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Dados

On-line version ISSN 1678-4588

Dados vol.42 n.4 Rio de Janeiro 1999

http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581999000400001

Teoria Democrática e Política Comparada *


Guillermo O’Donnell

Para minha filha Julia, pela metonímia  e muito amor.

UMA NOTA PESSOAL

Passei boa parte da minha vida acadêmica estudando um tema que detesto o regime autoritário  e, mais tarde, um
outro tema que me deu grande alegria, a falência desse regime. Durante esses anos, li muita coisa sobre teoria
democrática e as democracias existentes, mas sempre o fiz, por assim dizer, de fora, isto é, como um tema importante,
mas que não estava diretamente relacionado com minhas principais preocupações. Baseado nessas leituras e também
nas grandes esperanças despertadas pelo fim dos vários tipos de dominação autoritária, pus-me a estudar, como tantos
outros, os novos regimes que haviam nascido. Concentrei-me na América Latina, especialmente no sul do continente,
embora também tenha me ocupado do que vinha ocorrendo na Europa meridional; além disso, a despeito de minhas
sérias limitações no conhecimento dos idiomas, procurei manter-me razoavelmente informado sobre a situação dos
países da Europa Central e Oriental e de alguns do Leste Asiático.

Ao iniciar esses estudos, parti de duas premissas, tal como fazia na época a maior parte da literatura da área. A
primeira delas é que existe um corpo suficientemente claro e consistente de teoria democrática; a segunda, que
esse corpus teórico apenas requer modificações marginais para servir como ferramenta conceitual adequada ao estudo
das novas democracias. Estas premissas são muito convenientes, pois nos permitem "navegar" em estudos
comparativos sem muita preparação prévia ou grandes dúvidas teóricas. Elas aparecem em grande parte da bibliografia
dedicada a investigar se as novas democracias se "consolidarão" ou não, as relações dos novos regimes com as
políticas de ajuste econômico e as instituições típicas desses regimes Parlamento, Poder Executivo, partidos. Creio
que as análises institucionais têm produzido conhecimentos valiosos, embora muitas vezes excessivamente limitados às
características formais das instituições. Com relação aos estudos sobre "consolidação democrática", já manifestei em
outros trabalhos (O’Donnell, 1996a; 1996b) meu ceticismo ante a vagueza e a tendência teleológica desse conceito, de
modo que não preciso me repetir aqui. Quanto aos estudos sobre ajuste econômico, a maioria focaliza exclusivamente
as condições políticas que favorecem ou dificultam a adoção de medidas de ajustamento. A conseqüência desse
enfoque limitado é transformar os fatores políticos, inclusive o regime, em variável dependente do ajuste  o que nos
velhos tempos seria considerado um caso de flagrante "economicismo". O foco desses estudos é tão estreito que até
recentemente excluiu questões sociais e mesmo econômicas de grande importância, não só da ótica da eqüidade mas
inclusive da perspectiva do próprio desenvolvimento 1.

Da mesma maneira como faziam essas vertentes da literatura, meus primeiros estudos sobre as novas democracias
(O’Donnell, 19922) basearam-se nas premissas que acabei de mencionar: que existe um claro e consistente corpo de
teoria sobre a democracia e que, com ele, é possível "viajar" confortavelmente no assunto. O problema  o meu
problema, pelo menos  é que hoje estou convencido de que a primeira premissa é errada e a segunda, por
conseguinte, impraticável. Chegar a essa conclusão me deixou desconcertado; ela privou-me das lentes com as quais
acreditava poder dar início imediato ao estudo das novas democracias. Vi-me então obrigado a fazer um longo
desvio intelectual, durante o qual internalizei, digamos assim, minhas leituras sobre a democracia e, por razões que
esclareço adiante, retomei minhas antigas inquietações em filosofia, na teoria da moral e no direito.

Outro aspecto dessa mudança de rumo intelectual foi que dei início a uma série de estudos em colaboração com outros
pesquisadores, com o apoio institucional do Kellogg Institute for International Studies, da University of Notre Dame.
Esses trabalhos trataram de temas que considerei importantes para esclarecer certas peculiaridades empíricas e
teóricas das novas democracias  e das não tão novas assim  , em especial, mas não exclusivamente, na América
Latina. Um desses projetos fez um balanço da situação geral da democracia no início da década de 90, nas Américas do
Sul e do Norte3. Outro examinou a pobreza generalizada e a profunda desigualdade social na América Latina4. Um
terceiro analisou vários aspectos do funcionamento dos sistemas jurídicos da região. Quanto às suas conclusões, basta
dizer que mudamos o título do livro que as incorporou deThe Rule of Law... [O Estado de Direito...] para The (Un)Rule
of Law... [O Fracasso do Estado de Direito...] (Méndez, O’Donnell e Pinheiro, 19995 ). A mudança de rumo levou-me a
algumas conclusões que talvez caiba resumir aqui:

(a) Uma teoria adequada da democracia deveria especificar as condições históricas do surgimento de várias situações
concretas, ou, dito de outra forma, deveria incluir uma sociologia política, de orientação histórica, da democracia 6.
(b) Nenhuma teoria sobre qualquer tema social deveria omitir o exame dos usos lingüísticos do seu objeto. A palavra
democracia, desde tempos imemoriais, recebeu fortes (mas diferentes) conotações morais, todas fundamentadas em
uma visão dos cidadãos como agentes. Isso estende à teoria da democracia, inclusive a de orientação empírica, os
complicados mas inevitáveis problemas da filosofia política e da teoria moral.

(c) Uma teoria da democracia  da democracia tout court  deveria também incluir, e em uma posição central, vários
aspectos da teoria do direito, visto que o sistema legal determina e respalda características fundamentais da
democracia e, conforme explico mais adiante, da cidadania como agency*1.

(d) Os itens anteriores têm como conseqüência que a democracia não deveria ser analisada apenas no plano do regime,
mas também no do Estado  especialmente do Estado como sistema legal  e de certos aspectos do contexto social
geral.

Essas conclusões estão incorporadas em textos que escrevi nos últimos dez anos. Neles, examino certas características
de algumas das novas democracias7, as quais dificilmente poderiam ser consideradas como transitórias ou apenas
marginalmente diferentes do que pensam as teorias atuais. Nesses textos, questiono os estudos que "exportam"
acriticamente as teorias para o caso das novas democracias8. No entanto, meus artigos abordam poucos temas de cada
vez e logo voltam a problemas mais gerais da teoria democrática, sem tentar analisar ou reconstruir a teoria como tal.
Sinto agora que essa tentativa precisa ser feita; para tanto estou escrevendo um livro, cujos dois primeiros capítulos,
em versão preliminar, constituem este artigo. Trata-se, portanto, de um texto sobre a teoria da democracia tout court,
e tem o indispensável objetivo de limpar o terreno conceitual para futuras incursões mais ambiciosas. Mas suas origens
intelectuais no estudo das novas democracias se tornarão visíveis em algumas digressões comparativas que inseri ao
longo da exposição.

INTRODUÇÃO

A recente emergência de países que são ou dizem ser democráticos colocou importantes desafios ao estudo
comparativo dos regimes políticos9 e, inclusive, à própria teoria da democracia, embora nem sempre se perceba isto.
Classificar um caso como "democrático" ou não é mais que um mero exercício acadêmico; tem implicações morais, na
medida em que na maior parte do mundo contemporâneo existe um consenso de que a democracia, independente de
como é definida, é um tipo de governo normativamente preferível. Essa qualificação também traz conseqüências
práticas, pois no atual sistema internacional o acesso a importantes benefícios tem estado dependente da avaliação da
condição democrática de um país.

Existe, porém, muita confusão e divergência quanto à maneira de definir uma democracia. Veremos que algumas
dessas divergências são inevitáveis, mas a confusão não. A necessidade de esclarecimento conceitual manifesta-se na
notável proliferação de qualificativos e adjetivos ligados ao termo democracia, conforme David Collier e Steven Levitsky
(1997) registraram e analisaram com grande proveito. Na maioria das vezes, esses qualificativos se referem às novas
democracias, sugerindo hesitações por parte da literatura comparativa e dos estudos nacionais e regionais sobre os
critérios que nos permitiriam qualificar um caso como "democrático". O principal motivo dessas hesitações é que muitos
desses novos regimes, e alguns dos mais antigos, no Sul e no Leste, apresentam características inesperadas ou
divergentes das que uma democracia "deveria ter", segundo a teoria ou as expectativas de cada observador.

É preciso notar que a lógica de associar qualificativos à "democracia" pressupõe um significado claro e consistente da
palavra, que é em parte modificado pelos adjetivos. Assim, o que varia e pode conter vaguidões ou ambigüidades são
as categorias adicionadas ou subtraídas do significado principal 10. Mas essa presunção é problemática quando esse
significado não está bastante claro. Como afirmou H. L. Hart (1961:14): "Uma definição que nos diz que uma coisa
pertence a uma família não ajuda muito se temos apenas uma vaga ou confusa idéia sobre a natureza dessa família de
coisas."11 Creio que é isso que se passa com o conceito de democracia: além da proliferação de casos potencialmente
relevantes, outro motivo da atual confusão reside no fato de que a teoria democrática não é a sólida âncora conceitual
que se costuma supor. Por essa razão, argumento neste artigo que as definições existentes de democracia, mesmo as
que têm uma estrutura básica com a qual concordo, precisam ser revistas e esclarecidas.

Além desse problema, temos de enfrentar um outro, de ordem histórico-contextual. Praticamente todas as definições
de democracia são uma condensação da trajetória histórica e da situação atual dos países originários 12. Entretanto, as
trajetórias e a situação de outros países que hoje podem ser considerados democráticos diferem muito do que ocorreu
nos originários. Por isso, uma teoria de alcance adequado deveria dar conta dessas diferenças, tanto pelo que elas
significam em si mesmas, quanto porque podem ser causa de características específicas ou de subtipos de democracias
no universo dos casos relevantes.

Afirmo neste artigo que as teorias correntes sobre a democracia precisam ser revistas de uma perspectiva analítica,
histórica, contextual e legal, ainda que isso acarrete uma certa perda de parcimônia [no sentido metodológico  N.
T.]13. O resultado desses esforços pode ser a criação de instrumentos conceituais adequados à elaboração de uma
melhor teoria da democracia em suas várias encarnações. Este artigo tem a intenção de contribuir para essa tarefa,
embora seja apenas um primeiro passo destinado a limpar o terreno conceitual. Portanto, no que diz respeito a
diversos tópicos importantes (especialmente a relação entre o regime democrático e algumas características do Estado
e do conjunto do contexto social, bem como as diversas questões associadas à idéia de agency), limito-me a
estabelecer as primeiras conexões. Estas servem principalmente para sinalizar os temas a serem desenvolvidos em
futuros trabalhos.

Na próxima seção, examino algumas influentes definições da democracia e extraio conclusões que abrem caminho para
as seções posteriores.
A NOTA DE RODAPÉ DE SCHUMPETER

Depois de afirmar que a "democracia é um método político [...] um certo tipo de arranjo institucional para chegar a
decisões políticas, legislativas e administrativas," Joseph Schumpeter (1975[1942]:242) enuncia sua famosa definição
do "método democrático": "o arranjo institucional para chegar a decisões políticas pelas quais os indivíduos adquirem o
poder de decidir mediante uma competição pelo voto popular." Esta é a definição "minimalista" (ou "processualista")
paradigmática de democracia. No entanto, normalmente se esquece14 que Schumpeter não pára aí. Em primeiro lugar,
ele esclarece que "o tipo de competição pela liderança que define a democracia [implica] a livre competição por votos
livres." (idem:217)15 Nessa mesma linha, faz uma advertência ao comentar que "o método eleitoral é praticamente o
único disponível para comunidades de qualquer tamanho", acrescentando ainda que isso não exclui outros modos
menos competitivos "de garantir a liderança [...] e não se pode excluí-los porque, se o fizéssemos, nos restaria um
ideal totalmente irrealista." (idem:271) É significativo que essa frase termine com uma nota de rodapé onde se lê:
"Como no campo da economia, os princípios morais e legais da comunidade têm algumas restrições implícitas."
(ibidem, nota 5) O significado dessas afirmações, contrastando com a definição que Schumpeter acabara de enunciar, é
bastante nebuloso. A razão, acredito, é que o autor compreendeu que estava prestes a abrir uma Caixa de Pandora: se
a "competição pela liderança" tem uma relação com "os princípios legais e morais da comunidade", então sua definição
do "método democrático", ou de como ele funciona, acaba não sendo tão minimalista quanto poderia sugerir uma
leitura isolada da célebre definição.

Mais ainda, Schumpeter compreende que para haver "livre competição por um voto livre", é preciso que se cumpram
algumas condições externas ao processo eleitoral. Citando suas próprias palavras: "Se, pelo menos em princípio, todos
são livres para concorrer à liderança política apresentando-se ao eleitorado, isto exige na maioria dos casos, embora
nem sempre, um grau considerável de liberdade de expressão para todos. Em especial, isso normalmente pressupõe
uma grande liberdade de imprensa." (idem:271-272, ênfases no original) Em outras palavras, para que o "método
democrático" exista, algumas liberdades básicas, supostamente relacionadas com "os princípios morais e legais da
comunidade", também devem existir, e na maioria dos casos, como Schumpeter faz questão de enfatizar, "para todos".
Por fim, quando o autor volta à sua definição e à declaração análoga de que "a função primordial do eleitorado [é]
gerar um governo," esclarece que "tive a intenção de incluir nessa frase a função de derrubá-lo." (idem:272; ver,
também, pp. 269 e 273) Schumpeter deixa claro, embora não o explicite, que não está falando de um acontecimento
isolado, mas de um modo de eleger e derrubar governos ao longo do tempo; sua definição desloca-se então de um
acontecimento único, ou como freqüentemente se diz, de um processo  as eleições  para um regime que se
prolonga no tempo.

Nas páginas posteriores às passagens citadas, Schumpeter propõe várias "condições para o êxito do método
democrático": (1) uma liderança apropriada; (2) "a real abrangência das decisões de políticas públicas não deve ser
excessiva"; (3) a existência de uma "burocracia bem treinada, de tradição e prestígio social, dotada de um forte senso
do dever e de um esprit de corps não menos forte"; (4) os líderes políticos deveriam exercitar em alto grau o
"autocontrole democrático" e o respeito mútuo; (5) deveria também existir "uma alta dose de tolerância com as
diferenças de opinião," a propósito do que, voltando à sua nota de rodapé, Schumpeter acrescenta que "um caráter
nacional e hábitos nacionais de um certo tipo" são bem apropriados; e (6) "todos os interesses que têm importância
são praticamente unânimes não só na sua lealdade com o país, mas também com os princípios estruturais da sociedade
existente." (idem:289-296)

Essas afirmações, mais uma vez, estão longe da clareza, tanto em si mesmas quanto em relação às conseqüências
previstas por Schumpeter para o caso de faltarem as mesmas condições que enumera. Em primeiro lugar, ele não nos
diz se cada uma dessas condições é suficiente para "o êxito do método democrático" ou se, como parece mais razoável,
é preciso que o conjunto delas se cumpra. Em segundo lugar, ele não nos diz se a "falta de êxito" significa que o
"método democrático" deveria ser suprimido em si mesmo ou se daria lugar a uma democracia reduzida (Collier e
Levitsky, 1997). Se a resposta correta for a primeira, teríamos então de acrescentar à definição de Schumpeter, pelo
menos como condições necessárias, todo o leque de dimensões que transcrevi acima. Com isso, sua definição poderia
ser qualquer coisa, menos minimalista. Se, por outro lado, a resposta correta for que se criaria algum tipo de
democracia reduzida, então, em vez de caracterizar integralmente o "método democrático", Schumpeter não teria
conseguido oferecer uma tipologia capaz de diferenciar as democracias plenas das reduzidas.

Esses esclarecimentos, ressalvas, postulados de condições necessárias e alusões ao regime aparecem nas páginas
imediatamente posteriores à da célebre definição. Não resta a menor dúvida de que Schumpeter tem uma visão elitista
da democracia: "Os eleitores que não fazem parte do Parlamento devem respeitar a divisão de trabalho entre eles
próprios e os políticos que elegeram [...] devem compreender que, uma vez eleito um indivíduo, a ação política é
problema deste e não deles." (1975:296) Mas uma definição elitista de democracia não é necessariamente minimalista.
A essa altura, já deve ter ficado claro que as várias qualificações introduzidas por Schumpeter dão a entender que sua
definição de democracia não é minimalista, nem se concentra estreitamente no "método" ou processo eleitoral, como
supunham o próprio autor e a maioria dos seus comentadores.

Desejo argumentar que isso também acontece, implícita ou explicitamente, com todas as definições contemporâneas
tidas como "schumpeterianas", ou seja, minimalistas e/ou "processualistas" 16. Dentre estas se destaca por sua
contundência a de Adam Przeworski: "Democracia é um sistema em que os partidos perdem eleições. Há partidos, ou
seja, divisões de interesses, valores e opiniões. Há competição organizada por regras. E há periodicamente vencedores
e perdedores." (1991:10) Mais recentemente, o mesmo Przeworski e seus colaboradores propuseram uma definição
semelhante, que denominam de "minimalista": democracia é "um regime no qual os cargos governamentais são
preenchidos em conseqüência da disputa de eleições. Um regime só é democrático quando a oposição pode concorrer,
ganhar e assumir os cargos que disputou. Na medida em que esta definição põe o foco nas eleições, é evidentemente
minimalista [...] [isso], por sua vez, implica três características: incerteza ex ante [...] irreversibilidade ex post e [...]
[repetibilidade]." (Przeworski et alii, 1996:50-51) Note-se que, apesar de limitada às eleições, a irreversibilidade e,
especialmente, a repetibilidade das eleições em que "a oposição tem alguma chance de conquistar cargos em
conseqüência das próprias eleições" (idem:50)17, supõe a existência de condições adicionais, semelhantes àquelas
mencionadas por Schumpeter, para que esse tipo de sufrágio se realize. Para que a oposição tenha essas
oportunidades, é preciso, no mínimo, que também existam algumas liberdades básicas.

