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TRANSTORNOS PSÍQUICOS
Resumo
A escolarização de sujeitos com transtornos psíquicos, quanto ao acesso e permanência nas
instituições de ensino, até o período que antecedeu a Política de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) era restringida e as possíveis intervenções, em
maior número, ocorriam em ambientes clínicos. Porém, atualmente observa-se que ocorreu
uma ressignificação, ou seja, o contexto escolar passa a predominar no atendimento a esse
público. Até a bem pouco tempo, não havia tratamento ou instituições escolares dispostas a
fazer frente às crianças e adolescentes que apresentavam transtornos psíquicos, o que as
conduzia a um isolamento do convívio social e da participação das forças produtivas. Assim
tornou-se imprescindível a implementação de políticas públicas para a oferta de novas formas
de escolarização e de reinserção social. Este texto propõe uma reflexão sobre o a importância
do vínculo educacional para estudantes com transtornos psíquicos, sendo que, estes sujeitos
podem apresentar comportamentos que ferem as regras sociais impossibilitando sua
representação no papel social, na autonomia e na comunicação, permanecendo imerso em
representações imaginárias. Assim, buscou referenciais na teoria psicanalítica e no
pensamento santiano que evidenciam como a criança move-se do núcleo familiar e elabora
sua inserção na sociedade e, ainda, como o professor deve estar atento às questões da
subjetividade destes estudantes. Conclui-se que em muitos casos, o professor é determinante,
ou seja, a qualidade das relações que se estabelecem é determinante para que o vínculo
educacional se concretize e, consequentemente, o sucesso do processo de ensino e
1
Mestre em Educação, Especialista em Metodologia de Ciências, Especialista em Educação Especial. Bióloga.
Técnica Pedagógica da Secretaria de Estado da Educação – Departamento de Educação Especial.
2
Mestre em Engenharia de Produção – mídia e Conhecimento, Especialista em Educação Especial e Tecnologias
Educacionais. Pedagoga. Técnica Pedagógica da Secretaria de Estado da Educação – Departamento de Educação
Especial.
3
Mestre da UFPR em Educação na Linha de Políticas Educacionais. Especialista em Educação Especial,
Psicopedagogia e Educação em Valores Humanos. Pedagoga. Técnica Pedagógica da Secretaria de Estado da
Educação – Departamento de Educação Especial.
ISSN 2176-1396
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Introdução
A oportunidade de trabalhar com estudantes com transtornos psíquicos nas turmas do
ensino comum, no Brasil, tem sido nova para a maioria das instituições de ensino.
É habitual que esses estudantes apresentem manifestações de sua inflexibilidade de
maneira acentuada. Os comportamentos demonstrados podem ser de movimentos corporais
repetitivos, de insistência a determinados locais fixos na escola e de oposição em deslocar-se
conforme solicitação, desinteresse em relação às solicitações e tentativa de assistência. Em
algumas situações mais extremas, é possível observar, autoagressões ou mesmo reações
inesperadas envolvendo objetos ou mesmo terceiros. Nessas situações o fundamental é
entender que tais manifestações não podem ser interpretadas como sendo definitiva da criança
e/ou do jovem e sim demonstrações esperadas mediante a uma alteração significativa na sua
rotina.
É importante entendermos que a educação tem um papel fundamental na estruturação
psíquica desses estudantes, pois introduz as questões da proibição, da lei. Para o psicanalista
João dos Santos (apud BRANCO, 2010), o processo de subjetivação da criança depende de
diferentes fatores, tais como: as relações parentais, o meio e a educação. Da mesma maneira,
todos os encaminhamentos referentes ao campo da psicanálise ensejam pensar cada criança ou
jovem como um sujeito singular. Assim a subjetividade é a trama psicológica de cada sujeito,
como se organiza as relações internas destes, evidenciando que o professor necessita estar
atento tanto nos estudantes quanto em si mesmo, não somente ao consciente, mas
necessariamente, às manifestações do inconsciente, onde pousa a força psíquica.
