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DE ESTUDOS LIVRES Langando 4 publicidade a REVISTA DE ESTUDOS UL res, niio poderiamos expér melhor o pensamento que a motiva, nem o intuito que nos estimula sendo apresen- tando em duas palavras o que Augusto Comte entendia por uma Revista moderna. O eminente transformador da Philosophia do seculo xix, projectava uma Revista occi- dental como um orgio de applicacio continua da sua . doutrina ao curso’ dos acontecimentos humanos, realisa- dos ou previstos, para a apreciacdo systematica do movi- mento intellectual ¢ social nas cinco grandes populagdes ‘avangadas, franceza, italiana, hespanhola, germanica e britanica. Se uma grande parte das descobertas e resultados scientificos modernos est4 dispersa pelas revistas e jor- naes litterarios ephemeros, ou sepultada em colleccdes academicas d’onde os eruditos os yao extrahir com um 1° Axxo. a a < a : | ! | ‘ 1 2 REVISTA DE ESTUDOS LIVRES trabatho de paciente investigaciio para constituirem as suas obras especiaes, por outro lado muitas conclusdes fundamentaes a que chegaram as grandes intelligencias em ‘livros inaccessiveis ao vulgo, precisam ser trazidas para a circulagiio social, separando-as do seu apparato doutrinario, resumindo-as, expondo-as de modo que se assimilem facilmente pelos espiritos. Ii evidente esta re- lagio intima entre a Revista e o Livro; a Inglaterra creou um genero litterario especial, a que se chama o Ensaio, verdadeiro ponto de unido d’estas duas fér- mas da escripta, e a Franca teve em Littré o seu mais eminente ensaista, porque, em regra, todos os seus li- yros foram formados com artigos de Revistas, nos quaes applicava o criterio positivo aos successos intellectuaes e politicos do seu meio e da sua época. Uma boa parte dos jornaes litterarios pecca pela falta de pensamento, fican- do o deposito de dcas divagagdes rhetoricas e um fla- grante documento de incoherencia intellectual; como nao no tém destino pouco sobrevivem, sendo substitui- dos pelo prurido da publicidade, até que novas decepgdes tornem frustrada a tentativa; outros jornaes fecham-se em uma estreita especialidade, perdendo por isso o inte- resse do publico, ficando apenas um repositorio curioso e restricto para aquelles que se interessam por essa ordem de investigagdes. Conhecidos estes dous extremos, procu- ramos fixar uma situago média, racional e pratica. A Revista pe Esrupos 1iyres visa 4 applicagdo dos eternos principios da liberdade intellectual, moral e politica aos acontecimentos actuaes, para os julgar e poder deduzir delles as condigdes do progresso. Todas as investigagdes nos interessam, comtanto que ellas conduzam para um j 3 PROGRAMMA, 3 ponto de vista social. Na crise de transformacdo mental @ politica em que vio entrando as duas nacionalidades portugueza e brazileira, filhas da mesma tradig&o histo- rica, nas quaes o regimen catholico-monarchico subsiste. pela inercia mas sem apoio nas consciencias, 6 immen- samente necessario um orgio critico e especulativo que agremiasse os dois povos para a intelligencia da sua transigio inevitavel. A Ruvista pe Estupos Livres tor- nar-se-ha benemerita no dia em que inicie esta convergen- cia necessaria, até hoje firmada apenas pelo nexo econo- mico e pela concorrencia mercantil, formas espontaneas da synthese activa. Entre Portugal e Brazil existem as bases profundas de uma synthese affectiva, como se veri- “ficou esplendidamente nas festas do Centenario de Ca- mées; porém as publicagdes intituladas luso-brazilei- ras, nao podendo elevyar-se 4 comprehensio da syn- these especulativa, ou accordo mental, cahiram diante da chateza da exploracio do assignante, obstando pelo descredito 4 influencia de um pensamento tio fecundo. A Revista pe Esrupos uiveres procura reatar a allianga mental luso-brazileira; eis 0 seu fim pratico’ resultante do actual momento historico. a et tg eS cae 4 j q | ] 4 Os grandes factos antropologicos da formagao de uma raga e do seu agrupamento espontaneo em sociedade, até chegar 4 forma vo- luntaria ou consciente de nagéo, com costumes, lingua, religiao e industria proprias, nao podem ser determinados pelo computo chro- nologico, nio comegam em um dado dia; sao a consequencia de elementos anteriores, de energias persistentes, de accéo do meio cosmico, e por isso quanto mais se profundarem estas condigdes mesologicas, antropologicas e ethnicas, tanto mais se esclarece es- se facto complexo que se denomina a Historia, e se comprehende melhor a evolugao progressiva da actividade de um povo. Os anti- gos historiadores portuguezes, preoccupados com a erudi¢ao huma- nista da Renascenga, e apenas com o auxilio dos geographos classi- cos e a ethnologia de Moysés, comegaram a Historia de Portugal entroncando-a em Tubal, filho de Noé, e nos foragidos de Troya; este processo 6 commum a todos os historiadores europeus da mesma 6poca, que por este meio teciam uma nobiliarchia nacional tanto mais imponente, quanto se remontava mais ao passado. Ignorava-se entaio todo esse grande periodo da vida ante-historica revelado por Boucher de Perthes ; ignorava-se o phenomeno antropologico das so- brevivencias ethnicas; ignorava-se a emigracdo proto-arica, @ a unidade das ragas indo-curopéas, e por esta causa talentos superio- res