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41º Encontro Anual da ANPOCS

SPG29 Religiões e fronteiras: da (re)composição das crenças a (des)regulação dos


marcos territoriais

ELEMENTOS DA IDENTIDADE BANTU DA NAÇÃO ANGOLA NA COSTA DO


DENDÊ

Autor: Heráclito dos Santos Barbosa (Táta Luangomina)

VALENÇA - BAHIA
SETEMBRO, 2017
INTRODUÇÃO

Os estudos afro-brasileiros em geral tem ganhado espaço, cada vez mais, dentro
da academia, seja por meio da criação de disciplinas, cursos de graduação, mestrados ou
doutorados e ou pela compreensão da temática como estruturante para a compreensão das
relações sociais de poder constituídas no/pelo/para o estado brasileiro.

Apresenta-se na sociedade brasileira uma crescente manifestação de interesse


neste campo de conhecimento, tanto o povo de terreiro quanto pesquisadores (não
membro de terreiro) têm se interessado por esta temática. No inicio da sistematização
deste campo e dos seus objetos de pesquisa, os estudos sobre Candomblé eram realizados
por pesquisadores estrangeiros, que não eram membros de espaços afroreligiosos, muitos
deles fingiam ser de candomblé apenas para poder ter acesso a “sociedade secreta”.

Nasci e caminhei (caminho) dentro de uma comunidade de terreiro, onde aprendi


as primeiras palavras e o sopro da vida. Foi no candomblé que fui criado, foi nas jisabas
(folhas) sagradas em que fui construído como homem pelos minkisi e por minha família.
Aprendi cedo a lidar com demandas da liturgia diária do candomblé de angola e do culto
aos caboclos. Aprendi, o que sei hoje, observando meus mais velhos, homens e mulheres
se posicionando dentro do espaço terreiro para à defesa e manutenção deste sistema
religioso que chamamos de Candomblé. Neste espaço geopolítico sagrado fui
entendendo-me como parte de caminhadas que se cruzam e se hierarquizam a partir do
mais velho.

A minha vivência dentro dos espaços religiosos fortaleceu minha formação


humana, foi no terreiro que desenvolvi minha humanidade a partir de uma cosmologia
que não tem como centro o sujeito iluminista. Nomeamos a vida a partir dos princípios
relacionais dos seres entre si, fui, assim construído por uma cultura, adquiri um extenso
grupo familiar que não se resume apenas aos meus parentes biológicos. Na vida
aprendemos a ler e interpretar os sonhos, que, muitas das vezes nos levam à espaços
capazes de desenvolver nossa capacidade de compreender e praticar a lógica da própria
vida que se natureza. Tudo que há no mundo é sagrado, pois tudo partiu de Nzambi, o/a
senhor/senhora supremo/a, Nzambi que não é homem e nem mulher mais sim uma
potência única, capaz de construir nosso mwtue (a cabeça humana), é a fonte da vida e da
morte e de tudo que há no universo.

Fazendo a militância, aprendi que, também, devemos escrever na primeira pessoa,


como uma posição de onde me manifesto enquanto sujeito pensante e dotado da
capacidade de construção e sistematização do conhecimento, o que diz de um lugar
político, de um exercício de poder e de autoria coletiva sobre as questões do
conhecimento.

Há uma grande questão dentro da universidade, cujo fundamento epistemológico


e político é europeu e, mesmo quando pluralizado, este espaço hierarquiza outras
epistemes a partir de sua matriz grega, retomada pelo iluminismo. Neste sentido, estes
conhecimentos se supõem aptos a orientar e analisar as comunidades, as vidas, as
sociedades. Nessas palavras conduziremos a questão da cosmovisão bantu-indígena
presente no Terreiro Diandelê, localizado na Rua do Cajueiro, Tento, Valença/BA, até a
Comunidade Caxuté, situado em Cajaiba, Valença/BA, que descende deste primeiro.
Tomando licença, bandagira à comunidade que descendo quero mencionar nas próximas
,linhas, que seguem, os cinco elementos (água, fogo, ar, terra e ngunzu) que identifiquei
dentro dos terreiros citados acima, ao longo de minha vivência no candomblé e como
estes se articulam para gerar uma cosmovisão que diferencia e alinha seres, estratégias,
modos e fazeres.

SOBRE OS BANTU

BANTU é um conceito linguístico que foi utilizado por europeus para se referir a
um enorme quantitativo de povos africanos que tinham culturas linguísticas aparentadas.
Bantu é tronco linguístico assim como o Latim que deriva outros idiomas como o
português, o espanhol, dentre outras línguas. Bantu foi utilizado como um termo para
nomear os povos dos reinos que ficavam entre Camarões e Nigéria, Centro e Sul da
África. BANTU é o plural de MUNTU, sendo este ultimo seu singular.

Etimologicamente o dicionário Novo Dicionário Banto do Brasil, organizado pelo


pesquisador e ativista Nei Lopes, a palavra “banto”, no mesmo sentido de bantu é
definido como: “ Cada um dos membros da grande família etnolinguística à qual
pertenciam, entre outros, os escravos no Brasil chamados angolas, congos, cabindas,
benguelas, moçambiques etc. e que engloba inúmeros idiomas falados, hoje, na África
Central, Centro-Ocidental, Austral e parte da África Oriental. // adj. (2) Pertencente ou
relativo aos bantos ou às suas línguas. Do termo multilinguístico ban-ntu, plural de mu-
ntu, pessoa, indivíduo.

Muntu é ser humano, é a pessoa humana, é um indivíduo único que pertence a um


coletivo extenso de Bantu (pessoas, povos). É falso se afirmar que Bantu é um idioma,
pois os idiomas que estes bantu (povos) falavam constituem este tronco linguístico.
Bantu-indígena é uma categoria politica na qual a Comunidade de Terreiro do Campo
Bantu-Indígena Caxuté tem criado e reivindicado politicamente. Foi por meio da
vivência e união dos povos Bantu que as correntes sanguíneas indígenas e bantu que se
encontram e que uma se uniu a outra formou uma comunidade que resiste ao sabor do
tempo, criando um povo forte, inteligente, criativo, compromissados com seus povos
originários. Caxuté tem se posicionado e reivindicando seus direitos territoriais, seus
direitos ancestrais, seus direitos de viver em meio à natureza e fazer candomblé. As
identidades de povos africanos que se cruzam nos corpos e expressões

ENTRE AS ÁGUAS DE KASANJI

Almira nasceu em Amargosa/BA, migrando-se com seus familiares para o


município de Valença, tornando-se ribeirinhos. Nos manguezais da Baía de Camamu,
Mira começou a ser alvo das manifestações espirituais por ancestrais africanos e
ameríndios aos seus sete anos. Tempos se passaram e entre os seus 17 a 18 anos de idade,
em 14/05/1941, foi iniciada para a nkisi Kisimbi pelo saudoso sacerdote Loyá, Pai
Manoel Menezes recebendo nome religioso de Kasanji.