Samuel Huntington, por sua vez, depois de declarar que está "seguindo a tradição schumpeteriana", define a
democracia "[como um sistema político que existe] na medida em que seus mais poderosos decisores coletivos são
escolhidos em eleições limpas19, honestas e periódicas, nas quais os candidatos competem livremente por votos e em
que praticamente toda a população adulta está apta a votar." Mas esse autor acrescenta (Huntington, 1991:7), como
fazem Schumpeter, de modo explícito, e Przeworski, de modo implícito, que a democracia "também envolve a
existência das liberdades civis e políticas de palavra, imprensa, reunião e associação, que são indispensáveis para o
debate político e a condução das campanhas eleitorais." Da mesma maneira, Giuseppe Di Palma (1990:16) diz que a
democracia "tem como premissa [...] o sufrágio livre e isento em um contexto de liberdades civis, partidos
competitivos, opção entre candidaturas, e instituições políticas que regulam e garantem os papéis do governo e da
oposição." Larry Diamond, Juan Linz e Seymour Lipset propõem uma definição similar embora mais extensa:

"Um sistema de governo que atende a três condições essenciais: concorrência


ampla e significativa entre indivíduos e grupos organizados (especialmente os
partidos políticos) para todas as posições de governo que têm poder efetivo, em
intervalos regulares de tempo e com exclusão do uso da força; um nível ‘altamente
includente’ de participação política na seleção dos líderes e das políticas públicas
mediante, ao menos, eleições periódicas e isentas, de modo a não excluir nenhum
grupo social importante dentre a população adulta; e um grau suficiente de
liberdades civis e políticas ¾ liberdade de expressão, liberdade de imprensa,
liberdade de formar e filiar-se a organizações ¾ para garantir a integridade da
competição e da participação política." (1990:6-7)

De sua parte, Giovanni Sartori (1987:24), ainda que mais preocupado com "um sistema de governo majoritário
limitado pelos direitos da minoria" do que com eleições, acrescenta que "para haver democracia é preciso que exista
uma opinião pública autônoma [...] [e uma] estruturação policêntrica da mídia e seu jogo competitivo" (idem:98 e
110). Por último, embora partindo de perspectivas teóricas distintas, Dietrich Rueschemeyer et aliiconcordam que a
democracia "implica, primeiro, a eleição regular, livre e isenta de representantes pelo sufrágio universal e igualitário;
segundo, a responsabilidade do aparelho de Estado perante o Parlamento eleito [...], e, terceiro, as liberdades de
expressão e de associação, bem como a proteção dos direitos individuais contra a ação arbitrária do Estado."
(1992:43)18

É claro que essas definições se prendem a eleições de um tipo específico, às quais acrescentam, na maioria das vezes
de modo explícito, algumas condições simultâneas, como as liberdades ou garantias consideradas necessárias e/ou
suficientes para a existência desse tipo de sufrágio. Algumas dessas definições se dizem minimalistas, no estilo de
Schumpeter, mas na medida em que têm de supor, pelo menos implicitamente, algumas liberdades simultâneas, essa
pretensão não parece justificar-se. Por outro lado, dizendo-se minimalistas ou não, essas definições têm a importante
vantagem de ser realistas: pelo menos no que se refere às eleições, incluem com razoável precisão atributos cuja
ausência ou presença podemos verificar empiricamente. Faço questão de repetir. Apesar de não inteiramente
superpostas, todas essas definições incluem duas espécies de elementos: eleições limpas 19 para a maioria dos cargos
de alto nível no governo, conforme estipulado constitucionalmente (salvo para os tribunais superiores, as forças
armadas e a diretoria dos bancos centrais); e as liberdades ou garantias já mencionadas. Além disso, as definições
fazem referência, embora muitas vezes implícita, a um regime que perdura no tempo, e não somente às eleições como
acontecimentos isolados. Retornarei a esse ponto mais adiante.

Outras definições também pretendem ser realistas, mas não se qualificam como tal, pois propõem características que
ou não podem ser verificadas empiricamente, por não serem encontráveis em nenhuma democracia existente, ou
postulam atributos demasiado vagos. Entre as primeiras, incluo as definições que continuam presas à "democracia
etimológica" (Sartori, 1987:21), quando afirmam que é o demos, ou o povo, ou uma maioria que de alguma forma
"governa"20. Não é isso que acontece nas democracias contemporâneas, em qualquer interpretação da palavra
"governo" que implique a atividade deliberada de um agente, embora talvez tenha ocorrido de maneira ampla, mas
ainda incompleta, em Atenas (Hansen, 1991). Outras definições procuram contornar essa objeção, mantendo a noção
básica do demos como um agente. Por exemplo, Philippe Schmitter e Terry Lynn Karl afirmam que "a democracia
política moderna é um sistema de governo em que os cidadãos responsabilizam os governantes por seus atos na esfera
pública, agindo indiretamente por meio da competição e da cooperação dos seus representantes eleitos." (1993:40,
ênfases minhas) O problema está nas palavras enfatizadas: nada se diz sobre o que significa "agindo indiretamente".

As definições realistas contrastam com as prescritivas  aquelas que afirmam o que deveria ser a democracia na
opinião do autor. As definições prescritivas pouco dizem sobre dois assuntos importantes: primeiro, como se deveria
caracterizar as democracias realmente existentes (inclusive se, de acordo com essas teorias, deveríamos mesmo
considerá-las como democracias); e segundo, como se deveria mediar, na teoria e não na prática, a brecha existente
entre as democracias definidas de maneira realista e as que são definidas de maneira prescritiva. Por exemplo, Sheila
Benhabib diz que a democracia é "um modelo para organizar o exercício público e coletivo do poder nas principais
instituições de uma sociedade, partindo do princípio de que as decisões que afetam o bem-estar de uma
coletividade podem ser entendidas como resultados de um processo de deliberação livre e racional entre indivíduos
concebidos moral e politicamente como iguais entre si." (1996:68, ênfases minhas) 21 Mais uma vez as palavras
decisivas são as que estão enfatizadas; nada se diz sobre em que sentido, até que ponto e por quem as democracias
"podem ser entendidas" como tendo satisfeito o requisito estipulado na definição. Objeção semelhante pode ser feita à
concepção de democracia de Jürgen Habermas, na medida em que, para caracterizar e legitimar a democracia e a
legislação democrática, ele se baseia na existência de uma esfera deliberativa livre de impedimentos, que é muito difícil
de encontrar na prática22.
Invoco agora uma outra definição realista, a de poliarquia, de Robert Dahl 23. Prefiro essa definição a outras da mesma
espécie porque ela oferece detalhes úteis, e porque o termo "poliarquia" permite diferenciar a democracia política de
outros tipos e espaços democráticos. Ela tem a mesma estrutura das demais definições realistas: primeiramente
estipula alguns atributos das eleições (cláusulas 1 a 4); em seguida, relaciona certas liberdades que Dahl chama de
"direitos políticos primários [os quais] fazem parte integrante do processo democrático" (Dahl, 1989:170) (cláusulas 5
a 7)24, entendidos como necessários para que as eleições efetivamente contenham as características estipuladas. Neste
ponto de minha argumentação, cabe-me definir o que entendo por eleições em um regime democrático.

AS ELEIÇÕES EM UM REGIME DEMOCRÁTICO

Em um regime democrático, as eleições são competitivas, livres, igualitárias, decisivas e includentes, e os que votam
são os mesmos que, em princípio, têm o direito de ser eleitos  os cidadãos políticos. Sendo as eleições competitivas,
os indivíduos têm pelo menos seis opções: votar no partido A; votar no partido B; não votar; votar em branco; anular o
voto; ou adotar algum processo aleatório para escolher uma opção entre as anteriores. Além disso, os partidos
concorrentes (que têm de ser, no mínimo, dois) devem ter oportunidades razoáveis de dar a conhecer suas opiniões
aos eleitores efetivos ou potenciais. Para que seja uma verdadeira escolha, a eleição deve ser livre, no sentido de que
os cidadãos não deverão ser coagidos, nem quando estão decidindo seu voto nem no momento de votar. Para ser uma
eleição igualitária, cada voto deve valer o mesmo que os demais e ser computado como tal, sem fraudes,
independentemente da posição social, da filiação partidária ou de outros atributos de cada eleitor 25. Finalmente, as
eleições devem ser decisivas, em vários sentidos. Primeiro, os vencedores devem tomar posse dos cargos para os quais
foram eleitos. Segundo, com base na autoridade conferida aos seus cargos governamentais, os funcionários eleitos
devem poder tomar as decisões que o marco democrático legal e constitucional lhes autoriza. Terceiro, os funcionários
eleitos devem concluir seus mandatos nos prazos e/ou nas condições estipulados por essa estrutura institucional.

Eleições livres, igualitárias e decisivas implicam, como argumenta Adam Przeworski (1991:10), que governos podem
perder eleições e devem acatar seus resultados. Esse tipo de eleição é uma característica específica do regime
democrático, ou poliarquia, ou democracia política  três termos que usarei como equivalentes neste artigo. Em outros
casos, pode até haver eleições (como em países comunistas ou outros regimes autoritários, ou na escolha do Papa, ou
mesmo em algumas juntas militares), mas somente na poliarquia existe o tipo de eleição que satisfaz a todos os
critérios acima mencionados (Sartori, 1987:30; ver, também, Riker, 1982:5).

Cabe advertir que os atributos antes especificados não dizem nada sobre a composição do eleitorado. Já houve
democracias oligárquicas, de sufrágio restrito, que satisfizeram os atributos especificados; acontece, porém, que, em
conseqüência dos processos históricos de democratização nos países originários, e de sua difusão em outros, a
democracia adquiriu uma nova característica, a da includência: o direito de votar e de ser votado é outorgado, com
poucas exceções, a todos os membros adultos de um país 26. Por razões de concisão, daqui por diante chamarei de
eleições competitivas aquelas que reúnem as condições de ser livres, isentas, igualitárias, decisivas e includentes 27.

DIGRESSÃO COMPARATIVA (1)

Como o caráter decisivo das eleições não aparece nas definições atuais de democracia e de sufrágio democrático 28, é
preciso dar aqui uma explicação. Em um trabalho anterior, propus acrescentar esse atributo sob o argumento de que
sua omissão mostra até que ponto as atuais teorias da democracia incluem pressupostos não examinados, que
deveriam ser explicados para que elas adquiram uma adequada abrangência comparativa. Em outras palavras, a
literatura presume que uma vez realizadas as eleições e proclamados os vencedores, estes tomarão posse dos seus
cargos para os quais foram eleitos e governarão com a autoridade e pelos prazos que a constituição lhes prescreve29.
Isso é, evidentemente, um reflexo da experiência das democracias originárias. Mas não é necessariamente verdade. Em
diversos países houve casos em que os candidatos, depois de ganharem eleições que satisfaziam os atributos
mencionados, foram impedidos de tomar posse, freqüentemente por um golpe militar. Por outro lado, governantes
democraticamente eleitos, como Boris Yeltsin e Alberto Fujimori, dissolveram anticonstitucionalmente o Congresso e
destituíram os ocupantes de altos postos no Poder Judiciário. Por fim, em casos como o do Chile contemporâneo (e
menos formalmente, mas com igual eficácia, em outros países latino-americanos, africanos e asiáticos), certas
organizações impedidas de participar do processo eleitoral, geralmente as forças armadas, mantêm, de modo explícito,
poder de veto ou "domínios reservados"30 que limitam substancialmente a autoridade dos funcionários eleitos. Em
todos esses casos, as eleições não são decisivas: não geram, ou deixam de gerar, algumas das conseqüências básicas
que supostamente deveriam acarretar.

OS COMPONENTES DE UM REGIME DEMOCRÁTICO, OU POLIARQUIA, OU DEMOCRACIA POLÍTICA

Recordemos que as definições realistas de democracia contêm dois tipos de componentes. O primeiro consiste de
postulados sobre o que é exigido para se considerar uma eleição suficientemente competitiva. Trata-se de uma
definição estipulativa31, equivalente à que diz que "um triângulo é uma figura plana delimitada por três linhas retas".
Estabelece que uma eleição será considerada competitiva se cumprir cada um dos atributos enumerados. O segundo,
no entanto, relaciona condições, designadas como liberdades, ou garantias, ou "direitos políticos primários", que
circundam eleições limpas. Essas liberdades são condições de existência de um objeto  eleições competitivas  com o
qual mantêm uma relação de causalidade. As liberdades complementam a definição estipulativa com uma afirmação do
tipo "para que exista X, também devem existir as condições A ... N." Como vimos ao tratar Schumpeter, nenhuma
definição realista, ao que eu saiba, deixa claro se as condições que postula são necessárias e/ou suficientes em seu
conjunto, ou se apenas aumentam a probabilidade de haver eleições competitivas. Essa imprecisão sugere a existência
de alguns problemas que examinarei mais adiante, quando comentar sobre o terceiro aspecto dessas definições.

Vimos antes que um pressuposto freqüentemente implícito nessas definições de democracia é o de que elas não se
referem a um acontecimento isolado, mas a uma série de eleições que se prolongam em um futuro indeterminado. Ao
dizer isso, entramos no tema da instituição. As eleições a que essas definições se referem são institucionalizadas:
praticamente todos os atores, políticos ou não, consideram evidente que as eleições competitivas continuarão a ser
realizadas indefinidamente, em datas estabelecidas por lei (nos sistemas presidencialistas) ou em circunstâncias
legalmente preestabelecidas (nos sistemas parlamentaristas). Isso faz com que os atores também admitam sem
discussão que as liberdades simultâneas continuarão em vigor. Quando essas expectativas são compartilhadas de modo
generalizado pela população, as eleições competitivas estão institucionalizadas 32. Esses casos diferem não só daqueles
dos regimes autoritários como também daqueles em que, por mais que tenha havido no passado eleições competitivas,
não existe a expectativa geral de que eleições semelhantes continuarão a ocorrer. Apenas no primeiro tipo de situação,
os agentes relevantes ajustam racionalmente suas estratégias à expectativa de que eleições isentas continuarão a ser
realizadas. A confluência dessas expectativas geralmente aumenta a probabilidade de que tal tipo de eleição de fato
continue a ocorrer33. Em outros casos, as eleições deixarão de ser "o único jogo existente"34, e os atores relevantes
investirão em recursos extra-eleitorais como via de acesso às mais altas posições no regime35.

O último termo exige esclarecimentos. Modificando um pouco a definição que Philippe Schmitter e eu formulamos
(O’Donnell e Schmitter, 1986:73, nota 1), entendo por "regime" os padrões formais e informais, explícitos ou
implícitos, que determinam os canais de acesso às principais posições de governo, as características dos atores
admitidos ou excluídos dessas posições e os recursos e estratégias que eles podem usar para alcançá-las36. Quando
institucionalizadas, as eleições são um componente central de um regime democrático, já que são o único meio de
acesso (com a notável exceção dos tribunais superiores, forças armadas e, eventualmente, dos bancos centrais) às
principais posições de governo37. Na democracia, as eleições não são apenas competitivas; também são
institucionalizadas. Esse tipo de eleição é um dos elementos que definem um regime democrático, ou poliarquia, ou
democracia política.

Passemos agora a um assunto mais complicado, o das liberdades que circundam as eleições.

UM PRIMEIRO EXAME DAS LIBERDADES POLÍTICAS

Parece óbvio que para a institucionalização de eleições competitivas, sobretudo por envolverem expectativas de
duração indefinida, essas eleições não podem existir sozinhas. É preciso também haver, em torno das eleições,
algumas liberdades ou garantias que  e isso tem grande importância  continuem a vigorar entre uma eleição e
outra. Caso contrário, o governo do dia poderia facilmente manipular ou mesmo anular futuras eleições. Relembro que
para Dahl as liberdades relevantes são as de expressão, associação e informação, e que outros autores propõem, com
maior ou menor detalhamento, liberdades semelhantes. Note-se, porém, que o efeito combinado das liberdades
mencionadas por Dahl e outros autores não garante inteiramente que as eleições serão competitivas. Por exemplo, o
governo poderia proibir que candidatos da oposição viajem pelo país, ou poderia submetê-los à perseguição policial a
pretexto de motivos não relacionados com sua condição de candidatos. Nesse caso, mesmo que estejam em vigor as
liberdades relacionadas por Dahl, dificilmente se poderia aceitar que as eleições sejam competitivas. Isso significa que
as condições propostas por Dahl e outros autores não são suficientes para garantir eleições limpas. Na realidade, trata-
se de condições necessárias que, em conjunto, sustentam um juízo probabilístico: se estiverem presentes,
haverá, caeteris paribus, uma forte probabilidade de as eleições serem isentas.

Lembremos que os atributos das eleições competitivas são estipulados por definição 38. Em troca, as liberdades
"políticas" são derivadas por indução: resultam de uma fundamentada avaliação empírica sobre o impacto de diversas
liberdades na probabilidade de as eleições serem competitivas. Essa avaliação é regida pelo evidente propósito de
encontrar um conjunto nuclear de liberdades "políticas"39, no sentido de que sua enumeração não se torne um
inventário inútil de todas as liberdades que poderiam influir na isenção das eleições. O problema é que, como os
critérios de inclusão de algumas liberdades e exclusão de outras se baseiam em juízos indutivos, não é possível existir
uma teoria que estabeleça uma clara e sólida linha de demarcação entre as condições incluídas (necessárias e,
idealmente, suficientes em seu conjunto), de um lado, e as excluídas, de outro. Esta é uma das razões  embora,
como veremos, não a única  que explicam por que não há, e muito provavelmente não haverá jamais, um acordo
geral sobre quais são as liberdades "políticas". Aí está, a meu ver, o principal motivo da persistente atração exercida
pelas definições minimalistas da democracia e de sua não menos persistente dificuldade para limitar-se às eleições  a
Caixa de Pandora que Schumpeter procurou evitar, mas não conseguiu, continua entre nós.

