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• Diagnóstico e tratamento do
hiperaldosteronismo primário
• Caso clínico –
Discussão de caso:
hiperaldosteronismo primário
■ VOLUME 6 REVISTA DA
o
■ N 2 ■ 2003 SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO
http://www.sbh.org.br
EDITORIAL
EDITORIAL
Antigas novidades (cada vez mais modernas):
aldosterona e controle da pressão arterial
ÍNDICE
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ÍNDICE
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Diagnóstico e tratamento do
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EDITORA
Análise crítica do estudo ALLHAT: DRA. MARIA HELENA C. DE CARVALHO
MÓDULOS TEMÁTICOS
Genética molecular e hipertensão arterial DR. EDUARDO MOACYR KRIEGER
DR. ARTUR BELTRAME RIBEIRO
Novos paradigmas, antigos problemas ....................................................... 72
CASO CLÍNICO
DR. DANTE MARCELO A. GIORGI
Referência em resumo ............................................................................... 78
EPIDEMIOLOGIA/PESQUISA CLÍNICA
DR. FLÁVIO D. FUCHS
DR. PAULO CÉSAR B. VEIGA JARDIM
Agenda 2003/2004 .................................................................................... 82
FATORES DE RISCO
DR. ARMÊNIO C. GUIMARÃES
44 HIPERTENSÃO
SBH
Sociedade
Brasileira de
Hipertensão
DIRETORIA
Presidente
Dr. Ayrton Pires Brandão
Vice-Presidente
Dr. Robson A. Souza dos Santos
Sociedade Brasileira de Hipertensão
Tel.: (11) 3284-0215
Tesoureiro
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Home Page: http://www.sbh.org.br
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Dra. Maria Claudia Irigoyen
Dra. Maria Helena C. Carvalho
Dr. Osvaldo Kohlmann Jr.
Dr. Robson A. S. Santos
Dr. Wille Oigman
MÓDULO TEMÁTICO
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Ações fisiológicas
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da aldosterona
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Resumo
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Autor:
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46 HIPERTENSÃO
Produção extra-adrenal de uma ligação preferencial de mineralocorticóides com os MRs:
hipotálamo anterior, hipocampo, pituitária anterior e alguns
mineralocorticóides núcleos mesencefálicos12.
Os dados atualmente disponíveis indicam que os MRs
A existência de sistemas locais para a produção de aldos- participam da mediação da ação tônica dos glicocorticóides
terona e de corticosterona já foi demonstrada no coração, onde para a manutenção da homeostasia, enquanto os GRs são res-
as principais enzimas envolvidas estão presentes, tais como a ponsáveis pela resposta hemodinâmica para restauração da
aldo-sintase (CYP 11B2) e a 11β-hidroxilase (CYP 11B1), homeostasia.
evidenciadas por RT-PCR nos átrios e ventrículos de ratos
normais4.
No cérebro também parece existir um sistema gerador de
Ação não-genômica
aldosterona fisiologicamente relevante. Por RT-PCR, foi de- da aldosterona
monstrada a presença da enzima aldosterona-sintase no hipo-
tálamo, no hipocampo, nas amígdalas e no cerebelo de ratos5. Está se tornando claro que o modelo genômico clássico
não cobre adequadamente todos os aspectos da ação esterói-
de. Já foi demonstrada no passado a ativação da bomba de
Os receptores dos troca sódio-próton em eritrócitos de cachorro, evidenciando
mineralocorticóides uma ação não-genômica da aldosterona13. Tais ações foram
reproduzidas posteriormente em leucócitos mononucleares
A partir de 1983 passaram a ser identificados receptores humanos, células musculares lisas e em cardiomiócitos de ra-
específicos dos mineralocorticóides (MRs) no coração, nos tos14. Há ativação de sistemas de sinalização intracelulares com
rins e intestinos de ratos, com afinidade comparável tanto para produção de inositol-1,4,3-trifosfato (IP3) e de diacilglicerol
aldosterona quanto para corticosterona6. Eles pertencem a uma (DAG)15,16, que liberam Ca2+ dos estoques intracelulares. Tan-
superfamília constituída por receptores de esteróides, de hor- to inibidores da tirosina-quinase quanto da fosfolipase C são
mônios tireoidianos e de retinóides, e operam como fatores de capazes de bloquear os efeitos rápidos da aldosterona sobre a
transcrição nuclear, após ligação com seus mediadores. O MR concentração de Ca2+ intracelular17. Por outro lado, inibidores
humano corresponde a uma proteína, já clonada e seqüenciada, específicos dos MRs e inibidores da transcrição ou da síntese
constituída por 984 aminoácidos7. protéica não bloqueiam tais ações.
Dada a competição entre a aldosterona e os glicocorti- Em seres humanos, o aumento da pressão arterial e da
cóides pelo mesmo receptor, a ocupação dos MRs depende resistência vascular periférica é observado apenas cinco mi-
principalmente da enzima 11β-hidroxiesteróide dehidrogena- nutos após a infusão de aldosterona18. Essa ação rápida e seus
se (11β-HSD) tipo 2, presente nas células epiteliais e respon- efeitos farmacológicos particulares extrapolam o conceito clás-
sável pela conversão do cortisol e da corticosterona em 11- sico de ação genômica dos esteróides.
ceto cortisona e 11-dehidrocorticosterona, que não têm ativi- Assim, um sistema integrativo exercido por dois meca-
dade sobre os MRs8. A estrutura da aldosterona apresenta um nismos distintos é atualmente reconhecido para os
grupo aldeído único no carbono 18, em lugar de um grupo mineralocorticóides:
metílico, tornando-a imune à 11β-HSD tipo 2, o que confere
especificidade da ação dessa enzima sobre os glicocorticói- 1) ligação a receptores de membrana (a serem identifi-
des. Também contribui para maior ligação da aldosterona com cados), seguida de sinalização intracelular (ação não-
os MRs e menor biodisponibilidade dos glicorticóides, que, genômica);
em mais de 90%, circulam ligados à albumina e a outras pro-
teínas plasmáticas. Mais ainda, a curva de dissociação entre 2) ligação a receptores intracelulares com a modulação
os MRs e a aldosterona é, pelo menos, cinco vezes menor do da transcrição genética.
que aquela observada entre os MRs e o cortisol9.
A ligação da aldosterona ao MR promove dissociação de
proteínas chaperonas, o que ativa o receptor e expõe os sinais
Efeitos da aldosterona
de localização nuclear. No núcleo, o MR liga-se a seqüências sobre o coração
específicas de DNA e, dessa forma, exerce regulação sobre a
expressão de genética10. Em modelos experimentais de hiperaldosteronismo pri-
Enquanto a 11β-HSD tipo 2 tem ação fisiologicamente mário e secundário, foram observadas hipertrofia de miócitos
relevante no coração, sua atividade e quantidade não parecem e deposição intersticial e perivascular de fibrose19,20. O apare-
ser significativas no cérebro5, de tal modo que aqui a capaci- cimento da fibrose em ambos os ventrículos é consonante com
dade de ligação da aldosterona aos MRs é comparável à do a suposição de que a resposta fibrogênica cardíaca independe
cortisol. de fatores hemodinâmicos. Ela pode ser evitada por doses sub-
No sistema nervoso central, a prevalência de receptores hipotensivas de espironolactona21.
de glicocorticóides (GRs) é bem maior do que a de MRs11. De Os mecanismos pelos quais a aldosterona produz fibrose
qualquer forma, em certas áreas do tecido nervoso observa-se ainda não estão esclarecidos. Comprovou-se que, apesar da ele-
vação de angiotensina II não ser um fator decisivo19, o receptor bloqueador AT1 com os inibidores da ECA34. Por outro lado,
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AT1 pode representar um alvo adicional da ação para a aldostero- no estudo RALES, a adição da espironolactona acrescentou
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na, o que sugere uma potenciação das propriedades fibrogênicas mais 30% à redução da mortalidade35.
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da angiotensina II pela aldosterona22. Ao lado de sua ação direta Há evidências clínicas que sugerem que os efeitos bené-
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sobre a síntese de colágeno em fibroblastos cardíacos23, a aldos- ficos da espironolactona na insuficiência cardíaca correspon-
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terona promove também necrose de miócitos24. dem à inibição da fibrogênese. A sobrevivência é nitidamente
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No remodelamento cardíaco após o infarto, a elevação maior nos doentes em que o tratamento com espironolactona
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de angiotensina II cardíaca associa-se a um aumento local de associa-se a uma redução dos níveis circulantes da porção N-
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aldosterona4. Em contraste com o sistema cardíaco, o sistema terminal do percursor de procolágeno III36, indicando menor
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esteriodogênico adrenal não está ativado. A aldosterona local incorporação de colágeno tecidual. Conjectura-se ainda a par-
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estimula a transcrição dos receptores AT1, resultando em au- ticipação da variabilidade da freqüência cardíaca37, da redu-
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mento de sua densidade cardíaca25. ção de arritmias cardíacas38 e da menor prevalência de hipo-
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48 HIPERTENSÃO
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MÓDULO TEMÁTICO
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Diagnóstico e tratamento do
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hiperaldosteronismo primário
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Catarina Brasil d’Alva ça autossômica dominante causada pela formação de uma quimera
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Alexander Augusto de Lima Jorge sintetase (CYP 11B2) 10. A fusão desses dois genes homólogos cau-
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Desenvolvimento e do Laboratório de Hormônios e do córtex adrenal que está sob a regulação do ACTH11.
Genética Molecular, LIM-42 da Disciplina de
Endocrinologia da FMUSP Apresentação clínica e laboratorial
Berenice Bilharinho de Mendonça*
Professora Associada da Faculdade de Medicina da USP Os achados clínicos do hiperaldosteronismo primário são ines-
pecíficos. Alguns pacientes podem ser completamente assintomá-
ticos, manifestando, inclusive, níveis pressóricos normais6,12. Mui-
Introdução tos pacientes apresentam hipertensão moderada ou severa freqüen-
temente resistente ao tratamento. Sintomas como poliúria, noctú-
O hiperaldosteronismo primário é caracterizado por ex- ria, fraqueza muscular, câimbras, parestesias ou paralisia muscular
cesso de produção de aldosterona de forma renina-indepen- flácida intermitente podem ser decorrentes da hipocalemia. Aste-
dente, resultando em retenção de sódio predominantemente nia, embora inespecífica, é uma queixa freqüente9. Tendo em vista
pelos túbulos renais, expansão do líquido extracelular e su- os sintomas pouco específicos, grande parte dos casos de hiperal-
pressão da produção de renina pelo aparelho justaglomerular dosteronismo primário é diagnosticada vários anos após o início
renal. Esse processo causa elevação da pressão arterial, hipo- dos sintomas (média de seis anos em nossa experiência). Os pa-
calemia e alcalose metabólica, com seus conseqüentes sinais cientes com adenoma produtor de aldosterona costumam apresen-
e sintomas1. A importância do diagnóstico se deve ao fato de tar as formas mais graves de hiperaldosteronismo, com hipocale-
que o hiperaldosteronismo primário representa uma forma po- mia e hipertensão arterial mais pronunciadas13,14.
tencialmente curável de hipertensão arterial.
