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humanidades   divulgação científica y

léo ramos

80  z  janeiro DE 2014


Do macaco
ao homem
Exposição permanente sobre evolução humana entra
em cartaz no Catavento Cultural, em São Paulo

Marcos Pivetta

T
oumai, Lucy, um neandertal e outros coordenador do Laboratório de Estudos Evolu-
hominídeos do passado distante es- tivos Humanos da Universidade de São Paulo
tão chegando a São Paulo. Ou melhor, (USP), a exposição traça um panorama de uma
réplicas fiéis de seus esqueletos e re- longa e intrincada história, cujo início não se sa-
presentações artísticas de seus pro- be ao certo, mas que hoje contabiliza ao menos
váveis traços faciais são as estrelas de uma nova 7 milhões de anos.
exposição permanente sobre a evolução humana. Essa é a idade estimada de Toumai, apelido de
Intitulada Do macaco ao homem, a mostra entra um crânio da espécie Sahelanthropus tchadensis,
em cartaz entre o final deste mês e o início de encontrado em 2001 no Chade, centro-norte da
fevereiro no Catavento Cultural, espaço para África. Trata-se do mais antigo hominídeo conhe-
difusão da ciência e do conhecimento mantido cido, uma linhagem provavelmente evoluída de
pelo governo do estado de São Paulo no centro parentes dos chimpanzés. Toumai pertenceu ao
da capital paulista. Concebida em parceria com primeiro grupo de hominídeos a caminhar em pé.
o arqueólogo e antropólogo físico Walter Neves, Durante um bom tempo, a primazia do bipedalismo

Réplicas de
esqueletos de gorila,
do homem moderno
e de chimpanzé: o
Homo sapiens e seus
parentes próximos
dentro da ordem
dos primatas

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foi atribuída a Lucy, como é chamado o tavento Cultural e Educacional, respon- e de artefatos de pedra lascada e de osso
esqueleto parcial de uma fêmea de Aus- sável pela direção do museu de ciências. cunhados pelo homem moderno e seus
tralopithecus afarensis de 3,2 milhões de De fato, as pessoas que passarem pela antepassados. “Noventa por cento das
anos, provavelmente o fóssil de hominídeo exposição terão uma sensação de leve réplicas foram feitas a partir de peças da
mais famoso de que se tem notícia. Lucy aperto, devido ao teto não muito alto e à nossa coleção que está na USP”, comenta
foi resgatada em 1974 na Etiópia, também relativa escassez de espaço nas arcadas Neves. As cópias de Lucy e dos macacos
na África, continente igualmente berço do do subsolo. É quase como se estivessem vieram dos Estados Unidos. Há também
homem moderno, o Homo sapiens, que entrando em uma caverna, um ambiente reproduções das representações artísti-
ali se originou há cerca de 200 mil anos. que tem tudo a ver com uma breve via- cas feitas pelo homem moderno durante
“Nas últimas três ou quatro décadas, gem pela história da evolução humana. o que Neves denomina a “explosão cria-
foram encontrados muitos fósseis de ho- O ponto alto da mostra é a quantidade tiva do Paleolítico Superior”, por volta
minídeos na África e em outras partes do e a qualidade das réplicas de esquele- de 45 mil anos atrás. Para ilustrar esse
Velho Mundo”, diz Neves. “O principal tos de hominídeos e de grandes símios momento-chave da evolução humana,
objetivo da exposição é mostrar que os – ao lado de uma ossada completa de foram destacadas cópias de trechos de

fotos  léo ramos


conhecimentos sobre o processo que le- Homo sapiens, há outra de chimpanzé e famosas pinturas rupestres, como os mu-
vou ao surgimento dos hominídeos e do uma terceira de gorila, nossos parentes rais das grutas de Lascaux e Chauvet na
homem moderno já estão bastante avan- mais próximos na ordem dos primatas – França e de Altamira na Espanha.
çados. Agora podemos caracterizar, com
um elevado grau de certeza, os principais Ao lado, cópias das
passos de nossa linhagem evolutiva.” O pinturas rupestres
encontradas
pesquisador da USP demorou sete anos nas cavernas de
para organizar a mostra, que inicialmen- Lascaux e Chauvet,
te fora pensada para a Estação Ciência, representação
espaço de divulgação de ciências da USP artística de como
teria sido o rosto de
atualmente fechado para reformas. um neandertal e de

N
um H. sapiens e
o Catavento Cultural, que se inte- reconstituição de um
ressou prontamente pelo projeto, sepultamento
humano de 28 mil
Do macaco ao homem inaugura anos na Rússia.
um novo espaço didático no interior do Riqueza de detalhes
Palácio das Indústrias, o prédio históri- das peças é o ponto
co da instituição: as arcadas no subsolo. alto da exposição

“Uma exposição sobre evolução humana


casa bem com os subterrâneos”, diz Sér-
gio de Freitas, presidente do conselho de
administração da organização social Ca-

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Noventa por cento das peças
da mostra foram feitas pela
equipe de Walter Neves, da USP

Reproduções
do esqueleto de
Lucy e do Garoto
de Turkana (um
Homo erectus de
1,6 milhão de anos),
de crânios
de hominídeos
e da dentição
de antepassados
do homem moderno

U
ma cena instigante da exposição é a mostra para acompanhar as informações Complementam ainda esse pequeno
reconstituição de um sepultamento passadas em uma de suas partes. “Quando passeio pela evolução humana dois bre-
de um humano moderno ocorrido se está em um módulo, não é possível ver ves documentários: um de três minutos
28 mil anos atrás no solo gelado do que ho- o conteúdo da etapa seguinte”, diz o bió- sobre como os ancestrais do homem mo-
je é a Rússia. Os organizadores da mostra logo Murilo Reginato, do Catavento, que derno lascavam a pedra para dar forma
cavaram um buraco no chão, dentro do auxilia na montagem da mostra. “Dessa a seus artefatos, outro de sete minutos a
qual foi colocada a ossada, e fecharam a forma, o visitante não dispersa sua aten- respeito do trabalho de campo e de labo-
cova com um vidro transparente. Dessa ção.” Dentro da cada módulo, os temas são ratório dos arqueólogos e antropólogos
forma, o visitante pode andar sobre a se- explorados de acordo com uma sequên- que lidam com ossos humanos. Ao deixar
pultura e ver os restos de seu ocupante. cia cronológica de eventos. A posição do as arcadas subterrâneas do Palácio das
Um desenho de como pode ter sido en- homem no reino animal; a evolução da Indústrias, o visitante tem a chance de
terrado esse exemplar de Homo sapiens se locomoção, da dentição, do cérebro e da ouvir trechos de Magnificat de Bach, um
encontra ao lado do sepultamento. aparência física; o uso das tecnologias de belo exemplar da criatividade de nossa
A exposição é dividida em oito módu- pedra lascada; o surgimento do conheci- espécie. Para montar Do macaco ao ho-
los autocontidos, cada um com temática mento simbólico e de produção artística mem, foram gastos aproximadamente R$
independente dos demais pontos de pa- – todas essas questões figuram em alguma 1 milhão, dos quais R$ 140 mil vieram do
rada. Não é necessário percorrer toda a das paradas da exposição. CNPq e o restante do Catavento. n

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