Essa desconstrução
pode naturalmente ser mais ou menos aprofundada, mais ou menos seletiva segundo os desígnios
da análise. (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 15)

Lançar sobre o filme um tal olhar analítico “aprofundado” cria, provavelmente de

maneira artificial, os tais elementos “distintos” do filme mencionados acima, já que trata-se de

uma abordagem que perscruta, desejando encontrar, isolar um objeto.

Questionamos, assim, esta noção de “distanciamento” que o “analista” adquire em

relação ao filme e a partir da qual, como querem os autores, escreverá sobre a obra. Ora, nenhum

filme existe à distância, depositado numa estante ou em forma binária em um DVD. Um filme só

existe quando é “executado” por um espectador que o assiste; e, nesta configuração, que tipo de

distanciamento pode ser realizado em relação ao filme sem que este perca sua capacidade de se

atualizar para aquele espectador, se consideramos que esta atualização se dá na experiência de

assistir ao filme? Se um filme só existe quando alguém o assiste, ou, melhor, se assistir a um

filme é a própria experiência de vê-lo, pensamos que esta mesma experiência deveria ser parte

integrante do objeto sobre o qual se pretende falar. Não acreditamos ser possível ou interessante

destacar esta experiência da obra que acabamos de ter e pretender escrever apenas,

objetivamente, sobre o filme. Parece-nos improvável. Se assim fosse, como aliás já

mencionamos, analistas diferentes trabalhando nesta abordagem com semelhante empenho,

chegariam sempre aos mesmos resultados num exame sobre um filme, o que não se verifica.

64
Este ponto parece ser o vértice a partir do qual derivam as duas tendências observadas

nos discursos sobre filmes, aquela que se pretende objetiva e aborda o filme como um objeto

destacado e, a outra, mais pessoal e subjetiva, que inclui no texto o relato de algo da experiência

que teve o espectador-analista com o filme. Seria esta segunda maneira de trabalhar melhor, mais

correta que a primeira? Por outro lado, não estaria assim o analista, da mesma forma,

distanciando-se do filme, incorrendo no perigo de perder-se nos meandros de sua subjetividade,

história e experiências pessoais?

Como se pareceria uma análise fílmica produzida segunda as proposições dos autores

mencionados aqui? Certamente um tanto fria, distanciada, descritiva, artificial, objetiva,

facilmente estruturável, sustentando um tom lacônico para emular sua pseudo-objetividade e

imparcialidade. Provavelmente, acima de tudo, algo muito distinto da atmosfera do próprio filme

ou das sensações por ele provocadas num espectador comum (ou não tão comum assim). Por

outro lado, no outro extremo, como se apresentaria o texto daquele que escrevesse também sobre

sua própria experiência com o filme? Encontramos este tipo de produção bem mais raramente

em publicações mais sérias e na forma de textos mais extensos (sendo, infelizmente, aliás –

numa forma de uso fortemente deturpado - talvez a tendência dominante na maioria dos jornais

diários). Mas, deveria apresentar-se menos rígida e estruturada na forma, mais pessoal no estilo,

contendo espaço para a presença de um relato que procuraria evocar para o leitor o tom

emocional da experiência de ver aquela determinada obra. Pode-se pensar, talvez, que esta

segunda abordagem exija do analista mais habilidade ou sensibilidade do que a primeira.

É possível que, associadas a estas duas abordagens, estejam duas inclinações distintas

privilegiando, respectivamente, uma perspectiva poética e outra estética de olhar para o filme. Os

dois autores em questão, parecem claramente adotar o exame da poética de uma obra como o

método mais adequado à construção de um discurso sobre o filme. Esta posição fica evidente no

65
seguinte trecho, em que eles advogam pelo uso de questões centradas no como, como as

melhores a serem dirigidas ao filme:

...questões do tipo “como o filme conseguiu produzir em mim este ou aquele


efeito?”, “como o filme me conduziu a simpatizar com determinado personagem e
a achar outro odioso?”, “como o filme gerou determinada idéia, determinada
emoção, determinada associação em mim?”, questões centradas no como e não no
por que, conduzem a considerar o filme com maiores detalhes e a integrar, em um
ou outro momento, os “primeiros movimentos” do espectador. (VANOYE e
GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 14)

Estas questões centradas no “como” traduzem a preocupação de ordem poética dos

autores em sua abordagem, já que à poética interessa justamente investigar os modos de

produção de efeitos que uma obra de arte gera em seu apreciador. Trata-se de uma preocupação

situada na extremidade da produção e realização da obra e não no processo de sua recepção.

Assim, perguntar “como o filme conseguiu produzir em mim este ou aquele efeito?”, equivale

aqui a perguntar: “que estratégias e procedimentos utilizou o criador da obra para que eu reagisse

desta forma neste ponto do filme, para que este efeito se manifestasse em mim?”

Por outro lado, as questões centradas no “por que”, negligenciadas pelos autores,

traduziriam preocupações (e uma abordagem) de ordem estética, já que estão diretamente ligadas

ao processo de recepção da obra e à experiência de sua fruição. Perguntar “por que o filme

conseguiu produzir em mim este ou aquele efeito?”, traz a questão para a polaridade oposta do

eixo produção-recepção e necessariamente implica, convoca o espectador a respondê-la a partir

do referencial da sua experiência com a obra, da sua própria história e sensibilidade. O que nos

remete novamente à questão: como seria, com que se pareceria, como se produziria uma análise

de filme que adotasse uma abordagem estética como referencial?

Aparentemente, os autores não estão muito seguros acerca da atitude a ser adotada pelo

analista de filmes diante da tarefa de iniciar mais uma análise a partir do ato mesmo de assistir ao

66
filme. Ou, pelo menos, estão dispostos, como dizem, a propor uma certa “flexibilização”,

aproximando a atitude do analista daquela que atribuem ao “espectador normal”. Afinal, se antes

já haviam defendido para o analista a objetividade e o distanciamento em relação ao filme, agora

propõem que o analista, “às vezes”, realize uma “recepção mais sutil, mais refinada do filme, de

um certo modo, mais ‘terna’”( Vanoye e Goliot-Lété, 1994, p. 20). Em suas palavras:

Propomos que o analista se instale às vezes, até regularmente, diante do filme ou do fragmento,
sem tentar fazer um esforço intelectual particular; sugerimos a ele que solte as rédeas, que se
permita nada buscar, que deixe o filme estabelecer a sua lei. Assim, então, ele volta a encontrar
uma espécie de disponibilidade e outorga-se a possibilidade de deixar-se surpreender
agradavelmente e de conseguir acolher elementos novos que se situam fora de suas projeções e de
suas preocupações particulares. (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 19-20)

Ora, perguntamo-nos, não deveria ser exatamente assim o contato de qualquer pessoa

com um filme, seja ela um “espectador normal” ou um “analista” de filmes? Difícil conceber

uma outra maneira de estar em contato com um filme que pudéssemos chamar ainda de fruição.

E por que os autores recomendam esta “recepção mais sutil” somente “às vezes” (quais seriam

estas ocasiões)? Questionamos, ainda, se seria realmente possível ou frutífero adotar tal atitude

diante de um filme, ao mesmo tempo que, num mesmo processo de trabalho, segundo os autores

recomendam, se deve adotar outra atitude tão radicalmente diferente. A saber...

A idéia normalmente admitida e moralmente tranqüilizadora pretende que a qualidade do trabalho


seja mais ou menos proporcional à amplidão e à intensidade do esforço fornecido pelo analista
contra o filme, tendo em vista “persegui-lo, brutaliza-lo e até rompê-lo um pouco”. Tudo
acontece, portanto, como se a relação entre o analista e o filme devesse ser necessariamente uma
relação de força, de luta. Se o filme me hipnotiza e me domina, eu, analista, vou, como reação,
criticar o filme, ou melhor, atacar o filme; em suma, vingar-me do filme para finalmente dominar.
(VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 19)

Tal abordagem não nos parece compatível ou complementar com a aquela proposta

anteriormente. Como pode alguém relacionar-se com um mesmo filme ora acolhendo-o,

67
“deixando que ele estabeleça a sua lei”, e ora “perseguindo-o, brutalizando-o, dominando-o,

assumindo com ele uma relação de força, de luta?”. Questionamos que tipo de texto poderia

nascer da pretensão de alinhavar visões tão díspares, assim como a relação que teria este texto

com aquele objeto, o filme.

Talvez esta visão, que nos parece deturpada, tenha sua origem na maneira como os

autores vêem estes dois atores, que eles chamam de espectador normal e analista e que assim

caracterizam:

ESPECTADOR NORMAL ANALISTA

Passivo, ou melhor, menos ativo do que o analista, Ativo, conscientemente ativo, ativo de maneira

ou mais exatamente ainda, ativo de maneira racional, estruturada.

instintiva, irracional.

Percebe, vê e ouve o filme, sem desígnio particular. Olha, ouve, observa, examina tecnicamente o filme,

espreita, procura indícios.

Está submetido ao filme, deixa-se guiar por ele. Submete o filme a seus instrumentos de análise, a

suas hipóteses.

Processo de identificação. Processo de distanciamento.

Para ele, o filme pertence ao universo do lazer. Para ele, o filme pertence ao campo da reflexão, da

produção intelectual.

→ Prazer → Trabalho

Não acreditamos ser possível levar a sério uma tal classificação, tão estanque, dura e

artificial, que acredita que os chamados “espectadores normais” não refletem sobre os filmes que

vêem, ou não os “espreitam” enquanto os assistem, desconfiando deles. Ou, ainda, que não se

sentem às vezes distanciados do filme (quer seja por sua temática, sua abordagem ou devido à

68
própria história pessoal do espectador). Talvez mais difícil ainda seja imaginar um “analista” de

filmes (provavelmente alguém que ama o cinema), que não tem uma relação de prazer com os

filmes, que não se deixa arrebatar por eles, que não se identifica com as personagens do enredo

ou mesmo com a estilística da obra.

Segundo os autores, no processo de construção de uma análise fílmica a relação que pode

se estabelecer entre o chamado espectador normal e o analista é a seguinte: pode-se ver o filme

uma primeira vez como o “espectador normal”, de maneira mais fluida, “passiva”, “instintiva”;

deste contato com o filme resultam hipóteses que serão posteriormente verificadas pelo

“analista”, em seu processo de análise, mais cuidadoso e atento. Admite-se então uma interação

ou (eventual) colaboração entre estes dois atores; mas por que conferir voz privilegiada ao

analista, em detrimento do “espectador normal”?

Deriva, certamente, desta visão do analista de filmes, a forma “científica”, distanciada e

objetiva da análise de filmes que os autores propõem. Perguntamo-nos se esta seria realmente a

melhor abordagem para a construção deste tipo de texto, ao mesmo tempo que gostaríamos de

saber como resultaria uma abordagem que tomasse como referência justamente os parâmetros

depreciados pelos autores, atribuídos ao “espectador normal”. Uma abordagem que desse

atenção a este lado mais “instintivo” e “irracional” da relação com o filme, próprio da

experiência de vê-lo; que desse espaço para que o analista procurasse transpor para o texto seu

arrebatamento e prazer diante da obra; que não mascarasse os seus movimentos de identificação

com as personagens e com o filme. Não teria um texto construído desta forma maiores chances

de falar ao seu leitor sobre a experiência de ver um determinado filme e, portanto, não se

constituiria assim como um discurso mais exato, próximo, fiel àquela obra? Se é assim, voltamos

à questão, como se desenvolveria uma análise deste tipo?

69
Vamos examinar por um instante a segunda fase da análise proposta pelos autores, aquela

em que o analista, após ter isolado os elementos do filme em suas menores partes, irá agora

“estabelecer elos” entre eles, “compreender como eles se associam” formando um todo

significante. É, segundo os autores, a fase de reconstrução do filme, na qual o analista imprimirá

sobre a obra uma “ficção” pessoal, a sua interpretação. Não é de certa forma curioso que, num

processo de análise como o proposto pelos autores, em que variáveis como distanciamento,

objetividade e racionalidade devem estar em primeiro plano, exista um segundo momento no

qual o analista se permitirá construir, projetar sobre a obra uma “ficção” pessoal que chamará de

interpretação? Tal conduta não comprometeria a abordagem “científica” da análise, incorrendo-

se assim no risco de falar sobre outro objeto que não o filme? Como deve ser feita esta

interpretação?

Segundo os autores,

Os limites dessa invenção, dessa ‘criação’ são, contudo, muito estritos. O analista deve de fato
respeitar um princípio fundamental de legitimação: partindo dos elementos da descrição lançados
para fora do filme, devemos voltar ao filme quando da reconstrução, a fim de evitar reconstruir
um outro filme. Em outras palavras, não se deveria sucumbir à tentação de superar o filme. Os
limites da ‘criatividade analítica’ são os do próprio objeto da análise. O filme é, portanto, o ponto
de partida e o ponto de chegada da análise. (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 15)

Resulta daí, portanto, que qualquer leitura ou interpretação proposta para um filme deve

ser legitimada pelo próprio filme, através da verificação da presença na obra dos elementos que

autorizam a interpretação feita.

Ainda sobre o problema da interpretação, mais adiante os autores trazem três distinções

propostas por Umberto Eco sobre o tema. A primeira delas é entre a interpretação semântica e a

interpretação crítica, que, segundo os autores, distinguiriam o leitor do analista. “A interpretação

semântica remete, com efeito, aos processos pelos quais o leitor dá sentido ao que lê ou ao que

vê e ouve quando se trata de um filme.” (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 52).

70
Por sua vez, “a interpretação crítica já remete (segundo Eco) à atitude do analista que

estuda por que e como, no plano de sua organização estrutural, por exemplo, o texto (literário ou

fílmico) produz sentido (ou interpretações semânticas).” (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p.

52)

O ponto seguinte apontado por Eco trata-se do caso em que alguém utiliza o texto ou

filme, em vez de interpretá-lo. Neste caso, colocam os autores, tira-se

informações parciais, isoladas, do filme para relaciona-las com informações extratextuais


(biográficas, sociológicas ou históricas, estéticas) a fim de construir minha história, minha
descrição, minha tese. (...) procede mais do que o leitor-analista quer dizer do que o texto diz.
(VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 53)

O terceiro ponto levantado por Eco e comentado pelos autores é aquele que procura

discutir a seguinte questão: de onde vem o sentido produzido na análise e por ela? Vem do texto,

de seu autor ou do leitor? Os autores relacionam da seguinte forma três posições extremas

distinguidas na história da crítica:

• o sentido vem do autor, de seu projeto, de suas intenções: analisar um texto é, portanto,
reconstituir o que o autor queria exprimir;
• o sentido vem do texto: este apresenta uma coerência interna, não necessariamente conforme às
intenções explícitas de seu autor. É preciso, portanto, destacar essa coerência, independentemente
de qualquer a priori que venha de fora do texto;
• o sentido vem do leitor, do analista: é ele quem descobre no texto significações que se referem a
seus próprios sistemas de compreensão, de valores e de afetos. (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ,
1994, p. 53)

Os autores prosseguem comentando este tópico:

Hoje, todos concordam em postular que um texto autoriza uma pluralidade de interpretações. Mas
é decerto importante saber se a diversidade destas interpretações é desejada, prevista pelo autor
(que teria concebido deliberadamente uma obra “aberta”, ambígua ou simbólica), produzida por
um texto cujo funcionamento interno se abre para diversas abordagens (sem que o autor o tenha

71
elaborado conscientemente como tal), ou gerada pela atividade interpretativa do leitor que nelas
projeta suas tramas, suas obsessões e seus desejos sobre qualquer objeto de análise.
É duvidoso que os sentidos destacados pela análise de um filme tenham origens mistas a
maior parte das vezes. Umberto Eco defende no entanto o recurso ao ‘sentido literal’, isto é, ao
que é efetivamente exprimido no texto, à ‘intenção da obra’, em suma, como meio de
fundamentar a liberdade interpretativa em averiguações e validações tão concretas quanto
possível. A intenção do autor e a do leitor constituem conjecturas, propostas quanto ao que a obra
diz: falta examinar em que medida a obra, em sua própria coerência e por ela, aprova, desaprova
essas conjecturas, ou indica outras. (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 53-54)

Os autores empreendem a certa altura uma análise do início e do final do filme “Paisagem

na Neblina” (Theo Angelopoulos, 1988). Como o exercício resulta em interpretações distintas e

indecidíveis, eles então observam que

não se trata aqui de optar por uma das duas interpretações ou de propor outras, mas de indicar que
o filme é estruturado de modo a ser o suporte possível de diversas interpretações; por um lado,
porque sua organização narrativa é lacunar, aberta, enigmática (...), por outro, porque suas opções
formais favorecem a emergência do simbólico. (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 90)

Nestes casos, como decidir ou reconhecer com certeza quando um determinado filme

ultrapassou esta misteriosa barreira e penetrou esta zona na qual possui esta condição especial,

de ser “estruturado de modo a ser o suporte possível de diversas interpretações”? Devemos aí nos

calar diante da evidência da multiplicidade de leituras possíveis para um filme, deixando assim a

obra pairar (intocada) em sua potência de múltiplos significados? Ou devemos procurar

descrever todas as possíveis leituras que nos ocorrem sobre a obra, sem exatamente privilegiar

nenhuma delas? E tal atitude, como pensam alguns, empobreceria o filme?

Os pontos abordados até aqui parecem-nos os mais relevantes dentre aqueles

mencionados pelos dois autores, e, portanto, os mais interessantes do ponto de vista da

discussão. Alguns outros pontos, no entanto, são colocados; vamos mencioná-los rapidamente.

Segundo os autores, é muito mais difícil elaborar uma análise fílmica quando já se conhece uma

ou mais análises feitas por outras pessoas (principalmente enquanto ainda se é um estudante). De

72
modo que eles recomendam que se faça primeiro uma análise própria, sem qualquer leitura

prévia de outras análises sobre o mesmo filme e, somente depois se confronte o que se escreveu

com os outros textos, aí sim, num trabalho de comparação e verificação de hipóteses e

interpretações.

Sobre o formato do texto e a maneira de escrevê-lo, os autores dizem que as fases de

desconstrução (descrição) e reconstrução (interpretação) do filme alternam-se diversas vezes,

sem que exista uma ordem ou roteiro definido a ser seguido no processo.

Os autores salientam a importância de se contextualizar historicamente o filme,

vinculando-o ao movimento estético a que ele pertence ou observando as influências que ele

sofre de um ou mais movimentos ou escolas.

São apresentadas também outros dois tipos específicos de análise, a análise e

interpretação sócio-histórica e a análise e interpretação simbólica. Na primeira, assume-se que

todo filme fala da época e da sociedade em que foi produzido, não importa qual seja o seu tema

ou enredo, o que possibilita ao analista incluir na sua análise também a sociedade que produz o

filme. Assim, segundo os autores, Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, é uma representação

da Inglaterra do futuro pela Inglaterra de 1971, que, portanto, surge permeada pelos valores e

pensamentos daquele lugar e época, passíveis então de serem analisados junto com outros

atributos do filme.

No caso da análise e interpretação simbólica, os autores assumem que existem três

classes de filmes que oferecem uma leitura simbólica. Eles podem convidar imediatamente a

uma análise simbólica pelo distanciamento claro estabelecido em sua representação com relação

a qualquer contexto sócio-histórico conhecido; pelo tratamento particular do material fílmico e

narrativo e pelos desvios de uma estética realista; e outros, por aparentemente só se oferecerem a

uma leitura simples, realista, literal.

73
Comentários

Os métodos propostos pelos autores para a realização de uma análise fílmica privilegiam

claramente uma abordagem poética na maneira de olhar para o filme, uma vez que se está

interessado em observar e apontar as relações existentes entre a maneira como o diretor organiza

sua obra, seus materiais, e o impacto, o efeito, que estes têm sobre o espectador. Considerando

um eixo produção-recepção, parece-nos que os autores restringem sua abordagem ao primeiro

pólo do eixo, sendo inclusive necessário ao trabalho o conhecimento técnico sobre a realização

de filmes. A abordagem é atomista, sendo descrita a primeira fase do trabalho como o momento

de “quebrar” o filme em suas mínimas partes, fragmentos que constituirão então a matéria-prima

da análise. A análise fílmica tem sua existência justificada em duas frentes: como resposta a uma

demanda institucional (geralmente acadêmica) e pelo fato de se constituir num produto capaz de

“iluminar” a experiência do “espectador normal” com o filme. O texto da análise fílmica deve

ser objetivo e “científico”, de acordo com a postura assumida pelo analista de filmes em seu

trabalho.