Desde a descrição inicial por Conn em 19552, a prevalên-
cia de hiperaldosteronismo primário tem sido estimada em TABELA 1
0,5% a 2% dos pacientes hipertensos3,4. Entretanto, estudos
recentes que utilizaram a relação aldosterona (A) / atividade CLASSIFICAÇÃO DO HIPERALDOSTERONISMO PRIMÁRIO
de renina plasmática (ARP) como exame de triagem mostra-
ram aumento da prevalência para valores de 5% a 12% em ESPORÁDICO CARACTERÍSTICAS
populações de pacientes hipertensos5–8. Adenoma produtor de aldosterona Geralmente < 2 cm, benigno, cor amarelada
A excessiva produção de aldosterona pode ter várias causas Hiperaldosteronismo idiopático Hiperplasia adrenal bilateral macro
(tabela 1), sendo as principais o adenoma produtor de aldostero- ou micronodular
na e o hiperaldosteronismo idiopático. O adenoma produtor de Hiperplasia adrenal primária Hiperplasia adrenal unilateral
aldosterona sempre foi considerado a causa mais freqüente de Carcinoma adrenal produtor Raro, geralmente associado a produção
hiperaldosteronismo primário (75% dos casos)9; entretanto, as de aldosterona hormonal mista
mesmas casuísticas que mostraram o aumento da prevalência do Tumor extra-adrenal produtor Raro, tecido adrenal ectópico perirrenal ou
hiperaldosteronismo primário em pacientes hipertensos relata- de aldosterona em ovário
ESPORÁDICO CARACTERÍSTICAS
*Endereço para correspondência: Tipo I: glicocorticóide-supressível Doença autossômica dominante decorrente
Hospital das Clínicas, FMUSP da fusão dos genes CYP 11B1 e CYP 11B2
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 155 – Bloco 6 – 2o andar – PAMB Tipo II Ocorrência familiar de adenoma produtor
de aldosterona ou de hiperaldosteronismo
05403-000 – São Paulo – SP idiopático, ou de ambos
Fax: (11) 3083-0626 – E-mail: beremen@usp.br
50 HIPERTENSÃO
Os achados laboratoriais sugestivos, embora não-obrigató-
rios para o diagnóstico, são hipocalemia espontânea ou induzida
TABELA 2
por diuréticos (K+ sérico < 3,5 mEq/L), caliurese inapropriada MEDICAÇÕES ANTI-HIPERTENSIVAS
na vigência de hipocalemia (K+ urinário > 30 mEq/24h) e alcalose E SEUS EFEITOS NO EIXO RENINA-ALDOSTERONA
metabólica. Porém, 7% a 38% dos pacientes com hiperaldostero-
nismo primário apresentam níveis normais de K+ sérico15. Acha- MEDICAÇÃO EFEITO
dos eletrocardiográficos sugestivos de hipocalemia (ondas U, alar- Diuréticos: ↑ da renina e aldosterona
gamento do QT e achatamento da onda T) podem ser encontra- furosemida ou tiazídicos (hiperaldosteronismo secundário)
dos, assim como intolerância à glicose e Diabetes insipidus Espironolactona ↑ da renina (falso-negativo)
nefrogênico (poliúria com baixa osmolalidade)9. Betabloqueadores ↓ da renina (falso-positivo)
Inibidores da ECA ↑ da renina e ↓ da aldosterona
Diagnóstico Antagonistas ATII ↓ da aldosterona
ACC (diidropiridínicos) ↓ da aldosterona
Diante da suspeita clínica de hiperaldosteronismo primá-
rio, devem ser solicitados exames de triagem, confirmação direta da renina por ensaio imunorradiométrico está atualmente
diagnóstica e diferenciação etiológica. disponível. No entanto, a correlação entre os valores de reni-
na e ARP não está preservada quando a ARP tende a níveis
Exames de triagem suprimidos, indicando que os resultados da relação A/ARP
não podem ser extrapolados para a relação A/renina21.
Determinação da relação A/ARP Potássio sérico
É o método de rastreamento de maior sensibilidade para O achado de hipocalemia espontânea (K+ sérico < 3,5
identificar pacientes com hiperaldosteronismo primário. Pre- mEq/L) com concomitante excreção urinária de potássio
ferencialmente, a amostra de sangue deverá ser colhida pela inapropriadamente alta (> 30 mEq/24h) em um paciente hi-
manhã, sem uso de medicações que interfiram no eixo renina- pertenso sugere a presença de hiperaldosteronismo primário.
angiotensina-aldosterona. Se o paciente estiver usando medi- Porém, a ausência de hipocalemia não afasta o diagnóstico
cação anti-hipertensiva, a mesma deverá, idealmente, ser sus- (até 38% dos pacientes com hiperaldosteronismo primário
pensa por duas a quatro semanas antes da avaliação. Nos ca- podem apresentar níveis normais de K+ sérico)15.
sos de hipertensão arterial severa, medicamentos como
prazosina, guanetidina, hidralazina ou antagonistas de canais Exames para confirmação diagnóstica
de cálcio poderão ser mantidos, pois não interferem na rela-
ção A/ARP de forma significativa. O encontro de uma relação A autonomia da secreção de aldosterona deve ser confir-
A/ARP elevada na vigência de anti-hipertensivos que dimi- mada através da ausência da sua supressão por manobras que
nuem a aldosterona (ACC diidropiridínicos, IECA, antago- bloqueiem o eixo renina-angiotensina-aldosterona. O hiperal-
nistas do receptor ATII) ou elevam a ARP (diuréticos tiazídi- dosteronismo primário, independentemente do subtipo, cursa
cos) é altamente sugestiva de hiperaldosteronismo primário. com ausência de supressão da aldosterona durante esses testes.
Estudos recentes sugerem que a relação A/ARP poderia ser
feita com manutenção de medicamentos anti-hipertensivos, Sobrecarga salina
sem prejuízo da acurácia diagnóstica de hiperaldosteronismo É considerado o melhor teste para diferenciar hiperal-
primário1,16. Entretanto os betabloqueadores e a espironolac- dosteronismo primário da hipertensão arterial essencial (HAS).
tona devem ser suspensos, pois podem alterar o resultado da Entretanto, 7% dos pacientes com hiperaldosteronismo apre-
relação A/ARP: os betabloqueadores causando resultados fal- sentam supressão da aldosterona após a sobrecarga salina15.
so-positivos e a espironolactona, falso-negativos17. Pode ser realizado através da infusão de 2 L de solução
Uma relação A/ARP > 25 (a aldosterona expressa em ng/dL salina a 0,9% (ou 25 mL/kg peso) em um período de quatro
e a ARP em ng/mL/h), com nível de aldosterona ≥ 12 ng/dL, horas com coleta de sangue para dosagem de aldosterona an-
sugere o diagnóstico de hiperaldosteronismo primário, porém tes e no final da infusão. Valores de aldosterona maiores que
necessita de testes confirmatórios subseqüentes18. Nos casos tí- 8,5 ng/dL no final da infusão confirmam o diagnóstico de hi-
picos com hipocalemia, caliurese inadequadamente elevada, al- peraldosteronismo primário9.
dosterona sérica elevada e relação A/ARP > 40, o diagnóstico A sobrecarga de sódio também pode ser feita por via oral
está estabelecido sem necessidade de testes adicionais15. através do acréscimo de 2 a 3 g de NaCl em cada refeição durante
três dias. No terceiro dia, uma dosagem de aldosterona urinária
Atividade da renina plasmática maior que 14 µg/24h, em vigência de sódio urinário superior a
Embora esteja suprimida em praticamente 100% dos pa- 200 mEq/24h, confirma o hiperaldosteronismo primário15.
cientes com hiperaldosteronismo primário, também está su-
primida em 20% a 30% dos pacientes com hipertensão arte- Teste de supressão com 9α-fludrocortisona
rial essencial19,20, e por isso não deve ser usada isoladamente É realizado pela administração oral de 9α-fludrocortiso-
no rastreamento do hiperaldosteronismo primário. A dosagem na (Florinefe) na dose de 100 µg a cada seis horas durante
FIGURA 1
○
Imagem adrenal
○
52 HIPERTENSÃO
za pulsátil da secreção do ACTH. Pode-se também fazer o ca-
FIGURA 2 teterismo sob infusão contínua de cortrosina (250 µg em cinco
horas). Para a correta interpretação, calcula-se a relação aldos-
terona/ cortisol (A/F) para cada amostra (“aldosterona norma-
lizada”) com o objetivo de corrigir possíveis diluições do san-
gue venoso adrenal e evitar erros na avaliação da origem da
secreção de aldosterona26. O diagnóstico de secreção unilate-
ral baseia-se no achado de uma relação A/F entre os lados do-
minante e não-dominante ≥ 4 e, além disso, o lado não-domi-
nante deve apresentar valor A/F menor ou igual ao da veia cava
inferior, já que essa adrenal está suprimida24. Outros autores uti-
lizam como critério de lateralização uma relação A/F entre os
lados dominante e não-dominante ≥ 213, ≥ 327 e ≥ 528. O diagnós-
tico de secreção bilateral (hiperaldosteronismo idiopático) é fei-
to diante de valores A/F superiores aos da veia cava inferior em
ambos os lados. Para confirmar a seletividade da cateterização
das veias adrenais é utilizada a relação dos níveis de cortisol na
veia adrenal/cortisol na veia cava inferior (Fadrenal/Fcava). Valores
de Fadrenal/Fcava entre 2 e 5 têm sido utilizados para confirmar a
seletividade do cateterismo29,30. Estudo recente demonstrou que
mesmo utilizando uma relação Fadrenal/Fcava ≥ 1,1 foi possível ob-
ter uma acurácia de 80% no diagnóstico de adenoma13.
A constatação de secreção unilateral de aldosterona aponta
para os diagnósticos de adenoma ou hiperplasia unilateral pro-
dutores de aldosterona (ambos os diagnósticos com indicação
cirúrgica), enquanto a presença de secreção bilateral faz o diag-
nóstico de hiperaldosteronismo idiopático.
Tratamento
de-supressível, sendo apontados por alguns autores como o
melhor parâmetro bioquímico para diagnóstico do hiperaldos- O tratamento apropriado do hiperaldosteronismo primário
teronismo primário glicocorticóide-supressível6,24. depende da correta identificação dos subtipos e tem como objeti-
Pesquisa da presença de quimera entre o genes da vo evitar a morbidade e mortalidade associadas à hipertensão ar-
11β-hidroxilase e da aldosterona-sintetase terial e à hipocalemia.
