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O APÓSTOLO PAULO E SUAS CARTAS 1

1. Paulo de Tarso
O Apóstolo Paulo nasceu entre os anos 5 e 10 dC, na cidade de Tarso da Cilícia (At 9,11; 21,39; 22,3).
Era filho de judeus, da tribo de Benjamin e como era o costume foi circuncidado ao oitavo dia (Fl 3,5). São
Jerônimo informa que seus pais eram de Giscala, na Galiléia. Paulo cresceu seguindo a mais perfeita tradição
judaica (Fl 3,3-6). Tinha uma irmã e um sobrinho que moravam em Jerusalém (At 23,16). Sua profissão era
artesão, fabricante de tendas (cf. At 18,3). O seu estado civil também é um tanto incerto, ainda que na maioria
das vezes se afirme que era solteiro. De fato, em 1Cor 7,8 ele escreve “Aos solteiros e ás viúvas, digo que seria
melhor que ficassem como eu”. Mas em 1Cor 9,5 ele escreve “Não temos o direito de levar conosco nas viagens
uma mulher cristã, como fazem os outros Apóstolos e os irmãos do Senhor e Pedro?”.
Ainda jovem foi para Jerusalém e, na escola de Gamaliel, se especializou no conhecimento da sua
religião. Tornou-se fariseu, ou seja, especialista rigoroso e irrepreensível no cumprimento de toda a Lei e seus
pormenores (At 22,3).
Cheio de zelo pela religião, começou a perseguir os cristãos (Fl 3,6; At 22,4s; 26,9-12; Gl 1,13). Esteve
presente no martírio de Estevão, cujas vestes foram depositadas aos seus pés (At 7,58). Continuou perseguindo a
Igreja (At 8,1-4; 9,1-2) até que se encontrou com o Senhor na estrada de Damasco (At 9,3-19). A experiência de
Jesus mudou completamente a sua vida. De perseguidor passou a ser o anunciador até a sua morte,
provavelmente em 68 dC.
Na sua primeira missão apostólica, entre os anos 45 e 49, anunciando o Evangelho em Chipre, Panfilia,
Pisidia e Lacaônia (At 13-14), passou a usar o nome grego de Paulo de preferência a Saulo, seu nome judaico
(At 13,9) (Talvez seu verdadeiro nome hebraico fosse Saul, em homenagem ao primeiro rei de Israel e que
também era da tribo de Benjamin).
Era um homem bem preparado, além de conhecer bem a sua religião (o que pode ser comprovado pelas
muitas citações do Antigo Testamento), possuía boas noções de filosofia e das religiões gregas do seu tempo.
Em Tarso, sua cidade natal, havia escolas filosóficas (dos estóicos e cínicos) e também escolas de educadores.
Ali nasceu Atenodoro, professor e amigo do imperador Augusto. Paulo algumas vezes utiliza frases desse
educador: “Para toda criatura, a sua consciência é Deus” (Cf. Rm 14,22a); “Guarde para você, diante de Deus,
a consciência que você tem”; “Comporte-se com o próximo como se Deus visse você, e fale com Deus como se
os outros ouvissem você” (Cf. 1Ts 2,3-7). Paulo conhecia bem o grego e o método da retórica. Esforçava-se para
compreender o modo grego de viver. Além disso era cidadão romano (At 16,37s; 22,25-28; 23,27). Embora não
mencione isso em suas Cartas, como se o desprezasse, pois para ele a verdadeira cidadania é outra (Fl 3,20).
Porém, ele soube tirar proveito desse título, bem como de toda a bagagem cultural adquirida, para conduzir
todos a Jesus (1Cor 9,19-22).
Lendo as Cartas percebemos o caráter do Apóstolo: às vezes muito meigo e carinhoso; às vezes, severo.
Não abria mão das suas idéias e ameaçava com castigos. Escrevendo às comunidades comparava-se à mãe que
acaricia os filhinhos e era capaz de dar a vida por eles (1Ts 2,7-8). Sentia pelos fiéis as dores do parto (Gl 4,19).
Amava-os, e por isso se sacrificava ao máximo por eles (2Cor 12,15). Mas era também pai que educava (1Ts
2,11), que gerava as pessoas, por meio do Evangelho, à vida nova (1Cor 4,15). Sentia o ciúme de Deus (2Cor
11,2) pelas comunidades que fundou, temendo que elas perdessem a fé. Quando se fazia necessário, exigia
obediência (1Cor 4,21).
Muitas vezes Paulo é apresentado como alguém distante do povo e das suas comunidades; ou é acusado
de ser incapaz de manifestar sentimentos, indiferente ao drama das pessoas, anti-feminista, moralista e assim
por diante. Os que vêem Paulo com esses olhos esquecem-se de suas viagens, cadeias, sofrimentos, perigos e,
sobretudo, sua paixão por Jesus e pelo povo. Era capaz de amar todos os membros de todas as comunidades,
sem distinção, chamando-os de “queridos” e “amados” ou “irmãos”. Queria que todos fossem fiéis a Deus.
Assim se tornariam seus filhos, como por exemplo, era Timóteo (1Cor 4,17). É interessante ler as suas Cartas e
anotar com quanta freqüência ele usava expressões, tais como: tudo, todo, sempre, continuamente, sem cessar,
etc., e com elas expressar sua constante preocupação para com todos. E basta uma leitura mais cautelosa das
suas Cartas para descobrir que Paulo não é assim tão insensível e que todo o seu apostolado vem carregado de
sentimentos. “Nós vos falamos com toda liberdade, ó Coríntios, o nosso coração se dilatou. Não é estreito o
lugar que ocupais em nós, mas é em vossos corações que estais na estreiteza. Pagai-nos com igual retribuição;
falo-vos como a filhos: dilatai também vossos corações!” (2Cor 6,11-13).
Paulo encontrou dificuldades para ser aceito como Apóstolo. As suspeitas vinham do fato ser um
perseguidor e sobretudo porque não foi escolhido pessoalmente por Jesus. Quatorze anos após a sua conversão,
subiu a Jerusalém, para o Concílio, onde defendeu a não circuncisão para os pagãos. Ele mesmo se defendeu das
acusações (Gl 1,12, 2Cor 9,2-3; 12,1-4). Para ele, anunciar o Evangelho era uma obrigação: “Ai de mim se eu
não anunciar o Evangelho!” (cf. 1Cor 9,15-17).