Em 25 de maio de 1949 foi ordenada sacerdotisa no Candomblé angola,


reconhecida pelo nome de Mãe Mira, tornou-se a “mãe de santo” mais famosa, pela sua
inserção no universo espiritual desde criança, na Costa do Dendê depois de sua mãe
biológica, a Mãe Bela. Anos se passaram e Almira tornou-se um mito histórico pelo luxo,
símbolo de identidade banto, por boa condição financeira, por ter sido delegada da
Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro e familiaridade no cenário religioso, cultural
e político em Valença e na Bahia. Seu nome aparece bastante referenciado pela oralidade
por sua base espiritual e a crença nos ancestrais africanos e nos caboclos brasileiros
desde sua infância. Foi uma religiosa que se ascendeu na vida, transformando-se em uma
“entidade negra” não só para os filhos da sua casa, mas para o “povo de santo” no vasto
território do Recôncavo da Bahia.

A fundação do Terreiro Diandelê na década de cinquenta por duas mulheres em


uma cidade do interior da Bahia, com “maioria” católica e evangélica, significou, mais
um caso de resistência negra contra os resquícios da escravidão negra no Brasil. Os
candomblezeiros/as foram perseguidos/as por estes seguimentos religiosos cristãos,
sofrendo uma política de invisibilidade das histórias e imagens destes locais. A trajetória
religiosa de Mãe Mira, no Recôncavo Histórico da Bahia, representa o poder das
mulheres negras que afirmaram em suas trajetórias as práticas e a referências culturais e
religiosas de matrizes africanas. Mãe Mira foi a formadora de Mãe Bárbara, Mam´etu
Kafurengá. Mam´etu Kasanji é talvez a primeira pessoa a fundar um terreiro de culto da
Nação Angola na cidade de Valença, na Costa do Dendê, é por meio de sua trajetória que
tomamos licença para conduzir o diálogo que é debatido dentro da Comunidade Caxuté,
que descende de sua tradição.

ELEMENTOS DA CULTURA BANTU PRESENTES DENTRO DA NAÇÃO


ANGOLA NA COSTA DO DENDÊ?

O Território de Identidade e Cidadania Baixo Sul da Bahia, segundo dados


oficiais do Governo do Estado, está composto pelos seguintes municípios: Aratuípe,
Cairu, Camamu, Gandu, Ibirapitanga, Igrapiúna, Ituberá, Jaguaripe, Nilo Peçanha, Piraí
do Norte, Presidente Tancredo Neves, Taperoá, Teolândia, Valença e Wenceslau
Guimarães.

Clima úmido em boa parte do território. Nos chama atenção para o fato
de que este território possui um quantitativo de água muito importante.
Estas águas se concentra em grande parte na Bacia Hidrográfica do
Recôncavo Sul, e a Bacia do Contas passa pela porção sudoeste, entre
Ibirapitanga, Igrapiúna e Camamu. É uma área densa em cursos d’água,
canais naturais, ilhas e terrenos sujeitos à inundação. Os principais rios
são o Camurugi, Choró, Da Dona, Da Passagem, Das Almas, Igrapiúna,
Jequiriçá, Preto e Una, este desaguando no oceano Atlântico, em
Valença. Os espelhos d’água mais importantes são as lagoas Da
Tabatinga, De Garapuá e Santa, em Aratuípe, Cairu e Ituberá,
respectivamente. (Perfil dos Territórios de Identidade /
Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. --
Salvador: SEI, 2016. 3 v. p. (Série territórios de identidade da Bahia, v.
2). pg: 87)

O território que hoje se chama de baixo sul da Bahia, que congrega a famosa
Costa do Dendê, foi invadido pelos europeus e diversos foram os povos indígenas que
morreram em conflito com os brancos, pois esses não indígenas tentavam escraviza-los.
Muitas mulheres e crianças de diversos grupos étnicos foram estupradas, forçadas a
serem objeto sexual de brancos perversos, cristãos e machistas. Quão ruim e maléfica foi
a escravidão e o processo de extermínio dos povos indígenas das terras brasileiras,
podendo até mesmo sinalizar que este ainda foi e tem sido um dos grandes objetivos
tanto do segmento cristão (será que apenas no passado?) e dos europeus, que a história
está aí para comprovar todos os dados.

Valença e Cairu foram dois dos principais destinos, no século XVI, no processo
de invasão europeia, nestas cidades há um grande quantitativo de monumentos históricos
que foram construídos com mão de obra de nossos povos africanos e indígenas. Os
escravizados foram todos castigados nesse processo de invasão, eles eram obrigados a
carregar imensas toneladas de pedras para construir monumentos como o famoso portal
de Morro de São Paulo, a Igreja do Desterro em Cajaíba, a Igreja do Amparo, a Igreja do
Sagrado Coração de Jesus, em Valença, o Convento de São Benedito em Cairu, dentre
outras construções feitas com materiais pesados que hoje são registros históricos e muitas
delas reconhecidas pelo governo como patrimônio nacional. Por outro lado, há, hoje, uma
grande dificuldade de se tombar também terreiros de candomblé antigos que foram
importantes espaços de combate a escravização promovida pelos europeus, o que nos
deixa claro que a história é um espaço de disputa de poderes e que hegemonicamente, o
que se conta é a história dos invasores.
No início da povoação, os tabuleiros costeiros de Valença, habitados então pelos
índios tupiniquins, passaram a pertencer à Capitania de São Jorge dos Ilhéus, em
conjunto com o Vale do Jiquiriçá. Expulsos pelos índios Aimoré de área
próxima a Ilhéus, os donatários da capitania estabeleceram-se, no ano de 1533,
no arquipélago da atual Cairu, mas, somente três décadas depois, a paz com os
índios permitiu a colonização do litoral entre Guaibim e a primeira cachoeira do
Rio Una, articulando a região, pela primeira vez, com o Recôncavo e Salvador.
pag: 91) (Perfil dos Territórios de Identidade / Superintendência de Estudos
Econômicos e Sociais da Bahia. -- Salvador: SEI, 2016. 3 v. p. (Série territórios
de identidade da Bahia, v. 2).

