A Criminologia Da Repressao Juarez Cirino 1 PDF

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0 “0785 DEDALUS - Acervo - FD 20400056938 JUAREZ CIRINO DOS SANTOS Professor de CHminologia e de Direilo Penel na Ponti em Cignels Juridicas pelz PUC-RJ. A CRIMINOLOGIA DA REPRESSAO UMA CRETICA AO POSITIVISMO EM CRIMINOLOGIA : ‘ a> ‘Belo Horizonte 1904 1979 Rio de Janizo Poagae #0 prats o Bovecdine Comet 14 edigio — 1978 ~ Q Copyright t yuo onus | Paws Jucree Cirino dos Santos \ nade CIP-BrasiL Catalogacao-na-fonte Sindlesto Nacional dos Bditores de Livros, RJ. Santos, Juarez Cirino des, $235¢ A Griminologia Ga repressio uma critica ao positivismo em eriminolagia. — Rio ce Janeiro + Fo Fease, 1979. Bidtiogyatia “reoria 1. ittto \ eDU — 3.9.00 P51 5801 ney Es _peJewados os siceitn oe wropiedate desie ecgio pela Sa ‘COMPANHIA EDITORA FORENSS Jomo Braga. 29° -1° e 2° andares ~20020-Rlo de Janeiro - RI Imyresso no Brasil Printed in Brazid minka muther, SUMARIO Nota Preliminar isanoovcio Geaan: Unt Paogeto pe Trasarsto TRORICO © problema da teoria eriminologica ......- © propésito do estudo da teorla criminoisgica As hipdteses de trabalho A metodologia .. ee ewe © interesse cientifico - 1. Processo pr ConnsciMeN70 Cresirico Lo fo real vo. 2. Cs problemas do metodo 3. A teoria cientifica HL A Troria CReminondaics 1. A formaciio social capitaitsta @ as teorias wi as: criminologia classica 206 sitive ¢) Odeterminismo do comportamento ») A nSutralidade do clentista .... c} A quantificacéo do comportamento an JUAREZ CHENO 005 Santos 1 © Positivismo biol6gico { IE © Positivismo sociolégico ... 1 2 TH, CoxeLusées &) Sob IV, REFERENcIAs Brscrocadricas [x © erime como patologia social © crime como produto de desorgani- zacho social ..... wees viante boceeees 6) A teoria da anomia: Roberto Merton 2.20.00... d) A tearla da organizacéo e asso- clagdo diferencial, Edwin Suther- land . @) Sobre os pressupestos do provesso de co- nhecimento .. re o conteido idedlégico da teoria po: sitivista 96 108) a, NOTA PRELIMINAR Este trabalo foi apresentado como tese para obtengéo do titulo de Mestre em Ciéncias Juridicas, na Pontificia Universidade Catética do Rio de Janeiro, defendido ¢ apro- vado em exame pablico (junhe de 1978) e recomendado pare publicagao. i Expresco, aqui, minha admiragdo e respeito A banca exe. minadora, cemposta pelos professores Joo Mestieni (orienta~ dor}, Celso Atouquerque Mello e Miriam Limoviro Cardoso, ¢ mus agradecimentos 4 Fundacdo Universidade Pstadual de nie € 2 Coordenacéo do Apetfe'goamento de Pessoal de que, pele polities de formagio de recursos 2 reall Juansz Cisme pos Santos INTRODUCAO GERAL UM PROJETO DE TRABALHO TEORICO 1. © problema da teoria criminolégica ‘A quastGo erueial da criminologia é que nao existe uma cidneia criminolégica, mas varias teorlas criminolégicas dis- tas, Nilo se pode falar de uma ciéacia criminolégica como se pox, de ume eléneia biclégiea, quimica, fisica eic., isto é, como um conjunto de conhecimentos sistematizades, ma's ou menos imeontroversos, obtidos conforme um método adequado Ge urn objeto precisamente definido, Bxistem teorias crimt- nologicas ndo 56 diferentes entre si, mas, ds vezes, radical fa conirarias; essa divergéucia no se limita ao nivel tedrico das generalizagées, o% seja, & prop cientifica, ‘se enraiza nas questdes fundamentais de definicfo do ologia, ¢ na decisiio reiativa ao método de incipio, ndo se pode falar teando essa pluralidede ‘inol6gicas diversas, conflitantes nos seus pres- siados, metodologias, orientacées, propisitos ¢ conteade cientifies, compreendendo uma controvérsia que $2 estende desde os posttivismos bioldgicos e sociclégicos de uma triminologia, que se pode definir como convencional ou con- sensuelista, até as concepgdes radicais do comportamento desviante ¢ dys"grocestos de represso criminal, fundades nas categorias do materialismo histérico, passando pelas +eo- Hes rotuladoras ou interacionistas, os enfoques naturalistas Suarez CiRENO 905 SaxTos fenomenolégicos ¢ as teorias conflituais mais ou menos dizletizadas, que podem ser definidas como eriticas. © simples enunciado da variedade de perspectivas ¢ mul- tiplicidade de explicacdes da teoria criminolégica ¢ suficiente para revelar a extensée (a) da controvérsia existente na chamada ciéncia criminologica e (0) da diversidade da pro- dugdo teérica que sé apresesta sob 0 selo de criminologia Ce um ponto de vista formal, essa situagdo gera um estado de perplexidade em relagéo aos pressupostos episte- molégiees do conceito, do objeto ¢ do método da ciéncia eri- minolégica. Entretanto, essa perplexidade nzo € nada com- parada ao impacto produzido pela. intreducio de critérios politicos na avaliagdo dessa ciéncia criminolégiea, como cién- cia social: critérios de contetido politico ou de signi social da teoria criminolégica capazes de revelar 0 papel desempenhado por essas varias teorias no contexto geral das relagées de interesse e de poder que definem a estrutura social 2. s gerais de seu contetide po! significagao sccial, e, assim, 0 propésito desse estude se para a verificacdo da teorizagao crimb mas hipdteses gerais extraidas dessa © einbarago eriado pela introducio desses exige urn estudo sistematico e geral do que se apresenta ‘ora, eriminolégica, Esse estudo sistemético transcen jimites formais das questées, de conecito, objeto e método, para coloear, Gialetieamente, a teorla criminolégica no con- texto malor da teoria social e, em segusda, procurar deter ar (a) © conteiito ideolégico ou significagdo politica das varias teorlas. criminglogicas © (¥).as questées de interesss materiale de poder politico, subjacentes.a essa teorlzacto, A Cunerocosia 6 Repessie 3 nolégica) segundo as exigéncias dos critérios gerais que In- formam as hipéteses deste trabalho. Essa selecdo e organiza- (So da matéria podem ser simplificadas se, partindo da idsis geral da posic&o ou papel da teoria eriminolégica em face das tes politicas de interesse é de poder institucionalizado, mos um esquema que distribua essa teoria segundo os es eriterios: a) teoria eriminolégica convencional o1 premissa do seu trabalao taérico; b) teoria criminolégica er!