inutilisaram immensos capitaes de erudig&o convertendo as ori- gens nacionaes em um tecido de patranhas. A sciencia esti hoje for- talecida com abundantes subsidios e com seguros methodos; e pelo facto de terem errado os humanistas, nao devemos commetter 0 er- To intencional de deceparmos a solidariedade do passado com as 6pocas successivas da vida historica do povo portuguez. Herculano commetteu esse erro «rejeitando do sew trabalho, como extranha a elle, a historia de todas as ragas ou sociedades, de qualquer par- te da Hespanha, anteriores 4 existencia da nagdo portugueza como 6 REVISTA DE ESTUDOS LIVRES individuo politico... » + D’este modo a constitui¢ao nacional que se manifesta no seculo xn, torna-se um facto sem antecedentes, extra- ordinario, maravilhoso, producto voluntario dos interesses indivi- duaes de um conde D. Henrique, da sua viuva D. Thereza, ou do seu filho e herdeiro D. Affonso Henriques; n’esta situagao, Hercula- no amplia a craveira d’estas individualidades historicas, mas vendo muitas vezes falta de plano na sua accado, reconhece que com elles cooperava a ‘forga das cousas, que outra nao era sendo essa forga separatista que dividiu a peninsula hispanica em numerosos esta- dos politicos independentes. § por aqui, pois, que deve comegar a historia; determinar as condigdes que deram 4 actividade dos ho- mens uma intengado e um sentido, e avaliar-a capacidade dos espi- ritos dirigentes segundo a mais ou menos clara comprehensio que tiveram d’essa forga das circumstancias. Onde encetar este estudo? © processo esti achado nos trabalhos eminentes de Buckle, de Mi- chelet, de Thierry, de Ranke e tantos pensadores que converteram a historia em base descriptiva da sciencia social. Basta seguil-os, mes- mo de longe. Assim o estudo do meio cosmico ou do territorio, 6 a primeira luz para a explicagdo das formas de aggregacao e acti- vidade de um povo, come o descobriu Karl Ritter na sua monumen- tal Geographia; depois, o estudo dos caracteres das ragas, como contendo implicitas as formas da sua actividade progressiva. As ragas da peninsula hispanica —Cruzamentos © invasdes, até 4 constituigao da Nacionalidade portugueza 1.0 territorio hispanico, como primeiro factor historico Determinando os caracteres de uma nagao, escrevia Herculano: cha tres, pelos quaes commummente se aprecia a unidade ou iden- tidade nacional de diversas geragdes successivas. Sao elles —a ra- a, a. lingua, o territorio. » * Os factos provam exactamente o con- trario; os antropologistas chegaram 4 conclusaio de que nao existe actualmente nenhuma ‘raga pura, e na Buropa existem nacionalida- des formadas de differe: ragas, como a Austria, fallando differen- tes linguas como a Suissa, e até sem territorio “como os judeus e ainda os ciganos, que conseryam os caracteres de aggregacao atra- vés do seu nomadismo, 0 territorio exerce essa profunda acgio me- 1 Hist. de Portugal, r, 12. 2 Idem. ees ELEMENTOS DA NACIONALIDADE PORTUGUEZA. a.” sologica anterior a todo o facto social, e sé muito tarde 6 que pres- ta apoio 4s tribus que a elle se acolhem e d’elle tiram as condi- pdes de seguranga e as formas da actividade industrial e da sua or- ganisacio politica, Conhece-se hoje a influencia que exercem as pla- nicies no estado nomadico; as montanhas actuam no desenvolvi- mento de povos invasores e no conservantismo das suas institui- goes; os deltas dos grandes rios provocaram o advento das mais al- tas civilisagdes ; as peninsulas foram sempre a séde das civilisagdes cosmopolitas, que alargaram a actividade humana e universalisaram todos os progressos adquiridos. Conforme a situagao do territorio assim se estabeleceu 0 conflicto das ragas on o seu isolamento im- progressivo, @ consequentemente o predominio de um dado ramo ethnico, que submette os outros 4 sua dependencia politica e lhe impde uma linguagem para o uso commum. Se quizermos conhe- cer uma nagao por esses caracteres do territorio, da raga e da lin- gua, temos de remontar além do seu passado, e estudar por tal fdrma esses elementos, que por uma deducgdo logica possamos elles derivar as formas fundamentaes da sua marcha historica. A Hespanha 6 uma peninsula que abrange duzentas e quarenta leguas de comprido e duzentas de largura, separada ao nordeste da Franga pela cordilheira dos Pyreneos, e banhada pelo mar em todas as suas orlas. Apresenta dois climas, um temperado, proprio do occidente da Europa, e outro analogo ao clima da Africa, produain- do as grandes variagdes de temperatura, que influem na fertilidade do territorio, e sobretudo no temperamento physiologico dos seus habitantes, apaixonados, audaciosos e violentos. ¥ n’este territorio peninsular, e sobre a fronteira occidental ou atlantica, que se con- stituiu a nagdo portugueza, sobre um-sdlo formando uma faxa de extensio de cento e cincoenta leguas, sobre cincoenta de largura, ou propriamente a quinta parte do sdlo-hispanico. Basta este sim- ples facto, para conhecer, que a historia de Portugal deve andar intimamente ligada a todas as vicissitudes por que passou 0 territo- rio hispanico, quer em quanto 4 occupagao de ragas que aqui se for- Maram, quer em quanto 4 autonomia dos estados politicos que se constituiram, quer mesmo ao reflexo. das transformagGes sociaes e revolugdes