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PROJETO DE EXTENSÃO

“SABERES E PRÁTICAS DO CUIDADO: SUJEITOS E DIÁLOGOS”

MEMBROS
Akeslayne Maria de Camargo
Edna Fernandes do Amaral
Itamar Camaragibe Lisboa Assumpção
José Carlos Leite
Luiz Augusto Passos
Luiz Gustavo de Souza Lima Junior
Marcia de Campos
Marlene Mützenberg Andrade
Meire Stéffani Brito Sécolo
Natalicol do Nascimento
Neuza Cristina Gomes da Costa
Rodrigo Marcos de Jesus
Suely Corrêa de Oliveira

PARCEIROS
Associação Brasileira de Homeopatia Popular (ABHP)
Arquidiocese de Juína-MT – Pastoral da Saúde
Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS-MT)
Casa de Pastoral para Migrantes de Cuiabá
Comitê Nacional de Educação Popular em Saúde (CNEPS-SUS)
Conselhos de Saúde
Departamento de Filosofia da UFMT
Escola de Saúde Pública de Mato Grosso (ESPMT)
Instituto de Saúde Coletiva da UFMT
Movimento Popular de Saúde (MOPS)
Rede de Educação Cidadã
Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso
Secretarias de Saúde e de Assistência Social do Município de Nortelândia
Secretaria de Saúde do Município de Poconé
Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT)

EDITORAÇÃO
Projeto gráfico, diagramação e capa: Neemias Alves
Fotos: acervo do Projeto Saberes e práticas do cuidado

ANO - 2015 / 2ª tiragem

Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde


INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 propôs diversas mudanças na área
da saúde com a criação de espaços de participação popular na perspec-
tiva de garantia e efetivação do controle social e exercício de cidadania.
Na história da saúde pública do país, destacando o período da reforma
sanitária nas décadas de 1970 e 1980, os movimentos populares se
mostraram como importantes instrumentos de mobilização, luta pela
democracia, qualidade de vida e defesa de uma política de saúde pú-
blica e transparente. Essas mobilizações possibilitaram a consolidação
da lei orgânica da saúde (lei 8.080/90) e a participação popular na
construção e fiscalização de políticas de saúde por meio dos conselhos
e conferências garantidos pela lei 8.142/90. Isso significou a participa-
ção da sociedade na construção democrática da saúde pública.
A recente aprovação da Política Nacional de Educação Popular em
Saúde (PNEPS) vem reforçar esse processo de democratização e reco-
nhecer as práticas populares de cuidado exercidas por distintas pesso-
as e comunidades pelo país. O caderno que você tem em mãos preten-
de divulgar a PNEPS, refletir sobre as práticas populares de cuidado e
mostrar exemplos de como efetivar essa nova política pública no âm-
bito do SUS. Este material é um dos resultados do Projeto de Extensão
“Saberes e práticas do cuidado: sujeitos e diálogos” da Universidade
Federal de Mato Grosso em parceria com a Articulação Nacional de
Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde do estado de
Mato Grosso (ANEPS/MT), que contou com o apoio financeiro da Se-
cretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde.
A construção da Política Nacional de Educação Popular em Saúde é
um trabalho que envolve gestores e trabalhadores/as da saúde, grupos
e pessoas das comunidades populares, professores/as e estudantes de
escolas e universidades públicas. Envolve todas e todos nós. Caminhe-
mos e Construamos! Boa leitura.

Equipe do Projeto “Saberes e práticas do cuidado: sujeitos e diálogos”


ANEPS/MT - Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde
É que tem mais chão nos meus olhos
do que cansaço nas minhas pernas,
mais esperança nos meus passos do
que tristeza nos meus ombros, mais
estradas no meu coração do que
medo na minha cabeça.
Cora Coralina
SUMÁRIO
Conhecendo a Política Nacional de
Educação Popular em Saúde (PNPES).............................. 5
Problematizar é preciso: Formação e produção
de conhecimentos com as comunidades.........................12

Um exemplo: o Projeto Saberes e Práticas do cuidado... 22


Indicações e Referências............................................ 25
ANEXO 1 - Carta do 1 Encontro
Regional da ANEPS Centro-Oeste.................................. 27
ANEXO 2 - Roteiro para o levantamento
de práticas populares de saúde.................................. 29
ANEXO 3 - Versão simplificada
da PNEPS em crioulo haitiano........................................ 31
Hoje aprendi que posso pegar no corpo
do outro para cuidar com respeito e,
ao mesmo tempo, com carinho. Fiquei
muito curioso de saber que posso
cuidar do outro com sementes na
orelha. Posso fazer uma automassagem
e isso é muito bom. Confesso que
estava um pouco ansioso e incrédulo
mas, com o resultado, despertou em
mim a curiosidade de aprender mais a
respeito de todas as práticas integrativas
que vi aqui, como a Auriculoterapia, a
Massagem, e o REIKI.
Estudante que participou da Oficina
de Práticas Populares do Cuidado
POLÍTICA NACIONAL
CONHECENDO A
DE EDUCAÇÃO POPULAR EM
SAÚDE (PNPES) Práticas populares de cui-
dado são desenvolvidas por
O que é? diversos atores (pessoas e
grupos) em distintos espa-
A Política Nacional de Educação Popular em ços (familiar, comunitário e
Saúde (PNEPS) é uma política pública instituí- mesmo institucional). Entre
os vários exemplos de prá-
da pelo Ministério da Saúde através da portaria ticas populares de cuidado
nº 2.761 de 19 de novembro de 2013 que visa e de seus atores podem ser
promover o diálogo e a troca entre práticas e sa- citados raizeiros, benzedei-
beres populares e técnico-científicos no âmbito ras, erveiros, curandeiros,
do Sistema Único de Saúde (SUS), aproximando parteiras, práticas dos
terreiros de matriz africana
os sujeitos da gestão, dos serviços de saúde, dos e das comunidades indíge-
movimentos sociais populares, das práticas po- nas, práticas terapêuticas
pulares de cuidado e das instituições formadoras como florais e massagens, a
(escolas, universidades). homeopatia e a fitoterapia,
dentre outros.

Educação Popular em Saúde caracteriza-


Qual o objetivo? se pela elaboração de projetos educativos
“com” as comunidades e não “para” elas.
Implementar a Educação Popular Engloba uma conjunção de saberes,
em Saúde no âmbito do SUS, con- vivências e práticas que visam a trans-
formação das situações de opressão e
tribuindo com a participação popular, exclusão social. A Educação Popular em
com a gestão participativa, o contro- Saúde, portanto, envolve uma práxis (isto
le social, o cuidado, a formação e as é, uma teoria articulada com a prática)
práticas educativas em saúde. Desse político-pedagógica orientada para a
modo, a PNEPS busca fortalecer a construção de processos educativos e de
trabalho social emancipatórios, inten-
participação democrática nos espa- cionalmente direcionada à promoção da
ços do SUS, além de reconhecer e autonomia das pessoas, à horizontalidade
valorizar as culturas populares, inclu- entre os saberes populares e técnico-cien-
sive as várias expressões da arte e da tíficos, à formação da consciência crítica,
espiritualidade como componentes à cidadania participativa, ao respeito às
diversas formas de vida, à superação das
essenciais das práticas de cuidado. desigualdades sociais e de todas as formas
de discriminação e violência.