1
Para este texto utilizei muitas informações do livro: Introdução a Paulo e suas Cartas de J. Bortolini (Paulus, 2001).
Em sua incansável missão de anunciar o Evangelho Paulo sofreu muito, mas não desistiu. Ele mesmo
relata algumas das situações difíceis que passou: “Muitas vezes, vi-me em perigo de morte. Dos judeus recebi
cinco vezes os quarenta golpes menos um. Três vezes fui flagelado. Uma vez apedrejado. Três vezes naufraguei.
Passei um dia e uma noite em alto-mar. Fiz numerosas viagens. Sofri perigos nos rios, perigo dos ladrões,
perigos por parte de meus irmãos de estirpe, perigos dos gentios, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos
no mar, perigos dos falsos irmãos! Mais ainda: fadigas e duros trabalhos, numerosas vigílias, fome e sede,
múltiplos jejuns, frio e nudez!” (2Cor 11,23b-27). Teve que lutar contra os falsos missionários (cf. 2Cor 10-12)
que anunciavam um Evangelho fácil, que fugiam da humilhação e da tribulação. Anunciavam um Jesus sem a
cruz. Paulo anunciava o Jesus Crucificado, ainda que isso fosse escândalo (1Cor 1,23) É importante notar que
para os judeus alguém que fosse condenado a morte, e suspenso numa árvore, era considerado um maldito de
Deus (Cf. Dt 21,22-23). Porém a cruz não era o fim. O mesmo Jesus da cruz é também o Jesus Ressuscitado
(1Cor 15).