porque esses estados passaram, e até na solidariedade de uma civilisagéo em que estes povos, apesar das suas divergen- cias, collaboraram simultaneamente. Mas 0 facto preponderante, 6 que nao obstante toda esta integralidade peninsular, Portugal, sem. fronteiras naturaes que o destacassem do sdlo hispanico, apparece- nos com um organismo nacional autonomo, conservando-o através de sete seculos contra uma corrente tempestuosa e violenta de uni- ficagio politica. este o facto sobre que deve assentar a historia de Portugal, tao interessante nas suas origens como no seu desen- \ 8 REVISTA DE ESTUDOS LIVRES volyimento; como problema sociologico, liga-se 4 theoria das pe- quenas nacionalidades, forma definitiva da politica éuropéa no futu- To, mas acima de tudo encerra uma immensa luz para a direcgao pratica de governag&o das energias tantas vezes malbaratadas d’este Ovo. ‘ 2 A peninsula hispanica, 6 com a Grecia a parte mais meridional da Europa; banhada ao sul pelo mar Mediterraneo, e ao oéste pelo oceano Atlantico, a sua historia consta de dois grandes periodos analogos aos estimulos d’estes dois mares. No periodo mediterra- noo, a Hespanha é a herdeira das civilisagdes peninsulares, que se _ desenvolveram nas margens do Mediterraneo, ¢ cujos centros de ac- ¢&o foram Carthago, Athenas e Roma; no periodo atlantico, deslo- ca-se a actividade d’esse mar interior para 0 oceano, e os portugue- , zes actuam directamente na marcha da humanidade circumdando a Africa e descobrindo 0 caminho maritimo da India, bem como des- vendando um novo hemispherio pela descoberta do Brazil. Bis os contornos mais geraes da historia, impressos na forma e situagao do territorio hispanico; bastava a sua contiguidade com o Mediter- raneo para explicar as origens da sua povoacao e cultura. Em vol- ta da bacia do Mediterraneo desenvolveram-se extraordinarias civi- lisagdes, cuja historia, segundo Mommsen, consta de quatro perio- dos: 0 primeiro ao sul, ou o Egypto; 0 segundo ao oriente, ou a Araméa; 0 terceiro @ quarto, a0 oeste, ou a Grecia e a Italia. Todas estas civilisagdes vieram avangando para o oceano e irradiando pe- lo occidente até se estenderem em épocas diversas pelo norte da Europa, constituindo a civilisagdo actual. A civilisagio do Egypto sd. entrou na peninsula hispanica in- directamente pelos phenicios ou arameanos e carthaginezes, e a civi- lisagao hellenica pela conquista e colonisagio dos romanos, Esta oc- cupacao de povos cultos era tanto mais facil, quanto a peninsula his- panica pela sua situagGo analoga 4 das peninsulas grega e italica re- cebera tambem as mesmas ragas emigrantes que entraram no occi- dente da Europa e que haviam constituido os elementos ethnicos das suas respectivas nacionalidades. Os romanos conquistando o norte da Africa, dominando a Grecia, e occupando successivamente o territo- rio das Gallias e da Hespanha, incorporaram todos estes elementos ethnicos, deram-lhe essa unidade historica a que Augusto Comte cha- ma a Civilisacdo occidental. Pela sua situag%o geographica a Hespa~ nha foi um digno factor d’esta occidentalidade, admiravelmente com- prehendida pela actividade maritima das descobertas dos portugue- zes. Esta comprehensao destacou os portuguezes’ do aggregado eth: nico peninsular como um organismo independente ; e assim uma idéa péde através dos séculos manter uma situacdo que nao tinha o apoio material das fronteiras naturaes. Esta situagdo especial da pe ELEMENTOS DA NAGIONALIDADE PORTUGUEZA 9 ninsula hispanica, ha-de nos explicar tambem o modo da occupagao das diversas ragas e como se fusionaram no seu sdlo. O que vimos com relagdo ao seu contacto com os mares, nao 6 mais importante do que a influencia dos seus relevos orographicos. A Hespanha 6 separada da Franga pela cordilheira dos Pyreneos, da qual irradiam diversos montes, formando valles cortados por nume- rosos rios; 6 pasmosa a acgao mesologica d’esses relevos. Os diver- sos estados peninsulares nasceram das povoagdes acantonadas n’esses valles, estabelecidas junto d’esses rios, e a constituigao primitiva da sociedade hispanica ainda conserva esse individualismo local, que se elevou dos aggregados cantonaes a pequenos estados livres, e que ainda reage contra a unificagdéo castelhana realisada pela violencia bruta dos interesses dynasticos. As actuaes provincias de Hespanha, sao ainda na sua forma administrativa esses antigos estados livres peninsulares, fundados. onde as condigdes do territorio lhe garanti- yam a sua independencia. Esbogaremos rapidamente esses dados geographicos, sem os quaes 6 impossivel comprehender a historia Politica; a cordilheira dos Pyreneos, apresenta dous systemas oro- graphicos, um que se dirige no sentido de noroéste ou pyrenaico, € outro no sentido norte-sul, ou celtiberico, No primeiro, ha os ra- mos dos Pyreneos isthmicos, que limitam a Catalunha, o Aragao e a Navarra; os cantabricos, asturicos e gallaicos, que limitam a Vas- conia, as Asturias e a Galliza, No systema orographico celtiberico, faz-se a divisio em vertente oriental ou mediterranea, e vertente occidental ou atlantica; 4 primeira pertencem os antigos estados autonomos, hoje incorporados em provincias administrativas, da Na- varra, Aragio e Catalunha, acrescendo a Valencia, Murcia e Grana- da. A