Até aqui examinei o que poderíamos chamar de limites externos das liberdades ou garantias que cercam as eleições
competitivas e as tornam altamente prováveis, ou seja, a questão de quais liberdades incluir ou excluir desse conjunto.
Mas há um outro problema que reforça a conclusão céptica a que cheguei antes; denominá-lo-ei de problema dos
limites internos de cada uma dessas liberdades. Todas elas contêm uma "cláusula de razoabilidade" que, mais uma vez,
permanece implícita na teoria da democracia, pelo menos na forma proposta pela maioria dos sociólogos e cientistas
políticos40. A liberdade de associação não inclui criar organizações com fins terroristas; a liberdade de expressão tem
limites, entre outras coisas, na legislação contra os delitos de calúnia ou difamação; a liberdade de informação não
impede a oligopolização dos meios de comunicação de massa etc. Como determinar se essas liberdades são ou não
efetivas? Certamente os casos que se aproximam de um ou outro extremo não causam problemas, mas há os que
caem em uma zona de penumbra entre os dois pólos. Novamente, a resposta a esses casos depende de juízos indutivos
sobre até que ponto a frágil, ou parcial, ou intermitente existência de certas liberdades ainda sustenta, ou não, a
probabilidade de que as eleições sejam competitivas41. Outra vez, não existem bases teóricas para dar uma resposta
clara e firme a essa pergunta: os limites externos e internos das liberdades políticas são teoricamente indecidíveis.
Outra dificuldade é que os limites internos das liberdades enumeradas por Dahl, e de outras também potencialmente
relevantes para a competitividade das eleições, sofreram mudanças significativas ao longo do tempo. Basta assinalar
que certas restrições à liberdade de expressão e de associação que nos países originários eram consideradas aceitáveis
até pouco tempo atrás, hoje pareceriam claramente antidemocráticas 42. Levando isso em conta, quão exigentes terão
de ser os critérios que devemos aplicar às novas democracias (e às velhas democracias que não pertencem ao
quadrante Noroeste do mundo)? Devemos aplicar os critérios hoje prevalecentes nos países originários ou os que estes
adotaram no passado? Ou, ainda, devemos fazer em cada caso uma fundamentada avaliação indutiva dessas
liberdades, tendo em vista a probabilidade de que permitam ou impeçam a realização de eleições competitivas? Na
minha opinião, a última opção é a mais razoável, mas ela nos joga em cheio na questão do caráter indecidível dessas
liberdades, agora ainda mais complicado por sua variabilidade histórica.

Dadas essas razões, cheguei à conclusão de que existem e continuarão existindo divergências nos círculos acadêmicos
e, por certo, no âmbito da política prática, a respeito de onde traçar os limites externos e internos das liberdades que
circundam e tornam provável a existência de eleições institucionalizadas e competitivas. Isso não se dá por uma falha
nas tentativas de enumerar essas liberdades. Elas são muito importantes, são fatores cruciais, são condições
necessárias para a existência de um regime centrado em eleições competitivas, e como tal merecem ser enumeradas.
Além de tudo, é intuitivamente evidente, e pode ser verificado empiricamente, que a ausência de algumas dessas
liberdades (digamos, de expressão, associação ou movimento) elimina a probabilidade de haver eleições competitivas.
Por outro lado, o caráter indutivo das enumerações e o correspondente problema dos seus limites externos e internos,
revelam suas limitações como enunciados teóricos, de per se e em sua capacidade de persuasão intersubjetiva. Essas
limitações tornam a questão rigorosamente indecidível. Conseqüentemente, em vez de ignorá-las ou tentar fixar
artificialmente os limites internos e externos dessas liberdades, um caminho mais proveitoso consiste em estudar
teoricamente as razões e implicações desse enigma43.

Embora ainda tenhamos um longo percurso a fazer, com a análise precedente chegamos a um ponto importante em si
mesmo e que nos situa, por assim dizer, em um promontório a partir do qual se podem vislumbrar os caminhos pelos
quais teremos de transitar. Um primeiro comentário que devo fazer neste momento de minha argumentação é que
concordei, embora com ressalvas e acréscimos, com os autores que propõem definições realistas da democracia
política. Na verdade, em relação ao texto já citado de Collier e Levitsky (1997), "precisei" suas definições,
acrescentando alguns elementos que elas deixam implícitos. Penso que convém incluir expressamente nessa definição
duas espécies de componentes: primeiro, eleições competitivas e institucionalizadas; segundo, apesar de seu caráter
indecidível, um conjunto de liberdades que, de uma perspectiva racional  porque derivada de atenta observação  ,
parece ser necessário para sustentar uma alta probabilidade de haver eleições livres e isentas. Outro comentário é que
esse critério não é minimalista: não focaliza exclusivamente as eleições competitivas e não ignora as liberdades
simultâneas. Penso que uma definição apropriada de democracia política deve concentrar-se em um regime que inclui
um tipo específico de eleições, mas não se limita a este. Por outro lado, o critério que proponho é restritivo no sentido
de que recusa incluir uma enumeração muito detalhada das liberdades relevantes, o que acabaria sendo inesgotável e
analiticamente estéril.

Apesar de ainda ser necessário incluir outros fatores não situados no plano do regime para se chegar a uma definição
adequada de democracia, a definição realista e restritiva de regime democrático é útil por várias razões. Uma, de
ordem conceitual e empírica, é que ela permite gerar um conjunto de casos diferentes a partir da ampla e variada
gama de exemplos de não-democracias, quer se trate de diferentes tipos de regime abertamente autoritários, quer dos
regimes que realizam eleições, embora não competitivas e não institucionalizadas 44. A outra razão, empírica e também
conceitual, é que uma vez gerado tal conjunto de casos, abre-se a possibilidade de analisar e comparar as semelhanças
e diferenças entre essas situações e seus subconjuntos45.

A terceira razão é ao mesmo tempo prática e normativa: a existência desse tipo de regime e das liberdades que lhe são
simultâneas, apesar das muitas deficiências persistentes em outras esferas da vida política e social, implica uma
enorme diferença em relação ao regime autoritário. No mínimo, essas liberdades criam a possibilidade de usá-las como
base de proteção ou de habilitação para a busca de ampliar os direitos existentes ou obter novos. Outra razão é que ao
longo da história as pessoas se mobilizaram e correram riscos justamente para reivindicar esse tipo de regime e as
liberdades que o acompanham. Parece claro que, além das esperanças por vezes míticas em relação aos outros
benefícios derivados da concretização de liberdades políticas, a reivindicação desses direitos esteve no cerne das
grandes mobilizações que freqüentemente precederam a instituição da democracia46. Pelo menos em relação aos países
pós-comunistas, há provas empíricas de que grande parte das respectivas populações reconhece e valoriza essas
liberdades47. Ademais, se não levamos em conta que essas liberdades são importantes para muitas pessoas, não temos
condições de entender o elevado apoio que a democracia recebe hoje em dia em todo o mundo, não obstante o
desempenho com freqüência deficiente de seus governos48

Uma última razão é, como as anteriores,. de ordem prática e normativa. Tanto os dados das pesquisas citadas quanto
numerosas observações impressionistas sugerem que, sejam quais forem os significados adicionais atribuídos à palavra
"democracia", a maioria das pessoas, na maior parte dos países, inclui certas liberdades políticas e a realização de
eleições que, no seu entender, sejam razoavelmente competitivas. Na concepção popular, na linguagem dos políticos e
dos jornalistas e também pelos critérios propostos nas definições acadêmicas, que  em parte por essa
razão  denominei de "realistas", a existência das liberdades e de eleições basta para chamar um país de democrático.
Esse qualificativo tem uma conotação normativa positiva, como evidencia o fato de que chamar um "país" de
democrático é uma metonímia: isto é, designa o todo, um país, por um atributo de conotação positiva ligado a uma de
suas partes, o regime49.

Faço questão de sublinhar os argumentos precedentes porque chegamos a um ponto que se presta facilmente a mal-
entendidos. De um lado, acredito ter deixado claro que um regime democrático é extremamente importante em si
mesmo. Isto requer uma definição adequada desse regime; por isso propus que um regime que satisfaz os critérios
realistas e restritivos já enumerados pode ser chamado de democracia política, ou equivalentemente, de poliarquia ou
regime democrático (já observei que estou usando esses três termos como sinônimos). Levando em conta o uso
prevalecente dentro e fora dos meios acadêmicos, esse regime pode ser denominado simplesmente de democracia,
mas, nesse caso, cabe lembrar que se trata de uma metonímia, ou seja o termo tem uma extensão50 maior que a de
regime.
O motivo dessa advertência é que, embora o regime seja uma parte fundamental da questão, ela não se esgota aí.
Nisso me afasto dos teóricos que preferem restringir o conceito de democracia tomando como referência o regime. No
restante deste texto, analiso algumas conexões do regime com outros temas que, a meu ver, também se incluem
na problématique da democracia. Antes, porém, resumo em algumas proposições os principais argumentos até aqui
expostos:

I. Em uma definição realista e restritiva, o regime democrático (ou poliarquia, ou


democracia política) consiste de eleições competitivas e institucionalizadas,
acompanhadas por algumas liberdades políticas.

II. Até as definições "minimalistas", "processualistas" ou "schumpeterianas", que se


limitam a mencionar as eleições competitivas como o único elemento característico
da democracia, pressupõem a existência de algumas liberdades básicas, ou
garantias, para que essas eleições existam. Sendo assim, tais definições não são,
nem poderiam ser, minimalistas ou processualistas, como se dizem.

III. As liberdades simultâneas às eleições competitivas e institucionalizadas só


podem ser derivadas por indução, tanto no que se refere às liberdades incluídas
quanto aos limites internos de cada uma. Por conseguinte, nessa matéria, é
impossível chegar a um acordo geral que se baseie em critérios teóricos claros e
sólidos51.

IV. Apesar de indecidíveis, já que algumas liberdades simultâneas podem gerar


uma alta probabilidade de haver eleições competitivas, convém explicitá-las, tanto
porque contribuem para uma definição adequada do regime de que fazem parte,
quanto porque ajudam a elucidar as divergências que inevitavelmente cercam a
questão.

V. Uma definição realista e restritiva de poliarquia, ou democracia política, ou


regime democrático, delimita um espaço empírico e analítico que permite distinguir
esse tipo de regime de outros, com importantes conseqüências normativas, práticas
e teóricas.

A seguir, sem deixar de ter em vista nosso objetivo  a discussão e elucidação de alguns aspectos da teoria
democrática e suas implicações comparativas  , faço uma mudança de perspectiva.

UMA APOSTA INSTITUCIONALIZADA

Vimos que em um regime democrático cada eleitor tem pelo menos seis opções. Cabe lembrar que este não é o único
direito que a democracia reconhece a praticamente todos os adultos residentes no território de um Estado. Cada eleitor
tem ainda o direito de tentar ser votado. O fato de que ele deseje ou não exercer esse direito é irrelevante porque,
tendo o direito de ser eleito, cada adulto traz consigo a autoridade potencial de participar de decisões governamentais.
Os eleitores não somente votam; além disso, e conforme define a legislação relativa aos cargos para os quais são
eleitos, eles também podem participar da responsabilidade de tomar decisões coletivas de caráter impositivo e
eventualmente aplicar a coação estatal. O que importa no direito de votar e de ocupar cargos eletivos é que isso define
um agente. Trata-se de uma definição jurídica; os direitos são atribuídos pelo sistema legal à maioria dos adultos que
habitam no território de um Estado, com algumas exceções igualmente definidas por lei. É uma atribuição de alcance
universalista, aplicável a todos os adultos independentemente de sua condição social e de suas características
adscritas, com exceção da idade e da nacionalidade. Atribuir a todo adulto a condição de agente, implica conferir-lhe a
capacidade de tomar decisões consideradas suficientemente razoáveis para produzir importantes conseqüências, tanto
para a agregação dos seus votos quanto para seu desempenho em funções governamentais. Pode ser que os indivíduos
não exerçam esses direitos, mas o sistema jurídico os conceitua como igualmente capazes de exercitá-los, assim como
de desempenharem as obrigações correspondentes (por exemplo, abster-se de atos fraudulentos ou da violência no
momento de votar, ou cumprir as obrigações de cargos públicos dentro dos limites estipulados pela lei).

Essa é a agency  a presunção de autonomia e razoabilidade suficientes para tomar decisões cujas conseqüências
acarretam obrigações de responsabilidade  , pelo menos nas relações diretamente associadas com um regime
fundado em eleições competitivas. Talvez porque a atribuição da condição de agente se tornou um lugar-comum nos
países originários, tendemos a esquecer quão extraordinária e recente é sua existência.

Vista desse ângulo, a democracia não é o resultado de nenhum tipo de consenso, ou decisão individual, ou contrato
social, ou processo deliberativo. A democracia resulta de uma aposta institucionalizada. O sistema jurídico (incluindo-
se, naturalmente, as constituições) confere a cada indivíduo múltiplos direitos e obrigações. Não é uma questão de
escolha; ao nascer (e mesmo antes, em vários sentidos) os indivíduos estão imersos em uma trama de direitos e
obrigações determinados e respaldados pelo sistema jurídico do Estado-território onde vivem. Somos seres sociais bem
antes de tomarmos decisões conscientes, e nas sociedades contemporâneas uma parte importante de nosso ser social é
definida e regulada por lei. Este fato também é óbvio e tem importantes conseqüências. Entretanto, é ignorado pelas
teorias contemporâneas da democracia.

A atribuição de direitos e obrigações é universalista52: presume-se que cada indivíduo aceite o fato de que, com
algumas exceções especificadas pelo próprio sistema legal, todos gozem dos mesmos direitos e das mesmas obrigações
que lhes cabem. Alguns desses direitos se referem a um modo peculiar de tomar decisões coletivas de caráter
impositivo por indivíduos escolhidos em eleições competitivas e institucionalizadas.

O que é essa aposta? É que, em uma democracia, cada ego deve aceitar que praticamente todos os demais adultos
participem  votando e eventualmente sendo votados  do ato (as eleições competitivas) que determina quem os
governará por certo tempo. É uma aposta institucionalizada, porque imposta aos indivíduos a despeito de sua vontade:
cada ego tem de aceitar esse fato, ainda que ache que permitir que certos indivíduos votem ou sejam votados é um
grave erro. Não resta outra opção a cada ego senão aceitar o risco de que pessoas "erradas" sejam escolhidas como
resultado de eleições competitivas. Cada ego deve correr esse risco53, porque ele é determinado e sustentado pelo
sistema legal de uma democracia. Ego pode não gostar ou mesmo ter sérias objeções54 a que alter tenha direitos iguais
aos seus de votar e ser votado. Mas esta não é uma questão de escolha para ego. Durante sua vida, ego pode escolher
muitos aspectos de sua vida social, mas não pode evitar que lhe atribuam, antes e a despeito de sua vontade, um
conjunto de direitos e obrigações. Egoestá imerso em um sistema legal que estabelece esses mesmos direitos
para alter e proíbe ego de ignorá-los, transgredi-los ou negá-los. Em virtude do local de nascimento ou da
nacionalidade, e em muitos aspectos pelo simples fato de residir em dado país, ego adquire direitos e obrigações com
relação a alter e ao Estado. Insisto que isso não é uma questão de escolha: ego é um ser social constituído e
configurado pelos direitos e obrigações promulgados e sustentados pelo Estado  se necessário, por coerção.

Quando se instala uma democracia, há evidentes exceções ao que acabo de dizer. Existe então um momento de
escolha: na medida em que os direitos e as obrigações são determinados por organismos constitucionais escolhidos em
eleições limpas, ou ratificados por referendos isentos, esses direitos expressam o acordo majoritário  e, portanto,
suficiente  para a institucionalização da aposta democrática. Passado esse momento, as sucessivas gerações são
constituídas e configuradas ab initio em e por relações legalmente definidas pela aposta democrática: cada indivíduo
tem de correr o risco de as eleições darem resultados que julgam equivocados. É claro que isso está longe de esgotar
toda a questão. Mas é importante porque significa que descobrimos então uma outra característica específica da
democracia política contemporânea: é o único regime que resulta de uma aposta institucionalizada, universalista e
includente. Todos os demais, quer incluam ou não eleições, impõem algum tipo de restrição a essa aposta, ou a
suprimem completamente.

Velhos ou novos, os regimes democráticos, depois do seu momento fundador, são o produto dessa aposta e ficam
profundamente marcados por esse fato. Repito: a aposta é institucionalizada 55. Não depende das preferências dos
portadores desses direitos, nem da agregação de seus votos56, nem de algum mítico contrato social ou processo
deliberativo. A aposta é uma instituição legalmente promulgada e sustentada que todos devem respeitar dentro do
território delimitado por um Estado. Embora, em si mesma, essa expectativa não implique a obrigação moral de aceitar
um regime democrático e obedecer suas autoridades57, é uma expectativa exigente, entrelaçada no sistema legal e
sustentada pelo poder coercitivo do Estado.

Essa aposta sustentada pela lei define parâmetros amplos, mas importantes do ponto de vista operacional, para a
racionalidade individual: as tentativas de ignorar, transgredir ou negar os direitos que ela confere a alternormalmente
trazem graves conseqüências negativas para quem as perpetua. Em suas interações com alter, ao menos na esfera
política delimitada por eleições competitivas, geralmente convém a ego reconhecer e respeitar os direitos do outro.
Esse interesse pode ser reforçado por motivos altruístas ou orientados para o bem-estar coletivo, mas em si mesmo
implica o reconhecimento de outros como portadores de direitos idênticos aos deego. É esse o germe de uma esfera
pública que consiste dos reconhecimentos mútuos baseados na atribuição universalista de determinados direitos e
obrigações.

Recapitulemos agora duas importantes conclusões a que chegamos na discussão precedente. A primeira é uma
definição da cidadania política como o correlato individual de um regime democrático: ela consiste da atribuição legal e
do efetivo gozo dos direitos implicados na aposta, isto é, ao mesmo tempo as liberdades simultâneas (basicamente de
expressão, associação, informação e livre movimento, apesar de seu caráter indecidível) e o direito de participar de
eleições competitivas, inclusive de votar e ser votado. A segunda é que, feita essa definição, saímos do plano do regime
para o do Estado, entendido em dois sentidos: de um lado, como uma entidade territorial que fixa os limites de quem é
portador dos direitos de cidadania política58; de outro, como um sistema legal que determina e respalda a atribuição
universalista e includente desses direitos. A aposta democrática e a cidadania política pressupõem uma à outra, e
ambas supõem o Estado, como delimitação territorial e como sistema legal.

A análise anterior introduziu complicações que devemos verificar com cuidado. Recordemos que a Proposição 1 estipula
que um regime democrático consiste de eleições limpas e institucionalizadas juntamente com algumas liberdades
"políticas" simultâneas. Pois bem, ao lado dos aspectos do Estado que acabo de mencionar, encontramos dimensões
que não pertencem ao regime (pelo menos como o defini). Na realidade, esses aspectos têm duas faces. De um lado,
estão entrelaçados em um regime democrático, no sentido de que são condições necessárias para sua existência; de
outro, conforme discuto abaixo, esses aspectos são característicos da "democraticidade" de pelo menos algumas
dimensões do Estado e não só do regime.