Questionamos se a abordagem adotada pelos autores é a mais adequada ao exame de

obras cinematográficas. Parece-nos também demasiado artificial a visão que têm os autores dos

atores presentes neste setting, o “espectador normal” e o “analista de filmes”, sendo sua

abordagem construída sobre a visão deste último. Perguntamo-nos, por fim, como se construiria,

como se apresentaria uma análise de filme que pudéssemos filiar a uma abordagem estética, que

não negligenciasse o exame detido dos diversos elementos e materiais do filme, mas que

estivesse, ao mesmo tempo, interessada em trazer para o foco da investigação a experiência do

espectador (analista) com o filme e o processo de recepção da obra.

74
2.2. Variações sobre o texto fílmico (Metz e Barthes)

Após a publicação de Linguagem e Cinema, de Christian Metz, em 1971, faz sucesso nos

anos 70 uma nova categoria de análise de filmes, chamada de análise textual do filme. Segundo

Michel Marie (1995), que comenta este momento, não é nítida e clara a filiação teórica de todas

as análises produzidas no período em relação ao texto de Metz; inclusive, algumas delas datam

de anos anteriores. São poucas as análises que se referem explicitamente à definição de “texto”

própria a Metz, mas, verifica-se que a maioria delas sofre forte influência teórica do ambiente

semiológico geral da época. As publicações de trabalhos de Barthes e Lévi-Strauss e a onda

estruturalista também contribuem para uma nova visão do filme.

Segundo Metz, existem duas espécies de análise de filmes. Na primeira categoria, o

analista de filmes está interessado em observar, estudar e investigar como se apresenta, em

diversos filmes, um determinado tipo de código cinematográfico. O que se chama aí de código

cinematográfico é um determinado procedimento técnico que se traduz em forma imagética no

filme. Por exemplo, um determinado tipo de travelling ou uma determinada angulação da

câmera. A estes “códigos” são atribuídas determinadas “mensagens” que são associadas aos

primeiros a partir do conjunto de seus usos (e resultados, efeitos) individuais em cada filme.

Assim, pode-se fazer um estudo sobre o travelling para frente ou sobre o plano em plongée,

estudando-se diferentes manifestações destes procedimentos técnicos (considerados aí como uma

espécie de escrita fílmica) em muitas obras diferentes. Tais filmes poderão então ser abordados

privilegiando-se quase que exclusivamente os momentos, as passagens em que tais eventos

fílmicos ocorrem (desprezando-se eventualmente todos os outros elementos do filme chamados

de específicos ou não-específicos ao campo cinematográfico), uma vez que eles serão

considerados, comparados e examinados em relação aos outros eventos fílmicos de mesma

ordem examinados em outros filmes. Esta abordagem costuma-se vincular à investigação daquilo

75
que se convencionou chamar de “linguagem cinematográfica” a partir de certo momento da

história dos estudos sobre cinema, uma vez que seu objetivo é justamente investigar as

“características sintáticas” de tais figuras (estilísticas), suas inflexões de articulação com outras

figuras, seus recursos de significação.

A segunda categoria de análise de filmes, de acordo com Metz, e que é a que nos

interessa neste estudo, é bem diversa da anterior. Nesta forma de análise, chamada de análise

fílmica, o filme não é tomado (fragmentado) como exemplo ou amostra de determinado “código

cinematográfico”, mas sim tomado sempre em sua totalidade; isso porque o objetivo aqui não é o

estudo individual de determinado código; o que se procura é o estabelecimento de um “sistema”

para o filme. Para tanto, o analista deverá considerar todos os elementos do filme, todos os seus

códigos (cinematográficos ou não) funcionando em conjunto, de forma orgânica. Os elementos

(códigos) não especificamente cinematográficos (figurinos, interpretação dos atores, cenários,

etc) não são aqui menos importantes do que aqueles chamados de especificamente

cinematográficos (os movimentos de câmera, a decupagem, as figuras de transição entre as

cenas, a montagem, etc), devendo todos eles ser examinados como parte de uma mesma

totalidade, ainda que se possa reconhecer, em um determinado filme, maior importância de

alguns daqueles elementos em relação a outros. O filme é, dessa maneira, visto e tratado “como

uma realização única, isto é, enquanto distinto de qualquer outro filme e mesmo de qualquer

outro produto cultural” (METZ, 1980, p. 87). O sistema a que se procura chegar é aquilo que

organiza o desenvolvimento do filme (não em sua forma seqüencial, manifesta, mas na sua

lógica interna que o sustenta como obra coesa), a estrutura de seu “texto”. A palavra texto é

usada por Metz (1980, p. 103-104), neste contexto, na acepção dada a ela por Hjelmslev, na qual

denomina

76
qualquer desenvolvimento significante (‘processo’ para o autor dinamarquês), quer seja
lingüístico, não lingüístico ou misto (o filme falado liga-se ao terceiro caso). Uma seqüência de
imagens é igualmente um texto, ou uma sinfonia, ou uma seqüência de ruídos, ou uma seqüência
compreendendo, a um só tempo, imagens, ruídos e música, etc.

Assim, o texto é aquilo “que consiste em um desenvolvimento manifesto, em um objeto

‘concreto’ que preexiste à intervenção do analista; é aquilo que precisa ser compreendido”

(METZ, 1980, p. 90). Por outro lado, o sistema (do filme), aquilo que procura encontrar o

analista e que é sempre uma construção sua, é um “objeto ideal construído pela análise; o sistema

não tem existência material, nada mais é que uma lógica, um princípio de coerência; é a

inteligibilidade do texto: o que é preciso supor para que o texto seja compreensível” (METZ,

1980, p. 90). O texto é então “desenvolvimento atestado” e o sistema “inteligibilidade

construída”. O sistema, para salientar sua derivação direta e exclusiva de um (único)

determinado texto (filme), chama-se também de sistema textual.

O texto, no âmbito do filme, é chamado de texto fílmico (definição de Etienne Souriau e

Gilbert Cohen-Séat), e corresponde ao “filme funcionando como objeto percebido por

espectadores durante o tempo de sua projeção”. (MARIE, 1995, p. 202).

A semiologia aborda o estudo do filme considerando-o como um “objeto significante”,

uma “unidade de discurso”. Segundo Marie (1995, p. 201), falar de “texto fílmico” é “considerar

o filme como discurso significante, analisar (seu)s sistema(s) interno(s), estudar todas as

configurações significantes que é possível nele observar”.

Devemos dizer também que Metz considera, ainda que como um evento raro, a

possibilidade de um filme poder suscitar a construção de mais de um sistema para o seu texto,

caso em que se pode falar que o filme oferece ao espectador leituras múltiplas. Mas Metz, em

busca de rigor para o uso do conceito, adverte que

77
Significa empregar mal a noção de ‘leituras múltiplas’, invocá-la muito freqüentemente e sem
considerar uma exata medida do que implica sua lógica própria. Dizer que um texto admite várias
leituras é adiantar uma idéia que perde todo o seu sentido se cada uma das leituras invocadas não
se refere ao conjunto do texto, se cada uma delas não apresenta sozinha uma espécie de ‘fio’ que
nos conduza de uma ponta do texto à outra, de modo que estas leituras estejam constantemente
em relação mútua de substituição e de exclusão, reduzidas a se excluírem globalmente uma à
outra, ou, mesmo quando se ‘afastassem’ uma da outra, só o pudessem fazer, a cada revolução do
torniquete semântico, enviando também o texto inteiro à leitura: é por isso que sua manutenção
simultânea adquire uma forma paradoxal, e um preço que se constitui em fragilidade e em força
ao mesmo tempo. (METZ, 1980, p. 141-142)

Como vimos acima, a visão de Metz sobre a análise fílmica se oferece muito facilmente à

organização de um método de análise de filmes. Metz parte da comparação do filme (enquanto

obra que se desenvolve seqüencialmente) com a noção de texto de Hjelmslev; o filme aí,

enquanto texto pré-existe ao trabalho e intervenção do analista, o trabalho deste sendo,

justamente, a construção de um sistema que possa organizar e explicitar a lógica do discurso

fílmico, torná-lo inteligível. Para tanto, o analista deverá enquanto examina (assiste) várias vezes

o filme, tomar nota da maneira como se apresentam todos os elementos do filme (tanto aqueles

chamados de especificamente cinematográficos quanto os não especificamente cinematográficos,

como já mencionado acima). O analista verificará, nesta etapa, que alguns dos elementos

observados (podendo ser de ambos os tipos), se apresentam com maior destaque, chamam sobre

si mesmos um olhar mais atento, ou, mesmo quando se mostram de forma sutil, muito discreta,

assumem grande importância, uma vez que podem intervir com veemência sobre o plano da

significação daquela narrativa. Observadas estas coisas, ao analista caberá então construir este

“objeto ideal”, “irreal”, o sistema do filme, que deverá se constituir, como já se disse, na

“inteligibilidade construída” do texto fílmico. Para Metz, o sistema existe para todo e qualquer

filme, ainda que se apresente como um sistema banal de um filme banal.

É claro que um tal sistema deverá sustentar-se através da explicitação e da exibição

justificada de todos os elementos do filme que validam a tal construção.

78
Vê-se, portanto, que Metz, trabalhando diretamente sobre a forma fílmica, dá claramente

todas as coordenadas para o início do trabalho. Parece-nos especialmente louvável, em tal

abordagem, a diretriz de se tomar o filme como uma totalidade, como algo orgânico, onde nada

pode ser jogado fora e em que todos os elementos são vistos como em relação uns com os outros.

Mesmo quando se diz que o filme em tal abordagem deve ser tratado como uma obra fechada em

relação ao seu texto fílmico, lembramos que, para Metz, a noção de texto pode se estender no

sentido de abarcar, por exemplo, uma parte ou a totalidade da filmografia de um determinado

diretor, sendo portanto, também, este outro objeto passível de ser abordado no sentido da

construção de um sistema.

Marie (1995, p. 205), observa que “texto” é utilizado igualmente nas análises fílmicas em

uma concepção diferente daquela de Hjelmslev, e sim relacionada às “intervenções teóricas de

Julia Kristeva, do conjunto da revista Tel Quel e da corrente crítica que esta suscitou no início

dos anos 70”.Esta noção é apresentada por Roland Barthes em dois artigos ("De l’oeuvre au

texte” e “Théorie du texte”), que, por sua vez, são apontados por Raymond Bellour (em “O texto

impossível de se encontrar”) como o ponto de origem desta outra acepção.

Vejamos como Barthes apresenta esta noção em seu trabalho “Da obra ao texto” e

observemos que influências tal noção pode ter no âmbito da análise de filmes.

Neste texto, Barthes (1988, p. 72) estabelece algumas “proposições” sobre o “texto”;

estas dizem respeito, segundo o autor, ao método, aos gêneros, ao signo, ao plural, à filiação, à

leitura e ao prazer. Com relação ao método, Barthes diferencia a obra do texto afirmando que a

primeira é “um fragmento de substância, ocupa alguma porção do espaço dos livros (por

exemplo, numa biblioteca)”, enquanto que o texto é um “campo metodológico”. A obra pode ser

vista (“nas livrarias, nos fichários, nos programas de exame”), enquanto que o texto se

demonstra; “a obra segura-se na mão, o texto mantém-se na linguagem”.

79
Com relação aos gêneros, Barthes diz que “o Texto não pára na (boa) literatura; não pode

ser abrangido numa hierarquia, nem mesmo numa simples divisão de gêneros.” (BARTHES,

1988, p. 73).

Com relação ao signo, Barthes vê a obra como que fechada sobre o significado, enquanto

que o texto “aborda-se, prova-se com relação ao signo” (BARTHES, 1988, 73). O significado da

obra pode ser tomado como aparente ou como secreto, quando então a obra dependerá de uma

hermenêutica, de uma interpretação. A obra funciona assim como um signo geral. Por outro lado,

o Texto “pratica o recuo infinito do significado (...), o seu campo é o do significante (...), o

infinito do significante não remete a alguma idéia de inefável (de significado inominável), mas à

de jogo” (BARTHES, 1988, p. 74). Ainda, “a lógica que regula o texto não é compreensiva

(definir ‘o que quer dizer’ a obra), mas metonímica; o trabalho das associações, das

contigüidades, das relações, coincide com uma libertação de energia simbólica.” (BARTHES,

1988, p. 74)

Quanto ao caráter plural do Texto, Barthes afirma que, este não apenas tem vários

sentidos, mas que “realiza o próprio plural do sentido: um plural irredutível (...) O Texto não é

coexistência de sentidos, mas passagem, travessia; não pode, pois, depender de uma

interpretação, ainda que liberal, mas de uma explosão, de uma disseminação.” (BARTHES,

1988, p. 74)

Quanto à filiação, enquanto à obra se postula uma “determinação do mundo”, ou seja, as

influências das outras obras, do tempo histórico no qual surge, das marcas de seu autor, no caso

do Texto, Barthes diz que ele pode ser lido “sem a inscrição do Pai”, isto é, “nenhum ‘respeito’

vital é, pois, devido ao Texto: ele pode ser quebrado” (BARTHES, 1988, p.76)

Quanto à leitura, “o Texto decanta a obra do seu consumo e a recolhe como jogo,

trabalho, produção, prática”; assim, “o Texto pede que se tente abolir (ou pelo menos diminuir) a

80
distância entre a escritura e a leitura, não pela intensificação da projeção do leitor sobre a obra,

mas ligando-os a ambos numa só e mesma prática significante.” (BARTHES, 1988, p. 76-77)

Quanto à ultima abordagem do Texto, aquela do prazer, Barthes afirma que existe um

prazer da obra, aquele que sentimos quando lemos determinados autores (ele cita Proust e

Balzac, entre outros). No entanto, esse prazer, “por mais vivo que seja (...), permanece

parcialmente um prazer de consumo: pois, se posso ler esses autores, sei também que não posso

re-escrevê-los (que não se pode hoje escrever ‘assim’)” percepção esta que provoca um

afastamento, uma separação da produção de tais obras. Por outro lado, o “texto está ligado ao

gozo, isto é ao prazer sem separação (...); ele é o espaço em que nenhuma linguagem leva

vantagem sobre outra, em que as linguagens circulam”. (BARTHES, 1988, p. 78)

Assim, em relação ao método, a visão de Barthes sobre a obra se aproxima daquela de

Metz sobre o “texto”, quer dizer, em ambos trata-se de algo material, palpável, concreto e de

existência prévia à intervenção do analista. Por outro lado, chamar o texto de “campo

metodológico”, no caso de Barthes, explicita aí a atitude de intervenção sobre a obra segundo um

programa pré-definido, uma determinada maneira de olhar e tratar o filme. Também nos evoca a

construção daquilo que Metz chama de “sistema do filme”, aquilo que o analista procura

construir para a obra, sua lógica interna. Novamente, em ambos os casos, o sistema (para Metz) e

o texto (para Barthes) devem ser demonstrados e justificados.

A afirmação de Barthes de que o texto não pára na (boa) literatura, de que não pode ser

abrangido numa simples divisão de gêneros, abre as portas para a transposição desta abordagem

(textual) ao âmbito do filme. Nesta perspectiva, no entanto, diferente da de Metz, o analista

verificará se há texto em um determinado filme, visto que este é aqui entendido como uma

característica, um atributo da obra.

81
Com relação à proposição relativa ao signo, a obra (o filme) para Barthes (e podemos

dizer aí também o filme como texto, para Metz) pode ter o seu significado considerado como

aparente ou como secreto (caso em que se lança mão de uma hermenêutica para abordar o filme).

No entanto, não parece ficar claro como, para além daquele segundo caso (o da necessidade da

intervenção hermenêutica), pode-se partir para a abordagem do texto, uma vez que, para Barthes,

este “pratica o recuo infinito do significado”, segue as regras do jogo características da lógica do

significante. Como chegar então a este texto? Chega-se eventualmente a ele ou, na verdade,

nunca se chega a ele, apenas o atravessamos em várias direções, segundo a definição de Barthes

de que ele é passagem, travessia? E, se é assim, como trabalhar, na prática, numa análise fílmica

segundo tal abordagem? Como, desta maneira, o “texto” se constitui num “campo

metodológico”?

Talvez esta condição de passagem, de travessia, possa ser legitimada (ou justificada) pela

idéia do texto como dotado de uma “lógica metonímica”; mas aí, novamente, como operar com

esta “explosão”, esta “disseminação” que se quer privilegiar, para um texto, ao invés de uma

interpretação?

Quanto à questão do texto e da filiação da obra, o fato de o texto poder ser “quebrado”,

poder ser lido (ou construído) “sem a inscrição do Pai”, parece que reforça o método que

acabamos de mencionar da explosão e da disseminação, uma vez que através destas são abertas

as portas para as associações com outros textos e, em última instância, para outras obras

(inclusive aquela da qual o texto em questão deriva), assim como para todas as variáveis

relativas ao tempo histórico em que surge a obra. Portanto, o trabalho da análise deve ser

realizado contemplando-se os dois lados: o das origens e contexto no qual surge a obra e aquele

da busca, do exame do texto, que prescinde de qualquer “respeito” à obra e autoriza a sua

“quebra”.

82
A noção de jogo, trabalho e prática retornam associadas ao “texto” quando Barthes

escreve sobre a penúltima de suas proposições, aquela relativa à leitura. Trata-se aí da proposta

da diminuição da distância “entre a escritura e a leitura”. Quando Barthes adverte quanto (e

contra) a “intensificação da projeção do leitor sobre a obra” nesta fase da leitura/escritura, talvez

possamos depreender daí uma direção de trabalho, aquela que seria a de um movimento inverso:

permitir-se o analista ser verdadeiramente tocado pelo filme. Movimento este que seria aquele de

deixar viver a obra dentro de si antes de iniciar qualquer texto (concreto) sobre ela, atentar para

as associações significantes que surgirão, praticar, durante algum tempo (e tanto quanto possível,

em seu caráter infinito), o mencionado recuo infinito do significado.

Sobre a sua última proposição em relação ao texto, aquela do prazer, pensamos que,

primeiro, o trabalho do analista de filmes não pode (não deve) ser dissociado daquele “prazer de

consumo” que Barthes menciona, que temos quando de nossa fruição da obra. Segundo, parece-

nos bastante interessante sua outra colocação, a de que “o texto está ligado ao gozo, isto é ao

prazer sem separação”, uma vez que entendemos que a análise fílmica, como que de algum modo

um correspondente material do texto do filme (na acepção de Barthes) deve (ou deveria

ambicionar a isso) presentificar o prazer que temos enquanto espectador do filme, assim como

realizar esta “não separação” com a obra, no sentido de verdadeiramente evocá-la, fazê-la viver

novamente dentro de nós e pelo máximo de tempo. O que nos lembra a afirmação de Bazin, de

que a análise de um filme deveria ter justamente este propósito, o de fazer durar ao máximo

aquele estado em que nos encontramos ao sair da sala do cinema, quando carregamos o filme

conosco.

A noção de texto que Barthes contrapõe à de obra é um referencial interessante para o

analista de filmes. Barthes está falando ali, de forma geral (para diversos tipos de obras) sobre as

relações entre obra e texto; suas “proposições”, então, servem como uma espécie de fonte de

83
inspiração para o trabalho do analista; inspiração esta que influenciou trabalhos seguintes

dedicados especificamente ao trabalho da análise fílmica. Claro, o texto da análise fílmica não é

o mesmo texto a que Barthes se refere, mas, podemos pensar que, em um (entre outros) bom

caminho para uma análise fílmica, aquele texto deveria estar, de alguma forma, representado.

Algumas das proposições, como aquelas que incluem as noções de “recuo infinito do

significado”, “disseminação”, ausência de “inscrição do Pai” e “jogo” parecem apontar para a

construção de uma análise fílmica mais pessoal, subjetiva, que traga as marcas da experiência do

analista com o filme.

Marie (1995) associa a concepção de texto de Kristeva e Barthes àquilo que Metz chama

de “sistema do texto” e a concepção de obra àquilo que Metz denomina de “texto”. Salienta

ainda que, em Metz, “a noção de texto fílmico é válida para todos os filmes; jamais é restritiva

ou seletiva, o que não é o caso na segunda acepção” (MARIE, 1995, 207), que pretende

privilegiar obras em que há o texto. Neste sentido semiótico, o “texto” é produto de uma prática

significante; noção muito distinta daquela de Metz, para quem o texto preexiste à intervenção do

analista.