vertente occidental pertencem a Castella Velha, Leao, Castel- Ja Nova, Extremadura, as Andaluzias (Granada, Cordova e Sevilha) @ as Beiras, Extremadura e Alemtejo portuguezes. A par da organisagdo politica acha-se a organisagao ecclesias- tica; assim, quando a Franga, por exemplo, j4 nao era feu- dal, ainda a Egreja franceza conservava essas antigas divisdes do territorio; 0 mesmo se vé hoje na Hespanha, em que a divisio dos Seus arcebispados de Tarragona, (Catalunha), de Zaragoga, (Aragao), de Sant'iago, (Galliza), de Valencia, de Granada, de Burgos, (Castella Velha), de Valhadolid, (Leio), de Toledo, (Castella Nova), de Sevilha (Andaluzias) corresponde 4 antiga divisdo politica dos estados pe- Ninsulares antes de serem submettidos 4 unidade monarchica por Fernando e Isabel, Carlos v e Philippe m. Toda a historia da Hes- panha, nos seus conflictos internos, consiste na lucta separatista en- tre esses diversos estados, e no esforgo brutal de os incorporar sob uma unificagéo monarchica. Os primitivos povos que habitaram a Hespanha anteriormente & conquista dos romanos, obedeceram 10 REVISTA DE ESTUDOS LIVRES tambem a essa tendencia separatista ou cantonal imposta pelos re- Jevos orographicos, © d’aqui a impossibilidade de se defenderem contra a invasio dos Celtas, e a facilidade de formarem essa fusio chamada dos celtiberos, que por seu turno chegaram a formar di- versas federagdes analogas 4s federages italiotas e gaulezas. As duplas tendencias separatista ¢ unificadora sio os pontos de oscil- lagéo da vida historica dos povos peninsulares; conforme as racas que occuparam esse s6lo, assim essas tendencias prevaleceram mais ou menos exclusivamente e de um modo empirico. Se o san- gue semita prevalecia pela occupagéo dos Phenicios, dos Carthagi- nezes, dos Judeus e dos Arabes, preponderava a tendencia separa- lista; se a disciplina dos Romanos preponderava, quer pela centra- lisagao administrativa, quer pela unificagiéo moral e dogmatica do catholicismo, assim os diferentes estados eram submettidos 4 de- pendencia de um s6, sem que essa apparente unidade politica apa- gasse as differengas dialectaes e costumes locaes, que estavam con- stantemente proclamando a intima dissidencia. A historia de Portu- gal depende completamente d’esta circumstancia; 0 Condado portu- calense elevou-se a estado autonomo nao sé pelas condigdes meso- Jogicas da sua fronteira maritima, que lhe ministravain um estimu- lo.de actividade © de independencia economica, mas sobretudo pela acco reflexa d’essa agitagao de outros estados igualmente pe- quenos que se proclamavam livres, como pela morte de Affonso vi de Castella com a qual se quebraram os vinculos artificiaes de uni- . ficagdo politica que maniatavam jé um bom numero de estados. Por outro lado a parda da nacionalidade portugueza em 1580, in- corporada por Philippe m na unidade castelhana, foi a consequencia de uma politica de absorpgiao, de que os proprios monarchas portu- guezes foram instrumentos egoistas, taes como Affonso v, D. Joao u, e D. Manoel, que pensavam obter por meio de casamentos reaes a fusio de Portugal e de Hespanha’ sob um unico sceptro. Aqui a for- ¢a das circumstancias tem sido mais poderosa do que as ambigdes absurdas dos individuos; a autonomia de Portugal subsiste, através das terriveis calamidades que tem na Europa alevantado grandes es- tados como a Austria, a Prussia e a Russia, @ destruido outros, co- mo a Irlanda, a Escossia, a Polonia, e mesmo a Italia e a Grecia antes dos seys modernos renascimentos. Depois da formagiio da na- cionalidade portugueza, o facto da, sua persistencia 6 um problema de primeira ordem para o historiador; n’elle se encerram indica- ges vitaes para o futuro dos ‘povos peninsulares, tantos séculos hostis entre si por odios perpetuados em beneficio de dynastias egoistas. If da porsistencia das causas mesologicas, que os espiritos superiores comegam a deduzir as formas da organisagao politica da peninsula hispanica; a forma natural, racional e por isso definiti- ELEMENTOS DA NAGIONALIDADE PORTUGUEZA aw va, 6 a de. uma federacao voluntaria, j4 presentida por alguns espi- ritos lucidos, como Charrire, Henriques Nogueira, Pi y Margall ¢ Tubino. EB d’essa.solugdo que depende a existencia e o destino po- litico de Portugal. Entre as causas mais poderosas da unificagao politica da penin- sula hispanica cabe o primeiro logar 4 influencia do eatholicismo; esta religido transmitlida da Africa para a Hespanha, trouxe esse caracter intolerante e feroz que lhe achamos no patrologista africa- no Tertuliano; revelando-se pela audaciosa ambigao dos bispos que fizeram dos seus concilios congressos.e cértes politicas, e eram ao mesmo tempo chefes de guerrilhas ‘contra a occupagdo sarrace- na, uma vez dominante, essa religido veiu a transformar-se pela in- fluencia do genio hespanhol. Basta recordar que essa ordem, on hor- da sanguinaria dos dominicanos, que tiveram o privilegio da Inqui- si¢do e dos queimadeiros, foi fundada por Domingos de Gusmao, @ que a milicia espiritual dos Jesuitas, creada para annullar a renas- cenca scienlifica da Europa no seculo xvi, foi fundada por Ignacio de Loyola; eram ambos hespanhoes. A religiio catholica teve uma extraordinaria e constante atgdéo sobre o desenvolvimento