Na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(2008), podemos dizer que esses estudantes estão representados na área dos Transtornos
Globais do Desenvolvimento (TGD). Esse grupo apresenta dificuldades na circulação social
em função das suas formas variadas de se relacionar com o outro. A acolhida no contexto
escolar, da sua singular forma de ser e estar no mundo exige, muitas vezes, ajustes onde as
condições psíquicas (subjetivas) evidenciam que os métodos pedagógicos, tradicionalmente,
utilizado na instituição escolar, não operam com o desejado.
Dessa forma, é necessário entender o que significa para esses estudantes ir à escola,
isto quer dizer que a escola inclusiva sugere repensar concepções e práticas até então
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cristalizadas. O psicanalista Alfredo Jerusalinsky (1999) ressalta o que pode significar uma
instituição escolar para esses estudantes:
[...] a figura da escola vem a calhar porque a escola não é socialmente um depósito
como o hospital psiquiátrico, a escola é um lugar para entrar e sair, é um lugar de
trânsito. Além do mais, do ponto de vista da representação social, a escola é uma
instituição normal da sociedade, por onde circula, em certa proporção, a
normalidade social. Portanto alguém que frequenta a escola se sente geralmente
mais reconhecido socialmente do que aquele que não frequenta (KUPFER, 2000, p.
95).
No Brasil, a inclusão foi legitimada por leis e decretos que visam garantir o acesso de
todos os estudantes, em cuja proposta e discurso garante usufruir de seus direitos enquanto
cidadãos. Os obstáculos vividos pelos estudantes e seus professores são muitos e por isso tem
sido alvo de controvérsias. De acordo com dados do Ministério da Educação (MEC) houve
um aumento significativo de estudantes com necessidades educacionais especiais nas
instituições escolares nos últimos anos, o que pode significar o sucesso da escola inclusiva.
Porém temos que considerar o aumento significativo da demanda não garante o bem estar dos
estudantes e dos professores envolvidos nesse processo.
A entrada na escola possibilita que a criança efetive uma das primeiras experiências de
separação do núcleo familiar. É essa experiência que introduz uma marca de inclusão no
campo social. Nesta perspectiva, a instituição escolar ao lado da família, ordena os primeiros
laços da criança com outras pessoas. Smiech (2005) frisa a função estruturante que a
instituição escolar executa com a criança cuja estruturação subjetiva permite pensar como a
criança significa e interpreta o mundo, como constrói laços sociais, de que forma se relaciona
com as imposições da sociedade (direitos e deveres), com regras e objetos de aprendizagem
(BRASIL, 2005, p.18).
Referencial Teórico
Durante a Idade Média, com a igreja católica fortalecida, prevalecia a crença de que os
sujeitos que apresentavam comportamentos que fugiam ao esperado eram considerados como
possuídos pelo demônio e, ainda, acreditava-se que a cura da loucura estaria na aplicação de
relíquias sagradas na cabeça do doente e no exorcismo de espíritos maus. Isso comprova a
influência da cultura sobre a maneira de sentir, pensar, explicar e tratar o sofrimento psíquico.
De fato, nesta época, a percepção de instituições como a igreja, a justiça e a família era
o que determinava os critérios referentes às transgressões da lei e da moralidade. Apesar da
busca da construção do conhecimento médico em relação à loucura, a medicina da época era
baseada na história natural e seu método classificatório não conseguia abranger a
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alguma forma perturbavam a ordem pública, tais como, vadios, loucos e mendigos deveriam
ser excluídos. Muitos desses sujeitos eram “internados” nos porões da Santa Casa de
Misericórdia, onde subsistiam de forma precária. Após denúncias de maus tratos e solicitações
médicas, o provedor da Santa Casa resolveu adotar medidas para a criação de um hospício.
Entendido esse contexto é necessário salientar que, segundo a Psicanálise, para que o
bebê humano venha a se constituir enquanto “sujeito” é necessário que o mesmo passe por um
processo de construção psíquica. Sigmund Freud ([1905], 2006) expõe que o infans, ao
nascer, por sua total dependência, necessita do outro para lhe designar um lugar de existência,
inserindo esse ser na linguagem.