2. Paulo e os Atos dos Apóstolos


Lucas, na segunda parte dos Atos (16-28), fala unicamente da atividade do Apóstolo Paulo, mas isso
não significa que ele tenha sido o único evangelizador e formador de comunidades. Paulo tornou-se o símbolo
de todos os missionários que souberam levar a Boa Nova de Jesus Cristo pelo mundo afora. E Paulo sozinho
não teria atingido seu êxito, se não fosse a grande ajuda de tantas pessoas que com ele abraçaram a fé, que o
acolhiam em suas casas (At 16,15.34; 18,3.7) ou que contribuíram com alguma ajuda para as suas necessidades
(Fl 4,15-16; 2Cor 11,9).
Os Atos dos Apóstolos foram escritos cerca de 15 anos após a morte do Apóstolo. Como se sabe, Paulo
não era muito bem aceito em certos grupos cristãos. Lucas tentou resgatar a imagem e o trabalho evangelizador
do Apóstolo. Paulo é, para Lucas, a figura ideal para representar o caminho do discípulo na história. Um
caminho feito de testemunhos em meio aos conflitos. Mostra que o caminho do discípulo não é diferente do
caminho do Mestre (cf. o Evangelho de Lucas). Por isso, serve-se de alguns (não todos) os fatos marcantes da
vida de Paulo, apresentando-os a seu modo e segundo sua visão. A estrutura dos Atos dos Apóstolos muitas
vezes coincide com a do Evangelho de Lucas.
O certo, porém, é que a vida e obra de São Paulo são bem maiores do que aquilo que nos relatam os
Atos e as Cartas.