dos po- vos peninsulares desde a 6poca do governo imperial dos romanos; accdo que nao pdde altribuir-se nem 4 comprehensdo da doutrina, nem ao poder da disciplina, porque a barbaria e o isolamento das povoagdes tornaram ineflicaz a propaganda evangelica, 6 porque a devassidio da classe sacerdotal nao a fortificava pelo exemplo. E comtudo essa acgio baseava-se sobre uma necessidade, e por isso era effectiva, Buckle, fallando da civilisagao hespanhola, descreve a influencia mesologica do sdlo peninsular, sujeito a grandes catas- trophes de terremotos, e a repetidas perturbagdes meteorologicas. Esses phenomenos assombrosos impressionam sempre 08 povos, @ incutem-lhe na imaginag&o a crenga absoluta na intervencao do so- brenatural. O inexplicavel torna-se divino; 0 padre aproveitou sem- pre a emocao d’esses phenomenos cosmologicos para se tornar in- terprete das cdleras celestes, submettendo a credulidade da multi- dao 4 sua conveniencia de classe. As penitencias geraes, as doa- des dos bens, as fundagdes de egrejas e mosteiros, a preponderan- cia nas assembléas politicas, o direito canonico em conflicto com 0 regimen civil, o exclusivo do ensino nas collegiadas, o favoritismo junto dos reis, e por fim a organisagao de uma policia inquisitorial com um processo penal secreto, tudo isto proveiu d’esse estado moral de um povo abalado frequentes vezes por enormes catastro- phes da natureza. Tal 6 ainda a causa do caracter supersticioso dos povos da peninsula iberica, dos quaes os monumentos mais antigos que ainda subsistem sao inscripgées religiosas. i . A oscillagio entre o clima europeu e africano di tambem 4 ; ! , 42 REVISTA DE ESTUDOS LIVRES Hespanha essas variagdes violentas das grandes cheias torrenciaes ou das estiagens completas ; d’aqui as crises agricolas, as fomes du- Tante seculos periodicas, e as pestes successivas. As povoagdes, em vez de estabelecerem um bom regimen das aguas, em vez de ar- borisarem o territorio devastado por systema durante a época da Teconquista christ, em vez de se precaverem por habitos de pre- visio economica, seguiram o impulso das suas emogies, @ resi- gnaram-se 4 miseria para sustentarem na opulencia os medianciros de Deus. Os factos apresentados por Buckle sdo tao numerosos, que deixam na mais completa evidencia este ponto de vista; a conside- rag&o do sdlo hispanico como o primeiro factor historico das nacio- nalidades peninsulares torna-se uma necessidade imprescindivel de methodo, sem o que nao 6 possivel determinar verdade alguma através de tanta incoherencia de ragas, de civilisagdes e de arbi- trariedades individuaes. Quando a sciencia moderna chegou a estes seguros principios, as descobertas geologicas vieram-nos revelar que a terra 6 tambem uma das paginas mais antigas ¢ veridicas da historia do homem; no seu ‘seio se guardam os vestigios de uma actividade pensada, de uma existencia ainda nao destacada comple- tamente da animalidade, emfim, os instrumentos rudimentares que Precederam os mais engenhosos apparelhos da technologia. Os es- tudos da paleontologia humana, fazendo recuar 0 passado milha- tes de annos, puzeram em condigdes de ser explicada pelas leis naturaes da evolugio a somma de progressos que eram attribuidos a uma immediata insufflaga¢ divinaj a historia recebeu um impulso de renovagao no seu criterio, considerando como documentos nao 86 os actos emanados da accado individual, mas ainda os factos os mais inconscientes, como as variedades nas ragas, a filiagado na lin- guagem, as analogias nas instituigdes, as impressdes psychologicas nos mythos e@ nas tradigdes nacionaes. Os vestigios ante-historicos do homem constituem hoje uma serie importantissima de documen- tos por onde se infere com seguranea o modo da sua existencia pri- mitiva e os meios por onde foi subjugando as fatalidades da natu- reza. Em todos os centros civilisados da Europa se tem, descoberto os restos de outras racas, ainda no estado troglodita é desconhe- cendo os metaes ; na estructura craneana e nos costumes populares apparecem ainda por effeito de regressao ethnica caracteres d’essas populagdes autochtones. Desde que os antropologistas provam que as ‘ragas da Europa se acham em uma completa mestigagem,. para bem conhecel-as nas suas creagdes sociaes, que constituem a histo- ria, importa analysal-as nos seus mais primodiaes elementos. Feliz mente, estes estudos tem dignos representantes na peninsula hispa- nica, e o sdlo de Portugal ndo 6 das paginas mais obliteradas da paleontologia. é | ELEMENTOS DA NACIONALIDADE PORTUGUEZA » 3 2, — Antiguidades pre-historicas em Portugal O primeiro facto que resulta das exploragdes geologicas, 6 que © territorio de Portugal, e consequentemente da peninsula, teve ha- bitantes anteriormente a todas as invasdes de outras ragas asiaticas que penetraram e se estabeleceram na Europa. Este facto geral ao nosso continente, leva a crér que a Europa como uma grande pe- ninsula da Asia, teve tambem uma raga que se péde considerar au- tochtone. Pelas camadas geologicas em que se acham as ossadas, 6 pela sua forma anatomica, se restabelece a historia d’essa raga, que as invasdes proto-dricas e indo-européas nao destruiram, e com as quaes se assimilaram, como affirma Paul Broca e outros eminentes antropologistas. Na época