A Nação Kongo-Ngola de Candomblé no Brasil, chamada de Nação Angola, é


resultado do tenso encontro entre povos de diversas raças no Brasil. A constituição do
Candomblé dos povos Bantu no Brasil é marcado pela imposição da violência,
exploração de mão de obra de africanos e africanas, pela exploração econômica de
recursos naturais. Este candomblé sofreu muito com o processo de colonização, que foi
marcadamente caracterizado pela exploração da mão de obra de africanos e africanas
escravizados pelos portugueses.

Zygmunt Bauman, um importante intelectual branco, polonês, nos traz uma


contribuição para pensarmos nas questões de identidade. Para Bauman séculos atrás, no
período chamado de moderno, a relação/constituição de sujeitos configurava o que ele
chama de identidades sólidas, cujo estatuto e rigidez se organizada por meio de códigos
fixos e mais estáveis do que o que vivemos hoje, em que este mesmo autor afirma que as
identidades são fluidas assim como a água. Para Bauman o século xxi é caracterizado
principalmente por uma sociedade mundial das identidades que se descongelam e
começam a percorrer por outros espaços não sólidos como outrora.

A presença de seres humanos de denominação linguística bantu, é expressiva no


Brasil, podendo até mesmo afirmar que nosso país, também, é bantu pela presença larga
histórica de negros e negras arrancados de seus reinados para serem aqui escravizados
pelos europeus. A presença identitária de mulheres e homens de regiões de origem bantu
tem marcado por séculos o modo de ser do brasileiro, e principalmente do povo na região
da costa do dendê. A Costa do Dendê respira sua identidade Bantu-Indígena regada aos
elementos da natureza que transforma, com o humano, o meio ambiente num espaço para
viver e resistir a cada dia ao novo processo de colonização pelo capitalismo-euro-cristão-
machista.

Estamos falando de uma região com transformações históricas não representadas


em livros didáticos para as escolas de nosso país. O povo bantu mesmo sofrendo com a
escravização conseguiu planejar estratégias para sempre resistir aos ataques e
colonização dos portugueses. É com a manifestação dos calundus, dos lundus, do
sincretismo afro católico, dos batuques, dos sambas, das congadas, dos maracatus, das
irmandades, que homens e mulheres de origem bantu conseguiram sobreviver (re)existir
ao estalar do açoite do chicote dos senhores e senhoras de engenhos, da casa grande.
Pouco são os registros sobre os legados e estudos do imenso quantitativo dos
descendentes dos povos bantu no Brasil, após a escravização histórica houve-se um
processo de apagamento da história deste povos, houve a queimas de arquivos que
contariam muita coisa sobre nós brasileiros e nossas origens africanas.
A história do Brasil, ainda que registrada a serviço de grupos
dominadores, nos dá conta de uma anterioridade de vários grupos
étnicos africanos, que hoje são considerados do grupo linguístico Bantu,
como contribuintes na formação do povo e cultura do Brasil. Essas
contribuições estão enraizadas de tal modo, que muitas vezes é difícil
distinguir jeitos, saberes, fazeres legados por esses grupos, uma vez que
são generalizados no campo das “superstições”, do “brasileirismo”. Não
se pode negar entretanto, a evidente contribuição na estrutura e forma
do português falado no Brasil. Entre todas as manifestações oriundas
dos bantu existentes na cultura brasileira, os elementos predominantes e
mantidos em comunidades afro-religiosas que se autodenominam de
“nação angola”, “congo”, ou congo-angola”, ao meu ver, são os que
mais nos remetem a tradições culturais e à ancestralidade bantu.
(PINTO. 2015, p. 150).

Os povos Bantu na região litorânea da Costa do Dendê, no território de Identidade


baixo sul da Bahia, que antigamente era chamado de Recôncavo Sul, vivenciam um
momento muito importante na história do Candomblé de Angola não só da Bahia, mas
como no Brasil. Este povo vem se organizando, estão ativos e criativos cada vez mais.
Para falar sobre os elementos do candomblé de nação angola na Costa do Dendê, iremos
recorrer as vezes em falar de dois terreiros de candomblé na cidade de Valença, que são
de origem Bantu: O Terreiro Caxuté, localizado em Cajaiba, e o Terreiro Diandelê,
localizado no Bairro do Tento, trazemos estes terreiros como possíveis ferramentas para
que possamos desenvolver este texto, ainda não se fará esgotado neste paper.

A Comunidade Caxuté está inserida na região da Costa do Dendê, sendo ela, hoje,
a responsável pela organização de uma militância identitária que no Caxuté tem se
chamado de bantu-indígena. A Comunidade Caxuté tem se empenhado para desenvolver
políticas públicas e comunitárias para os povos de terreiro que estão inserido no contexto
regional e nacional brasileiro, seja por projetos a exemplo das vivências que visam
colocar a sociedade em diálogo com o candomblé angola, inserção de seus membros nos
espaços das universidades, participação efetiva dentro dos espaços das conferências
públicas, participação em criações de cursos voltados para as comunidades tradicionais
como o Curso de Pedagogia Intercultural Quilombola, que está sendo aprovado pela
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), participação dentro de concelhos municipais
com assentos público, buscando elaborar projetos e buscando reconhecimento das suas
ações e das demais comunidades tradicionais afro-brasileiras. A (re)afirmação desta
identidade tem sido o foco principal desta comunidade que se firma enquanto terreiro do
campo bantu-indígena.

A Comunidade de Terreiro do Campo Bantu-Indígena Caxuté, ou Nzo Kwa


Minkisi Nkasute Ye Kitembu Mvila, tem criado estratégias no campo da política
religiosa afro-brasileira, em especial Bantu-Indígena, uma categoria epistemológica
inovadora cunhada por este terreiro que se organiza socialmente para a reafirmação da
união entre os povos subalternizados (pretos, negros, ameríndios, mulheres, pobres, lgbt,
comunidades tradicionais, quilombos e povos da luta pelo direito a terra) no processo da
colonização que se perdura até hoje por meio das estratégias eurocêntricas do saber e
poder que socialmente são validadas cotidianamente em detrimento dos saberes e fazeres
afro-indígenas.