3. Paulo e Jesus
Paulo seguramente não viu o Jesus histórico e nem ouviu sua voz e suas palavras. Teve uma forte
experiência do Cristo Ressuscitado (At 9,3-9; 1Cor 15,8). Alguns não queriam reconhecê-lo como Apóstolo
pelo fato de não ter sido um dos Doze Apóstolos e de não ter sido escolhido por Jesus e de não ter vivido com
Ele.
Alguns textos das Cartas dão margem a interpretações diferentes. Por exemplo, em 2Cor 5,16b ele
escreve: “Mesmo que tenhamos conhecido Cristo segundo as aparências, agora já não o conhecemos assim”.
Outro texto como 2Cor 12,1-6 poderia induzir que Paulo estivesse em Jerusalém por ocasião da Paixão do
Senhor. Há outros que pensam que Paulo fazia parte do Sinédrio e que tenha votado pela condenação de Jesus, a
partir da expressão “dei meu voto” (cf. At 26,10). Porém, a maioria dos autores segue a linha de que Paulo de
fato não conheceu pessoalmente Jesus e não teve contato com ele.
O Apóstolo não tinha ainda em mãos os evangelhos escritos. Ele os trazia impressos na sua carne,
marcada por toda sorte de sofrimentos (1Cor 11,21-29), a ponto de estar crucificado com Cristo (Gl 2,19),
trazendo em seu corpo as marcas da paixão de Jesus (2Cor 4,10; Gl 6,17), e completando, no seu corpo, o que
faltava das tribulações de Cristo (Cl 1,24). Assim ele podia dizer que “já não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim” (Gl 2,20).
Pelos escritos do Apóstolo Paulo, nós verificamos também algumas diferenças entre o seu modo de
anunciar e o modo como Jesus anunciava. Jesus anunciou a sua mensagem praticamente aos judeus, da Galiléia,
pois segundo os sinóticos, Jesus só foi a Jerusalém para a Páscoa, quando foi crucificado e morto e depois
ressuscitou. Paulo, por sua vez, percorreu o império romano e foi a Roma (capital) como parte final da sua vida,
onde sofreu a sua paixão. Jesus falava em aramaico e anunciava o reino em parábolas, criadas a partir da
observação atenta da vida simples do povo da roça e das aldeias. Paulo, ao contrário, embora também soubesse
falar o aramaico, anunciou e escreveu em grego, porque seus ouvintes eram judeus da diáspora e pagãos que
falavam a língua oficial da época. Paulo também era um bom observador da vida cotidiana, porém usava as
imagens sobretudo da vida e da cultura urbana, das grandes cidades. Ele falava do atletismo, dos esportes, da
construção civil, das paradas militares, das lutas nos estádios, da vida dos soldados, etc. Por isso, tentava
inculturar a mensagem de Jesus de Nazaré (que viveu a maior parte do tempo na Galiléia) para o universo da
cultura grega.
4. A “conversão”
Os Atos relatam três vezes a conversão de Paulo, e as versões nem sempre são iguais. Antes, os relatos
se complementam e se justificam. A primeira vez (At 9,1-25) insere-se no contexto do martírio de Estêvão e de
outras conversões. Encaixa-se entre a conversão do eunuco etíope (8,26-40) e a de Cornélio (10,1–11,18). A
segunda vez o relato é feito aos judeus (22,1-21). E a terceira vez (26,1-23) é narrada diante das autoridades
políticas (judeus e não-cristãos). No plano de Lucas os três relatos da conversão de Paulo seriam uma espécie de
proclamação universal: aos cristãos, aos judeus e aos não-judeus. Lucas pode querer mostrar o universalismo da
mensagem de Paulo.
O evento de Damasco, historicamente foi sempre conhecido como “conversão de São Paulo” (temos
inclusive a festa no dia 25 de janeiro). Porém, Paulo não utiliza nunca a palavra “metanóia”. Também o que
aconteceu com Paulo não segue o sentido que no AT os Profetas davam ao termo: “voltar”; “retornar”... Paulo
não retornou ao farisaísmo. Ao contrário ele abandonou o rigor da Lei.
Sabemos que Paulo havia se tornado um fariseu irrepreensível (Fl 3,6b). Era o máximo que um fariseu
poderia alcançar, ser chamado de “irrepreensível”, isto é, que observasse toda a Lei, seguramente também que
cumprisse os 613 preceitos. Os fariseus ( = separados) acreditavam que o Messias viria quando todo o povo
cumprisse a Lei fielmente, por isso consideravam o “povo da terra” e da Galiléia uns “malditos” porque não
cumpriam a Lei (cf. Jo 7,49).
Portanto, o que Paulo faz é “encontrar” o verdadeiro caminho; encontrar-se com o Senhor. Depois da
experiência no caminho de Damasco, ele volta a estudar tudo o que tinha aprendido e se dedica a conhecer a
mensagem de Jesus. Alguns estudiosos entendem que este foi um longo processo até abraçar de vez o
seguimento de Jesus Cristo e tornar-se o grande evangelizador.

5. Um missionário que escreve cartas às suas Comunidades


O grande carisma de Paulo é ser um missionário. Depois de ter fundado as florescentes comunidades
cristãs no mundo helenístico, ele não as deixou privadas de assistência, mas as acompanhou com a sua guia
pastoral: a “preocupação por todas as Igrejas” representa, como ele mesmo afirmava, a sua “preocupação
quotidiana” (2Cor 11,28). E para manter os contatos com essas comunidades, para ajudá-las a resolver os seus
problemas e para rendê-las mais eficazes no seu testemunho ao mundo ao seu redor, Paulo se tornou escritor: as
suas cartas nasceram da missão e em vista da missão.
Paulo conhecia o bom funcionamento do correio do império romano e soube fazer deste meio, um
instrumento de evangelização. Foi assim, sem saber e sem querer, o primeiro grande escritor do Novo
Testamento.
As Cartas foram escritas em função da situação concreta das comunidades. O Apóstolo acompanhava o
crescimento das mesmas, com todos os seus problemas e dificuldades. Por isso, também a sua leitura hoje deve
levar em conta a situação específica da comunidade à qual foi destinada cada uma delas.
O seu modo de ser missionário também é diferente da mentalidade grega da época. Paulo trabalhava e
ganhava o seu sustento com o próprio trabalho. E era um trabalho manual. Para as elites abastecidas de bens e
culturalmente favorecidas, o único trabalho que dignificava o ser humano era o trabalho intelectual. Numa
sociedade onde em algumas grandes cidades até dois terços da população era escrava, Paulo encontrou seu lugar
social entre os trabalhadores empobrecidos, ainda que pudesse fazer valer seus direitos de Apóstolo e fundador
de comunidades (1Cor 9,1-18; 2Cor 11,7-12).