terciaria da geologia, 0 territorio de Por- tugal, como se deduz da sua paleontologia vegetal, tinha uma temperatura de 20°, o que veiu favorecer inferencias do geo- logo Carlos Ribeiro, que julga ter achado no nosso sdélo os ves- tigios ha tanto procurados do homem terciario; na grande char- neca da Otta, na base do Monte Redondo, acharam-se n’esse terreno lacustre silex talhgdos pela mao do homem miocene, nas mesmas condigdes em que egualmente se acharam em Thénay, no Monte Aperti, (Toscana), e em Peruse na Ombria. Esta simulta- neidade nfo 6 sem importancia, porque nos leva a inferir de um fundo ethnico commum, que na historia mais tarde se revela por _ analogias de costumes, que facilitaram a unidade da Civilisagao oc- cidental. A forma craneana apresenta uma dolichocephalia caracte- ristica; assim perto de Salvaterra e da Mugem, nas collinas artifi- ciaes de conchas (os kjockkmceddinger) nos numerosos esqueletos que ahi se acham da época neo-lithica, os craneos sao dolichoce- phalos, @ segundo Quatrefages, analogos ao cranco basco por elle examinado nos arredores de Cambo. Este facto encerra a svlugdo de um problema de primeira ordem; Broca notou nas suas analyses craneoscopicas, que o basco hespanhol 6 dolichocephalo, ao passo qué o basco francez da outra vertente dos Pyreneos 6 brachycephalo, entendendo que nao 6 possivel explicar esta profunda differenca anatomica por uma acgdo mesologica 140 insignificante, por maior que fosse o decurso do tempo. Demais, considera 0 mesmo insigne antropologista, que essa delichocephalia do basco hespanhol 6 analoga 4 dolicephalia do berber da Africa; se a esta conside- racdo ajuntarmos, que as Antas (Dolmens) que existem nas duas Beiras e Alemtejo, pertencem ao typo do dolmen de Anteque- Ta, junto a Malaga, e que muitos d’estes monumentos megali- thicos so tambem analogos a outros que ainda existem na Africa, poderemos concluir, que essa differenga craneana resultou de duas ragas diversas, uma que desceu do norte da Europa para o seu cen- 1 REVISTA DE ESTUDOS LIVRES tro, e outra que occupon a orla occidental vindo da Africa através das ilhas do Mediterraneo. Esta differenga persiste nas ragas da pe- ninsula hispanica entre o euskariano e o ibero, e principalmente no caracter dos monumentos ante-historicos ; assim, as hachas de bron- ze sio muito aperfeigoadas no Minho, tendo anneis, e meia cana na parte superior, a0 passo que no Alemtejo sao simples, e no Algar- ve extremamente raras. Vé-se que houve conflicto de ragas e um cruzamento successivo ; na gruta da Furninha, na peninsula de Pe- niche, a par dos restos de silex, de lougas de barro, e placas de schisto com desenho geometrico, acham-se muitos ossos humanos nos quaes a maxilla superior apparece com frequencia quebrada com o fim manifesto de extrahir os miolos da caixa craneana. D’aqui infere com. razio o geologo Delgado os vestigios de antro- pophagia ‘n’essa sociedade trogloditica; © dizemos com razaio, em- Dora elle fosse contradictado com o facto da abundancia de alimen- tos e de animaes, porque a antropophagia foi e ainda 6 entre os selvagens nao um acto provocado pela fome, mas um effeito de uma idéa moral: aquelle que mata o seu inimigo, quer tambem apro- priar-se da forga que o fazia temido, e come-o para encarnar em si essa qualidade; assim uns selvagens comem os olhos dos seus ini- migos para se apropriarem da sua perspicacidade, outros devoram a massa encephalica, para ficarem com a sua sagacidade. I esta a unica razo da antropophagia, pela qual se explica a sua longa per- sistencia na Europa, como se sabe que existiu na Irlanda por Stra- bio, por Plinio.com relagao 4s tribus scythicas, e tambem nas Gallias, entre uma tribu breta, como o conta S. Jeronymo. Isto comprova 0 facto da gruta da Furninha, que nao podia provir senao do confli- cto de povos inimigos, como se infere das differengas monumen- taes ; que estas duas racas se fusionaram, conhece-se pela mesati- cephalia do craneo do Valle de Arieiro, que apresenta uma depres- sao occipital analoga aos craneos mesaticephalicos de Furfooz. D’es- te concurso resultou uma civilisagdo rudimentar, como sé vé pela frequencia dos schistos e ardosias com desenho geometrico da gru- ta da Furninha, e com ornatos de trago pontilhado, como na gruta de Palmella, ou j4 com figura de animal como na de Alcobaga, che- gando esta aptidao artistica a desenvolver-se sob a influencia dos romanos, como sé comprova por essas estatuas de pedra achadas em Lezenho, (Montalegre, T'raz-os-Montes), em Vianna do Castello e na Galliza, Os amuletos de ardosia, da gruta de Palmella, revelam- nos a existencia de nogdes religiosas, que seriam um fetichismo es- pontaneo, por isso que as formas d’esses amuletos sao analogas 4s da Patagonia; costumes funerarios, descriptos pelos historiadores romanos, revelam a existencia de concepgdes animistas, que ainda persistem nas supersti¢des populares e outras usangas locaes. A me- ELEMENTOS DA NACIONALIDADE PORTUGUEZA 45 dida que se forem alargando as investigagdes ethnologicas, mais se ira estabelecendo esta intima solidariedade com o passado, e por tanto competiré 4 historia tirar a luz d’esta relagado. A parte mais rica de monumentos pre-historicos 6 0 Minho, que apresenta além de numerosissimos