Uma pessoa nasce antes mesmo do seu nascimento no desejo, fantasias, expectativas e
idealizações de seus pais. Podemos afirmar que os pais criam um lugar no imaginário para
receber o bebê. Após o nascimento tudo o que era puramente orgânico (instintos e reflexos) se
transformam em símbolos que tem sentido para o bebê, isto é, representam algo para ele. A
mamãe vai investindo e estruturando “seu filho” lhe proporcionando bem-estar e
sobrevivência. Para a dimensão psíquica ser constituída, é fundamental que na relação mãe-
bebê se instale a falta para ambos, por meio da presença e ausência.
da mesma espécie e inserindo em uma organização familiar e social. Ou seja, o bebê humano
nasce necessitado de todos os cuidados, e para que venha a se subjetivar, carece de outro que
o sustente tanto física quanto psiquicamente, por meio de inscrições de certas operações.
O mérito dessas vivências já inerentes ao contexto escolar para esse estudante está no
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fato de que ocorrem a todos os estudantes e não são preparados exclusivamente a uma
determinada parte dos discentes, pois são regras de organização de um meio social real.
Quanto antes esse estudante puder internalizar os acontecimentos diários da instituição
escolar é maior as chances da familiarização com o ambiente escolar.
Se aposta, com a inclusão, no poder subjetivante dos diferentes discursos que são
postos em circulação, no interior do campo social, com o intuito de assegurar,
sustentar ou modelar lugares sociais, para as crianças, levando em conta que, neste
sentido, o discurso (ou discursos) em torno do escolar é particularmente poderoso
(MEIRA, 2001, p.80).
pela psicanálise.
Metodologia
tarefa fácil, tranquila e sem dissabores. A escola inclusiva requer não só uma matrícula
garantida por lei, mas um lugar social para o estudante, o que implica na disposição da
instituição escolar em repensar suas estratégias e práticas pedagógicas e dialogar com outras
áreas do conhecimento.
Ressalta-se que, antes mesmo deste estudante chegar à escola, alguns
encaminhamentos pedagógicos são necessários. Na ação cotidiana, os professores são levados
a olhar para a classe como se seus estudantes fossem todos iguais, no entanto, se deparam
com estudantes que vão se revelando “diferentes”, “esquisitos” apresentando problemas
diante das aquisições acadêmicas e socialização.
Algumas manifestações como: “a inclusão é forçada” ou “inclusão é só de fachada”
apontam os impasses com o acesso e a permanência de estudantes com necessidades
educacionais especiais na escola comum. Não raro ouvir nas instituições escolares alusão a
estudantes com necessidades educacionais especiais como “os alunos da inclusão” o que
sugere o enquadramento sobre o modo como são percebidos diante dos demais.
Faz-se necessário um enfoque amplo e abrangente, com implementação de políticas e
desenvolvimento de novas ações capazes de ultrapassar os níveis atuais dos recursos
institucionais, dos sistemas convencionais de ensino e dos currículos, para contribuir com a
construção de um novo olhar sobre esses sujeitos, trilhando novos percursos nas intervenções
pedagógicas.
O professor “inclusivo” deve saber acerca das diferentes posições subjetivas que
uma criança ou adolescente podem vir a constituir, para poder entender de que lugar
esta criança fala ou não, e em que lugar ele é colocado, transferencialmente, por ela.
E, a partir daí, em que lugar a aprendizagem se insere. Conhecer as famílias desses
alunos é, para tanto, tarefa necessária, assim como estabelecer os limites de uma
intervenção pedagógica tratando-se de quadros graves, onde o impossível se revela a
cada instante... A escola inclusiva não deve ser a escola que “oferece tudo para
todos”. Este é um lugar impossível (MEIRA, 2006, p.47).
A escola inclusiva já está posta. As diferenças devem estar declaradas como parte
integrante do funcionamento das instituições educacionais, ou seja, presentes na sua
regulamentação, estendendo-se para a formação de seus docentes, organização de currículos
que levem em conta as diferenças nas condições individuais de aprendizagem. Os tempos de
elaboração e apropriação dos conteúdos precisam ser diferenciados para que a assimilação dos
conteúdos historicamente instituídos tenham compassos diferentes. Todas as crianças
“incluídas” ou não necessitam ser vistas a partir da sua singularidade. A formatação da
igualdade, a tentativa de apagar as diferenças e a visão da homogeneidade humana, é ilusória
e o professor que atua com estudantes com necessidades educacionais especiais, só o fazem,
redimensionando seus conceitos.