6. As Cartas de Paulo
O conjunto das Cartas Paulinas compreende um total de treze Cartas que são atribuídas ao Apóstolo
Paulo. A ordem em que se encontram no cânon bíblico não reflete a data em que foram escritas, mas foram
organizadas segundo a sua extensão (as primeiras são as mais longas).
Alguns procuram agrupar as Cartas do seguinte modo:
a) Cartas maiores: Romanos, 1-2 Coríntios, Gálatas e 1-2 Tessalonicenses.
b) Cartas da prisão: Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemon.
c) Cartas pastorais: 1-2 Timóteo e Tito.
As Cartas aos Romanos, 1-2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemon são
consideradas por todos os biblistas como Cartas autênticas de Paulo. Alguns biblistas questionam se a Primeira
e Segunda Timóteo e Tito são de Paulo ou dos seus discípulos. Outros também colocam nesta lista as Cartas a
Efésios, Colossenses e 2 Tessalonicenses, pois usam uma linguagem diversa e tratam de problemas que existiam
nas comunidades no final do I século.
É certo que algumas Cartas de Paulo foram perdidas. Em 1Cor 5,9 já se fala de uma Primeira Carta aos
Coríntios. Em Cl 4,16, Paulo se refere a uma Carta escrita aos cristãos de Laodicéia. E temos ainda a famosa
“Cartas em lágrimas” aos Coríntios (2Cor 2,4). Alguns estudiosos afirmam que a Carta aos Filipenses é um
conjunto de vários bilhetes. E também que a 2Cor é um ajuntamento de várias cartas, enviadas em datas
diferentes.
As Cartas não foram escritas do próprio punho pelo Apóstolo. Ele as ditava (cf. Rm 16,22) e às vezes
assinava (cf. Gl 6,11). Talvez a carta a Filemon tenha sido o único escrito com sua própria mão.

7. O estilo e linguajar das Cartas Paulinas


Em Tarso havia o comércio de escravos, que Paulo deveria conhecer bem, pois usa essa imagem para
falar da morte e ressurreição de Jesus (1Cor 6,20; 7,21-25). E várias vezes ele usa a imagem da “compra e
resgate” para ilustrar a ação de Jesus em favor dos cristãos.
Também havia uma ambiente cultural muito grande: arte, arquitetura, esportes, etc., e que Paulo
conhecia muito bem, basta ver como usa seus conceitos para elaborar suas metáforas, como, por exemplo, a
questão da “parada militar”.
Em suas Cartas encontramos vários hinos (1Cor 13; Fl 2,5-11; etc.) que podem ser provenientes das
comunidades onde Paulo evangelizava e que talvez não sejam de sua autoria, e que eram usados nas
celebrações. Porém, nada impede que entre os tantos dons do Apóstolo, pudesse também ter o poético.

8. Possível cronologia
Não é fácil datar corretamente a vida e atividade de Paulo. Segue um possível esquema:
+ ano 5: Nascimento em Tarso.
+ ano 11: Começa a freqüentar a escola na Sinagoga.
+ ano 20: Muda-se para Jerusalém para estudar e tornar-se fariseu na Escola de Gamaliel.
+ ano 35: Experiência no caminho de Damasco: a “conversão”.
Até o ano 37: Está na Arábia, Damasco e faz uma rápida viagem a Jerusalém (Gl 1,17-18).
Até os anos 44 ou 45: Passa alguns anos em sua terra natal, Tarso.
No ano 45: Estadia em Antioquia da Síria.
Anos 46 a 48: Primeira viagem missionária.
Ano 49: Em Jerusalém para o “Primeiro Concílio” da Igreja (At 15,1-35).
Anos 49 a 52: Segunda viagem missionária.
Anos 53 a 58: Terceira viagem missionária.
Anos 59 a 62: Quarta viagem missionária.
Ano 68: Morre mártir em Roma.