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Sistematizar e compartilhar os saberes e as
Diálogo e a troca entre práticas práticas populares de cuidado, atentando-se
e saberes populares e técnico- para a realidade, as linguagens e as culturas
científicos no âmbito do SUS. das comunidades.

Assegurar a Desenvolver ações


participação intersetoriais nas
popular no políticas públicas
planejamento, referenciadas na
acompanhamento, Educação Popular
monitoramento e
PNPES
em Saúde.
avaliação das ações
e estratégias para a
implementação da (objetivos)
PNEPS-SUS.

Apoiar ações de
Educação Popular
na Atenção Primária
Contribuir com a educação em Saúde.
permanente dos trabalhadores,
gestores, conselheiros e atores dos
movimentos sociais populares.

Quais os princípios orientadores


da PNEPS?
A PNEPS além de reafirmar o compromisso com a universalida-
de, a equidade, a integralidade e a efetiva participação popular no
SUS possui princípios filosóficos, políticos, éticos e metodológicos
que orientam suas ações e dão sentido e coerência à práxis de
educação popular em saúde. Tais princípios compõem uma visão
ampla de um processo integral e único da Política Nacional de Edu-
cação Popular em Saúde. São eles:

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Princípios orientadores da PNEPS

Diálogo

Amorosidade Problematização

Construção
Emancipação compartilhada
do saber

Compromisso com a Construção


do projeto Democrático Popular

Diálogo
Diálogo é o encontro de conhecimentos construídos histórica e
culturalmente por sujeitos, ou seja, o encontro desses sujeitos na
intersubjetividade, que acontece quando cada um, de forma respei-
tosa, coloca o que sabe à disposição para ampliar o conhecimento
crítico de ambos acerca da realidade, contribuindo com os processos
de transformação e de humanização.

Amorosidade
Amorosidade é a ampliação do diálogo nas relações de cuidado e
na ação educativa pela incorporação das trocas emocionais e da sen-
sibilidade, propiciando ir além do diálogo baseado apenas em conhe-
cimentos e argumentações logicamente organizadas. Permite que o
afeto se torne elemento estruturante da busca pela saúde. Enquanto
referência para a ação política, pedagógica e de cuidado, a amorosi-
dade amplia o respeito à autonomia de pessoas e de grupos sociais
em situação de iniquidade, por criar laços de ternura, acolhimento e
compromisso que antecedem às explicações e argumentações.

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Problematização
A problematização implica a existência de relações dialógicas e
propõe a construção de práticas em saúde alicerçadas na leitura e na
análise crítica da realidade. A experiência prévia dos sujeitos é reco-
nhecida e contribui para a identificação das situações-limite presen-
tes no cotidiano e das potencialidades para transformá-las por meio
de ações para sua superação.

Construção compartilhada
do conhecimento
A construção compartilhada do conhecimento consiste em pro-
cessos comunicacionais e pedagógicos entre pessoas e grupos de
saberes, culturas e inserções sociais diferentes, na perspectiva de
compreender e transformar de modo coletivo as ações de saúde des-
de suas dimensões teóricas, políticas e práticas.

Emancipação
A emancipação é um processo coletivo e compartilhado no qual
pessoas e grupos conquistam a superação e a libertação de todas
as formas de opressão, exploração, discriminação e violência ainda
vigentes na sociedade e que produzem a desumanização e a determi-
nação social do adoecimento.

Compromisso com a Construção do


Projeto Democrático e Popular
O compromisso com a construção do projeto democrático e popu-
lar é a reafirmação do compromisso com a construção de uma socie-
dade justa, solidária, democrática, igualitária, soberana e cultural-
mente diversa que somente será construída por meio da contribuição
das lutas sociais e da garantia do direito universal à saúde no Brasil,
tendo como protagonistas os sujeitos populares, seus grupos e movi-
mentos, que historicamente foram silenciados e marginalizados. Esse
compromisso caracteriza-se pela valorização do ser humano em sua

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integralidade, a soberania e autodeterminação dos povos, o respeito
à diversidade étnico-cultural, de gênero, sexual, religiosa e geracio-
nal; a preservação da biodiversidade; o protagonismo, a organização
e o poder popular; a democracia participativa; organização solidária
da economia e da sociedade; o acesso e garantia universal aos direi-
tos, reafirmando o SUS como parte constitutiva deste Projeto.

Como implementar
a PNEPS no SUS?
para que a PNEPS seja efetivada no âmbito do SUS algumas me-
didas apresentam-se como estratégicas. Os principais eixos estratégi-
cos para sua implementação são:

PARTICIPAÇÃO, CONTROLE FORMAÇÃO, COMUNICAÇÃO


SOCIAL E GESTÃO E PRODUÇÃO DO CONHECI-
PARTICIPATIVA MENTO
Mobilização pelo direito à Formação de trabalhadores
saúde e a qualificação da e atores sociais em saúde na
participação nos processos de perspectiva da educação popu-
formulação, implementação, lar, produção de novos conhe-
gestão e controle social das cimentos e sistematização dos
políticas públicas distintos saberes em saúde

CUIDADO EM SAÚDE INTERSETORIALIDADE


E DIÁLOGOS
Fortalecer as práticas populares
MULTICULTURAIS
de cuidado, apoiar sua sus-
tentabilidade, sistematização, Promover o encontro e a visi-
visibilidade e comunicação no bilidade dos diferentes setores
intuito de socializar tecnologias e atores em sua diversidade,
e perspectivas integrativas e de visando o fortalecimento de
aprimorar sua articulação com políticas e ações integrais e
o SUS integralizadoras

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QUAIS AS RESPONSABILIDADES E
ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO DA
SAÚDE E DAS SECRETARIAS DE SAÚDE?
A inclusão da PNEPS no SUS demanda compromissos por parte
da gestão pública. Pode-se destacar as seguintes responsabilidades:

Ministério da Saúde

Implementar as ações da PNEPS-SUS incorporando-as nos Planos


Plurianual e Nacional de Saúde;
Estabelecer estratégias e ações de planejamento, monitoramento e
avaliação da PNEPS-SUS construídas no âmbito do Comitê Nacional
de Educação Popular em Saúde (CNEPS);
Garantir financiamento para implementação da PNEPS de forma
integral;
Promover a articulação intrasetorial e intersetorial para a implemen-
tação da PNEPS-SUS;
Apoiar tecnicamente as Secretarias Estaduais de Saúde para imple-
mentar a PNEPS.