Neste ponto de minha argumentação, pode ser útil acrescentar as seguintes proposições:
VI. A cidadania política consiste da atribuição legal e do gozo efetivo de direitos
comprometidos com a aposta democrática, isto é, as liberdades simultâneas e os
direitos de participação em eleições competitivas, inclusive o de votar e ser votado.

VII. Um regime democrático (ou democracia política, ou poliarquia) inclui: (a) um


Estado que delimita dentro do seu território aqueles que são considerados cidadãos
políticos, e (b) um sistema legal vinculado a esse mesmo Estado que outorga a
cidadania política, conforme definida na proposição anterior, sobre uma base
universalista e includente.

Essas duas proposições nos levam a um terreno que devemos explorar com atenção.

AGENCY E DIREITOS

Como a adoção da aposta que concede direitos políticos universalistas é muito recente, precisamos fazer uma digressão
histórica. Ela nos permitirá rastrear as origens pré-políticas da agency e depois relacioná-la com a democracia
contemporânea.

Sabe-se que, nos países originários, muitas categorias sociais foram excluídas do sufrágio durante muito tempo, e
portanto, obviamente, da possibilidade de serem votadas: camponeses, operários manuais, empregados domésticos (e,
em geral, os não proprietários ou os que possuíam baixo nível de instrução), os negros nos Estados Unidos, os índios
nesse mesmo país e em muitos outros, além, decerto, das mulheres. Os direitos políticos só foram concedidos às
mulheres durante o século XX e, em vários países, somente depois da Segunda Guerra Mundial 59. Por outro lado, países
do Sul e do Leste adotaram em épocas distintas o sufrágio includente, muitas vezes de maneira abrupta. Mas as
inúmeras variações das democracias "tutelares" ou "de fachada" que surgiram nessas regiões, assim como, é óbvio,
nos regimes abertamente autoritários, implicavam a negação da aposta democrática.

A história da democracia é, em toda parte, a história da difícil aceitação dessa aposta. A história dos países originários
foi marcada por previsões catastróficas, 60 e às vezes por violenta resistência61, das classes privilegiadas que se
opunham à extensão dos direitos políticos a setores sociais tidos como "não confiáveis" ou "indignos" de os possuir. Em
outras latitudes, por meios com freqüência ainda mais violentos e excludentes, essa mesma extensão sofreu resistência
em inúmeras ocasiões.

Quais os fundamentos dessa recusa? Tipicamente, a falta de autonomia e a falta de responsabilidade  em outras
palavras, negação da agency. Presumia-se que somente alguns indivíduos (seja por sua instrução superior ou pela
posse de propriedades, seja por fazerem parte de uma vanguarda política capaz de decifrar o sentido da história ou de
uma junta militar que entendeu as exigências da segurança nacional etc.) teriam a correta motivação para assumir
responsabilidades ou para participar das decisões coletivas. É claro que as vanguardas revolucionárias, as juntas
militares e assemelhados criaram regimes autoritários, enquanto nos países originários os privilegiados deram origem,
na maior parte dos casos, a regimes democráticos oligárquicos, de caráter não-includente para si próprios e
politicamente excludente para todo o resto da população.

Como vimos rapidamente na seção anterior, há uma idéia central por trás de tudo isso: a agency. Essa idéia envolve
complicadas questões filosóficas, morais e psicológicas62. Contudo, para os fins deste artigo, basta dizer que um agente
é alguém concebido como dotado de razão prática, ou seja, que faz uso de sua capacidade cognitiva e motivacional
para tomar decisões racionais em termos de sua situação e de seus objetivos, e dos quais, salvo prova conclusiva em
contrário, é considerado o melhor juiz63. Essa capacidade faz do sujeito um agente moral, no sentido de que
normalmente ele se verá (e será visto pelos outros) como responsável por suas escolhas e, ao menos, pelas
conseqüências diretas que delas decorrem. Sem dúvida, as obras que abordam esse tema pelos mais diversos ângulos
introduzem várias ressalvas ao que acabo de afirmar. Apesar de importantes, essas restrições não nos impedem de
seguir adiante levantando uma outra questão que tem sido negligenciada pela teoria democrática.

A CONSTRUÇÃO LEGAL, PRÉ-POLÍTICA, DA AGENCY

A presunção de agency64 é outro fato institucionalizado, que nos países originários é mais antigo e mais arraigado do
que a aposta democrática e as eleições competitivas. Essa presunção não é apenas um conceito moral, filosófico ou
psicológico; é legalmente determinada e sustentada pela lei. A presunção de agencyconstitui cada indivíduo como um
sujeito jurídico, portador de direitos subjetivos. O sujeito jurídico faz escolhas pelas quais é responsabilizado, porque o
sistema legal o concebe como um ser autônomo, responsável e racional  ou seja, um agente.

Essa concepção de agency passou a ser o núcleo dos sistemas jurídicos dos países originários bem antes da
democracia. O reconhecimento institucionalizado (isto é, legalmente determinado e respaldado, em geral aceito como
evidente) de um agente portador de direitos subjetivos foi o resultado de um longo e complicado processo, cujos
precursores são alguns sofistas, Cícero e os estóicos (ver, esp., Villey, 1968). Posteriormente, deram contribuições
decisivas o minucioso trabalho jurídico da Igreja Católica e das universidades medievais, o nominalismo de William of
Ockam (ver, esp., Berman, 1993; Villey, 1968), e, no fim do período, a influente elaboração, primeiro, dos escolásticos
espanhóis do século XVI, e depois de Grotius (1583-1645), Pufendorf (1632-1694) e outros teóricos do direito natural
(ver Van Caenegem, 1992; Gordley, 1991; Berman, 1993). Nessa época, o que veio a ser chamado de "teoria
consensual do contrato" e a visão de agency que dela decorria alcançaram madura expressão. Como disse James
Gordley (1991:7):

"Os últimos escolásticos e os juristas do direito natural haviam admitido o princípio


fundamental de que os contratos são realizados pela vontade ou consentimento das
partes [...] [em contraste com as concepções de Aristóteles e Santo Tomás de
Aquino] entenderam que um contrato era simplesmente o resultado de um ato de
vontade, não o exercício de uma virtude moral. As partes somente estavam
obrigadas ao que haviam concordado voluntariamente, não a deveres originados da
essência ou natureza do contrato." (ver, também, Lieberman, 1998) 65

Nessa época, Hobbes propôs uma tese extremamente elaborada sobre a agency, baseada em direitos subjetivos, e a
transpôs para a esfera da política. Essa mesma concepção impregnou a visão de mundo do Iluminismo 66, e, após
Hobbes, foi continuada por Locke, Rousseau, Stuart Mill, Kant e outros, apesar das divergências desses autores em
outras questões. Além disso  e este argumento é importantíssimo para minha análise  , a concepção de agency foi
incorporada ao núcleo da teoria do direito por juristas como Jean Domat (1625-1695) e Robert Pothier (1699-1772),
cujas obras tiveram profunda influência sobre Blackstone, Bentham e outros teóricos ligados à tradição do direito
consuetudinário, assim como nos códigos franceses e alemães da primeira metade do século XIX 67.

Essas concepções de agency individual e seu corolário, a teoria consensual do contrato, opõem-se a outra concepção do
direito, que provém de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino e que em sua versão organicista continua a ser muito
influente em alguns países fora do quadrante Noroeste do mundo 68. Segundo essa visão, a lei diz respeito ao justo
ordenamento da polis, onde cada parte deve ter um lugar e uma proporção adequados. O axioma suum cuique jus
tribuere exprime essa concepção arquitetônica da justiça e da lei como seu instrumento: não há propriamente direitos
individuais, mas direitos e deveres que são atribuídos, a bem do justo ordenamento do todo, a cada uma das categorias
ou status que compõem uma sociedade organicamente concebida (cidadãos, estrangeiros e escravos ou, em outros
contextos, reis, nobres, burgueses, plebeus etc.)69.

O surgimento da idéia de agency e seus direitos subjetivos representou uma revolução copernicana: a lei deixou de ter
a missão de designar corretamente as partes da totalidade social, e, por conseguinte, de realizar a justiça social para
todos. Em troca, como já se inferia do nominalismo de Ockam e, mais tarde, do de Hobbes, a lei visava as únicas
entidades verdadeiramente existentes  os indivíduos. A missão da lei é a de determinar e proteger a potestas dos
indivíduos, ou seja, sua capacidade de fazer valer sua vontade em todas as esferas não proibidas por essa mesma lei.
O indivíduo, concebido como portador dos direitos subjetivos que sustentam sua potestas, é o objeto e a finalidade da
lei 70. De acordo com essa concepção, se eventualmente se produz uma boa ordem social, esta é um subproduto (como
se afirmará mais tarde a respeito do mercado, em consonância com essa mesma visão) da soma das conseqüências da
existência dos direitos subjetivos.

É claro que tudo isso constitui um capítulo da história do liberalismo. Muitos autores já assinalaram que, como doutrina
política, o liberalismo condensou as cruéis lições deixadas pelas guerras religiosas dos séculos XVI e XVII. Mas é preciso
acrescentar que boa parte do trabalho de construção do indivíduo que Hobbes, Locke, Kant e outros fizeram já havia
sido realizada pelas teorias filosóficas e, especialmente, jurídicas que citei. O agente portador de direitos subjetivos já
estava esboçado nessas teorias, quase pronto para ser transposto à esfera da política por esses grandes autores
liberais.

Embora as reflexões anteriores possam parecer muito distantes de uma teoria da democracia contemporânea, não é
bem a verdade. Para demonstrá-lo, nada melhor do que invocar Max Weber e seu colossal esforço para explicar o
surgimento e as características singulares do capitalismo ocidental. Sabe-se que Weber não atribuiustatus explicativo
privilegiado a nenhuma das dimensões que utilizou. Suas idéias são especialmente importantes para minha análise,
porque, ao contrário de grande parte da ciência política contemporânea, ele deu grande atenção aos aspectos legais,
interpretando seu funcionamento como um contraponto à emergência dos Estados, do capitalismo, das classes e dos
tipos de autoridade política. Weber argumentou que o surgimento do que chamou de direito racional-formal (um
repositório de direitos subjetivos, apresso-me a acrescentar) não pode ser atribuído basicamente às demandas ou
interesses da burguesia, pois quando esses processos começaram ainda não existia uma burguesia capitalista, no
sentido moderno (Weber, 1968:847 e passim). A criação desses direitos se explica antes pelo trabalho secular que
esbocei acima, pelos interesses corporativos dos profissionais do direito que levaram a cabo essa obra e,
principalmente, pelos interesses dos principais empregadores desses profissionais  os governantes empenhados na
formação do Estado e, por conseguinte, interessados em melhorar seu crédito e arrecadação fiscal, bem como em
submeter ao seu controle direto a população dos territórios que pretendiam governar. Para este fim, era fundamental
eliminar as ordens estamentais concebidas de forma organicista (especialmente as feudais e as cidades autônomas,
bem como a ampla jurisdição que o direito canônico reivindicava), e com estas as concepções aristotélicas e tomistas
da lei. Esses governantes encontraram no caráter universalizante dos direitos subjetivos um meio eficaz para afirmar
sua soberania sobre todos os indivíduos residentes em seus territórios 71. Apesar de toda a violência empregada, os
contornos básicos do atual mapa político dessa parte do mundo foram enfim traçados72.

Pode-se dizer que o processo de construção da concepção jurídica da agency individual foi tudo menos linear e pacífico.
Desenvolveu-se através de uma relação mutuamente dinamizadora com outro processo: o aparecimento e
desenvolvimento do capitalismo. Como novamente nos recorda Weber, e nesse sentido também Marx, o reforço mútuo
dos processos de formação do Estado, desenvolvimento do capitalismo e expansão do direito racional-formal teve,
entre outras conseqüências, a abolição da servidão 73 e o aparecimento do trabalho "livre". Essa liberdade consistiu do
direito subjetivo de celebrar contratos pelos quais indivíduos privados da propriedade dos meios de produção vendem
sua força de trabalho. O trabalhador das relações capitalistas é desde cedo um sujeito jurídico, portador de direitos (no
início, poucos) e de obrigações que "livremente" ajusta com o empregador, como cabe a um indivíduo concebido
juridicamente como agente. Isso também vale para as responsabilidades criminais, que deixaram de ser atribuídas
coletivamente ao clã, à família ou à aldeia, e foram transferidas aos respectivos indivíduos  de novo, em concordância
com sua condição de agente74.

Gostaria de ressaltar que a primeira construção dos direitos subjetivos, especialmente do direito de propriedade e de
contrato para o intercâmbio de bens e serviços, é um legado do capitalismo e do processo de formação do Estado, não
do liberalismo ou da democracia política, que surgiram bem depois de os direitos já estarem amplamente difundidos
nos países originários e tomarem forma detalhada nas doutrinas jurídicas 75. O mesmo se pode dizer sobre a construção
do direito de propriedade individual, exclusiva e vendável 76. Examinando a convergência dessas histórias, devemos
lembrar que os Estados e o capitalismo criaram mercados territorialmente delimitados, com o que contribuíram para a
construção de uma densa trama de direitos subjetivos, inclusive de uma rede de tribunais que aplicavam esses direitos,
bem antes de o liberalismo e a democracia entrarem em cena77.

Por outro lado, muitos autores chamaram a atenção para o fato de que a construção legal de um agente portador de
direitos subjetivos, ao omitir as condições reais de exercício desses direitos e excluir outros, avalizou e contribuiu para
reproduzir relações extremamente desiguais entre capitalistas e trabalhadores78. Mas essa construção incluía corolários
potencialmente explosivos. Primeiro, se a ego se atribui a condição legal de agente em determinadas esferas da vida
que, para ele e para o conjunto da sociedade, são de suma importância, levanta-se naturalmente a seguinte pergunta:
por que se deveria negar essa atribuição a outras esferas e, de todo modo, quem deveria ter autoridade para tomar tal
decisão? O segundo corolário não é menos explosivo, ainda que hoje esteja muito menos resolvido do que o anterior:
se a agency implica escolhas, que opções reais poderiam ser consideradas como razoavelmente consistentes com a
condição de agente de ego?

A resposta à primeira pergunta está na história da expansão dos direitos subjetivos, inclusive o de sufrágio, até sua
atual includência. Essa história foi escrita através dos numerosos conflitos ao fim dos quais as classes dangereuses,
depois de terem aceito morrer em massa na guerra para defender seus países (ver, esp., Levi, 1997; Skocpol, 1992) e
de trocarem a revolução pelo Estado de Bem-Estar79, foram enfim admitidas como partícipes da aposta
democrática  isto é, obtiveram a cidadania política80. Enquanto isso, outros processos continuavam a se desenvolver
nos países originários. Um deles foi a definição do mapa da Europa Ocidental e da América do Norte como resultado de
bem-sucedidos e freqüentemente cruéis processos de formação do Estado (Tilly, 1985; 1990). Outro foi a expansão dos
direitos na esfera civil, um processo que vários teóricos alemães chamaram de "juridificação", no duplo sentido de uma
especificação de direitos e deveres já reconhecidos e do acréscimo de novos 81.

O resultado desses processos foi que, quando em algum momento do século XIX a maior parte dos países do Noroeste
adotou a democracia não includente, a maioria da sua população masculina (e, embora em menor extensão, também a
feminina) já contava com uma série de direitos subjetivos que regulavam numerosos aspectos de sua vida 82. Não se
tratava ainda dos direitos políticos da aposta democrática; eram direitos civis relativos a atividades econômicas e
sociais privadas. T. H. Marshall (1964) resumiu-os no conceito de "cidadania civil"83 e, mais recentemente, Habermas
(1996) os denominou de "direitos burgueses"84. Em um trabalho anterior (O’Donnell, 1999c), discuti esse tema e
formulei algumas restrições às tipologias desenvolvimentistas que esses autores propõem. O que desejo ressaltar aqui
é que quando, nos países originários, se começou a discutir a questão da plena inclusão política, já existia um rico
repertório de critérios legalmente sancionados e elaborados sobre a atribuição de agency a um grande número de
indivíduos. É verdade que a restrição da abrangência desses direitos à esfera privada parece muito limitada para os
nossos padrões contemporâneos. Mas também é certo que, graças a esse processo de expansão da atribuição de
direitos subjetivos, preparou-se o terreno para estender à cidadania política os conceitos, as leis, a jurisprudência e as
ideologias originadas da cidadania civil 85.

Nessa época, só artificialmente se poderia separar o liberalismo, como uma doutrina política, da história jurídica que
acabo de resumir. Muitos direitos que, desde o início, o liberalismo buscava proteger são os mesmos que já tinham sido
aperfeiçoados e extensamente aplicados pela lei. É claro que com o tempo o liberalismo os ampliou, mas sempre o fez
definindo-os como direitos subjetivos, seguindo suas próprias premissas. Foi na qualidade de defensores dessa espécie
de direitos que os liberais conseguiram aprovar Constituições  e as Constituições, independentemente do que possam
conter a mais, protegem direitos subjetivos86. Foram essas as Constituições que institucionalizaram pela primeira vez a
aposta democrática, embora se baseassem no sufrágio restrito.

Quando, por fim, a aposta includente foi aceita nos países originários, muitas pessoas (mas, certamente, nem todas)
puderam perceber que essa decisão não era um salto no vazio. Os governos da época já estavam limitados por direitos
subjetivos elaborados e amplamente difundidos, alguns consagrados como normas constitucionais 87. Tratava-se,
ademais, de sistemas representativos cujo funcionamento atenuava o temor causado pelas experiências de democracia
direta ou de governo de massas, desde Atenas até a Revolução Francesa. Já tinham sido também adotadas, ou
estavam prestes a sê-lo, outras medidas liberais de salvaguarda, de fundas raízes no passado (embora com histórias
diferentes das que narrei aqui), principalmente a determinação de prazos aos mandatos dos funcionários eleitos e a
divisão de poderes no interior do regime88.

Esses arranjos institucionais convergiram para configurar o princípio central do liberalismo: todo governo deve ser um
governo limitado, pois diz respeito a portadores de direitos promulgados e respaldados pelo mesmo sistema legal que o
próprio governo deve obedecer e do qual deriva sua autoridade. Repito que essa idéia fundadora de agentes portadores
de direitos subjetivos, que geram uma potestas individual que não pode ser violada ou negada, salvo por razões
cuidadosamente especificadas e definidas por lei, já estava enraizada em algumas teorias jurídicas. Essas teorias
primeiramente precederam e depois interagiram em contraponto com o capitalismo, o Estado e mesmo mais tarde,
antes do advento da democracia política includente, com o liberalismo. Como resultado dessa longa e complexa
trajetória histórica, a democracia contemporânea se baseia na idéia de agency promulgada e respaldada por lei. O
governo, o regime e o Estado que daí resultam existem para e através de indivíduos portadores de direitos subjetivos 89.