- tica, que desenvolve o seu trabalho sobre um questionamento dos ‘valores sociais dominantes em relacéo aos quais © erime # detinido e nido. Esse esquema geral tem a vantagem de estabelpe2r uma congruéncia de critérios gerais entre a teoria criminolégica ea teoria s através do conceita comum de ideologiss dominante ¢ dominada, em cujos contextos s2 colecam, Tes- pectivamente, a teorla convencional e a teoria critica do eiro caso, compreende-se 2 teoria produzida a dora, tenomenologica, eonflitual e r fas nao € 86, Essa. classifieagdo da matéria apresenta, da, a vantagem de permitir desenvolvimentos tedricos re- ‘ente indlependentes dessas duas orientacdes aivergen- ‘es da critninalogia, cada um deles constituindo um conjunto inieg uur de seus pressupostos ¢ conchusdes, mas fe somente em conjunto compdem a unidade geral do pro- elo, Assit, enquanto © prajeto prevé, como uma unidade, a ampla pesquisa te6rica. da chamada ciéneia crimino- ° plan6.d&execueio desse projeto pode compreender rpuicdo da Tuatéria em corpos distintos, segundo os critérios j4 entanciddes, sem prejuizo de sua inteireza. teérica: { : Fuaner Crane 208 Saxzos 9 trabalho reérice proposto, pen ode ser executado separadam sonforme os critérios referidos, compreendendo, de as teorlas convencionais e, de outro, as teorias criticas da chamada ciéncia criminolégica, De acordo com esce plano, o trabalho ore apresentado, apés ume andlise geral dos pres- supestos epistemolégleos do proceso de conhecimento cien- tifieo, constitui a primeira parte do projeto, consistente aa deserig&io e critica da teoria convencional em criminologia; 2 segunda parte do projeto, orientada pela mesma idéla basi serd desenvolvida posteriormente. Enquanto @ natureza, matéria indica a conveniénela dessa forma de esquematiza- odo, a sua extensdo e complexidade a tornem necesséria 1 3. As hipéteses de trabalho [As hipateses gerais que orlentam este trabalho esto liga- dasa algumas questées formuladas de um modo bem simples (a) 0 que & @ teoria eriminologlea? ia? (e) ¢ 0 método? nido como um problema eientffico, ou é, antes. um prol patitieo? ete. des gerais 01 trabaino, e, para 1. no existe ume ciénela criminolégica come conju sistematizado de hipéteses ¢ de teorias sobre um objeto deter minado, estudado conforme um método incontroverso, mas varias teorias criminolégieas distintas com objetos reais diver- sos @ métodos diferentes de esiudo desse objeto; | | i A Ghimisoxoaia DA Hzrarssio 8 a civergénele entre as varias teorias criminoidgicns nao se Hmita as questes académices ou formals dos seus mas, 20 contrario, as vérice teo- ou 3. a enlise da teoria criminolégica segundo o seu con teiido politico ou significagéo social introduz um critério de Classificacdo que permite definir a teorla criminolégica como ciéneia ideologicamente comprometida; 4, a teoria criminolégica faz parte da teoria social geral, 2, portanto, esta relacionada as questdes de valor € aos con: flitos de interesse da sociedade; a ligacdo da teo:ia eriminoldgica com as quesides de valor e conflites de interes: ndo pode ser explicade em um ~ mas, ac contrario, sb pode ser Jo velagdes de classes (e, portanto, igeda As relagées de poder mate- ice, em uma sociedade de classes, pode realizar wm papel (a) repressive ¢ mistificader ow (0) mtizador, ne. medida em que racionaliza, 0s interesses politicos da ideclogia dominante ou logia deminada; te uma cléneia © gica geral, mas uma que compreende u-:2 politica eriminai tagées, propésitas « apelos esta ligade a teoria © pesquisa criminolégica admitida como cléncia (e, portanto, como: parametro legitimador da polities social minal, expressa no sistema punitivo legislado e nos processos de sus eplicaciio) nao 6 Jeager Cram pos Santos 4. A meiodologia A metodologia deste estudo é dada pela definigao de seus propésitos e explicitagSo das hipéteses de trabalho que o ori- entam: consiste no estudo tedrico sistematico das varias teo- Has eriminolégieas, segundo os propésitos gerais © 2s hipi- seses especiticadas. * ‘a execugap do estude é orteritada por critérios de seleti- vidade fundados na. representatividade das produgées teéricas individuais em relagdo-aoy enfoques, perspectivas ou teorias consideradas, Essa seletividade do estudo teérico é necessarie ef Hee dif extenstio da producio tedrica, em qualquer des orientacées consideradas. 4 producdo teérica sera sistematizada segundo os para- digmas gerais adotados, e, dentro de cada paradigma, em perspectives ou enfoques mais ou menos especificados. 5, O interesse cientifico No periodo tecnolégizo das sociedades industriais, as ideo- iogias politicas buscam legitimacdo, entre outras formas, na incorporagio co € de outros signos da ciéncia, nieagdo de massa, produzindo uma conseiéneia social mi: cada ¢ estimulando uma ciéncia social ideotogizada Bssa tendéncia coloca a necessidade de dis 2 fico do que & meramente ideolégiva. no process, absorvido pela Jado, a difusdo de uma certa ideclogia cientifica positivista, sob @ forma de crenga no poder da ciéncis, sobre questées politicas, obscurece o fato de que clénela néo é, somente, 0 conhecimento obtido pete meéiodo positive, ¢ que, as vezes, esse tipo de conhecimento A histéria da ciéncia ¢, sobretudo, a historia da eritiea da A Onmaunouscia px Reoessio : € da ievohugtio dos métados e processos da pensa- mento estabelecidos, ai se compreendendo, especialmente, a demonstragéo de que 0 que se apresenta como ciéncia segundo certos eritérios nZo o € segundo certos outros oritérios mais gerais, € que 0 que aparece como incontroverso ou sagrado & apenas, 0 dogmatismo de um conhecimento petrificado na verso unilateral de determinados fendmenos, A mudanga no modo de pensar nfo é 0 produto nesessario de uma posigdo critica, mas s6 pode ocorrer carno produto de uma posigéo eritica. O interesse clentifico do projeto consiste nesta tentativa: evidenciar o contetdo ideotdgico de uma clén- social apresentada como neutra, sob a conviegtia de que a revelagéio do compromisso ideolégico de qualquer ciéncia so- s a conereta fecundidade tedrica, inexistente nas Hicas que desconhecem esse compromisso. I O PRCCESSO DE CONHECIMENTO CIENTIFICO ‘As produgées teéricas mals gerals: sio erigides, normal- mente, sobre definiges de concaito, delimitagdes de objeto ¢ determinagSes de método de estudo desse objeto. Na base desse procedimento situer-se-iam exigéncias epistemolégicas de stazus cientifico do conhecimento, como um eonjunto sis- ternatizado de teorlas estruturadas sobre um objeto, segundo determinado método: nao seria concebfvel uma ciéncia in- capaz de definir as generalizagées tedtieas que a constituem (o que 6), de delimitar o objeto dessas generalizacdes teéricas (o que estuda), ou de determinar 9 método de conhecimento Go objeto e de produgao de suas generalizagées (como estuda © objeto). Bssas questdes proliminares, demareadas tor com muita énfase, so aspectos Insepardveis de uma veat produzida por uma complexe. relaciio de determinagéo @ dopendéneia reciprocas que repelem tais simpliticagbes formals Ju potiem sec assumidas sem sere explicadas. B admis cue & organizatéo do conheeimento em um sistema coerente rado pressupée a sua aquisicéio segundo um método confidvel (euja uniformidade e constancia possibilitem @ pro- duo dos mesmos resultados nas mesmes condigdes) ¢ vélide uja operacionaligagdo prodtiza ou reproduza a realidade es- tudada): 2 confiabWidade do método dependeria de sua exa- tiddo, consistenta ne precisa especificagao dos procedimentos emptticos de determinagiio do contetido das hipéteses, e de 10 ‘Teanex Comino vos Santos. sua objetividade, inferida da ndo-dependéncia da habilidad: individual ou da interpretacdo pessoal; a validade do métoci dependeria da validade dos indicadores da realidade estudade, condicionando a validade das \eorias produzidas pela sva aplicacio. * ‘Mas a questo o método nao se poe de forma abstrets. nem como deciséo arbitraria: possui uma natureza Instru- mental, na’ medida em que pressupSe um sujeito cognoscente que 0 aplica, e uma génese determinada pelo real, a0 qual de- ‘ye ser apropriado, Assim, 2 questo do método nao pode ser re- solvida independentemente do objeto que o determina e do su- Jeito que o aplica, conforme certos conceites e orientade por certos propésitos, em uma unidade substancial s6.separivel ar- tificialmente. Nessa. relagio unitéria, 0 objeto existe como realidade concreta, cuja naturesa determina o método ade- quado a0 seu conhecimento; o método, como instrumento dependente construfdo pelo sujeite cognoseente pare a apro- priagéio cientifica do objeto; e 0 conhecimento como a resul- tante tebrica da relagio entre sujeito do conhecimento ¢ cbjeto real, condensada nas informagies sistematizadas de objeto. Essa relacdo entre sujeito que conhece € objeto real, mediante um método aproptiado ao dominio desse objeto, nio & natural nern espontanea, mas cbedece a um propésite definido: & esse propésito que demarea a diferenga entre co- nhecimento clentifico e conhecimento vulgar ou comum, que, embora incessantemente acrescido pelo conhecimento cie fico adquirido, nao pressupde o rigor daquela relacéo. mente, 2 distingdo entre validade do conhecimento € con- fiabilidade do método completa-se com a referencia deste a objetividade do real e & exatidao de seus procedimentos ope raclonais, ¢ daquela A adequacdo da teorla ao objeto t 1 Yer Maxerz, R., Hou, 5. € Horswer, P.— Introduction to Empirical Sociology, Penguin Rdueation, Middlesex, England, 1970, BD! 22° A Crnseixonooin ba Reeasssio n e] por um proceso inverso ao de sua equi dade de uma teoria depende de sua capacidade de orien- tar a intervencdo sobre 0 objeto teorizado, ou, em uma. for- mulacio consagrada, a validade de uma teoria 36 pode ser veritieada pelos resultados de sua prétice.* “© problema de se a0 pensamento humans cor- responde uma verdade objetiva nao é um problema de teoria e sim um problema prdtico. & na pratiea que 0 homem tem que demonstrar a yerdade, isto é, a realidade, e a forga, o carater terreno de seu pen- samento. O debate sobre a realidade ou irrealidade de um pensamento isolado da pratica é um problema paramente escoldstico.” 1. © objeto real A realidade do objeto decide questées fundamentais: a jdade do que existe afirma 2 primazia do real, porque dade do ser sobre o pensamento. ? De uma forma geral, todas os objetes sie naturais e gue existem no contexto espacial da naturere. em em uma dimenséo de tempo histér'eo como ito cognoscente. Mas, om um sentido mais restrito, esses objetes podem ser agri- "5 EM dias categories gerais: os objetos naturals das neias naturals (come a fisiea, a biologi, a quimica etc.) © ov adjetos histéricos das ciéneias socials (como a economia, dieito, a politica ete.) 2 Manx, K,—, Teses sobre Feuerbach, Ul, Textos, 1, Wdigdes So~ ie, So Pautd: 19% p. UB ver ALtusten, t, — Reeposte a John Lewis, Posigses — 1, 26I- es Grasl, 1978, p. 31. Svante Cmrio pos Suxros Cs objetos naturais so suscetivels de precisa determ!- naga, que significa que podem ser identificados ¢ deserito: que a questdo dependente do método pode ser resolvida: @ cbservegdo regular desses cbjetos possivilite @ formulagao de hipdteses gerais explicativas das relagées que os constituem, © a reprodugio experimental dos fenémenos observados, se gundo os propésites © conforme téenicas determinadas do Sujeito experimentador, possibilite a verificacko empirica Gessas nipsteses. O método indutivo da generalizacio de ‘hipsteses, a partir de fenémenos particulares observados em objotos naturais, é adequado & natareza desses objetos e pet- mite 2 acumulagdo de conhecimentos positivamente adqui- . cuja organizagao em um sistema coerente define 2 existénela de uma ciéncia natural desses objetos: as varia- ees das técnicas © procedimentos especiticos a cada setor ga ciéncia natural no afetam a unidade do método gers. Os objetos histdricos constituem uma categoria comple- tamente distinta de fenémenos: primeiro, no possuem a corporifieagéio conereta dos objetas naturals, que permite a sua manipulacéo conforme hipdteses exiraidas de sus obser- vacao; segundo, a sna existéncia néo é naturalmente dade, mas socialmente construfda, porque existem e se desenvolvert come produtos da atividade social do homem. Mas esses objetos soclais ndo so menos reais: a atividade hurmena néo constiful uma categoria abstrata, mes a agHo real de indi- viduos coneretos no curso da histérla, Fase acdo real de duos concretos nao é isolada, mas s6 existe como relagda social historica entre os individuos; a natureza dessas rela- sas socials, como forma de existéncia da atividade do nomem, cata ligeda @ cortos modes histérieos de produgao social da a humana e, como tais, elas no séo recriadas @ pariir de ia individus, mas, a0 contrério, cada individuo produz a sua existéncia no contexto dessas relagées, que, 20 mesmo tempo que 0 modificam ou