9. As etapas da história
Para compreender as Cartas Paulinas é importante situá-las no seu contexto histórico. A história das
primeiras comunidades do NT pode ser dividida em três grandes partes 2 :
Dos anos 30 a 40 Dos anos 40 a 70 Dos anos 70 a 100
O anúncio do Evangelho entre os A expansão Missionária no Organização e consolidação das
judeus mundo grego comunidades

a) Dos anos 30 a 40
É um período curto de apenas dez anos. O ponto de partida é a manifestação de Pentecostes (At 2,1-36)
que gera o anúncio da Boa nova por toda a Palestina (At 2,41.47; 4,4; 5,14; 6,7; 9;31). Este período é também
chamado “Movimento de Jesus”. Este período termina com a crise provocada pela política do imperador
Calígula (37-41) e pela perseguição dos cristãos por parte do rei Herodes Agripa (41-44) 3 .
Neste período a maioria dos cristãos era formada por judeus convertidos. Fundavam comunidades ao
redor das sinagogas, à margem do judaísmo oficial. O seu crescimento obrigou-os a criar novas formas de
organização, como por exemplo, a escolha de novos animadores, chamados diáconos (At 6,2-6).
O objeto da pregação era o anúncio da chegada do reino (Mt 10,6) e a Morte e Ressurreição de Jesus (At
2,23–3,6; 3,14-15; 4,10-12). Os evangelhos ainda não tinham sido escritos. E por isso eles liam o AT a partir do

2
CRB. Viver e Anunciar a Palavra (Coleção Tua Palavra é Vida nº 6), 15-27
3
É importante não confundir os três Herodes que governaram na época dos escritos do NT: a) Herodes, chamado o Grande,
governou sobre toda a Palestina de 37 a 4 aC. É aquele que aparece em Mt 2,1.16, no nascimento de Jesus e no massacre
das crianças inocentes. Foi ele que iniciou a construção do Templo que existia na época de Jesus. b) Herodes, chamado
Antipas, governou sobre a Galiléia de 4 aC até 39 dC. Ele aparece em Lc 23,7, por ocasião do julgamento de Jesus. Foi
também o autor da morte de João Batista (Mc 6,14-29). c) Herodes, chamado Agripa, governou sobre toda a Palestina de 41
a 33 dC. Ele aparece nos Atos dos Apóstolos (At 12,1.20). Mandou matar o Apóstolo Tiago (At 12,2).
evento Jesus Cristo e repetiam os ditos e feitos de Jesus a partir do testemunho dado por aqueles que tinham
visto e ouvido Jesus Cristo.
Já neste período aparecia a primeira divergência entre os cristãos judeus. Havia um grupo mais ligado a
Estevão, que buscava uma abertura aos judeus da diáspora e ao helenismo (At 7,1-53). De outro lado havia o
grupo ao redor de Tiago, ligado aos judeus da Palestina, que defendia uma fidelidade à Lei de Moisés e à
“Tradição dos Antigos” (Mc 7,5; Gl 1,14). Na primeira perseguição só os cristãos ligados ao grupo de Estêvão
foram perseguidos (At 8,1). Porém, na segunda perseguição, aquela de Herodes Agripa (At 12,1-3), todos os
grupos cristãos eram alvo da repressão. Esta perseguição aos cristãos, na Palestina, teve como conseqüência a
missão para fora do território judeu. Paulo e Barnabé, seguindo a linha de Estêvão, estavam entre esses
missionários que foram pelo mundo para formar novas comunidades.