Secretarias Estaduais de Saúde

Garantir a inclusão da PNEPS-SUS nos Planos Estadual e Plurianual


de Saúde;
Estabelecer estratégias e ações de planejamento, monitoramen-
to e avaliação da PNEPS-SUS construídas de forma participativa
com atores da sociedade civil implicados com a Educação Popular
em Saúde;

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Apoiar tecnicamente as Secretarias Municipais de Saúde na imple-
mentação da PNEPS-SUS;
Garantir financiamento complementar aos Municípios para a implan-
tação da PNEPS-SUS;
Promover a articulação intrasetorial e intersetorial no âmbito estadual
para a implementação da PNEPS-SUS.

Secretarias Municipais de Saúde

Garantir a inclusão da PNEPS-SUS nos Planos Municipal Plurianual


de Saúde;
Estabelecer e implementar estratégias e ações de planejamento, mo-
nitoramento e avaliação da PNEPS-SUS construídas de forma parti-
cipativa com atores da sociedade civil implicados com a Educação
Popular em Saúde;
Implementar o Plano Operativo da PNEPS-SUS;
Garantir financiamento solidário para a implantação da PNEPS-SUS;
Promover a articulação intrasetorial e intersetorial no âmbito munici-
pal para a implementação da PNEPS-SUS.

Para saber mais Fique atento!


Para conhecer em detalhes a Política Nacional de Para alocação de recursos na área
Educação Popular em Saúde consulte os seguin- de sáude, os governos municipais,
tes documentos: estaduais e federal elaboram, a cada
Portaria do Ministério da Saúde nº 2.761 de quatro anos, o Plano Plurianual
19 de novembro de 2013; (PPA). Este instrumento de planeja-
mento deve ser construído levando
Política Nacional de Educação Popular em
em consideração as necessidades
Saúde. Comitê Nacional de Educação Popular
locais e antes de ser enviado ao
em Saúde (CNPES), Secretaria de Gestão
Legislativo (câmaras de vereadores e
Estratégica e Participativa, Ministério da
de deputados e senado), as questões
Saúde, 2012.
da área da Saúde devem ser sub-
Os documentos estão disponíveis em vários sites metidas à apreciação dos conselhos
da internet. Um deles é o filosofia.ufmt.org de saúde, espaços permanentes e
deliberativos.
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PROBLEMATIZAR É PRECISO: CUIDADO
EM SAÚDE, FORMAÇÃO E PRODUÇÃO DE
CONHECIMENTOS COM AS COMUNIDADES
Antigamente, quem cuidava da nossa saúde eram as parteiras,
benzedeiras, xamãs, bruxas do bem e pessoas que sabiam e conheciam as
plantas e o corpo humano - os pegadores de ossos, que, hoje chamamos
de massagistas. Quando essas pessoas não conseguiam cuidar, aí é que
entrava o médico e o hospital. Mas isso era para quem tinha bens e
dinheiro. Ao longo do tempo, essas práticas foram ficando desvalorizadas
e esquecidas. Felizmente, surgiu esta política para trazer de volta
todas essas vivências e conhecimentos para as nossas comunidades e,
principalmente, aos nossos jovens, que estão carentes de histórias e
conhecimento dos seus ancestrais. (Participante da oficina em Poconé-
MT, na Comunidade Rural Quilômetro 120)

A Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEPS) visa


a construção e compartilhamento de tecnologias de comunicação
pautadas pelo respeito à sabedoria popular e pela valorização da
diversidade cultural.
Aqui, nossa conversa visa entender como uma política pública
pode deixar de ser apenas um texto ou uma expressão escrita e pas-
sar a fazer sentido prático na vida das pessoas. Por meio do diálogo
com estudantes, professores, assim como parteiras, benzedeiras e
outros agentes do cuidado popular e, principalmente, usuários do
Sistema Único de Saúde (SUS), buscamos elaborar estratégias e so-
luções para a implementação de tais práticas.

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Baseados no diálogo entre os saberes, optamos por apresentar de
forma escrita as falas mais significativas que foram proferidas pelos
participantes dos 14 encontros e oficinas de práticas populares do
cuidado em saúde, realizados em 11 municípios de Mato Grosso
durante o ano de 2014, através do Projeto de Extensão “Saberes
e práticas do cuidado”. Antes disso, precisamos identificar quem
somos, quais os problemas que nos afligem e como eles dialogam
com esta política.

E por falar em comunidade... De


onde falamos?
Somos um coletivo de professores/as, estudantes universitários,
terapeutas e agentes do cuidado em saúde interessados no debate
sobre o serviço de saúde pública e de qualidade como um direito
constitucional de todos os brasileiros. Nesse sentido, acreditamos
que o SUS é uma política de justiça social, já que visa a universali-
dade do acesso à saúde.
Construímos a ANEPS (Articulação Nacional de Educação Popular em
Saúde) para discutirmos o que é possível fazer e construir com o governo.
Essa articulação é muito rica porque nela participam pessoas simples,
que mal sabem escrever o nome, mas que tem muito a contribuir em
espiritualidade e em práticas populares do cuidado em saúde. Ou seja,
temos saberes diferentes trocando experiências. (Participante da ANEPS)

Fazemos parte de um grupo que coabita determinado espaço, ou


seja, que visa construir de forma compartilhada meios para a me-
lhoria da convivência e ocupação desse ambiente de maneira sau-
dável e respeitosa. No entanto, para se construir relações baseadas
no respeito e na troca de conhecimentos temos de levar em conta a
percepção do outro, suas diferenças e escolhas, sem necessariamen-
te submeter-se a esse outro. Desse ponto de vista, afirmamos que a
convivência entre as pessoas deve ser problematizadora e com vistas
à busca da emancipação dos sujeitos. Assim, expor um determina-
do ponto de vista sobre a realidade vivida é comprometer-se com o
objetivo crítico de construir novas relações que levem em conta a
pluralidade e a diversidade.
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Mas, o que problematizar tem a
ver com saúde? “Pensávamos que sanea-
mento básico era coisa da
Do ponto de vista da Educação Popular em cidade, mas hoje sabemos
Saúde, problematizar é discutir as contradições que precisamos começar
e problemas que surgem no cotidiano, sempre a pensar nesse assunto na
com vistas a construir propostas que respeitem área rural e indígena, pois
estamos ficando doentes
o coletivo. É importante frisar que o sujeito se com a contaminação dos
transforma na ação de problematizar, pois é daí venenos jogados de qual-
que ele passa a detectar novos problemas na quer jeito nas plantações.
sua realidade. Nessa dinâmica, não há espaço Quando não são despe-
para o conformismo, mas para o debate saudá- jados por aviões e outras
máquinas, são os pequenos
vel e construtivo, mesmo entre grupos e práticas agricultores que jogam com
divergentes. Assim, a problematização emerge as bombas costeiras e sem
como momento pedagógico, como práxis social, proteção adequadas. Isso
como manifestação de um mundo refletido no tem causado muitas doen-
coletivo, possibilitando a formulação de conhe- ças mentais, de pele, doen-
ças respiratórias, cegueira
cimentos com base na vivência de experiências e câncer.” (Participante da
significativas. Vejamos o que disse um dos parti- Oficina de Juara).
cipantes das oficinas de cuidado em saúde:
Se não provocarmos e entendermos a saúde como direito à vida e tudo que
ela implica, inclusive ao direito de morrer dignamente, não vai adiantar ter
aparelhos sofisticados para diagnosticar doenças, construir hospitais, poli-
clínicas, postos, entre outros. Se não mudarmos nosso jeito de ver a vida de
homens, mulheres, crianças e do ambiente em que vivemos e, assim, come-
çarmos a rever o que estão fazendo com o planeta terra, vai ser difícil ou até
impossível discutir a questão da qualidade de vida ou saúde nos próximos
anos. (Participante da oficina em Juara)

