You are on page 1of 124

Maria Auxiliadora Cavazzoti

FUNDAMENTOS TEÓRICOS
E METODOLÓGICOS DA
ALFABETIZAÇÃO
2009
© 2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização
por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

C377 Cavazotti, Maria Auxiliadora. / Fundamentos Teóricos e Metodo-


lógicos da Alfabetização. / Maria Auxiliadora Cavazotti.
— Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.
124 p.

ISBN: 978-85-387-0660-1

1. Alfabetização. 2. Educação. 3. Letramento. I. Título.

CDD 372.41

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Corel Image Bank

Todos os direitos reservados.

IESDE Brasil S.A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Maria Auxiliadora Cavazotti

Pós-doutora na área de concentração: Filosofia e História da Educação pela Fa-


culdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutora
em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Educação: História, Política, Sociedade pela
PUC-SP. Graduada em Pedagogia e Filosofia pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Pesquisadora sobre a historicidade das práticas pedagógicas escolares e
relações com as práticas sociais que as instituem.
Sumário
Desenvolvimento histórico do processo
de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita......... 11
Alfabetização: a cartilha desde Comenius ....................................................................... 11
Alfabetização ou letramento?................................................................................................ 13

Concepção de letramento..................................................... 21
O que é letramento?.................................................................................................................. 23

Textualidade, código e
meios de produção da escrita.............................................. 29
Crítica aos métodos tradicionais de alfabetização......................................................... 29
A prática pedagógica do ensino da língua escrita
que articula textualidade, código e meios de produção da escrita......................... 32

As quatro práticas da alfabetização.................................... 39

Leitura e interpretação............................................................ 47
A prática pedagógica da leitura e interpretação ........................................................... 48
Seleção dos textos de leitura................................................................................................. 49
Relação de conteúdos.............................................................................................................. 50
A prática da produção de textos.......................................... 55
O texto oral................................................................................................................................... 57
Relação de conteúdos da produção oral........................................................................... 58

Produção do texto escrito...................................................... 65


Relação de conteúdos da produção escrita...................................................................... 67
Prática de escrita......................................................................................................................... 69

Prática da análise linguística................................................. 75

Prática de reescrita do texto.................................................. 83


Colocação de elementos coesivos....................................................................................... 84
Procura da sequência lógica.................................................................................................. 85
Substituição de redundâncias............................................................................................... 85
Pontuação adequada................................................................................................................ 86
Expansão de ideias.................................................................................................................... 86
Colocação de elementos coesivos....................................................................................... 87
Produção da coerência textual.............................................................................................. 87

Procedimentos pedagógicos para


sistematização do domínio do código ............................. 93

Reescrita do texto com o objetivo


de sistematização do domínio do código . ...................103
Gabarito......................................................................................113

Referências.................................................................................119

Anotações..................................................................................123
Apresentação

A concepção de alfabetização na perspectiva histórica e seus fundamentos teórico-


-metodológicos, desenvolvidos nos textos que compõem esta disciplina, apoiam-se
nas reflexões concebidas e elaboradas pela professora-doutora Lígia Regina Klein,
que autorizou sua utilização neste trabalho.
Essa concepção e as questões e propostas de encaminhamentos das ­práticas
pedagógicas que lhe são pertinentes constam das publicações da pesquisadora,
disponibilizadas há algumas décadas para a formação de professores da rede pú-
blica de ensino, em diferentes estados brasileiros.
Tenho compartilhado da trajetória de elaboração de uma produção teórica sobre
a prática pedagógica assentada nos fundamentos da perspectiva histórica, razão
pela qual me sinto estimulada a oferecer essa contribuição para a formação de
novos professores, interessados em acessar o conhecimento científico produzido
no campo da pesquisa em educação.

Maria Auxiliadora
Desenvolvimento histórico do
processo de ensino e aprendizagem
da leitura e da escrita
Vamos iniciar nossa disciplina refletindo sobre o desenvolvimento his-
tórico do processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, apon-
tando-o como prática pedagógica essencial da escola moderna.

Essa reflexão toma como marco inicial a organização do trabalho pe-


dagógico proposto por Comenius, que oferece a sistematização da apren-
dizagem da leitura por meio da cartilha, método que perdurou no longo
período de vigência do ensino tradicional.

Na escola atual, as mudanças tecnológicas dos meios e conteúdos da


comunicação, produzidas no interior do processo de expansão e globali-
zação das relações sociais capitalistas, exigem a inserção do alfabetizando
nas práticas sociais de leitura e escrita, que chamamos de letramento, ul-
trapassando a mera aquisição da técnica do ler e escrever.

A concepção de letramento como fundamento do ensino e da apren-


dizagem da leitura e da escrita, por sua vez, demanda a adoção tanto de
novos conteúdos como da metodologia de seu ensino.

Alfabetização: a cartilha desde Comenius


A produção social da necessidade de universalização do domínio da
leitura e da escrita pela via do ensino escolar tem suas raízes na moder-
nidade. Sua emergência se dá no contexto da expansão do comércio de
mercadorias, produzidas em manufatura, sob a forma do trabalho cole-
tivo e do desenvolvimento da nova ordem social burguesa, constituída
pelas classes em ascensão: a burguesia empreendedora e os trabalhado-
res manufatureiros.

Por seu turno, os reformadores protestantes, coerentemente com o es-


pírito burguês, preconizavam, desde o século XVI, o aprendizado da leitu-
ra, ainda que elementar, com a finalidade de conhecer o texto bíblico.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Nesse contexto de transformações sociais, coube a João Amós Coménio ou


simplesmente Comenius, pastor protestante, considerado o pai da Pedagogia
moderna, lançar, no século XVII, os fundamentos da escola que perdura até
nossos dias, definindo a organização do trabalho pedagógico com base nos ele-
mentos constituintes da produção manufatureira, já presentes na sociedade de
seu tempo (ALVES, 2001).

Ao preconizar o princípio bem conhecido de ensinar tudo a todos, Comenius


define em primeiro lugar o papel do professor. Nesta escola, não há mais lugar
para o sábio, que inicia cada discípulo nas fontes do conhecimento aprofunda-
do, mas o mestre capaz de promover a instrução sobre tudo pelo uso do método
que generaliza o conhecimento necessário ao cidadão comum.

Tal como a manufatura, que abandona o artesão, conhecedor da arte de


elaborar seu produto com maestria, e o substitui pelo trabalhador, que realiza
tarefas parceladas no processo coletivo de trabalho, Comenius concebe a sim-
plificação do trabalho do professor pelo emprego do manual didático como ins-
trumento do ensino. O livro didático difere dos livros científicos ao apresentar o
conhecimento não com a profundidade das fontes originais, mas compendiado
em fórmulas e definições que introduzem o aprendiz nos primeiros passos da
instrução científica.

Nessa perspectiva, Comenius propõe a cartilha de ensinar a ler, elaborada


com a preocupação didática de iniciação à leitura, ilustrada com figuras ao lado
das palavras, das sílabas e das letras do alfabeto. Nada mais parecido com as
cartilhas que ainda perduram nas nossas escolas.

Outro aspecto da escola de Comenius que cabe mencionar é a instrução si-


multânea, ou seja, a classe heterogênea, com os alunos realizando o aprendiza-
do ao mesmo tempo, embora em graus e atividades diferenciadas. Trata-se da
utilização do mesmo princípio do trabalho coletivo manufatureiro e sua conco-
mitante divisão de tarefas, que viabiliza o aumento da produção. Na escola, o
ensino simultâneo possibilita a realização do princípio do ensinar a todos, embora
sua realização só tenha sido efetivamente alcançada por meio de difícil e lento
esforço social, apresentando os primeiros resultados em meados do século XIX.

Consagrada a organização do trabalho pedagógico da escola moderna, que


com o professor e o livro didático ensinam o conhecimento sistematizado para
muitos, o aprendizado da leitura e escrita ocupa um lugar de destaque no pro-
cesso que chamamos de ensino-aprendizagem.

12
Desenvolvimento histórico do processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Alfabetização ou letramento?
A prática pedagógica do aprendizado da leitura e da escrita por meio da car-
tilha perdurou durante o longo período que chamamos de ensino tradicional.

Esse método, centrado no domínio do código, revelou-se suficiente dadas as


condições históricas próprias do aprendizado da leitura, tais como o uso privile-
giado da escrita (as cartas, os bilhetes, os registros de compra etc.) dos recursos
de comunicação entre interlocutores distantes e em razão da ausência de outros
meios técnicos.

Entretanto, o processo crescente de expansão e globalização do capital, ao


intensificar as relações sociais recíprocas de interdependência entre sujeitos
de classes sociais, comunidades, regiões e países diversos, produziu também
novos processos de comunicação quanto aos seus meios e conteúdos. Trata-se
de um processo comunicacional dotado de tamanha rapidez, de tal simultanei-
dade entre a produção e a recepção de um grande número de informações que
passou a exigir novos patamares de leitura e de escrita, denominados pelos es-
tudiosos de letramento.

Segundo Soares (2003, p. 20) “só recentemente passamos a enfrentar esta


nova realidade social em que não basta apenas saber ler e escrever, é preciso
também saber fazer uso do ler e escrever, saber responder às exigências de lei-
tura e escrita que a sociedade faz continuamente”.

Para ampliar a concepção de letramento, recorremos às reflexões de Klein


(2000, p.11), que assim explica:
não há dúvida que o letramento é, hoje, uma das condições necessárias para a realização
do cidadão: ela o insere num círculo extremamente rico de informações, sem as quais
ele, inclusive, nem poderia exercer livre e conscientemente sua vontade […] o homem
contemporâneo é afetado por outros homens, fatos e processos por vezes tão distantes de seu
cotidiano que somente uma rede muito complexa de informações pode dar conta de situá-
lo, minimamente, na teia de relações em que se encontra inserido. Neste universo, tão mais
vasto e complexo, a escrita assume relevante função, registrando e colocando ao seu alcance
as informações que podem esclarecê-lo melhor.

Sendo assim, podemos compreender que o processo educacional de acesso


à leitura e à escrita modifica-se, pois o educando é convidado a inserir-se nas
práticas sociais de leitura e escrita, ultrapassando a mera aquisição da “tecnolo-
gia do ler e escrever” (SOARES, 2003, p. 21).

13
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Em primeiro lugar, do ponto de vista da complexidade da interlocução, faz-


-se necessário um leitor capaz de compreender o significado dos discursos, in-
terpretando os elementos históricos, científicos e ideológicos que o constituem.
Para isso, precisa dominar os elementos de textualidade que constroem o âmbito
discursivo oral e escrito, como também os elementos materiais de sua codifi-
cação (letras e sons). Por outro lado, cabe salientar que os meios tecnológicos,
que viabilizam simultaneidade à comunicação, conferem menor função prática
à escrita manual, dispensando o aprendizado de vários conteúdos relativos ao
domínio específico do código, como se procedia no passado, no ensino sistema-
tizado por meio das cartilhas. Em resumo, as mudanças apontadas implicam a
adoção de novos conteúdos do ensino da leitura e da escrita, pois, enquanto os
conteúdos relativos à textualidade se tornam cada vez mais relevantes, alguns
aspectos pertinentes ao código perdem sua predominância (KLEIN, 2000).

Entretanto, no que se refere à alfabetização, como momento inicial do pro-


cesso educativo do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita, cabe enfati-
zar, ainda segundo Klein, que esta etapa se caracteriza pelo fato de desenvolver,
junto com os conteúdos relativos à textualidade (coesão, coerência, unidade te-
mática, clareza, concordância – que o modelo tradicional de alfabetização não
levava em conta), também os conteúdos pertinentes à codificação/decodifica-
ção (letras, sílabas, famílias silábicas, direção da escrita, segmentação etc.).

Por fim, como decorrência da adoção de novos conteúdos dos processos edu-
cativos do ensino da leitura e da escrita, pressupõe-se também novos processos,
metodologias e estratégias para seu ensino-aprendizagem.

Podemos concluir que, compreender o desenvolvimento e as mudanças do


processo do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita, pressupõe refletir
sobre os determinantes históricos que produziram formas diferenciadas de or-
ganização do trabalho pedagógico em momentos distintos.

Também cabe examinar o processo social de comunicação, cujos avanços


tecnológicos criam necessidades próprias de produção de um leitor e de um
escritor capaz de se apropriar e de interpretar as informações que circulam na
intensa rede de relações que se estabelece na sociedade.

Como decorrência, cabe à escola considerar a importância e a necessidade de


fundamentar sua prática pedagógica numa clara concepção desses fenômenos
sociais e de suas diferenças e relações. Assim, o caráter histórico da comunicação

14
Desenvolvimento histórico do processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

e do papel que a leitura e a escrita desempenham neste contexto é o ponto de


partida para a formação do educador-alfabetizador, que pretende desempenhar
sua função docente no desenvolvimento de processos educativos de ensino e
aprendizagem, da leitura e da escrita.

Texto complementar

Cartilha de alfabetização e cultura escolar:


um pacto secular
(MORTATTI, 2000)

Necessidade apontada desde o final do século XIX no Brasil, o processo


de nacionalização do livro didático – produzido por brasileiros e adequado à
realidade brasileira – acompanha pari passu o anseio de organização republi-
cana da instrução pública; e, simultaneamente, faz-se acompanhar do surgi-
mento e da expansão do mercado editorial brasileiro, que na escola encontra
espaço privilegiado de circulação e público consumidor de seus produtos.

No entrecruzamento desses anseios e iniciativas, o ensino inicial da leitu-


ra é tomado como problema estratégico, tornando-se um importante índice
para medir a eficácia da escola em relação ao cumprimento da promessa
com que acena às novas gerações e que a caracteriza e justifica: o acesso ao
mundo público da cultura letrada.

Inicia-se, assim, um movimento de escolarização das práticas culturais de


leitura e escrita e sua identificação com a questão dos métodos de ensino.
Lugar de destaque, passam, então, a ocupar as tematizações, normatizações
e concretizações sobre esse ensino e sobre um tipo particular de livro didáti-
co, a cartilha, na qual se encontram o método a ser seguido e a matéria a ser
ensinada, de acordo com certo programa oficial estabelecido previamente.

Embora já na segunda metade do século XIX encontrem-se cartilhas pro-


duzidas por brasileiros, o impulso nacionalizante nessa área se faz sentir, es-
pecialmente em alguns estados, a partir da década de 1890, solidificando-se

15
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

nas primeiras décadas do século XX, quando se observa o engendramento


de fenômenos correlatos: apoio de editores e especialização de editoras na
publicação desse tipo de livro didático; surgimento de um tipo específico de
escritor didático profissional – o professor; e processo de institucionalização
da cartilha, mediante sua aprovação, adoção, compra e distribuição às esco-
las públicas, por parte de órgãos dos governos estaduais.

Acompanhando o movimento histórico das tematizações, normatizações


e concretizações sobre a questão dos métodos, as primeiras cartilhas brasi-
leiras, produzidas, sobretudo por professores fluminenses e paulistas através
de sua experiência didática, baseavam-se nos métodos de marcha sintética
(processos de soletração e silabação).

Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura com a apresentação das


letras e seus nomes, de acordo com certa ordem crescente de dificuldade.
Posteriormente, reunidas às letras em sílabas e conhecendo-se as famílias
silábicas, ensinava-se a ler palavras formadas com essas sílabas e letras e, por
fim, ensinavam-se frases isoladas ou agrupadas.

Quanto à escrita, esta restringia-se à caligrafia e seu ensino, à cópia, di-


tados e formação de frases, enfatizando-se a ortografia e o desenho correto
das letras.

2.ª lição
va ve vi vo vu
ve va vo vu vi
vo vi va ve vu
vai viu vou
Vocábulos
vo-vó a-ve a-vô o-vo
vi-va vo-vo ou-ve u-va
ui-va vi-vi-a vi-ú-va
Exercícios
vo-vó viu a a-ve
a a-ve vi-ve e vô-a
eu vi a vi-ú-va
vi-va a vo-vó
a a-ve vo-a-va

Exemplo 1- página da Cartilha da Infância, de T.A.B. Gabardo. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
189?, p.11
(Centro de Referência para Pesquisa Histórica em Educação (Unesp-Marília))

16
Desenvolvimento histórico do processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

As cartilhas produzidas, sobretudo no início do século XX, por sua vez,


passaram a se basear programaticamente no método de marcha analítica
(processos de palavração e sentenciação), a partir das contribuições da pe-
dagogia norte-americana, divulgadas inicialmente no estado de São Paulo
pelas reformas da instrução pública na década de 1890 e posteriormente
disseminadas para outros estados brasileiros, por meio de missões de profes-
sores paulistas.

Atividades
1. Quais elementos da organização do trabalho pedagógico da escola moder-
na permanecem presentes até os dias atuais?

17
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

2. Que competências o contexto de interlocução próprio da sociedade atual


propõe como exigências para a formação escolar do leitor?

3. A alfabetização – como momento inicial do processo do ensino e da aprendi-


zagem da leitura e da escrita – comporta conteúdos relativos à textualidade
e conteúdos pertinentes à codificação/decodificação, que são:

a) ensinados isoladamente.

b) vistos ao final do processo.

c) desenvolvidos em conjunto.

d) trabalhados posteriormente.

18
Desenvolvimento histórico do processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Dica de estudo
Para ampliar a compreensão da origem da concepção de alfabetização,
que herdamos do nascimento da escola moderna, recomendamos a seguinte
leitura:

BARBOSA, J. J. A herança de um saber. In: Alfabetização e Leitura. São Paulo:


Cortez, 1994. 2. ed. rev. (Coleção Magistério, 2.º Grau. Série Formação do Profes-
sor. v. 16).

19
Concepção de letramento

A contribuição de Comenius, com o objetivo de expandir a instrução


pública para as massas populares, inaugurou o caminho da produção do
método do ensino eficiente da leitura para crianças em idade escolar.

Transcorridos tantos séculos, podemos observar que o interesse pelo


ensino da leitura e da escrita, a ser generalizado para todas as crianças,
continua a ter grande atualidade diante da necessidade de superar a re-
provação e o fracasso escolar, que perdura na primeira série ou primeiro
ciclo do Ensino Fundamental, momento da alfabetização por excelência.

Porém, antes de retomar a questão do processo de ensino da leitura


e da escrita, não podemos deixar de relembrar, ainda que brevemente, a
importância da determinação social sobre a educação, ou mais especifica-
mente, sua relação com a produção do alfabetismo ou do analfabetismo.
Assim, é importante destacar a ação recíproca que se estabelece entre
educação e as condições de existência da população que são produzidas
por determinada sociedade. Para se desenvolver a educação e, sobretudo,
para que o analfabetismo de fato seja erradicado, é imprescindível que se
removam as causas objetivas que lhe dão lugar. Vários exemplos na histó-
ria demonstram que quando em um país se operam as transformações so-
cioeconômicas que provocam a miséria, o atraso e a submissão da nação,
ele próprio encontra os meios que suprimem rapidamente o analfabetis-
mo, porque, sobretudo, compreende a absoluta e inadiável necessidade
de alfabetizar e instruir seu povo (BRASLAVSKY, 1993).

Em nosso país, a expansão do que chamamos de alfabetismo pela via


da escola de educação básica, obrigatória de 7 a 14 anos, embora legitima-
da na constituição federal, tem percorrido um longo e penoso caminho,
não consolidado, em razão das desigualdades que marcam a sociedade
brasileira.

Ao examinarmos dados de períodos mais recentes, constatamos que,


ao mesmo tempo em que se verifica maior expansão de oferta de ensino
pela escola pública, cresce simultaneamente o número de reprovações na
série de entrada na escola – na classe de alfabetização – do que decorre,
portanto, a permanência do analfabetismo.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

É o que demonstram os dados registrados a partir de 1940, época em que a


escola pública brasileira passou a receber um número maior de alunos provenien-
tes de outros segmentos da classe trabalhadora, que até então não haviam aces-
sado a ela, como aqueles vindos de famílias mais pobres. Do total de alunos que
adentraram na primeira série, não mais de 50% das crianças conseguiram aprova-
ção para a segunda série, ou seja, aprenderam a ler e escrever (SOARES, 2005).