b) Dos anos 40 a 70
A perseguição, o desejo missionário e a vontade de anunciar a boa nova a “toda a criatura” (Mc 16,15)
levou os cristãos para fora da Palestina. Nesses trinta anos o Evangelho se expandiu por todo o império,
chegando a todas as grandes cidades, inclusive a capital Roma, o “fim do mundo” (At 1,8).
Se seguirmos a descrição das três viagens de Paulo e seus companheiros, narradas nos Atos dos
Apóstolos, vemos que eles percorreram em torno a 16 mil quilômetros. Enfrentaram muitos problemas (2Cor
11,25-26) e também dificuldades da própria missão de anunciar o Evangelho.
Além disso, a mensagem de Jesus foi marcada pelas mudanças de contextos. Vejamos as principais:
→ Do Oriente → para o Ocidente
→ Da Palestina → para a Ásia Menor, Grécia e Itália
→ Da cultura judaica → para a cultura grega (helenismo)
→ Da realidade rural → para a realidade urbana
→ Das comunidades ao → para comunidades ao redor das casas (oikój) nas periferias
redor das sinagogas das grandes cidades da Ásia e da Europa.
Estas passagens foram marcadas profundamente pela mudança de mentalidade e pela tensão entre os
cristãos vindos do judaísmo e os novos cristãos que vinham de outras culturas (At 15; Gl 2). Foi um doloroso
processo de conversão com muitos conflitos ao interno do próprio cristianismo. Imaginamos a dificuldade dos
cristãos judeus, formados dentro da visão judaica da Lei, e que deviam abrir-se para uma visão universal de
Deus. A passagem da visão de um povo eleito, privilegiado por Deus entre todos os povos para a certeza de que
em Cristo todos os povos faziam parte de um único povo (multirracial e pluricultural) diante de Deus (Ef 2,17-
18; 3,6).
As comunidades que surgiam, pequenas e frágeis, levavam a sério a mensagem de Jesus. E foram os
outros a reconhecer isso. Em Antioquia, para distingui-los, deram a eles o nome de Cristãos (At 11,26). E
começaram assim a adquirir a sua própria identidade. Os Atos dos Apóstolos relatam a beleza e o vigor dessas
primeiras comunidades (At 2,42-47; 4,32-37).
Mas a dificuldade nossa hoje é que não temos as notícias de todas as primeiras comunidades. Os Atos e
as Cartas relatam basicamente a missão do Apóstolo Paulo e das comunidades surgidas através da sua missão.
Quase nada sabemos do trabalho de outros missionários, das comunidades espalhadas pelo norte da África, na
Itália e pelas outras regiões e que estavam presentes no dia de Pentecostes (At 2,9-10). Pouco sabemos também
das comunidades da Síria e da Arábia, cujo centro era Antioquia. A comunidade de Antioquia chegou a
competir em autoridade e influência com a de Jerusalém. Foi desta comunidade que Paulo partiu para as suas
viagens missionárias, e onde viveu muito tempo.

c) Dos anos 70 a 100


Alguns fatos políticos ajudam a entender esta terceira fase da história. A ascensão de Nero ao poder do
império romano, com a perseguição aos cristãos, o martírio dos Apóstolos Pedro e Paulo. O massacre aos
judeus, sobretudo no Egito (66 dC) e a revolução judaica na Palestina, iniciada no ano 68 dC e que levou à
brutal destruição de Jerusalém no ano 70. As comunidades cristãs ainda eram pequenas e sem influência, e por
isso se tornaram alvos fáceis da perseguição romana.
Por outro lado, a destruição de Jerusalém e o fim do estado judaico e das suas instituições religiosas
provocaram a separação definitiva entre cristãos e judeus. Tornaram-se duas religiões distintas, inimigas entre
si, que se excomungavam mutuamente. E foi também o período do surgimento de muitas religiões e doutrinas
gnósticas e mistéricas, que começavam a invadir o império romano. Elas penetraram também nas comunidades
cristãs e provocaram novos conflitos e tensões.
No final do século I os cristãos foram perseguidos pelo imperador Domiciano. O cristianismo foi
declarado religião não-lícita pelo império.
ildo.perondi@pucpr.br

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