É o exame de escolha para o diagnóstico do hiperaldoste- Pacientes portadores de adenomas produtores de aldoste-
ronismo primário glicocorticóide-supressível, com 100% de rona ou hiperplasia adrenal unilateral são melhor tratados com
sensibilidade e especificidade25. Esse exame, porém, ainda não adrenalectomia unilateral (ou ressecção isolada do nódulo), o
está disponível em nosso meio. que pode ser feito por via laparoscópica31,32. Após a cirurgia,
observa-se cura ou melhora da hipertensão arterial na maioria
Cateterismo de veias adrenais com coleta simultânea dos pacientes. No período pós-operatório, há um risco aumen-
de sangue para dosagem de aldosterona e cortisol tado de hipoaldosteronismo com elevação dos níveis de potás-
Tem como objetivo identificar a origem da secreção de sio, o que pode durar algumas semanas e impõe aumento do
aldosterona, sendo considerado o exame de maior acurácia na tempo de internação hospitalar. O uso de espironolactona no
diferenciação dos diferentes subtipos de hiperaldosteronismo pré-operatório evita o hipoaldosteronismo pós-cirúrgico por
primário. Está indicado sempre que os exames de imagem permitir a normalização dos níveis de renina e a conseqüente
adrenal forem inconclusivos ou discordantes da suspeita clí- liberação da secreção de aldosterona pela adrenal normal que
nica e dos testes bioquímicos. se encontra suprimida. Com esse objetivo, recomenda-se o pre-
Trata-se de um método invasivo e sujeito a dificuldades téc- paro pré-operatório de todos os pacientes com 50 a 400 mg/dia
nicas, principalmente em relação ao cateterismo da veia adrenal de espironolactona por tempo variável até que haja normaliza-
direita, exigindo um radiologista experiente para sua execução. A ção da renina plasmática, o que geralmente ocorre de 20 a 30
veia adrenal direita drena diretamente na veia cava inferior, em dias após o início da medicação na dose adequada.
região próxima à drenagem da veia renal, cujo fluxo pode difi- O hiperaldosteronismo idiopático deve ser tratado clini-
cultar a coleta de sangue seletivo da adrenal. A introdução dos camente, já que o efeito da adrenalectomia uni ou bilateral
cateteres é feita através das veias femorais e são colhidas amos- sobre a pressão arterial é desapontador. A espironolactona, an-
tras de sangue das veias adrenais direita e esquerda e da veia cava tagonista do receptor de aldosterona, tem sido amplamente
inferior (VCI) simultaneamente para dosagem de aldosterona e utilizada no tratamento do hiperaldosteronismo primário em
cortisol. A necessidade de coleta simultânea deve-se à nature- doses que variam de 50 a 400 mg/dia, com controle efetivo da
hipocalemia e da pressão arterial, principalmente em associa- níveis pressóricos com o uso da eplerenone em monoterapia (400
○
○
ção com outras medicações anti-hipertensivas. Entretanto, al- mg/dia) por um período de oito semanas34.
○
guns pacientes apresentam efeitos colaterais que limitam o O hiperaldosteronismo glicocorticóide-supressível pode
○
○
seu uso, tais como ginecomastia, fadiga, impotência sexual e ser tratado com dexametasona na menor dose (0,25 a 0,75 mg)
○
sintomas dispépticos. A amilorida e o triantereno, que bloque- suficiente para suprimir o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal;
○
iam o canal de sódio no néfron distal, são alternativas adequa- supressão que pode ser confirmada pelos níveis séricos de cor-
○
○
das para o controle da hipocalemia em substituição à espiro- tisol < 2 µg/dL. Nas crianças, deve-se dar preferência aos gli-
○
nolactona, mas geralmente é necessária a associação com ou- cocorticóides de curta duração, como o acetato de cortisona
○
○
tros anti-hipertensivos para o controle da pressão arterial. (18 mg/m2 de superfície corpórea), com o objetivo de se evita-
○
Um novo e mais seletivo antagonista do receptor de minera- rem os efeitos adversos do excesso de glicocorticóide. Trata-
○
○
locorticóide, eplerenone, está em desenvolvimento33. Essa droga mento com espironolactona e outros medicamentos anti-hi-
○
é um análogo da espironolactona que possui menor afinidade pelos pertensivos pode ser utilizado nessa forma de hiperaldostero-
○
○
receptores de progesterona e de andrógenos, causando menos nismo, caso haja efeitos colaterais indesejáveis dos glicocor-
○
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54 HIPERTENSÃO
Discussão de caso:
C
○
○
○
ASO
hiperaldosteronismo
○
○
○
○
LÍNICO
primário
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
56 HIPERTENSÃO
do o teste postural. Nesse teste, o estí- Após descartar as etiologias acima dose de 2 mg por dia, por quatro dias,
mulo de deambulação e permanência em descritas, partiu-se para o diagnóstico de obteve redução dos níveis de aldostero-
posição supina durante duas horas eleva uma forma mais rara de HAP, mas que na séricos e normalização da atividade
a aldosterona plasmática na hiperplasia, tem ganhado destaque nos últimos anos da renina plasmática, bem como eleva-
mas não modif ica os níveis nos após sua identificação genética: aldos- ção do nível sérico do potássio e melhor
adenomas. O paciente em questão não teronismo primário remediável por gli- controle dos níveis tensionais com o
apresentou modificação dos níveis de cocorticóide. Essa entidade é uma sín- mesmo número de drogas (quatro) que
aldosterona com o teste postural, suge- drome genética autossômica dominante, anteriormente ao teste. Além do teste da
rindo a presença de adenoma. O adeno- caracterizada pela expressão de um gene dexametasona, o diagnóstico pode ser
ma em geral é diagnosticado por méto- quimérico, resultante da combinação do confirmado pela dosagem urinária de
dos diagnósticos de imagem, principal- gene CYP 11B – que codifica a enzima esteróides hidroxilados na posição 18
mente a tomografia computadorizada de 11-β-hidroxilase, que participa da hidro- (18-OH e 18-oxocortisol) que são sinte-
cortes finos. Neste caso, a tomografia xilação do 11-deoxicortisol para formar tizados em excesso com a aldosterona.
não evidenciou imagens nodulares suges- cortisol na zona fasciculada – e o gene A relação 18-OH/cortisol, que normal-
tivas nem aumento de adrenais. CYP 11P, que codifica a enzima aldos- mente é inferior a 5, é constantemente
Outras causas de HAP que apresen- terona-sintetase, presente exclusivamen- elevada, sendo freqüentemente multipli-
tam características funcionais de adeno- te na zona glomerulosa, e que converte cada por 5. Por fim, a detecção direta da
ma adrenal, como hiperaldosteronismo o composto B em 18-OHB e em aldoste- anomalia genética a partir do DNA do
idiopático (geralmente associado com rona. Esse gene quimérico resulta na ex- paciente confirma definitivamente o
hiperplasia adrenal micronodular), e pressão ectópica da enzima aldosterona- diagnóstico. Nesse paciente, o material
menos comumente o carcinoma de adre- sintetase na zona fasciculada, passando para essas análises foi coletado, mas até
nal, também foram excluídas em relação a ser regulada apenas por ACTH, e não o momento da publicação os resultados
ao paciente, pois além de não terem sido mais pela angiotensina como quando não estavam disponíveis, pois são exa-
visualizadas alterações nos exames de expressa na zona glomerulosa. Assim, a mes não-realizados rotineiramente em
imagem, o paciente não respondeu ao formação excessiva de aldosterona na nosso meio.
teste terapêutico feito com espironolac- zona fasciculada controlada pelo ACTH Recomenda-se, para o tratamento,
tona, um inibidor do receptor tipo I de acompanha o ritmo nictimeral do corti- iniciar com 0,5 mg/dia até atingir dose
mineralocorticóide/glicocorticóide, efe- sol e leva a conseqüente supressão da mínima suficiente para o bloqueio do
tivo no tratamento de hiperplasia adre- ARP, hipocalemia e hipertensão. O pa- ACTH, sem prejuízo dos níveis de corti-
nal congênita e HAP idiopático. ciente, após receber dexametasona na sol.
EPIDEMIOLOGIA
○
○
○
Pressão arterial e
○
○
○
○
risco cardiovascular
○
○
○
○
A evidência definitiva
○
○
○
○
○
○
○
○
Autores: bro1 (figura 1). Como se pode ver na figura 1, o risco duplica-
○
○
Miguel Gus
○
58 HIPERTENSÃO
ca menos a diastólica). Em outra reanálise dos dados de
FIGURA 2 Framingham, Port e associados3 sugeriram que o risco de pres-
são arterial poderia ser melhor representado por modelos em
ASSOCIAÇÃO ENTRE PRESSÃO ARTERIAL E RISCO DE que a associação varia na dependência dos valores da variável
MORTE POR FAIXA ETÁRIA: MODELO NÃO-LINEAR causal (“spline model”). Em outras palavras, por esse modelo
a associação entre pressão arterial poderia ser nula até um valor
e se tornar positiva a partir dele (figura 2). Como se pode ver
na figura 2, o ponto de inflexão dependeria da faixa etária dos
indivíduos. Ainda em outra análise dos dados de Framingham,
demonstrou-se que o risco já seria detectado em valores de
pressão arterial aceitos como normais4.
O grupo de estudos prospectivos anteriormente referido
(“Prospective Studies Collaboration”) confirmara, em 1995,
a associação apresentada na metanálise de 19905. Nessa nova
revisão demonstraram que o risco relativo era maior em indi-
víduos mais jovens, mas que o risco absoluto era maior nos
indivíduos mais idosos, visto que estes já partem de um pata-
Port S et al. Lancet, 2000; 355: 175 mar de risco basal mais elevado (figura 3).
No fim de 2002, esse mesmo grupo
publicou a que pode ser considerada a maior
FIGURA 3 revisão conjunta de estudos de coorte em
todas as áreas da Medicina6, e que pode ser
entendida como evidência definitiva sobre
PA DIASTÓLICA USUAL E RISCOS ABSOLUTO E RELATIVO a associação entre pressão arterial e risco
cardiovascular. Foram avaliados 61 grandes
estudos de coorte, com um milhão de indi-
víduos sob risco (12,7 millhões de pessoas/
ano), que apresentaram uma incidência de
56 mil mortes por evento cardiovascular. Por
essa análise se confirma que a associação
entre pressão arterial e risco cardiovascular
é contínua e exponencial, e que começa em
valores muito baixos de pressão arterial sis-
tólica (115 mmHg) ou diastólica (75 mmHg)
(figuras 4 e 5). Na figura 4, o eixo vertical
tem transformação logarítmica, motivo pelo
Prospective Studies. Lancet, 1995; 346: 647 qual a associação expressa-se por retas. Na
figura 5, o eixo vertical é o real. Nas figu-
ras se observa que o risco absoluto varia por
FIGURA 4 faixa etária. Assim, indivíduos mais idosos,
mesmo que sob risco relativo menos inten-
PA USUAL E RISCO PARA ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO so (inclinação das retas), têm repercussão
absoluta decorrente de elevação de muito
maior magnitude da pressão arterial, pois
partem de risco basal acentuadamente
maior. Indivíduos sob risco aumentado de
apresentar um evento cardiovascular, como
diabéticos e pacientes que já apresentaram
algum evento prévio, têm risco equivalente
ao dos indivíduos de faixas etárias mais
avançadas.