Considerações
A partir do momento em que se torna obrigatório que esse grupo de estudantes esteja
na escola regular, instaura-se um impasse tanto para professores quanto para estudantes.
Diante da tarefa de escolarizar um estudante com transtorno psíquico é necessário considerar
que o ato educativo visa às subjetividades, mas também, os efeitos que os encontros desse
estudante com outros estudantes produzem, de modo que os profissionais envolvidos possam
extrair sentidos nos seus gestos, para as suas ações e verbalizações e produzir com isso uma
aproximação possível com sua condição subjetiva real, favorecendo assim o diálogo
institucional e interdisciplinar.
As intervenções pedagógicas parte da ideia de que o processo de construir símbolos,
formas, conceitos e enunciados, incide sobre o desenvolvimento. Os professores, ao
receberem esses estudantes nas suas salas de aula, precisam apostar na sua aprendizagem e na
construção dos laços sociais mais amplos. Se as intervenções pedagógicas partirem do
pressuposto de que todos se engajam nas trocas intersubjetivas, pensam e manejam os
símbolos e a linguagem igualmente, o professor poderá estar exigindo desses estudantes algo
que sua estruturação psíquica não lhes possibilita. Saber desses limites poderá relativizar a
construção de um fazer pedagógico ao encontro com a diferença.
Acredita-se que em função da especificidade dos processos de pensamento e de
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inserção na linguagem nos estudantes com transtorno psíquicos, as intervenções exigem uma
condição pessoal dos professores que os incite a um trabalho atento aos passos, muitas vezes
pequenos, mas fundamental, que cada um demonstrar ser capaz. E neste ponto salientamos a
importância de se enxergar os avanços e não o déficit.
O lugar do professor, não se restringe apenas ao afazer pedagógico ou às questões do
currículo. Muitas vezes, o estudante traz questões subjetivas que implicam tal nível de
sofrimento, que torna as atividades curriculares insignificantes. Assim, cada estudante e
professor constroem a seu percurso e é impossível sair da mesma maneira que entraram, tanto
pelas experiências positivas quanto pelas experiências frustrações. A forma como este
aprendizado chega a cada um de nós é diferente, porque somos diferentes uns dos outros,
porque a nossa identidade é única, é singular.
Nesse processo, acredita-se que a interlocução contínua entre professores e uma
equipe interdisciplinar de apoio faz-se imprescindível. É urgente a necessidade do
estabelecimento de uma estrutura institucional interdisciplinar no campo escolar para ajudar
os professores a sustentar o seu trabalho com os estudantes que apresentam transtornos
psíquicos, considerando as suas peculiaridades da sua relação com o outro e,
consequentemente com o processo de ensino e aprendizagem.
Muitos elementos dificultam a escolarização de estudantes com transtornos psíquicos e
muitas vezes, a política educacional é arbitrária, a sociedade de forma geral é produto de uma
trajetória excludente e preconceituosa. Talvez, o caminho para o sucesso da inclusão desse
grupo de estudantes não passa apenas pela formação dos professores ou pelos métodos
pedagógicas e sim novas formas de política educacional que se sustente o processo de
inclusão, pois exige uma conversa que leve em consideração que essa é uma questão também
de saúde mental.
A escola é um instrumento fundamental do processo “terapêutico” para esses
estudantes. Eles não vão para se normalizar, mas se beneficiarão de todo o contexto escolar,
aprender a circular e pactuar com os códigos sociais pode ser o impulso para o sucesso do
processo de inclusão destes estudantes.
REFERÊNCIAS
BRANCO, Maria Eugenia Carvalho. Vida, Pensamento e Obra de João dos Santos. Lisboa,
Livros Horizonte, 2010.
FOLBERG, M. N; Charczuk, M. S. B. (org). Crianças psicóticas e autistas - a construção de
uma escola. Porto Alegre: Mediação, 2003.
LIMA, S. Saúde na Escola: tempo de crescer. Coleção Faz e Conta. Recife, Unicef, 2004.