Conforme afirma uma trabalhadora do SUS em Cuiabá, “as práti-


cas populares de cuidado com a saúde problematizam, pois ajudam
a pensar no atendimento primário, na promoção da saúde (preven-
ção), e não apenas na parte hospitalar – que é quando o atendimento
é menos efetivo”.
Antes a vida era mais difícil, pois a gente só contava com a caridade e
com os matos para nos curarmos das doenças. Hoje, temos mais facili-
dade de médicos e remédios de farmácia, mas também, junto com essas
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facilidades aumentaram as doenças. Querem fazer remédio para tudo e
se esquecem que uma boa conversa ajuda muito a não ficar triste ou a
sentir solidão e a depressão. Acho que a maioria das doenças é a falta
de esperança na vida. É daí que vem os vícios e, com eles, a violência,
as inimizades e a solidão. Acredito e defendo que temos é que juntar
as mãos e cuidar mais do outro, do nosso ambiente e das vidas que nos
habitam. (Participante da oficina em Juara)

Na perspectiva da produção social da saúde proposta pela Edu-


cação Popular é possível visualizar a construção de horizontes éticos
para o cuidado em saúde não apenas como uma ação sanitária, mas
social, política, cultural, individual e coletiva. Em que haja diversida-
de de saberes e práticas de cuidado permeadas pela amorosidade,
diálogo, escuta, solidariedade e autonomia. Por isso, temos de enten-
der que a presença de práticas populares para o cuidado em saúde
não são uma ameaça às práticas sanitaristas já estabelecidas, mas
a busca pela construção de um fazer mais participativo, em que os
direitos e saberes da pessoa que se encontra adoecida também sejam
atuantes no exercício do cuidado em saúde.

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Vamos problematizar?
Durante umas da Oficinas de Práticas Populares do Cuidado com a
Saúde surgiram dois comentários que expõem a potencialização da es-
cuta e da formulação de propostas por meio de diálogo problematizador:
Um encontro como este tem que servir para a gente falar, denunciar
o que está acontecendo conosco. Ainda não sei direito o que tem que
ser feito, mas juntos podemos achar uma saída boa para todos homens,
mulheres, crianças, animais, rios, árvores e cerrados. (Trabalhador rural
do município de Juara)
Eu quero falar dos venenos. Acredito que o que estão fazendo com os
trabalhadores e agricultores é uma violência na sua vida e de suas fa-
mílias. Não temos como nos defender, pois não podemos parar o vento
que traz o veneno no ar que respiramos e nem parar de beber a água
que vem dos rios e das fontes. Estamos desassistidos e não temos a
quem recorrer e pedir ajuda, pois, nessa imensidão de terra que antes
eram florestas e campos fechados, vemos que hoje é só a plantação
de soja. Da até vontade de chorar quando lembro dos rios de águas
profundas e dos riachos cheios de peixes que nunca faltavam em casa.
Hoje eu fico uma semana sem pegar um peixe bom”. (Participante da
oficina em Juara)

Nota-se que o teor do segundo relato, que fora pronunciado em


meio a uma discussão sobre saúde no campo, extrapola aquilo que
convencionamos tratar como Saúde. O autor da fala, um indígena
da etnia Munduruku, ousa apresentar um caso que vivencia em seu
cotidiano para denunciar uma situação-limite. Como está colocado
na PNEPS, a problematização implica a existência de relações dia-
lógicas e propõe a construção de práticas em saúde alicerçadas na
leitura e análise crítica da realidade.
Assim, a experiência prévia dos sujeitos é reconhecida e contri-
bui para a identificação de problemas e das potencialidades para
transformá-las por meio de ações para sua superação. Por isso, pen-
sar a saúde é discutir práticas que levem em conta o ambiente, as
condições de trabalho, de saneamento, a alimentação e, junto disso,
os saberes ancestrais de cada região, grupo ou comunidade. Desse
modo, praticar o cuidado numa perspectiva integral é uma forma
de reconhecer que também somos parte do ambiente, não estamos
apartados da natureza.
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Acho que ainda temos vergonha de mostrar o nosso saber. Para isso,
temos que falar de nós e das nossas práticas. Se ficarmos com vergonha
de falar que fazemos o uso dessas práticas e dos resultados para as pes-
soas que a utilizam, vamos demonstrar insegurança e, aí, vão achar que
é somente uma coisa mística, mágica. (Participante da Oficina em Juara)
Muitos pensam que é fácil: é só ir lá no mato e pegar as plantas que
estão sempre à disposição das pessoas. Mas isso não é verdade, pois
quem não conhece e não entende das plantas não consegue fazer remé-
dios para curar as pessoas. Assim, acabam fazendo mal para as pessoas
e para as plantas. (Indígena da etnia Caiapó, participante da Oficina de
Cuidados Populares em Juara)

Podemos referir que qualquer prática popular de cuidado com a


saúde tem de ser criteriosa. O cuidador tem que ter ética para ter cui-
dado com o outro e com ele próprio, além de estar sempre atento, es-
tudando e, principalmente, aberto ao diálogo com outros terapeutas
populares, com os trabalhadores da saúde, professores e estudantes.
Assim, a troca de saberes é fundamental para o aprendizado do cui-
dar bem de si, do outro e do mundo.