Os achados descritos explicam os acha-
dos de muitos ensaios clínicos de tratamen-
to anti-hipertensivo. Nas faixas de hiperten-
são severa, o clássico estudo dos veteranos
demonstrou um NNT de somente seis pa-
Prospective Studies. Lancet, 2002; 360: 1903 cientes para prevenir um evento maior7. Nos
FIGURA 5
○
PA USUAL E RISCO PARA ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO bete, tiveram benefício correspondente ao da
○
em consultório11.
○
○
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60 HIPERTENSÃO
FATORES DE RISCO
Atualização na prevenção das
doenças cardiovasculares
Comentários sobre as
III Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias
Metas para a prevenção HDL-C baixo constitui o que se denomina, atualmente, disli-
○
○
mente, as metas para a prevenção primária e secundária da (quadro 1) provavelmente está superestimado. Estudo recente
○
angina instável) nos próximos dez anos3. Esse escore é funda- LDL (tipo B), consideradas de maior potencial aterogênico,
○
rial, diabetes e tabagismo –, cuja presença e valor são pontua- fenótipo, quando aplicado a pacientes que se submeteram a
○
delas. Na dependência do escore total, os indivíduos são clas- dial retroesternal, mostrou uma probabilidade significativa-
○
e alto risco, ≥ 20%, de probabilidade de desenvolver um even- associado a DAC obstrutiva (> 50%). É importante fixar, por-
○
risco se, extrapolando-se o seu escore atual para o correspon- probabilidade de apresentar resistência à insulina e o seu risco
dente aos 60 anos, o valor alcançar o percentual correspon- de desenvolver DAC obstrutiva é alto.
dente. Essa correção procura considerar o tempo de atuação
da variável de risco. Assim, num indivíduo de 40 anos, deter- Tratamento
minados valores de CT, HDL-C e PA podem ser compatíveis As mudanças no estilo de vida (MEV) continuam a cons-
com um escore de médio risco, mas que passaria a alto risco tituir a base da terapêutica e da prevenção das dislipidemias,
se o paciente tivesse 60 anos de idade. em particular, e da prevenção das doenças cardiovasculares
As metas lipídicas para a prevenção primária de indiví- em geral. Essas mudanças incluem mudanças nutricionais,
duos de baixo e médio risco são os valores desejáveis para o atividade física aeróbia regular, moderação no consumo de
CT (< 200 mg/dL), LDL-C (< 130 mg/dL) e HDL-C (> 40 bebidas alcoólicas e abandono do tabagismo.
mg/dL). Para pacientes de alto risco, o que inclui os diabéti-
cos sem doença aterosclerótica, independentemente do seu es- Mudanças no estilo de vida
core, as metas são os valores ótimos para o CT (< 200 mg/dL)
e LDL-C (< 100 mg/dl). No caso dos TG, a meta é o seu valor Dieta
ótimo (< 150 mg/dL) para qualquer grau de risco. Para pa- Mudanças no estilo alimentar constituem o fundamento
cientes com DAC ou outro qualquer tipo de doença ateroscle- principal no tratamento das dislipidemias de qualquer tipo:
rótica (prevenção secundária), as metas são todos os valores hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, baixo HDL-C ou as
ótimos e, no caso do HDL-C, pelo menos o desejável e, se suas combinações.
possível, o ótimo. A tabela 2 contém a composição atual da dieta em ma-
A valorização dos TG como fator de risco e a recomen- cronutrientes recomendada pela Associação Americana do
dação para mantê-los abaixo de 150 mg/dL tem fundamento Coração para o tratamento das dislipidemias2. A porcentagem
em aspectos metabólicos e clínico-epidemiológicos, como pas- de gordura saturada fixada em < 7% do valor energético total
samos a comentar considerando a síndrome metabólica. (VET) e a ingestão diária de colesterol em < 200 mg/dia vi-
Síndrome metabólica
A síndrome metabólica, de prevalência e incidência cres- QUADRO 1
centes, está associada ao acúmulo de tecido adiposo em torno
da cintura abdominal, o que teria relação com o desenvolvi- SÍNDROME METABÓLICA
mento de resistência à insulina, sua alteração metabólica bási- CARACTERÍSTICAS CLÍNICO-LABORATORIAIS
ca4. A resistência à insulina, por sua vez, seria responsável
Obesidade central = cintura >102 cm (H), > 88 cm (M)
pelas alterações no metabolismo lipídico e dos carboidratos e
no controle pressórico. Como descrito no quadro 1, as princi- TG > 150 mg/dL
pais características clínicas dessa síndrome incluem, além do HDL-C = < 40 mg/dL (H), < 50 mg/dL (M)
aumento da cintura abdominal, valores de TG limítrofes ou
elevados, HDL-C baixo para os homens e próximo ao limite PA > 130/ > 85 mmHg
inferior para as mulheres, pressão arterial limítrofe ou eleva- Glicemia em jejum > 110 mg/dL
da e glicemia em jejum elevada (110–125 mg/dL), indicativa
de intolerância à glicose4. A combinação de TG elevados e H = homem, M = mulher
62 HIPERTENSÃO
sam a facilitar a obtenção dos valores ótimos e desejáveis pre- Exercício físico
conizados. Para a redução do LDL-C é necessário também Do tipo aeróbio, recomendado de três a seis vezes por se-
diminuir a ingestão de ácidos graxos do tipo trans, presentes mana, com sessões de 40 minutos, em média. É benéfico para o
no processo de saturação industrial das gorduras. Todavia, em perfil lipídico, reduz a pressão arterial e o estresse psicológico e
pacientes de baixo e médio risco, a dieta inicial poderá conter é fundamental para o controle do peso corporal. A maneira mais
< 10% de gordura saturada e a ingestão de colesterol passar a simples, de menor risco e de eficiência comprovada é a marcha
< 300 mg/dia, adaptada posteriormente aos valores da tabela com roupas leves e sapatos adequados em horário matinal ou
2, caso, após período de quatro a seis meses, as metas dos vespertino, fora dos períodos de maior calor.
valores desejáveis não sejam alcançadas. Para o controle da
hipertrigliceridemia e elevação do HDL-C, é necessária a re- Tabagismo
dução do total de calorias às custas da restrição de carboidra- A necessidade do seu combate tem sido mais ressaltada,
tos, principalmente carboidratos simples, mono e dissacarídeos, pois constitui um fator de risco importante, não somente de
e bebidas alcoólicas. Nesses casos, o percentual de gordura da doença cardiovascular, mas também de vários tipos de câncer
dieta pode ser elevado até 35% do VET por meio do aumento e de doença pulmonar obstrutiva crônica. O seu combate é
no teor de ácidos graxos insaturados. Essas medidas podem complexo, envolvendo aspectos psicológicos relativos ao aban-
contribuir para a diminuição de 10% a 30% no valor dos TG e dono do vício. Medidas farmacológicas à base de reposição
aumento de 5% a 15% no de HDL-C6. de nicotina (adesivos, goma de mascar, aerossol e inalador),
Do ponto de vista qualitativo, o consumo de peixe e fru- dos antidepressivos bupropiona e nortriptilina e do anti-hiper-
tos do mar, óleos vegetais como oliva, soja e canola, grãos tensivo clonidina podem ser usadas em situações definidas,
como grão de bico, feijão, lentilha e frutas e vegetais consti- em indivíduos decididos a deixar o vício.
tuem os principais ingredientes de uma dieta saudável. Do
ponto de vista quantitativo é fundamental o controle do VET,
a fim de que seja controlado o peso corporal, evitando-se o Tratamento medicamentoso
sobrepeso e a obesidade.
O uso de bebidas alcoólicas não constitui recomendação O tratamento medicamentoso está indicado quando as
preventiva, desde que pode levar ao alcoolismo e ter conse- metas lipídicas não forem alcançadas três a seis meses após a
qüências negativas sobre o fígado, miocárdio e sistema nervo- implementação das MEV, no caso de indivíduos de médio ou
so. Se usado com moderação, o equivalente diário a 75 ml de baixo risco respectivamente. No caso de indivíduos de alto
bebida destilada, 600 ml de cerveja ou 250 ml de vinho pode risco, o uso de medicamento deve ser simultâneo, exceto quan-
apresentar resultados positivos na redução do risco de doença do o LDL-C se situa entre 100 e 130 mg/dL e o critério clínico
cardiovascular, salvo contra-indicação específica, de ordem permite uma espera máxima de três meses para a avaliação
pessoal. Para mulheres e homens de pequeno porte recomen- dos resultados das MEV. A tabela 3 contém as metas lipídicas
dam-se metade das doses indicadas. Lembrar que o uso de a serem alcançadas com a introdução de farmacoterapia. Em
bebidas alcoólicas em excesso pode elevar os TG e ser hiper- indivíduos de baixo risco, a meta para o valor do LDL-C pode
tensivo. ser representada por dois valores, a depender da presença de
outro fator de risco importante e não-contemplado pelo EF.
Assim sendo, se o único fator de risco é a elevação isolada do
LDL-C, um valor entre 130 e 160 mg/dL pode
ser tolerado. Todavia, se existe hipertrigliceri-
TABELA 2 demia associada, não-contemplada na avalia-
ção do risco pelo EF, então a meta de LDL-C <
DIETA DA ASSOCIAÇÃO AMERICANA DO CORAÇÃO PARA MEV*2 130 mg/dL deve ser perseguida com o uso de
farmacoterapia, principalmente se a hipertrigli-
MACRONUTRIENTES RECOMENDAÇÕES ceridemia estiver associada às características da
Ácidos graxos saturados < 7% do total de calorias síndrome metabólica – quadro 1. A mesma con-
duta se aplicaria a um indivíduo com baixo ris-
Ácidos graxos monoinsaturados ≤ 20% do total de calorias co e que apresentasse história familiar de doen-
Ácidos graxos poliinsaturados ≤ 10% do total de calorias ça aterosclerótica precoce.
O tratamento farmacológico das dislipide-
Carboidratos 50% a 60% do total de calorias mias ainda está centrado no uso de vastatinas e
Proteínas Cerca de 15% do total de calorias fibratos, cada um deles com uma indicação es-
pecífica, dependendo do tipo de dislipidemia.