Na década de 1960 e 1970, o Ministério da Educação divulgou os percentuais


registrados na tabela abaixo:

(SOARES, 2005, p. 13)


Alunos ingressantes na primeira Alunos aprovados para a
Ano
série do 1.º grau segunda série do 1.º grau
1963 1 000 449
1974 1 000 438

Pode-se dizer que, no início do século em curso, os resultados do alfabetismo


não são diferentes, pois, segundo as estatísticas governamentais, permanece o
problema da reprovação na classe de entrada na escola. A única diferença é que,
agora, a dificuldade do aluno de romper barreira da etapa da alfabetização passou
a ser o primeiro ciclo; ou, no caso de sistemas, que optaram pela progressão conti-
nuada, o aluno passa ao ciclo seguinte ainda não alfabetizado (SOARES, 2005).

Estudos e pesquisas sobre resultados do alfabetismo/analfabetismo passa-


ram a exigir dos estudiosos Klein (2003) e Soares (2005) a revisão do próprio
conceito de alfabetização.

Se por um lado, pelo próprio sentido etimológico do termo, pode-se definir


alfabetização “como levar à aquisição do alfabeto”, ou seja, “ensinar o domínio
do código da língua escrita, ensinar técnica do ler e escrever”, por outro, não se
pode deixar de ressaltar a apreensão e compreensão de significados expressos
em língua escrita. Nesse caso, a alfabetização é concebida como processo de
compreensão e expressão de significados, com o objetivo de comunicação e in-
teração verbal, de compreensão da realidade. Portanto, código e textualidade
compõem os conteúdos da alfabetização.

Outro desafio que os educadores Klein (2003) e Soares (2003) propõem para
alfabetização escolar é de que não basta que os alunos saibam ler e escrever,
mas faz-se necessário o cultivo das atividades de leitura e escrita que respondem
às demandas sociais de exercício destas práticas. A essa ação pedagógica, que se
processa de forma complementar e simultânea à alfabetização, embora distin-
tas, chamamos de letramento.

22
Concepção de letramento

O que é letramento?
Letramento, segundo Soares (2003) é uma palavra que foi incorporada no
vocabulário dos educadores e linguistas brasileiros, dedicados aos estudos da
alfabetização nas últimas décadas do século passado, e que vai aparecer pela
primeira vez nas publicações dos anos de 1986/1988.

O termo letramento é tradução da palavra inglesa literacy que, por sua vez,
vem do latim littera, que significa “letra”. Encontramos, aqui, a origem etimológi-
ca do termo, ou seja, adicionado o sufixo cy, que significa “qualidade, condição,
estado, fato de ser”, à palavra latina teremos littera + cy = literacy, cujo sentido
passa a ser “estado ou condição que assume aquele que aprende a letra”, ou “a ler
e a escrever” (SOARES, 2003, p. 17).

Para Soares (2003), portanto, a ideia de mudança (literacy) está implícita no con-
ceito de letramento. Como o letramento diz respeito às práticas sociais de leitura e
escrita, seu exercício traz importantes consequências para o próprio sujeito e para
o meio social em que está inserido. Assim, aprender a ler e escrever, alfabetizar-
-se, deixar de ser analfabeto, tornar-se alfabetizado, adquirir a “tecnologia” do ler
e escrever e envolver-se nas práticas sociais de leitura e escrita altera as condições
linguísticas, cognitivas, psíquicas, emocionais, culturais, sociais e políticas que o
sujeito e a comunidade a que pertence tem sob o impacto dessas mudanças.

Podemos concluir, conceituando, ainda segundo Soares (2003) que “letra-


mento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou aprender a ler e escrever: o
estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como con-
sequência de ter-se apropriado da escrita”.

Uma dificuldade que a concepção de letramento apresenta é de como dife-


renciar um alfabetizado de um letrado. Faz-se necessário retomar o pressuposto
já explicitado de que o letramento comporta a dimensão individual do domínio
técnico do ler e escrever – desenvolvido no âmbito da alfabetização – e a di-
mensão cultural, como um conjunto de atividades sociais que envolvem a língua
escrita e seu uso segundo o padrão das exigências de determinado contexto
social. Com base nessa concepção, pode-se distinguir o âmbito da aprendiza-
gem da leitura e da escrita que se refere às habilidades de ler e escrever, e o
âmbito que inclui a prática dessas habilidades em atividades significativas para
a formação cultural, científica e ideológica do aprendiz.

23
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Texto complementar

A invenção do letramento
(SOARES, 2004)

É curioso que tenha ocorrido em um mesmo momento histórico, em so-


ciedades distanciadas tanto geograficamente quanto socioeconomicamen-
te e culturalmente, a necessidade de reconhecer e nomear práticas sociais
de leitura e de escrita mais avançadas e complexas que as práticas do ler e
do escrever resultantes da aprendizagem do sistema de escrita. Assim, é em
meados dos anos 1980 que se dá, simultaneamente, a invenção do letramen-
to no Brasil, do illettrisme, na França, da literacia, em Portugal, para nomear fe-
nômenos distintos daquele denominado alfabetização, alphabétisation. Nos
Estados Unidos e na Inglaterra, embora a palavra literacy já estivesse diciona-
rizada desde o final do século XIX, foi também nos anos 1980 que o fenômeno
que ela nomeia, distinto daquele que em língua inglesa se conhece como
reading instruction, beginning literacy tornou-se foco de atenção e de discus-
são nas áreas da educação e da linguagem, o que se evidencia no grande
número de artigos e livros voltados para o tema, publicados, a partir desse
momento, nesses países, e se operacionalizou nos vários programas, neles
desenvolvidos, de avaliação do nível de competências de leitura e de escrita
da população [...]. É ainda significativo que date aproximadamente da mesma
época (final dos anos 1970) a proposta da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) de ampliação do conceito de
literate para functionally literate, e, portanto, a sugestão de que as avaliações
internacionais sobre domínio de competências de leitura e de escrita fossem
além do medir apenas a capacidade de saber ler e escrever. [...]

No Brasil [...] o despertar para a importância e necessidade de habilidades


para o uso competente da leitura e da escrita tem sua origem vinculada à
aprendizagem inicial da escrita, desenvolvendo-se basicamente a partir de
um questionamento do conceito de alfabetização. Assim, ao contrário do
que ocorre em países do Primeiro Mundo [...], no Brasil os conceitos de al-
fabetização e letramento se mesclam, se superpõem, frequentemente se
confundem. Esse enraizamento do conceito de letramento no conceito de
alfabetização pode ser detectado tomando-se para análise fontes como os
censos demográficos, a mídia, a produção acadêmica.

24
Concepção de letramento

Assim, as alterações no conceito de alfabetização nos censos demográfi-


cos, ao longo das décadas, permitem identificar uma progressiva extensão
desse conceito. A partir do conceito de alfabetizado, que vigorou até o Censo
de 1940, como aquele que declarasse saber ler e escrever, o que era interpreta-
do como capacidade de escrever o próprio nome; passando pelo conceito de
alfabetizado como aquele capaz de ler e escrever um bilhete simples, ou seja,
capaz de não só saber ler e escrever, mas de já exercer uma prática de leitura
e escrita, ainda que bastante trivial, adotado a partir do Censo de 1950; até
o momento atual, em que os resultados do Censo têm sido frequentemente
apresentados, sobretudo nos casos das Pesquisas Nacionais por Amostragem
de Domicílios (PNAD), pelo critério de anos de escolarização, em função dos
quais se caracteriza o nível de alfabetização funcional da população, ficando
implícito nesse critério que, após alguns anos de aprendizagem escolar, o in-
divíduo terá não só aprendido a ler e escrever, mas também a fazer uso da
leitura e da escrita, verifica-se uma progressiva, embora cautelosa, extensão
do conceito de alfabetização em direção ao conceito de letramento: do saber
ler e escrever em direção ao ser capaz de fazer uso da leitura e da escrita.

[...]

Em síntese, o que se propõe é, em primeiro lugar, a necessidade de reco-


nhecimento da especificidade da alfabetização, entendida como processo de
aquisição e apropriação do sistema da escrita, alfabético e ortográfico; em
segundo lugar, e como decorrência, a importância de que a alfabetização se
desenvolva num contexto de letramento – entendido este, no que se refere
à etapa inicial da aprendizagem da escrita, como a participação em eventos
variados de leitura e de escrita, e o consequente desenvolvimento de habili-
dades de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua
escrita, e de atitudes positivas em relação a essas práticas; em terceiro lugar, o
reconhecimento de que tanto a alfabetização quanto o letramento têm dife-
rentes dimensões, ou facetas, a natureza de cada uma delas demanda uma
metodologia diferente, de modo que a aprendizagem inicial da língua escrita
exige múltiplas metodologias, algumas caracterizadas por ensino direto, explí-
cito e sistemático – particularmente a alfabetização, em suas diferentes facetas
–, outras caracterizadas por ensino incidental, indireto e subordinado a possi-
bilidades e motivações das crianças; em quarto lugar, a necessidade de rever
e reformular a formação dos professores das séries iniciais do ensino funda-
mental, de modo a torná-los capazes de enfrentar o grave e reiterado fracasso
escolar na aprendizagem inicial da língua escrita nas escolas brasileiras.

25
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Atividades
1. Observe a tabela abaixo:

Alunos ingressantes na Alunos aprovados para a


Ano
primeira série do 1.º grau segunda série do 1.º grau
1963 1 000 449
1974 1 000 438

O que os dados sobre a aprovação dos alunos na classe que inicia o processo
de escolarização no Ensino Fundamental, revelam a respeito do alfabetismo/
analfabetismo no Brasil?

2. Diante dos resultados do alfabetismo/analfabetismo, os educadores pas-


saram a rever a própria concepção de alfabetização e complementaram-na
com o conceito de letramento. Explique essas concepções.

26
Concepção de letramento

3. A palavra letramento, traduzida do inglês literacy, significa:

a) estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever.

b) ensino e aprendizagem de habilidades iniciais de leitura e escrita.

c) domínio de algumas práticas individuais de leitura e escrita.

d) técnica herdada e aprimorada para aprender a ler e a escrever.

Dica de estudo
Recomenda-se a leitura deste livro para que se possa ampliar a compreensão
da origem da concepção de letramento.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Au-


têntica, 2003.

27
Textualidade, código e
meios de produção da escrita
Conceber a escrita em uma perspectiva social implica, como vimos, en-
tendê-la como produção humana e compreender a forma que ela assume
sob determinada organização social e quais funções cumpre. Por esta razão,
o ensino da língua escrita – nem mesmo no período inicial de sua apren-
dizagem, que chamamos de alfabetização – se reduz ao mero domínio do
código, pois este é apenas um instrumento de realização de determinadas
funções, e como tal não esgota todas as possibilidades sociais da escrita.

No ensino dito tradicional, a concepção de alfabetização está orienta-


da pelo princípio de que o aprendiz pode ser considerado alfabetizado
quando reconhece o alfabeto, escreve o nome ou é capaz de ler e escrever
textos simples.

A prática pedagógica decorrente dessa concepção limita-se, portanto,


ao ensino dos elementos básicos do código. Neste sentido, a alfabetização
se reduz ao reconhecimento das letras e do seu valor fonético, o que per-
mite, e até obriga, a partição da linguagem em seus elementos materiais
mais simples: sílabas, letras e fonemas.

Entretanto, atualmente, há um consenso quanto à superação deste


conceito limitado e só se considera alfabetizado quem é capaz de utilizar a
escrita conforme sua vontade e necessidade, tanto veiculando seu próprio
discurso quanto interpretando o discurso escrito de outrem, inclusive iden-
tificando sua intencionalidade. Desta concepção decorrem exigências pe-
dagógicas não consideradas pelos ditos métodos tradicionais de alfabetiza-
ção, os quais se centravam exclusivamente no domínio básico do código.

Crítica aos métodos


tradicionais de alfabetização
Fazem parte da concepção tradicional de alfabetização – que se configu-
ra pelo uso da cartilha como sistematizadora dos procedimentos seleciona-
dos – os métodos orientados, basicamente, pelo princípio do processo ou
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

de síntese ou de análise para chegar à codificação/decodificação dos elementos


da escrita.

No primeiro grupo, situam-se os métodos fônicos e silábicos, conhecidos


como sintéticos precisamente porque partem das menores unidades da língua.

O outro conjunto, o dos métodos analíticos, pretende superar os problemas


que se verificam na aprendizagem por métodos sintéticos e inicia o processo de
alfabetização pela palavra ou pela frase ou até mesmo por uma história. Nesse
caso, apresenta às crianças uma palavra-chave, que pode ser escolhida aleatoria-
mente ou retirada de uma frase ou história, e estudam-se as sílabas e letras que
a compõem.

A crítica aos procedimentos do método analítico cabe, em primeiro lugar,


ao fato de que o texto é tomado como mero pretexto para a apresentação da
palavra-chave – ainda que significativa para a criança – na tentativa de motiva-
ção para seu estudo, em detrimento do texto concebido como uma unidade de
sentido. Por outro lado, supõe-se que a criança está alfabetizada quando conhe-
ce o conjunto de famílias silábicas. É preciso assinalar, por fim, o fato de que é
comum, ainda, a utilização de ambos os procedimentos, sintético e analítico, na
prática pedagógica denominada método misto.

Embora, à primeira vista, os procedimentos sintéticos e analíticos de alfabe-


tização pareçam radicalmente opostos, tais métodos têm em comum o privile-
giamento do domínio do sistema gráfico em detrimento do conteúdo discursi-
vo que se materializa neste sistema. Por essa razão, elimina-se a dimensão mais
importante da língua escrita: sua significação construída na produção social e
histórica da vida dos homens e reconstruída no processo de interação verbal
entre seus falantes.

A palavra só suscita significação quando é portadora da síntese das experiên-


cias acumuladas pelas gerações anteriores de que o falante se apropria e recons-
trói num novo contexto significativo. Ao reconstruir a significação da palavra no
contexto do texto, o falante recupera a rede semântica que caracteriza e qua-
lifica o objeto e explicita as possíveis relações em que ele se insere. Assim, por
exemplo, ao dizer açucareiro, o falante estará embutindo em uma palavra toda
uma série de conceitos que se formaram ao longo da história dos homens. No
caso, açucareiro designa, por generalização, uma série de objetos; indica, ainda,
que o objeto se relaciona com uma substância – o açúcar; informa sobre seu
caráter instrumental – serve para – e insere o objeto na categoria de continente
– contém algo.

30
Textualidade, código e meios de produção da escrita

Por outro lado, se a palavra é tomada, no contexto do texto, em uma significa-


ção não apenas literal, mais rica ainda é a rede semântica que o falante constrói.
Nesse caso, além da representação construída, ele a reconstrói, inserindo-a em
outra rede de significação. Ou seja, lança mão de duas representações semânti-
cas distintas e estabelece entre elas relações analógicas possíveis. A expressão
cada macaco no seu galho é um bom exemplo dessa construção verbal, pois es-
tabelece uma elaborada rede de relações conceituais, que contém, ao mesmo
tempo, a significação literal das palavras macaco, galho, cada e a significação
de duas situações distintas: “um macaco em cada galho”. Esta última formulação
contém o sentido de respeito pelo espaço do outro; do profissional na função
que lhe é própria e respeitando a área do outro. Enfim, a analogia une as duas
situações na formulação do resultado desastroso da invasão do espaço alheio,
tornando esse conjunto de significações possível de ser elaborado somente no
texto. A palavra isolada, embora síntese de uma rica rede semântica, é portadora
dos limites da literalidade, sem que possa realizar o movimento relacional mais
amplo (KLEIN; SCHAFASCHEK, 1990, p. 37).

Nessa perspectiva, se a palavra isolada não garante a apropriação das possi-


bilidades amplas de significação, o que dizer, então da sílaba e da letra? Efetiva-
mente, se a língua é significação, cuja representação se materializa nos sons e
nas letras, o que é relevante na alfabetização é a apropriação do código escrito
enquanto veículo de significação. Dessa forma, desloca-se a ênfase do aspecto
material gráfico-sonoro da língua para a constituição de sentido, para a dimen-
são argumentativa da linguagem, para o processo de interação verbal. Nesse
caso, a alfabetização supera a redução ao mero domínio do código e se configura
como um processo de aquisição de uma forma particular de linguagem, dotada
de significação. Essa concepção se fundamenta no princípio de que, em lugar
de um todo uniforme e acabado, regulado por regras fixas, a língua é o próprio
processo dinâmico de interação verbal, oral ou escrito, no qual interlocutores
instituem o sentido do discurso. Assim, analisar a palavra plena de significado
requer apreendê-la enquanto interlocução, no processo de interação verbal que
se institui no contexto mais amplo do texto.

Estes fundamentos permitem afirmar que o processo de alfabetização não pode


limitar-se ao reconhecimento dos elementos materiais da escrita, centrando-se,
assim, no domínio do código escrito, embora este constitua um dos eixos impor-
tantes do processo. Impõe-se, pelo contrário, tomar a própria língua como objeto
do processo de alfabetização. Para tanto, o elemento norteador dos procedimen-
tos alfabetizadores é o próprio texto oral e escrito, enquanto unidade de sentido
da língua, no interior do qual a palavra, a sílaba e a letra ganham seu contexto.
31
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

A prática pedagógica do ensino da


língua escrita que articula textualidade,
código e meios de produção da escrita
A reflexão anteriormente desenvolvida aponta para a questão de que o
ensino centrado na cartilha é limitador porque exclui do ensino da língua escrita
o estudo das relações textuais. O esforço de superação desta lacuna, incorporan-
do tais conteúdos à prática pedagógica da alfabetização e enfatizando o trabalho
com o texto como eixo norteador do processo, significou considerável avanço.

Entretanto, o embate entre as limitações do ensino centrado na cartilha e


as propostas de trabalho com o texto abriram um novo flanco de equívocos no
processo de alfabetização. Com a preocupação de suplantar o ensino da cartilha,
muitas propostas de alfabetização passaram a enfatizar as questões da gramáti-
ca textual, secundarizando as atividades de codificação/decodificação. Trata-se
de outra tendência reducionista, pois, ao incorporar os conteúdos da discursi-
vidade, secundarizaram-se os recursos e princípios articuladores do código da
escrita, chegando-se, até mesmo, a abandoná-los, deixando-se que o aluno os
descubra por si mesmo.

Essa é uma visão problemática porque o código constitui, efetivamente, um


aspecto fundamental da escrita. Assim, nem cabe reduzir o ensino da escrita ao
domínio básico do código, limitando as condições de produção do texto; nem
comporta eliminar as atividades de codificação/decodificação, pois também são
elementos necessários à produção textual.

A tentativa de eliminar essas atividades revela uma compreensão que des-


considera a especificidade da alfabetização, vendo-a como um processo absolu-
tamente indistinto de outros momentos de aprendizado da escrita. Se, por um
lado, o aprendizado da escrita no chamado período de alfabetização contém ele-
mentos comuns ao processo genérico de aprendizagem da língua escrita – so-
bretudo no que diz respeito aos conteúdos da textualidade –, por outro, o domí-
nio dos princípios gerais da codificação/decodificação requerem, neste período,
procedimentos especiais, configurando uma especificidade da alfabetização.