Esta comunidade plural tem se posicionado como um núcleo de articulação


territorial e para isso tem feito importantes alianças dentro do movimento negro e
indígena de nosso país, e uma delas é com a Teia dos Povos1, que tem como principal
objetivo aproximar a luta das comunidades tradicionais, movimentos sociais e militantes
comprometidos com a defesa dos territórios tradicionais, a educação do campo,
agroecologia e a soberania alimentar.

A Comunidade Caxuté, tem manifestado um posicionamento político-ideológico


de enfrentamento ao racismo e aos ataques sofridos pelos povos oprimidos afro-

A Teia dos Povos é um Movimento Agroecológico que tem sua criação como desdobramento da I Jornada
de Agroecologia da Bahia, no ano 2012. A Teia luta pelo desenvolvimento, empoderamento e emancipação
dos grupos da militância como os acampamentos, assentamentos, quilombolas, indígenas, mestres dos
saberes e fazeres, pequenos produtores, estudantes, pesquisadores, profissionais em Agroecologia e
terreiros.
brasileiros, buscando a cada dia forças (ngunzu) e dedicação aos/nos seus ancestrais e
divindades indígenas e africanas. Por meio do intenso diálogo e vivências, intercâmbios,
trocas de experiências e pelo respeito à Comunidade Caxuté, se tornou o primeiro núcleo
do movimento social intitulado Teia dos Povos para o território do Baixo Sul da Bahia,
bem como é membro fundadora do Mutirão dos Territórios do Baixo Sul2, o qual foi
fundado e sediado por esta comunidade bantu-indígena.

IDENTIDADE BANTU-INDÍGENA E ECOLOGIA

É muito interessante a dinâmica de utilização do território do Baixo Sul da Bahia


e da região da Costa do Dendê pela Comunidade Caxuté. Além de filhos e simpatizantes
espalhados por diversas cidades desta região o Caxuté em suas atividades religiosas e
sociais percorre por diversos caminhos do território da Costa do Dendê para promover
ações de afirmação da identidade afro-brasileira, promovendo educação, cultura e
formação de novas alinhaças a cada dia.

Cerca de cem (100) membros da Comunidade Caxuté, em Maricoabo, Valença-


BA, entre bebes de colo, crianças, jovens, adultos e idosos participaram, neste dia 02 de
fevereiro, de um dos mais importantes rituais do Candomblé Angola - Kongo da Costa
do Dendê, o presente a Mametu Samba Kalúnga. O presente ecológico de balaio de palha
de dendê e cipó, contendo alimentos (raízes, frutos e grãos) destinados à Nkise, flores e
perfumes naturais marca a retomada do ritual, após quase uma década. A decisão foi de
toda a comunidade que caminhou do km 11, onde fica o Kunzo Nkisi Caxuté Kitembo
Mvila Senzala Dendê até a ponte de Graciosa -, divisa entre os municípios de Valença e
Taperoá-BA, às margens do Rio Vermelho, onde tomaram os barcos até o alto mar para
realização do ritual. O local marca o aporte de negrxs bantus escravizados naquela
região.

2
O Mutirão das Comunidades dos Territórios do Baixo Sul é um movimento composto de diversos atores
da sociedade civil organizada, como militantes sociais, povo de terreiros, quilombolas, pescadores e
pescadoras, professores, pesquisadores, estudantes, ativistas, negros, indígenas que se juntaram em rede
coletiva para atuarem em questões de defesa e proteção dos povos e comunidades tradicionais do Baixo Sul
da Bahia.
Este festejo religioso celebra a luta pela auto afirmação da identidade Bantu,
congo-angola presente no Baixo Sul da Bahia. A entrega do presente de Samba Kalúnga,
da Comunidade Caxuté é a expressão de um macro planejamento de autonomia e
soberania dos terreiros e a marca da resistência ancestral da memória histórica, política,
cultural e intelectual. A militância política institucional da Comunidade Caxuté tem
prezado pela luta contra violência religiosa na Costa do Dendê, por meio de militância e
trabalho com educação.

Para esta comunidade religiosa este é um momento de afirmação da tradição do


candomblé de matriz africana Bantu e também indígena. Esta festa simboliza o encontro
da África com o Brasil, em estado de solidariedade e integração, num jamberesu (culto as
divindades do candomblé angola). Por estes motivos a comunidade decidiu optar pela
autonomia de caminhar contra a violência religiosa, pela afirmação dos rituais, em crítica
ao uso feito costumeiramente pelo Estado e suas instituições dos cultos afro-brasileiros.
“A comum utilização das tradições como vitrine de uma suposta democracia racial que
não existe tem nos incomodado” afirma Kafurengá, Mam´etu no Kunzo Caxuté, “o que
vemos mesmo é nossa identidade violada por várias opressões coloniais”, continua ela.

Mesmo numa data onde em vários países ocorrem celebrações que fazem referencia à
memória ancestral histórica das tradições de Matriz Africana (Kaiala e Iemanjá),
notamos que o “protagonismo” dos candomblés é substituído por um discurso
hegemônico que considera dia dois de fevereiro como uma “festa” popular, onde as
vozes do povo de terreiro são suplantadas por reportagens midiáticas, palanque político
eleitoral, ações pontuais do poder público, dentre outros, que quase nunca debatem temas
estruturais com a comunidade negra, mas, que nesse momento encenam apoios a partir
dos órgãos oficiais de Cultura e Turismo. Ou seja, muito barulho e pouca ação efetiva,
concreta e continuada. Exatamente por isso a Comunidade Caxuté voltou a sua antiga e
tradicional forma de comemoração. Usualmente, depois dessa data, os cultos de Matriz
Africana só aparecem no sincretismo religioso de lavagens das escadarias das igrejas
católicas, ou como, alegorias.

As questões das comunidades negras de terreiro perduram o restante do ano: o


racismo, a violência religiosa – violência da bancada evangélica congressista , violação
de terreiros e filhxs de santo e nkises - e a ausência do estado laico. O ano de 2017
iniciou mostrando que as dificuldades vividas historicamente pelo povo negro só tendem
a aumentar. Com a implantação e consolidação do golpe parlamentar, jurídico e
midiático, produto de um sistema político que é submisso aos interesses econômicos,
todas as medidas propostas pelo governo ilegítimo reduzem ou exterminam direitos
conquistados com a luta do povo. A estas dificuldades a resposta é a afirmação das
tradições, rituais e festa conforme a escolha da comunidade, construindo a identidade
bantu.