Esta segunda abordagem postula uma relação de equivalência entre escrita e leitura, na

qual o próprio comentário se torna também texto, onde não existe discurso “sobre” a obra, mas

produção de um outro texto. Esta abordagem, originalmente voltada à literatura, depara-se com

dificuldades quando aplicada ao campo cinematográfico. A dificuldade advém do encontro da

escrita de um texto (do comentário, da análise) com a especificidade do significante visual (a

imagem em movimento) e sonoro do cinema. A transposição deste último em texto é a tarefa que

Bellour descreve como a busca de um texto “não encontrável”. Para este autor, “a movimentação

textual é inversamente proporcional à fixidez da obra”. Assim, Bellour compara a fixidez de uma

84
partitura musical à fixidez e imutabilidade do filme, comparando a “movimentação” que surge

numa execução da partitura à movimentação da conversão da obra fílmica em “texto”.

Quanto às características das análises fílmicas deste período, Marie (1995) formula a

hipótese de duas características principais: a precisão e a ênfase na “forma”, nos elementos

significantes; e uma interrogação constante sobre a metodologia empregada, uma auto-reflexão

teórica em todas as fases da análise.

Quanto à primeira característica, esta se revela pelo exame detalhado do filme, a

observação e a discussão sobre algum pormenor da obra, quer seja um determinado plano, um

movimento de câmera, um raccord entre dois planos. Mesmo quando as análises anteriores eram

aprofundadas, não se verificava tal inclinação constante por parte do analista. Autores como

Bazin e Eisenstein, que já realizavam comentários precisos sobre fragmentos e determinadas

características de filmes, podem ser considerados precursores da análise textual. Antes da “onda”

da análise textual de filmes, as abordagens voltavam-se muito mais freqüentemente para os

estudos temáticos da obra de um determinado diretor; por outro lado, o aparecimento da análise

textual vai fazer abandonar esta tendência de abarcar toda uma obra, para fazer o analista se

concentrar em uma única seqüência de um filme, examinando sua estrutura formal, suas figuras

estilísticas. Apesar de precursores desta forma de análise poderem ser reconhecidos desde a

década de 20, Marie (1995) reconhece em Noël Burch, um precursor bem próximo e rigoroso

que publicou seus trabalhos em 1967 nos Cahiers du cinéma.

Ao lado da atenção pelo detalhe, a análise textual também procura não partir de imediato

para a leitura interpretativa.

Quanto ao segundo ponto, a análise textual do filme caracteriza-se “por uma interrogação

tão constante quanto frenética sobre os fundamentos de suas opções metodológicas. A cada

instante tenta desalojar evidências falsas, passa pelo crivo da reflexão epistemológica o menor de

85
seus conceitos e recoloca sistematicamente em questão a pertinência de seus instrumentos de

análise.” (MARIE, 1995, p. 212). Uma vez que se pretendem minuciosas, as análises textuais

quase sempre abordam somente fragmentos de filmes. O caráter segmentado do trabalho, por

outro lado, não se traduz na redução a um “último significado” ou num sistema textual único; ao

contrário, Marie (1995) comenta que os sistemas textuais elaborados pela análise sempre são

considerados virtuais e múltiplos, caracterizando-se pela fobia da redução.

A análise textual, no entanto, encontra dificuldades à sua realização. Primeiramente, é

necessário introduzir-se na obra, o que faz surgir o problema da memorização, que, por sua vez,

exige que se tenha acesso à obra, e não apenas para que se possa vê-la várias vezes, mas também

para que se possa descrevê-la detalhadamente (constituição de um estado intermediário entre a

própria obra e sua análise) e efetuar sobre ela o que se chama de “parada na imagem”, ou seja, a

paralisação do fluxo contínuo de imagens sobre apenas uma delas, um dos fotogramas do filme.

Operação que, há duas décadas e meia podia apenas ser realizada numa moviola (mesa de

montagem de filmes) e que desde o meio da década de 1980 pode ser realizada domesticamente,

através dos aparelhos de videocassete. Procedimento este que constitui uma “modificação mais

ou menos radical das condições de visão do filme”. Raymond Bellour (apud MARIE, 1995, p.

214) escreve em seu “O texto não encontrável” que a parada na imagem tem “a função

perfeitamente contraditória de abrir a textualidade do filme justamente no instante em que

interrompe seu desdobramento. (...) A parada sobre a imagem e o fotograma que a reproduz são

simulacros; evidentemente deixam o filme fugir, mas paradoxalmente permitem-lhe fugir como

texto”.

A outra dificuldade que se apresenta é a do acesso mesmo ao filme, quer seja quando está

sendo exibido em algum cinema (o que restringe drasticamente o universo de filmes “acessíveis”

à programação contemporânea nos circuitos ditos comerciais e à programação de eventuais salas

86
de cinema “de arte” ou cinematecas), ou quando está disponível em locadoras de videocassete.

Sendo que, esta segunda forma, nos últimos anos vem revolucionando a prática da análise

fílmica pela facilidade que proporciona ao analista a “manipulação” da obra, tornando a “parada

na imagem” um procedimento trivial, o que seria impensável há décadas atrás. Por isso mesmo,

temos visto crescer recentemente o número de análises sistemáticas de filmes que apresentam

descrições e observações detalhadas sobre as obras, fruto dos recursos desta tecnologia

contemporânea.

Assegurado o acesso à obra e a possibilidade de manipulá-la, apresenta-se então o

problema das referências concretas ao objeto, o filme, que por sua vez, implicam uma transcrição

das informações visuais e sonoras obtidas no momento da apreciação do filme. Segundo Marie

(1995, p. 215) esta etapa é “uma verdadeira transcodificação de um meio para outro,

comprometendo exatamente por aí a subjetividade do ‘transcritor’. Ademais, sempre há uma

certa zona de percepções visuais e sonoras, a mais específica, que escapa à descrição e

transposição para a escrita”.Sobre esta zona específica, Marie cita Barthes (Cahiers du cinema

222, julho de 1970), em seu texto O terceiro sentido: “O fílmico é, no filme, o que não pode ser

descrito, é a representação que não pode ser representada. O fílmico começa somente onde

terminam a linguagem e a metalinguagem articulada.”

Estas “transcrições” assumiram diversas formas no decorrer da história; desde narrativas

realizadas a partir dos roteiros, passando por decupagens bastante técnicas (inclusive

acompanhadas de fotogramas representativos das seqüências), ou mesmo relatos orais

(concomitantes ou não à exibição do filme).

Há, ainda, a recomendação de que, numa análise fílmica, a forma ou as formas de

transcrição utilizadas para “presentificar” passagens da obra sejam equilibradas com aquelas

passagens do comentário crítico propriamente dito.

87
Vimos, neste capítulo, a concepção de Metz de filme como “texto” e como ele entende que

deve ser o caminho do analista no trabalho de construção de um sistema para um filme. Vimos

também as proposições de Barthes em relação ao conceito (diferente aqui) de “texto” (que pode

ser encontrado em uma obra fílmica, literária, etc) e como estas proposições podem servir de

inspiração para o trabalho do analista de filmes.

2.3. A descrição das teorias do cinema feita por Andrew e o modelo de análise fílmica
proposto por Vanoye e Goliot-Lété

O livro Ensaio sobre a análise fílmica, de Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété, apresenta-

se dividido em duas seções, precedidas por uma introdução. Nesta, conforme vimos no capítulo

anterior, os autores inicialmente fazem algumas considerações sobre os obstáculos materiais e

psicológicos à realização da análise fílmica. Em seguida, passam à descrição daquilo que

entendem por análise fílmica: explicam em que consiste, comentam suas duas fases (descrição e

interpretação), apontam as fraquezas encontradas em análises de estudantes ou de analistas ruins,

comentam a relação do analista com o filme e oferecem uma descrição das atividades do

“espectador normal” e do “analista”.

Após a introdução, segue-se a primeira parte do livro, intitulada “reflexões preliminares”,

por sua vez dividida em três subseções. Na primeira, os autores descrevem uma “história das

formas cinematográficas”: abordam a questão da continuidade nos filmes dos primeiros tempos

(1900 a 1908) e a partir do advento da decupagem Griffithiana; discorrem sobre a narração no

filme clássico e comentam também rapidamente (numa perspectiva histórica, não propriamente

teórica) outros modelos como o do cinema soviético de Eisenstein e Pudovkin, o impressionismo

da vanguarda francesa de cineastas como Abel Gance, Jean Epstein e Louis Delluc; o dadaísmo,

o surrealismo e o expressionismo alemão. Em seguida, chamam de “cinemas da modernidade” o

88
neo-realismo italiano e todo o cinema que surge no final dos anos 50, incluído aí o que se

convencionou chamar de cinema de autor. É feita uma descrição muito sucinta das principais

características destes movimentos. Na seção seguinte, Algumas ferramentas narratológicas, os

autores comentam os conceitos de história, narrativa, narração, diegese, enunciação, pontos de

vista e de escuta. Na seção seguinte, Analisar/interpretar, são apresentadas aquelas três

distinções propostas por Umberto Eco sobre os limites da interpretação (que vimos em capítulo

anterior), assim como as análises e interpretações sócio-históricas e simbólicas.

A segunda parte do livro, intitulada “A análise na prática”, também está dividida em três

subseções. Na primeira delas, “descrever e analisar”, é apresentada uma descrição e análise de

uma seqüência de Rebecca (A. Hitchcock, 1940), considerando o “material fílmico” plano a

plano e abrangendo também aspectos como cenário, personagens, direção, o ritmo da cena e o

papel da seqüência no filme. Em seguida, descreve-se e analisa-se o início e o final de Paisagem

na Neblina (Theo Angelopoulos, 1988), As duas inglesas e o amor (F. Truffaut, 1971), um

plano-seqüência de Paisagem na Neblina e um plano de Rebecca. Na seção seguinte são

abordadas as características das “formas curtas”: filmes publicitários e curtas-metragens de

ficção. Na última seção (também a última do livro), os autores apresentam os “elementos para a

análise de um filme inteiro”, utilizando como exemplo, novamente, Rebecca, de Hitchcock.

É interessante observar que a primeira parte do livro (uma descrição histórica das formas

fílmicas), assim como a segunda (basicamente uma exemplificação dos procedimentos da

análise, na perspectiva dos autores) não apresenta qualquer discussão sobre o método de análise

empregado ou sobre sua gênese e construção. Nas treze páginas da introdução (de 152 páginas

do livro) é que são apresentados e descritos os procedimentos da análise proposta pelos autores,

mas de maneira superficial, acabada, normativa, como num receituário.

89
De onde surge este modelo de análise? Não há preocupação dos autores em explicitar a

filiação teórica do modelo de análise adotado (embora de forma implícita esteja muito claro) ou

em reportar suas etapas de trabalho aos conceitos teóricos que lhes dão suporte. Dos dez teóricos

do cinema que apresentamos na primeira parte desta dissertação, apenas um deles, Christian

Metz, aparece como referência teórica no livro de Vanoye e Goliot-Lété. Ainda, dentre todos os

autores citados ou mencionados de alguma forma, Metz é, de longe, a referência mais freqüente

ao longo do livro; no entanto, estas citações ou referências são, na verdade, referências

conceituais muito discretas e breves, geralmente ligadas ao campo mais geral do cinema e não

diretamente vinculadas à questão da análise fílmica. Ou seja, as referências a Metz não são

trazidas ao texto para fundamentar teoricamente o modelo de análise apresentado; não surgem

nos momentos em que os autores descrevem, por exemplo, em que consiste a atividade da

análise de filmes, assim como também não explicitam qualquer referencial teórico que sustente a

descrição das duas fases daquele processo.

Independentemente disso, a correspondência entre as duas fases da análise fílmica

propostas pelos autores (desconstrução-descrição e reconstrução-interpretação) e as categorias de

“texto fílmico” e “sistema textual” do filme, em Metz, deixa muito clara a filiação teórica dos

autores e, por conseguinte, a influência do trabalho de Metz nesta apresentação de modelo de

análise fílmica. A primeira fase do trabalho, de desconstrução-descrição, é realizada sobre o

texto fílmico (conceito que já abordamos nos últimos dois capítulos), retirando deste todos os

elementos fílmicos observados (os códigos, para Metz - tanto aqueles chamados de

especificamente cinematográficos, assim como todos os outros) e colocando-os à parte, em

determinada ordem. Estes elementos, lembremos ainda, estão incluídos naqueles cinco canais de

informação que Metz reconhece como compondo a matéria-prima do cinema. Esta fase exige, é

claro, algum conhecimento técnico sobre a realização de filmes para a identificação dos

90
elementos e códigos que ele contém. Na segunda fase do trabalho, de reconstrução-interpretação,

o analista deverá tomar este conjunto de elementos postos para fora do filme e criar com eles

aquilo que Metz chama de o “sistema” do filme (ou do seu texto) e que é sua estrutura lógica

interna, sua chave de compreensão, sua forma de “inteligibilidade construída”. Este sistema será

tanto melhor quanto maior for o número de elementos que ele consegue incorporar de maneira

coerente e justificada. Esta legitimação do sistema construído a partir dos próprios elementos do

filme, está baseada em grande parte na observação dos códigos e subcódigos e nos processos de

significação a eles associados.

A busca pela construção da interpretação (sistema) do filme também está de acordo com

o projeto da semiótica do cinema de Metz, que coloca em primeiro plano o estudo dos processos

de significação do cinema. O significado, quer seja do plano, da seqüência, de determinado

trecho da banda sonora e, claro, do filme como um todo, é o que está em jogo aqui e o que

precisa ser alcançado. O sistema do filme deverá ser capaz de situar de maneira lógica a mistura

dos materiais (elementos) da obra, atribuindo-lhes (descobrindo-lhes) os significados.

É interessante observar que os autores, quando apresentam e descrevem o método de

análise (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 15), não se reportam de forma explícita ao nome

de Metz, embora empreguem a expressão “texto fílmico”. A descrição das duas fases de

trabalho, no entanto, não deixa dúvida quanto à relação entre estas etapas e aqueles conceitos (de

texto e sistema).

Outras recomendações e propostas do modelo apresentado por Vanoye e Goliot-Lété

estão da mesma forma baseados nos escritos de Metz. Por exemplo, a possibilidade de se

deparar, durante uma análise, com um filme que aparentemente devolve ao analista mais de um

sistema de interpretação (o caso de Paisagem na Neblina, segundo os autores) está prevista

quando Metz escreve sobre os filmes que oferecem leituras múltiplas, embora ele mesmo advirta

91
que esta é uma característica rara e que deve ter sua ocorrência averiguada com rigor. Ainda, a

contextualização do filme analisado em determinado período da história do cinema, dentro de

algum movimento estético ou gênero cinematográfico é um procedimento que lança mão da

observação dos códigos (que de forma mais abrangente caracterizam certos gêneros) e dos

subcódigos (que se encontram de forma característica em certos períodos ou movimentos

estéticos) presentes no filme.

A importância dada, nesta abordagem, às “questões centradas no como” e nos processos

de significação do filme através de uma delimitação precisa dos usos dos códigos que emprega,

aponta para um método de trabalho que privilegia uma análise poética do filme, à medida que se

concebe a significação como um dentre vários efeitos das diversas estratégias ou procedimentos

poéticos. Ao mesmo tempo (lembremos a posição de Mitry, contrária à montagem intelectual por

acreditar não ser possível controlar ou dirigir o significado da justaposição de dois planos num

filme – posição que podemos estender em relação aos códigos), a significação é considerada

como um produto da atividade do espectador, dependendo portanto de sua experiência de vida e

também de sua “experiência fílmica”. Esta dupla conjugação do significado em relação à

produção e à recepção, à poética e à estética, nos faz refletir sobre a atitude recomendada pelos

autores ao analista em seu trabalho e também sobre que lugar exatamente é previsto pelo analista

para os processos de recepção da obra (já que é a construção da análise fílmica que estamos

discutindo aqui).

Como já salientamos anteriormente, é difícil conceber uma posição suficientemente

“flexível”, por parte do analista, que lhe permita ora “perseguir” o filme, “brutalizá-lo” e

“dominá-lo” e em outros momentos, conceder a ele uma recepção mais “sutil” e “terna”.

Se, para a correta definição do significado particular de um determinado código ou

subcódigo, concorre a cultura cinematográfica do analista e seus estudos teóricos sobre o cinema,

92
ao mesmo tempo, como assinalou Mitry, entra em jogo a sua experiência de vida, variável

pessoal que influenciará na atribuição dos significados ao código ou ao filme. Esta variável

parece trazer complicações ao projeto “científico” da abordagem de Metz, se pensarmos que a

ciência tem sempre em seu horizonte o conhecimento de algum tipo de verdade. Por outro lado,

as posições de Agel e Ayfre parecem lidar com esta questão a partir de outra perspectiva, à

medida que reconhecem a própria experiência estética (do analista ou do espectador comum)

como o lugar por excelência onde pode haver o encontro com aquela verdade.

Desse modo, a experiência de vida do analista é um fator que influencia em suas análises;

para os teóricos filiados à fenomenologia a própria experiência do filme (um fato da vida) é o

evento central de toda a relação com ele e, como vimos na primeira parte desta dissertação, a

maioria dos teóricos abordados considera que o objetivo final do cinema está diretamente

relacionado com a vida, com as nossas vidas (considerando o conjunto da experiência humana)

ou ainda com a visão que temos e cultivamos da vida e do mundo. Se uma teoria do cinema e um

modelo de análise de filmes são dois objetos inteiramente distintos, sendo o primeiro criado para

discutir o conjunto das possibilidades do cinema e o segundo para desdobrar o filme em um

discurso que mostra o próprio filme em relação com o mundo, podemos dizer que a relação entre

estes dois objetos é a seguinte: ao mesmo tempo que as teorias do cinema foram construídas por

homens que se dispuseram a lançar um olhar reflexivo sobre o cinema, o propósito último de

toda análise fílmica poderia ser colocado como o ato de verificar se (e em que medida, e de que

formas) o filme analisado realiza (ou não) aquilo que a teoria desenha como o campo da

possibilidade para o cinema. Em outras palavras, se as teorias do cinema projetam num horizonte

um cinema possível de ser alcançado pelos realizadores, o analista, através de seu trabalho,

deverá dizer se aquele horizonte foi alcançado ou não, de que maneiras, etc. Assim procedendo,

o texto da análise, inicialmente focado no filme, irá forçosamente dirigir-se ao mundo que o

93
inspirou para observar de que modo se desenvolve o diálogo entre os dois, de que modo o mundo

é contemplado na obra e de que modo a obra pode vir agora a influenciar o mundo.

Para Christian Metz, que teve sua visão do cinema influenciada pelas teorias de Marx e

Freud, acreditando que “toda análise de sistemas de significação precisa invocar implicitamente

os sistemas sociais e psicológicos dentro dos quais funcionam os signos” (ANDREW, 1989, p.

239), o objetivo do cinema era continuar se desenvolvendo no sentido de passar a utilizar novos

códigos, extraídos do domínio de códigos reprimidos e ainda não tentados e, através deles, com

eles, investir na cultura uma nova gama de significados que permitissem “criar uma nova visão

física que será a base de uma nova organização do mundo (...), não mais reprimindo nossos

desejos, mas liberando-os para se apossarem de sua própria liberdade numa verdadeira

sociedade.” (ANDREW, 1989, p. 238). Assim, verificar se um filme contribui para a

concretização deste projeto é algo que uma análise fílmica deveria contemplar. Vale lembrar,

neste ponto, a idéia de objetivo do cinema, presente na teoria de Metz, uma vez que este teórico é

a influência predominante no modelo de Vanoye e Goliot-Lété que estamos discutindo e já que

seria interessante comparar esta visão com aquela que estes dois autores declaram como o

propósito da análise fílmica).

Em momento anterior desta dissertação (p. 60-61) já vimos o que pensam Vanoye e

Goliot-Lété sobre o propósito da análise fílmica. Trata-se de uma visão que não contempla a

perspectiva que acabamos de mencionar (da verificação do “sucesso” do filme, tendo como

parâmetro a qualidade de seu diálogo com mundo), mas, que considera o texto da análise (e, por

conseqüência, a figura do analista) uma instância capaz de iluminar a obra para o espectador (ou

iluminar-lhe a mente...), para que assim ele possa compreendê-la melhor, ver a rede de

significados que ela apresenta de forma implícita (às vezes codificada), ter mais prazer em seu

94
contato com a obra, deslumbrar-se com ela, mas de forma justificada e embasada; não um

deslumbramento qualquer, mas um “deslumbramento participante”. Esta posição parece-nos

questionável, uma vez que se apresenta como autoritária, na atitude de pretender orientar, guiar,

dirigir a apreciação do filme pelo espectador; pedante, na pretensão de oferecer-lhe uma

experiência de prazer supostamente superior frente ao filme; normativa, pela intenção de querer

legislar sobre a experiência íntima do espectador com a obra, inclusive empurrando-lhe uma

estrutura de significados “correta” que desautoriza, inferioriza, torna ilegítimo e equivocado o

deslumbramento leigo (se é que podemos chamar assim) do espectador comum.