Desse modo, a alfabetização, enquanto momento inicial do domínio da escrita,


caracteriza-se por desenvolver simultaneamente os conteúdos relativos à textuali-
dade e os conteúdos pertinentes à codificação/decodificação. Nesse sentido, incor-
pora à sua prática pedagógica os conteúdos gerais da gramática textual (coesão,

32
Textualidade, código e meios de produção da escrita

coerência, unidade temática, clareza, concordância, entre outros) e, também, os


conteúdos básicos do código da escrita alfabética (letras, sílabas, famílias silábicas,
direção da escrita, segmentação etc.). No que se refere ao código, cabe enfatizar
que a alfabetização requer estratégias específicas para seu ensino, propondo ati-
vidades de sistematização que desenvolvam conteúdos relativos aos recursos do
código e seus princípios organizadores.

Podemos concluir, reafirmando a necessidade de superar as concepções redu-


cionistas que limitam a alfabetização apenas ao domínio do código ou que, ao con-
trário, desconsideram a necessidade de procedimentos de sistematização para esse
domínio. Assim, pode-se afirmar a compreensão de que a alfabetização constitui um
momento do ensino-aprendizagem da língua escrita em que ambos os campos de
conteúdo necessitam de desenvolvimento sistematizado, norteado por um objetivo
mais amplo que é a compreensão das funções sociais do texto escrito.

O ensino da língua escrita, em qualquer nível, também no período da alfabe-


tização, tem por objetivo produzir um leitor/escritor competente – portanto, res-
saltando-se que os recursos discursivos podem ser aprimorados indefinidamen-
te, e que os conteúdos que deles derivam devem ser abordados desde o início
da alfabetização, embora se estendam ao longo de toda a formação escolar do
aluno na Educação Básica. Por outro lado, a aquisição básica do código configura
um rol de conhecimentos cujo domínio tem lugar no início do ensino-aprendi-
zagem da língua escrita, que chamamos de alfabetização, contendo, portanto,
determinado grau de especificidade, mas que não se distingue, de modo abso-
luto, do processo geral de aprendizado da escrita.

Texto complementar
A respeito de alguns fatos do ensino
e da aprendizagem da leitura e da escrita pelas
crianças na alfabetização
(CAGLIARI, 1998)

Alunos que são submetidos a um processo de alfabetização, seguindo


o método das cartilhas (com livro ou não), são alunos que são expostos ex-

33
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

clusivamente ao processo de ensino. O método ensina tudo, passo a passo,


numa ordem hierarquicamente estabelecida, do mais fácil para o mais difícil.
O aluno, seja ele quem for, parte de um ponto inicial zero, igual para todos,
e vai progredindo através dos elementos já dominados, de maneira lógica e
ordenada. A todo instante, são feitos testes de avaliação (ditados, exercícios
estruturais, leitura perante à classe), para que o professor avalie se o aluno
acompanha ou se ficou para trás. Neste último caso, tudo é repetido de novo,
para ver se o aluno, desta vez, aprende. Se ainda assim não aprender, repete-
se mais uma vez, remanejam-se os alunos atrasados para uma classe espe-
cial, para não atrapalharem os que progrediram, até que o aluno, à força de
ficar reprovado, desista de estudar, julgando-se incapaz. E a escola lamenta a
chance que a criança teve e não soube aproveitar (sic!).

O método das cartilhas não leva em consideração o processo da apren-


dizagem. Quando diz que faz a verificação da aprendizagem através de dita-
dos, provas etc., na verdade não está verificando se o aluno aprendeu ou não,
mas se o aluno sabe responder ao que se pergunta, reproduzir um modelo
que lhe foi apresentado, demonstrar que o professor ensinou direito. O que
se passa na mente do aluno, as razões pelas quais ele faz ou deixa de fazer
algo são coisas que o método não permite que o aluno manifeste.

Um bom trabalho de alfabetização precisa levar em conta o proces-


so de ensino e de aprendizagem de maneira equilibrada e adequada.
O professor tem uma tarefa a realizar em sala de aula e não pode ser um
mero espectador do que faz o aluno ou simples facilitador do processo
de aprendizagem, apenas passando tarefas. Cabe a ele ensinar também e,
assim, ajudar cada aluno a dar um passo adiante e progredir na construção
de seus conhecimentos.

Com as novas ideias do construtivismo, alguns professores têm levado os


trabalhos da alfabetização para o extremo oposto ao das cartilhas, também
com graves consequências para alguns alunos. É o caso absurdo do professor
que pretende tirar todos os conhecimentos a partir do aluno e, para tanto,
acha que sua tarefa não é a de ensinar, mas, apenas, a de promover situações
para o aluno fazer algo. Tudo o que o aluno faz é valorizado – mesmo que se
constate que ele começa a andar em círculos e não consegue ir além do que
faz – na esperança de que, um dia, ele descubra a solução de seu problema.
Isto pode demorar demais e o aluno pode se ver ridicularizado pelos seus co-
legas, perturbado pelos pais, quando não acontece, para sua grande surpresa,

34
Textualidade, código e meios de produção da escrita

um convite por parte da escola para ele se retirar ou ir para uma classe de
alunos de seu nível. Muitos eufemismos e hipocrisias.

No extremo, por exemplo, algumas classes, estudando algo escrito, se pa-


recem com um grupo de pessoas completamente desnorteadas diante do
sistema de escrita; como turistas curiosos vendo peças de um museu: todos
dão palpites e não se constrói nada. A escola tem de ser diferente: como o
professor conhece o sistema de escrita que usamos (e alguns alunos conhe-
cem alguns de seus aspectos), a escola deve dispor desses conhecimentos
para ajudar quem não sabe. Não é só o professor que é um mediador entre
uma atividade e um aluno que aprende, mas os próprios alunos podem
ser mediadores uns dos outros, quando trabalham juntos e compartilham
conhecimentos.

Deixar o aluno construir seus conhecimentos é fundamental como ativi-


dade própria do aluno. Ensiná-lo, ajudá-lo a progredir é também fundamen-
tal como atividade do professor que dá a razão de ser de uma escola. Se for
apenas para constatar o que cada um faz na vida, não é preciso escola.

Atividades
1. Dentre os métodos tradicionais, que privilegiam o ensino dos elementos
básicos do código, os fônicos ou silábicos são conhecidos como sintéticos,
porque

a) partem das menores unidades da língua (fonemas ou sílabas).

b) iniciam o processo de alfabetização pela palavra.

c) iniciam o processo de alfabetização a partir do texto.

d) partem da conversa oral e das hipóteses da criança sobre a escrita.

2. O conjunto dos métodos tradicionais, que pretendem superar os problemas


de aprendizagem dos métodos sintéticos, é denominado analítico, porque

a) partem das menores unidades da língua (fonemas ou sílabas) para che-


gar à codificação/decodificação de palavras e frases.

b) iniciam o processo de alfabetização pela palavra, pela frase ou até por


uma história, apresentando uma palavra-geradora.

35
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

c) iniciam o processo de alfabetização a partir do texto que é decomposto


em partes menores.

d) partem da conversa oral e das hipóteses da criança sobre a escrita, a par-


tir do que propõe codificação/decodificação.

3. A prática pedagógica do ensino da língua escrita, que articula textualidade,


código e meios de produção da escrita – desde a fase inicial do processo de
alfabetização – tem como eixo norteador o texto oral e escrito. Como se ca-
racteriza o texto segundo esta perspectiva pedagógica.

36
Textualidade, código e meios de produção da escrita

Dica de estudo
Os métodos ditos tradicionais, mas que ainda estão presentes nas nossas es-
colas, podem ser estudados de forma mais aprofundada em:

BARBOSA, J. J. Breve história das metodologias. In: Alfabetização e Leitura. São


Paulo: Cortez, 1994. 2. ed. rev. (Coleção Magistério, 2.º Grau. Série Formação do
Professor. v. 16)

37
As quatro práticas da alfabetização

Afirmar que o processo de alfabetização centrado no trabalho conjun-


to com o texto e o estudo do código implica a compreensão de alguns
pressupostos relativos ao ensino da língua escrita, em razão de que estes
princípios norteiam as quatro práticas pedagógicas da alfabetização, a
saber: leitura e interpretação; produção de textos orais e escritos; análise
linguística; sistematização do código.

O trabalho permanente com textos, baseado nas quatro práticas arti-


culadas acima citadas, permite que em cada nova situação discursiva se
repitam os fundamentos da língua escrita, explicitando o sentido de cada
um de seus recursos. Dessa forma, o aluno passa a ter reiteradas oportu-
nidades de rever o mesmo conteúdo, sob enfoques diferentes, num pro-
cesso gradativo, mas não fragmentado. Por outro lado, a compreensão
gradativa dos fundamentos da língua permite uma avaliação processual
em que o que conta são os fundamentos de que o aluno se apropriou e
não os erros que cometeu.

Vamos ler o que nos diz Klein (2003, p. 34-38) sobre a leitura e a
alfabetização.

Leitura e interpretação
A leitura deverá contemplar uma tipologia variada de textos: in-
formativos, narrativos, narrativo-descritivos, normativos, dissertati-
vos, de correspondência, textos argumentativos, literários, em prosa
e em verso, textos lúdicos, textos didáticos, textos publicitários, entre
outros, buscando promover o conhecimento da função social e dos
mecanismos constitutivos de cada tipo.

A quantidade das práticas de leitura e a qualidade dos textos ofereci-


dos aos alunos constituem regra básica do ensino da língua escrita. Entre-
tanto, é necessário observar duas situações diferentes para essa prática:
leituras de pura fruição, sem a intervenção do professor, e leituras com
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

intervenção pedagógica. No primeiro caso, é importante que o professor dis-


ponibilize para a classe várias opções de textos (livros de história, poesia, crô-
nica, livros informativos, jornais e revistas, história em quadrinhos), promova
um clima agradável e incentive os alunos à exploração desses textos sem,
no entanto, fazer qualquer tipo de cobrança sobre a leitura realizada. Desta
forma, pretende-se produzir intimidade com o material escrito e despertar o
gosto pela leitura. No outro caso, a leitura é estratégia para ensino-aprendi-
zagem; por esta razão, a escolha do texto estará minimamente determinada
pelos conteúdos que o professor deseja sistematizar, seja enquanto leitura
oral, seja enquanto interpretação, ou ainda como referência para o estudo
dos conteúdos relativos ao gráfico ou às relações textuais.

Nos momentos iniciais do processo de alfabetização, a leitura será feita,


pelo professor, para os alunos. À medida que estes forem dominando a deco-
dificação, o professor irá transferindo-lhes progressivamente esta atividade,
até que eles tenham condições de realizá-la autonomamente. Nas atividades
de leitura, o professor trabalhará aspectos da função social do texto, sua in-
terpretação, análise linguística e decodificação.

Nas atividades de interpretação, é fundamental superar o nível superfi-


cial que se caracteriza pela simples localização de informações ou reconhe-
cimento do enredo e proceder à explicitação do tema propriamente dito,
do conteúdo das entrelinhas, das posições e intenções do autor, bem como
desmontar e desenvolver a crítica aos conteúdos ideológicos porventura
presentes no texto. Em outras palavras, é necessário extrair do texto todas as
consequências possíveis.

Produção de textos
A produção de textos pode envolver desde a simples denominação de
elementos do desenho do próprio aluno, até relatos que supõe textos nar-
rativos e narrativos-descritivos, textos informativos, de correspondência etc.,
até textos dissertativos. A composição poderá ser individual ou coletiva. No
início do processo de alfabetização – quando os alunos ainda não dominam
minimamente a escrita – o texto será produzido oralmente pelos alunos
e transposto para escrita pelo professor. Progressivamente o professor vai
transferindo essa atividade para os alunos, à medida que eles vão evoluindo
nas suas tentativas de escrita.

40
As quatro práticas da alfabetização

Análise linguística
A análise linguística é uma atividade paralela às atividades de leitura e
produção de textos. Essa prática objetiva apreender os mecanismos de cons-
tituição de sentido do texto, tais como: concordância, regência, organização,
ambiguidade, clareza, argumentação, entre outros. A atividade de reescrita
do texto é a forma mais fecunda de desenvolver a análise linguística, uma
vez que apreende contextualmente esses mecanismos.

Sistematização para o domínio do código


Esta prática, específica do processo de alfabetização, tem sido atualmen-
te ignorada por muitos professores, retardando ou até mesmo invibializando
a aquisição da escrita. No entusiasmo da crítica aos métodos de cartilha, que
se sustentavam na memorização de famílias silábicas e que ignoravam com-
pletamente os elementos textuais, tais como coesão e coerência, acabou-se
por ignorar ou até mesmo proibir intencionalmente qualquer trabalho espe-
cífico com as letras, com as sílabas e, sobretudo, com as malfadadas famílias
silábicas. Assim, se a alfabetização não pode estar assentada na monótona
repetição das famílias silábicas segundo a proposição das cartilhas, também
não é possível realizá-la sem uma abordagem das letras e sílabas que são
afinal, o conteúdo gráfico, juntamente com os sinais diacríticos.

Evidentemente as práticas anteriormente descritas: leitura, produção de


texto e análise linguística contribuem para a aquisição do gráfico. Não são,
entretanto, suficientes. É necessário que o professor desenvolva atividades
específicas que auxiliem os alunos a compreenderem as relações entre letras
e fonemas: percebendo a existência de relações permanentes, cruzadas e
arbitrárias; identificando as letras e seus diferentes valores fonéticos, reco-
nhecendo a exigência de uma única forma de grafia para uma dada palavra,
não obstante a variedade de letras que possam representar alguns de seus
fonemas etc.

Para tanto, propõe-se que, partindo de uma palavra já identificada num


texto trabalhado, se desenvolvam atividades variadas de comparação gráfico-
-fonética com outras palavras, bem como atividades de identificação de
outros vocábulos por meio de decomposição e de combinação, por exem-
plo, para domínio dos padrões silábicos. Os jogos são a forma mais inte-
ressante de desenvolvimento dessas atividades, que tem a finalidade de

41
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

promover a repetição necessária à consolidação do aprendizado, de forma


lúdica e que enseje o esforço de manter o interesse e a atenção necessários
ao aprendizado.

Texto complementar

O empinador de estrelas
(DIAFÉRIA, 2006)

– A partir de hoje, em todas as aulas, vocês me tragam um pequeno texto


livre. Uma história qualquer acontecida no dia-a-dia. Não é necessário mais
do que dez linhas. Entenderam?

A classe inteira ficou encarando dona Furquim como se ela fosse a mu-
lher-maravilha. Será que dona Furquim estava caçoando da gente?

– Dez linhas do quê, professora?

Dona Furquim estava acabando de apanhar os livros de cima da mesa.


Virou-se e repetiu, como se estivesse dizendo algo que nós sabíamos de cor.

– Vamos contar por escrito as coisas que acontecem todos os dias. O co-
tidiano de cada um. Mesmo que pareça um fato sem importância. Façam de
conta que é uma brincadeira. Em casa, vocês arranjam um tempinho, passam
para o papel um pouco de vida. Tanta coisa, não é mesmo? Sempre acontece
tanta coisa na vida da gente!

Depois da aula geralmente a turma gostava de atirar bolotas de papel


uns nos outros. Nesse dia ninguém atirou bolotas em ninguém. Maria Clara
de Ovo continuava coçando o dedo. O Neto cismou de perguntar se era para
fazer a redação à tinta ou a lápis.

Soara o sinal. Dona Furquim ia saindo:

– À vontade. Tanto faz à tinta ou a lápis.

Assim foi o primeiro dia de aula de Dona Furquim. Ela nunca fez questão
das coisas muito na ponta da língua. Gostava de dizer que é bom aprender

42
As quatro práticas da alfabetização

para a vida. Como se aprende a andar. Foi por causa de dona Furquim que
desse dia em diante passei a rabiscar coisas que aconteciam em minha vida.
Enchi um caderno de redação e depois outro caderno de redação. Isto que
estou contando aqui não passa de folhas soltas desses cadernos. No passar a
limpo, procurei emendar os erros que dona Furquim havia corrigido. Emen-
dei os erros, mas não modifiquei os fatos.

Atividades
1. Que princípios pedagógicos norteiam o trabalho com as quatro práticas pe-
dagógicas da alfabetização?

43
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

2. O que objetivam as atividades de prática de leitura e interpretação de texto?

3. Na produção de texto, quando os alunos não dominam minimante a escrita,


recomenda-se qual procedimento didático?

a) Apenas um aluno deve escrever o texto e os demais devem copiar nos


seus cadernos.

b) O texto deve ser produzido oralmente e transposto para escrita pelo pro-
fessor.

c) Não devem ser produzidos textos escritos até que os alunos aprendam a
escrever.

d) Somente os alunos que já sabem escrever, devem fazer os textos nos


seus cadernos.

44
As quatro práticas da alfabetização

Dica de estudo
Para selecionar textos de leitura, com base nos quais as quatro práticas da
alfabetização possam ser desenvolvidas, você pode recorrer ao estudo do livro:

AGUIAR, V. T. Leituras para o 1.º grau: critérios de seleção e sugestões. In: ZILBER-
MAN, R. (Org.). Leitura em Crise na Escola: as alternativas do professor. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1993.

45
Leitura e interpretação

A proposta de alfabetização pressupõe o desenvolvimento da prática


de leitura como forma de produção de sentido, por meio da interação do
leitor ativo com o texto. Ler, portanto, é dialogar com o texto, estabelecen-
do interlocução significativa, ou seja, não apenas decodificação de letras.

As crianças pequenas, que ainda não sabem ler a língua escrita, mantêm
contato com material gráfico presente no ambiente cotidiano onde vivem
– pinturas, sinais e propagandas – e se apropriam de seu significado, ainda
que de forma limitada. Também manuseiam textos que circulam em seu
meio, e são capazes de antecipar o sentido que eles contêm a partir das
ilustrações que o acompanham. Dessa forma, embora não realizem ple-
namente a leitura, estabelecem interação com alguns elementos do texto
escrito.

A leitura é uma relação de diálogo que se estabelece entre o leitor e o


texto, mas, efetivamente, a produção de sentido não constitui livre inter-
pretação, sendo qualquer afirmação aceitável. Daí a importância da práti-
ca pedagógica capaz de produzir, progressivamente, um leitor capaz de
perceber a riqueza de possibilidades e os limite de interpretação do texto.
A sistematização da leitura, na escola, tem o objetivo de possibilitar a inte-
ração da criança com os mais diversos textos em situações significativas e
diferenciadas, secundando estas interações com as reflexões necessárias
sobre a língua escrita. Por isso, quanto à interpretação, os alunos serão in-
centivados a assumir uma postura crítica na leitura, realizando um estudo
aprofundado do texto.

A leitura de um texto não é mera decodificação de sinais gráficos, mas


a busca de significações marcadas pelo processo de produção do texto e
também pela produção da leitura. Por essa razão, o professor precisa ter
clareza sobre a função dos textos com os quais trabalha com os alunos e
verificar, inclusive, em que contexto eles podem ou não ser alvo de inter-
pretação crítica. Assim, desde o início da alfabetização, o professor incen-
tiva as crianças a lerem criticamente, a fim de compreenderem a realidade
humana na qual estão inseridas. Deve ser explicado a elas que a leitura é
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

muito importante porque nos possibilita pensar sobre a sociedade em que vive-
mos e sobre as condições de vida dos homens dessa sociedade. Trata-se, pois, de
um diálogo que envolve o porquê lemos, para quê, e como lemos.

A prática pedagógica da leitura e interpretação


Ler é uma prática de natureza social, ou seja, é um processo de interação verbal
entre pessoas que estão determinadas pelas relações sociais de seu tempo: seu
lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os outros. Desse
modo, é importante que a criança seja levada a posicionar-se criticamente diante
do texto, ou seja, que aprenda a efetuar uma análise desse texto para perceber a
intenção do autor e suas ideias, bem como sua inserção na sociedade que lhe é
contemporânea. A leitura, nesta perspectiva, desenvolve-se nas formas abaixo.

 Estudo do texto, procurando, por meio da interpretação, fazer uma leitura


crítica, ou seja, uma análise do texto, que ensejará, inclusive, a possibilida-
de de outras leituras, bem como a produção de textos.