influenciem, so, tarnbém, modi- |A CmiMtNoLogIA DA Reekessio 13 ficadas ou intiuenciadas por ele, o que significa que 0 horrem 6, a um 36 tempo, sujelto © objeto das relagdes sociais: “Os homens fasem sua propria historia, mes née @ fazem como querem; ndo 2 iazem sob citcuus:an- clas de sua eseolha © sim sob aquolas com que se defrontam diretamente, ligadas © transmitidas pelo pasado. A tradiggo de todas as geragées mortas ‘oprime, como um pesadelo, o eézebro dos vivos.” De um modo geral, a origem, desenvolvimento e trans- formacéo das velagées sociais em que se desdobra a existéncia humana so 0 objeto das ciéncias sociais, um objeto que se confunde com o proprio sujeito que o conhece: ndo poderia ser maior a diferenga entre as ciéncias da natureza ¢ as ciéneias da sociedade: * “Q que ¢ significativamente diferente nestes dois campos é a situagéo dos investigadores, e, como parte dela, suas atitudes com reélegfo aos seus “obletos”; para dizer em poucas palavras, a relegdo entre zjeitos” e “objetos”... Mas as ciéneias socials, de uma forma diferente das clénclas naturals, estée preocupadas com conjungées de pessoas, Aqui, de um modo ou de outro, os homens enfrentam-se @ si mesmos; 08 “objetos” so também “sujeitos”. erlacio da: vida humane, configuradas em modos e formas hist K, 0 18 de Brumério de Luis Bonaparte, Textos, 3 ‘Sao Rauto, 107%, 9. 203. eran —- Problems oj involvement ané Detac B Juanes sformagao da natureza para ajusté-la & satis- fagiio de neceasidades ¢ interesses humanos. Os modos con- cretos de estruturagSo dessas relagées (entre os homens ¢ cor @ natureza) dependem do poder de intervencao ¢ transfor- macio da natureza, definido pelo nivel de desenvolvimento as forcas produtivas. A atividade humana, no ccnjunto dessas relagées, nfo produz somente as condicées materiais da existéncia, mas também as idéias que desenvolvem, aper- felgoam ou transformam o modo de produgéo social: 2 natu- reza ¢ conteiido dessas idéias aparecem nas formas juridicas e politicas constitutivas do-Estado (e outras formas ideols- gleas) € correspondem & dialética conereta da unidade de relagées de produc&o ¢ forgas produtivas: © “Na producio social da sua existéncia os homens estabelecem relagées deserminadas, necessérias e in- dependentes da sua vontade, relacées de procucdo que correspondem a urt determinado greu de desenvol- vimento das forcas produtivas. O conjunto dessas relacbes de producdo constitui a estrutura econérnica da sociedade, a base conereta, sobre a qual se eleva uma superestruture juridica e politica, e A qual cor: responder determinadas formas de con: ia $0 cial. © modo de producéo da vida material condi- ciona o desenvolvimento da vida social, pol © Marx, K.— Prefacio A Contrituisdo para a nomia Politica, Eaitoriai Estampa. Lisbos, 1973, D. 23. A Crenien Loam pa Reeeessto. 5 eduzido eo seu aspecto de diversidad> formalizada naqueias ciplinas. Deseartando, por enquanto, a adequacio desse mAtodo, nota-se que uma particularidade desse objeto social mtegrado por sujeitos é que as relagdes que o constituer tem: 2 existincia e significagéo objetiva independentes da von- : enquanto s atividade humana existe e 6 ex- zagio do propésito do sujelto, éeterminade por suas representagées © Hmitado por sua subjetividade, as relacées socials tem uma existéncia histérica anterior ¢ inde pendente dos propositos individuais, condicionando sua ort gem, desenvolvimento e possibilidades de realizagio, e, portan- to, devem ser explicadas pelo que signifieam para os indivicuos reais, isto é, pelas stias conseqiléncias histéricas concretas, ssim, um estudo clentifieo do comportamento social do nao pode comecar. pela multiforme subjetividade dos ito individuals, mas, ao contrério, deve partir da de- aco de significado conereto das relagées socials histé- a3 pare a conduta do individuo particular. Esse estudo. 2 $5 pode ser estudo do real concreto, principla pelo exams .junte das idéies que disciplinem « organizagao social cuja explicagéo odjetive esta radicada ne modo de of, e que aparecem, fundamentalmente, na forma de histéricas, constifutivas da ordem sos: nelas sociais. do método | Juanes Crawwo os Santos covidida é a do método apropriads para 0 conhecimento desse 2 solucéo cémoda foi a transposigaéo do métode das ciéncias naturais para o estuudo de objetos socials, sob 0 argumento da comprovada eficcle do métode positive na estruturacdo das ciéncias naturals, com a implicagdo de que 2 aquisiggo do status de ciéncia enigizia 0 estudo de objetos histérieos come objetos naturals. Essa tentativa de fisiea social, ou cléncia social natural, encontra um obstaculo imediato: os fenémenos sociais, obser vaveis de forma, assemelhiada aos objetos neturals, néo se submetem & menipulagio experimental; possuem historici- dade Unica, que exclui 2 reproducdo experimental, essenciat ao método positive. Essa propriedade promove uma alteragio no método, para ajusté-lo ao que se supée constituir a espe- cificidade dos odjetos nistérieos: a sua observacio possibl- iitaria a sua comparacio analitica. A questdio do método parecia resolvide: sua. natureza positiva subsistirie nz obser vagao e na comparagdo dos fendmenos sociais, preservando-se a natureze indutiva das generalizacdes cientificas produzides a partir de fatos particulares (exetamente como nas cléncias naturais) :* “A assungéo é de que, nesta forma generalizada, “9 método cientifieo” pode ser transferido do corpo das cignelas fisicas, onde ele se originou, para todos ‘03 outros compos, para a biologia, assim como para a3 cidncias socials, independente ca diferente nata- de seus problemas; € que, onde quer que seja do, operara sua magica. Entre em particular, ado € in © inadequacdes de seit trabalho ao fato de Zo vio suficientemente longe na cépia das + Buuas, Noasmer, ob. eit, p. 33 [A Cruwasovocts Dt REPRISSEC ese, veansposigdio se dilut em frustrago: a compar: 50 capi 2 eperénela dos fenémenos socials, possiblt eventualmente, categorias de classificagdo; é incapas de Guair um conhecimento das leis gerais intrinsecas que deter minam 2 existéncla 0 o desenvolvimento dos fenémenos ‘is- toricos. Por outro lado, 2. questo da historieidade tinica desses fenOmenos sb pode ser admitida como sua especificidade se considerados como cbjetos naturals isolados, uma deforma- co pressuposia no método. Mas a bistoricldade dos objetos socials s6 existe como proceso histérico em que a es; cidade do fato isclado superada pela sua reproducdo ou relterabllidade independente da vontade individual, indicado- 1a da existncia de leis internas que determinam, precisamen- fe, a sua ropeticio; @, diferindo dos objetos naturals, regides por leis imutaveis, a eficdcia des leis internas que determinam ‘os processes soviais é limitada aos periodos histéricos de certos ‘modes ou formas de produgio da formaco social. Além disso, @ comparagio é 0 método primltivo das ciéncies naturals, empregado para 2 classificegéo de objetos naturais até que 2 acumulacao de informagies sobre esses objetos permitisse a ceproducao experimental ¢ a verificagio empirica dus indu- zides relagoas causais que os produziam. O que se apresenta ‘omo conquista. 