95
CONCLUSÃO

O surgimento do cinema, no final do século XIX, provocou uma ebulição cultural que se

estenderia por todo o século XX. Visto inicialmente pelos integrantes das elites como uma baixa

diversão popular, o cinema foi aos poucos conquistando toda a sociedade, seduzindo os olhos e

as mentes de seus espectadores. O que escrever sobre esta nova forma de... de que mesmo?

Entretenimento? Diversão? Magia? Distração? Encantamento? O que, até então, havia de

semelhante ao cinema? Nada, esta é a verdade; o cinema era completamente novo. A imagem em

movimento. As sombras da lanterna mágica não podiam se comparar a ele. Para o parisiense que

se espremia entre tantos na sala onde os irmãos Lumière fariam mais uma sessão de seu

cinematógrafo, a imagem em movimento emanava um brilho provavelmente semelhante àquele

dos espelhos mostrados pelos navegadores europeus aos índios do novo continente. E os

parisienses não tardaram a se acostumar com a novidade, esta logo passando a fazer parte de suas

vidas de forma definitiva. Um daqueles parisienses, Jean-Paul Sartre, escreveu:

Desafio meus contemporâneos a citarem a data de seu primeiro encontro com o cinema.
Entrávamos às cegas num século sem tradições, que devia distinguir-se dos outros por seus maus
modos e a nova arte, a arte plebéia, prefigurava nossa barbárie. Nascido num antro de
bandoleiros, classificado como atração de parque de diversões, tinha maneiras popularescas que
escandalizavam as pessoas sérias; era o entretenimento das mulheres e das crianças; nós
adorávamos o cinema, minha mãe e eu, mas não pensávamos e nunca falávamos nele: e alguém
fala do pão quando este não falta? Quando nos demos conta da sua existência, fazia tempo que
tinha se tornado nossa necessidade principal. (SARTRE apud TOULET, 2000, p. 1)

O que pensar ou escrever sobre o cinema? É bem possível que as primeiras iniciativas de

fazê-lo, por parte de membros da elite intelectual francesa, tenham sido motivadas pelo

conflituoso sentimento misto de fascínio (pela maravilhosa novidade) e repulsa (por aquela

diversão popularesca). Queriam assim, entender o cinema; explicá-lo a si mesmos.

96
Mais tarde surgiram aqueles que se dedicaram a pensar sobre o que o cinema poderia vir

a ser, ou mesmo o que ele deveria ser; os chamados teóricos do cinema. Observando a

diversidade e a riqueza destas teorias (aproximamo-nos de algumas delas neste trabalho), é

difícil não sentir uma espécie de tristeza diante da monotonia e da pobreza do modelo de

produção cinematográfica que ocupa a maioria das salas de cinema do planeta. Nenhuma teoria

do cinema jamais foi escrita imaginando ou desejando para o cinema um horizonte como o atual,

dominado pela lógica do blockbuster, da venda de merchandising atrelada aos filmes, das

sessões públicas de teste de um filme antes do final cut do diretor; enfim, a visão de um cinema

completamente dominado pelas leis de um mercado econômico. Hoje, menos do que 20% da

produção mundial escapa a este modelo.

As teorias do cinema projetaram diversos cenários para a realização cinematográfica; e

não foram poucos aqueles que se aventuraram na experimentação, de forma ousada e, não raro

com resultados sublimes: cineastas como Sergei Eisenstein, Luís Buñuel, Jean-Luc Godard,

Glauber Rocha, Jacques Tati, Michelangelo Antonioni, Robert Flaherty, Ingmar Bergman,

Jacques Demy, Andrej Tarkovski, Alfred Hitckcock,entre tantos outros. A forma de organização

predominante hoje em dia no universo do cinema provavelmente não possibilitaria o surgimento

ou o desenvolvimento da maioria destes cineastas; afinal, já imaginaram algo mais surreal do

que uma sessão de teste de um filme de Luís Buñuel?

Se as forças do mercado cinematográfico hoje são repressoras e reacionárias, é

interessante observar como algo da esfera da repressão, do conservadorismo, também fez parte

da produção dos teóricos, que deveriam justamente estar abertos e atentos às possibilidades de

desenvolvimento e mudança do cinema. Referimo-nos a algumas das posições de teóricos como

Hugo Munsterberg e Rudolph Arnheim, que eram contrários às mudanças tecnológicas no

97
cinema, pois acreditavam que o cinema mudo de sua época representava a evolução última e

perfeita da nova arte e que a introdução de novidades técnicas apenas o degradaria.

O embate travado no século XX entre as posições teóricas formativas e realistas foi

vencido pelo segundo grupo, não apenas no plano da produção teórica (que passou a ser

predominantemente realista a partir do meio do século), mas principalmente, e de forma

distorcida, no plano da produção, onde veio podar a ousadia, a criatividade, facilitando o

enquadramento de todo um processo de produção em um modelo único e sem compromisso real

com a criação e a investigação artística. No plano das teorias, o deslocamento, por exemplo, da

noção de material fílmico, dos processos mentais (em Munsterberg) para a realidade (em

Kracauer e de certa forma também em Bazin), apresenta uma certa consonância em relação à

esfera da produção.

A dominação, nos dias atuais, de um sistema ou modelo de produção cinematográfica

sobre outros, encontra também um paralelo nas posições muitas vezes mutuamente excludentes

das teorias do cinema. Até antes de Mitry, como vimos, cada teórico apresentava uma teoria do

cinema que continha várias proposições incompatíveis com as precedentes. A “teoria do

mercado” parece ser, na contemporaneidade, aquela que suplantou todas as outras, deixando

completamente para trás concepções como aquelas de Arnheim ou Balázs que queriam pensar

apenas em um cinema que fosse arte.

É interessante observar, no processo de composição das teorias, como foram

incorporando conceitos de outras áreas ou, em outros casos, procurando preservar o cinema da

influência de alguns campos. No primeiro caso, como exemplo, temos o caso notável de

Eisenstein, que vai tomar da poesia oriental o conceito de choque para incorporar à sua teoria da

montagem cinematográfica – este tipo de atitude, neste teórico, explica sua posição favorável ao

advento de novas tecnologias no cinema, uma vez que ele planejava como usá-las de maneira a

98
enriquecer ou ampliar seu sistema; no segundo caso, temos a posição de Mitry, contrária à

influência ou proximidade de uma concepção dramática clássica no cinema, por considerá-la

pouco cinemática (o homem deveria ser retratado pelo cinema em embate com o mundo e não

com a figura de Deus ou de outras pessoas que, no teatro, podem representar forças do mundo).

Outra oposição que vemos se formar pelo produto das teorias e que guarda certa analogia com o

embate entre a formatividade e o realismo, é a distinção de um cinema de contemplação versus

um cinema de significação, o primeiro inspirado em abordagens semi-documentais como aquela

do cinema de “enredo encontrado” de Kracauer, e o segundo baseado no trabalho de Christian

Metz e que prevê um olhar bastante ativo (mais perscrutador, menos contemplativo) do analista

diante da obra fílmica.

Mas, neste caso, quando se procura direcionar a atitude de recepção da obra pelo seu

espectador, entra-se no terreno tão negligenciado da experiência do filme e que nos parece ser a

contribuição fundamental dos autores vinculados à fenomenologia. A questão que se coloca aí é:

qual o lugar para a experiência do filme em uma teoria do cinema? Também, que lugar para esta

experiência no texto de uma análise fílmica ou no processo de sua composição? Procuramos

incluir esta discussão em nosso estudo da análise fílmica.

Tudo isso nos leva a perguntar: e o trabalho de análise de filmes, como tem se

apresentado? É também influenciado pelas teorias do cinema? Sofreu impactos relativos às

mudanças operadas nos sistemas de produção cinematográfica? Como escreveram alguns dos

grandes críticos de cinema brasileiros? Abordaremos estas e outras questões a seguir;

inicialmente examinaremos como se apresenta o texto da análise fílmica de três grandes críticos

brasileiros, em seguida, procuraremos refletir sobre a produção brasileira contemporânea deste

99
tipo de texto. Finalmente, apresentaremos nossa própria contribuição para a elaboração de um

modelo mais abrangente para a análise fílmica.

Três críticos de cinema brasileiros

Paulo Emílio Sales Gomes

Os dez anos de crítica de cinema de Paulo Emílio no Suplemento Literário do Estado de

São Paulo estão reunidos em dois volumes editados pela Paz e Terra em 1981. A leitura destes

textos, publicados semanalmente entre 1956 e 1965, não deixa dúvida sobre o motivo pelo qual

Paulo Emílio é considerado o decano entre os críticos de cinema no Brasil.

Suas críticas colocam lado a lado erudição, conhecimento específico sobre o cinema e

didatismo. Organizadas como crônicas, suas abordagens compreendem um amplo espectro do

universo cinematográfico: informações sobre a história do cinema, considerações sobre suas

qualidades industriais e artísticas, análises das trajetórias de diversos diretores, articulações entre

as obras fílmicas e os contextos sócio-culturais em que elas emergem, discussão sobre os

caminhos do cinema brasileiro, entre muitos outros aspectos. O cinema, em seus textos, é na

verdade pretexto para discorrer sobre outros assuntos (política, história, artes em geral), assim

como estes e outros assuntos são porta de entrada para a discussão mais especificamente

cinematográfica.

Em seus textos, notavelmente elegantes e seguros, percebe-se o desejo de comunicação

efetiva com o leitor, através do didatismo e da clareza como as idéias são apresentadas e

discutidas. O tom adotado, altivo, sóbrio e paternal, lembra uma conversa de pai para filho ou de

irmão mais velho para mais moço, quando se quer transmitir conhecimento de forma responsável

e cuidadosa. A prosa é tão simples quanto precisa.

100
O formato crônica adotado tampouco é desenvolvido segundo algum esquema ou roteiro

metodológico para a construção da crítica. Diversas são as entradas possíveis para o início da

discussão sobre cinema e estas se mostram segundo um conjunto de variações, sendo o texto

sempre introduzido de forma direta e, ao mesmo tempo, com uma certa leveza, desenvolvendo-

se a partir daí quase que num tom de conversa íntima.

Os filmes são quase sempre abordados na perspectiva que contempla o conjunto da obra

de seu diretor, o que origina com freqüência análises e considerações sobre toda uma filmografia

(e seu diálogo com outras cinematografias), ao invés de uma análise isolada de um só filme.

Quando se trata de adaptações da literatura, as obras literárias são também consideradas, trazidas

à discussão; do mesmo modo Paulo Emílio procede quando se apresentam no filme referências à

música erudita, à política ou à sociologia. Procura assim estender a discussão, abordando o

fenômeno fílmico a partir da moldura mais abrangente.

Quando discorre sobre a filmografia de determinado diretor, o foco da análise geralmente

são os temas presentes e recorrentes ao longo dos filmes, traduzidos assim como espécie de

marca, identidade do projeto artístico do diretor e sua visão de mundo. Informações sobre a

biografia do realizador também são trazidos à consideração em tais casos para diálogo com a

obra. Assim, por exemplo, em um dos seus artigos, A Solidão de Nosferatu, a situação de

repressão sexual vivida por Murnau na sociedade em que cresceu é incorporada à análise daquela

obra (assim como ao resto de sua filmografia), associando desta forma os sentimentos de solidão,

culpa e pecado aos assuntos (estes mesmos) presentes em seus filmes. Paulo Emílio aborda desta

forma um ponto como este:

A fim de compreender os problemas que Murnau teve que enfrentar, é preciso não esquecer que
nasceu e viveu, até os trinta anos de idade, numa comunidade onde imperava o famoso parágrafo
175, do código penal, que reprimia de forma brutal todas as manifestações de vida sexual que não
se coadunassem às normas estabelecidas pela tradição da moral judaica e cristã. (...) No clima em
que vivia, a singularidade de Murnau aparecia-lhe como algo de monstruoso, que o isolava do

101
mundo, que o tornava um estranho, um ser condenado à solidão, como Nosferatu. Aí sentimos o
que transforma em compreensão, compaixão e simpatia, o eventual terror do personagem.
Nosferatu não é uma força ativa do mal, mas uma vítima. O fato de o personagem que encarna o
horror permitir tão grande margem de simpatia, indica a insolúvel dialética de Murnau frente à
própria singularidade. Se tivéssemos a oportunidade de rever a obra completa de Murnau,
teríamos certamente ocasião de verificar a constância do processo. Em Der Januskopf, baseado
no Dr. Jekill and Mr. Hyde, de Stevenson, o cineasta teve a oportunidade de exprimir a sua
autoflagelação através da dissociação completa dos dois pólos de uma natureza humana. (...)
Finalmente, em Aurora, a temática é a do pecado, do crime e do remorso, e em Tabu, a do amor
proibido. (GOMES, 1981, vol. 2, p. 14-15)

Se, quando aborda diretamente um filme ou uma filmografia, a discussão sobre o seu

universo temático é privilegiada, as considerações sobre os aspectos técnicos das obras ocupam o

segundo plano, ainda que estejam presentes; exceto em casos notórios quanto ao emprego da

técnica, como, por exemplo, no caso de um Orson Welles ou de um Alfred Hitchcock. Sendo

este tipo de observação muito mais freqüente nas décadas mais recentes, talvez isto se explique

pela ausência, na época de Paulo Emílio, das facilidades de acesso e exame das obras

proporcionadas mais tarde com o advento do aparelho de videocassete, possibilitando assim,

entre outras coisas, observações mais acuradas em relação às características mais propriamente

técnicas dos filmes. É claro que todos os grandes críticos de cinema do período que antecede o

aparecimento do videocassete têm esse mérito extra pela construção de seus textos acurados

numa época em que, afinal, não se podia dispor dos filmes, muito menos manipulá-los como

fazemos nos dias de hoje.

Os textos de Paulo Emílio também comentam as relações do cinema, dos filmes e

diretores com os contextos sociais e políticos nos quais surgem. Em Ideologia de Metropolis, por

exemplo, ele comenta os motivos pelos quais Hitler teria apreciado Metropolis (Lang, 1927) e,

quando mais tarde no poder, teria convidado Fritz Lang (que recusou, exilando-se) a colaborar

na construção de uma estética nazista. Eis a passagem:

102
Em 1927, Hitler e Goebbels assistiram Metropolis num cinema de uma pequena cidade do
interior da Alemanha. Acabada a projeção, o futuro ditador disse ao seu futuro ministro da
propaganda que o autor da fita parecia-lhe o homem indicado para criar o cinema nazista.
Certamente Hitler se impressionou sobretudo com o gosto de Fritz Lang pelo grandioso, mas é
provável também que muita coisa o tenha interessado na babel ideológica de Metropolis. No
espírito de Lang e de seus decoradores, a estrela de David, incrustada na porta da casa de
Rotwang, indicava apenas que o inventor era iniciado nas ciências esotéricas mas para os nazistas
tratava-se do próprio símbolo do judaísmo; as ações praticadas pela Maria diabólica não
poderiam deixar de causar-lhes a maior satisfação, já que segundo o hitlerismo os judeus eram ao
mesmo tempo os responsáveis pela corrupção na burguesia e pelo fermento revolucionário no
proletariado. (GOMES, 1981, p. 10)

Suas críticas podiam também ter como ponto de partida o exame de outros trabalhos

críticos em cinema, clássicos ou contemporâneos (aos quais estava sempre atento), derivando

daí, às vezes, para a abordagem de alguma obra cinematográfica. Aliás, a própria situação da

crítica de cinema, era assunto sobre o qual também se detinha. Lamentava o fato de a maioria

dos críticos de cinema escreverem mal, lamentava-lhes o despreparo e mesmo a falta de

inteligência. No entanto, o cuidado e amor com que desenvolvia seu trabalho de crítico, a opção

pela clareza e pelo didatismo, falam da consciência que ele tinha com relação à influência

formadora de seus textos sobre futuros críticos de cinema.

Walter da Silveira

O volume Fronteiras do Cinema, primeiro livro de Walter da Silveira, publicado em

1966, apresenta um conjunto de quase vinte textos deste que foi um dos principais críticos de

cinema do Brasil. A forma que ele adota nestes trabalhos é a do ensaio, no qual coloca-se à

vontade para discutir os mais diversos assuntos ligados ao cinema, assim como para realizar

análises das obras fílmicas.

Num plano mais amplo, Walter da Silveira discutiu a vocação do cinema, o papel do

crítico (e sua relação com o público), a realização cinematográfica enquanto arte e enquanto

103
divertimento (espetáculo), a difícil situação do cineasta diante do desejo (e da dificuldade) de

fazer filmes (temas estes abordados no texto Crítica e contra-crítica). Preocupou-se também em

contemplar (e oferecer ao seu leitor, de forma clara e didática) uma perspectiva histórica do

cinema, desde os primórdios de sua invenção técnica, passando pelas principais contribuições

dos mais importantes realizadores da primeira metade do século (Griffith, Murnau, Gance,

Chaplin, Flaherty, Eisenstein, Dreyer, além dos italianos, do neo-realismo e após) – no texto O

instrumento do humanismo. Fenômenos sociais próximos ao universo cinematográfico, como o

surgimento da televisão, foram também abordados por Walter da Silveira, articulando o

fenômeno em questão e seu impacto sobre a produção do cinema e sua estética (no texto O

triunfo da televisão).

Claro, além destas reflexões mais gerais sobre o campo fílmico, Walter da Silveira

também investigou com brilhantismo o campo cinemático (para usarmos aqui a distinção

estabelecida por Metz), abordagem esta que nos interessa especificamente neste nosso estudo.

Mantendo aqui também a forma do ensaio, a abordagem de Walter da Silveira à obra fílmica

procura sempre ultrapassar o limite da mesma, estendendo-se às outras obras do realizador,

traçando assim um panorama que oferece sempre mais sobre a sua trajetória artística e seus

caminhos estéticos mais gerais, do que uma análise exaustiva e sistemática de um único filme ou

do filme que serve de porta de entrada para o início da análise.

Desta forma, no livro já mencionado, Walter da Silveira aborda realizadores como

Bergman, Fellini, Visconti, Tati, Hitchcock, Antonioni, entre outros. Ainda que, nestes textos, às

vezes ele tome como referência uma grande obra de um destes diretores (como A Doce Vida ou

Um Corpo que Cai), tal obra é sempre o pretexto para a discussão e a análise de sua filmografia.

O que está em questão aí é o seu projeto artístico, sua visão de mundo, sua postura filosófica

diante da vida, suas habilidades, maneirismos e cacoetes poéticos e estéticos.

104
Não há, em seu texto, uma estrutura definida que se repita; trata-se de uma forma livre,

em que início, desenvolvimento, final, tópicos abordados, variam de acordo com o que está em

foco. No entanto, observamos que, não raro, o texto começa com uma breve introdução sobre as

primeiras obras do diretor, seguida de observações sobre alguma de suas características, que será

o tema central abordado no ensaio. Este tema será examinado na maneira como se apresenta em

uma obra fundamental do diretor e depois será situado em relação ao conjunto da obra do

realizador.