 Fruição, quando o aluno seleciona livremente a leitura que deseja fazer,


sem a intervenção do professor, e lê pelo prazer que isso lhe proporciona.

 Busca de informação em textos que contenham instruções, notícias, co-


municações, como folhetos informativos sobre saúde, meio ambiente e
outros assuntos de interesse; verbetes de dicionário e de enciclopédia;
textos didáticos etc. Trata-se de uma leitura de busca de informação es-
clarecedora ou prática, que possa atender a uma necessidade de conheci-
mento imediato por parte do leitor.

Na leitura de textos informativos, o aluno deve ser levado a perceber as ideias


do texto, bem como as relações ou contradições que existem entre elas. Além
disso, é importante perceber a intencionalidade do autor e os argumentos de
que se vale para buscar convencer o leitor.

Os textos literários, por sua vez, têm papel fundamental na alfabetização, prin-
cipalmente os poéticos, que, pela sonoridade e a musicalidade do ritmo e da rima,
têm finalidade de fruição, facilitando de forma lúdica a compreensão da relação
existente entre oralidade e escrita. Convém ressaltar que o texto literário com-
porta possibilidades de muitas interpretações de acordo com a sensibilidade, a
cultura e a visão de mundo do leitor. Entretanto, o professor deve orientar os

48
Leitura e interpretação

alunos quanto aos limites da interpretação, no sentido de proporem ideias per-


tinentes ao texto do autor. Esta característica do texto literário torna muito rica
as atividades de interpretação, mas, por outro lado, a avaliação da sua leitura e
interpretação não obedece aos mesmos critérios do texto informativo ou cientí-
fico. A leitura dos textos literários, pela experiência prazerosa que proporciona e
pela importância que tem na formação do gosto e da prática de leitura, deve ser
constante no trabalho pedagógico.

Seleção dos textos de leitura


Dos fundamentos explicitados até aqui, é possível depreender que a prática
de leitura na alfabetização implica seleção criteriosa e variada de textos a serem
trabalhados em sala de aula. A boa qualidade dos textos, quer na forma, quer no
conteúdo, é preocupação do professor que os escolhe.

Um primeiro critério norteador é que as crianças devem ler, na escola, os


mesmos tipos de textos que circulam no cotidiano das pessoas: rótulos, avisos,
listas, cartazes publicitários, receitas, manuais, agendas, bilhetes informais, pos-
tais, convites, cartas, correspondência comercial, notícias da imprensa, dentre
outros.

Também devem ser trabalhadas, na sala de aula, as linguagens jornalística,


televisiva e cinematográfica, uma vez que elas constituem uma diversidade de
linguagens muito presente na sociedade contemporânea. No entanto, é perti-
nente mostrar ao aluno como elas se relacionam entre si e com o contexto no
qual se originam e são veiculadas.

É fundamental ainda, na alfabetização, desenvolver leituras utilizando textos


que são, segundo a tradição cultural, próprios do universo infantil, tais como:
as cantigas de roda; as parlendas (rimas) usadas para escolher a vez no jogo, os
trava-línguas (composição de recitação difícil, por ser composta por palavras re-
petidas), as poesias, as narrativas como as lendas, as fábulas, os contos, os contos
de fadas; as crônicas e as histórias da literatura infantil. Da literatura, de modo
geral, não deixar de inserir outros gêneros como textos teatrais, humorísticos,
satíricos, diários de viagem e folhetos de cordel.

Convém lembrar por fim, que os objetivos a serem alcançados determinam o


tipo de texto a ser escolhido.

49
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Relação de conteúdos

(KLEIN, 2003, p. 48)


Conteúdos mais específicos da leitura e produção escrita
Reconhecimento de ideias contidas em alguns símbolos usuais.

Criação de símbolos em contextos diversos, com compreensão de sua convencionalidade.

Utilização e interpretação de formas variadas de representação (mímica, dramatização, dese-


nho etc.).

Compreensão da função do símbolo.

Interpretação de desenhos.

Uso do desenho para representar ideias: compreensão do desenho como uma forma de repre-
sentação gráfica de imagens visuais.

Compreensão das funções da escrita.

Distinção entre os símbolos da escrita e outros grafismos (desenho, logotipo, número etc.).

Discriminação visual das letras:


– distinção das letras;
– traçado legível das letras;
– reconhecimento das letras em caixa alta e cursiva;
– reconhecimento de letras escritas em tipos diferentes.

Distinção entre letras e notações léxicas (acentos, til, trema, apóstrofo, cedilha, hífen).

Reconhecimento da direção convencional da escrita.

Reconhecimento da segmentação entre palavras no texto escrito.

Conteúdos mais específicos da interpretação de textos orais


Compreensão das ideias e argumentos de textos orais.

Análise da coerência e pertinência das ideias e argumentos de textos.

Análise crítica de ideias e argumentos.

Distinção entre informações, ideias e argumentos essenciais e acessórios nos discursos.

Reprodução compreensiva e adequada das ideias veiculadas em discurso oral.

Identificação da temática de um discurso, distinguindo-a do enredo.

Identificação de incorreções linguísticas em texto ouvido.

Identificação de inadequações de fluxo, de ritmo, de entonação

Identificação de inadequações lexicais.

Identificação de inadequações de ordenação lógica das ideias.

50
Leitura e interpretação

(KLEIN, 2003, p. 51)


Conteúdos mais específicos da interpretação de textos escritos
Compreensão das ideias e argumentos do autor.

Análise da coerência e pertinência das ideias e argumentos do autor.

Análise crítica das ideias e argumentos do autor.

Distinção entre informações, ideias e argumentos essenciais e acessórios no discurso do autor.

Reprodução das ideias veiculadas no texto.

Identificação da temática de um discurso, distinguindo-a do enredo.

Identificação, no texto, de incorreções gráficas e linguísticas.

Identificação, no texto, de inadequações lexicais.

Identificação, no texto, de inadequações de ordenação lógica das ideias.

Estudo de vocábulos desconhecidos.

Texto complementar
Fobias
(VERISSIMO, 2003, p. 97-98)

Não sei como se chamaria o medo de não ter o que ler. Existem as co-
nhecidas claustrofobia (medo de lugares fechados), agorafobia (medo de
espaços abertos), acrofobia (medo de alturas) e as menos conhecidas ailu-
rofobia (medo de gatos), iatrofobia (medo de médicos) e até treiskaidekafo-
bia (medo do número 13), mas o pânico de estar, por exemplo, num quarto
de hotel, com insônia, sem nada para ler não sei que nome tem. É uma das
minhas neuroses. O vício que lhe dá origem é a gutembergomania, uma de-
pendência patológica na palavra impressa. Na falta dela, qualquer palavra
serve. Já saí da cama de hotel no meio da noite e entrei no banheiro para ver
se as torneiras tinham “frio” e “quente” escritos por extenso, para saciar minha
sede de letras. Já ajeitei o travesseiro, ajustei a luz e abri uma lista telefônica,
tentando me convencer que, pelo menos no número de personagens, seria
um razoável substituto para um romance russo. Já revirei cobertores e len-
çóis, à procura de uma etiqueta, qualquer coisa.

Alguns hotéis brasileiros imitam os americanos e deixam uma Bíblia no


quarto, e ela tem sido a minha salvação, embora não no modo pretendido.

51
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Nada como um best-seller numa hora dessas. A Bíblia tem tudo para acom-
panhar uma noite de insônia: enredo fantástico, grandes personagens, ro-
mance, o sexo em todas as suas formas, ação, paixão, violência – e uma men-
sagem positiva. Recomendo Gênesis pelo ímpeto narrativo. O Cântico dos
Cânticos pela poesia e Isaías e João pela força dramática, mesmo que seja
difícil dormir depois do Apocalipse.

Mas e quando não tem nem a Bíblia? Uma vez liguei para a telefonista de
madrugada e pedi uma Amiga.

— Desculpe, cavalheiro, mas o hotel não fornece companhia feminina…

— Você não entendeu! Eu quero uma revista Amiga, Capricho, Vida Ro-
tariana, qualquer coisa.

— Infelizmente, não tenho nenhuma revista.

— Não é possível! O que você faz durante a noite? Uma esperança!

— Tricô!

— Com manual?

— Não.

Danação.

— Você não tem nada para ler? Na bolsa, sei lá.

— Bem… Tem uma carta da mamãe.

— Manda!

Atividades
1. Que tipo de leitor a prática de leitura e interpretação de texto pretende pro-
duzir?

52
Leitura e interpretação

2. A prática de leitura e interpretação de textos se fundamenta na concepção


de que ler é

a) decifrar o texto e se apropriar do sentido de algumas palavras.

b) decodificar palavra por palavra para, ao final, apreender o significado.

c) produzir sentido pela interação do leitor ativo com o texto.

d) decodificar sinais gráficos e atribuir a eles significado, quando possível.

3. A leitura com o objetivo de estudo do texto se caracteriza pela:

a) análise e interpretação, que ensejará a produção de texto.

b) seleção livre do que deseja ler, sem intervenção do professor.

c) busca de informação para atender a uma necessidade de conhecimento.

d) ocupação do tempo livre com uma atividade útil e produtiva.

Dica de estudo
Para ampliar a seleção de textos da literatura infantil, destinados à prática de
leitura e interpretação, você pode recorrer ao estudo do livro:

BRAGATTO FILHO, P. Pela Leitura Literária na Escola de 1.º Grau. São Paulo:
Ática, 1995.

53
A prática da produção de textos

A prática pedagógica da produção de textos como articuladora do pro-


cesso de alfabetização tem implicações metodológicas importantes. Por
essa razão seu fundamento necessita ser bem compreendido a fim de que
possa ser efetivamente uma proveitosa opção do professor.

Conforme a proposta de Klein (2003, p. 31):


o texto – oral e escrito – consiste num processo de interlocução. É a enunciação que se
realiza por meio de um código e que contém unidade temática, estrutura, coerência,
coesão. O código da escrita apresenta elementos e aspectos próprios: além das letras,
lançamos mão ao escrever, de recursos como pontuação, acentuação e parágrafo. Mas
há, ainda, para articularmos o sentido do texto ouros recursos da língua que o texto
escrito deve incorporar, tais como elementos de coesão, concordância regência, entre
outros. Ora, esses recursos não têm uma função em si mesmos. Esta é determinada
pelo contexto do texto, de modo que para entendê-los é necessário observar sua
inserção no interior do próprio texto. Este, por sua vez, está inserido num contexto
de interlocução o qual determina situações diferentes para um mesmo recurso. Daí
a necessidade do exercício de produção de textos com a devida compreensão de
que os objetivos do texto, o interlocutor a quem se destina e a situação do autor são
fatores que vão determinar escolhas quanto ao tipo de texto, à linguagem adequada,
à argumentação, às informações necessárias, entre outras.

A concepção de produção de texto explicitada nos autoriza a rejeitar


alguns procedimentos metodológicos que têm sido adotados nas nossas
escolas, que consideramos equivocados e nos propomos esclarecer.

Em primeiro lugar, quando o texto é tomado como pretexto para o


estudo generalizado de regras gramaticais, e não como uma produção
escrita como eixo central do processo alfabetizador, no qual os conteú-
dos gramaticais são analisados na situação concreta em que aparecem no
texto produzido. Exemplificando: na perspectiva da prática pedagógica
da produção de textos o professor não utiliza um problema de concor-
dância de gênero, apresentado no texto, para aproveitar e discorrer sobre
todos os casos de concordância, mas propõe-se explicar exaustivamente,
naquele caso específico, as razões da concordância.

Uma segunda contestação é sobre a tentativa simples de inversão dos pro-


cedimentos do processo tradicional de alfabetização que vai agora do texto à
letra, mas mantém o princípio essencial que organiza tais procedimentos, ou
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

seja, o percurso que vai da decodificação/codificação de partes maiores (frases/pa-


lavras) para partes menores (sílabas/letras) e vice-versa. Vejamos com mais detalhes
como isto acontece.

O método tradicional, como sabemos, desenvolve um processo que vai dos


menores aos maiores elementos da língua: da letra à sílaba, à palavra, à frase,
até, finalmente chegar ao período ou ao texto. O professor, com o objetivo de
fugir ao método tradicional, se entusiasma pela produção de textos e restringe o
trabalho pedagógico à escrita de redações sem, no entanto, desenvolver qual-
quer trabalho mais aprofundado de reflexão sobre a função social da escrita, o
conteúdo do discurso, de análise linguística. Seguindo o mesmo princípio da
cartilha, muitas vezes elege alguma palavra-geradora do texto e dedica-se a
buscar a codificação/decodificação das partes menores do texto: palavra, sílaba,
letra, descoladas de qualquer trabalho de sistematização do código articulado
à textualidade.

Podemos afirmar, portanto,


[...] que a alfabetização fundada no texto não é apenas uma opção de “partir do texto”. Para
acontecer, de fato, implica a compreensão do que significa verdadeiramente a escrita; implica
a compreensão do que é texto; a função social dos diversos tipos de texto, análise das relações
intertextuais, e finalmente implica, desenvolver um processo sistematizado dessas relações –
envolvendo tanto a gramática textual quanto o domínio do código. (KLEIN, 2003, p. 32)

Escrever um texto significa ser movido pela intenção de comunicação com


um interlocutor real ou virtual. O objetivo que leva à elaboração do texto, assim
como o interlocutor a quem ele é dirigido, definem a escolha do tipo de texto e
da linguagem mais adequada, das informações e dos argumentos – enfim, estru-
turam o conteúdo e a forma do texto.

Os teóricos da educação têm sido muito enfáticos em apontar com proprie-


dade o vazio da escrita escolar quando propõem atividades apenas como mero
exercício de escrever. Entretanto, é preciso considerar que é da natureza do pro-
cesso pedagógico o desenvolvimento de atividades escolares que comportam
certo grau de artificialidade como recurso didático para incentivar o aluno ao
aprendizado da escrita, como de outros objetos de conhecimento. É funda-
mental, entretanto, que esses artifícios se aproximem ao máximo das condições
reais da experiência social vivida no cotidiano da vida das pessoas. Para tanto,
o desenvolvimento da prática de produção de texto requer que se estabeleça,
previamente, os elementos que o compõem: o interlocutor, o objetivo da inter-
locução, o assunto e a forma de veiculação do texto.

56
A prática da produção de textos

O texto oral
As crianças, mesmo as menores, quando chegam à escola, já apresentam su-
ficiente domínio da linguagem oral para produzirem textos, comunicarem-se e
interagirem verbalmente com os outros. É claro que esse domínio da capacida-
de de uso da linguagem oral varia conforme as experiências anteriores de cada
criança. De qualquer forma, são falantes de sua língua nativa e cabe ao trabalho
escolar levar em consideração as diferentes formas de expressão que trazem
de sua comunidade. Entretanto, não se pode perder de vista que o domínio da
Língua Portuguesa requer que o ensino escolar ofereça ao aluno a possibilidade
de aquisição da linguagem-padrão também na oralidade. Vale lembrar que tal
objetivo pode ser alcançado mantendo-se respeito pelos valores culturais da co-
munidade da qual o aluno é oriundo. A incorporação de expressões, pronúncias
e construções alheias à sua variedade dialetal podem se processar de forma não
agressiva, pelo contato reiterado do aluno com a variedade padrão.

As situações de comunicação diferenciam-se em função do grau de forma-


lidade ou de informalidade exigida, o que depende muito do assunto tratado,
das relações entre os interlocutores e da intenção comunicativa. A maioria das
crianças adquire a capacidade de uso da oralidade em contextos comunicativos
informais, coloquiais, familiares. Essa experiência linguística pode ser ampliada
na escola por meio de situações diversificadas de prática da oralidade como de-
bates, conversas, relatos, recontos que proporcionam oportunidades de praticar
formas de oralidade diferentes daquelas exercitadas no seu ambiente familiar.
Assim, por meio de atividades de produção de textos orais, como comentários,
discussões, apresentações etc., as possibilidades de expressão oral se enrique-
cem, ampliando e aperfeiçoando o discurso, de modo a tornar o aluno um usu-
ário competente da língua oral.

Isso pressupõe o ensino-aprendizagem do uso de diferentes recursos da lin-


guagem oral, adequando-os às diversas situações, como o grau de formalida-
de necessária, os objetivos pretendidos e o interlocutor. Dessa forma, o aluno
pode tornar-se um sujeito capaz de dotar sua fala de argumentos que dêem
conta de estabelecer uma conversa, responder a uma entrevista, participar de
um debate.

Nesse sentido, é preciso selecionar conteúdos e organizar estratégias ade-


quadas à composição oral, que pode ser individual ou coletiva.

57
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Relação de conteúdos da produção oral

(KLEIN, 2003, p. 47-48)


Conteúdos mais específicos da produção oral

Articulação correta dos fonemas.

Pronúncia correta das palavras conhecidas (eliminação de erros de ortoépia (ex.: tó/cs/ico em
vez de tó/s/ico; de prosódia (ex.: rubrica em lugar de rúbrica) e de hipercorreção (ex.: sorvete
em lugar de solvete).

Emprego da entonação adequada à frase (interrogativa, afirmativa, exclamativa); emprego dos


recursos de entonação para expressar sentimentos (ternura, zanga, medo).

Ritmo adequado do discurso oral (sem atropelo e sem lentidão cansativa):


– fluxo adequado de oralidade, sem pausas desnecessárias.

Vocabulário, domínio vocabular compatível:


– observação do uso adequado dos termos no discurso oral;
– ampliação do vocabulário por incorporação adequada de novos termos;
– adequação do vocabulário aos objetivos do texto e ao interlocutor.

Clareza de ideias na exposição oral:


– sequência lógica;
– objetividade na exposição oral;
– capacidade de elaborar conclusões.

Riqueza de ideias:
– acréscimo de detalhes e informações necessárias;
– distinção entre informação e ideias essenciais e acessórias no discurso oral;
– originalidade.

Argumentação:
– desenvolvimento de argumentos com coerência e consistência.

Estilo:
– eliminação de expressões viciosas (repetições, gírias, jargões, lugares-comuns, termos de
baixo calão), salvo quando a narrativa assim o exigir;
– emprego de figuras de linguagem como recurso de enriquecimento do texto oral.

Concordância verbal e nominal (de gênero e de número).

Conjugação verbal.

Modalidades de citação: discurso direto e indireto.


(KLEIN, 1996, p. 29-30)

Prática da oralidade
 Narrar falas em sequência temporal e/ou casual.

 Fazer exposição oral com ajuda de perguntas feitas pelo professor.

58
A prática da produção de textos

 Descrever objetos que não se encontram na sala de aula.

 Descrever cenários e personagens de histórias lidas pelo professor.

 Realizar dramatizações de livros lidos pelo professor e de histórias es-


critas coletivamente pelos alunos, com ajuda do professor.

 Relatar, de maneira clara e ordenada, ideias, opiniões, sentimentos e


experiências manifestadas.

 Ouvir e reproduzir oralmente textos da tradição oral popular como


trava-línguas, quadrinhos, parlendas, adivinhações, canções, lendas e
causos.

 Produzir textos orais em situações de intercâmbio verbal, como reca-


dos, instruções, saudações e diálogos, entrevistas, pesquisas, debates,
diálogos com autoridades etc.

 Ouvir e interpretar textos de rádio e televisão, como propagandas, en-


trevistas e notícias.

 Adequar a linguagem ao grau de formalidade requerida pela situação,


como conversa com uma autoridade, solicitando a realização de um
serviço; telefonema a um amigo, convidando-o para um passeio, ou
a alguém, cumprimentando-o pelo aniversário; conversa com o ven-
dedor de estabelecimento comercial do bairro ou localidade em que
vive.

 Responder oralmente a problemas apresentados pelo professor.