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Problematizar também é
participar!
Pensar e proporcionar uma expressiva e democrática partici-
pação social é um dos princípios da PNEPS que orientou os nos-
sos encontros. Ao trazer para o centro do debate propostas, in-
tervenções e depoimentos da comunidade, questionamos o papel
da participação social e, principalmente, como o protagonismo
popular é necessário para a implementação da PNEPS. Isso nos
levou a propor algumas perguntas, que são: O que é a PNEPS-
SUS na visão da comunidade? Qual a pertinência para o seu co-
tidiano? Esses questionamentos visam um pensar-ação a partir
das colocações dos participantes, levando em conta seus anseios
e busca por novas soluções. Assim, segundo um participante da
oficina em Juara:
Nós nunca vamos viver num mundo sem doenças, sem dores psíquicas
ou do corpo, porque essa é a condi-
ção humana. Todos temos momentos
saudáveis e momentos de doenças, de
dores e sofrimentos. Ninguém é feliz o
Para saber mais
tempo todo, às vezes choramos, sorri- Você sabia que existem canais
mos, sentimos raiva, indignação. Tudo de participação cidadã na
isso faz parte da vida. O que precisa- estrutura de gestão do SUS?
mos é ter garantido o direito de acolhi- Em Mato Grosso, temos o
mento, tratamento e cuidado na hora Conselho Estadual de Saú-
em que precisamos dele. Temos de ter de (sgces@ses.mt.gov.br)
a garantia de que vamos ter os cuida- e os Conselhos Municipais
dos necessários para sermos acolhidos de Saúde; Também existe a
nos momentos de doença ou de sofri- Ouvidoria do SUS.
mento psíquico.

O que a comunidade sugere para


implementar a PNEPS-SUS?
Pensar a noção de comunidade e de como ela interfere nos proce-
dimentos de promoção e integralização da saúde nos leva a perceber
um dos eixos estratégicos para a implementação da PNEPS-SUS,
que diz respeito à Formação, Comunicação e Produção de Conhe-

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cimento. Nele, é possível apontar que a busca pelo protagonismo
dos comunicadores populares no SUS implica ações de formação,
produção de materiais didático-pedagógicos tanto no âmbito aca-
dêmico, como nos movimentos sociais e, também, no diálogo e nas
trocas e integração de saberes.
No entanto, no âmbito dos encontros e oficinas surgiu uma per-
gunta que ajuda-nos a pensar o nosso presente e os futuros possíveis:
que tipo de formação necessitamos, tanto em nível médio, superior
ou para os movimentos sociais, para que a ação de formação seja
transformadora para o sujeito, e não apenas, torná-lo um multipli-
cador de saberes e processos? Para melhor entender essa proposta
metodológica, vejamos como esse tipo de percepção está presente
nas comunidades que visitamos ao visualizar as propostas sugeridas
pelos participantes:
É preciso priorizar o trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS).
Precisamos de capacitação para o suporte técnico na área ambiental
e em primeiros socorros; precisamos aprender a medir a pressão e ter
mais materiais para um bom trabalho; precisamos do melhoramento das
estradas da zona rural. (Fala de um Agente Comunitário de Saúde duran-
te avaliação da oficina de Práticas Populares do Cuidado em Poconé/MT)

Uma afirmativa com esse teor nos chama a atenção por mostrar
como o trabalhador da saúde demanda por processos de melhoria
das suas condições de vida e trabalho. Desse modo, percebemos que
os princípios da PNEPS estão presentes enquanto práticas cotidia-
nas nos coletivos que discutem, planejam e implementam ações nas
comunidades de base. A novidade na proposição de uma política na
perspectiva da educação popular é que ela traz consigo um reforço
institucional para a elaboração das boas práticas presentes na gestão
da saúde pública brasileira. Isso se dá porque sua elaboração não se
fez apenas através de uma portaria ministerial, mas por meio de uma
construção coletiva, com representantes dos movimentos, grupos e
pessoas articulados em torno da temática do cuidado.

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“Com tuas pernas, minhas
pernas andam mais”
A PNEPS-SUS visa o fortalecimento da pro-
“Eu sou enfermeira há
dução, sistematização e socialização de conhe-
quase 30 anos. Fazia muito
cimentos; a qualificação de informações para o Educação Popular mas não
enfrentamento participativo dos determinantes sabia que já estava fazendo.
sociais da saúde; a construção e compartilha- No serviço, enquanto
mento de tecnologias de comunicação pautadas diretora de unidade de
saúde em Aracaju-SE,
pelo respeito à sabedoria popular e pela valori-
tentávamos construir um
zação da diversidade cultural. Com isso, preten- plano de ação coletiva em
de-se fomentar, fortalecer e ampliar o protago- que participavam desde
nismo popular, por meio do desenvolvimento de o servente até o médico.
ações que envolvam a mobilização pelo direito à Com isso, acreditamos que
o planejamento não deva
saúde e a qualificação da participação nos pro-
ser em relações piramidais,
cessos de formulação, implementação, gestão e tanto de cima para baixo
controle social das políticas públicas. como o contrário, de baixo
para cima. Queremos uma
Vejamos o que foi levantado durante a reu- relação dialógica, horizon-
nião de conselheiros de saúde em Nova Canaã: talizada e respeitosa. Dessa
Vivemos numa sociedade individualista, capita- forma, as pessoas se sentem
lista e machista. A todo instante nos é lembrado parte e não apenas executo-
que não podemos interferir na vida do outro e res de uma ação. Esse é um
que não sabemos nada da nossa saúde, do nos- princípio da Educação Po-
so corpo e da nossa vida, quiçá da vida do outro. pular para a gestão no SUS.
A PNEPS vem dizer o contrário: temos que viver (Trabalhadora da saúde,
junto com outras pessoas, sair da frente da tela participante do Seminário
da televisão e cuidar mais um do outro e cuidar da Equidade e Práticas
do mundo. Hoje sabemos que, no que tange a Populares do Cuidado em
nossa saúde, temos o direito de participar po- Cuiabá/MT).
liticamente nas decisões do SUS. (Participante
da Oficina em Nova Canaã/MT)

Como se vê, a urgência de uma ação coletiva exige de nós um posi-


cionamento diante do que está posto. A construção dessa perspectiva
leva em conta a sabedoria prática que se compartilha em grupo, mas
também pressupõe a construção de processos de trabalho nos quais
os diversos atores possam se constituir sujeitos, contrapondo-se às
atitudes autoritária e prescritiva, radicalizando o conceito de partici-
20
pação nos espaços de construção das políticas da saúde em busca de
condições inéditas, porém possíveis, aquilo que a PNEPS chama de
inédito-viável. Tudo isso nos leva a agir em torno de um projeto comum
que, nesse caso, caracteriza-se pela valorização do ser humano em sua
integralidade, a soberania e autodeterminação dos povos, o respeito à
diversidade étnico-cultural, de gênero, sexual, religiosa e geracional;
a preservação da biodiversidade; o protagonismo, a organização e o
poder popular; a democracia participativa; a organização solidária da
economia e da sociedade; acesso e garantia universal aos direitos, re-
afirmando o SUS como parte constitutiva desse projeto.
Assim, pensemos um pouco a partir de uma ressalva feita por uma
quilombola que participou de uma roda de conversa sobre a PNEPS
durante a oficina de ventosa em Cuiabá:
A terra é a nossa mãe maior, pois é mais antiga que os humanos, que os
animais, as plantas, os espíritos e é ela que tem os registros das histórias,
dos antepassados, das alegrias e dores, das vidas e das mortes. Por isso,
é ela quem nos recebe na nossa última morada e tem o poder de curar.
Mas hoje a mãe terra está doente, envenenada, secando seu sangue,
adoecendo seu espírito, apodrecendo suas águas e está precisando dos
nossos cuidados. Peço a todos os cuidadores, educadores, professores,
políticos e a todos que aqui estão: vamos fazer um grande movimento em
defesa da vida da mãe terra antes que seja tarde demais para salvar as
nossas vidas. (Quilombola no município de Barra do Bugres, participante
do Encontro Regional em Chapada dos Guimarães)

Para concluir, a canção “Ciranda do Caminho”, dos poetas John-


son Soares e Ray Lima, que nos ensinam com arte e alegria o poder
de se caminhar e construir juntos.