Por exemplo, no texto As vertigens de Hitchcock, a questão das habilidades técnicas deste

diretor é que está em discussão. Hitchcock é “apenas” um virtuoso das técnicas cinematográficas

ou é realmente um artista, um pensador do cinema? Para responder esta questão, Walter da

Silveira inicia observando o começo da carreira do diretor inglês, associando a sua ida para os

Estados Unidos à sua “singularidade de representar no estrangeiro um gênero cultivado pelos

americanos, desde as origens de seu cinema: exatamente, o melodrama criminal.” (SILVEIRA,

1966, p. 98). Parte então para o exame de Um Corpo que Cai, observando nesta obra

características como o uso da cenografia, dos letreiros, para mais tarde ratificar sua posição sobre

o assunto (da qual, aliás, discordamos), que vê na obra de Hitchcock pouca profundidade

reflexiva e “apenas” grande virtuosismo técnico:

Magia, talvez a palavra coerente com o cinema de Alfred Hitchcock. (...) Sempre como se
olhássemos para o espaço, reproduzindo o final de ‘Um Corpo que Cai’, o detetive, emancipado
da vertigem da altura, olhando o corpo da amante que realmente enfim tombara. Então é sempre
para nada que se perde tempo em admirar Hitchcock? Finda a magia, também finda o
encantamento? São falsos os seus abismos e as suas vertigens? O que devera ser metafísica, não é
senão técnica, aparência, exterioridade? (SILVEIRA, 1966, p. 103)

Como um outro exemplo, tomemos o texto As noites de Federico Fellini. Neste, à parte

algumas considerações sobre os talentos técnicos de Fellini, resposta à provocações levantadas

por outros críticos, Walter da Silveira está mais interessado em observar um elemento na

105
abordagem Felliniana, a saber, aquela do olhar que ele desenvolve em relação à pessoa, ao

indivíduo, na forma da personagem de seu filme. Para isso, ele observa o início da carreira de

Fellini e a influência que recebeu da escola neo-realista. Se o neo-realismo pretendeu construir

um olhar particular em relação à sociedade, o caminho de Fellini, segundo Walter da Silveira, foi

o de fazer um neo-realismo não diretamente social, mas da pessoa e, a partir daí buscar uma

solução ética para o destino da personagem, solução que poderia depois ser transferida de

maneira figurada para determinados grupos da sociedade. Tal análise adentra então A Doce Vida

para acompanhar a aventura caótica de Marcelo na noite romana que se apresenta como um

afresco daquela sociedade. Sobre este aspecto, ele escreveu:

Se ‘La strada’ tinha aberto outra via para o neo-realismo que não exclusivamente o da sociedade,
em ‘A doce vida’ Fellini avança pelo realismo social, sem esquecer o ontológico. Poderão dizer
que seus personagens não são explicados por suas raízes econômicas ou profissionais, que suas
ações não têm motivação grupal. Mas, seria necessário especificá-las, tão evidentes surgem as
classes a que pertencem, as profissões de que se nutrem? (SILVEIRA, 1966, p. 50)

Já no texto Entrevisão de Ingmar Bergman, Walter da Silveira, passando em rápida

revista a obra daquele cineasta, aponta algumas de suas características (o domínio das técnicas

expressivas, a prevalência do sexo como temática, a preferência pelo estudo da alma feminina) e

depois parte para um comentário de Morangos Silvestres (I. Bergman, 1957).

Portanto, quando o assunto do texto é um filme, acaba se estendendo por uma filmografia

e, quando o assunto é a própria filmografia, seus temas constantes, suas características, acaba por

encontrar em uma obra maior do realizador um exemplo do qual não se pode esquivar. No

entanto, em nenhum dos dois casos a abordagem de investigação de Walter da Silveira pode ser

apontada como sistemática ou completa no sentido da atenção que dirige ao seu objeto; estaria

muito mais para seletiva, em sua opção de discorrer sobre determinados tópicos.

106
José Lino Grünewald

Poeta, ensaísta, tradutor e jornalista, o carioca José Lino Grünewald foi também um dos

principais críticos de cinema do Brasil. Escreveu sua crítica de cinema em jornais como Correio

da Manhã, Jornal do Brasil e no pequeno Jornal de Letras. Sua produção nesta área, entre os

anos de 1958 e 1970 foi reunida recentemente no livro Um filme é um filme – O cinema de

vanguarda dos anos 60 (2001).

Seus escritos sobre cinema compreendem, assim como aqueles dos dois autores que

acabamos de abordar, análises sobre assuntos fílmicos e cinemáticos. Na primeira categoria, José

Lino Grünewald discorreu sobre diversos temas: a representação da mulher no cinema, a

influência e a importância de uma mulher em especial (a atriz Jeanne Moreau), o advento dos

momentos de ruptura no estado da dita “linguagem cinematográfica” (através das obras de

Godard, Resnais e Antonioni), as características de produção industrial do cinema, a chamada

“teoria do autor”, a evolução do aparato técnico para criação e exibição dos filmes, entre outros

assuntos. A forma usada para abordar tais temas é a do ensaio, colocando-se livre o autor para

articular as questões do cinema aos seus estudos e leituras em áreas como a fenomenologia de

Merleau-Ponty, o marxismo, a teoria da cibernética. Ainda assim, se neste aspecto o

compararmos a Paulo Emílio Sales Gomes, notaremos que Grünewald inscreve a sua discussão

mais freqüentemente do aquele em um campo que podemos chamar de especificamente

cinematográfico.

No campo da análise do objeto cinemático, o filme propriamente dito, observamos duas

características que o distinguem de Paulo Emílio Sales Gomes e de Walter da Silveira.

Primeiramente, enquanto aqueles dois autores, abordando um filme, freqüentemente abandonam

(ainda que temporariamente) o texto fílmico da obra em questão para discorrer sobre

107
características comuns ou não ao resto da filmografia do diretor ou sobre algum outro aspecto do

cinema ou de outro campo (sociologia, história, teoria da arte, etc), Grünewald, de forma mais

freqüente atém-se muito mais ao texto (na acepção de Metz) da obra que está analisando, ainda

que o comentário propriamente do filme seja precedido por uma introdução onde são feitas

considerações sobre o diretor, sua filmografia e evolução estética. Trata-se aí, no entanto, de uma

aproximação à obra que, uma vez alcançada, será analisada de forma detida. Nos dois outros

autores mencionados, é comum o trajeto inverso, a menção à obra como pretexto para a

discussão de temas nas fronteiras do cinema com outros campos.

A segunda característica das análises de Grünewald que as diferencia das de Paulo Emílio

e Walter da Silveira é que ele, de forma muito mais constante que aqueles, cobre em seus textos

de forma quase sistemática, um percurso de exame sobre as características técnicas do filme,

além de outros elementos. Isto é, invariavelmente, suas análises trazem considerações sobre o

uso do som, sobre a fotografia, a montagem, o trabalho de câmera, a performance dos atores

(entre outros tópicos), como se isto fizesse parte de uma espécie de roteiro pré-estabelecido de

análise (levando em consideração a presença constante destes dos tópicos, não necessariamente

na ordem de apresentação ou na estrutura do texto, embora mesmo aí verifiquemos que tais

considerações são geralmente situadas na segunda metade do texto). Não encontramos em Paulo

Emílio ou em Walter da Silveira este tipo de preocupação de forma sistemática. Grünewald,

além disso, aborda estes tópicos com detalhe e aprofundamento. Observemos, como exemplo,

como ele comenta algumas das características de Acossado (Godard, 1960) que, em sua visão,

tornam este filme uma obra de choque:

A ruptura com uma concepção tradicional de continuidade, pelo desprezo para com uma idéia de
sincronização imediata entre o corte e o diálogo. Tal dessincronização verifica-se por uma
espécie de distorção do método de correspondências paralelas para conduzir os dois elementos.
Não existe, por assim dizer, uma rima entre ambos os movimentos: enquanto um dos personagens
fala, um novo plano se sucede sem indicar quebra de progressão do diálogo. Ou, então, ocorre um

108
corte de um plano para outro quase idêntico. Ao mesmo tempo, nem sempre se mantém esse
continuum do diálogo ou do monólogo: a uma pergunta não sucede imediatamente um tipo de
resposta esperado, dentro de uma lógica habitual de construção dramática herdada do teatro ou do
romance. As vozes chegam mesmo a se entrelaçar. Nesse ponto, o filme coloca diferentes
perspectivas na aplicação dos conceitos de campo e contracampo. (GRÜNEWALD, 2001, p. 72)

Tal inclinação, faz de Grünewald um crítico menos “ensaístico” e mais “analítico”,

quando comparado a Paulo Emílio ou Walter da Silveira. Torna-o, também, mais próximo do

que aqueles autores de uma abordagem de análise fílmica como a proposta por Vanoye e Goliot-

Lété, no sentido da observação e do registro de características técnicas do filme.

Tais diferenças, entre estes autores importantes e influentes, colocam interessantes

questões para uma discussão sobre a análise fílmica. Por exemplo, o analista ou crítico tem a

obrigação de analisar um filme “inteiramente”? Quer dizer, ele deve necessariamente, discorrer

sobre todos os aspectos de um filme? Pode-se, assim, chamar de negligente (ou incompetente)

um crítico, ou de ruim uma análise que não comenta apenas um aspecto importante de certa

obra? (Por exemplo, Grünewald praticamente nada fala sobre a dimensão psicológica em Um

Corpo que Cai, principal força motriz para o desenvolvimento das ações de sua personagem

principal e da própria trama). Ou o crítico, em uma análise, pode-se permitir aproximar-se de um

filme apenas para discorrer sobre alguma característica sua? Seria esta a diferença entre

comentário sobre um filme e a análise fílmica? Um desses tipos de análise seria mais completo

ou melhor que o outro?

Outro ponto importante que devemos observar diz respeito à referência mais ou menos

freqüente, nas análises destes três grandes críticos, aos teóricos do cinema e aos seus conceitos,

que são então invocados para discutir determinada característica de um filme ou então para

fundamentar a própria posição do crítico diante da obra ou de algum de seus aspectos. Citaremos

um exemplo (dentre vários) deste diálogo entre crítica e teoria para cada um destes três autores.

109
Em Dostoiévski ou Visconti?, um dos textos de Fronteiras do Cinema (1966), Walter da

Silveira discute a questão da adaptação literária no cinema a partir do exemplo de As Noites

Brancas (1957), filme de Luchino Visconti que é uma adaptação do livro homônimo de

Dostoiévski. Sobre a natureza deste trabalho, o da adaptação, quando comenta a presença de um

tema no filme que excederia a temática do romance, Walter da Silveira recorre a uma

contribuição de André Bazin sobre este tópico:

Como disse certa vez André Bazin, ao transpor-se para filme uma peça ou romance, não se
promovem substituições estéticas, nem concorrências. Só é básico que o realizador tenha bastante
imaginação, para inventar os equivalentes cinematográficos do estilo do original: uma
equivalência do sentido das formas, não uma equivalência linear, superficial. Mesmo porque,
completou Bazin, urge findar a idolatria da forma que nos foi legada pelo século XIX, e que tinha
feito recuar ao segundo plano do espírito crítico o que sempre continuara a ser o essencial na
criação: a invenção dos personagens e das situações. (SILVEIRA, 1966, p. 38).

André Bazin também era uma importante referência para Paulo Emílio, que o

considerava, em 1958, o “maior crítico de cinema da atualidade” (GOMES, 1981, p. 344). Em

junho daquele ano Paulo Emílio escreveu o texto O filho de Auguste Renoir, no qual discorre

sobre o início da carreira de Jean Renoir e sobre a forma como este incorporou aos poucos em

seus filmes a influência de seu pai no campo da pintura. Sobre este ponto, Paulo Emílio comenta,

recorrendo a Bazin, o momento do cineasta à época da criação de French Cancan:

André Bazin escreveu em 1955 um estudo tão penetrante sobre esse momento de criação de Jean
Renoir que na fase atual das pesquisas críticas não resta senão parafraseá-lo. Ele observa que o
realizador conseguiu evocar cinematograficamente um alto momento da pintura, não na procura
de uma imitação exterior de suas características formais – método possível na película em preto e
branco devido ao automatismo da transposição necessária – mas colocando-se num ângulo de
criação a partir do qual a matéria cinematográfica se ordena espontaneamente em conformidade
com o estilo da pintura em questão. Bazin lembra que só objetivamente a pintura é uma arte
puramente espacial, pois para o espectador ela é um universo a ser longamente contemplado e
explorado, o tempo transformando-se então numa de suas dimensões virtuais. Em French Cancan
processa-se fusão entre o tempo subjetivo da contemplação e a duração objetiva da metamorfose
fílmica. (GOMES, 1981, vol.1, p. 347)

110
Béla Balázs é uma referência menos freqüente, mas ainda assim presente nos escritos de

Paulo Emílio. E, se para ele, como vimos, Bazin era o maior crítico da época, acreditava que “o

sentimento de verdadeira grandeza intelectual só nos é dado por alguns textos de Sergei

Mihailovitch Eisenstein” (GOMES, 1981, vol.1, p. 233), a quem dedicou vários artigos, entre

eles, O homem Eisenstein, O pensamento de Eisenstein, A formação de Eisenstein, Eisenstein e a

massa, Eisenstein e a mística, entre outros.

No caso de José Lino Grünewald, a referência aos teóricos do cinema é menos freqüente,

ao menos nos artigos que examinamos, aqueles reunidos no livro Um filme é um filme. Há ali

(GRÜNEWALD, 2001, p. 71) apenas uma única menção a André Bazin, em que se menciona o

vínculo do teórico e crítico francês com os cineastas da Nouvelle Vague. Dentre os teóricos que

abordamos neste trabalho o único outro presente nos textos de Grünewald é Eisenstein, que é

mencionado em diversas passagens mas sempre de forma ligeira e circunstancial. A referência

àquele teórico que é mais próxima do seu universo conceitual acontece num texto dedicado a

Hiroshima meu amor, no qual Grünewald, relacionando os aspectos de invenção presentes

naquele filme de Resnais, comenta que os...

...Planos que parecem pertencer a uma película somam-se a outros de filmes diversos e assim
ocorre com close-ups, travellings ou seqüências inteiras. Uma superposição de conflitos, na
acepção de Eisenstein, porém multiplicados em uma pluralidade de esferas, inclusive semânticas,
cuja desconexão aparente leva a uma unidade superior. A memória mescla-se com fatos reais e há
sempre um critério de transposição abrupta. (GRÜNEWALD, 2001, p. 54)

A erudição, a propriedade, o alto nível enfim do trabalho crítico destes autores, atuantes

no começo da segunda metade do século XX, só pode deixar a nós, brasileiros, orgulhosos. No

entanto, devemos perguntar: que lições devemos guardar destes mestres? O que torna tão ricos os

seus trabalhos? A resposta provavelmente seria: além do amor pelo cinema e do conhecimento

profundo deste, a decisão de explorar, além do próprio cinema, também o seu complexo entorno,

111
suas muitas fronteiras, estas incluindo a história, a teoria da arte, a sociologia, a psicologia, a

filosofia, entre outras. Este foi o projeto crítico destes três grandes nomes; projeto este, diga-se

de passagem, que não realiza quem quer, mas quem pode. (Aqueles que querem mas que ainda

não podem, têm que programar para si mesmos um longo trajeto de preparação e estudo).

Cabe pensar um pouco agora sobre a continuidade, a presença, a visibilidade deste

projeto crítico na atualidade. Os críticos atuais conhecem, guardaram a lição dos mestres?

Aplicam-na? Podem aplicá-la? Com que objetivos empreendem suas análises? Em que forma as

apresentam? O diálogo com os teóricos do cinema continua sendo cultivado e assumido como

referência em seus trabalhos de análises de filmes?

Análise fílmica hoje no Brasil em veículos de grande circulação

A análise fílmica, como já foi dito, pode se apresentar em diversas formas, dependendo

do ambiente onde é produzida; por exemplo, na universidade ou em alguma publicação

especializada em cinema, ou ainda na grande mídia, seja num jornal ou revista. Será diferente

também a depender do conhecimento, experiência e talento de quem a realiza e do escopo que se

pretende dar ao texto. Será assim, em um caso ou outro, mais propriamente chamada de análise

fílmica ou de crítica de cinema, comentário, resenha, jornalismo cultural, etc.

Em dezembro de 2001, a revista on-line Contracampo realizou uma entrevista (através de

um questionário enviado por e-mail) com vários críticos brasileiros de cinema trabalhando então

em alguns dos mais importantes jornais do país (ver esta entrevista, na íntegra, no anexo desta

dissertação). A partir das declarações daqueles críticos, procuraremos abordar algumas variáveis

importantes relacionadas ao estado da produção crítica contemporânea no país.

112
Na presente reflexão sobre a análise fílmica, a opção de discutir o contexto dos trabalhos

críticos veiculados em jornais diários ou em revistas (não necessariamente exclusivamente

dedicadas ao cinema), é adotada uma vez que entendemos que nos textos mais curtos publicados

nestes periódicos (e não apenas nos textos mais extensos do ambiente acadêmico ou das revistas

especializadas) pode-se também avaliar criticamente um filme de forma séria e honesta, ainda

que a limitação do espaço necessariamente torne o texto mais conciso e econômico, limitando

portanto o seu escopo.

O texto jornalístico dedicado ao comentário crítico e à avaliação de filmes no Brasil, quer

seja em jornais ou em revistas, costuma trazer insatisfação ao leitor mais exigente, àquele que

possui alguma cultura cinematográfica, assim como a alguns dos próprios críticos que também

acompanham a evolução deste gênero jornalístico. Uma crítica comum a este material é a de que

tais textos se afastaram de um exame crítico e aprofundado da obra, para falar sobre diversos

outros tópicos associados ao filme, como, por exemplo, sua carreira em festivais de cinema, os

prêmios conquistados, sua performance nas bilheterias ou, ainda, a filmografia prévia do diretor

ou dos atores. Quanto ao filme mesmo (e aos seus atributos artísticos, conceituais e estéticos),

pouco espaço lhe é dedicado e, mesmo neste reduzido espaço o filme é muitas vezes abordado

sem rigor, respeito ou propriedade.

Encontram-se textos nos quais o crítico usa mais da metade do espaço disponível falando

sobre alguma outra coisa que não o filme e, então, num último parágrafo, dirige à obra alguns

adjetivos desencontrados, compara-a de forma sumária com algum outro filme ou livro(!) e está

assim arrematado o texto. O tom com que se escreve é, também, muitas vezes, inadequado. Às

vezes gratuitamente irônico, outras vezes equivocadamente pessoal, empurrando ao leitor uma

perspectiva que não lhe interessa e que passa muito longe de um verdadeiro exame da obra. A

prática muito disseminada de uso de ícones para qualificar sumariamente a obra também não

113
ajuda a melhorar o quadro. No rodapé do texto a presença das tais estrelinhas, bolinhas e

bonequinhos aplaudindo muitas vezes apenas mascara a dificuldade de expressão do crítico, sua

inabilidade ou preguiça de desdobrar as tais estrelinhas em bom texto. Claro, é verdade que

algumas vezes tal procedimento atende a uma exigência do editor (e não a uma preferência do

crítico), para tornar ainda mais rápida a transmissão da informação para o leitor, que a recebe

assim, necessariamente de forma deformada e simplista.

Diversos são os fatores a que se atribui a maneira como se apresentam tais textos

atualmente; veremos a seguir três tópicos derivados de perguntas da entrevista da Contracampo e

que nos parecem pertinentes no âmbito desta discussão. Eles dizem respeito ao espaço dedicado

nos jornais aos textos sobre cinema, à formação do crítico de cinema e ao papel que se atribui ao

crítico (ele mesmo ou o seu editor).

1) O espaço reservado à publicação de críticas de cinema em jornais e revistas.

Os três críticos que abordamos na seção anterior, escrevendo seus textos nos anos 50 e 60

do século passado, tinham disponível um espaço nos jornais que hoje raramente é

disponibilizado ao cinema. Com suficiente espaço disponível, era então possível desenvolver um

texto que não necessariamente se restringia ao filme criticado, mas que, com freqüência, como

vimos acima, dissertava sobre outros assuntos correlatos ao campo do cinema (literatura, música,

etc) aos quais o filme se apresentava associado. O projeto editorial dos grandes jornais foi

reformulado nas ultimas duas décadas e, como afirma Inácio Araújo, crítico da Folha de São

Paulo, não há mais espaço para o tipo de crítica praticada no passado; além disso, modificou-se

também a visão que se tinha do leitor do jornal, antes visto como um sujeito curioso, bastante

interessado no assunto, disposto a correr atrás das referências mencionadas pelo crítico, até

114
mesmo com mais tempo disponível para a leitura. Admite-se que o leitor contemporâneo não

possui a mesma disponibilidade de tempo e portanto precisa estar bem informado e de forma

rápida, daí o imperativo dos textos curtos, na maioria das vezes de conteúdo informativo e não

de conteúdo crítico ou analítico.

Como parte das reformas editoriais, cadernos de cultura e suplementos literários

deixaram de ser editados, os textos ficaram mais curtos e objetivos, mais preocupados com o

informar do que com o discutir, cedendo espaço precioso na página (antes ocupado por alguns

parágrafos a mais de texto) para gráficos e outras ilustrações que pretendem informar ainda mais

rapidamente o leitor, tornando o texto um coadjuvante.Ricardo Cota, do Jornal do Brasil,

menciona o pacto editorial que privilegia as matérias informativas ao invés das críticas.