 Dramatizar textos, poemas e músicas tendo em vista o aprimoramen-


to da entonação, dicção, gesto, postura etc.

 Ouvir atentamente a fala do professor e dos colegas para aprender a


esperar a vez de falar, bem como respeitar a fala do outro.

 Contar filmes assistidos, histórias relatadas na família, fatos vivencia-


dos.

 Recriar histórias, compondo oralmente o início ou final incompletos,


alterando-os; inventando ou retirando personagens, acrescentando
falas às personagens.

59
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Texto complementar

Teoria do “texto” ou “teoria do discurso”


(ILARI, 1985)

A palavra texto na conotação que nos interessa, é muito mais abrangente


do que poderia sugerir seu emprego em análise literária, podendo incluir
qualquer produção, ou escrita, dotada de coesão interna e condizente com
uma situação. Como textos, podem-se classificar, por exemplo, uma anedota,
um grito de vendedor ambulante, um jingle de propaganda, um livro, uma
receita de cozinha ou o conjunto de artigos que os jornais publicam sobre
um determinado acontecimento. A noção de texto chega a ser tão ampla
que parece impossível dominá-la teoricamente e explorá-la corretamente
em aplicações pedagógicas.

[...]

Mas quais os aspectos a observar na utilização da língua para produzir


textos?

Os aspectos que merecem atenção numa perspectiva textual são tantos


que é impossível enumerá-los exaustivamente. Limito-me, portanto, a algu-
mas indicações extremamente gerais, que não devem em hipótese alguma
ser tomadas como restrições ou receitas:

[...]

Nas passagens anteriores, procurei apresentar o exercício da redação


como uma oportunidade de explorar a variabilidade da língua:

a) quanto às funções a que se presta;

b) quanto aos registros em que se emprega;

c) quanto às possibilidades que oferece no tocante a informatividade e


redundância.

60
A prática da produção de textos

Além disso, insisti na importância de certos aspectos de “coesão textu-


al” que são normalmente levados em conta nas gramáticas escolares e nos
livros didáticos. Em face da concepção de redação escolar assim esboçada, a
prática corrente aparece sobretudo como uma limitação; com efeito, na prá-
tica corrente, o problema das funções e variações de registro é escamoteado
pelo uso exclusivo do registro formal e pela limitação a uma das poucas fun-
ções – descrição, narração e resumo – que são legítimas, mas que não são ao
que indicam as pesquisas mais recentes, as mais importantes para alunos do
primeiro grau. Quanto à informatividade, à redundância e à coesão textual,
trata-se de objetivos que a prática corrente subordina à correção gramatical,
e que não são objeto de uma prática de ensino específica.

Gostaria, para terminar, de desfazer uma dúvida quanto à aplicabilidade


de quanto acabo de expor: efetivamente, quando se procura reformular os
objetivos da redação escolar segundo a perspectiva aqui traçada, tornam-se
sensíveis as limitações e convencionalismo da situação escolar; e pode pa-
recer impossível criar sem artificialismos de sua própria conduta, para inte-
ragir com os adultos ou, simplesmente, para satisfazer uma necessidade de
imaginar. Creio, porém, que dentro de certos limites é possível criar em sala
de aula situações propícias para usos e registros diversificados; e que neste
sentido deve ser explorada ao máximo a disposição, normal nas crianças,
para imitar, parodiar, representar papéis, criar e verbalizar regras de jogos,
formular hipóteses e eventualmente refutá-las, a partir de fatos observados.

Creio, por outro lado, que é possível utilizar, em todos os níveis, exercícios
de expressão escrita e falada em que se visem especificamente os objetivos
de coesão textual e controle da informatividade.

Por fim, acredito que será supérfluo lembrar que a orientação aqui sugeri-
da é uma maneira de insistir nos “fatos” e de garantir situações motivadoras,
coerentemente com alguns princípios já bastante assentados nas discus-
sões sobre redação [...] e que, uma vez aceita a procedência dos objetivos
aqui propostos, o principal critério de avaliação não pode ser o de maior ou
menor correção gramatical, mas sim o de um maior domínio da variedade
de usos da língua.

61
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Atividades
1. A produção do texto requer a definição prévia dos elementos essenciais
que o compõem. Marque a alternativa que contém esses elementos.

a) Comunicação à distância ou presencial; número de interlocutores; as-


sunto.

b) Interlocutor; objetivo da interlocução; assunto; forma de veiculação do


texto.

c) Idade do interlocutor; assunto; número de vias de reprodução do texto.

d) Local de moradia do interlocutor; assunto; ano da veiculação do texto.

2. Os textos da cartilha, segundo análise de Klein, não são textos porque

a) embora corretos graficamente, não contêm o discurso da prática cotidiana.

b) apresentam palavras e frases sem a devida pontuação e indicação de


parágrafos.

c) não contêm ilustração e exemplos esclarecedores para a leitura do aluno.

d) contêm frases curtas, períodos simples e vocabulário restrito.

3. O ensino-aprendizagem do uso de diferentes recursos da linguagem oral


objetiva formar um aluno capaz de tornar-se um sujeito, cuja fala seja essen-
cialmente

a) eloquente nos diálogos, destacando-se dos demais interlocutores.

b) ágil, sobrepondo-se aos demais interlocutores nas conversas e debates.

c) conciliatória, propondo-se a concordar com as ideias da maioria.

d) dotada de argumentos nas conversas e debates em que participe.

Dica de estudo
Para aprofundar seu estudo sobre a produção de textos, leia o artigo:

BRITTO, L. P. L. Em terra de surdos-mudos (um estudo sobre as condições de pro-


dução de textos escolares). In: GERALDI, J. W. (Org.). O Texto na Sala de Aula. 4.
ed. São Paulo: Ática, 2006.
62
A prática da produção de textos

63
Produção do texto escrito

Para que os alunos adquiram competência como escritores, isto é,


sejam capazes de escrever com qualidade verbal e correção linguística,
o ensino da língua escrita tem como eixo central, desde o momento ini-
cial da alfabetização, as atividades com o texto. Desse modo, não se pode
deixar para propor as atividades, que desenvolvem a produção do texto
escrito, somente quando os alunos já souberem grafar as palavras de
forma independente.

Como já vimos, os métodos tradicionais de alfabetização, via de regra,


iniciam o ensino e a aprendizagem da língua escrita com um exaustivo
trabalho de codificação/decodificação de letras e sílabas, seguindo-se da
escrita de algumas palavras isoladas, depois da redação de algumas frases,
até, finalmente, chegar à redação de composições muito simples e este-
reotipadas, nos moldes dos textos lidos nas próprias cartilhas. Essas com-
posições nem podem ser denominadas de textos porque não apresen-
tam as características fundamentais da composição textual propriamente
dita: unidade temática, coesão, articulação interna, coerência, estrutura
textual.

O problema desse procedimento, ou seja, da composição escrita no


modelo dos textos típicos dos métodos que se utilizam da cartilha, é que
a criança internaliza a ideia de que há uma diferença de estrutura entre o
discurso oral e o escrito. Ou seja, ela se apropria do princípio equivocado
de que falamos fluentemente, usando recursos de coesão, mantendo a
coerência e a estrutura do texto oral e, assim por diante, mas, ao escrever,
devemos fazê-lo de modo fragmentado.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Vejamos um exemplo ilustrativo:

Composição da cartilha Produção do texto escrito


Canuto joga a bola. (KLEIN, 1998, p. 24)

Eva pega a bola. Hoje o João trouxe uma bola de praia e


A bola pula. a turma aproveitou para jogar vôlei na hora
do recreio. Alguns queriam jogar futebol,
Vai Canuto!
mas não deu porque a bola era de plástico
Pega a bola!
bem fino e com um chute poderia rasgar.
A bola bate na Eva.
Acabou o jogo.

Desse modo, a criança perde um conhecimento já adquirido sobre a textua-


lidade e passa a escrever de forma estereotipada, inadequada para as situações
reais de interlocução, nas quais é solicitada a se comunicar.

Por essa razão, desde o início do trabalho de alfabetização é proposta a rea-


lização de atividades de produção de texto. Assim, não só o professor seleciona
textos para o desenvolvimento da prática de leitura, cuja produção é de caráter
social, vale dizer, real, como tem a preocupação metodológica de se reportar às
condições de uso real da escrita ao propor aos alunos atividades práticas de pro-
dução de texto. Nessa perspectiva, emprega estratégias tais como a seguir.

 promover situações de aquisição de conteúdos relativos ao assunto do


texto a ser produzido. Esse momento é importante porque ninguém es-
creve com propriedade sobre o que não sabe. Assim, são previamente
organizadas, sobre o assunto em pauta, discussões que permitam aos alu-
nos refletir, trocar ideias e elaborar sua opinião sobre o tema;

 promover uma discussão sobre a organização do texto. Essa reflexão in-


cide sobre os elementos, anteriormente mencionados, que orientam a
produção do texto: o interlocutor, seja ele real ou virtual; o tipo de texto
e de linguagem, formal ou informal, mais adequado para os objetivos es-
tabelecidos e para o interlocutor selecionado. Também é desejável avaliar
algumas possibilidades de organização estrutural do texto, procurando
equacionar os limites da introdução, do desenvolvimento e da conclusão.

É importante salientar que, para se produzir bons escritores na escola, é ca-


bível permitir que as crianças realizem tentativas de escrita que, inicialmente,

66
Produção do texto escrito

apresentem muitos erros. A ideia de que elas só deverão escrever textos quando
forem capazes de não cometer mais erros traz consequências negativas para o
processo de alfabetização: a) retardar-se-á demasiadamente o exercício da es-
crita em situações de real exigência, de modo que as crianças provavelmente se
desinteressarão pelo seu aprendizado e desconsiderarão a noção dos usos reais
da escrita; b) os alunos tenderão a valorizar mais a forma que o conteúdo dos
seus textos, do que resultarão textos estereotipados, cujo conteúdo não é rele-
vante, e textos sem originalidade, com vocabulário pobre, pois tenderão a usar
somente as palavras e estruturas frasais que já dominam perfeitamente. Possi-
velmente, irão distorcer o conteúdo pensado, pois terão que se limitar às ideias,
às palavras e frases das quais conhecem a escrita.

O fato de ser aceitável a criança errar ao escrever não significa, entretanto,


que seus erros sejam desconsiderados, ou seja, os erros serão objeto de reflexão
a fim de serem superados pela aprendizagem progressiva do aluno no momen-
to próprio da prática de produção da escrita, denominada de reescrita do texto.
Mas, antes disso, é preciso que as crianças sejam encorajadas a registrar suas
ideias em tentativas de escrita para, depois, reformular os erros com o objetivo
de produzir uma exposição de melhor qualidade. O princípio que norteia seu
aprendizado é de que não se trata de escrever de forma gramatical e ortografi-
camente correta, sendo o texto vazio de conteúdo. Pelo contrário, o objetivo do
processo de ensino e aprendizagem da composição escrita é que o aluno seja
capaz de escrever um bom texto, com boas ideias, expressas de modo claro e
adequado. Dito de outra forma, a correção gráfica e gramatical estão a serviço
do conteúdo que se quer expressar.

Relação de conteúdos da produção escrita


(KLEIN, 2003, p. 48-50)

Relação entre oralidade e escrita

Distinção entre a lógica do desenho e a lógica da escrita.

Reconhecimento do texto escrito como registro gráfico do texto oral.

Reconhecimento das letras do alfabeto como sistema de representação gráfica de sinais sono-
ros, referenciada na linguagem oral.

Reconhecimento das possibilidades de relações entre letras e fonemas na língua portuguesa:


– relações fixas;
– relações de valor posicional;
– relações arbitrárias.

67
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Relação entre oralidade e escrita

Reconhecimento das letras do alfabeto e seus nomes.

Distinção entre os nomes e o valor fonético das letras.

Distinção entre letras e sílabas.

Reconhecimento do valor fonético das letras e sílabas.

Reconhecimento da grafia fixa das palavras, mesmo quando se utilizam letras de valor arbitrário.

Identificação de diferenças de pronúncia de determinados vocábulos dos dialetos populares


relativamente à língua padrão. Ex.: barde, balde.

Adequação do texto escrito à forma padrão.

Leitura:
– identificação global de palavras;
– decodificação das palavras;
– leitura fluente de textos.

Reconhecimento dos sinais de acentuação e sua função:


– identificação da função fonética do acento agudo e do acento circunflexo;
– emprego de sinais de acentuação.

Compreensão da função fonética do til.

Compreensão da função do trema e situações de seu emprego.

Compreensão das funções do hífen e situações de seu emprego.

Distinção e compreensão das situações de emprego das letras maiúsculas e minúsculas.

Identificação e reconhecimento das funções dos sinais de pontuação.

Utilização, nos textos escritos, da competência linguística adquirida no aprendizado da língua


oral.

Adequação do texto aos seus objetivos e seus interlocutores.

Unidade temática razoável.

Organização das ideias (sequência lógica).

Coesão: utilização de elementos coesivos para articular os elementos do texto (palavras, frases,
períodos e parágrafos), buscando maior clareza e eliminando repetições desnecessárias.

Superação de determinadas marcas de oralidade no texto escrito, eliminando a repetição de


determinadas expressões (ex.: e daí… e daí…).

Eliminação de repetições desnecessárias, valendo-se de sinônimos.

68
Produção do texto escrito

Relação entre oralidade e escrita

Exposição de ideias com originalidade e elegância, sem recorrência a chavões, lugares-co-


muns, gírias e termos de baixo calão (salvo em casos especiais, como quando caracterizam um
personagem, por exemplo).

Identificação das especificidades dos textos descritivo, narrativo e dissertativo.

Distinção entre prosa e poesia, com reconhecimento das características que as diferenciam.

Argumentação:
– coerência argumentativa;
– consistência argumentativa.

Distinção entre ideias ou informações centrais e secundárias.

Vocabulário – domínio vocabular compatível:


– observação do uso adequado dos termos no discurso oral;
– ampliação do vocabulário por incorporação adequada de novos termos;
– adequação do vocabulário aos objetivos do texto e ao interlocutor.

Clareza na exposição de ideias:


– sequência lógica;
– objetividade;
– capacidade de elaborar conclusões.

Estilo:
– identificação e eliminação de expressões viciosas (repetições, gírias, jargões, lugares-comuns,
termos de baixo calão), salvo quando a narrativa assim o exigir;
– emprego de figuras de linguagem como recurso de enriquecimento do texto oral.

Concordância verbal:
– uso adequado dos tempos verbais e das formas verbais adequadas às pessoas do discurso e
à situação narrativa ou descritiva.

Modalidades de citação:
– uso adequado dos recursos de citação, nas formas do discurso direto e indireto.

Prática de escrita
 As atividades de escrita decorrem naturalmente das atividades da prática
da oralidade já descritas. Cabe ao professor julgar a pertinência ou não
de dar continuidade a um exercício de produção de texto oral com uma
atividade de exercício escrito desse texto. Ele definirá, com os alunos, os
critérios de escolha de qual ou quais textos serão registrados.

 É muito importante organizar um trabalho de produção de textos narra-


tivos escritos com finalidade definida previamente com os alunos, como
livro de história, mural das produções, cordel de anedotário, diário da
turma. Estas produções, organizadas a partir de textos elaborados pelos

69
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

alunos e registrados pelo professor ou escritos pelos próprios alunos,


podem ser publicadas periodicamente (bimestre, semestre, ano letivo).
Pressupõem, sob a orientação do professor, escolha coletiva, do assunto
(história do nome, de animais, fantásticas, textos humorísticos etc.); do in-
terlocutor; dos objetivos, mediante resposta às perguntas como? quem?
quando? onde?

 Além da produção de textos narrativos, o professor poderá propor ativi-


dades de registro de palavras que, embora isoladas, sejam significativas
em decorrência de determinado contexto, como: a) nome de pessoas; b)
legendas de objetos, animais, brinquedos, comidas, lugares desenhados;
c) calendário com nome dos dias da semana, meses do ano, feriados e
outros dados.

Finalmente, articulando procedimentos de produção de textos orais com ati-


vidades de leitura e de registro dos textos dos alunos, o professor promove o de-
senvolvimento da compreensão do que representa a escrita, seus usos, formas e
representações simbólicas.

O domínio do gráfico (codificação/decodificação), por sua vez, far-se-á por


meio de atividades de produção e leitura de textos, complementadas por ati-
vidades específicas de estudo das letras e sílabas, a partir de palavras e frases
significativas, oriundas dos textos produzidos.

Texto complementar
Breve parêntese: e a letra?
(KLEIN, 2003, p. 36-37)

Cabe, aqui, uma consideração sobre os tipos de letra. Os professores não


desconhecem que a letra caixa-alta é ideal para as primeiras tentativas de
escrita. Seu traçado, de linhas retas, facilita o trabalho do aluno: na escrita,
porque é mais fácil de traçar, uma vez que implica um grau de motricidade
menos complexo; na leitura, porque é mais fácil sua discriminação visual, em
razão de que cada letra aparece como uma imagem visual independente.
Assim, muitos professores iniciam pela letra caixa-alta, mas logo ficam ansio-
sos para levar os alunos à escrita cursiva. Propomos que o professor trabalhe,
na leitura, com todos os tipos de letra, mas, para efeito do ato de escrita pelo

70
Produção do texto escrito

aluno, se restrinja à letra caixa-alta. Esta proposta se fundamenta no fato de


que, nos dias atuais, a letra cursiva perdeu sua utilidade: este tipo de letra foi
produzido para permitir que as pessoas escrevessem textos muito longos,
cansando menos. Entretanto, hoje ninguém mais escreve à mão longos
textos; quando precisam fazê-lo recorrem à escrita mecânica, até mesmo
porque ninguém mais se dispõe a ler um texto longo manuscrito. Todas as
situações reais de necessidade de escrita manual com as quais deparamos
hoje em dia, como preencher cheques, escrever bilhetes, listas de compras,
redigir pequenas notas, registrar endereços, aceitam muito bem a letra cai-
xa-alta. Deste modo, parece descabido impor aos alunos um esforço extra
que se configura inútil. Porém, se o aluno já teve alguma experiência ante-
rior com a escrita cursiva e já domina minimamente seu traçado, também
não há razão para que o professor imponha uma mudança de registro para
conformá-lo à turma. Cabe, no entanto, reforçar o fato de que o aluno deve
aprender a ler todos os tipos de letra (inclusive os tipos de fantasia), pois
esses tipos, mesmo na escrita mecânica, estão presentes.

Atividades
1. A produção do texto escrito exige que seja realizada uma discussão prévia
para que se possa refletir sobre os elementos da organização do texto. Quais
elementos serão objeto de reflexão?

71
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

2. As tentativas iniciais de escrita das crianças normalmente apresentam textos


com muitos erros. Entretanto, o processo pedagógico que objetiva produzir
bons escritores na escola se orienta por alguns pressupostos diante dos er-
ros dos alunos. Quais são esses pressupostos?

Dica de estudo
Para aprofundar o estudo sobre a produção do texto escrito, leia o artigo:

POSSENTI, S. Sobre o ensino de Português na escola. In: GERALDI, J. W. (Org.).


O Texto na Sala de Aula. 4. ed. São Paulo: Ática, 2006.
72
Produção do texto escrito

73
Prática da análise linguística

Para que a criança desenvolva de forma progressiva sua capacidade


de produzir e interpretar textos, torna-se necessário realizar atividades
de análise linguística, compreendida como atividade de reflexão sobre a
própria língua. Trata-se de uma prática fundamental, pois tornar-se letra-
do significa ter o domínio do emprego da língua na escrita e na leitura e,
ainda, ter a capacidade de pensar e falar sobre a língua materna, analisan-
do as relações entre seus elementos constitutivos.