Ai Cirandá! Ai cirandê!
Nessa roda eu também quero entrar
Ai Cirandá! Ai cirandê! Pari passu, nos teus braços rodar.
Tu me ensinas que eu te ensino O caminho no caminho
Com tuas pernas, minhas pernas andam mais.

Ouça!
Você pode escutar essa música acessando o site Palco Mp3,
disponível em http://palcomp3.com/cirandasdavida/ciranda-do-caminho/

21
UM EXEMPLO: O PROJETO SABERES
E PRÁTICAS DO CUIDADO
O projeto Saberes e práticas do cuidado: sujeitos e diálogos, rea-
lizado no ano de 2014, é um dos exemplos de promoção do diálogo
entre práticas e saberes populares e técnico-científicos. Projeto de
extensão vinculado ao Departamenteo de Filosofia da Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT), contou com o apoio financeiro da
Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saú-
de, tendo o núcleo de sua equipe composta por membros da Arti-
culação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e
Saúde (ANEPS/MT). O projeto apresentava como objetivo principal
a promoção de ações para a implementação da Política Nacional de
Educação Popular em Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde
(PNEPS-SUS). Para isso, elaboraram-se processos formativos e de
sensibilização, e também a produção de materiais para a divulgação
da política pública.
Inicialmente o projeto Saberes e práticas do cuidado previa a re-
alização de 10 momentos de formação em práticas terapêuticas po-
pulares. No entanto, com a articulação de novas parcerias e os des-
dobramentos das primeiras oficinas de formação, foi possível realizar
14 encontros de formação e sensibilização (oficinas), 02 plenárias
de Conselho de Saúde, 01 encontro estadual de secretários de saúde
(COSEMS-MT), 01 evento acadêmico e 01 Encontro Regional ao lon-

22
go dos meses de Junho e Novembro de 2014, com um público total
de mais 700 participantes, abarcando educadores/as e cuidadores/as
populares; conselheiros, gestores, profissionais e agentes de saúde;
representantes dos movimentos populares; estudantes e professores/
as da universidade e do ensino básico; grupos indígenas; imigrantes
haitianos e comunidade em geral. Tais atividades geraram uma carga
horária de 300 horas de exercícios práticos.
Uma equipe de terapeutas, professores/as, estudantes e gestores
da saúde percorreu 11 municípios do estado de Mato Grosso, sobre-
tuto parte significativa da baixada cuiabana. A maioria dos encontros
ocorreu em locais organizados por comunidades de base, como es-
colas, salões paroquiais e centros comunitários. As oficinas de sen-
sibilização e formação em práticas terapêuticas populares, como a
Homeopatia, a Fitoterapia, a Massoterapia (Reflexologia e Shiatso), a
Auriculoterapia, o Bioenergético, Florais de Bach, o Reiki, a Ventosa,
conjugados aos programas de saúde pública já implementados pelo
SUS, como o Saúde do Homem e Sexualidade, foram desenvolvidas
juntamente com as dinâmicas das “rodas de conversa”, discutindo-
se a Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEPS) e a
Política de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC).

Municípios de Mato Grosso onde


ocorreram as atividades do projeto
“Saberes e práticas do
cuidado: sujeitos
e diálogos”
NOVA CANAÃ
JUARA DO NORTE
JUÍNA

COCALINHO

NORTELÂNDIA
CHAPADA
DOS GUIMARÃES
JANGADA CUIABÁ
SANTO RONDONÓPOLIS
ANTÔNIO DO
POCONÉ LEVERGER

23
Vale ressaltar que a metodologia adotada no projeto levou em conta
um dos princípios da PNEPS: o diálogo. Assim, os temas geradores de-
senvolvidos nas “rodas de conversa” dialogaram com as expectativas,
demandas e possibilidades de cada localidade. As “rodas de conver-
sa” permitem trocas de conhecimento entre os participantes por meio
da oralidade e, com isso, a projeção das memórias e experiências dos
envolvidos. Esse método é uma das marcas dos processos formativos
da educação popular e das Tendas Paulo Freire realizadas por todo país
e nos fóruns sociais de saúde.
Projetos de extensão como o aqui relatado contribuem para a siste-
matização, a produção de conhecimentos e o compartilhamento das
experiências originárias do saber, da cultura e das tradições populares
que atuam na dimensão do cuidado, da formação e da participação
popular em saúde. Tornam efetiva a integração entre universidade e
comunidade e possibilitam a abertura de novas áreas de pesquisa
acadêmica. Promove-se assim um verdadeiro diálogo de saberes.
Além de procurar fortalecer e qualificar a participação popular, a
gestão participativa, o controle social e as práticas populares em saú-
de no estado do Mato Grosso, o projeto Saberes e práticas do cuida-
do registrou e organizou suas experiências formativas através de ins-
trumentos úteis para divulgação de suas ações e da Política Nacional
de Educação Popular em Saúde. Dessa forma, surgiu o caderno que
você leitor ou leitora tem em mãos, um documentário em formato de
curta-metragem (de 10 minutos) que serve de introdução à PNEPS e
um relatório digital detalhando as atividades do projeto. E há ainda
estudos, na forma de artigos científicos, em fase de elaboração.
A realização desse projeto permitiu vislumbrar maneiras de concre-
tizar a Política Nacional de Educação Popular em Saúde ao possibilitar
a criação de espaços de troca e produção de conhecimento, a articu-
lação entre atores e movimentos sociais e ao contribuir com a imple-
mentação de estratégias e ações de comunicação e de informação em
saúde identificadas com a realidade, linguagens e culturas populares.