O tamanho do texto, no entanto, os próprios críticos concordam em relação a isso, não

pode ser visto como o fator decisivo, aquele a ser apontado como determinante por uma queda na

qualidade dos textos críticos sobre cinema. Um comentário crítico sério, embasado, honesto, não

necessita forçosamente de muito espaço para ser desenvolvido, podendo ser escrito num espaço

às vezes bem pequeno, embora, é claro, com evidentes limitações à envergadura do texto. Assim,

não é somente a redução do espaço para tais textos que se apresenta como uma variável a ser

considerada na discussão deste problema, mas, ao mesmo tempo, o uso que se faz deste espaço,

quem o utiliza, com que propósitos, etc.

Além disso, verifica-se uma tendência em se privilegiar, no lugar da análise, as

entrevistas (com diretores e atores) e reportagens que, às vezes, não vão além das informações

veiculadas nos releases publicitários dos filmes. Por isso, muitos jornalistas consideram que o

que se faz atualmente nos jornais é resenha e não crítica, e assumem que a orientação que

recebem do editor é aquela de apontar ao leitor aquilo que ele deve assistir (o que há de

115
interessante para ver nos cinemas), e não de fazer um exercício reflexivo, analítico,

verdadeiramente crítico sobre a obra.

A popularização da Internet em meados da década de 1990 e, junto com este processo, o

aparecimento de sites dedicados à crítica de cinema, apresenta-se como uma variável importante

quando se discute a questão do espaço dedicado aos textos sobre cinema. A publicação através

da Internet elimina o fator custo relativo à impressão, papel e distribuição presente nos jornais e

revistas. Assim, um texto num site pode ter dez linhas ou dez páginas que custará o mesmo do

ponto de vista material. Eliminado assim o fator custo físico nas publicações on-line, as revistas

sobre cinema na Internet se prestariam bem ao teste desta variável com relação à qualidade dos

textos críticos. Hoje, no Brasil, algumas revistas on-line (Inácio Araújo menciona Contracampo,

Mnemocine e Sinopse), publicam periodicamente suas edições sobre cinema. Entre elas, a revista

Contracampo vem conquistando leitores, admiradores e reconhecimento graças à qualidade do

trabalho crítico ali desenvolvido. Os textos publicados nesta revista costumam ser extensos (além

de bem escritos), bem maiores que aqueles que encontramos nos jornais impressos e trazem

análises cuidadosas dos filmes. É evidente que esta característica atende aos ideais editoriais da

revista, que faz a opção pelo exame aprofundado da obra, pela reflexão, pelo respeito ao filme e

ao espectador, deixando claro assim a visão que têm seus críticos do que é, do que deve ser a

crítica de cinema, do tipo de texto que deve merecer esta denominação. É interessante observar

que, se por um lado os textos extensos são possíveis graças ao baixíssimo custo material da

produção da revista, por outro lado, a opção pelo aprofundamento vai de encontro à orientação

geral que preconiza a publicação de textos curtos na Internet, não devido à questão do custo, mas

devido à idéia também presente nos veículos impressos de que o leitor contemporâneo tem

pouco tempo disponível e portanto necessita de informação de forma objetiva, que possa ser lida

rapidamente. Além deste fator, pesquisas sobre os comportamentos dos usuários de Internet

116
mostram que eles geralmente permanecem pouco tempo em cada página acessada (alguns

segundos) e não têm paciência ou vontade de ler textos grandes na rede. A “navegação” na

Internet é vista como algo efêmero, um passeio rápido entre páginas cujos elementos visuais são

os que recebem maior atenção do usuário médio da rede. É importante ainda lembrar que

atualmente a maioria dos “internautas” no Brasil ainda acessa a rede através de conexão discada,

pagando assim o acesso por minuto de tempo conectado, o que não incentiva, é claro, a leitura de

textos extensos na rede. Portanto, quando a revista Contracampo decide pela publicação de

textos extensos, reflexivos, verdadeiramente críticos na Internet, deixa muito claro que seu

projeto editorial destina-se a um tipo muito específico de leitor: aquele que, acima de qualquer

coisa, aprecia um texto de qualidade, bem escrito e realizado com propriedade; ao leitor que é

amante de cinema e que está interessado realmente em textos aprofundados, onde sabe que

poderá aprender sobre cinema e também sobre o ato crítico neste campo. Voltando-se assim para

um leitor tão delimitado, os críticos da revista permitem-se escrever para ele, deixando de lado as

orientações gerais para a publicação na Internet e na chamada grande imprensa.

2) A formação do crítico de cinema

Outro ponto importante na discussão da qualidade dos textos críticos contemporâneos

sobre cinema diz respeito a quem escreve tais textos. Com a diminuição do espaço disponível

nos jornais e a orientação editorial que privilegia mais a informação sobre o filme do que a

análise, muitos editores passaram a escalar para tais postos jornalistas que muitas vezes não

possuem a formação necessária e o conhecimento no campo do cinema para exercer uma crítica

sobre o assunto. Quando se restringem à informação sobre o filme, exemplo muito comum de se

encontrar atualmente, temos o texto pobre e completamente acrítico que caracteriza a presença

117
do assunto cinema em vários jornais; quando enveredam por um arremedo de análise de filme,

temos o naufrágio completo em textos equivocados, escritos sem estilo e que deixam evidente o

desconhecimento da matéria em questão por parte de seu autor.

Na entrevista com os críticos, os fatores geralmente apontados como necessários num

percurso de formação de um crítico de cinema incluem desde o amor pelo cinema, estudos no

campo da estética, o conhecimento vasto da cinematografia mundial, seus movimentos históricos

e estéticos, o conhecimento técnico da produção dos filmes, o estudo das teorias do cinema e da

literatura em geral desta área, passando pela habilidade na construção do pensamento reflexivo e

o hábito da apreciação da literatura, que lhe auxiliará a escrever um texto elegante, atraente,

dotado de algum estilo. Podemos dizer também que o crítico deve ter para com o seu leitor uma

relação de honestidade e respeito, assim como para com o filme sobre o qual escreve.

É ainda interessante observar que a formação do crítico guarda grande semelhança com a

formação do cineasta, ambos desenvolvendo seus conhecimentos a partir do hábito de assistir a

filmes sistematicamente, de estudar a bibliografia da área de cinema, assim como os meios

técnicos da produção cinematográfica. Não se estranha, portanto, quando um crítico se aventura

brevemente na direção de um filme, ou mesmo quando desenvolve uma sólida e importante

carreira como cineasta (vide o célebre caso dos críticos-cineastas da revista Cahiers du Cinema).

Para o analista de filmes, não existe portanto, um caminho sistemático, pré-definido a ser

trilhado; muitas vezes, esta formação se realiza de forma autodidata, a partir do cultivo da

experiência de espectador, da condição de cinéfilo e do estudo pessoal. De qualquer forma, é

sempre um caminho longo, que exige muitos anos de experiência na sala escura do cinema, além

do estudo da literatura especializada. Não se trata de uma formação que caiba em algumas

disciplinas de um curso universitário e que possa, portanto, se esperar de um jornalista recém-

formado ou daquele que nunca tenha trilhado o caminho específico mencionado acima.

118
3) Qual é o papel do crítico de cinema?

Duas concepções do papel do crítico de cinema foram colocadas em questão na entrevista

da Contracampo: a primeira acredita que o crítico deva orientar o espectador com relação aos

filmes que estão em cartaz, apontar os melhores e os piores, dizer quais os que devem ser vistos,

quais os que valem a pena (de preferência explicando porquê); a segunda, supõe que ele deva

privilegiar a análise e a discussão propriamente artística e estética dos filmes, sem muitas

preocupações em classificá-los e apresentá-los na forma de um cardápio de recomendações ao

leitor-espectador. Algumas redações assumem claramente uma das posturas, como conta Pedro

Butcher, de O Globo, sobre seu trabalho naquele jornal, que tem na orientação ao leitor a sua

prioridade. Tal postura é vista por Nelson Hoineff, de O Dia, como sendo a própria negação da

atividade crítica, dispensando assim qualquer formação especializada por parte daquele que

escreve a “resenha”. A estratégia de dar o lugar do crítico ao jornalista despreparado para exercer

a crítica de cinema, diz ainda Hoineff, é assumida por algumas redações pensando que assim

chegarão mais facilmente até o gosto médio do público.

A perspectiva propriamente analítica, no fim das contas, pode se apresentar também

como uma espécie de orientação, mais profunda e consistente, é verdade, e não necessariamente

restrita às estréias de um determinado final de semana, mas, de forma muito mais rica para o

leitor, como comenta Inácio Araújo, orientando-o também diante da enorme quantidade de

produções deste primeiro século de cinema, seus diferentes movimentos, estilos, escolas,

inserindo aí, neste discurso, os comentários críticos sobre as estréias da semana. É claro que se

poderia tentar fazer as duas coisas em um mesmo texto, mas aí enfrenta-se novamente a questão

contemporânea do espaço restrito nos jornais, que praticamente inviabiliza tal abordagem.

119
O crítico ou analista de filmes deveria ter ainda liberdade para deliberar sobre quais

filmes escreverá em sua revista ou jornal. Atualmente, no Brasil, o número de estréias nos

cinemas comerciais e “alternativos” em um único mês ultrapassa facilmente uma dezena. Para

uma publicação mensal, por exemplo, torna-se difícil abarcar todos os trabalhos, devendo o

crítico então poder selecionar aqueles filmes que julga mais relevantes e aqueles que mais

necessitam de uma apreciação crítica pública. Sobretudo, (e talvez isto seja uma idealização) o

crítico não deveria sofrer pressões que comprometessem sua liberdade de escolha. Sabe-se que,

na forma como se configura o mercado cinematográfico nos dias de hoje, e na maneira como este

mercado interage com os diversos tipos de mídia, é importante que as publicações, seus editores

e, no final da cadeia, os críticos de cinema, não sofram pressões (ou incentivos...) das grandes

empresas distribuidoras de filmes (braços das multinacionais de Hollywood) para criticar (muito

menos favoravelmente) este ou aquele filme, criando assim uma situação semelhante ao quadro

viciado do campo da música, na forma das relações entre gravadoras e meios de comunicação.

Parece-nos, assim, que o papel que cabe ao crítico é aquele do exame acurado do filme,

do caminho do diálogo entre este, o mundo e a história prévia do cinema, da observação de suas

qualidades, seus problemas e suas referências a outras obras. Entendemos que este exercício

deve sempre ser realizado com liberdade e que é na verdade a melhor forma de “orientar” o leitor

que deseja ir ao cinema durante a semana, com a vantagem de estar de certa maneira instruindo-o

para mais adiante torná-lo um espectador mais consciente e crítico, capaz de se orientar sozinho

diante das estréias que vê no jornal da sexta-feira. Afinal, o campo do cinema apresenta-se

“orientado” historicamente, através das escolas estéticas, dos momentos sócio-políticos. Orientar

um leitor, na opinião de Inácio Araújo, deveria ser inseri-lo dentro da organização deste campo.

120
Esboço de um modelo de análise fílmica

Nesta seção, a partir do exame que fizemos do modelo de análise fílmica de Vanoye e

Goliot-Lété e do nosso estudo da descrição das teorias do cinema feita por Dudley Andrew,

tomaremos aquela proposta como um referencial inicial e procuraremos esboçar outro modelo de

análise fílmica que contemple conceitos estudados no campo das teorias do cinema. Nossa

preocupação será a de incorporar neste modelo os conceitos cuja consideração e aplicação nos

parecem interessantes para o trabalho de análise fílmica. Não privilegiamos nenhuma escola

teórica e nenhum autor especificamente; procuramos avaliar as contribuições teóricas (os

conceitos) em seu potencial para enriquecer o trabalho da análise.

Se a análise fílmica é freqüentemente realizada em resposta à demandas institucionais (na

forma de trabalhos acadêmicos ou textos para publicações especializadas), nada impede que ela

possa ser feita simplesmente por amor ao cinema, desejo de experimentar, explorar uma forma

de texto ligada a esta arte, ou ainda como uma forma de exercício ou estudo preparatório para

uma futura atividade, por exemplo, como crítico de cinema ou como cineasta. Além disso, nos

dias de hoje há o incentivo adicional da facilidade de se publicar um texto na Internet.

Pensamos que o trabalho da análise deve privilegiar uma abordagem que procure ver no

filme aquele jogo de via dupla do qual falava Arnheim, e que se passa entre o artista e o mundo.

O artista é influenciado, estimulado pelo mundo e, por sua vez, produz uma obra, expressão de

sua visão do mundo e das marcas que este lhe deixa; a obra é devolvida àquele mundo,

reiniciando assim um ciclo. Produto do trabalho do artista, então, a obra carrega em si mesma um

diálogo que trava com o mundo e que expressa as forças gerais da existência.

Vários outros teóricos do cinema, como já vimos, têm uma posição semelhante sobre este

assunto. Apesar da orientação realista, oposta à de Arnheim, encontramos em Kracauer, na noção

121
de “enredo encontrado”, o desejo explícito de estabelecer este diálogo com o mundo da forma

mais direta possível e sem artifícios. Tal abordagem no cinema proporcionaria ao homem uma

reaproximação com o mundo e a realidade.

De forma semelhante, Bazin acreditava que este diálogo nos ajudaria no processo de

redescoberta do mundo, da natureza e da realidade, proporcionando-nos uma compreensão da

vida e do mundo que nos facilitaria a criação de novas relações sociais. Mitry, por sua vez,

acreditava que o cinema poderia nos oferecer uma nova perspectiva do mundo (a do cineasta),

que viria então enriquecer nossa própria visão pessoal do mundo e da vida. Metz concebia a

possibilidade de um cinema que, pela construção de uma nova visão de mundo, pudesse libertar

a sociedade de forças repressivas que a atingem. A idéia de que o cinema possa nos possibilitar

uma nova perspectiva para nosso olhar diante do mundo, também está presente na abordagem

dos fenomenólogos, Ayfre e Agel.

Sendo este então o projeto antevisto para o cinema por alguns de seus mais importantes

teóricos, definimos como o propósito desta nossa proposta de análise fílmica a investigação e a

observação do diálogo que o filme mantém com o mundo. O que o filme acrescenta ao mundo?

O que lhe propõe? O que questiona sobre ele? Estas são algumas perguntas a serem

contempladas no processo da análise. A análise também oferecerá ao leitor-espectador

informações sobre o filme que, presentes nele de forma muitas vezes discreta, talvez não sejam

observadas pelo espectador e, na visão do analista, são interessantes na composição de sua

leitura do filme, de sua interpretação. O analista oferecerá sempre uma leitura pessoal do filme

ao espectador; esta leitura não deverá pretender ser definitiva, “correta”, superior à outras; não

convocará tampouco o espectador a gozar o filme de uma maneira particular (a idéia do

“deslumbramento participante”), mas se apresentará como uma espécie de versão, um reflexo da

obra que se projeta na cultura. Se tantas vezes ouvimos o testemunho de artistas discorrendo

122
sobre quão pouco controle têm sobre suas obras, sobre como os projetos ganham rumos

imprevistos e até originalmente não desejados, sobre quão pouco consciente e claro é o projeto

da criação no momento do início ou no decorrer de sua realização, parece-nos pouco sensato que

se possa levar a sério o projeto da análise do objeto artístico como algo que possa revelá-lo de

forma completa, definitiva, última. Assim, parece-nos muito mais razoável a idéia de versão ou

de “uma leitura”.

O conhecimento técnico sobre a realização dos filmes é um atributo desejável e

interessante para o analista, uma vez que lhe possibilita examinar também tecnicamente o filme,

permitindo observações mais acuradas sobre o plano poético da obra, observando assim de que

maneiras o uso da técnica contribui para a impressão das concepções estéticas do realizador

sobre a obra.

Como uma das etapas da realização da análise fílmica, o analista deverá fazer anotações

sobre os elementos do filme que observa na obra (tais elementos incluem as características

técnicas que acabamos de mencionar). Tal abordagem não deve ser vista como atomista, pois

que está inserida numa visão maior do filme, mais abrangente, que entende a obra como um

fluxo, um conjunto (quer seja do próprio filme, das cenas, do plano), uma entidade orgânica.

Trata-se de uma fase intermediária do processo (mencionamos as fases mais abaixo) que não

propõe uma “quebra” sistemática dos diversos elementos fílmicos, mas a observação atenta e o

registro daqueles elementos que parecem ao analista particularmente interessantes e

significativos.

Ao contrário da fase chamada de “descrição” no modelo de Vanoye e Goliot-Lété, que

propõe uma espécie de transcrição do texto fílmico para um detalhado texto escrito, pensamos

ser suficiente o procedimento de observação atenta e registro dos elementos fílmicos que

mencionamos no parágrafo anterior. O projeto da descrição detalhada parece-nos poder ser

123
abandonado, por dois motivos. Primeiro, uma “descrição” detalhada do filme só pode ser

realizada pelo analista que possui a obra à sua disposição para manipulá-la à vontade. Nos dias

de hoje isso traduz-se basicamente pelo o uso dos aparelhos de videocassete e DVD, utilizando-

se fitas e discos largamente disponíveis ao público. Ora, se o filme pode ser facilmente alugado

nestas lojas e então assistido, então não se faz mais necessário descrever o seu “texto” no corpo

da análise, já que o leitor interessado no exame da obra e naquela análise em particular, terá

muito mais vantagens alugando uma cópia doméstica do filme e confrontado a análise com a

própria obra. A chamada descrição pode então ser substituída pela referência geral ao filme e

pelas referências mais locais às suas cenas ou mesmo a um ponto (temporal) particular do filme,

possibilidade que surge com o advento dos DVDs. O analista então incluiria, por exemplo, no

texto de sua análise a referência à cena do filme analisado: “(ver a cena em que James Stewart

segue Kim Novak em sua visita ao museu – em Um Corpo que Cai, de Hitchcock)”, ou “(ver a

cena em que o garoto Charles Kane brinca na neve com seu trenó – em Cidadão Kane, de

Welles)”, ou, ainda “(ver o trecho 1:21:05 – 1:21:20 – em determinado filme”, quando se quiser

dar uma referência exata de um trecho de uma cena ou mesmo de um determinado plano). O

segundo dos dois motivos que mencionamos deriva da asserção de Raymond Bellour, segundo a

qual o texto fílmico não é citável. De fato, nenhum tipo de descrição, por mais detalhada que seja

pode substituir ou pretender ser equivalente à imagem em movimento. Assim, a opção pela

descrição parece-nos a escolha equivocada que denega a distorção, o erro e o desvirtuamento do

objeto assim abordado. Portanto, sendo o filme incitável e facilmente encontrável, nada justifica

a realização de semelhante etapa de descrição; exceto, talvez (e mesmo assim devendo-se

advertir o leitor acerca da impropriedade do método) no caso de filmes antigos, raros,

indisponíveis nos mercados de locação doméstica.

124
Passemos agora à descrição das fases do modelo de análise fílmica sobre o qual estamos

refletindo aqui. Este se constituiria de seis fases ou etapas:

1) Na primeira fase, o analista assiste o filme como um espectador comum, quer dizer, como

se ele não fosse ter que fazer mais tarde uma análise fílmica sobre a obra assistida (isto é

possível de ser feito, pois ele sabe que terá outras oportunidades de assistir ao filme, adotando

atitudes distintas). Esta primeira vez com o filme, no entanto, deve ser uma atividade lúdica,

prazerosa, do mesmo tipo que ele realiza quando vai um outro dia qualquer ao cinema, sem o

compromisso posterior do trabalho analítico. Que ele se entregue completamente a esta

experiência de ver o filme seria algo que até se poderia recomendar, caso esta atitude de

abandono, de entrega, não estivesse, de forma espontânea e natural, sempre presente naqueles

que, sem outros compromissos ou preocupações a distrair-lhes a mente, entram na sala escura do

cinema. É claro que, nesta primeira experiência, não é possível ao analista deixar de observar os

diversos elementos fílmicos que ele conhece bem e que sua atividade profissional o acostumou a

observar de forma atenta; no entanto, a proposta deste primeiro contato com o filme é de que o

analista sinta-se suficientemente relaxado e liberado para não se preocupar com tais elementos,

para não observá-los (embora saibamos que eles serão percebidos de qualquer jeito, mas,

esperamos, de uma forma que podemos chamar de sem compromisso.)