6, de iato, involugdo metodoldgica, que, sob a pretexto da imaturidade das ciéneias sociis, apreende os objetos histéricos corno objetos naturals. ‘A nocessidade de contcrnar as limitagées de método, er objet: is de reproducio experimental, ditigin @ pesquisa metgdologiea para a consirugSo de instru jogicos capazes de auxiliar na determinagio das relay ais de objets histéricos. snval logico, como construiéo em ciéncias io por coneeites (reconhecidos incompletos © seletives) que, pré-estruturam a relegio entre sujeltos do co ento ¢ obtetas socials, com (c) referéncie 2 algo ‘experimental ou observavel, (6) precise determinacée da ares 8 Svazee CIMINO 908 Santos do set: significado, ¢ (¢) definigces em paiavras de meontroverso; esses conceitos exerceriam fungées c (relativa-A organizacdo da observagio), avaltativa (referente & avallagéio da percepeGo}, pragmética (ligada & orientasdo da conduta) e comunicativa (eapacidade de serem comuni- cados). Seriam suscetiveis de definigdes real (descri¢éo da natureza real-ou-de caracteres importantes do fendmeno em- pirico a que se referem) e nominal (fixacdo formal da signi- ficagéio precisa fundada na definigdo real do fenémeno em- pico), ¢, finalmente, de operactonalizagdio (reproducdo em- piriea da realidade correspondente ao seu contetido, mediante hip6teses precisamente definidas-e’téstavels).° ‘Uma hipétese 6 uma explicagfio geral induzida da ligaséo entre fenémenos distintes, definides como variaveis, e, assire toda hipétese ¢ uma reélacdo entre varidveis. As supdem relagées causais de (a) determinagao ou de (b) pro- babilidade, em que a varldvel causaimente antecedente é de- finida como independente, e a causalmente conseqitente é defin'da como dependente: ° a vatidvel dependente refere-se 20 problema social conereto que a hipétese pretende explicar pela varlivel independente, cuja existéncia pode ser verificeda diretamente (se 0 fendmeno pode ser observado diretamente, como pessoa, familias, acidentes etc.) ow indiretament o fendmeno nao pode ser observado iretamente, como classes is, interesses, valores, normas, ideologia ete.) ex! ‘te caso, a selecdo de indicadores, isto 6, de fendmenos cbservaveis que indiquem a existéncia e a natureza des -observavels, Fsses indicadores (ou o dado da pesq) 5 @ cuidadosamente pesquisados em. 15 0 modelos, em que o problema social pesquisedo (oa variével dependente) comprovadamente ocorre, ou é pre- 8 Mavnrg, R, et ai, ob. cit, pp. $2. > Ver Tusum, J. H.— The Structure aj Sociologies! Theory, The Dousey Press, Minois, 1976, p. 6. A CuINOLoGIA Da ReeaRssio a 92 interferéncia de fatores fio consicterados a hipétese (varidveis intermediaries ou causalmente cor- cionadas) afetando a determinagéo da relacio suposts, ou originando relugdes catisals esplirias, seria evitével pelo con- trole do maior nimero possivel de variéveis conhecidas rela- cionadas ao fenémeno, e distribuigio casual das informagées yestantes para eliminar ou reduzir os efeitos de varléveis nao controladas. & teorizagéo do método de pesquisa compreende desde recomendagées sobre a agdo do pesquisador na mani- pulacdo experimental das hipdteses, escalas de mensuracéo utilizéveis, tipos de estudos exploratérios ete., até sofistieadas técnicas de organizagéo e andlise dos dados pesquisados Ciencia social se reduz a pesquisa social, fundindo pes- quisador e cientista, e 0 método positive das eié sais ce transforma no pasitivisino I6gico das eiéncias social: a verificagdo empirica des hipéteses induzidas pelas canones metodctégicos fundamentaria o desenvolvimento de teori gue (a) classificam e organizam os fenémenos, ag eausas de sua producio e possibilitam a previstio de sua ccorréncia futura, oferecendo (c) uma compreensio de como © por que tais fenémenas ccorrem, ¢ cuja sistematizacio pro- cuz 0 combecimento definida como ciéneis. A posse desse instrumental légico asseguraria a vatidade do conheaimento cientifico adquirido, desde que a operacionalizagéo dos con- ceitos produze ou reproduza empiricamente o sen signifi- endo, € os indteadores utilizados indiquem, realmente, os fatos Q oS: 2 confiabilidade do instrumento garantiria @ abjetividade do “eonhecimento. Dessa forma, o problema da produgéo cientifica seria uma questao de dominio do método de produzir eténcia. 0 ‘ador pode permanecer cego diante do seu objeto in- co Ver Mawel Yet ot, ob. sit, p. 131; também, Biatoat, Jn. HW. M, — introdupdo @ Pesquise Social, Zahar Baitores, Rio de Taneiro, 1973, v.21 ¢ segs. ee Fuanez Giana vos Suxros suseztivel de experimentecio direta, pois, desde que domine o instrumental logico de experimentagao Indireta desse objeto, pode construir uma ciéncia social tio valida, exata ¢ objetiva, quanto a ciéncia natural adquirida pele método da experi- mentagio direta de objetos naturals. A éafase na sua obj videde explica 2 definiga&o de método positivista 1égico como 0 método cientijico das ciéncies socials, ¢ wconseqitente super valorizagéo do método na produgio desse tipo de conheci- mento." ‘A delesa da cientiticidade do método se apdia em dots argumentos principais: 2) @ objetividade do conhecimento adquirido pela sua aplicagdo; 8) a adequagéo da légica posi- tivista A natureza real de seu objeto. Conseqtientemente, ma deciso sobre o método pressupde um exeme Gesses argu- mentos, sob 0 ponte de vista dos elementos que implicam: a neutralidade do conhecimento cientifico em face do sujeito que o produz, e @ correspondéncla da légica positivista as relagies reais que caracterizam os objetos histéricos. i Gade do