É essa, em síntese, a arquitetura legal e institucional do Estado democrático. O fato de que nos países originários essa
arquitetura já estava basicamente em vigor quando a aposta includente foi adotada amenizou os riscos percebidos
dessa decisão. Como assinala Sartori (1987:389): "Não foi certamente por acaso que a democracia voltou a ser vista
como um bom sistema político (após ser condenada durante séculos) depois da aceitação do liberalismo". No mesmo
sentido, John Dunn (1992:248) observou que graças a esses processos a democracia se tornou "amigável" para o
Estado (e, acrescento, para o capitalismo). A aposta democrática, além de includente e universalista, é uma aposta
moderada ou comedida: o enraizamento dos direitos subjetivos (inclusive a incorporação de muitos deles na
Constituição), a limitação temporal dos mandatos dos altos postos do regime, a divisão de poderes e a periodicidade de
eleições limpas, moderam o que está em jogo em cada eleição.

DIGRESSÃO COMPARATIVA (2)

Apresentei de forma extremamente compacta alguns processos históricos que ocorreram nos países originários até que
foi adotada a aposta includente, universalista e moderada. Conforme Weber nunca se cansou de repetir, essas
circunstâncias históricas foram únicas e marcaram profundamente as características dos países. Por outro lado, na
maioria das outras democracias, novas e velhas, no Leste e no Sul, esses processos se desenvolveram mais tarde, em
seqüências distintas, e tiveram conseqüências muito menos completas e homogeneizadoras do que nos países
originários. Essas diferenças que estão fartamente documentadas nos registros históricos, também marcaram fundo as
características contemporâneas dos últimos países, inclusive seus Estados e regimes. Contudo, a tendência anti -
histórica e um enfoque estreito nos aspectos formais do regime que caracterizam muitas teorias democráticas atuais
criam obstáculos ao estudo desses fatores. Na medida em que se pode presumir que tais fatores exerçam uma forte
influência nas características de muitas democracias contemporâneas, essa omissão é um sério impedimento a uma
abrangência comparativa adequada da teoria da democracia.

Enquanto não se concluem as pesquisas que deverão remediar essa omissão, só posso apresentar aqui alguns
comentários preliminares, que retomarei abaixo em outra digressão comparativa. Em muitas novas democracias,
mesmo que, por sua própria definição, se realizem eleições competitivas, e tanto estas quanto a aposta universalista
estejam institucionalizadas, os direitos civis têm escassa vigência em todo seu território e nas classes e setores sociais.
Além disso, quando se adotou nesses países a aposta includente, muitas salvaguardas liberais não estavam em vigor e
algumas permaneceram ausentes. Por isso, os privilegiados viram na aposta uma grande ameaça, com o que muitas
vezes desencadearam uma dinâmica de repressão e exclusão que teve como resposta uma profunda alienação popular
e às vezes uma radicalização que causou ainda mais obstáculos à extensão dos direitos civis e das salvaguardas
liberais. Foi essa dinâmica que, no passado e até muito recentemente, alimentou o aparecimento de várias formas de
regime autoritário na América Latina e em outras regiões90.

A CIDADANIA POLÍTICA E SEUS CORRELATOS

Vimos em seções anteriores que a cidadania política é uma condição definida por lei, outorgada por um Estado nos
limites do seu território, como parte e conseqüência da aposta democrática, a indivíduos concebidos como portadores
de direitos pertinentes a um regime que se baseia em eleições competitivas e institucionalizadas, e em algumas
liberdades simultâneas. Essa condição é uma mistura de atributos. É adscritiva 91, porque, excetuando os casos de
naturalização, é atribuída a uma pessoa pelo simples fato de ter nascido em determinado território (ius solis) ou ter um
parentesco consangüíneo (ius sanguinis). É universalista, porque dentro da jurisdição delimitada por um Estado,
designa nos mesmos termos todos os adultos que satisfazem o critério de nacionalidade. É também uma condição
formal, porque resulta de normas legais que, em seu conteúdo, promulgação e aplicação, devem satisfazer critérios por
sua vez estipulados por outras normas legais. Por último, a cidadania política é pública. Com isto quero dizer, em
primeiro lugar, que é o resultado de leis que devem cumprir exigências cuidadosamente especificadas quanto à sua
publicidade e, em segundo lugar, que os direitos e obrigações conferidos a cada ego pressupõem (e demandam
legalmente) um sistema de reconhecimento mútuo entre todos os indivíduos, independentemente de sua posição social,
na qualidade de portadores desses direitos e obrigações.

Sublinho que essas características da cidadania política são homólogas, ou, mais precisamente, fazem parte dos
direitos subjetivos, civis, "privados", que discuti acima. É importante entender isto. Por suas origens, pela concepção
de agency e por sua definição jurídica, as liberdades políticas que mencionei ao examinar as várias definições de
democracia, são parte integrante e essencial dos direitos civis. Isto significa que entre a cidadania política e a cidadania
civil há uma conexão histórica, jurídica e conceitual muito mais íntima do que reconhecem muitas teorias da
democracia, realistas ou não 92. Essas observações têm conseqüências empíricas. Algumas democracias incluem um
conjunto nuclear de direitos políticos que são circundados, respaldados e fortalecidos por uma densa rede de direitos
civis. Outras, ao contrário, podem exibir formalmente (por uma questão de definição do próprio regime) esses direitos
políticos, mas a trama circundante de direitos civis é tênue e/ou se distribui desigualmente entre as diferentes
categorias de indivíduos, classes e regiões. Retornarei adiante a essa questão; por ora, apenas quero ressaltar que
essas diferenças entre situações e épocas influenciam fortemente o que se poderia chamar de profundidade ou grau de
democratização civil e jurídica, ou seja, a qualidade geral da democracia em cada caso ou período.

Neste ponto de minha argumentação devo lembrar que uma outra questão levantada pela presunção da agencytem
relação com as opções disponíveis a cada indivíduo, tanto em termos da sua capacidade de escolha, quanto da gama
real de escolhas de que dispõe93. Nos países originários, a resposta a essa questão se ramificou em duas direções. De
um lado, centrou-se nos direitos privados, em especial, mas não exclusivamente, na área dos contratos, definidos em
sentido amplo. Criou-se uma série de critérios jurídicos e jurisprudenciais para anular, reparar ou impedir situações em
que exista uma relação "manifestamente desproporcional"94 entre as partes, e/ou nas quais é razoável supor que uma
das partes não consentiu livremente no contrato, devido à incapacidade mental, fraude ou coação etc.95. Essas medidas
tutelares se fundamentam em um critério básico de eqüidade, que, por sua vez, é um corolário da idéia de agency:
presume que os agentes se relacionam como tais, isto é, que não são vítimas de desigualdades ou de alguma forma de
incapacidade que possam anular sua autonomia e/ou acesso a uma gama razoável de opções. O requisito de um
mínimo de eqüidade foi introduzido nos sistemas jurídicos dos países originários por meio dessas construções legais.
Em conseqüência disso, ao selo jurídico anterior  anterior do ponto de vista histórico e analítico  das concepções
universalistas deagency, acrescentaram-se várias considerações de natureza jurídica e jurisprudencial de eqüidade. De
um lado, esses acréscimos contradiziam as construções anteriores de agency, já que introduziam critérios não
universalistas à atribuição e adjudicação de direitos em várias situações; de outro, eram coerentes com as construções
jurídicas anteriores, porque refletiam o reconhecimento de que a agency não deve ser apenas presumida, mas também
examinada em sua efetividade. Essa ambivalência  contradição com as premissas universalistas e coerência com a
concepção subjacente de agency  contribuiu muito para a enorme complexidade dos sistemas jurídicos tanto dos
países originários quanto dos que nestes se inspiraram.

A segunda direção em que se ramificou a questão da agency e suas relações com as opções é mais bem conhecida
entre cientistas políticos e sociólogos. Refiro-me ao aparecimento e desenvolvimento da legislação social. Também aqui
sobressai o valor da eqüidade devida à agency, embora esta se concentre em várias categorias sociais e menos nos
indivíduos, como acontece no direito privado. Por um longo e complicado processo que não é preciso detalhar aqui 96, os
novos participantes da aposta trocaram a aceitação da democracia política  inclusive a moderação proporcionada
pelas salvaguardas a que me referi  por uma parcela dos benefícios do Estado de Bem-Estar. Mas esses benefícios
não eram apenas materiais; por meio da representação coletiva e de outros mecanismos, esses atores reduziram a
aguda desigualdade de facto, em face dos capitalistas e do Estado, que Marx e outros autores afirmaram esconder-se
por trás do universalismo dos sistemas jurídicos então vigentes. Por meio da legislação social, e com altos e baixos nas
respectivas relações de poder97, foram incorporadas ao sistema legal algumas concepções de eqüidade baseadas nas
idéias anteriores de agency individual, em parte transformando-as. Tal como no direito privado, ainda que em geral
aplicadas a categorias de agentes definidos coletivamente, as leis sociais expressaram a idéia de que, se devemos
presumir que os agentes são de fato agentes, a sociedade, sobretudo o Estado e seu sistema jurídico, não pode ser
indiferente às opções que cada indivíduo enfrenta. Em conseqüência, essas leis criaram políticas preventivas e
corretivas, que variaram desde o apoio a níveis básicos de bem-estar material até a autorização de diversos
mecanismos de representação coletiva para aqueles que, de outra maneira, seriam demasiado fracos para admitir a
presunção de que têm vontade autônoma e opções adequadas. Não deixando de incluir falhas98, essas mudanças,
fixadas nos direitos público e privado, foram democratizadoras: tornaram mais denso o tecido jurídico que promulga e
respalda a mesma agency pressuposta pela democracia.

Vemos assim que nos países originários houve um longo e complexo processo, que, através de normas legais,
impregnou a sociedade, a economia e o Estado de uma concepção universalista de agency; esta, posteriormente, foi
em parte transformada por valores de eqüidade fundados nessa mesma concepção. Adiante tratarei de algumas
implicações desse processo; por ora, desejo salientar que, pelo menos em termos lógicos, a relação entre agency e
opções na esfera política mantém estreita conexão com a mesma questão, quando formulada no âmbito do direito
privado e da legislação social. Em outras palavras, formular essa questão na esfera política importa em ir além da
atribuição universalista de direitos políticos que examinamos nas seções anteriores. Requer que se indague sobre as
condições que permitem ou não o exercício efetivo da cidadania política.

Vimos que, do ponto de vista dos direitos civis e sociais, essa questão não pode ser ignorada nem pelo direito privado
nem pela legislação social; não tenho clareza sobre as razões pelas quais pode ser ignorada em relação aos direitos
políticos. Já que existe uma estreita conexão, como acabei de mostrar, entre direitos civis e direitos políticos (e, mais
recentemente, também com os direitos sociais), não me parece coerente omitir o problema da efetividade da cidadania
política quando se aplica a indivíduos privados de muitos direitos sociais e civis e, portanto, incapazes de fazer opções
minimamente razoáveis. É certo que em um regime democrático os indivíduos contam com os direitos políticos
universalistas que analisamos. Também é certo que a outorga desses direitos representa em si mesma um grande
avanço em relação ao regime autoritário. Entretanto, olhar apenas para esse lado da questão, importa em suprimir da
teoria democrática o mesmíssimo tema da agency e suas opções que o direito privado e a legislação social não
puderam ignorar. Esta me parece ser uma limitação indevida e profundamente esterilizante. Em vez disso, a teoria
democrática deve aceitar alguns fatos básicos: primeiro, desde Atenas, embora limitada a uns poucos indivíduos, até os
tempos atuais, quando abrange muitos, a premissa da democracia política é a agency; segundo, essa idéia já estava
incorporada, muito antes dos regimes democráticos contemporâneos, tanto nos múltiplos aspectos do sistema legal
quanto no valor concomitante da eqüidade devida aos agentes; terceiro, os direitos civis e os direitos políticos são
homólogos; quarto, as origens históricas, jurídicas e conceituais dos direitos políticos encontram-se nos direitos civis.
Esses fatos explicam o pertinaz ressurgimento, na teoria e na prática, da questão das condições de existência da
cidadania política, como preocupação ao mesmo tempo teórica e moral.

Compreendemos agora a razão do problema da indecidibilidade dos limites dos direitos políticos. A idéia deagency tem
implicações diretas e convergentes na esfera civil e na política, porque é o aspecto legalmente estabelecido de uma
concepção moral do ser humano como indivíduo autônomo, racional e responsável  isto é, como agente99. Essa
noção, ou melhor, presunção, não pode ser validamente separada  nem lógica, nem moral, nem legalmente  da
questão das opções disponíveis a cada indivíduo, tanto em termos de sua capacidade de escolher quanto da gama de
suas opções. Na medida em que a democracia pressupõe a agency, não vejo como exorcizar da teoria e da prática da
democracia os problemas morais e práticos concernentes à efetividade da cidadania política. A Caixa de Pandora revela-
se maior do que Schumpeter temia, mas nem por isso inacessível a um exame intelectualmente disciplinado.

Nesta altura da argumentação, convém acrescentar algumas proposições, dando seqüência à numeração anterior.

VII. Um regime democrático, ou democracia política, ou poliarquia, é o resultado de


uma aposta universalista e includente, embora em alguns países seja moderada por
diversas garantias institucionais.

VIII. Nos países originários, a cidadania política teve raízes diretas, inclusive
conceitos, práticas e instituições bem desenvolvidas e amplamente difundidas, no
longo processo anterior de construção da idéia de agente, concebido como um
sujeito jurídico dotado de direitos civis subjetivos. A concepção de agency é o
aspecto legalmente promulgado de uma visão moral do indivíduo como ser
autônomo, racional e responsável.

IX. As regras que estabelecem a cidadania política são parte essencial de um


sistema legal cuja premissa é a concepção de agency de um sujeito jurídico. Essa
idéia, por sua vez, sustenta e justifica logicamente a aposta democrática.

X. Certas filosofias e teorias morais questionam a validade ou utilidade da


concepção de agency, enquanto outras que a aceitam discordam de seus
fundamentos e implicações. Isso é interessante e importante, mas não se deve
esquecer que, nos países originários, tal concepção estava profunda e
abundantemente inscrita nos seus sistemas legais e, por conseguinte, no conjunto
de sua estrutura social.

XI. Nesses sistemas legais, e por meio deles, é que, contradizendo em parte sua
orientação universalista, a questão das opções de cada agente foi reconhecida (isto
é, sua real capacidade de escolher e sua gama de opções). Em conseqüência disso,
o direito civil e a legislação social adotaram políticas parcialmente igualizadoras.
Inspiradas na concepção da eqüidade devida a uma adequada consideração
da agency de cada indivíduo, essas políticas deram impulso à democratização,
embora sem deixar de incorporar certos trade-offs.

Na próxima seção analiso algumas questões comparativas.

DIGRESSÃO COMPARATIVA (3)

Quando os países não originários importaram, no passado recente ou longínquo, a parafernália institucional de um
regime democrático (eleições, constituições, congresso e outros), na realidade, fizeram mais que isso: também
importaram sistemas legais fundados em concepções universalistas da agency individual e seus conseqüentes direitos
subjetivos. Entretanto, o tecido social desses países pode não incluir uma extensa e detalhada explicitação das
condições de efetivação desses direitos; em vez disso, podem prevalecer concepções tradicionais, orgânicas e inclusive
criminosas da justiça e do direito 100. Se é este o caso, a adoção da democracia e das liberdades que a cercam dá
origem a uma profunda disjunção entre esses direitos e o tecido social geral, incluindo-se aí a maneira como são
concebidos e concretizados os direitos e obrigações, de ordem política ou de outra natureza. Em outras palavras, a
cidadania política pode ser implantada em meio a uma cidadania civil fraca ou extremamente injusta, para não falar do
problema mais grave dos direitos sociais.

Esses países podem constituir poliarquias ou democracias políticas, mas o funcionamento do regime assim como suas
relações com o Estado e a sociedade provavelmente serão muito diferentes do que vigorou nos países originários 101. É
possível, pelo menos, imaginar que a eficácia geral do sistema jurídico, incluindo-se os direitos civis e sociais, tenha
forte influência na abrangência e no vigor, por assim dizer, dos direitos de cidadania política. No estágio atual de
nossos conhecimentos, não se pode elaborar senão hipóteses a serem verificadas empiricamente; mas só as podemos
formular se levarmos em conta os aspectos históricos e jurídicos que muitas vezes permanecem implícitos na teoria da
democracia. Há uma outra questão intimamente relacionada com a anterior, porque aponta para uma grave lacuna no
funcionamento do sistema legal. Trata-se do que denominei de deficiência na "horizontal accountability"
[responsabilidade pública horizontal] de muitas democracias, que se evidencia nos casos em que o Poder Executivo
tenta passar por cima, quando não abolir, muitas das salvaguardas institucionais que mencionei antes. Visto que esse
tema já foi discutido em um texto recentemente publicado (O’Donnell, 1999b) 102, não o abordarei neste artigo.

LIBERDADES "POLÍTICAS"?

Não concluímos ainda a análise das liberdades políticas. Vimos que algumas delas  mais adequadamente definidas
como direitos  dizem respeito à realização de eleições competitivas: o direito de votar e de ser votado assim como, de
modo geral, o de participar em ações conducentes à concretização de eleições limpas. Trata-se de direitos positivos,
protegidos pelas liberdades simultâneas que já analisei e às quais devo agora retornar.