Para saber mais


Para conferir a versão digital deste caderno, assistir ao documentário sobre a PNEPS
ou ver o relatório digital acesse o link do projeto Saberes e práticas do cuidado no site
do Departamento de Filosofia da UFMT por meio do endereço www.filosofia.ufmt.org

24
INDICAÇÕES
E REFERÊNCIAS
Conheça mais sobre leis e estudos importantes para a Educação Popular em Saúde

Legislação
Portaria nº 3.027, de 26/10/2007 que institui a Política Nacional de Gestão Estra-
tégica e Participativa, apresenta dentre os seus eixos e ações o fortalecimento dos
movimentos e práticas de Educação Popular em Saúde no SUS
Portaria nº 1.256, de 17/06/2009 que institui o Comitê Nacional de Educação
Popular em Saúde, espaço colegiado com participação de representantes da gestão
do SUS e dos movimentos populares, com o objetivo de participar da formulação,
acompanhamento e avaliação da Política Nacional de Educação Popular em Saúde;
Portaria nº 2.761, de 19/11/2013 que institui a Política Nacional de Educação
Popular em Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, visa colocar as práticas
populares em saúde em um plano mais amplo, de forma democrática e com par-
ticipação social.

Estudos
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Po-
lítica Nacional de Educação Popular em Saúde, Brasília, 2012.
_______. De sonhação a vida é feita, com crença e luta o ser se faz: Roteiros para
refletir brincando: outras razões possíveis na produção de conhecimento e saúde
sob a ótica da educação popular. Brasília, 2013.
_______. Secretaria Geral da Presidência da República. Marco de Referência da
Educação Popular para as Políticas Públicas. Brasília, 2014.
FREIRE, P. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1980.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 2005.
STOTZ, E. N.; DAVID, H. S. L.; WONG, J. A. Educação popular e saúde: trajetória,
expressões e desafios de um movimento social. Revista de APS, Juiz de Fora, v.8,
n.1, p.49-60, 2005.
VALLA, V. Educação popular, saúde comunitária a apoio social num conjuntura
de globalização. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, n. 15, supl. 2, p.
7-14, 1999.
VASCONCELOS, E. M. Educação Popular: de uma Prática Alternativa a uma Estra-
tégia de Gestão Participativa das Políticas de Saúde. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 67-83, 2004.

25
26
CARTA DO
ANEXO 1:
I ENCONTRO REGIONAL
I Encontro Regional de Práticas Populares do Cuidado em Saúde
no Centro-Oeste: Sujeitos, Saberes, Sabores e Diálogos

“Desde o tempo em que eu nasci,


logo então eu percebi:
cuidar de mim é cuidar do outro,
cuidar do outro é cuidar do mundo”
Ray Lima, poeta popular da Paraíba.

Saudações amorosas,
Na altitude de imensa beleza natural do cerrado mato-grossense,
sob o clima agradável e energia contagiante de Chapada dos Gui-
marães, nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2014, abraçamos o
I Encontro Regional de Práticas Populares do Cuidado em Saúde no
Centro-Oeste: Sujeitos, Saberes, Sabores e Diálogos promovido pela
Articulação de Movimentos e Práticas em Educação Popular e Saúde
da região Centro-Oeste (ANEPS Centro-Oeste).
Somos mais de 80 pessoas, vozes das centenas de outras que aqui
não estiveram, que na oportunidade contemplamos os diversos segmen-
tos sociais ligados à área da saúde, educação e cultura, originários de
mais de 20 municípios do Centro Oeste e 9 estados do Brasil (AL, GO,
DF, RS, BA, CE, SE, PB, RN), além de representantes do Ministério da
Saúde e da Secretária de Estado de Saúde do Estado de Mato Grosso.
Compartilhamos nossos saberes, vivências e experiências nas ro-
das de conversa e construímos estratégias, possibilidades de ação e
pactos para a efetivação da Política Nacional de Educação Popular
em Saúde (Portaria n.º 2.761, de 19 de novembro de 2013), que
orienta e propõe o fortalecimento das práticas do cuidado em saúde,
bem como uma maior articulação entre os movimentos sociais locais,
por meio de diálogo aberto e qualificado, vislumbrando a abertura dos
caminhos para a participação popular efetiva e em defesa do SUS.
Não podemos caminhar sozinhos!
27
As parcerias de instituições, representações diversas e pessoas de
boa vontade possibilitam a diminuição das distâncias entre as neces-
sidades individuais e coletivas, as esferas governamentais e os movi-
mentos sociais, as atitudes e as leis. Ainda, abrangem a possibilida-
de da ocupação de espaços que legitimam o saber (universidades e
instituições formadoras), que potencializam as sementes de práticas,
saberes, experiências e viveres, considerando as pessoas, o que va-
loriza a discussão política em torno das necessidades reais e locais.
Definimos um leque de estratégias de formação para agentes do
cuidado popular para que o diálogo entre os diversos saberes possa
ocorrer e ganhar capilaridade social e política adequada à inclusão e
disseminação das Práticas Populares do Cuidado em Saúde dialogan-
do com as Políticas Nacionais de Saúde.
Entendemos que nossos valores e crenças não se opõem, mas
complementam e integram com qualidade e competência as práticas
vigentes no cuidado com a saúde resultando no efetivo fortalecimento
do Sistema Único de Saúde (SUS), visto que o foco prioritário das
práticas integrativas e complementares é atender as pessoas, objeti-
vando suas necessidades percebidas de saúde.
Compreendemos também que para a garantia dos direitos adquiri-
dos é preciso fortalecer os coletivos sociais legitimados nos conselhos
municipais e estadual de saúde, além de garantir espaço permanente
de participação nas Conferências em todas as instâncias. Este cami-
nho possibilita o florescimento destas vozes na 15ª Conferência Na-
cional de Saúde, espaço onde a reverberação de todos os movimen-
tos coletivos pode se traduzir no bem comum, integrando as pessoas
em todas as suas potencialidades, valores e limites.
Diante do exposto, damos conhecimento do movimento em prol das
Práticas Populares do Cuidado em Saúde, bem como da Política Nacional
de Educação Popular em Saúde no Centro-Oeste em diálogo com as Políti-
cas Nacionais de Saúde, para que estas práticas sejam integradas ao SUS.
Abraços amorosos e gratidão a tod@s!