Durante o mês de fevereiro, historicamente se celebra Kaiala, essência das águas


salgadas, Nkise do mar e seus elementos. Mas, em nome do chamado sincretismo
religioso, essa comemoração é vista como um espaço diversificado, muitas vezes
ecumênico, contudo o que observamos é uma tentativa de apropriação cultural, onde a
ancestralidade dos povos de matrizes africanas são subjugados à perspectiva que
transforma nossos valores em folclore, diversão para turistas ou alegoria para legitimar
ações do estado. O mesmo estado que exclui e intencionalmente inviabiliza a vida do
povo negro, tenta de maneira oportunista se apropriar das nossas celebrações. Como
sinaliza a sacerdotisa do Terreiro Caxuté “A tarefa dos terreiros é lutar por autonomia,
preservação da memória ancestral e resistir junto ao povo negro e indígena”.

A Comunidade Caxuté é um espaço de resistência negra e indígena, configurada na


ancestralidade dos povos pretos e vermelhos que se uniram para a constituição da Nação
de Candomblé Kongo-Angola no Brasil. Nesse trabalho, por meio de entrevistas, análise
de imagens e observação participante, é analisada a participação de jovens na
organização da Comunidade Caxuté, território religioso de afirmação dos valores,
saberes e fazeres, que luta em prol de políticas públicas voltadas às comunidades de
terreiro. Conclui-se que a formação e o protagonismo da juventude se destacam nos
diálogos travados dentro do âmbito da comunidade. (BLOG OFICIAL COMUNIDADE
CAXUTÉ, 2017)

 ÁGUA
Kalúnga é divindade eminente do Candomblé Angola, representação insigne da
tradição Bantu. A grande mãe é incomensurável, ela é infinita, é a própria massa
líquida que circunda os continentes. É o oceano, o mar. Kalunga é o próprio vácuo, o
abismo, infortúnio, a desgraça, a peste, a calamidade, morticínio, Kalúnga é a morte.
É a excelência, a eminência senhorial. É a representação da grandeza. Kalúnga é a
eternidade, é o além, é uma das divindades que é responsáveil pela construção e a
destruição do fio da vida. Kalúnga é a deusa da família, Samba é a vida. Para nós
Kalunga é também a senhora das águas, ela é o oceano. Amaze ou menha são nomes
que são nomes de água que são usados dentro da liturgia do candomblé kongo-ngola.
Dentro do culto das águas vários minkisi se manifestam a exemplo de Nzumbaranda,
Ndanda-Nlunda, Terekonpensu, Kisimbi, Narrari, Kokuetu, Kaitumba, Mikaiá, e
outras Kiandas (sereias). Água é princípio ativo da vida. A água está presente
geralmente em todos os rituais sagrados do povo bantu-indígena. É marcante a
Kizoomba Maionga, grande festa da Comunidade Caxuté, onde celebra Kitembu e ele
vem abençoar seus filhos por meio do banho de jinsabas com amaze, ou seja o banho
de água com as folhas de culto ancestral. Tem fundamentos que não podemos revelar
em nossos escritos porém é sabido da importância de vários elementos naturais
dentro do culto aos minkisi.

 FOGO:
O fogo é um elemento natural que está presente a todo o momento dentro de uma
casa de candomblé, principalmente da nação angola, que geralmente são terreiros
localizados em zonas rurais e nestes espaços sagrados vemos, como pro exemplo,
o elemento fogo se fazendo presente nas fogueiras composta de madeiras e paus
secos retirados da mata mas o fogo não está preso somente em um espaço, ele
está geralmente presente em tudo que necessite de vida. É dentro do terreiro do
campo que se prepara a culinária dos minkisi, essa culinária se chama kuria ou
muitas vezes ngwedia. Falar do elemento fogo é também citar alguns minkisi a
exemplo de Nzaze, Matamba, Kaiangu, Lwangu, Kiluminu, Kabaranguanje,
Bamburucema, divindades que se manifestam não pela presença do fogo em suas
diversas faces mas por serem eles essas próprias faces do divino, o fogo não é
somente fogo é um conjunto de energias que o compõe como elemento natural,
por isso que nkisi não viveu na terra, o nkisi são os elementos da natureza.
 AR:
Trazer o ar para discussão é trazer os minkisi Nlemba e Kitembu ambas as
divindades, dentro do Terreiro Caxuté, estão ligados ao elemento ar, apesar do
que Kitembu é tudo que si manifesta no planeta, sendo ele no Brasil o rei da
Nação Angola, esses dois minkisi compõem o elemento ar que juntamente com o
vento se manifesta na terra compondo o ciclo da vida dos seres vivos. O ar é o
sopro da vida de Ngana Nzambi, a potência máxima criadora dos seres vivos e de
tudo que há no mundo. O ar nos possibilita trânsito em várias dimensões, é por
isso que muitos caboclos quando chegam nos terreiros para fazer seu awê ou seu
toré chegam invocando a natureza e tudo que nela existe, pois Candomblé de
Angola, e na cosmovisão Bantu-indígena vemos tudo enquanto manifestação do
sagrado que nada mais é quem está ao nosso lado a natureza, corrigindo a
natureza é tudo que no mundo existe na dimensão natural para o povo bantu-
indígena do Caxuté. São esses os ensinamentos que são transmitidos dentro das
giras de saberes da Primeira Escola de Religião e Cultura de Matriz Africana do
Baixo Sul da Bahia – Escola Caxuté, dirigida pela Mam´etu Kafurengá, que se
afirma mulher negra e indígena.

 TERRA
Neste elemento falamos de Nsumbu, o senhor da terra, o responsável de sustentar
tudo aquilo que existe sobre o domínio da terra, a este na comunidade Caxuté e também
no Terreiro Diandelê, de Mãe Mira, desde os tempos de vida de Mametu Kasanji, a
Mam´etu Kafurengá nos relata que para pisarmos na terra desde nosso nascimento é
preciso que alguém autorize, este alguém é o próprio Nzambi, que nos envia para a terra
elementar para vivermos sobre o domínio de Nsumbu. Kavungu que é um nkisi do
panteão de Nsumbu ele é o médico dos médicos capaz de dar a cura e a enfermidade, ele
é a poção de domínio dos corpos humanos, quando no terreiro se quer saúde logo se
recorre a esse nkisi. No mundo de Nzambi ou Tupã vivem outras divindades a exemplo
de Katendê, que é o responsável pelas folhas, as jinsaba, que vivem sobre também o
domínio Nsumbu. Mpanzu é um nkisi da saúde ele é um grande cuidador dos enfermos,
segundo os ensinamento que são passados dentro da Escola Caxuté é que todo ser
humano tem seu nkisi e todos os outros minkisi também têm regência sobre nossas vidas,
já que os minkisi são a própria natureza.