conhecimento & extraida da natureze mens légico que o produz: esse instrumento ‘0 operacionaliza conceitos através da sistemética colete e de dados que informam as varidvels das hipoteses ea objetividace dos dacos determinarla a objet hipéteses pesquisadas. Mas existe, aqui, um equiveco: pro- ducéa cientifica néo é 0 mesmo que quantifieagao de dados 2, assim, 2 objetividade destes ndo se transmite, a mente, Aquela. O contetido do conhecimento adquirido depen- ge da teoria posta em hipdteses, e se identifiearia com o con- teddo destas, mas 0 conterido das hipdteses (e, por inclusio, ca teoria) ndo é determinavel pela natureza dos procedimen- tos téonieos que o verificam, ou dos dados que o informam 1 Ver Canposo, Mirna, L. — 0 Mito do ifétodo, Criernos de PUC, Rio de Tanzizo, 1971, pp. 18, 23 e 33. A CarmiyOLOELA Da ReesssKo 2 por mais neutros que sejam as instrumentos, 0 cbjstivos que sejam os dados, essas propriedades no se ferem, mecanicamente, a0 conhecimento adquirido. Esse possibilidade resulta de que @ decisdo sobre a hipotese e. tanto, a definigdo do seu contetido) é uma decisdo su! 0 sujeito do conhecimento que formula a hipotese sobre o objeto investigado. Assim, a objetividade de ‘conhecimento ‘precedentemente, da imparcialidade do sujeito cognoscente: “4 experiéneia se formula como hipdtese através do conbeckmento jé, constitufdo sobre a realidade. 6 ‘em seguida é que inclui 2 observagio, sob miiltiples formas. Nao caminhe, pois, para uma objetividade dada, mas 2 formula num método de objetivacio.” A questo, agora, é esta: como 6 possivel a imparciali- dade do sujeito, se este, como sujeito, é, também, parte do bbjeto investigado? A relevincia da questo esté em que 0 conhecimento cientifico nfo é produzido pelo método inde- pendentemente do sujelto, mas, precisamente, pelo sujeito que decide sobre o contetide das hipéteses ¢ aplica a técnica lk axa substé 0.20 objeto, A neutr do dado nao se transmitem, diretamente, ao conhecimento, sem passar, previamente, pelo sujeito desse conkeclmenio, fe agsim, se colocs. no principio e no desfecho do proceso: decide sobre 0 contetido das hipéteses ¢ interpreta os resttl- 1ados da sua operacionalizacéo. A questdo da neutralidade do conhecimento cientifico (produto de um instrumental téenico neutro) ou dassua objetividade (relativa a dados objetiva- mente verificados) sgepende, portanto, da imparcialidade de um sajeito que existjeomo parte de seu prépric objeto. 1 Casposo, Mamta, L., ob. eff, p. BL 2 Seanez Cinmo Dos Saxres A questdo da imparcialidade do sujeito ago a atitude arbitraria, mas deve ser resolvida pelo estuc to como 0 sujetto compe seu proprio objeto, ¢, ai, minagfic de sua Independéncia ou isengio em relacdo ac mesmo. Uma afirmagae de imparciajidade como decisto pes: soal situa-se em um plano de-arbitrio néo cientifico, e supse uma liberdade-ern face-do. objeto, que, antes de ser assumida, deve ser estabelecida ao nivel do prdprio objeto real, pela verificagio do modo como o sujeito integra esse objeto. Se a neutralidade ou a objetividade da ciéncia dependem da imparcialidade do sujeite que a produz, ¢ se ease sujelto também, e ao mesmo tempo, o objeto dessa ciéncia, tem-se que a liberdade de imparcialidade do sujeito s5 pode ser deter- minada pelo estudo de seu modo de existéncia como parte desse objeto, ¢ nao como o seu olimpico’e descomprometide sujeite. Assim, para decidir sobre uma propriedade do sujeito produtor de conhecimento, defrontamo-nos, novamente, com © objeto histérieo (2 sociedade) ¢ com a natureza unitaria cesses questées gerais, Mas, antes desse encaminhamento, deve set colocada a questo do segundo argumento indicador da cientificidade do método, o da adequacdo da logica positivista aos objetos histérleos. A l6gica dese método supée a existéncia de uma causalidade geral nos fendmenos sociais, semelnante & causa- lidade dos objetos naturais: as hipéteses exprimem relagdes ol correiacées causais, deterministicas ou probabilisticas, entre varidveis dependentes e independentes. A adequacdo desce método togico’ 56 pode ser verificada pela comprovacdo de sua correspondéncia as relagées reais internas dos objetos histéricas, e, portanto, é, também, decidida ac nivel desse objeto real Antes de ser o sujeito do conhecimento, ou o cientista produtor de eiéneiz, o homem existe como individue do corpo social, dotado de uma organizacio corpérea e com determi- fA Carmmnowocis ta Reexessio 28 nadas necessidades materiais: a existéncia do homem, como um ser vivo, é a primeira premissa, da historia humana. B, para que cs homens st achem em condigdes de viver, é cessario comer, beber, alojat-se sob um teto, vestir-se, enfim, produzir os meios necessaries para a satisfagio de suas ne- cessidadies materiais.** A satisfagéo dossas necessidades ma- teriais é obtida pela Gnica forma em que se realiza e desen- volve a aco do homem em sociedade: as relagies sociais que produzem e reproduzem a sua propria existéncia, Esse homem concreto, deierminado por necessidades, é dotado de cons- ciéncia capaz de refletir as suas cizcunstancias de vida, de compreender e de eriar as condigdes mais adequadas & satis- fagdo de suas necessidades: a acdo humana, no contexto das relagGes soviais, 6 ditigida pelo propésito do sujeito. Esse pro- pésito no se estrutara como o produto do arbitrio livre do suieito, mes, ao contrario, é determinado, primariamente, por stias necessidades materials, e limitado pelos melos concretos de que pode dispor para a sua realizaco: em uma pelavra, © contetide desse propésito 6 condicionado pelos medos ou formas historicas em que se articalam as relagSes sociais entre og sujeitos, e, portanto, pelo modo de produgfo da for- magio social histories em que existem e atuam. Assim, as idéias produzidas pelos sujeitos, e os sujeitos mesmos en- quanto individuos coneretos, so, ao mesmo tempo, os pro- datos ¢ os produtotes de seu modo de existéncia, configurado na estrutura de sua organizacdo sovial: a humana, i pelo eonjunto das relagdes socials histérieas con- Alemand, Bdiciones © Ver Mans, Ke Exons, F. — La tdeoloy P Iho, 8. A, Barcelona, evidzo — Ediciones Gi u Jusass Crane pos SANTOS indepen: natuceza da formacdo social histérica, a5 agées humanas so orientadas pelo propésito, quer sob a forma geral ¢ abstrata da | quer sob 2 forma, perticular ¢ con- sreta do interesse; esses propésitos, ou interesses so deter- minados, basicamente, por necessidades, ¢ limitados peiss rdfeSes materials de vide dos respectives sujeitos, ou seja, pelo modo de existéncla concreta dos sujeites no conjunto das relagées socials histérices. E, independente do estagic ce desenvolvimento das formaxSes soclais histéricas conhev.: .