Assim, quanto às questões gramaticais, o professor deve desenvolver


com as crianças a reflexão sobre a linguagem, com o objetivo de fazer com
que elas reconheçam as diferentes possibilidades que a língua oferece
para expressão das ideias de modo que, a partir dessa análise, entendam
e superem as dificuldades gramaticais.

A prática da análise linguística pode partir do texto produzido pela


própria criança ou de um texto selecionado pelo professor. No seu pró-
prio texto, a criança pode encontrar, com a mediação do professor, os ele-
mentos que lhe permitam entender as diferenças linguísticas e as diversas
possibilidades de expressão para dizer a mesma coisa. A compreensão
das características da linguagem formal na escrita, em comparação com a
coloquial, usual na oralidade, constitui prática pedagógica relevante para
que o aluno se aproprie desse código linguístico.

Na escrita, a linguagem formal é consagrada socialmente. Por essa


razão, as pessoas que não dominam seu uso podem ser discriminadas e,
muitas vezes, preteridas em situações de competição no emprego, no co-
mércio, e em outras circunstâncias com tal exigência. Assim, é importan-
te explicar às crianças que na oralidade pode-se empregar a modalidade
formal da linguagem, quando se trata de interação verbal que se realiza
sob determinadas convenções sociais de pouca proximidade entre os in-
terlocutores. A modalidade coloquial, por sua vez, é aquela que utiliza-
mos diariamente em situações menos formais, com pessoas com as quais
temos certa intimidade ou familiaridade.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Dessa forma, a criança entenderá que a língua é um conjunto de modalidades


socialmente produzidas e com diferentes graus de prestígio social. A língua oral
e escrita, enquanto produção histórica, comporta e expressa as mesmas contra-
dições próprias da sociedade. As diferentes linguagens, formal e coloquial, refle-
tem o âmbito cultural próprio do segmento social e do grupo que caracteriza as
pessoas que as utilizam.

A linguagem formal, por conseguinte, é aquela aceita como legítima pelo


conjunto da sociedade. É ela que está presente nos livros e permite acessar o
patrimônio científico e cultural da sociedade na qual o aluno está inserido. É dela
que ele busca se apropriar pela via do ensino escolar. Assim, a criança precisa en-
tender a importância da sua apropriação, não apenas como meio de legitimação
social, mas porque ela se caracteriza pela abrangência que permite expressar
um rico conjunto de experiências, situações, fatos e objetos sociais, razão pela
qual é um importante instrumento de análise e compreensão da realidade.

Por conseguinte, é preciso que as crianças percebam a importância das dife-


rentes formas de linguagem e a necessidade de saber utilizá-las na oralidade, na
leitura e escrita, em cada situação particular em que uma ou outra forma poderá
ser aquela que melhor realizará os objetivos dos interlocutores. É muito impor-
tante que, progressivamente, aprendam a usar a linguagem formal com compe-
tência, para que possam estabelecer interações sociais próprias de circunstân-
cias legitimadoras de diferenças linguísticas e, principalmente, para acessar os
registros, nessa forma de linguagem, dos conhecimentos culturais e científicos
socialmente produzidos.

Uma vez explicitados os fundamentos, cabe enfocar a análise linguística pro-


priamente dita. Ela consiste na reflexão gramatical que objetiva levar a criança
a buscar soluções para os problemas presentes no seu próprio texto. Essa cir-
cunstância discursiva real oportuniza a análise e a exposição das diferentes pos-
sibilidades e contextos em que se usam os vários elementos linguísticos para
a produção textual, em lugar da aprendizagem tradicional da gramática, com
nomenclatura e regras descontextualizadas.

Na oralidade, a prática de análise e reflexão sobre a língua deve levar as crian-


ças a se apropriarem dos diferentes registros, formais ou coloquiais, mediante a
reflexão e a comparação entre as formas de fala empregadas nas mais diferentes
situações de uso. Além disso, propicia ao aluno as condições de elaborar pro-
gressivamente seus textos orais e escritos empregando mecanismos de cons-
tituição de sentido, tais como: concordância, regência, organização, eliminação
de ambiguidades, clareza e argumentação, dentre outros.
76
Prática da análise linguística

Quanto à leitura, a prática de análise linguística permite levar a criança – além


da incorporação de recursos linguísticos, que poderão ser empregados nas pro-
duções escritas – à reflexão sobre as múltiplas possibilidades de significado que
se pode conferir ao texto diante da intencionalidade do autor. Para isso, é neces-
sário desenvolver atividades de leitura, com análise de todos os elementos de
constituição de sentido empregados, para se entender o sentido do texto.

O processo de revisão dos textos produzidos pelas crianças possibilita que


elas exercitem, com a ajuda do professor, a retirar ou acrescentar elementos, alte-
rar suas posições, sempre buscando torná-los mais compreensíveis para o leitor.
Essa atividade de reescrita ajuda a criança a ser um interlocutor que se afirma ao
produzir seu texto para o outro ler, entender, questionar, aceitar ou recusar.

A atividade de revisão de texto é melhor compreendida pela criança quando


feita coletivamente e com a mediação do professor. Trata-se de um importante
processo de reflexão gramatical que norteia a produção textual em realização.
Nesta perspectiva, a gramática ganha importância no ensino e aprendizagem
da língua escrita, liberando-se da didática tradicional, centrada em repetitivos
e descontextualizados exercícios de memorização da nomenclatura e regras.
Por conseguinte, o professor se exime de aulas expositivas de gramática, uma
vez que a gramática só tem sentido, de fato, no contexto da produção textual.
Isto não significa que ela foi abolida do ensino da Língua Portuguesa, mas sim
que o professor propõe sua compreensão e apropriação por meio do esforço
permanente do aluno para produzir seus próprios textos, buscando expressar
com clareza e qualidade verbal aquilo que deseja dizer. Na busca do objetivo
de produção de clareza e qualidade do texto, o aluno vai recorrer aos elemen-
tos gramaticais, em situações sempre contextualizadas em face do que se quer
dizer, para quem quer dizer e o que se quer dizer.

O processo de reestruturação do texto permite enfatizar para o aluno o prin-


cípio de que o ato de escrever para a leitura de outro interlocutor requer o em-
prego das convenções e normas da escrita, pois elas garantem a fidelidade da-
quilo que se quer veicular à interpretação que o leitor vai realizar. Além disso, a
escrita legível e compreensível também é requisito necessário à aproximação
máxima entre o que foi escrito e o interpretado.

No processo de reescrita, a mediação do professor é fundamental, uma vez


que auxilia a criança a refletir sobre a própria escrita sob vários enfoques, tendo
em vista a conquista, progressiva, de melhores formas de interlocução. Ao desen-
volver o processo de interferência, é fundamental que o professor tome como
procedimento apontar inicialmente para o aluno aquilo que ele já domina para
77
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

que, com base nas apropriações já realizadas, possa perceber questões ainda
não compreendidas e não incorporadas. Esse processo de ensino e aprendiza-
gem favorece eficientemente a aquisição de conteúdos que possam melhorar o
domínio do aluno com relação à língua escrita.

Texto complementar
A língua na literatura brasileira
Machado de Assis (1830-1908)
(Escrito em 1873, mas ainda com atualidade)

(Assis In: GONÇALVES, 1996, p. 206)

Entre os muitos méritos dos nossos livros nem sempre figura o da pureza
da linguagem. Não é raro ver intercalados em bom estilo os solecismos da
linguagem comum, defeito grave, a que se junta o da excessiva influência da
língua francesa [hoje, inglesa]. Este ponto é objeto de divergência entre os
nossos escritores. Divergência digo, porque, se alguns caem naqueles defei-
tos por ignorância ou preguiça, outros há que os adotam por princípio, ou
antes por uma exageração de princípio.

Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e


as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século
de quinhentos é um erro igual o de afirmar que sua transplantação para a
América não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influência do povo
é decisiva. Há portanto certos modos de dizer, locuções novas, que de força
entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade.

Mas se isto é um fato incontestável, e se é verdadeiro o princípio que dele


se deduz, não me parece aceitável a opinião que admite todas as alterações
da linguagem, ainda aquelas que destroem as leis da sintaxe e a essencial
pureza do idioma. A influência popular tem um limite; e o escritor não está
obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda in-
ventam e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce também uma grande parte
de influência a este respeito, depurando a linguagem do povo e aperfeiço-
ando-lhe a razão.

78
Prática da análise linguística

Feitas as exceções devidas, não se leem muito os clássicos no Brasil.


Entre as exceções poderia citar até alguns escritores, cuja opinião é diver-
sa da minha neste ponto, mas que sabem perfeitamente os clássicos. Em
geral, porém, não se leem, o que é um mal. Escrever como Azurara ou Fernão
Mendes seria hoje um anacronismo insuportável. Cada tempo tem o seu
estilo. Mas estudar-lhe as formas mais apuradas da linguagem, desentranhar
deles mil riquezas que, à força de velhas, se fazem novas, não me parece que
se deva desprezar. Nem tudo tinham os antigos, nem tudo temos os moder-
nos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum.

Atividades
1. Quais são os objetivos da análise linguística?

79
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

2. Qual o fundamento histórico-social da língua oral e escrita?

3. A análise linguística, propriamente dita, se realiza por meio de

a) reflexão gramatical, que objetiva levar o aluno a buscar soluções para os


problemas presentes no seu próprio texto.

b) aprendizagem da nomenclatura e regras da gramática, para aplicação


posterior em exercícios específicos.

c) exercícios sobre regras e nomenclatura da gramática, para posterior apli-


cação do aluno no texto.

d) explicações sobre as regras e nomenclatura da gramática, elaboração de


exercícios de fixação e posterior aplicação no texto.

Dica de estudo
Para o estudo sobre análise linguística, leia o pequeno livro no qual o autor
aprofunda a reflexão sobre o ensino do Português na escola, retomando a polê-
mica sobre a questão da gramática:

POSSENTI, S. Por que (Não) Ensinar Gramática na Escola. Campinas, SP: Mer-
cado Aberto, 2003.

80
Prática da análise linguística

81
Prática de reescrita do texto

O trabalho de revisão linguística, no que se refere à gramática e aos


demais aspectos discursivos, é norteado pelos problemas e questões con-
cretas que aparecem nos textos das crianças, tornando-se desnecessário e
improdutivo o ensino de regras gramaticais fora do contexto de produção
escrita dos alunos. A reescrita do texto do aluno é, assim, indicada como
procedimento pedagógico, dado seu caráter de análise linguística.

Recomenda-se, inicialmente, a escolha de um texto, para ser objeto


de análise e reflexão, que apresente dificuldades comuns à maioria dos
alunos, para que todos participem ativamente, acompanhando as consi-
derações do professor. Assim, serão explorados, simultaneamente, con-
teúdos relativos à grafia das palavras e também conteúdos relativos aos
recursos linguísticos empregados, como pontuação, eliminação de redun-
dâncias, garantia de clareza, complementação de informações e assim por
diante. Para isso, sugere-se uma possível sequência de procedimentos.

 Ler os textos dos alunos e selecionar aquele que apresente dificul-


dades comuns à maioria da classe.

 Escrever o texto no quadro de giz e efetuar, inicialmente, a correção


propondo questões aos alunos, para que eles participem ativamen-
te, solicitando esclarecimentos ao colega autor do texto, e fazendo
sugestões.

 Anotar as respostas dos alunos no quadro de giz, reescrevendo o


texto com as correções adequadas, previamente discutidas, bem
como as complementações necessárias, como, por exemplo:

 correção ortográfica;

 colocação de elementos coesivos – tempos verbais adequados,


pronomes, advérbios e conjunções;

 sequência lógica, segundo a cronologia dos fatos – O que acon-


teceu antes? E depois?

 fidelidade ao texto original, quando se tratar de reprodução de


texto oral ou escrito;
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

 substituição de redundâncias, sejam repetição de palavras ou de ideias;

 complementação do texto com informações necessárias – O quê?


Quem? Como? Onde? Quando?

 pontuação adequada;

 expansão de ideias, objetivando enriquecer o texto – Por quê? Como?

 discutir cada alteração com os alunos, de modo a assegurar suficiente


compreensão dos conteúdos abordados;

 reescrever o texto no quadro de giz e solicitar que as crianças acompa-


nhem as alterações.

Finalmente, cabe enfatizar que, embora para efeito didático os exemplos


abordem separadamente as questões discursivas a serem enfrentadas na rees-
crita do texto, a análise desses diversos elementos deve-se processar de modo
simultâneo, estabelecendo-se, inclusive, as relações entre eles, com o objetivo
de melhorar a qualidade do texto em estudo.

Colocação de elementos coesivos


A colocação de elementos coesivos – como pronomes, conjunções, advér-
bios e tempos verbais – conferem maior precisão ao sentido do texto.

Disso decorre a importância de demonstrar para as crianças que as marcas da


oralidade em seus textos narrativos – que faz com que repitam “e…e”, “então…
então”, “daí…e daí” – podem se evitadas acrescentando-se novas possibilidades,
como no exemplo abaixo.

Texto da criança Texto reescrito

Minha irmã Rosa ficou doente. Quando minha irmã Rosa ficou doente, minha
Daí minha mãe levou ela para o médico, daí mãe a levou ao médico.
o médico perguntou onde dói, menina. Então ele perguntou:
Daí, né, ela disse dói a barriga. – Onde dói, menina?
Então ele disse pra minha mãe comprar re- Ela respondeu:
médio na farmácia. – Dói a barriga.
Então ela ficou boa. Assim que terminou o exame, o médico disse à mi-
(Suzana) nha mãe para ir à farmácia comprar o remédio.
Minha irmã ficou boa depois de tomar o medica-
mento.

84
Prática de reescrita do texto

Procura da sequência lógica


O professor deve explicar às crianças que a narrativa precisa obedecer à
ordem lógico-temporal na qual os fatos acontecem. Contrariar esta ordem acaba
por induzir o leitor a mais de uma possibilidade de interpretação do texto.

A falta de clareza na sequência das ideias prejudica a compreensão daquilo


que o autor quer dizer. Entretanto, para se garantir que a intenção do autor seja
preservada, embora ele não tenha dado cabo desse intento no seu texto, é im-
portante que o professor consulte-o seguidamente na reescrita, ajudando-o a
registrar aquilo que era sua intenção relatar.

Vejamos o exemplo:

Texto da criança Texto reescrito

Júlia mora com seus pais e com seus avós. Júlia mora com seus pais e seus avós.
Júlia viu que seus pais e seus avós não tinham No dia de Natal, ela ganhou, de sua professora,
nada para comer. uma caixa de chocolates.
O dono do mercado ficou com pena e deu pra Júlia viu que seus pais e seus avós não tinham
Júlia um pouco de arroz e feijão. Todos ficaram nada para comer.
felizes. Então foi até o mercado e pediu para o dono
No dia de Natal ela ganhou de sua professora trocar a caixa por um pouco de comida.
uma caixa cheia de chocolates. O dono ficou com pena de Júlia e lhe deu um
Ela foi ao mercado e pediu para o dono trocar a pouco de arroz e feijão.
caixa por um pouco de comida. Sua mãe fez uma deliciosa comida e todos
Sua mãe fez uma deliciosa comida. ficaram felizes.
(Pedro)

Substituição de redundâncias
Deve-se mostrar às crianças que a repetição de palavras, frases e/ou informa-
ções precisam ser evitadas quando elas forem desnecessárias, ou substituídas
pelo pronome, por sinônimos e assim sucessivamente.

Além de substituídas – no exemplo abaixo, pelo pronome –, as palavras repe-


tidas podem ser pura e simplesmente eliminadas.
Texto da criança Texto reescrito

No parquinho, Zélia comprou doces. Zélia comeu No parquinho, Zélia comprou doces. Ela co-
os doces sozinha e não deu nem um pedaço dos meu-os sozinha, sem dar nenhum pedaço
doces para sua irmã. para sua irmã.
(Suzana)

85
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Pontuação adequada
Deve ser explicado aos alunos que o emprego dos sinais de pontuação é
muito importante, pois, ao separar as ideias que compõem o texto, confere-lhe
maior expressividade, contribuindo para maior precisão do sentido, como se ve-
rifica no exemplo abaixo.

Texto da criança Texto reescrito

Minha mãe foi no supermercado comprou me- Minha mãe foi ao supermercado e comprou
lancia muitas laranjas muitas coisas pra limpar melancia, muitas laranjas e muitas coisas para
a casa ela trouxe balas pirulitos e chocolate pra limpar a casa.
mim e para minha irmã nós ficou muito conten- Ela trouxe balas, pirulitos e chocolates para
te. mim e para minha irmã.
(Roberto) Nós ficamos muito contentes.

Expansão de ideias
A ampliação e o enriquecimento dos textos podem ser obtidos por meio de
comentários e debates provocados pelo professor para que os alunos reflitam
sobre novas possibilidades de expansão de suas ideias. Ao efetuar o questiona-
mento sobre os textos das crianças, o professor faz com que elas percebam a ne-
cessidade de reestruturá-los, buscando superar o vocabulário restrito, eliminar
chavões e lugares-comuns.

É importante reafirmar que a leitura, os comentários de interpretação e a pro-


dução oral são práticas linguísticas que contribuem enormemente para a refle-
xão sobre outras possibilidades de acrescentar ideias aos textos escritos.

Vejamos o exemplo a seguir e as questões que podem ser formuladas diante


do texto do aluno, buscando o enriquecimento do relato.

Texto da criança

Eu e o Roberto fomos assistir um show.


Foi massa, eu levei um quilo de açúcar e Roberto, um agasalho. A música era genial.
O show foi um barato, tinha muita gente.
O Roberto ganhou um prêmio no sorteio.
(Murilo)

86
Prática de reescrita do texto

A proposição de um conjunto de perguntas objetiva nortear a reflexão para


reescrever o texto: Por que o show foi realizado? O que você quer dizer com o
“show foi massa”? Qual o sentido dessa palavra? O que é “genial” para você? Qual
o sentido de “o show foi um barato”?

Texto reescrito

Eu e meu amigo Roberto fomos ao estádio de futebol assistir a um show.


O show aconteceu para ajudar as pessoas que ficaram sem casa por causa da chuva.
Para entrar, eu levei um quilo de açúcar e o Roberto, um agasalho.
O show foi muito bom. Todas as músicas eram bonitas.
Havia muita gente lá e foi muito divertido.
No final, foi feito um sorteio e o Roberto ganhou um prêmio.

Colocação de elementos coesivos


Os recursos coesivos promovem uma melhor organização do texto, assim
como contribuem para sua clareza, tornando-o mais compreensível.

É por meio dos elementos coesivos – como preposições, advérbios, conjun-


ções, pronomes relativos – que se produz a articulação entre as partes que com-
põem o texto, sejam palavras, frases, períodos ou parágrafos, conforme demons-
tra o exemplo a seguir.

Texto da criança Texto reescrito

Eu o Zeca e o irmão do Zeca fomos no sítio do Eu, o Zeca e seu irmão fomos ao sítio do seu
seu Afonso. Chegamos no sítio já era quase Afonso. Quando lá chegamos já era quase
meio-dia. A gente já tava com fome. A gente co- meio-dia. Nós estávamos com fome e come-
meu os sanduíches que tinha levado. De tarde a mos os sanduíches que tínhamos levado.
gente ficou com fome de novo e não tinha mais À tarde, ficamos com fome novamente e,
comida. A gente voltou. como não tínhamos mais comida, voltamos.
(Osvaldo)

Produção da coerência textual


Pode-se concluir a reflexão sobre a prática da análise linguística pela via do
procedimento de reescrita do texto, afirmando ainda a necessidade de coerên-
cia textual nas produções das crianças.

87
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

A recuperação da coerência, em textos nos quais se verifica incoerência, pode


ser feita valendo-se do emprego de um recurso coesivo e uma oração comple-
mentar que explique a segunda oração.