 VIDA
Outro elemento que existe é a vida sem ela seria impossível o seres vivos conhecerem
estes outros elementos da natureza. Sem a vida não seria possível sentir o fogo, a agua, a
terra, o nguzu, a morte, o ar elementos que justificam a própria existência da vida. Se não
existe vida não existe natureza, se não existe a natureza não existe a vida. Isso só iremos
compreender se mergulharmos nos ensinamentos da comunidades tradicionais, é na
vivencia com nossos mais velhos, anciãos, em contato com os espíritos, energias, saberes
e fazeres que vamos compreender o que é a vida. A vida é o fio condutor da existência
humana. São os nkisi que são responsáveis pela condução deste fio, que é tecido,
remendado, fortalecido, as vezes enfraquecido, mas sempre conduzindo por Nzambi.

 MORTE
Para os bantu a morte não é o fim da vida mas sim o começo de uma nova era na
Kalunga. A Kalunga é a morada dos seres que não vivem dentro do mesmo espaço que o
humano, é um outro espaço sagrado, a morada dos bakulos, os ancestrais. A morte na
sociedade cristã que vivemos é tida como geralmente o fim da existência humana, sendo
eles os responsáveis pelas suas atitudes do bem ou do mal. Para a comunidade bantu-
indigena o ser humano não morre mas ele transcende o espaço físico da terá, por isso ele
segue para a Kalunga, lugar onde Samba Kalunga mora, o grande oceano. Kavungu e
Matamba são dois nkisi dialoga com os bakulos, sendo Matamba a responsável pela
condução da alma dos mortos. Tupã e Nzambi enquanto potencias supremas do Caxuté,
eles são os responsáveis pelo nascimento e pela passagem dos seres vivos. Quando
morremos num corpo iremos sustentar outros corpos naturais e nossa alma habita agora
na Kalunga.

 NGÚZU:
Falar da luta ecológica e territorial do Caxuté se faz necessário, primeiramente
sabermos o que é Ngúzu, para compreendermos o porquê nós povos de Candomblé, com
ênfase na nação angola, adoramos a natureza sem “medo e sem dó” e o porquê ela é o
nosso infinito espaço de resistência religiosa em meio aos atuais ataques que nosso
seguimento vem sofrendo no país com a chamada intolerância religiosa, a que prefiro
chamá-la de violência religiosa. Ngunzu, palavra do Kimbundu, é a essência da
vitalidade, a resistência, o vigor, a força, que mantêm a vida e estrutura as relações
humanas para os povos de matrizes africanas, do Candomblé, que remete a construção,
significação, e coexistência do ser vivo que está em contato com o meio ancestral. Na
cosmogonia banta esse fenômeno justifica que há uma noção de que não existiria ngúzu
sem a existência do ser vivo e não existiria o ser vivo sem o ngúzu, pois estas duas
dimensões se integram e se deglutem. Ngúzu é a totalidade de todas as forças sagradas
que vêm do universo, como por exemplo, a força sobrenatural que a terra transmite aos
seres humanos, às forças das águas, do ar atmosférico, dos movimentos das plantas, a
harmonia, a paz, a justiça, o amor, a partilha, o respeito, onde já se cria vários adjetivos
que designam boas condutas e pensamento morais, tudo isso é Ngúzu. Ngúzu é o ser que
se manifesta como energias dois outros seis elementos naturais que compõe a identidade
bantu-indigena da nação angola na Costa do Dendê.

A COMUNIDADE DE TERREIRO DO CAMPO BANTU INDÍGENA CAXUTÉ


EM DIÁLOGO TERRITORIAL NA COSTA DO DENDÊ

Um dos espaços de preservação da tradição identitária de nação angola no


território do Baixo Sul da Bahia foi a criação do Museu da Costa do Dendê de Cultura
Afro-Indígena, pois o Museu é uma iniciativa da Comunidade Caxuté, que tem se
firmado como um corpo de referência na defesa do legado ancestral Bantu-Indígena no
território, buscando construir iniciativas e parcerias que fortaleçam a ancestralidade, a
produção do conhecimento das comunidades tradicionais de matriz africana Bantu-
indígena, enquanto instrumento de preservação dos saberes e fazeres e fortalecimento
identitário.

Segundo o Mapeamento dos Espaços de Religiões de Matrizes Africanas do


Recôncavo e Baixo Sul, feito em parceria do governo federal com a Sepromi, em 2015
havia registro de 64 remanescentes de Quilombos no Baixo Sul, alem de 116 templos
religiosos, subdivididos em 26 nações diferentes. Valença é o município da região com o
maior número de terreiros, 34 ao todo.

A Costa do Dendê é um recorte litorâneo do Baixo Sul, situada entre a foz do Rio
Jaguaripe e a Baía de Camamu, a região é um mosaico de praias, baías, manguezais,
costões rochosos, restingas, nascentes, lagoas, rios, cachoeiras e estuários. Seus 115 km
de litoral abrangem as localidades de Valença, Morro de São Paulo, Boipeba, Igrapiúna,
Cairu, Camamu, Taperoá, Nilo Peçanha, Ituberá e Maraú. Portanto a grande legitimidade
do Museu da Costa do Dendê, está na voz das comunidades tradicionais, visibilizadas
neste espaço, fortalecendo um grande tecido sócio ambiental, constituído pela tessitura
cultural, ambiental, histórica e arquitetônica abordadas neste Museu.

O museu tem como diretor Taata Luangomina, que é membro da comunidade


Caxuté e possui posto de taata bakisi, o cuidador do quarto do segredo da comunidade,
autor da pesquisa sobre a trajetória histórica de mãe Mira e Mam´etu Kafurengá, um dos
temas da abordagem expositiva, a iniciativa conta ainda com a parceria acadêmica da
UFRB, do IFBAIANO, da UNEB, da Teia dos Povos, na busca pela inserção da pesquisa
científica.

É dentro deste museu que a cultural bantu-indígena tem espaços expositivos,


como os espaços sagrados da comunidade Caxuté, onde se abordada a cosmogonia
Bantu, presente as casas dos minkisi, nas árvores sagradas, como a Gameleira de Soba
Kitembu, conduz o visitante a viver a complexa experiência dos sentidos físico e
espiritual do universo Bantu-indígena, levando ao processo de difusão dos saberes
fundamentais desta cultura, enquanto elemento educacional oferecido principalmente aos
seus membros, mas também ao público externo.