Colesterol < 200 mg/dL por dia
As vastatinas estão indicadas no controle das
Fibras 20 a 30 g por dia hipercolesterolemias predominantes, e os fibra-
Calorias Ajustadas para manter o peso adequado tos, no controle das hipertrigliceridemias pre-
dominantes. No tratamento dos quadros mis-
*Mudanças no estilo de vida tos, a escolha do tipo de hipolipemiante para o
TABELA 3
○
METAS LIPÍDICAS QUE PODEM EXIGIR TRATAMENTO MEDICAMENTOSO LDL-C > 130 mg/dL7, dados semelhan-
○
CT (mg/dL) LDL-C (mg/dL) HDL-C (mg/dL) TG (mg/dL) pectos a considerar é quanto à clareza
○
○
BAIXO < 200 < 130* < 160** > 40 < 150 outro é o treinamento do cardiologista
○
○
MÉDIO < 200 < 130 > 40 < 150 Assuntos como nutrição e dietoterapia,
○
○
ALTO < 200 < 100 > 40 < 150 mo ainda não fazem parte da educação
○
○
* Indivíduos com um fator de risco importante não-contemplado pelo escore de Framingham (vide texto) diologista e muito menos do clínico. A
○
64 HIPERTENSÃO
profissional exercer a sua capacidade clínica de tratar o paciente nas. Exemplo maior é o Estudo da Dieta de “Lyon”, de pre-
como indivíduo, e não a doença e a sua faixa de risco como rótu- venção secundária, cuja redução de 70% na mortalidade glo-
los padronizados de uma situação homogênea. Por exemplo, os bal supera qualquer dos grandes estudos com a pravastatina
diabéticos são pacientes de alto risco, mas, dentro dessa faixa de ou sinvastatina9. O maior ensinamento desse estudo é que a
risco, a sua vulnerabilidade às complicações da doença é variá- obtenção desse surpreendente resultado não se relacionou a
vel, requerendo que, a critério do julgamento clínico, o nível de uma redução significativa no valor das frações lipídicas, em
LDL-C de alguns possa ser considerado satisfatório em torno de relação ao grupo controle. O que mudou foi o perfil plasmáti-
99 mg/dL, enquanto para outros, com complicações vasculares, co dos ácidos graxos, mais favorável no grupo sob interven-
seja conveniente o nível de 80 mg/dL ou menos, correspondendo ção dietética, caracterizado, principalmente, por uma eleva-
a um CT em torno de 150 mg/dL. ção significativa na concentração dos ácidos alfalinolênico e
Outro aspecto importante a levar em conta é que a apli- eicosapentanóico, ácidos do tipo ômega 3. Estudo populacio-
cabilidade do escore de Framingham, referencial para as me- nal, prospectivo, realizado na Finlândia, mostrou que homens
tas lipídicas das atuais Diretrizes, se limita em função de se com maior concentração plasmática de ácidos docosahexanói-
basear em apenas seis variáveis de risco: idade, gênero, CT, co e docosapentanóico (dois ácidos graxos insaturados do tipo
HDL-C, PA, diabetes e tabagismo, não contemplando outras ômega 3) apresentaram 42% de diminuição no risco de IAM
variáveis, como hereditariedade e algumas características da fatal ou não-fatal10. As concentrações mais elevadas desses
síndrome metabólica (circunferência abdominal, nível dos TG ácidos se relacionaram a um consumo maior de peixe. Portan-
e de glicemia) de valor mais atual. Assim, pacientes com a to, no caso da dieta, a modificação que pode acarretar mudan-
síndrome metabólica são de alto risco, independentemente do ça no perfil plasmático dos ácidos graxos deve ser valorizada
seu EF. Por outro lado, vale lembrar que pacientes de baixo como fator de proteção. Certamente, no futuro, o perfil plas-
risco e que apresentam apenas mais um FR, como preconiza- mático dos ácidos graxos será uma maneira mais precisa de
do, devem ter a meta lipídica para o LDL-C < 130 mg/dL, avaliar o risco lipídico e o resultado do tratamento dietético.
principalmente se este FR tiver o poder, por exemplo, de his- Dentre as MEV, as III Diretrizes não incluem a redução
tória familiar de doença aterosclerótica precoce. do estresse psicológico. Todavia, em que pesem as dificulda-
No que concerne às MEV, é importante salientar que a des atuais para a sua quantificação e para a sua abordagem, é
mudança dos hábitos alimentares constitui um dos pilares do fator de risco que não deve ser omitido. A sua importância e
tratamento das dislipidemias e da prevenção das doenças car- dificuldades de avaliação e manejo devem ser ressaltadas, ser-
diovasculares, mas não tem recebido a devida atenção dos pró- vindo de estímulo para pesquisas e implementação de progra-
prios cardiologistas. Talvez pelas dificuldades na sua imple- mas nesse setor, visando ao aspecto individual e coletivo.
mentação e pela valorização apenas do aspecto quantitativo Finalmente, vale enfatizar que os instrumentos atuais de
na redução das frações lipídicas. É comum ouvir-se o comen- prevenção, se aplicados devidamente, podem garantir vida sau-
tário de que a dieta reduz o LDL-C em apenas 5%, como se dável, longeva e de boa qualidade. Vale sempre lembrar que a
isto representasse um resultado terapêutico de segunda ordem. manutenção da saúde deve começar por um pré-natal de boa
Contudo, vários estudos nutricionais de bom padrão têm mos- qualidade e continuar ao longo da vida, com as devidas adap-
trado resultados até superiores àqueles com o uso de vastati- tações às suas respectivas fases11.
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O papel da monitorização
○
○
○
○
hiperaldosteronismo primário
○
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○
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○
○
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○
○
n hipertensão episódica;
n sintomas de hipotensão.
66 HIPERTENSÃO
tura internacional tem-se adotado a terminologia “dipper” para lesões de órgãos-alvo, tais como microalbuminúria, infartos
aquelas pessoas com queda normal da pressão durante o sono lacunares e hipertrofia de ventrículo esquerdo6–9.
e “non-dipper” para aquelas com declínio menor ou ausência A extensão da queda da pressão durante o sono é afetada
de queda, apesar dessas categorias não estarem muito bem por vários fatores, como idade, qualidade do sono e presença
definidas. O’Brien et al.2, em 1988, analisaram em 123 pa- de outras doenças. Por exemplo, nas situações de excesso de
cientes hipertensos a redução da pressão arterial durante o sono catecolaminas, insuficiência renal crônica, síndrome de
com o uso da MAPA e verificaram que 17,1% não apresenta- Cushing e diabete melito podem se associar atenuação ou au-
vam diferença de pelo menos 10/5 mmHg entre a média da sência de queda da pressão arterial durante o sono. Outra con-
pressão sistólica e diastólica no período de vigília e sono. dição questionada é se pacientes com hiperaldosteronismo
Pickering3 aponta que na maioria dos pacientes hipertensos o primário têm um perfil circadiano normal.
padrão de vigília e de sono está preservado, com maiores va- No aldosteronismo primário a hipertensão arterial está
lores pressóricos durante a vigília e menores durante o sono. diretamente relacionada à expansão de volume, com excesso
Porém, foram Staessen et al.4 que elucidaram o assunto estu- de aldosterona plasmática e diminuição da atividade de renina
dando a redução da pressão durante o sono em 7.320 hiperten- plasmática. Além disso, verificou-se variação circadiana da
sos e normotensos. Os resultados mostraram que a redução da aldosterona plasmática nessa condição semelhante à de pes-
pressão sistólica/diastólica durante o sono foi de 16,7 ± 11 / soas normais, o que resultaria em variação circadiana da pres-
13,6 ± 8 mmHg; a redução foi maior: são arterial também similar à de normotensos10. Porém, ava-
liando o assunto, um estudo realizado no início da década de
n nos hipertensos limítrofes e hipertensos mantidos do 80 mostrou alteração da variação circadiana da pressão arte-
que nos normotensos; rial em pacientes com aldosteronismo primário. Tanaka et al.11
avaliaram o ritmo circadiano da pressão arterial em 11 pa-
n nos homens do que nas mulheres; cientes com aldosteronismo primário e em 15 com hiperten-
são renovascular unilateral. Foi usado o método Cosinor para
n nos europeus do que nos indivíduos de outros conti- avaliação da variação circadiana. Os resultados mostraram que
nentes; nos pacientes com aldosteronismo primário as pressões sistó-
lica e diastólica aumentaram no início da noite. A amplitude e
n nos registros realizados com aparelhos oscilométri- acrófase do rítmo circadiano para a sistólica foram 7,3 (5,3 a
cos do que com os auscultatórios; 9,3) mmHg e 20:47 (19:42 a 21:52) h, respectivamente, e para
a diastólica 2,6 (1,3 a 3,9) mmHg e 21:34 (19:40 a 23:28) h
e a redução foi menor nos idosos do que nos jovens. respectivamente. Mais recentemente, outro estudo12 também
Empregando a relação noite/dia, definida como a divisão avaliou o rítmo circadiano da pressão arterial em 22 pacientes
da pressão noite/dia multiplicada por 100 e que expressa a pres- com aldosteronismo primário, 22 com hiperaldosteronismo
são noturna como uma porcentagem da diurna, foi verificado idiopático e 33 com hipertensão essencial. Os achados evi-
que 2,5% dos normotensos, 4,4% dos hipertensos limítrofes e denciaram atenuação significativa (p < 0,05) da queda da pres-
4,4 dos hipertensos mantidos apresentavam relação noite/dia são sistólica durante a noite no primeiro grupo e da sistólica e
igual a 100% para sistólica e diastólica, indicando ausência de diastólica no segundo grupo em comparação com os hiperten-
redução da pressão durante o sono para as duas pressões5. sos essenciais. Em outro estudo, que incluiu pessoas normo-
Outro aspecto que merece destaque é que a ausência de tensas (176), hipertensos do avental branco (42), essenciais
redução da pressão arterial durante o sono correlaciona-se com (490) e com hipertensão secundária (254 – 12 com hiperal-
TABELA 1
ESTUDOS COM PACIENTES COM HIPERALDOSTERONISMO PRIMÁRIO E QUEDA DA PRESSÃO ARTERIAL DURANTE O SONO
dosteronismo primário), a queda da pressão arterial durante o ± 3 / 9 ± 2 mmHg, p > 0,05). As prevalências de pacientes
○
○
período de sono foi diversificada. Os resultados mostraram “dipper” e “non-dipper” (queda < 10% para pressão sistólica
○
que nos pacientes com hipertensão e distúrbios endócrinos não e diastólica respectivamente) também foram similares (11/5
○
○
houve uniformidade na queda da pressão arterial durante o vs. 8/8). Após intervenção, com terapêutica anti-hipertensiva
○
sono. Pacientes com hipertireoidismo, hiperaldosteronismo ou cirúrgica, nos pacientes com hiperaldosteronismo primá-
○
primário e síndrome de Cushing apresentaram redução da pres- rio, a MAPA foi repetida e mostrou redução significativa nos
○
○
são arterial significativamente menor (6/8, 4/7 e 3/6 mmHg níveis pressóricos. Os achados desse estudo mostram que a
○
Por outro lado, na maior parte da literatura disponível ronismo primário comparados com hipertensos essenciais.