-, (a) as condigées materiais de vida dos sujeltos dessas rela- g6es no sio idénticas, mas, ao contrario, se diferenciars: y~ extensio do peder pessoal sobre os meios materiais de produ- co da existincia, e, portato, (b) os propésitos desses sujei- tos no se caracterizam pela coincidéncia, mas, na medida em forma eoncreta de produgdo social, se situa na estrut cdo sovial e esta na origem da divisdo da sociedede em classes econdmice e ideologicampnte opostes, cujas relagdes de poder na concreta, articulane no bloco h storico particular, exerce: hegemonia po % A teorizagiio social ndo pode ignorar 2 exlsténcia ¢ 03 efeitos dessas formas histéricas de relaghes de classe da formagao social, ou exeluir 2 agio hegeménica da direcéo e dominacéo ideclégica conseqiiente. 19 estudo de objetes so ninecimento (produtor de ciéncia) sio separ: digées concretas de existéncia do sujeito p leo (produtor 1 Yer Cauver, Luctano — 0 Coneetto de Hegemonie em Gramsct EdigGes Graal, 1978, pp. 71-80. A Casmnorceia pa Revasssio oa B cia pertencente a uma classe social), no processe ‘érico de produgéo da teoria de objetos histéricos, em gue, pode-ce dizer, 0 sujeito estuda a si proprio, ¢ 0 objeto se reflete a si mesmo. A neutralidade da ciéncia, ou a odjetividade do conhecimento de objetos soviais, nas sociedades dividudas, € uma expresséo mitolégica articulads por ume perspective ce classe, integrada @ subjetividade do clentisia pele agdo real da ideotogia dominanie, e sé revelada pela andlise critica das relacdes necessérias do s do conhecimento, como parte insepardvet do objeto histérico que pretende explicar: * “Na concepgio materiatista, ao contrario, a ativi- dade basica envolvida 6 trabalho em sociedade, € & forma #¢ relagdo de classe deste trabalho pée sua todos os pacrées de reacéio humana, in- orla, A intervengdo da razéo nos provessos © comhecimento ¢ seu objeto sin consti- consciente, ndo tem Luger, portanto, em um mundo puramente intelectual, mas coincide com a luta por certos modos reais de vide." Quanto 20 segando argumento, & certo que os objetos sricos, eomo os naturais, estéo submetides a leis de cau- salidade, e, assim, um método capaz de determinar as rela gées internes do desenvolvimento histérico ¢ adequedo ao seu fas as leis histéricas n&o sGo idénticas as Tels da natures: enquanto os objetos naturals sfo determinades por leis Imutavels, os objelos histérices sfo regides por leis especificas ao modo de producéo cominante na formagao social; @ se 0. processo de desenvolvimento de objetos nati rais inadg por causas materiais anteriores, o proceso a To Honaeres, Max: — Traditional and Critical Theory, 4 tical Sociology, Penguin Books, 197, p. 228. cr eo Juaaez OrRENO BOS SuNTOS de desenvolvimento de objetos histéricos ¢ determinado, em filtima inst&ncia, pelo econ6mico, ¢ daminado pela ideotogia correspondente ao modo de produgiio da formacéo social, um ciemento de direeZio e dominacéio politica capaz de prever 0 ‘curso Gos acontecimentos e de atuar sobre esse curso, modi- ficando-o. Um método que se baseia na determinagao ce uma causalidade antécedente, detetministion ou probabilistica, ndo & apropriado a um objeto caracterizado pela posposigdo de suas causas, através da previsdo. As leis da causalidade meca- ‘nica n&é so as Thesmas, nem atuam da mesma forma que as leis da causalidade histérica, e coisas distintas ndo podem set equiparadas sem destruico de sua especificidade 3. A teoria cientifice Chega-se, finalmente, a esta questdo crucial: em que medida, e sob que condigées, uma ciénela social é objetive? Esse problema se coloce na questo mais gerat das telacbes entre cléncia social e poder politico: a ciéncia é produzida pela atividade do cientista, e este, antes de cientista, ¢ um animal politico. "* “O nomem 6, no sentido mais literal da. avra, ‘um zoon politiken, néo somente um animal social, mas ttm animal que somente pode se desenvolver em um individue, em seciedade.” © sujeito do conhecimente aprende a pensar em socie- dade, adquirindo nogdes pela linguagem, que estrutun pensamento e incorpora as explicagdes existentes. A reali: dade objetiva & apreendida pela percepcio sensorial, cuja seletividade aparece como efeito (a) da fisiologia do aparelho WT Makx, K. — Grundrisse, p. 6, epud Davin MeLeitan, Marr's Grundrisse, Paladin, 1973, p. 21. A Carmmxorocia mt RePnESSTO 2 serveptor € (b) do conteddo eutturai contido nas pré-nogdes jie orientam a atuagao desse aparelno. ‘A observacdo desinteressada. supGe um deseonhecimento ehsoluto, e, portanto, auséncia de historia e de cléncia: > processo de produgio clentifies, como processo histérice, parte ida teoria aceita como dando conta do real, e nao da Ignoran- fia absolata. Por outro lado, 0 pensamento que conhece supe tum sujeito que pensa, € si existe como coisa pensada: esse relagao entre teorla explicadora e realidade expliceda cons- ital © objeto cientifico. Esse objeto cientitico, ou teoria, & constraido pelo sujeito cognoscente, ¢ o combromisso dessa teoria é com o real conereto, come totalidade de multiples Aeterminagdes; portante, o objeto ciensifico distingue-se do objeto real ov Tealidade objetiva, que existe independents. mente e se desenvolve conforme uma organizagéo propria. esto fundamental de adequaczo pheada (objeto real): & hist irheeimento de objetos historicos concretos) determina & tran sroriedade da sua adequacao, ¢, dessa. forma, « validade das ‘entificas depends da renovagdo permanente do r0- nto de aproximacae do real histérico em desenvolviinento, fe sompre pressupée, eventualmente amplla, s condicées, juciona a teoria anterior. Assi lea é um. processo dindmico, cujo ponto de parti: istente (0 conheelmento adquirido) sobre obje- a ento vai do abstrato para o concrete, jiu de objetivagao através de hipoteses erigidas sobre cimento adquitide. Mes, nessa retagdo, 0 dado pri- inavio € sempre o real concreto, existente independentemente do sujeito cue conhece e da tearia cientifiea construida sobre © em diregdo a esse real. A necessidade de edequacéo do co- mhecimento eiefitffico ao desenrolvimento iniependente do [S Ver Caxposo, MIRIAM Le, 0p. cit., pp. 3 € 28. 