A difusão dos saberes Bantu indígena é o alicerce da pedagogia do Terreiro


Caxuté, criado por Mam´etu Kafurengá Bárbara e utilizada pela Escola Caxuté, a
Primeira Escola de Religião e Cultura de Matriz Africana do Baixo Sul da Bahia –
reconhecida com o Prêmio de Cultura Afro-brasileira, oferecido pela Fundação Palmares
no ano de 2014 e de Patrimônio da Salvaguarda Cultural concedido pelo IPHAN em
2015.

O planejamento curatorial de Taata Luangomina, é voltado para a educação,


identificando e contextualizando cada elemento presente no Museu da Costa do Dendê,
trazendo informações ricas sobre a cultura afro aborígene, de forma acessíveis ao
visitante, proporcionando uma experiência de visitação de trilhas e vivências.

O Museu, receberá nos seus diversos espaços, a exposição fotográfica de Almir


Bindilatti, que aborda o patrimônio material, imaterial e ambiental da região, numa
pesquisa iconográfica sobre as comunidades tradicionais da Costa do Dendê, trazendo a
diversidade ambiental, arquitetônica, suas manifestações culturais como o Zambiapunga,
Capoeira, Burrinha, Marujada, samba de roda e a pesquisa sobre os quilombos e
irmandades negras.

A Costa do Dendê detém um numero expressivo de comunidades tradicionais,


com um grande legado histórico e cultural, de extrema importância pro fortalecimento da
identidade do território.

Rodão de Dendê – Um dos espaços expositivos do Museu é o tradicional rodão


de dendê, onde o visitante poderá conhecer a extração artesanal do óleo de dendê.

A região leva o nome de Costa do Dendê, porque é ali que concentra a plantação
de palmeiras que produzem o Dendê e é onde acontece também a maior produção de
Azeite de Dendê na Bahia. Históricamente, o processo da produção do Azeite era feita
por uma pedra enorme movida por bois que rodavam para que a pedra prensasse o
Dendê, era um processo artesanal e com produção limitada.

A Comunidade Caxuté, se constitui em um espaço que dialoga com o conjunto de


aspectos elecados acima. O Terreiro Caxuté possui mais de duas décadas de
funcionamento e é coordenado pela sacerdotiza Afro, Mame'etu Kafurenga (Mãe
Barbára), o espaço está situado em uma comunidade do campo conhecida como Cajaíba,
no distrito de Maricoabo, município de Valença – BA. Além de ser um local destinado a
celebração dos Mikisi e Caboclos, a Comunidade de matriz africana Caxuté é
mantenedora da primeira Escola de Matriz Africana do Baixo Sul da Bahia – Escola
Caxuté que foi reconhecida com o Prêmio de Culturas Afro-brasileiras oferecido pela
Fundação Palmares no ano de 2014.

É justamente por entender a importância da auto-afirmação como estratégia


básica para manutenção da identidade e superação das desigualdades que o terreiro se
constitui em um território que resguarda e atualiza um conjunto de sabedorias produzidas
por sujeitos historicamente excluídos dos lugares oficiais de “poder”, onde se resguarda a
ordem verticalizada a sociedade de consumo vigente. A Comunidade Caxuté vem ao
longo dos últimos anos, construindo junto a uma série de parceiros, um conjunto de
iniciativas que possibilite uma prática social e cultural para além da colonialidade,
enraizada em uma cosmovisão construída e compartilhada pelos Povos e Comunidades
de Terreiro oriundos da tradição Bantu, é neste sentido que propomos a realização da III
Vivência Internacional na Comunidade Caxuté (PROJETO VIVER TERREIRO).

O Coletivo Koiaki Sakumbi é o coletivo de estudos e pesquisas de matriz africana


que está vinculado a Primeira Escola de Religião e Cultura de Matriz Africana do Baixo
Sul da Bahia – Escola Caxuté, ele é resultado do Terreiro e da escola, um espaço que se
propõe a pensar teoria e relações práticas da comunidade. É o Koiaki, enquanto espaço
de estudar o movimento, que organiza as Vivencias do projeto Viver Terreiro bem como
elabora diretrizes sistematizadoras da produção de conhecimento da comunidade sócio-
religiosa.

A Mam’etu Ndenge Odemina, que é mãe biológica de Mam´etu Kafurengá, conta sua
experiência:

“A minha bisavó foi “pegada a dente de cachorro”. Tenho isso no sangue.


Bisavó, a avó... Sempre me desenvolvi nesse meio, mas não tinha muito
conhecimento porque não podia pesquisar, ver o que estava passando lá fora
com nossos parente indígenas. “Uma andorinha só não faz verão”. Mesmo que
os nossos antepassados morram, eles ficam no nosso sangue. Trouxe o
conhecimento de berço porque foi herança da minha família. Eu já fui uma
pessoa muito triste por não saber ler e escrever, achando que não tinha
conhecimento nenhum. Hoje me sinto alegre, porque as sei que tem muita gente
da faculdade, já formada, que precisa do meu conhecimento no terreiro. Hoje
dentro da Comunidade Caxuté sou uma professora, mestra dos saberes e fazeres.
Me sinto feliz porque dentro do meu espaço sou reconhecida, me sinto uma
pessoa valorizada, o que não sentia antigamente”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No cotidiano de terreiros de cancomblé, tenho observado uma movimentação diária para


a realização de alguns rituais que preenche o ciclo diário do terreiro de nação angola, é
constante ver a preparação do amasi,, o sakulupemba, a limpeza de corpo, a ida à
cachoeira, ir ao mar, ao rio, ao manguezal, os presentes de Samba Kalunga, o presente de
Kisimbi, os awê-samba-toré de caboclo, a preparação e oferta do ngwedia, a preparação
de artesanatos, a extração de azeite de ndende, o catar lenha para fazer fogo, o fazer a
construção de casas nkisi, o acender das velas às divindades, o pegar água na fonte, o
cozinhar o chá da nengwa de nkisi, o capinar, o catar nsabas nas matas, o cheiro de
animais andando pelas ruas da comunidade, o plantar das sementes e a colheita de frutos
orgânicos, o dormir com o cantar no telhado da chuva, o amanhecer do sol, o pôr do sol,
o subir nas árvores, a limpeza e arrumação dos espaços sagrados, o acordar no terreiro, o
sukurankiki, tudo isso faz parte de nossa vivência no terreiro.