○
sobre o assunto observa-se que os pesquisadores concluem Salienta-se que nos estudos destacados não há uniformi-
○
○
que seus estudos apontam para achados sem alteração no rit- dade nos critérios de análise da variação circadiana da pressão
○
mo circadiano da pressão arterial em pessoas com hiperaldos- arterial, na definição do período de sono real, além de haver
○
○
teronismo primário (tabela 1). números reduzidos de pacientes em cada estudo, o que pode-
○
Reforçando tal aspecto, Mansoor e White14 analisaram a ria explicar os achados diversos. Talvez estudos posteriores
○
○
variação circadiana da pressão arterial em pacientes com hi- que considerem essas variáveis tragam respostas mais conclu-
○
peraldosteronismo primário, comparando com hipertensos es- sivas sobre o assunto. Concluindo, a MAPA não apresenta ca-
○
senciais. Foram estudadas 16 pessoas de cada grupo. As dife- racterísticas peculiares no hiperaldosteronismo primário, mas
○
○
renças da pressão entre os períodos de vigília e sono foram pode ser útil para avaliação mais apurada dos níveis tensio-
similares às dos hipertensos essenciais (15 ± 3 / 14 ± 2 vs. 14 nais e variação circadiana da pressão arterial.
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v. 2, p. 35–39, 1993.
68 HIPERTENSÃO
TERAPÊUTICA
Análise crítica do estudo ALLHAT:
Tratamento
utilidade clínica questionável
tanto, esse desenho favorecia um dos grupos (diu- l Os níveis da pressão arterial sistólica durante o
○
○
rético) e explica a maior redução da PA observada tratamento foram significativamente mais baixos
○
entre os pacientes tratados com o diurético, crian- no grupo clortalidona. Para o grupo como um todo,
○
○
do assim um desbalanço. Esse desbalanço torna- essa diferença foi ligeiramente superior a 2 mmHg,
○
se mais aparente quando se considera a população sendo que para a população negra a diferença se
○
étnica negra, que representa cerca de um terço dos situou entre 4 e 5 mmHg. Publicação recente de
○
○
pacientes do estudo. É importante comentar que uma metanálise com 61 estudos observacionais e
○
esse ponto pode ter sido crucial nos resultados, uma prospectivos envolvendo um milhão de indivíduos
○
○
vez que 58,8%, 64,1% e 74,1% dos pacientes dos adultos3 demonstra que diferenças pressóricas se-
○
grupos clortalidona, amlodipina e lisinopril, res- melhantes às aqui observadas têm forte impacto
○
○
pectivamente, foram tratados com associações de sobre a incidência de acidente vascular cerebral e
○
vel a importância dos resultados, uma vez que as explicar totalmente as diferenças encontradas.
○
associações de hipotensores empregadas, especial- Outro argumento forte a favor dessa explicação é
○
○
mente para os grupos lisinopril e amlodipina, não o fato de que a redução de 15% na incidência de
○
refletem a prática clínica e não são recomendáveis, AVC no grupo clortalidona é totalmente devida à
○
a não ser para o grupo clortalidona, no qual as as- redução de 40% desse evento na população negra,
○
○
70 HIPERTENSÃO
é, qual seria o resultado se a redução da pressão arte- apresentaram valores glicêmicos de jejum normais
rial tivesse sido semelhante? e que durante o estudo atingiram níveis superiores
a 126 mg/dL): cerca de 43% a mais que o grupo
n Alterações de parâmetros laboratoriais: seguran- lisinopril e 18% a mais que o grupo amlodipina.
ça e prognóstico futuro Esses resultados estão de acordo com observações
Como era esperado, os pacientes do grupo tratado com de estudos prévios que mostraram que terapêuti-
o diurético clortalidona apresentaram maior freqüên- cas com os anti-hipertensivos mais antigos (diuré-
cia de alterações no perfil de lípides, da glicemia e tico e betabloqueador) se acompanham de maior
nos níveis séricos de potássio. incidência de novos casos de diabetes. O apareci-
mento desses novos casos, associado ao uso de um
l As alterações do perfil lipídico, embora discretas, determinado tratamento, é de alta importância clí-
foram significativas e poderiam inclusive ter sido nica, pois seguramente implica, ao longo do tem-
de maior magnitude caso boa parte dos pacientes po, o prognóstico do paciente, além de acrescentar
não tivesse recebido pravastatina em decorrência novas medidas terapêuticas farmacológicas e não-
do desenho do estudo (braço vastatina). farmacológicas ao esquema de tratamento. É am-
plamente reconhecido que a instalação de diabete
l Em relação ao potássio plasmático, não só os ní- melito aumenta de forma muito significativa o ris-
veis séricos foram significativamente menores no co cardiovascular do paciente. Desse modo, existe
grupo clortalidona em relação aos demais como a chance razoável de que se o período de seguimen-
incidência de hipocalemia (K+ < 3,5 mEq/l) foi to do estudo ALLHAT fosse maior – por exemplo:
muito maior no grupo clortalidona, cerca de cin- dez anos – os resultados seriam bem diferentes,
co a dez vezes mais que o observado nos grupos com uma taxa de morbidade e mortalidade cardio-
amlodipina e lisinopril. Esse dado é de relevância vascular maior no grupo clortalidona comparado
clínica e implicará a instituição de medidas visan- com os demais, em decorrência do impacto dessas
do à reposição desse íon, pois é importante lem- alterações metabólicas e iônicas.
brar que existem estudos clínicos e experimentais
que associam menores níveis séricos de potássio n Considerações econômicas
a maior morbidade e mortalidade cardiovascular. É no mínimo questionável fazer considerações eco-
Assim, se tal alteração não for corrigida, é possí- nômicas levando em conta o custo das medicações e
vel que ao longo do tempo (período maior que a apenas os desfechos observados no período de segui-
duração do estudo e habitual para o paciente hi- mento médio do ALLHAT, sem considerar a possibi-
pertenso) exista aumento de morbidade e mortali- lidade de que complicações decorrentes das altera-
dade especialmente cardiovascular, tamponando ções metabólicas e iônicas induzidas podem afetar a
parte do benefício observado. taxa de eventos num período mais prolongado, que é
o usual para o paciente hipertenso. O custo do trata-
l Também, como era esperado, os pacientes do gru- mento dessas alterações e complicações advindas, tan-
po clortalidona apresentaram níveis glicêmicos to no que se refere à necessidade de adição de novos
médios um pouco maiores que os dos demais, prin- medicamentos ao esquema terapêutico como ao sur-
cipalmente em comparação com o grupo lisino- gimento de necessidades de propedêutica clínico-la-
pril. Mais ainda e seguramente de maior relevân- boratorial adicional e especializada, bem como cus-
cia é a observação de que o tratamento com base tos hospitalares, entre outros, deve seguramente fazer
na clortalidona se acompanhou do aparecimento parte da equação quando estamos avaliando o impac-
de novos casos de diabetes (isto é, pacientes que to econômico de um tratamento a longo prazo.
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Research Group. Major cardiovascular events in hypertensive pati- p. 1903–1913, 2002.
BIOLOGIA MOLECULAR
○
○
○
Genética molecular e
○
○
○
○
hipertensão arterial
○
○
○
○
Médico Assistente-Doutor da Unidade de Hipertensão quantitativo altamente variável. Em estudos populacionais a distri-
○
○
72 HIPERTENSÃO
coce, à instalação de medidas de prevenção não-farmacológicas, ou a Outra evidência para a existência de fatores genéticos determi-
um melhor tratamento, quando da condição já instalada. nando os níveis de pressão arterial de um indivíduo é a existência de
Postula-se, ainda, que variações genéticas podem contribuir para uma série de modelos animais para hipertensão arterial. Aqui, clas-
a determinação dos níveis de pressão arterial de um indivíduo. Esse sicamente se destacam os modelos animais existentes em ratos, como
conceito não se deve apenas à herdabilidade elevada da pressão arte- o SHR, o SHR-SP ou o Dahl, em que características ligadas à hiper-
rial definida como um fenótipo ou ao caráter quantitativo de sua tensão arterial são geneticamente determinadas7. Importantes avan-
distribuição populacional, mas também ao grande impulso que tra- ços no entendimento da fisiopatologia e dos determinantes dos ní-
balhos envolvendo modelos animais de hipertensão, estes, sim, ge- veis pressóricos devem-se a investimentos em estudos com aborda-
neticamente determinados, deram ao estudo desses determinantes. gens de localização e isolamento gênico nesses modelos animais8.
Não se deve subestimar, ainda, a contribuição dos fatores genéticos Talvez, no entanto, a maior evidência de que variantes genéti-
na própria definição de outros fatores de risco considerados ambien- cas podem influenciar os níveis pressóricos de um indivíduo advenha
tais, como diabetes, obesidade ou mesmo consumo de álcool. Outro do estudo de famílias que apresentam segregação clássica (nos pa-
aspecto importante que deve ser levado em conta nesse complexo drões mendelianos) dos valores de pressão arterial. Uma série de
modelo são as possíveis interações, aditivas ou mesmo sinérgicas, mutações em diferentes genes participantes dos sistemas de home-
entre fatores de risco ditos ambientais e fatores de risco genetica- ostase de sal e água já foi caracterizada em famílias com formas
mente determinados6. monogênicas de hipertensão arterial (isto é, famílias que apresenta-
É justamente a elucidação de quais são as variáveis genéticas vam padrão de herança mendeliano para o valor da pressão arterial
importantes nessa enorme equação que pode ajudar médicos a me- de seus membros)23.
lhor diagnosticar e tratar seus pacientes. Dessa maneira, definir que
a hipertensão de um indivíduo se deve sobremaneira à presença de
resistência à insulina, obesidade, idade e à interação dessas condi-
Definindo os determinantes
ções com outros tantos fatores de risco genéticos pode ser muito moleculares na hipertensão:
mais importante no futuro para o manejo clínico de um paciente do
que conceituá-lo unicamente como hipertenso essencial.
aspectos metodológicos
Tradicionalmente a identificação de genes relacionados a doen-
Herdando níveis de ças vem sendo realizada através de modelos de análise genéticos
pressão arterial descritos já no início da década de 50, mas que tiveram crescimento
exponencial de seus usos e aplicações com o advento do Projeto
A identificação de variantes gênicas (alelos) que contribuem Genoma Humano.