Voltando às liberdades propostas por Dahl, verificamos que existem diferenças entre elas. De um lado, a existência de
informações livres e pluralistas é uma característica do contexto social e independe das decisões de indivíduos isolados.
Em troca, as duas outras liberdades, de expressão e associação, constituem direitos subjetivos. Fazem parte
da potestas de ego, seu direito a não ser molestado quando realiza ou não ações de auto-expressão ou de associação.
Estamos mais uma vez diante de um problema de limites: não é possível decidir que atos de expressão ou de
associação são "políticos" e quais não são. A razão disso é que, conforme já foi assinalado, os direitos de expressão e
de associação, assim como outros também relevantes para a democracia, fazem parte das liberdades civis que analisei.
Evidentemente, os espaços sociais em que os direitos de expressão e associação são relevantes e estão protegidos por
lei são muito mais amplos do que a esfera do regime político. Nesse sentido, as definições realistas de democracia,
assim como muitas outras, realizam, aparentemente sem sabê-lo, uma dupla operação. Primeiro, "adotam" algumas
dessas liberdades, no sentido de que as consideram como diretamente referidas a um regime democrático103. Segundo,
essas definições "promovem" as mesmas liberdades à categoria de condições necessárias ao regime. No entanto,
devido ao problema dos limites internos que já examinei, essa adoção e promoção é inevitavelmente arbitrária: é difícil
imaginar, por exemplo, que as liberdades de expressão e de associação vigorem no campo da política e sejam
grosseiramente negadas em outras esferas da vida social. As liberdades políticas diluem-se em um conjunto maior de
liberdades civis porque grande parte de sua prática efetiva, de suas origens históricas e de sua formulação jurídica
primordial corresponde às liberdades civis. As liberdades de expressão e de associação são tipicamente civis; tornaram-
se direitos sancionados por lei bem antes de serem reconhecidas como direitos "políticos" relevantes para um regime
democrático. Dessa maneira, não há nenhuma linha divisória firme e clara entre os aspectos civil e político dessas
liberdades. Elas têm em comum a mesma concepção de agency e de direitos subjetivos acrescida do detalhe, faço
questão de insistir, de que os direitos políticos são uma extensão, jurídica e histórica, dos direitos civis. Assim, partindo
de um ângulo distinto, deparamo-nos outra vez com os problemas de limites comentados na primeira "Digressão
Comparativa"104.

SOBRE O ESTADO E SUA DIMENSÃO LEGAL

Há uma outra conclusão que desejo expor agora. Ela deriva do fato de que todos esses direitos  civis, políticos e
sociais  são promulgados e respaldados por um sistema legal que faz parte ou é um aspecto do Estado.
Normalmente, o Estado estende sua autoridade, que na maioria das vezes se expressa na gramática das leis, por todo
o território que abarca. Se afirmamos na proposição VII que para haver um regime democrático é preciso existir uma
delimitação territorial e, no mínimo, direitos legalmente estabelecidos que protejam algumas liberdades "políticas", isto
quer dizer que deslocamos o foco da análise do regime para o Estado. Em outras palavras105, sustento que o Estado
não deve ser entendido como um conjunto de burocracias; ele também inclui uma dimensão legal, o sistema jurídico
que o Estado promulga e normalmente sustenta devido à sua supremacia sobre a coerção no território que delimita 106.
É esse sistema legal que configura e constitui como sujeitos jurídicos os indivíduos que habitam em um território.
Portanto, na medida em que o sistema legal sustenta a aposta democrática, bem como um regime baseado em eleições
competitivas e algumas liberdades simultâneas, esse sistema jurídico e o Estado do qual faz parte são democráticos. A
"democraticidade" é, portanto, um atributo do Estado, não só do regime. Esse Estado é um Rechtsstaatdemocrático,
um Estado democrático de direito, porque promulga e sustenta as normas legais que correspondem à existência e
persistência de um regime democrático 107.

Fiz referências acima à diferença entre o direito de acesso à informação livre e pluralista e os demais direitos, como os
de expressão e associação. Por ser de uso corrente, utilizo com relutância a distinção entre direitos positivos e
negativos que tem sido criticada de maneira convincente por vários autores (ver Holmes e Sunstein, 1999; Raz, 1986;
Shue, 1996; Skinner, 1984; Taylor, 1993). Mas a mantenho porque ela tem utilidade heurística, principalmente a de
nos advertir que, ao contrário do que se costuma pensar, nem todas as liberdades políticas são negativas. Há pelo
menos um direito positivo nelas implícito: o de acesso rápido e equânime aos tribunais de justiça. Trata-se de um
direito positivo porque contém a expectativa de que certos agentes do Estado tomarão providências, quando
legalmente apropriado, para tornar concretas as referidas liberdades (ver Fábre, 1998). A negação de tal direito
implicaria que essas liberdades seriam puramente nominais. Com essa afirmação voltamos a nos deparar com o Estado
como sistema legal que sanciona e respalda liberdades que, apesar de indecidíveis, são geralmente aceitas como
componentes básicos da democracia. Assim, além das normas legais já discutidas, identificamos certas instituições do
Estado, principalmente os tribunais de justiça, como elementos necessários ao funcionamento de um regime
democrático. Isso me permite completar o quadro de um sistema legal: não se trata apenas de um agregado de
normas, mas de um sistema caracterizado pelo fato fundamental de que nem no Estado, nem no regime (nem na
sociedade) existe um poder legibus solutus, isto é, que se possa declarar acima do sistema jurídico ou isento das
obrigações que ele estabelece. Em um sistema legal democrático  ou seja, em um Rechtsstaatdemocrático ou um
Estado democrático de direito  todos os Poderes estão sujeitos à autoridade legal dos outros Poderes108. Um sistema
legal desse tipo "encerra", [no sentido de fechar  N. T.], quer dizer, ninguém pode estar acima ou além de suas
normas109.

Chegamos agora a uma outra conclusão. Na seção anterior, assinalei que a democracia política inclui duas
características específicas não encontradas em nenhum outro regime: eleições competitivas e institucionalizadas e uma
aposta includente e universalista. Acabamos de ver que ainda é preciso acrescentar duas outras características: a
primeira é que, como conseqüência lógica da definição de regime democrático, há um sistema legal que decreta e
respalda os direitos e liberdades associados a esse regime; a segunda é o "fechamento" do sistema legal que faz com
que nenhuma pessoa, papel ou instituição possa julgar-se de legibus solutus110. A diferença está em que as duas
primeiras características dizem respeito ao regime, enquanto as duas últimas correspondem ao sistema legal do Estado.
E assim, mais uma vez, constatamos que focalizar a atenção exclusivamente no regime é insuficiente para uma
adequada caracterização da democracia. Essas conclusões podem ser resumidas na seguinte proposição:

XII. A democracia tem quatro características específicas que a diferenciam de todos os demais tipos de regime
político: (1) eleições competitivas e institucionalizadas; (2) uma aposta includente e universalista; (3) um
sistema legal que promulga e respalda, no mínimo, os direitos e liberdades incluídos na definição de um regime
democrático; e (4) um sistema legal que exclui a possibilidade de que uma pessoa, papel ou instituição
sejam de legibus solutus. As duas primeiras características dizem respeito ao regime e as duas últimas ao
Estado e ao seu sistema legal.
Um outro aspecto do sistema legal é sua efetividade (ou, na terminologia de alguns autores, sua validade), isto é, o
grau em que esse sistema de fato ordena as relações sociais. A efetividade de um sistema legal é uma função do seu
entrelaçamento. Em um plano, que se poderia chamar de vertical, suponha-se, por exemplo, um juiz que deve decidir
uma causa criminal; sua autoridade seria nula se não fosse acompanhada, em diferentes etapas do processo, pela ação
da polícia, dos promotores, dos advogados de defesa etc., e, eventualmente, dos tribunais superiores e do sistema
carcerário111. No plano horizontal, já aludi ao fato de que, em termos de relações internas ao regime e ao Estado, um
sistema legal democrático faz com que nenhum funcionário público possa fugir ao controle da legalidade e adequação
de suas ações, conforme definidas pelos órgãos juridicamente incumbidos de exercer esse controle. Em ambas as
dimensões, vertical e horizontal, o sistema legal supõe o que Linz e Stepan (1996:37) chamam de "Estado efetivo" e
que, nos meus termos, não é apenas uma questão de legislação, mas também de toda uma vasta e complexa rede de
instituições estatais que atuam no sentido de assegurar a efetividade do sistema. Conforme veremos, a fragilidade
desse tipo de Estado é uma das características mais perturbadoras e desconcertantes de muitas das novas
democracias.

UM RÁPIDO EXAME DO CONTEXTO SOCIAL GERAL

Uma vez examinado o sistema legal, passamos à questão da liberdade de informação. Comentei anteriormente que
esse direito não é nem positivo nem negativo; é um dado social, uma característica do contexto social geral, que
independe da vontade de cada indivíduo. A liberdade de informação é um aspecto geralmente benéfico da sociedade,
um bem público indivisível, que não se pode excluir e não tem equivalentes 112.

Como demonstra a enorme atenção que lhe dedicam a teoria e a prática jurídicas, a liberdade de informação e seus
cognatos, liberdade de opinião e de expressão, abrangem praticamente todos os espaços sociais, estendendo-se muito
além do regime113. Para ser razoavelmente efetiva, essa liberdade pressupõe duas coisas: de um lado, um contexto
social geral pluralista e tolerante; de outro, um sistema legal que lhe dê sustentação. Se aceitarmos a idéia de que a
liberdade de informação é uma das liberdades necessárias e simultâneas a um regime democrático, estaremos
novamente não só ultrapassando o regime e entrando no terreno do Estado e de seu sistema jurídico como também
tratando de alguns aspectos do contexto social geral.

Estabelecidos esses nexos, defrontamo-nos com um outro problema de limites: é impossível decidir sobre onde e com
base em que critérios teóricos se poderia traçar uma linha divisória clara e firme entre os aspectos da liberdade de
informação que são relevantes para a democracia política e os que não o são. Por exemplo, em um determinado caso
seria permitido o amplo debate de questões da política, mas os temas poderiam estar definidos de modo muito estreito.
Em uma situação de censura à discussão pública de direitos de gênero ou diversidade sexual, ou no caso de se proibir o
acesso à mídia dos grupos que defendem a reforma agrária, seria muito difícil declarar que a liberdade de informação
existente permitiria qualificar o regime como democrático. Por outro lado, não faz muito tempo, essas restrições não
eram consideradas como problemáticas nos países originários. Como vimos ao tratar do problema dos limites de outras
liberdades, também no caso da informação há uma difícil questão comparativa: seria teórica e normativamente justo
aplicar às novas democracias os critérios que os países originários atualmente aplicam a si mesmos, ou deveríamos
admitir os critérios mais restritivos que eles adotavam décadas atrás, ou haveria outros critérios? Não posso resolver
esse problema neste artigo. Quero apenas deixar assinalado que com essa pergunta estou me referindo a um certo
grau, ou qualidade, de "democraticidade" do contexto social geral, e não só do regime ou do Estado. Mas me parece
pelo menos lícito afirmar que os países onde grupos e movimentos como os que menciono podem manifestar
livremente suas opiniões e têm acesso aos meios de comunicação de massa são mais democráticos do que aqueles
onde isso não acontece. Se essa observação faz sentido, devemos entender que a liberdade de informação é uma
característica do contexto social geral e não do regime ou do Estado.

Podemos adicionar agora mais duas proposições:

XIII. Nas definições realistas de democracia, as liberdades que acompanham as


eleições limpas são consideradas "políticas" em virtude de uma operação de adoção
e promoção de liberdades que originariamente foram direitos civis clássicos.
Embora essa operação seja útil para caracterizar um regime democrático, ela
acrescenta um complicador ao problema dos limites das liberdades e à sua
conseqüente indecidibilidade114.

XIV. As liberdades enumeradas por Dahl e com mais ou menos detalhes por outros
autores são de natureza distinta. Algumas são direitos positivos de participação em
eleições competitivas. Outras, como as de expressão e associação, geralmente são
vistas como negativas, embora sua efetividade envolva pelo menos um direito
positivo: o de acesso rápido e equânime aos tribunais de justiça. Por último, a
liberdade de informação e, por implicação desta, um contexto social pluralista e
tolerante, não é nem negativa nem positiva, mas um bem público que caracteriza o
contexto social geral e é em si mesma respaldada por um sistema (democrático)
legal.
DIGRESSÃO COMPARATIVA (4)

Analisei em seções anteriores as liberdades enumeradas em muitas definições da democracia e assinalei os problemas
de limites que todas elas apresentam. Isto requer um exame mais detalhado. Começo por trazer à baila situações que
hoje são raras nos países originários, mas freqüentes, se não generalizadas, em muitas das novas democracias. Nestas,
existem, por definição, eleições competitivas e institucionalizadas e também algumas liberdades políticas. Mas outras
liberdades e garantias, inclusive algumas que fazem parte do repertório clássico dos direitos civis estão ausentes. Estou
me referindo às situações em que as mulheres e minorias são discriminadas, ainda que a letra da lei o proíba; situações
em que operários e camponeses têm negado, de jure e de facto, o direito à sindicalização; em que a polícia e grupos
criminosos violam sistematicamente os direitos dos pobres e dos setores discriminados; em que o acesso à justiça é
prejudicado por preconceitos etc. 115. As pessoas podem até estar de posse dos direitos políticos descritos, mas seus
direitos civis estão muito lesados, quando não inteiramente inacessíveis. Todos são cidadãos políticos, mas sua
cidadania civil é, na melhor das hipóteses, mutilada ou intermitente. O fato, simples e rasteiro, mas suficientemente
importante para ser visto como algo mais que uma observação alheia à teoria, é que em muitas democracias, velhas e
novas, do Sul e do Leste, os que têm acesso a uma cidadania civil mutilada, formam uma grande proporção, se não a
maioria, da sua população.

Essa é uma diferença fundamental em relação aos países originários, onde, na maioria dos casos, os direitos de
cidadania civil foram adotados de maneira extensiva e detalhada antes que se aceitasse a aposta democrática, e onde,
mais tarde, outros direitos civis e sociais foram definidos. Essa diferença tem estreita relação com uma outra. Afirmei
que nos países originários o processo de formação do Estado e o surgimento do capitalismo tinham se completado com
sucesso  em geral, e com exceções cuja importância empalidece quando comparadas com a história de muitas das
novas democracias  antes que a aposta democrática fosse adotada. Nesses países, o êxito da formação do Estado e
da expansão do capitalismo fez prevalecer em todo o território do Estado um sistema jurídico baseado no conceito
de agency individual. Em muitas democracias do Leste e do Sul (quanto mais nos países que não podem ser
considerados democracias), em contrapartida, muitos desses processos homogeneizadores não se verificaram. A
geografia desses países é muito mais marcada por regiões, algumas bem vastas, em que o sistema legal sancionado
pelo Estado quase não tem uma efetiva presença. E isso não acontece apenas nas áreas rurais; também nas periferias
de muitas cidades e, no caso de certos setores discriminados, em todas as regiões, a legalidade estatal também é
pouco efetiva116. Parte do problema está em que essas "zonas pardas" têm crescido, em vez de diminuir, nos últimos
vinte anos, muitas vezes já sob regimes democráticos. Outra maneira de pensar esse problema é considerar a maneira
muito desigual como o capitalismo se expandiu nesses países. Ali prevalece uma mescla bastante complexa de relações
entre capital-trabalho, principalmente, enormes e crescentes mercados informais, que são não só focos de profunda
miséria como também de relações protocapitalistas, e até servis117.

Deve-se também levar em conta que muitas dessas pessoas vivem em condições de tamanha pobreza que toda sua
preocupação converge para a mera sobrevivência; elas não têm oportunidades, nem recursos materiais, nem educação,
tempo ou mesmo energia para muito mais do que isso. Essas carências manifestam uma pobreza material, ao passo
que as anteriores se referem a uma pobreza legal. Pobrezas material e legal fazem parte da situação real de grandes
parcelas (em alguns países da maioria) da população de novas e velhas democracias, no Leste e no Sul.

Uma pergunta importante que se deve fazer é se esses fatos são relevantes para uma teoria da democracia, ao menos
para aquela que pretende incluir casos em que predominam as condições que acabo de descrever. Alguns
observadores, especialmente nos países atingidos por esses problemas, afirmam que isso deixa claro que a
"democracia" não passa de um disfarce para enormes desigualdades  e esta é uma das origens da proliferação dos
adjetivos e qualificativos compilados por Collier e Levitsky (1997). Para aqueles que, como eu, acreditam que a
despeito de suas limitações o regime democrático é uma conquista valiosa, essas opiniões são inquietantes. Mais
preocupante ainda é ver que em muitos países governos democraticamente eleitos têm sido incapazes de melhorar
uma situação moralmente tão repugnante e chegam mesmo, às vezes, a piorá-la. Por outro lado, alguns observadores
respondem com um peremptório "não" à pergunta sobre a relevância dessa situação: chegam a lamentá-la, mas
pensam que uma teoria da democracia tem a ver com um regime, e um regime consiste de comportamentos e
instituições cuja análise, a não ser que se admita uma grave perda de parcimônia, deve isolar cuidadosamente
variáveis legais, sociais e econômicas. Em todo caso, é melhor deixar que essas condições sejam tratadas pelas
profissões específicas, e pelos ideólogos e moralistas de toda sorte.

O nexo estreito que estabeleci entre direitos políticos, civis e sociais, assim como seu fundamento comum nos conceitos
de agency e de tratamento equitativo que esta demanda, mostram que a posição desses autores é insustentável. Penso
que a teoria democrática deve enfrentar de maneira decidida duas questões: uma é a simples e trágica situação das
centenas de milhões de pessoas cujo desenvolvimento físico e emocional é "atrofiado" (esta é a expressão sintética
usada pela literatura pertinente) pela desnutrição e pelas doenças típicas da extrema pobreza 118. Outra questão é viver
sob o constante temor da violência, tema sobre o qual Shklar (1989) escreveu com tanta eloqüência e que atormenta a
vida de muitas pessoas nesses países, principalmente os que moram nas "zonas pardas" e/ou pertencem a grupos
discriminados. Salvo no caso de indivíduos realmente excepcionais, ambos os problemas, o da miséria e o do constante
temor da violência, impedem a existência ou o exercício de aspectos básicos da agency, inclusive a disponibilidade de
opções mínimas compatíveis com ela; essa "vida de escolhas forçadas" é intrinsecamente contrária à agency (Raz,
1986:123).