A identidade bantu-indígena do candomblé de nação angola é constituída por


elementos da natureza e do processo cultural da “razão” humana. O cotidiano das casas
de angola sempre foi intenso, as agendas de compromisso dos sacerdotes estão sempre
ativa pois o sagrado se manifesta em todos esses elementos, um bom sacerdote precisa
está atento a todos esses elementos que transformam sua identidade e que constitui a
identidade dessa nação de candomblé.

O cotidiano dos povos e comunidades de matriz africana, é constituído por um


intenso e rico processo de construção e socialização de saberes, no entanto a circulação
destes conhecimentos não seguem um modelo rígido, nem se baseia em uma mera
transmissão de conteúdos com base no limitado modelo convencional de ensino-
aprendizagem. Nem, por isso a sabedoria ancestralmente compartilhada nos terreiros
deixa de expressar como uma importante experiência educativa, no entanto, ela se difere
profundamente do formato escolar formal, pois, no sistema de saberes/fazeres práticados
nas comunidades de matriz africanas, a educação é trabalhada como uma práxis holística
que está alicerçada em uma ética que conecta um conjunto de dimensões (culturais,
sociais, políticas, ecológicas, econômicas e filosóficas) todas amparadas no paradigma da
ancestralidade.

Dentro da minha vivência religiosa e de pesquisador a nação de candomblé, de


matriz bantu, dentro de um universo maior o qual denominamos, antropologicamente de
religião de matriz africana, que seria o candomblé em sí, não se de definiria como uma
religião de molde ocidental, europeu, pois sua forma de culto e sua liturgia não têm nada
a ver com o termo latino religare (religar), o que seria a palavra religião para a língua
portuguesa. Religare tem haver com o que estava ativo - depois interrompido e depois
ativado novamente.

Para nos ajudar a compreender esta noção de religiosidade vemos o que diz a
sacerdotisa Makota Valdina Pinto nos diz:

O que eu acho errado, e isso a academia fez, foi valorizar as lendas


e mitos, mostrando que um Orixá é mais forte que o outro. São as
lendas. Quando eu vejo o Orixá, o Vodun, o Inkisi enquanto essas
energias,vejo que uma completa a outra, interage com a outra.
Nenhuma é mais ou menos que outra. é digo que estão ensinando
isso. A gente reverencia um orixá, no caso Oxalá, mas Oxalá
depende de todos. O meu Inkisi é Kavungo, que é a Terra. É
temido por causa das doenças. Mas a essência dele, de Kavungo,
de Obaluaê vai interagir com quem é da água. Nenhum é maior
que o outro e ele depende de todos. Isso é muito do que a gente
deve ser. Esses saberes devem ser vividos. Vejo que a sabedoria de
vida passada pelos Orixás como bastante atual ( PINTO, 2005, p
.81).

Na minha experiência dentro do candomblé angola não tem apenas um modo de


fazer um determinado ritual, o que para muito é preciso seguir um único dogma. No
Candomblé tudo é consultado aos seus ancestrais, encantados, divindades, que podemos
chamá-los de Orixás, minkisi, Voduns e também dos próprios Caboclos agregados
também no Brasil com os de origem africana.

O Candomblé é a grande dança coletiva e sagrada dos espíritos elevados, é a


cantiga sagrada, é a comida para o corpo e para a alma, é o toque de cada ngoma, de cada
agogô, de cada instrumento percussivo nas mãos de pessoas que receberam postos
sacerdotais nas diversas linhas hierárquica. O Candomblé é o respeito pelas diferenças. É
o acolher bem, é o amar com ou sem interesses. É o ato de assumir a dualidade, assumir
forças positivas e negativas que paira sobre o mundo. É o perigo, é a morte, é a vida, é a
confiança e a desconfiança.

Apesar de cada nkisi possuir seus elementos que muitas das vezes o caracteriza
dentro do terreiro, na nação angola tudo se comunica de uma forma ou de outra, os
minkisi são dependentes das energias dos seus pares, e eles próprios são os elementos
que compõem o mundo, a mama utukilu, a Terra. Tem-se vários tipos de culto para cada
nkisi, cada nkisi revela-se por meio da manifestação no corpo do ser humano ou não, mas
eles, os minkisi, estão presentes em toda a vida do ser humano.

REFERÊNCIAS

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Trad.: Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima
Reis, Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

BLOG OFICIAL COMUNIDADE CAXUTÉ (Valença/ba). COMUNIDADE CAXUTÉ


ENTREGA PRESENTE ECOLÓGICO DA COSTA DO DENDÊ A SAMBA
KALÚNGA: pela Autonomia do Povo de Terreiro. 2017. Notícia. Disponível em:
<https://comunidadecaxuteblog.wordpress.com/2017/02/06/comunidade-caxute-entrega-
presente-ecologico-da-costa-do-dende-a-samba-kalunga-pela-autonomia-do-povo-de-
terreiro/>. Acesso em: 18 set. 2017.

BRANDÃO, Jefferson Duarte. Etnoecologia e candomblé: contribuições para a


agroecologia. In Cadernos de Agroecologia ISSN 2236-7934 – Vol 10, Nº 3 de 2015.
GIVIGI, Ana Cristina. BRANDÃO, Jefferson, SANTOS, Jaqueline Barreto. O NZO E
NZAMBI: ancestralidade e experiências educativas Bantu em Valença-BA in I
Congresso Internacional e III Congresso Nacional Africanidades e Brasilidades:
Literaturas e Linguística –Universidade Federal do Espírito Santo, nov/2016 ( no
prelo).

HALL, Stuart. Da diáspora. Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte:


Editora da UFMG, 2003.

LOPES, Nei. Novo Dicionário Banto do Brasil. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Pallas, 2012.

PINTO. Valdina. Meu Caminhar, Meu Viver. SEPROMI. 2ª edição - Salvador. 2015.

PREVITALLI, Ivete Miranda. Minkisi e Inquices: Cosmovisão Banta e


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<http://www.abhr.org.br/plura/ojs/index.php/anais/article/viewFile/529/368>. Acesso
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SANTOS, Almira Conceição; SOUSA JÚNIOR, Vilson Caetano de. Memorial do Unzó
Dandalunga Diandelê. Valença/Ba, 2002. 7 p.

VIANNA FILHO, Luiz. O Negro na Bahia. São Paulo: Livraria José Olympio Editora,
1946. Prefácio de Gilberto Freyre.

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