Comissão de redação da carta

28
ROTEIRO PARA LEVANTAMENTO DE
ANEXO 2:
PRÁTICAS POPULARES DE SAÚDE
Este roteiro tem o objetivo de levantar alguns dados sobre as práticas populares de cuida-
do e a relação das comunidades com as políticas públicas de saúde. É um instrumento
para o conhecimento preliminar do contexto social das comunidades por parte de gestores
e trabalhadores/as da saúde, pesquisadores/as e movimentos sociais.
Dados de identificação
Nome:__________________________________________________________________
Sexo: ( ) M ( )F
Município onde reside:____________________________________________________
Participa de algum movimento social, conselho, gestão pública, universidade:
( ) Não Sim ( ) Qual(is)_____________________________________________
Questões relacionadas às práticas populares de saúde
1.Quando você está com algum mal-estar, seja mental ou físico, o que você faz para
se sentir melhor?
_______________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
2. Você utiliza alguma prática de saúde considerada popular, ou seja, que você
aprendeu com alguém da família ou amigo? Se sim, quais?
_______________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
3. Para você o que poderia ser feito para que as práticas populares de saúde fossem
inseridas no SUS?
_______________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
Questões relacionadas às Políticas Públicas
1. Conhece ou já falou de alguma das seguintes Políticas Nacionais de Saúde?
a. Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEPS)
( )Sim ( )Não
b. Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa (ParticipaSUS)
( )Sim ( )Não
c. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)
( )Sim ( )Não
d. Política Nacional de Humanização (HumanizaSUS) - ( )Sim ( )Não
e. Política Nacional de Promoção da Equidade em Saúde - ( )Sim ( )Não
f. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra - ( )Sim ( )Não
g. Política Nacional de Saúde Integral da População LGBT - ( )Sim ( )Não
29
h. Política Nacional de Saúde Integral da População do Campo e da Floresta
( )Sim ( )Não
i. Política Nacional de Saúde dos Moradores de Rua - ( )Sim ( )Não
j. Política Nacional de Saúde da População Cigana - ( )Sim ( )Não
k. Conselho de Saúde - ( )Sim ( )Não
l. Pacto da Saúde - ( )Sim ( )Não
m. Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) - ( )Sim ( )Não
n. Articulação Nacional de Educação Popular e Saúde (ANEPS) - ( )Sim ( )Não
Questões relacionadas à Prática de Saúde e SUS
1.Quando você precisa fazer algum tratamento de saúde, o que você faz?
( ) vai até um órgão do SUS (PSF, Hospital, etc.)
( ) usa o plano de saúde privado
( ) procura atendimento em alguma comunidade ou instituição filantrópica
( ) faz orações
( ) outra. Qual?_ ________________________________________________________
2. Quando você encontra dificuldade para ter acesso ao SUS, o que você faz?
( ) não vou
( ) procuro ajuda de um político ou pessoa influente
( ) uso o plano de saúde privada
( ) pago o tratamento
( ) faço uma reclamação na ouvidoria do SUS
( ) levo a questão para ser discutida no movimento social no qual participo
( ) faço nada
3. Em sua opinião, o que deve ser feito para que o SUS atenda com mais qualidade
a população?
_______________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
4. Marque com X quais são as práticas de saúde promovidas pelo SUS no seu bair-
ro, assentamento ou região:
Programa Saúde da Família ( ) Não ( ) Sim
Programa Mais Médicos ( ) Não ( ) Sim
Posto de Saúde ( ) Não ( ) Sim
Hospital ( ) Não ( ) Sim
Outros. Quais?___________________________________________________________
5. Existem grupos organizados que realizam as práticas de Saúde Popular? Coloque
o nome do grupo, o que faz e quem é a pessoa de contato.
_______________________________________________________________________
_______________________________________________________________________

30
VERSÃO SIMPLIFICADA DA
ANEXO 3:
PNEPS EM CRIOULO HAITIANO
Versão simplificada traduzida para o crioulo haitiano preparada para
a oficina de formação do Projeto “Saberes e práticas do cuidado” re-
alizada na Casa de Pastoral para Migrantes em Cuiabá.
Tradução Danise Civil

COMITÊ DE EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE


Komite edikasyon popilè sou sante
DEPARTAMENTO DE APOIO À GESTÃO PARTICIPATIVA
depatman sipò nan jesyon patisipatif la
SECRETARIA DE GESTÃO ESTRATÉGICA E PARTICIPATIVA
SEKRETÈ nan jesyon èstratejik ak patisipatif
CNEPS/ DAGEP/SGEP-MS

POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE (PNEPS)


Politik nasyonal edikasyon popilè nan sante

O que é? Ki sal ye?


A PNEPS se apresenta como uma orientação que visa promover o
diálogo e a troca entre práticas e saberes populares e técnico-cien-
tíficos no âmbito do SUS, aproximando os sujeitos da gestão, dos
serviços de saúde, dos movimentos sociais populares, das práticas
populares de cuidado e das instituições formadoras.
PNEPS la prezante kòm yon gid ki gen pou objektif ankoura-
je dyalòg ak echanj ant konesans nan pratik ak konesans popilè ak
syantifik-teknik nan Sistèm sante piblik la, k ap apwoche sijè a nan
jesyon an nan sèvis sante nan mouvman popilè sosyal, pratik popilè
yo nan swen ak enstitisyon fòmasyon

31
O que ele busca? Ki sal chache?
Elaborada durante as Conferências Nacionais de Saúde, ela busca
fortalecer a gestão participativa nos espaços do SUS, além de re-
conhecer e valorizar as culturas populares, especialmente as várias
expressões da arte, como componentes essenciais das práticas de
cuidado, gestão, formação, controle social e práticas educativas em
saúde. Para se fazer presente enquanto política pública ela articula
04 eixos de ação:
Élaboration pandan Konferans Nasyonal Sante yo, li ap chèche ran-
fòse jesyon patisipatif yo anda sante piblikyo, nan adisyon a rekonèt
ak évaluer kilti popilè yo, espesyalman ekspresyon divès kalite nan
atizay, kòm eleman esansyèl nan pratik swen, jesyon, fòmasyon, ak
kontwòl sosyal pratik edikasyon nan sante. Pou fè regleman sa a kòm
li artikule 04 liy nan aksyon:

Eixos Estratégicos da PNEPS-SUS


Estratejik Aks nan PNEPS-nou sispann
• Participação, Controle Social e Gestão Participativa;
Patisipasyon, kontròl Sosyal ak jesyon patisipatif;
• Formação, Comunicação e Produção do Conhecimento;
Fòmasyon, Kominikasyon ak Pwodiksyon konesans
• Cuidado em Saúde; Swen Sante;
• Intersetorialidade e Diálogos Multiculturais.
Entèrsèktoryèl ak dyalòg miltikiltirèl

Quais os seus Princípios? Ki prensip yo genyen?


• Diálogo dyalòg
• Amorosidade tendres
• Problematização kesyone
• Construção compartilhada do saber Pataje konstriksyon nan
konesans
• Emancipação Emansipasyon an
• Compromisso com a Construção do projeto Democrático Popu-
lar Angajman nan konstriksyon nan pwojè Demokratik popilè

32
Apoio
Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde

Realização

Parceiros

Escola de Saúde Pública


Secretaria de Estado de Saúde

INFORMAÇÕES SOBRE O CADERNO

Ano de publicação: 2015 / 2ª tiragem


Impressão: Gráfica Print
Exemplares: 1000 cadernos
Capa: 4x4 cores em papel couche 180 g/m² plastificação brilhosa
Miolo: 32 páginas, 4 x 4 cores, papel couche fosco 90 g/m²
Formato: 15 x 21 cm (fechado)
Encadernação: Lombada quadrada
Tipografias: Nyala | NewsGoth BT | Janda Safe and Sound

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