Essas questões são ignoradas pela maioria das teorias da democracia 119. Mas, na medida em que a democracia
implica a agency e esta não tem sentido algum sem um grau mínimo de opções não forçadas, não vejo como se possa
ignorar esses problemas. Vimos que não há fundamentos lógicos, legais ou históricos para separar aagency política
da agency civil e social. O fato de que, de modo geral, a miséria extrema e generalizada e o constante temor não são
problemas sérios nos países originários, não é uma boa razão para ignorá-los nas novas democracias. Uma questão
fundamental a ser examinada nessas novas democracias  talvez a mais importante do ponto de vista que adotei  é
até que ponto e em que condições os pobres e os discriminados podem recorrer às liberdades políticas de um regime
democrático como plataforma de proteção e fonte de poder nas lutas pela ampliação dos direitos civis e sociais120.
ALGUMAS PROPOSIÇÕES FINAIS

Fizemos uma longa e complexa incursão no campo da teoria democrática, embora preliminar em vários aspectos. Como
deixei muitos tópicos para analisar em futuros textos e, principalmente, como a ampliação do âmbito da teoria
democrática que estou propondo contradiz boa parte das opiniões predominantes, que preferem limitar a abrangência
dessa teoria ao regime, pode ser útil resumir em algumas proposições o terreno percorrido.

XV. Aceitando o uso corrente, a existência de um regime democrático basta para


(por metonímia) qualificar um país como "democrático", ainda que nele existam
sérias deficiências quanto à efetividade dos direitos civis e sociais.

XVI. A existência desse regime requer um Estado que delimita territorialmente


quem são seus cidadãos políticos, isto é, os portadores dos direitos e obrigações
instituídos pelo regime. Exige também a existência de um sistema legal que, a
despeito de suas deficiências em outros aspectos, garanta a vigência universalista e
includente dos direitos positivos de votar e ser votado, assim como de algumas
liberdades "políticas" básicas incluídas na definição de um regime democrático.

XVII. Contudo, a natureza em última instância indecidível desses direitos e


liberdades significa que, mesmo no âmbito do regime, salvo casos claramente
localizados nos pólos de plena vigência e de negação desses direitos e liberdades,
surgirão disputas quanto ao caráter democrático ou não democrático do regime.

XVIII. Ainda no âmbito do regime, um alto grau de vigência desses direitos e


liberdades, junto com medidas que aumentam a participação dos cidadãos e a
transparência e responsabilidade pública dos governos, justificam avaliações sobre
os vários graus ou tipos de democratização política dos países que incluem esses
regimes, em diferentes épocas e casos.

XIX. Mais além do regime, várias características do Estado (especialmente seu


sistema legal) e do contexto social geral, justificam avaliações sobre os vários
graus de democratização civil e social de cada país, em diferentes épocas e casos.

XX. A concepção do ser humano como agente liga indissoluvelmente as esferas


precedentes e vincula logicamente sua pertinência à teoria democrática, sobretudo
na medida em que essa concepção é tecida pelo sistema legal nos múltiplos
espaços sociais, inclusive no regime.

INDICAÇÕES PARA FUTURAS PESQUISAS

Há um tema sobre o qual apenas me referi brevemente, porque é amplo e importante demais para ser discutido neste
artigo. Gostaria, porém, como fiz com outros tópicos, de deixar algumas indicações para futuras pesquisas. É que,
assim como observei em relação a outros assuntos, e por razões equivalentes, a questão das opções que realmente
habilitam a agency é indecidível. Onde e em base a que critérios podemos traçar uma linha a partir da qual seria
possível afirmar que a agency tem condições reais e efetivas de existir para cada indivíduo? Podemos
estabelecer  embora, mais uma vez, apenas por indução  condições de tamanha privação que deixem pouca
margem de dúvida quanto à negação da agency. Porém, essa determinação é puramente negativa; ela não nos diz em
que ponto ou linha as opções de agency podem ser consideradas satisfeitas. Ademais, e assim como vimos com
diversos direitos e liberdades, os critérios relevantes passaram por importantes mudanças na história tanto dos países
originários quanto dos novos. É ainda mais difícil definir critérios que possam ser aplicados a países que contam com
menos recursos que os pioneiros.

Em síntese, as várias dimensões da democracia inevitavelmente extravasam para todos os aspectos em que
aagency está em jogo. Isto pode causar problemas para uma mentalidade geométrica; creio, porém, que confere à
democracia sua dinâmica peculiar e sua abertura histórica. A condição indecidível das liberdades políticas, a sempre
possível extensão ou retração dos direitos sociais e civis e, no fundo, subjacente a todas as questões anteriores, a das
opções que habilitam a agency, constituem o campo no qual se realiza a competição política na democracia, e assim
deverá continuar. É verdade que muitas regras que regulam essa competição são determinadas pelo regime, mas
também é certo que as lutas pela expansão e limitação de direitos, assim como para decidir se deve haver, e em que
níveis, políticas destinadas a habilitar a agency dos indivíduos, são travadas dentro do regime e, ao mesmo tempo,
além dele. Nesse sentido, um fato que mencionei de passagem no início deste texto adquire especial relevância: a
atribuição universalista de liberdades políticas e a aposta includente geram pelo menos um embrião de esfera pública.
Essa esfera, que tem nexos diversos (entre países e entre épocas) com as várias órbitas de luta social e política, pode
ser usada como base para deliberações, debates, pressões e protestos que alimentam essas lutas. É claro que o que se
demanda, como e em que áreas, varia caso a caso; mas a atribuição universalista de liberdades políticas e a aposta
includente geram possibilidades de habilitação de que todos os outros tipos de regime político são deficientes.

CODA

Examinei neste artigo várias dimensões contidas ou conseqüentes às definições de democracia política (ou poliarquia,
ou regime democrático), especialmente as de índole realista, com as quais em geral concordo, mas achei necessário
precisá-las. Ao propor uma definição realista e restritiva de regime democrático, examinei as implicações lógicas e
algumas conseqüências empíricas de seus atributos e componentes, e assinalei alguns aspectos que extravasam, com
limites indecidíveis, para questões mais amplas. Analisei esses aspectos, primeiro, em relação ao regime e depois,
embora de modo sumário, a certas questões morais; posteriormente, relacionei-os ao Estado (com atenção especial ao
sistema jurídico que o integra) e, por fim, a algumas características do contexto social geral. Durante essas
explorações, descobrimos um aspecto comum a tudo isso: a agency.

Conforme adverti na Introdução, essas conexões são aqui apresentadas apenas para sinalizar tópicos a serem
explorados em futuros trabalhos. Contudo, tomando como ponto de partida o terreno relativamente firme que espero
ter atingido com uma definição realista e restritiva de regime democrático, essas sinalizações talvez apontem para
caminhos pelos quais se poderia expandir uma teoria da democracia. Creio que uma expansão se faz necessária tanto
para a teoria democrática tout court como para orientar a enorme agenda de pesquisas ainda pendentes no estudo
comparativo da democracia.

Entretanto, talvez possa sintetizar boa parte de minha argumentação lembrando que o ponto a que chegamos uma
definição realista e restritiva de regime democrático  se aplica por metonímia a países inteiros. Isso nos sugere a
importância do regime e de sua definição, e também nos indica que vários importantes caminhos ainda estão por
trilhar.

(Recebido para publicação em dezembro de 1999)

NOTAS:

*
Versões anteriores deste artigo foram apresentadas em seminários realizados na University of North Carolina, na
Cornell University, no Wissenschaftszentrum de Berlim, na reunião de agosto de 1999 da American Political Science
Association ¾ APSA, em Atlanta, e no Helen Kellogg Institute, da University of Notre Dame, ocasiões em que recebi
valiosos comentários. Agradeço também as críticas e os comentários de Michael Brie, Jorgen Elklit, Robert Fishman,
Ernesto Garzón Valdés, Jonathan Hartlyn, Osvaldo Iazzetta, Gabriela Ippolito-O’Donnell, Iván Jaksic, Oscar Landi, Hans-
Joachim Lauth, Steven Levitsky, Juan Linz, Scott Mainwaring, Juan M. Abal Medina, Martha Merritt, Peter Moody,
Gerardo Munck, Luis Pásara, Adam Przeworski, Héctor Schamis, Sidney Tarrow, Charles Tilly, Ashutosh Varshney e
Ruth Zimmerling.

*1
Ver na oitava e décima seções, e principalmente na nota 62, o significado de agency e, por conseguinte, o uso
particular do termo "agente" que o autor adota neste artigo. Não encontrei em português uma palavra ou expressão
que desse conta simultaneamente da presunção de autonomia, responsabilidade e razoabilidade atribuída aos cidadãos
pelo sistema legal no regime democrático, que é sintetizada pelo autor na palavraagency. [N. T.]

1. Essas críticas estão em O’Donnell (1994b; 1995).

2. Neste texto, publicado pela primeira vez no Brasil em 1988, incluo muitas opiniões sobre a
"consolidação democrática" que depois concluí estarem equivocadas.

3. O projeto foi coordenado por mim e por Abraham Lowenthal. Seu principal produto foram
artigos publicados em 1994 (Castañeda, Conaghan, Dahl, Karl e Mainwaring) em uma série
especial do Kellogg Institute, onde podem ser solicitados.

4. Esse projeto foi coordenado por mim e por Víctor Tokman, e seus resultados foram publicados
em Tokman e O’Donnell (1998).

5. Esse projeto foi coordenado pelos co-autores do livro. Entre outros estudos patrocinados pelo
Kellogg Institute nos quais tive menor participação, mas de que muito me beneficiei, estão: um
que analisou a situação depois da democratização do Estado de Bem-Estar e das políticas sociais
na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai e outro que examinou a situação atual da infância,
especialmente da infância pobre, na América Latina. Esses projetos também deverão ser
publicados em livro proximamente. Ver, respectivamente, Ippolito-O’Donnell (no prelo) e Bartell e
O’Donnell (no prelo).

6. Dentre os trabalhos realizados com essa perspectiva e que focalizam no todo ou em parte a
América Latina, destacam-se as excelentes contribuições de Collier e Collier (1991) e
Rueschemeyer et alii (1992). Mas ainda resta muito por fazer, tanto em relação à América Latina
quanto para compará-la com outras regiões do mundo.

7. Ver O’Donnell (1993; 1994b; 1996a; 1996b); os três primeiros estão reunidos em O’Donnell
(1999a).

8. Sartori (1995) também criticou esse modo de proceder; no entanto, nossas opiniões sobre
como enfocar os problemas são muito diferentes.

9. Munck (1998) contém uma excelente discussão desse tema.

10. Para uma proveitosa discussão desses procedimentos, ver novamente Collier e Levitsky
(1997).

11. Hart discute definições do direito, mas o que ele diz pode muito bem ser aplicado ao conceito
de democracia.

12. Adoto a expressão "países originários" como uma forma sintética de me referir aos primeiros
países que se democratizaram no quadrante Noroeste do mundo, mais a Austrália e a Nova
Zelândia.

13. Importantes reflexões sobre as armadilhas da parcimônia precoce ou injustificada encontram-


se em King, Keohane e Verba (1994:20 e passim).

14. Uma exceção é Nun (1987), o qual, depois de chamar a atenção para essa omissão por parte
da literatura (que Held, 1987, também notou), critica Schumpeter por alegar  sem nenhuma
consistência, conforme veremos a seguir  que sua definição é minimalista.

15. Há uma formulação semelhante na página 285.

16. Com este termo, alguns autores se referem a definições que pretendem focalizar
exclusivamente o "processo" de eleições. Como esse significado equivale ao de "minimalismo",
daqui por diante adotarei apenas o último termo ao mencionar esse tipo de definição.

17. Mais recentemente, Przeworski (1998) propôs uma outra caracterização da democracia em um
texto que, a despeito do título (Minimalist Conception of Democracy: A Defense), se afasta do
minimalismo confesso de outras definições aqui transcritas.

18. Com o segundo atributo, esses autores introduzem um novo elemento, que faz referência ao
Estado e não mais apenas ao regime. Mas não precisamos nos deter nisso, neste momento.

19. Mais adiante defino o que entendo por eleições limpas.

20. Ver, por exemplo, a definição de Barber (1984:151): "Uma democracia forte, do tipo
participativo, resolve conflitos, na ausência de um terreno independente, mediante um processo
participativo de contínua e direta legislação e de criação de uma comunidade política que seja
capaz de transformar indivíduos privados e dependentes em cidadãos livres, e interesses privados
e parciais em bens públicos". Ver, também, a definição de Beetham (1993:61): "A essência da
definição de democracia está no controle popular do processo decisório coletivo por cidadãos
iguais". Ou, ainda, a de Shapiro (1996:224): "Os democratas estão comprometidos [com o
princípio] do governo pelo povo [...]. O povo é soberano; em todas as questões da vida coletiva,
[o povo] governa a si mesmo."

21. Essa definição, como outras de natureza prescritiva, omite a referência pelo menos explícita às
eleições. O mesmo vale para algumas definições não prescritivas baseadas na teoria da escolha
racional, como a de Weingast (1997), centrada nas limitações impostas aos governantes e nas
garantias dos governados. Considerando-se que, seja qual for a avaliação normativa das eleições
que cada um dos autores faz, elas são parte integrante das democracias reais, a omissão
prejudica seriamente a utilidade de tais definições.

22. Ver Habermas (1996:296): "o elemento central do processo democrático são os
procedimentos da política deliberativa." Na página 107, Habermas acrescenta: "As únicas normas
de ação válidas [entre as quais estão as ‘que estabelecem um procedimento legítimo para a
elaboração das leis’  p. 110] são aquelas com as quais todas as pessoas por elas
afetadaspoderiam concordar como partícipes de discursos racionais" (ênfases minhas). Niklas
Luhmann (1998:164) contrapõe-se a esta e a outras definições similares com argumentos que
considero decisivos: "Cada conceito dessa definição é explicado minuciosamente, exceto a palavra
‘poderiam’, com a qual Habermas disfarça o problema. Trata-se de um conceito modal que, além
do mais, está formulado no subjuntivo. Desde Kant, sabe-se que em casos desse tipo a afirmação
deve ser especificada, determinando-se suas condições de possibilidade. Mas nada disso é feito
[...]. Quem determina, e como, o que poderia gerar um acordo racional?" (ênfases no original).
Recentemente, John Rawls propôs uma definição da lei legítima, e por conseqüência, da
democracia, que também é prejudicada pela proposição de condições hipotéticas ideais, sem que
fiquem determinadas as condições de possibilidade ou as implicações da ausência dessas
condições. "Assim, quando se trata de uma questão constitucional essencial ou de um assunto de
justiça básica, todas as autoridades governamentais pertinentes agem de acordo com a razão
pública, e quando todos os cidadãos sensatos pensam em si mesmos, idealmente, como
legisladores se atêm à razão pública, o ato legal que expressa a opinião da maioria é uma lei
legítima." (Rawls, 1997:770) Para comentários prudentes sobre várias teorias "deliberativas" da
democracia, ver Maiz (1996), Johnson (1998) e Fearon (1998). Para evitar mal-entendidos,
gostaria de acrescentar desde logo que, a meu ver, a deliberação, o diálogo e o debate têm um
importante lugar na política democrática e que, em princípio, quanto mais deles houver, melhor
será a democracia. Mas isso não quer dizer que uma esfera pública hipotética e idealizada deva se
tornar um componente da definição ou um requisito para a democracia.

23. Entre as várias definições um tanto diferentes que Dahl formulou, escolhi a que se encontra
em Dahl (1989:120). A poliarquia consiste das seguintes características: "(1) funcionários eleitos.
O controle sobre as decisões governamentais de políticas públicas é constitucionalmente exercido
por funcionários eleitos; (2) eleições livres e limpas; (3) os funcionários eleitos são escolhidos [e
removidos de seus cargos por procedimentos pacíficos  p. 233] mediante eleições freqüentes e
isentas, nas quais a coerção é comparativamente rara; (4) praticamente todos os adultos têm
odireito de concorrer a cargos públicos; (5) liberdade de expressão; (6) existência de informação
alternativa, [inclusive] de fontes alternativas de informação, protegidas pela lei; (7) autonomia
deassociação. Para concretizar seus vários direitos, inclusive os acima relacionados, os cidadãos
também têm o direito de formar associações ou organizações relativamente independentes, entre
elas partidos políticos independentes e grupos de interesse."

24. Reformulando um pouco as palavras de Dahl, denomino-as de liberdade de expressão,


liberdade de (acesso à) informação alternativa e liberdade de associação.

25. O que estou dizendo é que, no momento do escrutínio, cada voto deve ser computado como
um voto (ou, no caso de um sistema de eleições plurais, na mesma quantidade de todos os
demais). Com isso, deixo de levar em consideração o complicado problema  não tenho nem
espaço nem conhecimentos para resolvê-lo aqui  das regras de agregação de votos, que fazem
com que votos de determinados distritos na realidade pesem mais, às vezes significativamente
mais, do que os de outros lugares (em relação à América Latina e à super-representação de
alguns distritos em certos países, ver Mainwaring, 1999; Samuels e Snyder, 1998). É claro que, a
partir de certo grau, a super-representação pode se tornar tão acentuada que elimine toda
aparência de votação igualitária, como acontecia em certos parlamentos medievais, nos quais o
voto era computado por estamentos, qualquer que fosse o número de seus representantes e
representados.

26. É preciso estabelecer uma outra condição, embora se trate de uma precondição estrutural das
eleições competitivas mais do que de um de seus atributos. Refiro-me à existência de um domínio
territorial incontestado que define univocamente o eleitorado. Como vários autores discutiram
esse tema recentemente (Linz e Stepan, 1996:16-37; Offe, 1991; Przeworski et alii, 1996;
Schmitter, 1994), não o abordarei aqui.

27. Note-se que, assim como nos mercados, poucas eleições são perfeitamente competitivas;
podem haver importantes restrições factuais, digamos assim, devido a profundas diferenças entre
partidos no acesso aos recursos econômicos, ou então barreiras elevadas à formação de partidos
que, não fosse por isso, dariam provas de significativas clivagens sociais. Essa advertência aponta,
no entanto, para a questão dos diferentes graus de democratização do regime, um tema que não
posso abordar neste artigo. Para uma boa discussão desse e de outros assuntos relacionados, ver
Elklit e Svensson (1997).

28. São exceções a discussão da "irreversibilidade ex post" das eleições democráticas em


Przeworski et alii (1996:51), e a análise de Linz (1998) sobre a democracia como um governo pro
tempore. Mas esses autores tratam apenas de alguns aspectos do que eu denomino de "caráter
decisivo" das eleições (ver O’Donnell, 1996a, onde se pode encontrar uma discussão mais
desenvolvida do tema). Em uma conversa pessoal (junho de 1999), Przeworski me fez ver que o
uso que faço do termo "decisivo" poderia ser confundido com o significado que a palavra assumiu
na literatura sobre a teoria da escolha social (ou seja, um procedimento que gera uma única
decisão em um conjunto de alternativas disponíveis). Com esta nota, espero ter dissipado essa
possível confusão.