Vejamos o exemplo:

Texto da criança Texto reescrito

Eu sou fanático por futebol. Eu nunca vou Eu sou fanático por futebol, mas nunca vou aos
aos jogos. jogos porque tenho medo da violência que to-
mou conta dos estádios.

Texto complementar

Como curar ataques de gramatiquice


(GOMES, 2008)

O homem aproximou-se com uma pompa majestosa e disse:

– Meu nome é Pertético Masmênico Luxes.

Era um tipo magro, tenso, e parecia nervoso. Usava chapéu branco e finos
bigodinhos cinzentos.

Pertético prosseguiu:

– Sou Guarda de Trânsito... – pigarreou – ... Guarda de Trânsito Gramatical.

– Perdão. Não entendi.

Pertético parecia ofendido.

– Eu investigo e puno – disse ele, retirando da cabeça o pequeno chapéu


branco, que passou a rodopiar com mãos nervosas na altura da cintura –
casos de ofensa à língua pátria... pétria, pítria... – disparou, entre piscadelas
nervosas. Desculpe-me.

– Por que se desculpar? É seu trabalho.

– Não se trata disso. Peço desculpas porque sempre que digo língua
pátria... pétria, pítria..., sou levado a repetir pétria, pítria. Não entendo a razão.

88
Prática de reescrita do texto

Um cacoete, compreende? Perdão.

– Me parece curioso.

– Parece-me curioso.

– Ao senhor também?

– Não. Refiro-me à sua frase. Não se deve dizer “me parece”. O certo é
“parece-me”.

Ele tentou sorrir:

– Entendi. Rigores gramaticais de guarda de trânsito.

– É preciso manter a pureza da língua pátria... – Pertético tentou conter-


se, mas disparou, nervoso: ... pétria, pítria... Desculpe-me.

– Está desculpado. Mas – foi sua vez de disfarçar a irritação: O senhor me


procurou para quê?

– Este “que” é com ou sem acento circunflexo?

– Com. Acho.

O chapéu parou de rodopiar em suas mãos e Pertético bateu os calcanha-


res, ao modo militar:

– Há uma reclamação contra o senhor.

– Reclamação?

– Um B. O.

– Boletim de Ocorrência? O senhor é da polícia?

– Não. Boletim Ortográfico. Como sabe, é preciso respeitar a pureza da


língua pátria... – Pertético contraiu-se por inteiro.

– ... pétria, pítria... – ele tentou ajudar.

– ... pétria, pítria... O senhor tem o mesmo cacoete?

– Não. Mas acho que este troço pega. Lembro de uma frase de...

Pertético o interrompeu:

89
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

– O prezado acaba de cometer outro erro, não me leve a mal.

– Qual? espantou-se.

– Regência verbal. A regência verbal, como o prezado amigo deve saber, é


um problema seriíssimo. – Pertético ergueu um dedo no ar: Seriíssimo!

– Seriíssimo, repetiu ele, calculando se deveria chutar ou estrangular o


sujeito.

– Voltando à questão da língua pátria... – Pertético fechou os punhos e


gritou: Ai, meu Deus, de novo! Chega! Chega!

– ... pétria..., ajudou ele.

– ... pétria, pítria... Pronto. Pronto!

– Calma, o senhor está muito agitado. Vou lhe servir um cafezinho.

Colocou a xícara à sua frente. Pertético provou o café:

– Está sem açúcar, reclamou.

– Perdão. Eu tomo sem açúcar, esqueço de oferecer.

Pertético sorriu, sentindo-se relaxado diante de tanta gentileza. Pediu:

– Me passe o açucareiro.

Ele exclamou, estarrecido:

– Viu o que o senhor disse?!

– Eu?!

– O senhor disse: Me passe o açucareiro.

– Eu disse isto? Meu Deus, feri a pureza da língua pátria!!

Foi quando Pertético Masmênico Luxes deu um salto de alegria e gritou:

– Viu? Não repeti pétria, pítria! Não repeti! Língua pátria! Estou curado!

E saiu porta afora, dando cambalhotas, aos berros:

– Estou curado! Língua pátria! Estou curado!

90
Prática de reescrita do texto

Atividades
1. Quais os procedimentos pedagógicos que a reescrita do texto comporta?

2. Reescreva o pequeno texto abaixo eliminando erros de grafia e propondo


maior clareza por meio da revisão das frases e do uso de elementos coesivos,
produzindo, assim, mais unidade do parágrafo.

Texto original Texto reescrito


Sai de casa hoje de manhã muito cedo.
Estava chovendo. Eu tinha perdido o
guarda-chuva. O ônibus custou a che-
gar. Eu fiquei todo molhado. Apanhei
um bruto resfriado.

Dica de estudo
Para manter-se atualizado sobre questões linguísticas, tanto gramaticais
como discursivas, é importante recorrer a fontes acessíveis como o caso de Lin-
guasagem – Revista Eletrônica de Popularização Científica em Ciências da Lin-
guagem – publicação do Departamento de Letras e Programa de Pós-Graduação
em Linguística da Universidade Federal de São Carlos.

Disponível em: <www.letras.ufscar.br/linguasagem>.


91
Procedimentos pedagógicos para
sistematização do domínio do código
Em razão da importância da sistematização do código dentre as prá-
ticas da alfabetização, conforme enfatizado anteriormente, é necessário
selecionar criteriosamente os procedimentos que objetivam o domínio da
codificação/decodificação.

Em primeiro lugar, cabe reafirmar que é das tentativas de produção de


textos que emergirão as tentativas de sistematização das letras e sílabas
a serem trabalhadas com a criança. Com este intuito, o professor realiza
atividades de produção de textos orais, de preferência coletivos, e faz o
registro escrito de um texto previamente selecionado, na presença dos
alunos. Ao registrá-lo, o professor acompanha a escrita de cada palavra
lendo-a em voz alta, para que os alunos percebam a relação entre os fone-
mas e o registro gráfico.

Após o desenvolvimento dos procedimentos relativos às práticas de


leitura e interpretação e análise linguística, serão destacadas uma ou mais
frases do texto para serem objeto da reflexão sobre o código, envolvendo
atividades das crianças, como:

 tentativas de cópia com o alfabeto móvel;

 cópia escrita e ilustração do conteúdo da frase;

 exercícios de composição e decomposição de palavras;

 montagem de palavras no alfabeto móvel;

 jogos de memória, bingo, quebra-cabeça, dominó de palavras etc.

Estes exercícios permitem que a criança exercite a escrita, do seu as-


pecto motor à aquisição de noções como direção da escrita, segmenta-
ção entre palavras, a noção de algumas letras e sílabas mais recorrentes,
primeiras noções sobre outros sinais além das letras (cedilha, pontuação),
dentre outras noções. Permitem ainda que a criança constitua um peque-
no cabedal de palavras apreendidas globalmente, isto é, que ela identifica
relacionando-as com seus significados, mesmo que não saiba decodificar
letra por letra.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Para que estas atividades sejam produtivas do ponto de vista da reflexão


sobre o código, é necessário que o professor tenha o cuidado de proceder às
comparações mais variadas possíveis. Assim, a criança trabalhará, ao mesmo
tempo, com um conjunto de palavras nas quais pode-se apontar diversas pos-
sibilidades de relação entre letra e fonema. Ou seja, diante de dado fonema, o
professor apresentará palavras cuja grafia dar-se-á com letras diferentes, como
no exemplo /z/ casa, azar. Da mesma maneira, apresentará letras iguais repre-
sentando fonemas diferentes: casa, sala.

Assim, partindo de uma ou mais palavras já identificadas nos textos trabalha-


dos, desenvolvem-se atividades variadas de comparação gráfico-fonética com
outras palavras, bem como atividades de identificação de outros vocábulos por
meio de decomposição, de composição e de combinação, por exemplo, para
domínio de padrões silábicos.

O trabalho com as palavras, além dos procedimentos já indicados, pode ser


feito conforme a sistematização a seguir, proposta por Klein (2003, p. 67):

 escolher no texto palavras com bom teor referencial – a mais repetida, a


que chamou a atenção dos alunos, a que faz parte do título do texto;

 apresentar estas palavras em vários contextos, utilizando-se de recursos


como o quadro de giz, cartazes, fichas;

 insistir na apresentação até perceber que os alunos já fazem uma leitura


globalizada, isto é, já identificam as palavras, fazendo a correspondência
entre aquele grafismo e a expressão oral;

 decompor as palavras em sílabas e fazer a relação entre oralidade e escrita


com cada sílaba;

 realizar jogos variados para fixação das palavras, letras e sílabas;

 promover atividades de formação da sílaba com alfabeto móvel ou alfa-


cabo;

 promover atividades de escrita com as sílabas estudadas;

 promover atividades de identificação, no interior de outros vocábulos, das


sílabas estudadas;

 promover atividades de composição de novas palavras pela combinação


das sílabas estudadas;

 promover atividades de memorização das letras em ordem alfabética.

94
Procedimentos pedagógicos para sistematização do domínio do código

Essas atividades devem caminhar em duas direções: da oralidade para a es-


crita e da escrita para a oralidade. Em ambos os casos irão aparecer tanto os
registros e valores fonéticos idênticos como os posicionais e arbitrários.

Quanto aos padrões silábicos, vejamos as considerações da professora Lígia


Regina Klein a respeito da questão, tendo em vista que ela elaborou uma pro-
posta de prática pedagógica para sistematização silábica assentada no critério
da identidade fonética, e não gráfica. Desse modo, a referida educadora inverte
o critério de identidade gráfica ainda predominante na maioria das propostas de
alfabetização, como resquício da sistematização usual das cartilhas.

Podemos concluir a reflexão sobre a sistematização do código ressaltando


que, tendo em vista o processo pedagógico proposto, não é necessário aguardar
que o aluno domine o código para produzir seus textos escritos. Ao contrário, é
imprescindível que o professor estimule a criança a escrever suas ideias desde o
início da alfabetização, pois, nessas tentativas, ela vai ser levada a pensar sobre o
código e começará a entender seus princípios. Além disso, ela contará com a me-
diação do professor para a apropriação desse conhecimento, pois é importante
que o educador se mostre sempre disponível para ajudar e fornecer as respostas,
dizendo, por exemplo, como se escreve determinada palavra ou sílaba quando a
criança não consegue fazê-lo sozinha.

Texto complementar

Famílias silábicas:
trabalha-se com elas ou não?
Em que sequência? Como organizá-las?
(KLEIN, 2003)

Há hoje uma certa tendência em considerar ultrapassado e inútil o traba-


lho pedagógico com as famílias silábicas, da mesma forma que se critica como
coisa inadmissível a prática da memorização. Essa posição é equivocada, sim-
plesmente porque, sendo a escrita pura convenção e contendo inúmeras ar-
bitrariedades na relação letra/fonema, o aluno só poderá dominar a codifica-
ção/decodificação da escrita se: primeiro, compreender que a referência para
os sinais escritos são os fonemas; segundo, compreender a regularidade do

95
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

padrão sonoro da articulação de uma consoante com as cinco vogais (ba, be,
bi, bo, bu, na, ne, ni, no, nu etc.); c) memorizar os valores fonéticos de todas
as vogais e de todas as consoantes; d) aplicar, dedutivamente, a partir de um
cabedal de sílabas já conhecidas, a regularidade do padrão sonoro da arti-
culação da consoante com as vogais (exemplificando: se m com u, faz mu, d
com u faz du). Ora, à compreensão da relação oralidade-escrita deve seguir-se
a memorização do valor fonético das letras (vogais e consoantes) e a memo-
rização dos padrões silábicos. O aluno não necessitará memorizar todas as
formas silábicas da língua porque, reconhecendo o valor fonético das letras,
poderá, por simples generalização, descobrir outras formas.

Deste modo, fica evidente a importância tanto do trabalho com as sílabas


como do esforço de memorização. No entanto, é necessário ter claro que as
atividades monótonas, repetitivas, mecânicas não concorrem para a memo-
rização. Antes, cansam o aluno, tornam-no desatento e o desviam do esforço
de aprender. Por esta razão, a memorização deve ser através de jogos, de
brincadeiras, de atividades lúdicas variadas que permitem que o aluno opere
com as sílabas e letras em contextos muito diversificados e prazerosos. Por
outro lado, a memorização sempre deve ser decorrência de uma reflexão e
compreensão, de maneira que nunca se deve provocar a memorização sem
a concomitante ou anterior compreensão do fenômeno estudado.

Quanto à ordenação sequencial das famílias silábicas, devemos distin-


guir abordagem pedagógica e aprendizagem. O trabalho com o texto, seja
enquanto leitura, seja enquanto produção dos alunos, inviabiliza a ordena-
ção de famílias silábicas, uma vez que ao produzir um ato discursivo real,
se diz aquilo que precisa ser dito, e não aquilo que um número reduzido
de sílabas permitiria. Desta maneira, os padrões silábicos se introduzirão nas
atividades pedagógicas, guindados pelas palavras que os alunos precisam
e querem utilizar para poder contar suas histórias. Ordená-los, então, equi-
valeria a calar os meninos, impedindo-os de exercer sua palavra sempre que
uma sílaba complexa fosse requerida. Logo, do ponto de vista da abordagem
pedagógica, não há nenhuma ordenação: trabalha-se com os padrões que
integram os vocábulos dos textos (orais ou escritos) dos alunos.

Enfim, não há uma sequência prévia de sílabas a serem trabalhadas. Elas


vão depender das palavras que se apresentarem interessantes no desenvolvi-
mento das atividades com o texto. Assim, tanto se pode iniciar com ba, como

96
Procedimentos pedagógicos para sistematização do domínio do código

com trans ou gue. Não há, aqui, a preocupação de distinguir entre sílabas mais
simples e mais complexas, com o fito de deixar para um segundo momento
as famosas dificuldades. Essas dificuldades de fato não existem, ou melhor,
elas só são reais quando se trabalha de forma parcelarizada e etapista con-
forme é o modelo proposto pelas cartilhas. Nas atividades de aquisição do
gráfico, o importante é promover a identificação da relação oralidade-escrita,
ora partindo da pronúncia das palavras em busca de sua representação escri-
ta; ora da escrita da palavra em busca de sua sonorização. Nessas atividades,
o professor deixará patente o princípio alfabético da língua e o seu contrário
que é o princípio da memória etimológica. Em outras palavras, que há fone-
mas que sempre são registrados da mesma maneira, enquanto há outros que
podem admitir diferentes registros, dependendo do vocábulo em que apa-
recem (exemplos: /d/ = d, enquanto /z/ = z, s, x). É importante, ainda, que o
professor acentue que a variedade de possibilidades de registrar não impli-
ca poder utilizar indiscriminadamente esses registros, mas que cada palavra
admite uma única forma de fazê-lo.

Por outro lado, embora compreendam a lógica da relação letra/fonema


e, portanto, a relação sílaba/emissão de voz, os alunos tendem a memorizar
mais rapidamente os padrões silábicos regulares, de valor fonético constan-
te (ba, be, bi, bo, bu, da, de… pa… etc.); depois, os padrões complexos mais
recorrentes no seu vocabulário usual. Da mesma forma, tendem a memorizar
antes a grafia de vocábulos que requerem relações letra/fonema regulares,
depois as que requerem relações de valor posicional e, finalmente, as que
contêm relações arbitrárias.

De qualquer modo, a recorrência daquele padrão silábico nas palavras


utilizadas nos textos e trabalhadas nas atividades de sistematização do
código são as que têm mais chance de serem apreendidas rapidamente. Daí
a importância de intensas atividades de leitura, de escrita e de sistematiza-
ção, com textos que apresentam padrões silábicos bem diversificados e, ao
mesmo tempo, recorrentes.

Resumindo, o professor não ordena os padrões silábicos para a aborda-


gem pedagógica, enquanto os alunos tendem a apresentar uma certa orde-
nação ou sequência de padrões, enquanto resposta mais próxima da grafia
correta, consoante com o grau de complexidade dos padrões silábicos.

97
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Por esta razão, para efeito de avaliação e de ensino, o professor deverá


distinguir esses níveis de aprendizagem, não atribuindo o mesmo peso a
erros que resultam de graus diferentes de dificuldade e enfatizando o traba-
lho com padrões mais complexos.

No que se refere à composição das famílias silábicas, propomos um cri-


tério inverso ao das cartilhas: enquanto as cartilhas organizam as famílias
silábicas pelo critério da identidade gráfica, indicamos organizá-las a partir
da sua identidade fonética, uma vez que a escrita decorre da oralidade e não
o inverso. Propomos, então, como critério, o valor fonético da sílaba e não
o gráfico. Portanto, diferentemente das cartilhas, que apresentam as famí-
lias silábicas tendo como critério a forma mais comum de registro de um
fonema, propomos a apresentação de todos os registros possíveis de um
dado fonema ou emissão de voz.

Vejamos alguns exemplos:

Família silábica do Família silábica do Família silábica do


fonema /z/ fonema /k/ fonema /x/

za – zé – zi – zo – zu ca – co – cu
cha – che – chi – cho – chu
sa – se – si – so – su que – qui – qua – quo
xa – xe – xi – xo – xu
xa – xe – xi – xo – xu ka – ke – ki – ko – ku

Na abordagem pedagógica, as famílias devem ser apresentadas a partir


de uma sílaba integrante de alguma palavra apreendida globalmente (isto
é, que o aluno reconhece visualmente, embora ainda não decodifique cada
sílaba). O trabalho desenvolver-se-á através de comparação de palavras,
decomposição, composição, jogos com letras e sílabas (memória, bingo,
dominó etc.). Todas essas práticas requerem, como recursos didáticos, muito
material escrito. Para a alfabetização, esses materiais vão desde rótulos, lo-
gotipos, anúncios, caixas e pacotes de embalagem com algo escrito, alfabe-
tos móveis variados, os cartazes e materiais elaborados pelo professor, até
jornais, revistas, livros e, é claro, os textos produzidos pelos alunos: primeiro
seus textos orais e depois suas tentativas de escrita – ainda que com pouca
convencionalidade – e, finalmente, seus textos mais elaborados.

98
Procedimentos pedagógicos para sistematização do domínio do código

Atividades
1. Quais os procedimentos para as atividades de sistematização do código, re-
alizados a partir das tentativas de produção de texto dos alunos?

2. As atividades com palavras sugeridas para reflexão sobre o código devem


ser realizadas

a) somente na direção da oralidade para a escrita.

b) somente na direção da escrita para a oralidade.

c) na direção da oralidade para escrita e na da escrita para oralidade.

d) indiferentemente, na direção da escrita ou na da oralidade.

3. Na abordagem pedagógica da alfabetização centrada nas práticas de leitura


e produção de texto trabalha-se

a) com os padrões silábicos que integram os vocábulos dos textos orais e


escritos dos alunos.

b) inicialmente apenas com padrões silábicos que apresentam fonemas


cujas relações são regulares.

c) padrões silábicos que seguem a sequência das letras do alfabeto, combi-


nados com as vogais.

d) padrões silábicos considerados simples, sendo posteriormente apresen-


tados outros mais complexos.

99
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Dica de estudo
Para aprofundar o estudo sobre procedimentos para a sistematização do
código, os alfabetizadores podem buscar um valioso livro que resultou da con-
tribuição de um linguista da Universidade Federal do Paraná para alfabetizado-
res das escolas de Ensino Fundamental:

FARACCO, C. A. Escrita e Alfabetização. Características do sistema gráfico do


português. São Paulo: Contexto, 2001.

100
Procedimentos pedagógicos para sistematização do domínio do código

101
Reescrita do texto com o objetivo
de sistematização do domínio do código
Inicialmente, é importante ressaltar que, embora o exemplo a seguir
enfoque a reescrita do texto ressaltando aspectos da reflexão sobre o
código, trata-se de uma explanação com objetivo didático, pois, como
temos enfatizado, o procedimento pedagógico de reescrita do texto com-
porta a reflexão sobre o código simultaneamente à análise das questões
discursivas. Assim, relembrando a importância de não negligenciar nenhu-
ma das práticas pedagógicas da alfabetização indicadas, vejamos como o
professor pode desenvolver a análise do texto do aluno, cujas considera-
ções permitirão sistematizar procedimentos pedagógicos que ensejem o
domínio do código.