para o desenvolvimento da hipertensão é ainda complicada pelo fato A identificação de um gene causador de determinada patologia
de a hipertensão arterial ser, como fenótipo, o resultado de uma sé- passa, fundamentalmente, por uma de duas abordagens distintas: sua
rie de outros fenótipos intermediários. Ou seja, a hipertensão arte- localização através de clonagem posicional, na qual um gene mutante
rial de um indivíduo nada mais é do que o resultado final do sistema causador de uma doença é identificado a partir de sua posição no geno-
de homeostase de uma série de sistemas fisiológicos operantes no ma, ou a inferência da associação desse gene com uma doença através
momento da medida da PA. de estudos associativos nos quais genes candidatos a causadores da doen-
Nesse sentido, toma fundamental importância a capacidade de ça são testados em diferentes estudos em busca de uma associação posi-
dissecarmos um fenótipo complexo, desmembrando-o em sucessi- tiva com a mesma. A seguir, descrevem-se de forma resumida as princi-
vos fenótipos mais simples (e muitas vezes mais específicos) no in- pais características e usos desses dois tipos de estudos.
tuito de, operacionalmente, melhor definirmos as variáveis atuantes
nesses chamados fenótipos intermediários4,25. Assim, o estudo dos Doenças monogênicas e
determinantes de outros sistemas fisiológicos relacionados à home-
ostase pressórica toma proporções cada vez mais relevantes. O estu- estudos de ligação
do do sistema nervoso autônomo, de hormônios vasopressores/va-
sodilatadores, estrutura e função cardíaca e dos vasos, função renal, Quando estudamos uma doença que segue os padrões de he-
homeostase de líquidos, assim como vários outros, poderia, dessa rança genética descritos por Mendel, dizemos que essa doença é
maneira, auxiliar na definição dos determinantes gênicos do fenótipo mendeliana quanto a sua herança genética. Denominamos doenças
inicial mais complexo; neste caso, a pressão arterial. monogênicas aquelas que são causadas por apenas um gene mutan-
Mas quais são as evidências de que realmente existem deter- te. As doenças mendelianas, por serem monogênicas, podem ter seu
minantes genéticos para a pressão arterial? padrão de herança definido através da análise do heredograma de
Diversos estudos demonstraram a agregação familiar de valo- famílias afetadas, ou através do estudo de várias famílias em estudos
res de hipertensão arterial, tanto entre irmãos quanto entre pais e de segregação. Uma vez definido o tipo de herança genética (autos-
filhos5. Existe uma associação mais importante entre os níveis pres- sômica dominante, recessiva ou ligada ao X), o pesquisador pode
sóricos de irmãos biológicos, comparados com o de irmãos adoti- utilizar métodos de pesquisa mais específicos na busca do gene cau-
vos. Além disso, estudos com gêmeos mostram uma concordância sador da patologia.
maior entre gêmeos monozigóticos do que com gêmeos dizigóticos, Esses métodos, denominados paramétricos, são exemplificados
outra evidência de que os níveis de pressão arterial são, em parte, pelos estudos da ligação.
geneticamente determinados. Aplica-se aqui a mesma observação O fenômeno de ligação genética deriva do fato de que genes
antes realizada. Esses estudos podem subestimar a colaboração de coexistem num mesmo cromossomo. Em seres humanos existem 22
fatores genéticos, uma vez que padrões comportamentais como obe- pares de cromossomos autossômicos e um par de cromossomos se-
sidade ou uso excessivo de álcool também podem ser modulados por xuais. Durante a meiose, os dois cromossomos de um par segregam,
fatores genéticos. de forma que apenas um cromossomo de cada par é transmitido para
um gameta. Os vários cromossomos segregam de forma independen- alta mortalidade encontradas); fenômenos como a penetrância redu-
○
○
te, assim os alelos localizados em diferentes cromossomos também zida, a heterogeneidade genética ou a variabilidade na expressão clí-
○
segregam de forma independente. Isso significa que dois traços defi- nica de determinado defeito podem também reduzir a aplicabilidade
○
nidos por alelos em diferentes cromossomos serão herdados de forma desses métodos. Ainda assim, uma vez superados esses problemas,
○
○
independente numa família. Da mesma maneira, dois traços defini- estudos de ligação são o desenho de estudo de escolha na aborda-
○
dos por alelos que estejam localizados num mesmo cromossomo po- gem genética de doenças monogênicas9.
○
tos aos gametas, uma vez que estão no mesmo cromossomo. Contu-
○
homólogos de um mesmo par. Quando um evento de recombinação Em 1963, Liddle e colaboradores descreveram uma síndrome
○
○
ocorre entre dois loci genômicos, situados contiguamente num mes- autossômica dominante associada a hipertensão moderada a severa,
○
mo cromossomo, estes serão segregados de maneira independente, hipocalemia, alcalose metabólica e níveis plasmáticos suprimidos
○
como se estivessem em cromossomos diferentes. A freqüência com de renina e aldosterona. A correção, tanto da hipertensão quanto da
○
○
que eventos de recombinação ocorrem entre dois loci depende funda- hipocalemia, através do uso de amiloride sugeria que um dos poten-
○
mentalmente da distância cromossômica que separa esses dois loci: ciais candidatos a ser o causador da síndrome de Liddle, como pas-
○
quanto maior a distância, maior a chance de que ocorra recombinação sou a ser conhecida, era o canal epitelial de sódio (CENa) renal. Em
○
entre ambos. Assim, para dois loci próximos, eventos de recombinação 1994, Shimkets e colaboradores foram os primeiros a descrever mu-
serão raros, para dois loci distantes num cromossomo, praticamente tações na região carboxiterminal da subunidade beta do CENa asso-
uma certeza. Denominamos, ainda, fração de recombinação à propor- ciadas à síndrome de Liddle.
ção de todos os gametas que tiveram recombinação genética entre Através da regulação via aldosterona e vasopressina, o canal
dois loci de interesse. Dessa maneira, se dispusermos de um número epitelial de sódio (CENa) localizado no néfron distal é um dos deter-
grande de loci no genoma, dos quais conheçamos a exata localização, minantes primários da absorção renal deste íon. Esse canal compos-
poderemos, no contexto de uma família, estudar a fração de to por três subunidades é membro da superfamília de genes dos ca-
recombinação entre estes loci conhecidos (marcadores genéticos) com nais epiteliais de sódio, que inclui mais de 20 proteínas homólogas.
relação ao locus em que se encontra o gene mutante causador da doen- As proteínas dessa superfamília compartilham uma estrutura carac-
ça, ou traço, que pretendemos estudar. É a esse estudo que denomina- terística: dois domínios transmembrana interligados por uma alça
mos estudo de ligação (se a fração de recombinação entre um marca- extracelular e com domínios carboxi e aminoterminais localizados
dor genético e o locus da doença for pequena, ambos devem estar no intracelular. A alça extracelular é o local de acoplamento da dro-
próximos (ligados quanto à segregação) no genoma e a clonagem ga amiloride, e a região carboxiterminal um “hot spot” para muta-
posicional deste passa a ser possível). ções que alteram a função do canal em humanos. No néfron distal, o
De maneira simplificada, em estudos de ligação procuramos CENa é uma proteína heterotetrâmica, composta por três diferentes
estudar o padrão de segregação do gene mutante, e sua conseqüente subunidades homólogas: duas subunidades alfa, separadas por uma
identificação, através da construção de densos “mapas” genéticos subunidade beta e outra gama, sendo todas necessárias para o fun-
de cada membro da família. Após a construção desses mapas, procu- cionamento normal da proteína.
ramos determinada região dos mapas que esteja segregando junto Análises de outras famílias já identificaram mutações em se-
com a doença estudada. Em outras palavras, procuramos uma região qüências ricas em prolina das porções carboxiterminais das
que esteja presente apenas nos indivíduos afetados dessa família e subunidades beta e gama. Estudos de mutagênese permitiram anali-
ausente nos não-afetados. É nessa região cromossômica que o gene sar algumas dessas mutações e mostrar que elas levam a proteínas
mutante causador da doença deverá se localizar. constitutivamente ativadas. Além disso, várias evidências sugerem
Num segundo momento, procede-se ao estudo detalhado da que mutações causadoras da síndrome de Liddle levam tanto à ex-
região identificada em busca da identificação precisa do gene mutado pressão de um número maior de canais de sódio quanto a um aumen-
(clonagem posicional). to da probabilidade de abertura dos mesmos. Dois mecanismos são
Estudos de ligação, apesar de descritos e propostos já nos anos propostos para explicar tal fenômeno. Mutações em regiões ricas em
50, tiveram seu uso historicamente limitado pela falta de marcado- prolina nas subunidades beta e gama, mas não alfa, podem levar a
res genômicos definidos. Eram limitados a marcadores essencial- uma diminuição da endocitose dessas proteínas, aumentando assim
mente fenotípicos, como sexo e polimorfismos protéicos. Essas li- suas meias-vidas. A regulação da meia-vida dessas proteínas parece
mitações foram recentemente superadas com a descrição de um gran- estar ligada à ubiquitinação de porções carboxiterminais das
de número (milhares) de marcadores genéticos, tarefa especialmen- subunidades alfa e gama do CENa. Esse processo depende da ação
te facilitada pelo Projeto Genoma Humano. Durante os últimos anos de ubiquitina-ligase de uma outra proteína, Nedd4. Embora muta-
esses marcadores foram utilizados com grande sucesso em estudos ções em Nedd4 ainda não tenham sido descritas como personagens
de ligação de um grande número de doenças mendelianas. Em Car- de desbalanços da homeostase pressórica, alterações em CENa no
diologia não foi diferente: as formas familiares de cardiomiopatias sítio de ação dessa enzima parecem contribuir para o fenótipo de
hipertrófica e dilatada, doenças cardíacas congênitas, síndrome de aumento de meia-vida observado na síndrome de Liddle.
Marfan e as arritmias congênitas foram definidas geneticamente com A síndrome de Liddle pode ser tratada através da restrição sali-
o uso de estudos de ligação. na e do uso de amiloride (um diurético inibidor seletivo desse canal
Algumas limitações, contudo, existem quanto ao uso desse tipo de sódio). Estudos com pacientes portadores dessa síndrome podem
de estudo. Em primeiro lugar é necessário que se conheça o tipo de trazer maiores esclarecimentos para o fenômeno da hipertensão sal-
herança envolvido; são geralmente necessárias grandes famílias afe- sensível, assim como definir formas terapêuticas ainda mais especí-
tadas pela doença (o que nem sempre é possível devido à raridade e ficas para essa e outras formas de hipertensão arterial10,11.