22 CIRINO O0s Santos oxplica 2 necessidade de revolugoes ou finuidedes (rupturas, ou cortes, em sentido epistemoligico) nes teorias e métodes de pensamento, em que a superagdo ca teoria anterior tem como ponto de partida a sua pres- suposicao. ‘este trabalho, a questdo da teorizacao clentifica se con contraré na descrigdo e eriticea de um conjunto de nosdes, mais ov menos sistematizadas, sobre o comportamente socia! do homem: 2 teoria criminolégica. ‘A escolna nfo ¢ arbitréria: a natureza de seu objeto (real e clentifico) faz da teoria crimimoldgica ura centro de convergéneia de todos os paradigmas de pensamento social em que 2 unidade da relagio entre sujeito do conhecimento, cbjeto real e método clentifico pode ser estudeda em uma perspestiva adequada: a perspectiva da significacio politica ‘ou contetido ideok da produgio teérica reallzaca. ‘Assim, esses definigies preliminares, que, normaimente, aparecam, comio pacifico ponto de partida do trabalho de teorizacd, serio, aqui, eriticamente construfdas ¢ constitul- 740, inversamente, 0 ponto de chegada. 1 Ver Cxsposo, Miatant T., 0b. cit. pp. 4, 14, 27 @ 28 iL A TEORIA CRIMINOLOGICA ‘A teoria criminolégica, como outras teorias sociais, s6 pode existir sob a forma de generalizagées sistematizacas de seu objeto ico, e, assim, 0 estudo dessa teoria é 0 estudo dessas generalizages. Contudo, uma compreensio critica des: sa teoria nao pode manter-se 20 nivel abstrato de sus genera- dizacées, limltada & veriticacdo de sua coeréneia interna, mes, ‘ao contrasio, deve comecer pela base concrete de seu objet fe, a partir dessa base, atingir as abstracées da teoria, ou. omando como base.o objeto reel, reconstrutr, criticamente, objeto cientifico. Assim, alguma delimitacdo desse objeto tea! € necessétia. ‘© objeto histérico de teoria eriminologica é 0 comporta- mento criminoso, mas o acesso ao problema real do compo: mento criminoso pressupée, necessariamente, algumas abstrs- e5es do pensamento, pelas quais a representagio desse objete real 6 reduzida a algumas determinagdes abstratas, que, in- reamente, posstbilitam a reprodugao do conereto pela pensainento: esse € 0 modo pelo qual 0 pensamento pi ropriar do eonereto e o reproduzir como conereto pen- © conceito de comportamento eriminoso produzide por essas abstragdes, pode ser definido de mais de uma maneire, Be Ver Ming, BS. Grundrisse (The Method of Political Feo- nomy!, ob. cit, p. #4 segs; tamaém, Introdugdo para 2 Critica da nie Politica, op. cit, p. 228 = segs. 20 Juanez Cuno nes Sisv70s © 0 modo diferente como esse objeto histérico 8 determinado por essas definigdes estA na base da divergéncia das teorlas criminolégicas. ‘© comportemento criminoso pode ser definide sob o pon! de vista: a) das causas eficientes que o determinam, bi gicas ou pslcolégicas (préprias do positivismo biolégico), au sociolégicas ou amblentais (préprias do positivisme soci gico); 8) das causas formais caraeterizadas pelas def legais de crime (otigindrlas das teorias cldssicas ¢ radical zadas pelo positivismo juridico); c) das representaches sujeito desse cotiportamento, ao nivel da experiencia si tiva como definida pelo proprio sujeito (desenvolvida teorias fenomenolégicas € naturalistas); d) de reacdo social dos aperelhos de controle social e dos processes de rotulacao @ estigmatizagao, e sua influéncia no comportamento futuro do sujeite (elaborade pelas teorias rotuladoras ou interacio- nistas); e) da natureza de classe da definicio ¢ repress seletivas do comportamento criminoso, reveladas pela Keagio politica oa contetido ideolégico do controle soc: formacées soclais divididas em classes (tearias radicals dadias nas categorias do materialismo histérico). igdo do objeto real que a teoria eri igica pretende explicar, com as conseqiientes variacdts de rétodo e de objeto cientifico, exige que a critica de seus postulados @ proposiedes teéricas seja precedida de sua des- crigéo. For outro lado, ¢ conforme o esquema de trabalho 4io, a primeira parte deste estudo com preenderé apenas algumas daquelas orientagdes tedricas, © as vestantes comporio, posteriormente, uma parte comple- mentar, dentro de um projeto geral concebido unitariamente mas execuitado separadamente. Por razies cientificas € histéricas, 0 ponto de partida deste trabalho 6 a definicéo legal de comportamento noso, porque (a) de um modo geral, essa € a matriz juridica ¢ politica em cujos limites se inserem os enioques diferen- FRESE A CammexoLosts m Bernessio 3 do objeto real; © (b) essa € 2 forma em que aparece eceupacdo criminolgica nas formacées sociais eontemro: raneas, Como a cefinigio legal de crime no existe de modo ssoiado, mas como parte de um sistema geral de normas que cisciplinam organizaggo social, essa estrutura normasiva eesupée 2 ao mesmo tempo implica uma formagéo social rica conereta que a produz e é conformada por ele. Assia, partindo da definigao legal de crime, compreendida no conjunto do sistema normativo da formacdo social, o con- ceito de erime deve encontrar 2 base de sua explicaco no modo concreto de articulacgdo das relagdes sociais dessa for- macio social histériea: isso significa que a determinagio do objeto real da teoria criminolegica s6 pode eoimecar pela deterninagao das condigiies historieas da formacéio social que prods esse objeto. Finalmente, como as sociedades humanas nao existem em geral, mas como formagées concretas, particulares e dife- vonciadas, determinadas pelo modo de producdo historica~ mente dominante, o estudo cientitico da teoria criminolégica detim‘tado, necessariamente, pelo periodo de existéncia de 1m tipo particular de sociedade: 2 formacao social dominaca pelo modo de produgdo capitalist A forma particular de sociedade resultante da desinte Jo da ordem social feudal ¢ 2 ideologia que orienta, consolida e domina essa transformagés séo, portanto, o ponte tida deste trabalho. 1. A Jormagéo social capitatista e as teorias wt criminologtt cldssiea |A decadéncia.da estrutura econémica feudal, fundada na propriedade feudal da terra © na servidio do camponés ¢ na Rierarquia corporativista da inddstria manufatureira, que determinava ag relagdes, de um lado, entre senhores, vas-

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