A proposição desta abordagem que pretende valorizar a espontaneidade e a simplicidade

neste primeiro encontro com a obra, constitui uma tentativa de se estabelecer uma consonância

com a visão de Merleau-Ponty apresentada por Andrew (1989, p. 243), segundo a qual a arte é

“uma atividade primária, um modo natural, imediato e intuitivo de compreender a vida.”

Uma atitude de recepção contemplativa da obra seria adequada (e recomendada) não apenas

para os filmes de diretores que Ayfre e Agel associam a um “cinema de contemplação”, mas

seria a melhor maneira de se abordar qualquer filme.

125
2) Numa segunda fase do trabalho, que na verdade se inicia ao mesmo tempo que a

primeira, ou seja, no início da projeção, o analista estará entregue à experiência pessoal que o

filme lhe proporciona. Deverá ser capaz de perceber, tanto no decorrer da projeção como depois

dela, como transcorreu esta experiência, permitindo que o filme o toque, o emocione e

porventura o faça pensar (sobre o tema abordado na obra, sobre o cinema de forma geral, sobre a

vida, sobre o mundo). Se durante a projeção o analista for capaz de se entregar ao jogo proposto

pelo filme, terminada a projeção ele deverá refletir ativa e concentradamente sobre estes tópicos

que acabamos de mencionar, num processo de detida auto-observação e deverá então fazer

anotações sobre todas as coisas que conseguir recordar sobre aqueles assuntos.

Tal abordagem procura trazer para o processo da análise fílmica a interessante visão dos

teóricos influenciados pela fenomenologia (Ayfre e Agel), que colocam em primeiro plano a

experiência que o fruidor tem da obra, uma vez que acreditam que a verdade da obra é acessível

apenas através dessa experiência. A descrição e a explicação da experiência que o analista tem

do filme são etapas previstas deste processo e deverão integrar de alguma forma o texto da

análise. O próprio trabalho da análise fílmica tem assim como condição necessária a ocorrência

deste momento especial, que une a experiência vivida durante a projeção do filme à vida

cotidiana, deixando trabalhar dentro de si as imagens do filme.

3) Na terceira fase do processo, o analista assistirá o filme novamente e, desta vez, dedicando

atenção especial à observação dos diversos elementos fílmicos (fotografia, montagem, som,

trilha sonora, interpretação dos atores, direção, figurino, cenografia, etc), atentando para o fato

de alguns deles apresentarem-se de algum modo particular, peculiar, característico (por exemplo,

em relação a uma determinada filmografia ou movimento estético). Estas observações devem ser

transformadas em anotações (mesmo quando um determinado elemento não parece apresentar

126
característica especial). Sempre que for possível, a “parada na imagem” será realizada pelo

analista, quando lhe parecer interessante ao exame do filme e dos seus elementos.

Acreditamos que nesta etapa do trabalho, o analista ganharia se tivesse no horizonte a noção

de elemento do filme presente na teoria de Eisenstein, aquela da matéria-prima encontrada

dentro de cada plano (a iluminação, o som, a qualidade da cor, etc). Tomar os elementos assim,

nesta acepção de matéria (bruta) parece-nos mais útil do que tomar aqui como elemento o

código, como encontramos esta noção em Metz. Isto porque o elemento (em Eisenstein) parece-

nos mais livre, mais maleável, manejável de forma mais criativa por parte do analista, enquanto

que o código, com o peso de ter atrelado a si a função da significação, parece-nos que traz já

certas direções para o olhar do analista. Melhor seria, parece-nos, considerar a noção de matéria-

prima em Metz como aquela dos cinco canais de informação, embora não de forma tão estanque.

Outra noção em Eisenstein que parece-nos interessante nesta fase do trabalho é a de

neutralização, especialmente em estudos de filmografias de um diretor. Eisenstein concebia a

neutralização como um equilíbrio entre os vários elementos em um plano, os quais, desta forma,

se neutralizariam. Ele aponta ainda que, mesmo neste contexto, pode-se identificar um elemento

dentre todos, que se apresenta mais saliente, com maior destaque; seria o elemento chamado de

“a dominante”. O analista atento a estas variáveis pode tomar tanto o equilíbrio constante, como

a presença do elemento dominante como traços autorais e estilísticos de um determinado

realizador.

Ainda com referência à teoria de Eisenstein, outra variável que o analista deveria observar

com cuidado é o “choque” que se dá, no âmbito da montagem, na passagem de um plano para o

outro. Este é um “lugar” de deslocamento e de criação de significação, que pode ser usado de

maneiras bastante particulares, a depender do realizador. Sua observação atenta pode trazer

127
informações valiosas sobre o pensamento cinematográfico do diretor e também sobre a obra

analisada.

Neste momento, o analista não poderá esquecer tampouco da rica noção de montagem em

Mitry, que a vê ocorrendo mesmo quando há um único plano (fixo ou em movimento), pelas

relações mútuas estabelecidas pelos elementos em movimento dentro do plano.

Feito o registro dos elementos fílmicos observados, o analista deverá observar e registrar

aquilo que para Balázs é a matéria-prima do cinema, isto é, o assunto fílmico. De que fala a

obra? Que tema ou assunto ela discute? Como o apresenta e como o desenvolve? Que tratamento

(resolução) final o filme lhe reserva? Estas são algumas questões que o analista deverá responder

e que servirão para orientá-lo na construção do esboço do sistema do filme, assim como na

discussão do diálogo estabelecido entre o filme e o mundo. A mesma concepção de matéria-

prima, só que em Kracauer (o mundo visível, o mundo que se oferece como conteúdo) pode

servir de pista para o reconhecimento do assunto fílmico.

Os enquadramentos do filme devem receber a atenção cuidadosa do analista. Mitry os via

como conferindo ao mundo uma orientação, através da seleção e organização dos elementos no

quadro. Esta orientação resultante deve ser observada pelo analista. Além disso, as próprias

imagens, pensava Mitry, tomadas como escolhas, composições do cineasta, nos oferecem a sua

visão de mundo. São elementos que o analista empenhado num estudo d’auteur deve observar.

4) Em seguida, o analista irá formular hipóteses sobre o filme, sobre seu projeto, sobre o

diálogo que ele estabelece com o mundo. Tais hipóteses nortearão a construção de um sistema

para o filme. Ele também observará como os elementos do filme contribuem (isoladamente e em

conjunto) para criar esta visão de mundo (sem necessariamente restringir-se somente a um

estudo poético da obra). Apesar de empregarmos o termo sistema aqui, não concordamos com a

sua acepção de “inteligibilidade construída” como encontramos em Metz, pois pensamos que

128
esta expressão localiza no analista uma espécie de função reveladora, que apresenta a

inteligibilidade do filme para o leitor-espectador. O esboço que se realizará nesta etapa da análise

do filme também deverá procurar incluir os dados obtidos na segunda fase, quer dizer, os dados

relativos à experiência vivida através do filme. Se na concepção de sistema de Metz, o analista

procura ver de forma objetiva, analisando a obra, como o filme dialoga com o mundo, aqui,

pretendemos fazer passar explicitamente esta construção pela experiência estética vivida pelo

analista, assim como pela sua experiência geral de vida. Todas as hipóteses, idéias, articulações

entre elementos fílmicos deverão ser anotadas, na forma de um esboço de sistema para o filme.

Nesta etapa do trabalho, em que se examina o projeto do filme, pode ser interessante

observar e verificar a característica da adequação, proposta por Balázs, entre as técnicas

utilizadas e os respectivos assuntos fílmicos, que dirá respeito ao caráter orgânico da obra e à sua

concepção mais geral. Trata-se de noção muito próxima àquela de Kracauer, que concebia o

cinema como mistura de assunto e tratamento do assunto, um híbrido de temática e técnica.

Em suas reflexões sobre o plano do significado em um filme, o analista poderá adotar como

referência os três níveis de significação que Mitry reconhece na imagem cinematográfica

(relembremos aqui: 1 – o nível da percepção (a imagem como um análogo visual da realidade); 2

– o nível da narrativa e das seqüências das imagens, significadas pelo cineasta; 3 – o nível do

significado abstrato - simbólico, poético).

Nesta fase do trabalho, o analista deverá também estar atento às analogias e correspondências

com o mundo (mencionadas por Agel), que o artista coloca na obra e que o espectador acessa

quando a ela se submete.

Com relação ao projeto da análise fílmica, que orientará o sistema a ser construído pelo

analista, pode-se tomar a idéia de Ayfre de que o cinema pode ser examinado a partir da posição

do autor (sua visão de mundo), da posição da platéia (estudando a repercussão do filme sobre

129
esta e as possíveis mudanças de comportamento que podem advir daí) e da realidade

(observando o plano da verdade e do conhecimento nas imagens do filme). Numa visada mais

ampla, há os dois grandes projetos delimitados pela semiótica do cinema de Metz: projetar um

futuro para o cinema ou descrever a sua história prévia. Em Metz, ambos os projetos estão

centrados no estudo dos códigos (os que foram reprimidos no passado e que poderão vir a

compor o cinema do futuro e aqueles utilizados ao longo da história do cinema). O analista

poderá, no entanto, além deste referencial do código, adotar algum outro para trabalhar em um

dos dois projetos acima.

5) Na quinta etapa do trabalho, o analista assiste o filme pela terceira vez, agora para

verificar (confirmar, refutar, corrigir) as hipóteses levantadas na fase anterior e o suposto

emprego dos elementos fílmicos; confirmar enfim o diálogo que a obra mantém com o mundo

através da construção e verificação de um sistema que entrelaça o analista, a obra e o mundo,

laços estes estabelecidos pelo campo da experiência do analista.

6) A sexta e última fase é a da redação do texto final da análise fílmica, etapa de orientação e

desenvolvimento de todas as anotações feitas desde o início do processo e de organização das

idéias dentro da estrutura do esboço do sistema feito na quarta fase e verificado na quinta.

Conforme discutimos anteriormente, propomos que este texto final prescinda de um bloco de

texto de descrição sistemática do filme e que o analista, apontando como referências as próprias

cenas do filme, possa encaminhar o leitor ao contato direto com a obra.

Este roteiro de análise apresenta divergências e concordâncias, em relação às várias diretrizes

de trabalho propostas por Vanoye e Goliot-Lété para a realização da análise fílmica.

Abordaremos agora estas questões.

Não concordamos com os autores citados, no que se refere à adoção de uma atitude de

distanciamento do analista em relação ao filme, em qualquer das fases do trabalho, como um

130
requisito necessário à sua realização, pois consideramos ingênua, idealizada e equivocada

qualquer concepção de abordagem do objeto artístico que defenda uma observação distanciada,

como método que assegure dados mais fiéis ao objeto observado. Ao contrário, assumimos

posição bastante diversa; colocamo-nos a favor de um envolvimento intenso, em todas as etapas,

inclusive com a inserção do campo da experiência proporcionada ao analista pela obra como

uma das importantes fontes de material para a análise.

Pensamos também que a análise deve dirigir ao filme (e à experiência que temos dele)

questões centradas no “por que”, uma vez que estas tendem a colocar em primeiro plano a

dimensão estética de nossa relação com a obra, enquanto que as questões centradas no “como”

(recomendadas por Vanoye e Goliot-Lété) colocam a dimensão poética em evidência. É fácil ver

que questões do tipo: “por que este filme me toca desta forma? Por que me emocionei tanto

naquela cena? Por que me identifico tanto com aquela personagem?”, convocam o espectador a

responder a partir do referencial de sua recepção do filme, de sua própria experiência estética.

Pensamos que a análise apenas se enriquecerá e se tornará mais pertinente se apresentar ao

mesmo tempo estes dois planos de investigação, da poética e da estética; as duas formas de olhar

o filme convivendo e se completando na análise.

Assim como estas duas tendências devem ter presença equilibrada na análise, acreditamos

também que o equilíbrio deve marcar as alternâncias de posição e de influência destas duas

instâncias, o espectador normal e o analista, durante todo o trabalho da análise. Não pensamos

que neste processo o “analista” deva ter voz privilegiada.

Concordamos também que a análise ou interpretação de um filme precisa ser legitimada pela

própria obra. O analista precisa justificar cada uma de suas interpretações e todo o sistema que

construirá para o filme, apontando nele os diversos elementos que dão suporte às suas

construções. É, ao mesmo tempo, uma maneira de fazer falar a obra e de impedir que se possa

131
projetar nela algo que lhe seja estranho. Pelo mesmo motivo, aproveitar-se da obra, utilizando-a

(na acepção empregada por Eco e vista anteriormente) para veicular crenças ou construir teses

parece-nos francamente equivocado e reprovável.

Quanto ao caso raro do filme que oferece leituras múltiplas, que é “estruturado de modo a ser

o suporte possível de diversas interpretações”, também pensamos que esta condição deve ser

apontada na análise. Neste caso, por que não oferecer uma ou mais interpretações, desde que

rigorosamente demonstradas e legitimadas pelo filme? (Vanoye e Goliot-Lété dizem que não se

deve, nestas situações, oferecer interpretações alternativas).

Somos também favoráveis à recomendação de que o trabalho de análise (pelo menos em uma

primeira versão) se faça sem a leitura prévia ou concomitante de outras análises sobre o mesmo

filme. Isto deixará mais livre o analista em seus processos de associação e interpretação,

favorecendo a emergência de uma leitura mais pessoal, criativa e espontânea. Após esta fase, no

entanto, ainda que se considere o trabalho da análise terminado, faz-se necessário o confronto do

texto recém-escrito com trabalhos de outros autores. Se este confronto é feito antes de dar por

finalizado o texto da análise, o analista poderá rever, alterar posições suas sobre a obra, além de

mencionar, citar o texto de um outro autor sempre que for interessante.

Concordamos, enfim, com outras duas direções dadas por Vanoye e Goliot-Lété para o

trabalho da análise fílmica: o analista deverá contextualizar historicamente o filme que aborda,

mostrando suas relações com certos períodos da história do cinema e com movimentos estéticos

determinados; o texto da análise se desenvolverá de forma livre, isto é, de forma não estabelecida

ou ordenada previamente, como for da preferência do analista, da maneira que melhor traduzir o

seu estilo.

Reconhecemos, ainda, a pertinência das propostas de análise sócio-histórica do filme, assim

como da análise simbólica, ambas vistas anteriormente, sempre que autorizadas pelo próprio

132
filme. Com relação à análise simbólica, o analista deverá estar atento ao efeito de transferência,

conceituado por Eisenstein, muito freqüente em filmes que apresentam a chamada montagem

reflexiva e que geralmente suscitam interpretações de natureza simbólica.

133
ANEXO

134
ANEXO

Questionário enviado a críticos de cinema pela revista on-line Contracampo

(http://www.contracampo.he.com.br), em dezembro de 2001.

Questionário à crítica

Questionário – no dia 20 de dezembro, esse questionário foi enviado a dez críticos de cinema do

Rio e de São Paulo. Provavelmente pelo adiantado do prazo, não puderam responder Sérgio

Augusto (Bundas, ex-Pasquim, ex-Veja), Susana Schild (Jornal do Brasil, O Estado de São

Paulo), Fernando Albagli (Jornal do Brasil), Eduardo Souza Lima (O Globo) e Luiz Carlos

Merten (O Estado de São Paulo).

Eis as perguntas

1. O espaço dado à crítica de cinema hoje é suficiente?

2. O que deve um crítico saber para escrever sobre cinema?

3. Os críticos que hoje escrevem são preparados para escrever sobre cinema?

4. A crítica deve antes orientar o espectador ou tratar do filme em seus aspectos artísticos?

5. Que tipo de influência a crítica de cinema exerce:

a) no público leitor;

b) no sucesso de um filme?

6. Você crê que a influência da crítica seja a mesma:

a) no cinema nacional;

b) no cinema dito comercial;

135
c) nos circuitos de arte?

7. A crítica é necessária hoje em dia?

Nelson Hoineff (O Dia)

1. O espaço tende a ser muito menos para a crítica propriamente dita do que para resenhas

essencialmente qualificativas. O que se pede de um crítico na maior parte dos veículos é que

indique, em poucas linhas, o que o leitor deve ou não deve assistir. Não há, nesse contexto,

qualquer espaço para a análise ou encorajamento da reflexão sobre o filme abordado.

2. O crítico deve ter, antes de mais nada, um repertório muito extenso da cinematografia e a

capacidade de contextualizar os filmes no universo sócio-político-cultural em que eles se

inserem. É importante também para o crítico ter também conhecimentos bem assentados sobre

técnicas de produção (fotografia, montagem, efeitos, etc) e, sem sombra de dúvida, sobre o

mercado cinematográfico. Essencial ainda é a disposição para discutir cada obra sem juízos pré-

estabelecidos sobre seus posicionamentos estéticos ou mercadológicos.

3. Alguns sim, outros não. Tal como acontece em qualquer outra atividade. Há por exemplo

cineastas bem preparados ou mal preparados para realizar um filme.

4. A tendência de simplesmente orientar o espectador é quase que a negação da atividade crítica.

Para opinar subjetivamente não há necessidade de qualquer formação especializada. Há jornais e

revistas que assumem isso -e preferem a opinião comum (inclusive de repórteres ou redatores

sem qualquer vínculo com o estudo de cinema) do que a análise crítica. Alguns editores

acreditam que dessa forma chegarão mais perto do gosto mediano. É como se quisessem

confrontar a opinião do veículo com a opinião do público médio - e evidentemente não é para

isso que existe a crítica de arte.

136
5. O público tende a procurar nas resenhas a indicação sumária sobre se deve ou não ir ver o

filme. Uma estrelinha, um bonequinho, etc. Dificilmente esse público poderia encontrar uma

forma pior de ajudá-lo a decidir ver ou deixar de ver um filme. Quanto ao sucesso do filme, isso

depende fundamentalmente do tipo de obra. A influência sobre blockbusters é muito pequena.

Em compensação, a crítica é capaz de determinar o sucesso ou o fracasso de filmes voltados para

públicos mais restritos - que é onde costumam estar os trabalhos mais autorais, mas susceptíveis

às pequenas influências sobre o público.

6. A crítica é extremamente influente para filmes nacionais e para os chamados circuitos de arte.

Bem menos para as superproduções.

7. A crítica é cada vez mais necessária, na mesma medida, aliás, em que o achismo é cada vez

mais nocivo - sobretudo porque o leitor tende a confundi-lo com o texto crítico.

David França Mendes (ex-crítico do Jornal do Brasil. Atualmente é roteirista e dirigiu

recentemente o filme 2000 Nordestes)

1.Não

2. Deve saber pensar. Deve se interessar pela vida mais que pelo cinema, para não ficar estúpido.

Deve ter mais prazer em escrever sobre os filmes de que ele gosta do que sobre os filmes de que

não gosta. Deve ler muito, para escrever pelo menos direitinho. Deve - deve, não, precisa -

conhecer pessoalmente o processo de fazer um filme. Ele precisa saber onde, exatamente, a

criação se dá, no cinema, e sob quais circunstâncias, para não ficar escrevendo bobagens como

"fulano dirigiu com mão forte". Deve fazer escolhas, ter uma visão ampla do cinema e saber que

há incontáveis maneiras de se fazer bom cinema.

137
3.Passo

4. A crítica é, ou antes, era uma forma literária. É isso que ela precisaria voltar a ser. Uma forma

literária essencialmente generosa. Eu, quando escrevia crítica, buscava um diálogo. Eu não

queria dizer se um filme era bom ou ruim, eu queria conversar com o filme.

A crítica teria também a função de informar mais profundamente que as matérias "não-críticas".

Informar algo mais que o orçamento do filme ou os prêmios que ganhou em festivais. Informar

sobre as relações daquele filme com o mundo, com outros filmes, com a técnica (aliás, é absurdo

como os críticos em geral desconhecem técnica), com outras artes. Dar referências ao leitor.

Tratar o leitor como alguém que tem a faculdade de pensar e torcer para que ele a use.

5. a) Não sei. Não sou público leitor. b) Provavelmente uma influência inversamente

proporcional à verba publicitária do filme. De forma que o crítico tem mais "poder" sobre o

filme que tem menos dinheiro.

6. A resposta anterior serve aqui. Quanto mais recursos publicitários um filme tem, menos

importância tem a palavra dos críticos.

7. Do jeito que é feita? Não. É quase um mal.

Ricardo Cota (Jornal do Brasil)

1. Não. Há um certo pacto editorial de dar preferência a matérias informativas, que muitas vezes

reproduzem releases, a textos críticos. Nada contra. Uma boa entrevista tem o seu valor.