74 HIPERTENSÃO
Hipertensão arterial essencial como Dentre esses problemas se destacam a difícil escolha de contro-
les (as freqüências dos diferentes marcadores estudados são altamen-
doença complexa: interações gene- te dependentes do grupo étnico e da estrutura populacional estudada);
ambiente e estudos de associação erros na quantificação da exposição ambiental (inerente a todos os
tipos de estudos epidemiológicos; quando do estudo das interações
gene-ambiente esse tipo de erro pode produzir grandes equívocos na
A epidemiologia genética tem se tornado progressivamente mais
estimação das interações estudadas, uma vez que essas são dependen-
importante no estudo dos determinantes moleculares das doenças
tes do valor total da exposição, assim como dos valores relativos ao
complexas. Denominam-se doenças complexas aquelas que têm sua
tempo de exposição e período da exposição – por exemplo, intra-úte-
gênese e desenvolvimento dependente de uma série de diferentes
ro); erro na classificação genotípica (enquanto não se definirem todas
fatores genéticos e ambientais. Assim, diferentemente das doenças
as variantes funcionais de um gene numa população, pode-se estar
monogênicas descritas anteriormente, as doenças complexas são cau-
pesquisando as variantes funcionais “erradas”, ou seja, aquelas que
sadas por um grande número de alelos gênicos e por diferentes inte-
não conferem risco, apesar do gene em questão estar envolvido na
rações desses alelos com influências ambientais. O conceito da inte-
gênese da patologia); tamanho das amostras (muitas vezes grandes
ração gene-ambiente torna-se central nesses tipos de estudo e no
amostras são necessárias para determinados tipos de estudo, princi-
acesso das causas dessas doenças em populações humanas.
palmente quando os alelos estudados são pouco freqüentes e o tipo de
Uma série de diferentes tipos de estudos vem sendo proposta e
exposição também é pouco freqüente ou apenas moderado) 9.
utilizada nesse sentido. Uma vez que a preocupação central desses
estudos não é a de localizar a mutação causadora da doença nem estu-
dar seu padrão de herança, e sim a de procurar melhor entender a Estudos epidemiológicos
etiologia e patofisiologia dessas afecções através da quantificação do não-tradicionais:
risco de indivíduos em uma população, modelos de análise não-
paramétrica vêm sendo preferencialmente utilizados. Esses modelos,
Dúvidas quanto à escolha do melhor grupo controle para estu-
diferentemente dos estudos paramétricos (por exemplo, estudos de
dos do tipo caso-controle levaram ao desenvolvimento de uma série
ligação) não pressupõem o conhecimento do tipo de herança genética
de abordagens não-tradicionais nos estudos de associação genética.
da doença a priori sendo, assim, ideais para o estudo de doenças como
Destacam-se três diferentes abordagens que permitem contornar os
o diabetes, a hipertensão e a aterosclerose que, apesar de se agrega-
problemas de variação populacional e étnica quanto aos marcadores
rem em famílias, não têm um modelo de segregação facilmente
genéticos utilizados: estudos que somente utilizam casos; estudos
determinável. Outra vantagem do uso de modelos não-paramétricos
do tipo caso-familiar e estudos do tipo caso-irmão (“sib-pair”).
na análise de dados é que eles oferecem ao pesquisador maior sensi-
Em estudos que se utilizam apenas de casos não existe um gru-
bilidade para a identificação de alelos que aumentem apenas modera-
po controle e o pesquisador parte do princípio de que o genótipo de
damente o risco relativo de um indivíduo ao desenvolvimento de uma
um indivíduo e sua exposição ambiental são variáveis independen-
patologia. Uma vez que se acredita que as doenças complexas são
tes. Várias limitações existem nesse tipo de desenho:
causadas por um número grande de alelos deletérios que, individual-
mente, confeririam um risco pouco aumentado ao indivíduo portador
n a escolha dos casos é ainda sujeita aos biases usuais
do mesmo, a análise dessas doenças através de estudos paramétricos
provavelmente não identificaria tais alelos como de risco. desta escolha, como em estudos caso-controles;
n a assunção de que as exposições são independentes
do genótipo não são válidas para todos os genes;
Estudos epidemiológicos clássicos no n esse tipo de desenho não permite ao investigador ava-
contexto das interações gene-ambiente: liar os efeitos, ou da exposição ou do genótipo, de
forma independente;
Se entendermos as interações gene-ambiente como o controle n assim como em estudos do tipo caso-controle, a asso-
genético da sensibilidade de um indivíduo às exposições ambien- ciação encontrada pode ser apenas por desequilíbrio
tais, e fatores genéticos como uma das características de seus porta- de ligação (no qual o alelo estudado não é o “causa-
dores, então essas interações poderiam ser analisadas através do uso dor” da associação e sim apenas “próximo” genetica-
de desenhos de estudos epidemiológicos clássicos, como estudos de mente do alelo realmente importante).
coorte e caso-controle.
Em um estudo tipo caso-controle os marcadores genéticos pos- Em estudos que utilizam casos e familiares, estes últimos são
tulados a participarem em algum aspecto da doença estudada e fato- utilizados como grupo controle na procura de marcadores genéticos
res ambientais supostamente relevantes são estudados individualmen- que poderiam estar associados a um aumento do risco para o desen-
te como preditores independentes de doença, assim como de manei- volvimento da doença. O método requer o conhecimento das infor-
ra conjunta. Nos estudos de coorte, as exposições ambientais e os mações genotípicas dos pais dos indivíduos-casos. Em sua forma
fatores de risco genéticos são mensurados para todos os indivíduos mais simples, esse tipo de teste compara os alelos transmitidos de
no início do estudo e depois durante avaliações subsequentes. indivíduos afetados com os alelos não-transmitidos. Os alelos não-
Apesar de esses estudos terem se tornado bastante populares, transmitidos formam um grupo de alelos controles. A análise é con-
principalmente por serem já de uso corrente nas investigações de duzida de forma condicional aos genótipos dos pais, com cada “trio”
epidemiologia clínica, bastante sensíveis e permitirem a análise de familiar sendo considerado uma unidade à parte. Uma das limita-
vários tipos diferentes de exposição e interações gênicas com o de- ções desse método é que o grupo controle pode não ser representati-
senvolvimento de determinada patologia, eles apresentam alguns pro- vo da população em risco para a patologia estudada, especialmente
blemas metodológicos que têm diminuído o interesse de pesquisa- quando alguns dos genótipos estudados podem interferir com a ca-
dores pelo seu uso. pacidade reprodutora. Além disso, a necessidade dos pais dos indi-
víduos-casos pode constituir um grande empecilho para o uso desse natriurético e receptor de insulina já foram também associados ini-
○
○
método, especialmente quando se estudam patologias crônicas, mais cialmente ao desenvolvimento de pressão arterial, mas subseqüente-
○
prevalecentes numa faixa etária mais avançada. mente não-confirmados em outros estudos. Espera-se que aborda-
○
O terceiro tipo de método epidemiológico não-tradicional aqui gens mais robustas de delineamento metodológico, assim como a
○
○
descrito é o de caso-irmão. Nesse tipo de análise o investigador determi- utilização de uma maior capacidade de geração de dados, possam
○
na se cada unidade caso-irmão compartilha 0, 1 ou 2 alelos em um locus ajudar a vencer alguns desses novos desafios21.
○
chance de que dois irmãos compartilhem 0, 1 ou 2 alelos é, respectiva- Tratamento da hipertensão arterial:
○
que existe uma ligação entre os alelos estudados e a doença. Diferente- moldando a terapêutica ao paciente
○
○
existência de ligação, ou seja, adiciona ao modelo de análise associativa O objetivo do tratamento anti-hipertensivo é o de reduzir o ris-
○
o fator segregação, ponto central dos estudos em genética. co cardiovascular de um indivíduo e, assim, as taxas de morbidade e
○
○
Uma série de variantes dos modelos propostos vem sendo de- mortalidade. Em um paciente, a decisão de iniciar tratamento é de-
○
senvolvida. Uma maior capacidade técnica para a geração de dados terminada por uma série de fatores, como a magnitude da elevação
○
genotípicos associada a um maior poder estatístico advindo de no- da PA, o acometimento de órgãos-alvo e a presença de outros fatores
○
○
vos algoritmos e modelos matemáticos prometem revolucionar a área de risco cardiovascular. Nos últimos anos, uma série de alterações
○
do estudo das doenças complexas e auxiliar não apenas em seu en- nos paradigmas desse tratamento ocorreram. Essas mudanças foram
○
tendimento, mas também no tratamento e na prevenção12,13. refletidas em consensos recentes, como o JNC VI e o “Guideline” da
○
76 HIPERTENSÃO
exemplo). No entanto, ainda mais importante na determinação indivi- São exemplos, nesse sentido, variantes gênicas no gene da
dual da resposta são fatores herdados capazes de alterar a cinética e a alfaaduccina, associadas à resposta a diuréticos tiazídicos; o poli-
dinâmica de uma série de drogas20. Assim, variações genéticas em genes morfismo D/I do gene da enzima conversora da angiotensina I, asso-
responsáveis por enzimas metabolizadoras de drogas, receptores de dro- ciado à resposta à terapêutica com inibidores da mesma enzima; va-
gas e proteínas transportadoras de drogas, já foram associadas com a riantes da enzima do citocromo P450 CYP 2C9 e um efeito anti-
variabilidade individual na resposta ou toxicidade às drogas. Se existem hipertensivo menor do losartan e variações no gene da N-
variações gênicas em determinada população numa freqüência maior acetiltransferase e o desenvolvimento de lúpus eritematoso sistêmi-
do que 1%, tais variações são denominadas polimorfismos gênicos. Po- co secundário ao uso de hidralazina. Esses e novos exemplos certa-
limorfismos gênicos podem explicar por que determinado indivíduo se mente irão se beneficiar de esforços conjuntos na geração de novos
encontra em maior risco para uma pior resposta ou ao desenvolvimento dados genéticos em larga escala e da consolidação de novas aborda-
de uma reação adversa a determinada droga. gens matemáticas e computacionais que vêm sendo desenvolvidas.
As primeiras descrições de reações adversas a drogas relacio- Ressalte-se, no entanto, que esses estudos devem ser alvo das mes-
nadas a variantes de enzimas metabolizadoras datam da década de mas críticas antes feitas ao estudo dos determinantes primários da
50. Curiosamente, a identificação genética de uma dessas enzimas pressão arterial e ainda necessitam reprodução em estudos de maior
(uma das enzimas participantes do sistema metabolizador do cito- dimensão.
cromo P450 – CYP 2D6) foi auxiliada pelo estudo de pacientes que Ainda assim, espera-se que, num futuro não muito distante,
apresentavam hipotensão ortostática com o uso da droga anti-hiper- algoritmos para o diagnóstico e o traçado de um perfil de resposta
tensiva debrisoquina. Atualmente muitas variantes gênicas em enzi- terapêutica mais específicos possam estar disponíveis para clínicos
mas metabolizadoras, receptores e transportadores já foram descri- e pacientes e que com isso tanto a morbidade quanto a mortalidade
tas e vêm sendo estudadas como determinantes da resposta à terapia causada pela hipertensão arterial possam ser minimizadas por mo-
anti-hipertensiva24. dalidades não apenas terapêuticas, mas preventivas mais específicas
e custo-efetivas.
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