vestigios da época da pedra polida, as duas cha- madas Citanias de Briteiros e de Sabrosa, desde longo tempo conhe- cidas ; Contador d’Argote, considerava-as como construccdo arabe, fazendo-se echo do preconceito popular que considera todos os ves- tigios archeologicos do passado indistinctamente como do tempo dos mowros. O norte da peninsula hispanica foi o ponto de entrada de uma outra raca mais civilisada, para nés o euskariano ;, ou pelo menos, o contacto do norte da Hespanha com os iberos da Italia e do sul da Franga, pelo triangulo da Aquitania, como explicam Bro- ca e outros antropologistas, estabeleceu uma communhao de pro- gressos, que se revelam na grande resistencia dos aquitanos contra as invasdes.das ragas dricas na Europa occidental, e mais tarde na simultaneidade do desenvolvimento das tradigdes poeticas proven- aes na Franca meridional, Italia e Galliza. H tambem por estes precedentes que a Galliza foi o principal foco de cultura durante a edade média na Hespanha, e que n’esse seu territorio se manifesta- ram as tendencias de autonomia social que determinaram o mo- mento historico da formagao da nacionalidade portugueza. Esta dif- ferenga ethnica que observamos no sdlo ante-historico de Portugal, leva a dividil-o em duas zonas, uma verdadeiramente galliziana, desenvolyida pela entrada de ramos Aricos, sendo os Jusitanos os primeiros representantes d’essa migragdo; e outra algarvia, que se desenvolveu precocemente pela vinda dos phenicios 4 exploragao metallurgica, constituindo ao sul do territorio que veiu a ‘ser Portu- gal a notavel civilisagéo Bastulo-phenicia; no decurso historico es- tas duas zonas aproximaram-se e confundiram- -se, sendo os nomes locaes, como Tejo e Ana, phenicios, e os nomes de povoagdes com a forma brig, celticos. Herculano considera no nome de Lusitania, * que exprimia esta fusdo, a terminagao tan como punica. * Ao norte .da orla maritima estabeleceram-se colonias gregas, em quanto que ao sul se fixavam colonias lybio-phenicias. A Beira era o ponto de contacto, e é por isso que todos os antigos escriptores considera- vam a Beira como, por assim dizer, o centro dos costumes: nacio- maes e das tradigoes portuguezas, @ da vernaculidade da lingua- gem, ao passo que a organisagao do facto politico da nova naciona- lidade s6 comegou proximo do rio Minho, isto 6, na Galliza. Na in- 1 Hist. de Portugal, 1, 16. 46 REVISTA DE ESTUDOS LIVRES corporagao do territorio de Portugal a Beira foi o centro de oscilla- c&o, j4 para nos integrarmos com a Galliza, o que prevalecen na Politica até ao tempo de D, Fernando, ja para nos alargarmos para os Algarves de Aquem mar, e de além mar em Africa, Prevaleceu esta ultima tendencia, que se acha sempre nos povos em regressa- Yem para o seu ponto de partida. 0 quadro que acima apresenta- mos da época ante-historica da peninsula, habilita-nos para compre- hender melhor a situagio em que se acharam as migragdes das ra- gas asiaticas na sua occupagao, em geral commum a toda a Euro- pa. As invasGes asiaticas correspondem a duas migragdes principaes para a Europa, a proto-drica (mongoloide, scythica, iberica ou gau- leza) e a rica propriamente dita (helleno-italica, celtica, germani- ca e slava); a peninsula hispanica foi povoada por elementos d’es- ta dupla corrente, ’ THEOPHILO BraGa. (O Granpe Homem, comedia em 4 actos, por Teiweira de Queiroz — Lisboa, 41881 —e O Casamento CIVIL, comedia-drama em & actos, por Cypriano Jardim — Lisboa, 1882), Le thédtre, par ses conditions d'existence, 2 conguéte, la plas lax disputée dé esprit de Ean, Zona — Le Roman eapéri= ‘mental, pag. O extraordinario movimento scientifico que caracterisa o seculo actual propagou-se das sciencias mathematicas, cosmicas e biologi- cas a0 campo mais complexo dos phenomenys sociaes, construindo uma philosophia racional inteiramente baseada nas leis naturaes ¢ nos methodos positivos, e estendendo-se aos dominios da arte, a que fornece uma nova orientagao e um novo destino social. A con- stituigdio das sciencias, segundo a sua serie hierarchica, foi elimi- nando gradualmente os principios absolutos e limitando a area de cada ramo dos conhecimentos humanos aos factos observados e clas- sificados pelo emprego directo dos varios processos scientificos. Fo- ram banidos da sciencia e da philosophia todos os elementos que nao proviessem da ordem real, rigorosamente constatada. Na arte, € em particular na litteratura, -reflectiu-se este movimento pela su- bordinacdo da imaginacdo 4 observagdo; foi o methodo experimen- tal que provocou o apparecimento do naturalismo. Esta evolugao artistica manifestou-se no romance e na poesia. Na poesia, pelas condigSes especiaes de idealisagao que caracteri. sam esta ‘Torma litteraria, tomou uma direcgdo essencialmente phi- losophica, que esta ainda longe de attingir a sua maior altura. En- tre as tentativas mais brilhantes sao dignas de mengao as de M.