(KLEIN, 2000, p. 92-94)


Texto da criança Texto reescrito

Eu fui pescar. Minha irmã me


bateu e depois eu fui brincar
de carrinho. Minha irmã me
chamou e me mandou ir à
venda.
Cleber

A análise deste texto revela, no que diz respeito à produção textual, que
é possível considerar que o aluno atingiu os objetivos essenciais do primei-
ro momento da alfabetização, estando em franco processo de domínio da
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

escrita, pois demonstra que reconhece os princípios fundamentais do código e


atende a noções básicas da textualidade. Dentre os conteúdos do domínio do
código, verifica-se, nessa produção escrita do aluno, as seguintes aquisições:

 reconhece a direção da escrita;

 tem noção de segmentação, pois faz tentativas, embora ainda não seg-
mente corretamente;

 reconhece o princípio alfabético, identificando a relação letra-fonema;

 reconhece as letras e seus valores fonéticos, inclusive no caso das arbitrá-


rias, embora não complete e não grafe corretamente todas as palavras;

 apresenta traçado legível das letras;

 reconhece a função do til;

 reconhece a função nasalizante do m e do n;

 utiliza recursos de coesão – depois, e;

 é capaz de desenvolver um texto narrativo;

 expõe ideias com sequência lógica;

 emprega, no texto escrito, a flexão adequada dos verbos, fazendo uso de


sua competência linguística oral, exceto na flexão do verbo ir, flexionado
na terceira pessoa, em razão de marca dialetal;

 produz um texto, ainda que breve, com unidade temática.

Com base nestas considerações, conclui-se que o aluno produz um texto


breve, ainda que com problemas de domínio do código. Cabe ao professor
proceder de modo a consolidar estes conteúdos e continuar trabalhando com
aqueles que ainda não se manifestam como aprendizagem, dentre os quais:

 segmentação;

 discriminação dos fonemas semelhantes – p/t, f/v e m/n;

 famílias silábicas compostas por relações arbitrárias – c e q;

 noção e princípio do uso do parágrafo;

104
Reescrita do texto com o objetivo de sistematização do domínio do código

 distinção entre nome de letra e seu valor fonético;

 regência, como por exemplo, ir à venda, ao invés de ir na venda;

 superação da marca dialetal – eu foi, dispois;

 pontuação;

 acentuação.

Cabe ainda lembrar que os vocábulos cujo registro contém relações arbitrá-
rias necessitam ter sua grafia memorizada. Daí a importância de variadas ativi-
dades de leitura e escrita.

Vejamos outro exemplo de análise dos conteúdos do domínio do código no


texto de um aluno, verificando-se as aquisições e os problemas apresentados.

Texto da criança Texto reescrito

Omeo bigo edi pelusia eonomi de li e xiqino eli O meu bichinho é de pelúcia e o nome dele é
e brãqo. Chiquinho. Ele é branco.

Em primeiro lugar, a análise evidencia um conjunto de apropriações do aluno


com relação ao domínio do código:

 domínio da escrita;

 noção de segmentação, pois, embora não segmente corretamente, faz


tentativas de empregá-la entre as palavras;

 domínio do princípio alfabético, quanto à relação oralidade-escrita;

 domínio do valor fonético de uma quantidade razoável de letras;

 domínio da função de nasalização do til;

 sequência lógica de ideias.

Outra questão muito importante, que se pode observar na produção do


aluno, é que os problemas do texto contêm uma lógica, de tal forma que é pos-
sível constatar um certo domínio dos conteúdos da língua escrita.

105
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

(KLEIN, 2000, p. 56-57)


Conhecimento
Registro Erros Causa provável
implícito no erro

OMEO Ausência de seg- Referência no fluxo da ora- Compreensão da relação orali-


mentação. Troca do lidade, pois no discurso oral dade-escrita. Compreensão do
U pelo O. não procedemos à segmen- valor fonético da letra O.
tação entre palavras. Marca
da oralidade, pois a pronún-
cia do ditongo EU é muito
próxima do ditongo EO.

BIGO Troca de sílaba CHO A referência do valor fonéti- Compreensão da relação orali-
por GO. co do GI/GE pela proximida- dade-escrita. Compreensão do
de fonética: valor fonético do G /J/.
BICHO = BIJO.

EDI Ausência de acento Nenhuma noção. Referência Compreensão da relação orali-


agudo. Erro de seg- no fluxo da oralidade. Marca dade-escrita. Compreensão do
mentação. Troca do da oralidade. valor fonético da letra I.
E pelo I.

PELUSIA Troca do C pelo S. Identidade do valor fonético Compreensão da relação orali-


Ausência do acento dessas letras, em determina- dade-escrita. Compreensão do
agudo. dos casos. Nenhuma noção. valor fonético da letra S.

EONOMI Erro de segmen- Referência no fluxo da ora- Compreensão da relação orali-


tação. Troca do E lidade. Marca da oralidade dade-escrita. Compreensão do
pelo I. produz identidade de valor valor fonético da letra I.
fonético dessas letras, em
determinados casos.

DE LI / ELI Erro de segmen- Tentativa de segmentação. Noção de segmentação. Com-


tação. Troca do E Marca da oralidade produz preensão da relação oralida-
pelo I. identidade de valor fonético de-escrita. Compreensão do
dessas letras, em determina- valor fonético da letra I.
dos casos.

106
Reescrita do texto com o objetivo de sistematização do domínio do código

Conhecimento
Registro Erros Causa provável
implícito no erro

E Erro de acentua- Nenhuma noção. Nenhuma noção.


ção.

XIQINO Troca de CH pelo X. Identidade do valor fonético Compreensão da relação


Omissão da letra U. dessas letras, em determina- oralidade-escrita. Compreen-
dos casos. Confusão entre o são do valor fonético da letra
nome da letra Q, seu valor X. Identificação do nome da
fonético e a arbritariedade letra.
da sílaba.

BRÃQO Troca do N pelo til. Identidade de função nasa- Compreensão da relação


Troca do C pelo Q. lizante. Identidade do valor oralidade-escrita. E do valor
fonético dessas letras em nasalizante da letra N. Com-
determinados casos. preensão da relação oralida-
de-escrita e do valor fonético
da letra Q.

Os problemas mais recorrentes no texto analisado e que demandam serem


retomados como objeto de sistematização são grafia fixa de vocábulos e seg-
mentação das palavras, sendo que ambos os conteúdos estão relacionados
entre si. Cabe ainda retomar a noção de pontuação e de parágrafo.

Podemos concluir a reflexão sobre a sistematização do código ressaltando


que, tendo em vista o processo pedagógico proposto, não é necessário aguardar
que o aluno domine o código para produzir seus textos escritos. Ao contrário,
como vimos no exemplo analisado, é imprescindível que o professor estimu-
le a criança a escrever suas ideias desde o início da alfabetização, pois, nessas
tentativas, ela será levada a pensar sobre o código e começará a entender seus
princípios. Além disso, ela contará com a mediação do professor para a apropria-
ção desse conhecimento, pois é importante que o educador se mostre sempre
disponível para ajudar e fornecer as respostas, dizendo, por exemplo, como se
escreve determinada palavra ou sílaba quando a criança não consegue fazê-lo
sozinha.

107
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Texto complementar
As sílabas
(TATIT, 2000)

Cantiga diga lá

A dica de cantar

O dom que o canto tem

Quem tem que ter se quer encantar

Só que as sílabas se embalam

Como sons que se rebelam

Que se embolam numa fila

E se acumulam numa bola

Tem sílabas contínuas:

Ia indo ao Piauí

Tem sílabas que pulam:

Vox populi

Tem sílaba que escapa

Que despenca

Rola a escada

E no caminho

Só se ouve

Aquele boi-bumbá

Tem sílaba de ar

Que sopra sai o sopro

108
Reescrita do texto com o objetivo de sistematização do domínio do código

E o som não sai

Tem sílaba com esse

Não sobe não desce

Tem sílaba legal

Consoante com vogal

Tem sílaba que leve oscila

E cai como uma luva na canção

Atividades
1. Que aspectos são avaliados na tentativa de produção escrita do aluno e que
podem ser objeto de reflexão para o domínio gradativo do código e domínio
das questões discursivas?

109
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

2. Problemas recorrentes do domínio do código, evidenciados nas análises das


tentativas de produção escrita dos alunos, demandam

a) de procedimentos sistematizados que retomem conteúdos e noções não


consolidadas.

b) do amadurecimento espontâneo até o momento possível de consoli-


dação das noções.

c) da proposição de exercícios lúdicos e prazerosos, que não necessitem de


esforço.

d) da memorização por meio de exercícios repetitivos de regras e definições.

Dica de estudo
O dicionário é um meio de estudo imprescindível para produção de um leitor e
escritor competente, em língua portuguesa. Para isso, indicamos um bom, atualizado
e acessível dicionário:

HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Minidicionário Houaiss de Língua Portuguesa. 3.


ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

110
Reescrita do texto com o objetivo de sistematização do domínio do código

111
Gabarito

Desenvolvimento histórico do processo


de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
1. Os elementos da organização do trabalho pedagógico da escola mo-
derna que permanecem presentes até os dias atuais são: o professor,
que promove a instrução necessária ao homem comum; o manual di-
dático, usado como instrumento de ensino; a aprendizagem dos alu-
nos simultânea e na mesma classe e sala de aula.

2. O contexto de interlocução próprio da sociedade atual exige que a es-


cola produza um leitor competente, capaz de apreender o significado
do discurso, interpretando seus elementos históricos, científicos e ide-
ológicos; que domine os elementos da textualidade e ainda domine
os elementos da codificação do texto.

3. C

Concepção de letramento
1. Os dados revelam que embora se verifique maior expansão de oferta
de ensino pela escola pública brasileira, permanece os mesmos per-
centuais elevados de reprovações na primeira série ou primeiro ciclo
do Ensino Fundamental – que é a classe de alfabetização, no que de-
corre, portanto, a permanência do analfabetismo.

2. Alfabetização, como o próprio termo indica, é concebida como pro-


cesso de compreensão de significados, com objetivo de comunicação
e interação verbal, de compreensão da realidade. Portanto, código e
textualidade compõem os conteúdos da alfabetização.

Um segundo desafio para a concepção atual da alfabetização escolar,


é que não basta que os alunos saibam ler e escrever, mas faz-se neces-
sário o cultivo das atividades de leitura e escrita que respondam às de-
mandas sociais de exercício dessas práticas. Chamamos de letramento
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

a essa ação pedagógica que se realiza de forma complementar e simultânea


à alfabetização.

3. A

Textualidade, código e meios de produção da escrita


1 A

2. B

3. O texto é entendido não como mero pretexto para apresentação de pala-


vras-geradoras; mas é concebido na sua unidade de sentido, com ampla sig-
nificação socialmente construída. Por essa razão, em seu interior, a palavra, a
sílaba e a letra ganham significado plenamente.

As quatro práticas da alfabetização


1. As quatro práticas pedagógicas da alfabetização se orientam pelos seguin-
tes princípios: desenvolvem-se sempre com base no texto, embora tenham
especificidades; são sempre articuladas entre si e repetem-se em cada nova
situação discursiva.

2. As atividades da prática de leitura e interpretação de texto objetivam su-


perar o nível de localização de informações e reconhecimento do enredo;
explicitação do tema e intenção do autor e crítica ao conteúdo ideológico
presente no texto.

3. B

Leitura e interpretação
1. A prática de leitura e interpretação de texto tem como objetivo produzir um
leitor capaz de compreender a riqueza de possibilidades e os limites da in-
terpretação do texto; de interagir com os mais diversos textos em situações
significativas e diferenciadas e de assumir uma postura crítica, realizando um
estudo aprofundando do texto.

2. C

3. B

114
Gabarito

A prática da produção de textos


1. B

2. A

3. D

Produção do texto escrito


1. Os elementos da organização do texto escrito a serem definidos previamen-
te são: definição do interlocutor real ou virtual; definição do tipo de texto e
da linguagem formal ou informal mais adequada e organização da estrutura
textual, equacionando os limites da introdução, do desenvolvimento e da
conclusão.

2. O processo pedagógico que objetiva produzir bons escritores na escola se


orienta pelos seguintes pressupostos:

 os erros dos alunos não são desconsiderados, mas tornam-se objeto de


reflexão e superação progressiva;

 os alunos são encorajados a registrarem ideias e reformular erros para pro-


duzir expressão escrita cada vez melhor de forma gradativa;

 a escrita gramatical e ortograficamente correta está a serviço do conteúdo


que se objetiva expressar, e não o contrário.

Prática da análise linguística


1. A análise linguística objetiva desenvolver a reflexão sobre a própria língua;
reconhecer diferentes possibilidades de expressão que a língua oferece e en-
tender e superar dificuldades gramaticais analisadas nos textos produzidos.

2. A língua oral e escrita enquanto produção histórica comporta e expressa as


mesmas contradições próprias da sociedade. Expressa nas modalidades co-
loquial e formal, é reflexo do âmbito cultural próprio do segmento social das
pessoas que as utilizam. Trata-se, portanto, de um conjunto de modalidades
socialmente produzidas e com diferentes graus de prestígio social.

3. A

115
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

Prática de reescrita do texto


1. A reescrita do texto comporta os seguintes procedimentos pedagógicos:

 escolha do texto de um aluno para análise, que apresente dificuldades


comuns à maioria dos textos dos demais alunos;

 participação ativa de todos os alunos nas considerações do professor so-


bre o texto que está sendo analisado;

 análise e explicações sobre conteúdos relativos à grafia e aos recursos lin-


guísticos (pontuação, eliminação de redundâncias, clareza, complementa-
ção de informações);

 anotação no quadro de giz do texto reescrito, com as correções adequa-


das, previamente discutidas e respondidas, bem como as complementa-
ções que forem necessárias.

2.

Texto reescrito
Quando saí de casa hoje de manhã muito cedo, estava chovendo. Como tinha perdido
o guarda-chuva e o ônibus custasse a chegar, fiquei todo molhado e apanhei um bruto
resfriado.

Procedimentos pedagógicos para


sistematização do domínio do código
1. Das tentativas de produção de texto emergem as atividades de sistematiza-
ção do código por meio dos seguintes procedimentos realizados pelo pro-
fessor:

 Registro escrito de um texto, previamente selecionado, na presença dos


alunos.

 A escrita da cada palavra é acompanhada com a leitura em voz alta, com


o objetivo de produzir a possibilidade dos alunos perceberem a relação
entre os fonemas e seu registro gráfico.

2. C

3. A
116
Gabarito

Reescrita do texto com o objetivo de


sistematização do domínio do código
1. São muitos os aspectos que podem ser avaliados na tentativa de produção
escrita do aluno e que podem ser objeto de reflexão para o domínio gra-
dativo do código e domínio das questões discursivas. Dentre eles podemos
destacar:

 reconhecimento da direção da escrita;

 noção de segmentação, reveladas em tentativas ainda que incorretas;

 reconhecimento de letras e seus valores fonéticos, ainda que todas as pa-


lavras não sejam corretamente grafadas;

 traçado legível das letras;

 uso de recursos coesivos como algumas conjunções e advérbios de tempo;

 emprego, no texto escrito, de concordância nominal e/ou verbal, revelan-


do o uso da competência oral;

 exposição de ideias em sequência lógica;

 unidade temática do texto, ainda que o mesmo seja breve.

2. A

117
Referências

AGUIAR, V. T. Leituras para o 1.º grau: critérios de seleção e sugestões. In:


ZILBERMAN, R. (Org.). Leitura em Crise na Escola: as alternativas do pro-
fessor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

ALVES, G. L. A Produção da Escola Pública Contemporânea. Campo


Grande: UFMS; Campinas: Autores Associados, 2001.

BARBOSA, J. J. Alfabetização e Leitura. 2. ed. rev. São Paulo: Cortez, 1994.


(Coleção Magistério, 2.º Grau. Série Formação do Professor, v. 16).

BRAGATTO FILHO, P. Pela Leitura Literária na Escola de 1.º Grau. São


Paulo: Ática, 1995.

BRASLAVSKY, Berta. Escola e Alfabetização: uma perspectiva didática.


São Paulo: UNESP, 1993.

BRITTO, L. P. L. Em terra de surdos-mudos (um estudo sobre as condições


de produção de textos escolares). In: GERALDI, J. W. (Org.). O Texto na Sala
de Aula. 4. ed. São Paulo: Ática, 2006.

CAGLIARI, L. C. A respeito de alguns fatos do ensino e da aprendizagem


da leitura e da escrita pelas crianças na alfabetização. In: ROJO, R. (Org.).
Alfabetização e Letramento. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2002.

COSCARELLI, C. V. Acompanhando e Avaliando a Alfabetização. (Con-


ferência). Congresso Estadual de Alfabetização, Belo Horizonte, dez.
2003. Disponível em: <www.educacao.mg.gov.br>.

DIAFÉRIA, L. O empinador de estrelas. In: GERALDI, J. W. (Org.). O Texto na


Sala de Aula. 4. ed. São Paulo: Ática, 2006.

ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em


homem. In: MARX, K.; ENGELS, F. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Ôme-
ga, 2004, v. 2.

FARACCO, C. A. Escrita e Alfabetização: características do sistema grá-


fico do português. São Paulo: Contexto, 2001.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Alfabetização

GOMES, R. Como curar ataques de gramatiquice. LINGUASAGEM. Revista Ele-


trônica de Popularização Científica em Ciências da Linguagem. Departa-
mento de Letras e Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFSCAR, ago.
2008. Disponível em: <www.letras.ufscar.br/linguasagem>.

GONÇALVES, M. T.; AQUINO, Z. T.; SILVA, Z. B. Antologia de Antologias: prosa-


dores brasileiros revisitados. São Paulo: Musa, 1996.

HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Minidicionário Houaiss de Língua Portuguesa. 3.


ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

ILARI, R. A Linguística e o Ensino da Língua Portuguesa. São Paulo: Martins


Fontes, 1985.

KLEIN, L. R. Proposta Metodológica de Língua Portuguesa. Campo Grande.


Secretaria de Estado de Educação/Governo Popular, 2000. (Série Fundamentos
Político-pedagógicos).

______. Alfabetização de Jovens e Adultos: questões e propostas para a prá-


tica pedagógica na perspectiva histórica. Brasília: 2003.

LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Ática, 2005.

LUCKESI, C. C. Avaliação da Aprendizagem Escolar. 18. ed. São Paulo: Cortez,


2006.

LURIA, A. R. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VYGOTSKY, L. S.; LURIA,


A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. Tradu-
ção de: VILLALOBOS, Maria da Penha. São Paulo: Ícone, 2001.

MORTATTI, M. R. L. Cartilha de alfabetização e cultura escolar: um pacto secu-


lar. Caderno CEDES, Campinas, v. 20, n. 52, nov. 2000.

POSSENTI, S. Por que (Não) Ensinar Gramática na Escola. Campinas, SP: Mer-
cado Aberto, 2003.

______. Sobre o ensino de Português na escola. In: GERALDI, J. W. (Org.). O Texto


na Sala de Aula. 4. ed. São Paulo: Ática, 2006.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Au-


têntica, 2003.

______. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Edu-


cação, Rio de Janeiro, n. 25, jan./abr. 2004.

120
Referências

______. Alfabetização e Letramento. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2005.

TATIT, L. As sílabas. In: O Meio. Rio de Janeiro: Verde Edições Musicais, 2000.
(GRA6978824-4).

VERISSIMO, L. F. Fobias. In: Banquete com os Deuses. Rio de Janeiro: Objetiva,


2003.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

121
Anotações

You might also like