Acontece que tanto matérias como entrevistas costumam prestigiar o aspecto mais superficial da

informação sem aprofundar o lado técnico, a incursão dramática e mesmo o esforço intelectual

dos entrevistados. Não é um problema do Brasil. Basta ver publicações como as francesas

Premiere e Studio para constatar uma compreensão do cinema como extensão do mundo fashion.

138
Na verdade, o que existe é um comprometimento muito grande das publicações com as grandes

distribuidoras de filmes, que investem barbaridade em publicidade. A crítica vai a reboque. A

internet, se não cair no mesmo vício, pode ser uma salvação. Aliás, vem sendo. Quando escrevo

para um espaço como o no.com.br tenho uma liberdade de texto muito maior do que para a

Programa. Agora, apesar do pouco espaço, uma coisa deve ser dita: não é o número de linhas que

determina a relevância do texto. Quem tem o que dizer diz em 10 ou em 100 linhas.

2. Em primeiro lugar, português. Um argumento discutível traduzido num texto limpo, claro e

fluente terá sempre uma leitura maior do que uma sacada genial escrita com preguiça e erros

gramaticais ou ortográficos. É básico, porém necessário. Depois, viver o cinema. Mais

importante do que somar títulos ao currículo de cinéfilo é aprofundar o conhecimento existencial

através da discussão dos filmes, vivenciando-os com a mesma intensidade com que se vive a

vida. Tudo é cinema.

3. Não existe uma preparação prévia para quem escreve sobre cinema. Qualquer um, desde que

formado em jornalismo, pode preencher esse posto. Isso é perigoso e acarreta distorções visíveis.

Não sei como se poderia exigir conhecimento do jornalista. Só as próprias redações podem fazer

isso. A grande verdade é a seguinte: começar a escrever sobre cinema é difícil. Faltam mestres.

Eu felizmente tive, e tenho, um: Carlos Alberto Mattos.

4. Nem uma coisa nem outra. A crítica deve mostrar que é possível pensar a vida a partir do

cinema. Se isso for feito com informação, não orientação, e análise dos aspectos artísticos, o

crítico estará oferecendo um mínimo de honestidade ao leitor.

5. a) A má crítica - superficial, gratuitamente irônica, tendenciosa - nenhuma. A boa - aquela que

investiga, elabora uma reflexão, questiona - pode mover mundos. b) Depende. Para o cinema

comercial, as execráveis cotações podem servir como apêndice publicitário. E só. Quem vê

139
bonequinho e estrelinha está se lixando para o texto. Para o cinema menos comercial, restrito aos

circuitos alternativos, aí sim a crítica pode contribuir. E muito. Quem lê crítica se lixa para a

cotação.

6. a) Para o cinema nacional, com seu histórico de discriminação, preconceito e subjugação

comercial, a crítica tem uma influência decisiva. Foi graças ao esforço de nomes como Paulo

Emílio Sales Gomes que se tornou possível reavaliar o cinema nacional e abrir novas frentes

criativas. Qualquer olhar sobre a nossa realidade merece atenção por ser resultado de um esforço

contra as maiores adversidades. Sem a crítica, não haveria, nem continuará havendo, cinema no

Brasil. Por isso é preciso que quem a exerça o faça com muita responsabilidade. b) Embora

acredite que a crítica influencie pouco o desempenho comercial desses filmes, acho que eles

oferecem riquíssimo material para a reflexão. Nas entrelinhas de um mau filme podem estar

camufladas as mais surpreendente revelações. Além do mais, é possível conjugar bilheteria e

qualidade. Uma coisa não anula a outra. c) Muito importante. É o público mais disposto a viver o

cinema. Não se limita à experiência da sala de projeção. Quer debatê-lo, discuti-lo, vivenciá-lo.

Nos circuitos de arte a crítica resiste.

7. Sempre será. Durante muito tempo a crítica foi vista como atividade de recalcados.

Quem não faz, critica. Flaubert tem responsabilidade nisso, ao escrever que o crítico era um

espião no mundo das artes. É claro que ele se referia a uma outra crítica, normativa, castradora,

arbitrária. Hoje já é possível ver a crítica como extensão de uma atividade criativa. Os filmes não

terminam nunca. Eles continuam a se desenvolver nos textos. Enquanto a crítica impulsionar

reflexões, provocar miradas diferentes sobre a realidade, assim como os bons filmes, não há

porque duvidar de sua necessidade. Escrever sobre cinema é manter aceso o projetor. Mesmo

depois de terminada a sessão.

140
Inácio Araújo (Folha de São Paulo e roteirista)

1. Existe uma crise da crítica, que me parece um ponto fundamental. Em um passado nem tão

remoto assim, sabia-se com razoável segurança de que ponto de vista falava tal ou tal crítico. Era

possível distinguir o que pensava o Salvyano Cavalcanti, o Avellar, o Ely Azeredo, o Biáfora, o

Paulo Emilio etc. Sobretudo, existia um pensamento sobre o cinema, acreditava-se no cinema

como a grande arte moderna e popular do século.

Hoje em dia existe uma mudança nos jornais, como meio. Eles se tornaram veículos de massa.

Então, o tipo de discussão do passado não tem mais espaço. Antigamente, falava-se de travelling

como se fala de um dia nublado. O leitor era, supunha-se, uma pessoa interessada. Se não

soubesse o que aquilo significava, tendia a ir atrás, etc. Hoje, parte-se do princípio contrário: há

que ser didático, explicar tudo muito bem. E, claro, quando se explica muito a tendência é a

acabar não dizendo nada, ou muito pouco.

Mas para mim isso explica menos a situação presente do que os rumos do próprio cinema. Nos

anos 50, 60, até 70, parecia existir certa unidade na produção. Você sabia o que a nouvelle vague

queria, ou o cinema novo, ou o underground. E de certa forma as coisas se conectavam em várias

partes do mundo. Hoje os projetos são mais pessoais, e com isso a crítica tem mais dificuldade

de militar numa direção determinada. Ela vai mais no caso a caso, por isso corre o risco de ficar

um pouco no gosto/não gosto.

Ao mesmo tempo, essa grande época da crítica (e do cinema) coincide com a crise econômica de

Hollywood, que vai justamente de 1950 a meados dos anos 70. Depois, Hollywood se

reorganiza, reinstaura um sistema de estrelas, passa a investir pesadamente em publicidade,

numa publicidade que é cúmplice do jornalismo noticioso, porque se apresenta como notícia. É o

caso dos "making of". São peças publicitárias, mas supostamente nos informam sobre os

141
bastidores de uma filmagem. Quem toma a palavra são os diretores, para falar quais são suas

intenções, os atores, para dizer que estão sempre trabalhando com o diretor mais agradável e o

texto mais profundo do mundo, essas coisas.

Quer dizer, como a própria crítica se esvaziou, seu espaço foi tomado em parte por essas

imagens falsas, que acabam se apresentando como "a verdade" do filme. Os estúdios levam

jornalistas para passear em Hollywood. Há correspondentes que fazem entrevistas, quase sempre

vazias, mas que criam a ilusão do ineditismo. Etc.

Tudo isso acaba criando um sistema acrítico, que corresponde bem aos fins publicitários, porque

o público de hoje me parece ter uma relação bem mais preguiçosa com o cinema do que há

alguns anos. Na média, é claro. Não é por acaso que os cinemas estão nos shoppings. Eles

viraram, em boa parte, uma espécie de complemento das compras. Mais uma distração do que

uma diversão.

Mas isso não quer dizer que eu seja pessimista quanto à situação da crítica (nem do cinema). Em

São Paulo, a Folha ocupou, a partir de 1980, o espaço da imprensa alternativa, do Pasquim, por

exemplo. Hoje, já se criou um novo espaço para a imprensa alternativa. Há sites como

Contracampo, Mnemocine, e revistas como Sinopse. Não faço juízo de valor de cada uma delas,

isso não importa. O que interessa é haver um movimento coletivo, de uma crítica jovem, que

pensa o cinema intensamente. Tenho a impressão de que daí surgirão novidades importantes, e,

espero, não apenas para a crítica.

2. Eu tenho dificuldade para responder a essa pergunta, porque nunca quis ser um crítico de

cinema e, ao mesmo tempo, sempre me tomei como um espectador crítico. Eu fui montador,

assistente de direção, roteirista, até dirigi um episódio de um filme. Então, eu me preparei mais

142
para ser realizador, e quando comecei a escrever na Folha eu me tinha na conta de um amador.

Escrever era como conversar com meus amigos, com o Carlão, com o Jairo. Um diálogo que

acabava se estendendo a outras pessoas. E tenho procurado continuar assim, no que a Folha me

facilita muito, porque a tradição do jornal é bastante coloquial.

Agora, o mundo mudou muito, e é meio freqüente as pessoas fazerem essa pergunta: o que eu

preciso para ser crítico de cinema? Para mim é muito espantoso, porque nunca foi um projeto de

vida meu. O ato crítico para mim sempre foi um pouco como respirar. Você não precisa escrever

para ser crítico e pode não ser crítico mesmo escrevendo resenhas em um jornal de grande

tiragem.

Há uma coisa que me parece certa: não dá para ser crítico sem ver filmes, e nem só vendo filmes.

Finalmente, estamos numa civilização da imagem. Mas o que é a imagem? A imagem é algo que

se propõe como verdade, mas não é. A imagem é a coisa mais incerta, mais impregnada de

falsidade que existe. E, se o crítico contemporâneo tem um papel no mundo me parece que é

ajudar as pessoas a distinguir o falso do que mais se aproxima da verdade. Essa questão da

imagem tem no cinema um paradigma, mas não está apenas lá. Está na TV, no outdoor, na rua.

Basta abrir os olhos e ver.

3. Há uma frase do Roland Barthes de que eu gosto muito, que é: criticar quer dizer pôr em crise.

O que significa pôr em crise? Se o sujeito diz: ah, aqui há um erro de continuidade, isso significa

que ele acredita que a continuidade é uma verdade em si, que a ordem narrativa gira em torno

dela. Então, ele aceita essa ordem. Se ele está conforme com isso, seu olhar gira em torno do

"certo" e "errado" dentro desse critério. A mesma coisa vale para a produção, para os atores (eu

vejo dizerem com freqüência: ah, fulano está muito mal. Mas qual é o critério para dizer isso, a

partir de que escola de interpretação se fala, etc.?).

143
Isso acontece muito. É como se você julgasse o Kafka a partir do modo de escrever do Balzac.

Se você dissesse que o Guimarães Rosa escreve mal porque não escreve como o Machado de

Assis. Claro que isso é um absurdo e ninguém faz em literatura. Mas em cinema, faz. Porque a

escrita literária está internalizada em nós, nós praticamente nascemos escrevendo. Mas o cinema

é diabólico, porque podemos seguir uma intriga sem precisar compreender sua escrita. e porque

hoje em dia as pessoas nascem na frente de imagens, praticamente, mas nada se faz para que ela

compreenda minimamente o tipo de escrita que está implicado ali. Acho que meu único sonho

pedagógico é esse: ver a disseminação de uma disciplina que poderia se chamar educação visual,

que prepare as pessoas para decifrar esse mundo de imagens, ou ao menos situar-se nele, não ser

tão indefeso diante da imagem.

É evidente que existe uma outra armadilha aí, para quem escreve publicamente, que é o sujeito

se julgar ele próprio portador da palavra verdadeira. Porque esse mecanismo é perverso. Quando

escreve no jornal, as pessoas te julgam como a pessoa "que sabe" de um assunto. Você se torna o

tal "sujeito suposto saber". Quem ignorar isso deixará de ver a crítica como um questionamento

das coisas.

4. Minha impressão é de que a crítica deve, antes de tudo, orientar o espectador. O crítico deve

ser uma pessoa que conviva com as imagens o bastante para saber o quanto elas são perigosas,

enganadoras. Acho que esse pode ser um serviço público: advertir o espectador para o tanto de

mentira que existe nas imagens. O aspecto artístico, me parece, está diretamente vinculado a

isso. Agora, como eu disse aí em cima, se você acredita que é um iluminado, que está dizendo a

verdade, então está perdido. Quando eu falo que é possível orientar o espectador quero dizer que

existe possibilidade de colocar ordem naquilo que se vê (pois o cinema é uma história já com

mais de 100 anos) e é, sobretudo, trazê-lo para o diálogo, colocá-lo na conversa. O cinema

144
deveria funcionar como um "chat" de internet: cada um entra, troca idéias, etc. Só o que não se

pode é pensar que essas idéias não tenham uma ordenação. O espectador também precisa ter

certa humildade para saber que existe uma ordem. Não vale, por exemplo, dizer que a Mona Lisa

não interessa porque você não gosta de santos. Aí é querer impor o império da subjetividade.

5. No sucesso de um filme, a influência é tão mais nula quanto maior for o lançamento.

Já o leitor é um mistério. Um dia o Alcino Leite Neto, que foi editor do Mais!, da Folha, e que

antes disso foi presidente do CEC de Belo Horizonte me falou que lá as pessoas liam o que eu

escrevia, discutiam, concordavam, discordavam, etc. Ele falou: vocês em S. Paulo não sabem a

importância que têm fora daqui. Eu nem diria que foi gratificante, mas foi muito estranho.

Porque o contato com lê jornal é muito indireto, parece que não existe.

Aliás, vocês conhecem o Alcino? É um crítico notável, é uma pena que não goste de escrever

críticas. E é um espírito empresarial. Ele sustentava o CEC assim: passava o Pele de Asno, fazia

um sucesso imenso, enchia o CEC de dinheiro. Aí ficava três meses com um ciclo do Godard. Aí

o dinheiro acabava e ele passava o Pele de Asno outra vez.

6. Estou certo de que a crítica não tem a menor influência sobre a bilheteria das Panteras, por

exemplo. Já o sujeito que acompanha a programação do circuito dito de arte é mais permeável,

tende a ser culta e aberta a diálogo.

O desejável seria que a crítica não tivesse influência alguma sobre a bilheteria. Mesmo porque

não é porque eu acho um filme ruim que ele não deva ser visto. Com freqüência, você aprende

mais com um mau filme do que com um bom. É tão importante saber o que é certo fazer quanto

o que é errado.

Quanto ao cinema brasileiro é um problema tão complicado que seria melhor fazer um número

do Contracampo só sobre isso. Vou resumir o que penso, que não tem nada a ver com a crítica. A

145
TV é uma imagem insidiosa, porque entra na sua casa com a promessa de trazer a realidade. Mas

não é bem isso que ela traz. A TV é uma máquina de venda. Não julgo se isso é bom ou mau,

mas acho que isso deveria ser esclarecido a todo mundo. A realidade que a TV traz para a sua

casa é, portanto, algo vendável, vinculado diretamente ao anunciante e a certo tipo de

expectativas. Quando o Brasil institui um sistema de produção baseado na renúncia fiscal de

empresas, o que ele faz é transportar esse mesmo tipo de perversão para o cinema. Daí essa coisa

amalucada: um discurso compulsivo sobre o mercado, num país em que o filme brasileiro

simplesmente não tem mercado. Essa coisa deveria ser repensada, me parece.

Agora, algo sobre a crítica: o cinema brasileiro é sempre uma "questão", antes de ser cinema, por

isso sempre foi muito difícil tratar com ele, porque sempre quis certa "proteção", porque o

mercado é muito ingrato com ele, etc. O leitor não acompanha esse tipo de idéia. Me parece que

a única coisa possível, nessa atividade, é você dizer o que pensa, ser o mais honesto possível

com o leitor. E me parece que disso faz parte também certa "tolerância" com o filme brasileiro,

que não deve significar nunca baixar a guarda para coisas ruins só porque são brasileiras, mas

assumir aquilo que o Paulo Emilio disse e que é definitivo: um filme brasileiro nos fala

infinitamente mais do que qualquer filme estrangeiro, e devemos nos esforçar para compreender

o que ele fala.

7. O Godard diz que a cultura é a regra; a arte, a exceção. A regra quer matar a exceção. Algo

assim. Penso que isso se aplica à crítica. Não ao sujeito que escreve crítica, mas à crítica, ao

criticismo, a essa atitude que consiste em olhar o mundo e procurar ver alguma coisa além da

evidência. Ou, se se trata de um filme de Howard Hawks, aí é o contrário: o difícil, o importante,

é ver a evidência, como o Rivette demonstrou.

146
A gente vive em mundo cada vez mais de verdades feitas. São pacotes fechados jogados na sua

cara o tempo todo, que se pretende impor como realidade. No cinema, por exemplo, nós vivemos

às voltas com Hollywood, que é a maior fábrica de propaganda que se pode imaginar. Você pode

comprar salame Sadia, por exemplo, mas ninguém se interessa por saber se o maquinário para

salame custou $ 1 milhão, nem se a fábrica fatura $ 10 milhões por ano com isso...

Foi isso que Hollywood conseguiu, entre outras coisas pela desmoralização do que existe de

trabalho intelectual no cinema, inclusive a crítica. Essa máquina azeitada da indústria cultural

conseguiu incutir no espectador a idéia de subjetividade máxima (ou aproveitou-se de um

sentimento de subjetividade máxima que está no ar, tanto faz). Ele não pergunta mais se ele é

que pode estar enganado, quando vai ver um filme com narrativa mais trabalhosa e não gosta.

Ele não diz: é, eu não entendi, eu não gosto, mas talvez eu é que não compreendo. Não. A

ignorância tornou-se arrogante, despreza as coisas apenas porque não as conhece.

E essa ignorância ocupa "lugares críticos", por assim dizer. A crítica americana, que nunca foi

boa, está infestada dessa gente que está lá para defender o interesse "da indústria". Como se a

gente devesse defender a Sadia ou a Chapecó ao comer salame. E existe um lado do cinema que

é exatamente isso: salame. Não há a menor diferença.

Então, a crítica me parece necessária como uma espécie de "maquis", de resistência. Porque

Hollywood é também uma fabulosa máquina de lavagem cerebral. Ninguém faz isso melhor do

que eles, ninguém nunca fez, nem russos, nem nada. Porque você impor Beleza Americana ao

mundo como um grande filme é, convenhamos, um feito e tanto. Então, uma parte da função

crítica consiste em separar, inclusive, Hollywood do cinema americano, o salame e o cinema. O

que nem sempre é fácil. Erra-se e vai se errar muito. O que não se pode é perder os fundamentos,

o ponto de vista.

147
No cinema, especificamente, tenho a impressão de que já há algum tempo a crítica é corda e

caçamba. Não pode existir hoje - salvo como exceção espantosa - um cineasta que não seja ao

mesmo tempo crítico da produção que se faz. Porque esse seria um cineasta que não conhece o

que se fez, o que se faz na sua arte. Então, ele tende a ficar inventando a roda o tempo todo.

Pedro Butcher (O Globo)

1. Não. Aliás, não chamaria o que sai nos jornais de crítica, mas de resenha. Desde que os jornais

brasileiros criaram os suplementos especiais de fim de semana que a "crítica" passou a se atrelar,

primeiro, à data de estréia dos filmes, e, segundo, a uma espécie de "guia de consumo" da

cultura. Não há mais espaço para a análise, e a prioridade está centrada nas reportagens e

entrevistas.

2. Um jornalista da área de cinema deve amar o cinema e ter um mínimo de conhecimento de

história e estética.

3. Nem todos, mas a maioria sim. A grande parte preenche os requisitos acima. Podem não ter

um conhecimento profundo, mas o conhecimento que têm é equivalente ao espaço que têm para

escrever sobre cinema.

4. Depende do veículo, é claro. No caso do Globo, orientar o espectador é prioridade absoluta. É

orientação da direção do jornal. Mas isso não impede a busca de um equilíbrio do tipo de

informação que você está transmitindo ao leitor.

5. As pessoas lêem as críticas de cinema mas não necessariamente se guiam por elas. Por isso há

pouca influência no sucesso ou não do filme (dependendo do tipo de filme).

6. A influência da crítica é quase nenhuma nos produtos do chamado cinema comercial e bem

maior nos filmes brasileiros e "de arte". Mesmo assim, nada impede que apareçam surpresas.

Carlota Joaquina, por exemplo, não recebeu mais que críticas medianas e fez o sucesso que fez.

148
7. É. Por mais que se critique a crítica (muitas vezes com razão), não dá para negar que é através

dela que os filmes iranianos, orientais, europeus, africanos ganham espaço nos jornais. Acho

que, em relação ao fim dos anos 80 e começo dos 90, por exemplo, a crítica melhorou muito, até.

Perdeu uma certa atitude cínica e, principalmente, de desconfiança em relação ao cinema

brasileiro.

149
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