™° Ackermann e de Sully-Prudhomme, em Franga, de Bartrina, em 1.0 Anno. 3 18 REVISTA DE RSTUDOS LIVRES Hespanha, e de Manuel Acujia, no Mexico; porém nenhuma pdde ri- valisar, nos triumphos alcangados por’ora, com as producgdes natu- ralistas dos grandes romancistas como Balzac, Flaubert, Edmond e Jules Goncourt, Zola e Daudet. Todos estes elevaram 0 romance fran- cez a uma perfeigao quasi inexcedivel pelo estudo demorado e verda- deiro dos personagens @ dos meios ¢ da sua mutua influencia. A lit-. teratura naturalista veiu completar a revolugao iniciada pelo roman- tismo; a emancipagao da forma foi seguida pela renova¢ao do fundo e do espirito litterario. Na lucta contra a escola classica, os romanti- cos limitaram-se a oppor a edade média 4 antiguidade, substituindo uma rhetorica por outra rhetorica, um ideal por outro ideal, uma convencdo por outra convengdo. Aquelles subordinaram tudo ao cumprimento rigido do dever; estes esqueceram tudo no ardente enthusiasmo do sentimentalismo. Uns e outros faziam do homem um manequim e da natureza uma creac%o phantasmagorica. Os pro- gressos scientificos, alargando-se até ao campo das bellas-artes, de- ram 4 revolucao litteraria os elementos que lhe faltavam. Com os novos elementos adquiridos pelo methodo experimental e aprovei- tando a independencia de forma conquistada pelos romanticos, 0 naturalismo surgiu pouco a pouco e langou raizes profundissimas “no solo revolyido das modernas sociedades. Este triumpho esponta- neo era uma consequencia natural da evolugdo dos espiritos, por- que as concepgées estheticas variam debaixo da influencia das ideias geraes e acompanham todas as transformages religiosas, philoso- phicas @ sociaes. Com razfo diz Taine ! que as obras de arte sio determinadas pelo estado goral do espirito e dos costumes. Na actualidade predomina o amor pelo real; a metaphysica acha-se abalada nos seus fundamentos e a philosophia augmenta diaria- mente o seu immenso cabedal de conhecimentos positivos; os sa- bios armados da observagao e da experimentagao, caminham passo @ passo, analysando, comparando, constatando toda a ordem de fa- clos, d’onde tiram novas nogées e principios novos. Os romancistas seguem Ihes 0 exemplo, baseando-se, como quer Viollet-le-Duc *, em «observages definidas, positivas, — tudo como a propria sciencia — feitas sobre os phenomenos sociaes ». © naturalismo, triumphante no romance e mesmo na poesia, apenas se faz sentir no theatro, onde se conserva anemico e medio- cre 0 romantismo na sua ultima phase. Zola estudou este pheno- meno nos seus bellos livros de critica —Le Roman expérimental, 1 Philosophie de Vart. 2 La science politique, revue, vol. 1, pag. 299, ; j 0 THEATRO MODERNO EM PORTUGAL 49 Le natwralisme aw thédtre e@ Nos auteurs dramatiques. A lucta de- cisiva entre os romanticos e os classicos travou-se no palco, O dra- ma supplantou a tragedia. Os vencedores exageraram os meios que serviram para o triumpho e tornaram o drama a antithese da tra- gedia. Os classicos davam todo o relevo a narrativa e faziam a ana- lyse psychologica dos personagens que punham em scena; 08 ro- manticos, pelo contrario, descuravam estes predicados e preoccupa- vam-se s6 com o movimento e com o colorido da phrase. Uns e outros estavam distantes da verdade, o fundo era inteiramente fal- so, a imaginagdo substituia o estudo da historia. O romantismo vencedor comegou a transformar-se, passando por phases succes- sivas até chegar a pdr no palco scenas da vida contemporanea. Mas n’esta evolugdo conservou os vicios da sua origem; o mundo actual 6 representado com tanta verdade como representavam a edade mé- dia, A imaginagao continua a ter a primazia sobre a observaga Dumas, Augier e Sardou, os primeiros dramaturgos modernos, ain- da sacrificam a realidade 4 convengao. Victorien Sardou, o herdeiro de Scribe, emprega os mesmos processos do mestre, alargando s6- mente o quadro; 6 uma especie de prestigiador que illude os espe- ctadores pela sua extrema agilidade de maos; as aventuras, a intri- ga complicada, os desenlaces inesperados, as peripecias constantes fazem apparecer e girar os personagens como bonifrates movidos por cordeis. Rabagas e La famille Benoiton sio conhecidos por to- dos, Dumas filho é superior, tem scenas de uma observagao rigoro- ga como no Demi-Monde, mas a demasiada preoccupacao da these, as grandes phrases de effeito, a declamagao proselytica, o sacrificio da verdade ao que chamam exigencias scenicas, tiram toda a rea- lidade aos seus dramas. Sirva de exemplo l’Etrangére, que foi tra- duzida e representada entre nds. Emilio Augier afasta-se muito mais dos romanticos, chega a ser mal visto por elles; nos seus dramas ha mais observagio, uma pintura mais verdadeira da socie- dade, maior simplicidade, uma linguagem mais real e mais corre- cta; aproxima-se mais do que qualquer outro do que deve ser a formula naturalista; porém nfo abandona a convengao, os persona- gens feitos de uma s6 pega, os clichés gastos do hem triumphando sobre o mal, do symbolo perfeito de virtudes ou de qualidades su- periores, dos heroes e das heroinas immaculadas, etc. etc. Os seus personagens modificam-se de repente sem ter em conta o tempera- mento, a educagio, 0 meio; basta uma scena de effeito. Le maria- ge @’Olympe, Le Gendre de M. Poirier @ Les Effrontés mostram os processos d’este dramaturgo. Como vémos, o theatro francez ainda no entrou ua corrente naturalista; a sua resistencia aos novos pro- gressos artisticos 6 tao forle, quanto foi violenta e arrebatadora a victoria do drama romantico sobre a tragedia classica, ®

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