29. É óbvio que essa possibilidade não é ignorada nos estudos regionais ou por países. O fato de
não ter tido suficiente repercussão na teoria democrática diz muito, a meu ver, sobre a tenacidade
com que pressupostos implícitos (nem sempre corretos) sobre os países originários ainda
sobrevivem nas versões contemporâneas dessa teoria.

30. Sobre o caso do Chile, ver Garretón (1987; 1989) e Valenzuela (1992).

31. Sobre definições em geral, ver Copi e Cohen (1998).

32. O’Donnell (1994a; 1996a) desenvolve essa argumentação.

33. A probabilidade de tal continuidade não significa que após N eleições desse tipo, a democracia
esteja consolidada (como alega, por exemplo, Huntington, 1991), ou que outros aspectos do
regime (como os que se supõe existentes nos países originários) estejam institucionalizados ou
em processo de institucionalização. Análises desses temas podem ser encontradas em O’Donnell
(1996a; 1996b), bem como na réplica de Gunther, Diamandouros e Puhle (1996).

34. Como afirmam Przeworski (1991:26) e Linz e Stepan (1996:5). A bem dizer, esses autores
não estão falando de eleições, mas da democracia como "the only game in town" [o único jogo
existente], mas neste momento não preciso discutir essa sutileza.

35. Mesmo que os agentes prevejam que as eleições em t1 serão competitivas, se acharem que
existe uma boa probabilidade de as eleições em t2 não serem competitivas, tenderão a usar esse
tipo de recurso extra-eleitoral já em t1, por uma regressão bem analisada nos estudos sobre o
"dilema do prisioneiro" com número fixo de interações.

36. Advirto que essa definição está incompleta: trata exclusivamente dos padrões de acesso a
posições superiores no governo, e nada diz sobre as modalidades de exercício da autoridade ligada
aos cargos. Mazzuca (1998) argumenta convincentemente sobre a conveniência de fazer essa
distinção  que vem desde Aristóteles. Mas, neste artigo, faço apenas uma discussão muito
genérica das modalidades de exercício da autoridade, tema que pretendo desenvolver em um
futuro trabalho.

37. Uma boa imagem talvez seja a de uma cadeia de montanhas interligadas, de diferentes
alturas, com um único caminho que leva até o cume. O mapa dessas montanhas é o das
organizações que compõem o aparelho de Estado, todas interligadas mas relativamente
independentes entre si. O que caracteriza a democracia política é que, com as exceções já
apontadas, apenas funcionários eleitos ocupam as montanhas mais altas, de onde exercem uma
autoridade legalmente definida sobre o resto da configuração.

38. Embora, como observado na nota 50, até que ponto esses atributos de fato vigoram seja uma
questão de verificação empírica.

39. A razão pela qual emprego este termo entre aspas ficará clara mais adiante.

40. Esse problema deu origem a uma enorme produção de textos por parte dos teóricos do direito.
Adiante voltarei a tratar de certos aspectos dessa literatura e de seu desafortunado rompimento
com a maior parte da sociologia e da ciência política.
41. As classificações de países em função dos atributos que venho examinando (como os da
Freedom House), embora sejam operacionalizações bastante grosseiras dos conceitos subjacentes,
estão muito difundidas. Contudo, essas classificações não escapam do problema dos limites
externos e internos que assinalo neste texto. Além disso, outros atores adotam critérios
diferentes. Por exemplo, os governos dos países originários costumam aplicar critérios muito
indulgentes (basicamente, a realização de eleições nacionais, sem a preocupação de averiguar se
há competitividade) para conferir a outros países o título de "democráticos", sobretudo quando
mantêm relações amistosas com os governos destes últimos. Outros atores, ao contrário, exigem
o respeito efetivo e generalizado a uma série de direitos humanos, independentemente de sua
influência mais ou menos direta sobre as eleições competitivas (ver, por exemplo, Méndez, 1999 e
Pinheiro, 1999).

42. Holmes e Sunstein (1999:104), por exemplo, afirmam que "o que a liberdade de palavra
significa para a jurisprudência americana contemporânea não é o que significava há cinqüenta ou
cem anos atrás." Esses autores acrescentam que "os direitos estão permanentemente se
ampliando e se restringindo." (ibidem)

43. Embora tratando de outro assunto (os conceitos de igualdade), Amartya Sen (1993:33-34)
afirma com toda a razão: "Se uma idéia básica contém uma ambigüidade essencial, a formulação
exata dessa idéia deve procurar captar a ambigüidade em vez de escondê-la ou eliminá-la."
(ênfase no original)

44. Alguns casos se situam, porém, em uma zona de sombra entre esses dois pólos. No entanto,
dado o caráter indecidível das liberdades políticas (e dos diferentes graus de competitividade de
cada eleição, tema que como já afirmei não posso discutir neste artigo), não vejo como evitar
esse problema. Mas uma melhor elucidação da definição de regime democrático poderia minimizar
a dificuldade ou, pelo menos, esclarecer em cada caso quais são seus aspectos problemáticos.

45. Por exemplo, em sua definição de "democracia liberal", Diamond (1999:11) inclui, além dos
costumeiros atributos postulados pelas definições realistas, outras características, como a
responsabilidade pública horizontal [horizontal accountability], a igualdade perante a lei e um
Poder Judiciário independente e não discriminador. Não tenho dúvidas de que esses aspectos são
altamente desejáveis, mas também creio que, em vez de transformá-los em componentes da
definição de democracia, seria mais proveitoso estudar até que ponto essas e outras
características estão presentes ou não no conjunto de casos gerados pela definição realista e
restritiva que proponho. Esse procedimento facilitaria o estudo, ao longo do tempo e entre os
diversos casos, das diferenças e mudanças produzidas nas características que Diamond postula,
entre outros.

46. As conclusões de Klingeman e Hofferbert (1998:23) sobre sua pesquisa a respeito dos países
pós-comunistas também se aplica a outras regiões: "Não foi em busca de comida que o povo saiu
às ruas em 1989 e 1991 na Europa Central e Oriental, mas de liberdade." Baseado em outro
estudo que analisou um grande número de entrevistas, Welzel e Inglehart (1999) concluem que
as "aspirações à liberdade" são essenciais para a maioria dos cidadãos nas novas democracias.

47. Sobre esse tema ver Rose e Mishler (1996).

48. Klingeman (1998) mostra dados a respeito do apoio à democracia "como uma forma de
governo", com base em entrevistas realizadas nas antigas e muitas das novas democracias. As
médias regionais obtidas por esse autor são as seguintes: Europa Ocidental, 90%; Europa
Oriental, 81%; Ásia, 82%; África, 86%; Américas do Norte e Central, 84%; América do Sul, 86%
e Austrália/Oceania, 83%.

49. Embora nos últimos tempos o valor da democracia tenha subido no mercado mundial das
ideologias políticas, suas conotações normativas positivas também se evidenciaram na maneira
como os regimes comunistas se autodenominavam de "democracias populares", no esplêndido
oximoro que o Chile de Pinochet inventou para designar seu regime ("democracia autoritária"), e
nas aberrações adotadas por muitos líderes autoritários, no passado e no presente, para convocar
algum tipo de eleição, esperando com isso legitimar seus governos.

50. Por extensão entendem-se "os diversos objetos aos quais se pode aplicar corretamente um
termo; sua denotação" (Copi e Cohen 1998:690).
51. Estou formulando uma razão de ordem epistemológica para o caráter indecidível dessa
matéria. Há outras razões concorrentes que não tenho como discutir neste momento.

52. Esta afirmação exige ressalvas em termos das legislações civil e social que visam beneficiar
setores desfavorecidos. Voltarei a este tema mais adiante.

53. Veremos, porém, que nos países originários esse risco foi atenuado por diversos arranjos
institucionais.

54. Em alguns países esses egos que fazem objeções podem ser uma multidão, embora estejam
todos legalmente obrigados a aceitar a aposta. Em uma pesquisa que realizei na área
metropolitana de São Paulo, entre dezembro de 1991 e janeiro de 1992, espantosos 79% dos
entrevistados responderam "Não" à pergunta: "Os brasileiros sabem votar?" Essa porcentagem
subiu para 84% entre os entrevistados de nível de instrução secundária ou superior. (No contexto,
estava claro para os entrevistados que a pergunta não se referia à mecânica da votação, mas à
maneira como avaliavam as escolhas dos demais eleitores entre candidatos e partidos
concorrentes.)

55. Ernesto Garzón Valdés (durante conversa realizada em Bonn, em maio de 1999) me fez ver
que, nesse ponto, toco em dois tipos de institucionalização que não são exatamente equivalentes.
Um deles, o das eleições competitivas, apesar de respaldado pelas regras jurídicas (inclusive
constitucionais) que as sancionam, depende em sua efetividade das expectativas subjetivas dos
atores relevantes. No entanto, como deixa claro o exemplo brasileiro exposto na nota anterior, a
institucionalização da aposta depende diretamente dessas regras e é relativamente independente
das opiniões dos indivíduos concretos, até mesmo da maioria deles.

56. Embora a aceitação em geral desses direitos contribua para seu prolongamento no tempo e,
presumivelmente, para sua ampliação. Mas isso é irrelevante neste ponto de minha
argumentação.

57. Mas é um ponto de partida sólido. Deixo para trabalhos posteriores a discussão da justificativa
normativa da democracia.

58. O que, por seu turno, implica a existência de um domínio territorial inconteste que define o
eleitorado de modo unívoco. Já observei que vários autores discutiram com propriedade esse tema
(Linz e Stepan, 1996:16-37; Offe, 1991; Przeworski et alii, 1996; Schmitter, 1994).

59. Apesar de freqüentes declarações em contrário, os Estados Unidos não são uma exceção a
esse respeito, nem mesmo quanto ao sufrágio universal masculino. A existência precoce do
sufrágio em âmbito nacional revelou-se puramente nominal devido às rigorosas restrições
impostas aos negros e índios, especialmente no sul do país. Por isso, alguns autores, a meu ver
convincentemente, remontam à Segunda Guerra Mundial ou à década de 60, na esteira do
movimento dos direitos civis, a conquista da democracia política includente (ver Hill, 1994;
Bensel, 1990; Griffin, 1996, assim como o livro pioneiro de Key, 1949).

60. Sobre essas resistências, ver Hirschman (1991), Hermet (1983) e Rosanvallon (1992). Como
afirmou um político inglês contrário à Lei de Reforma de 1867, "como sou liberal [...] considero
que uma proposta [...] destinada a transferir o poder que está nas mãos da propriedade e da
inteligência para as mãos de homens cuja vida é necessariamente devotada à luta cotidiana pela
subsistência é um dos maiores perigos" (Lowe apud Hirschman, 1991:94).

61. A esse respeito, ver, principalmente, Goldstein (1983).

62. Considero particularmente úteis algumas obras que prestam atenção expressa aos nexos entre
as questões morais e filosóficas implicadas no conceito de agency, de um lado, e nas teorias
jurídica e política, de outro, como Raz (1986; 1994), Gewirth (1978; 1996) e Dagger (1997). Mas
na forma ampla em que defini o termo neste artigo, muitos autores que se orientam por diversas
perspectivas teóricas, compartilham essa visão de agency (ou autonomia). Ver Benn (1975-76);
Crittenden (1992); Dahl (1989); Dworkin (1988); Fitzmaurice (1993); Garzón Valdés (1993);
Habermas (1990; 1996); Held (1987); Kuflik (1994); Rawls (1971; 1993); Taylor (1985) e,
evidentemente, Weber (1968). É interessante notar que, partindo de perspectivas próprias, as
psicologias evolutivas de Piaget (1932; 1965) concordam com essa visão; ver, também, Gruber e
Vonèche (1977), Reis (1984) e Kohlberg (1981; 1984), entre outros. Ver ainda a interessante
análise deste último autor e de outros psicólogos evolutivos em Habermas (1996:116-194). Por
outro lado, não são poucas as teorias da personalidade que, apesar de importantes diferenças e
da diversidade de suas terminologias, também destacam o conceito e o desenvolvimento
da agency como elemento fundamental de suas respectivas concepções (ver Hall, Lindzey e
Campbell, 1998).

63. Como disse Dahl (1989:108): "O ônus da prova [da falta de autonomia] sempre recairá na
reivindicação de uma exceção, e nenhuma exceção pode ser moral ou juridicamente admissível na
ausência de uma evidência muito contundente."

64. Daqui por diante, usarei o termo agency para indicar a presunção e/ou
atribuição dependendo do contexto  de autonomia, responsabilidade e razoabilidade ao
indivíduo.

65. Os historiadores do direito concordam que nos países regidos pelo direito civil a teoria do
contrato baseada na vontade alcançou decisiva influência nos séculos XVI e XVII, mas há
divergências quanto ao que aconteceu nos países que seguem o direito consuetudinário.
Hamburguer (1989:257), que em uma ampla resenha sobre esse tema defende a tese de que nos
últimos países essa influência já era forte no século XVII, transcreve uma passagem de um livro
escrito em 1603 pelo jurista inglês William Fulbecke, que resume muito bem essa teoria: "A
principal base dos contratos é o consentimento, de modo que as pessoas que os celebram devem
ser capazes de dar seu consentimento [...] o consentimento nasce do conhecimento e da livre
vontade de um indivíduo, diretamente de seu entendimento suficiente [...]".

66. A influência das idéias científicas de Bacon, Galileu, Descartes e, principalmente, Newton sobre
essas concepções nesse período mereceria muito mais do que a referência de passagem que posso
fazer aqui. Após chamar a atenção para a revolução copernicana contra o aristotelismo que os
novos métodos analíticos e experimentais representaram, Von Wright (1993:177) comenta que,
em conseqüência, "a Natureza é objeto, o homem é sujeito e agente (ênfases no original). Sobre
esse tema, Cassirer (1951) e Gay (1966a; 1966b) ainda são fontes indispensáveis. Para uma
análise que coincide com a minha no que se refere à importância política das idéias de agency no
Iluminismo, ver Galston (1995).

67. Sobre essas influências ver, especialmente, Gordley (1991) e Lieberman (1998).

68. Para uma discussão dessas concepções organicistas relativamente à América Latina, ver
Stepan (1978).

69. Como disse Santo Tomás de Aquino: "Dado que a parte guarda com o todo a mesma relação
que o imperfeito tem com o perfeito, e dado que cada homem é uma parte dessa totalidade
perfeita que é a comunidade, segue-se que a lei deve ter como objeto apropriado o bem-estar do
conjunto da comunidade [...]. Em sentido estrito, a lei tem como objeto primeiro e principal o
ordenamento do bem comum." (apud Kelly, 1992:136)

70. Referindo-se à concepção de Hobbes (e de Spinoza) sobre os direitos subjetivos, Kriegel


(1995:38-39) afirma com acerto: "Essa definição, que vincula direitos aos indivíduos e à
sualibertas, rompe de maneira decisiva com o aristotelismo e o antigo direito natural, que
concebia os direitos e a lei como relações de eqüidade dentro de uma sociedade política natural,
ou como uma expressão legalizada da mais justa distribuição segundo a ordem das coisas.
Hobbes, ao contrário, pensa os direitos como atributos de um indivíduo, uma manifestação de
suas potencialidades no estado de natureza. Em lugar de uma teoria realista e objetivista do
direito, estamos diante de uma visão subjetivista e naturalista" (ênfases no original).

71. Como escreveu Weber (1968:852): "O interesse político na unificação do sistema legal
desempenhou um papel dominante [na adoção e expansão do direito racional-formal]." Ver,
também, Bendix (1964); Dyson (1980); Poggi (1978); Spruyt (1994); e Tilly (1975; 1985; 1990).

72. Nessa época, o princípio de cuius regio eius religio, que desencadeara as guerras religiosas, foi
substituído pelo princípio de "um só Estado, um só código legal" (Van Caenegem, 1992:125).

73. Mas apenas entre os países do quadrante Noroeste do mundo, e mesmo aí, com a importante
exceção da escravidão no sul dos Estados Unidos. Posteriormente, em outras regiões, a formação
do Estado e a expansão do capitalismo tiveram, em geral, características e conseqüências menos
benéficas.

74. Este é um outro tema importante do Iluminismo que foi transposto para as leis por influência
de Bentham, Montesquieu, Voltaire e, principalmente, Beccaria.

75. Tilly (1997:87) comenta que no início do período moderno "o trabalho assalariado deslocou os
sistemas de aprendizagem, escravidão e trabalho doméstico agregado sob os quais todos haviam
trabalhado até então" (ver, também, Habermas, 1996; Rosanvallon, 1992; Steinfeld, 1991; Tilly,
1990; e Tomlins, 1993).

76. Janowski (1998:200) escreve que: "[Nos séculos XVII e XVIII] os direitos universais à
propriedade eram protegidos pelos tribunais bem antes dos direitos sociais e políticos." Note-se
que as origens da moderna legislação sobre a propriedade remontam ao direito romano, no qual a
propriedade era definida como exclusiva e transferível. Orth (1998) mostra que a relação histórica
entre trabalho e leis de propriedade e contrato nos países de direito consuetudinário era mais
complexa do que descrevi aqui; mas esses complicadores não desmerecem o fato de que as novas
relações de trabalho, entendidas como derivadas do direito de propriedade ou do de contrato,
foram concebidas como resultado da livre vontade dos indivíduos.

77. Como assinalam Alford e Friedland (1986:240), "o aparecimento do Estado foi
progressivamente constituindo o indivíduo como um sujeito jurídico abstrato, portador de direitos
específicos independentemente da estrutura social e responsável por seus atos." Acrescento que
isso também foi produto da expansão paralela do capitalismo. Rosanvallon (1992) concorda com
essa idéia: "A história do aparecimento do indivíduo pode ser entendida como uma parte da
história dos direitos civis [...] (:107) [antes da Revolução Francesa] a noção de autonomia
[individual] [...] já fora formulada no direito civil." (:111)

78. "Portanto, a conseqüência da liberdade contratual é, em primeiro lugar, a criação de


oportunidades de usar esses recursos, pelo uso inteligente, sem restrições legais, da propriedade
no mercado, como meio de obter poder sobre outros. Assim, as partes interessadas em obter
poder no mercado também estão interessadas nessa ordem legal [...] a coerção é exercida em
grau considerável pelos proprietários privados dos meios de produção e aquisição, cuja
propriedade é garantida pela lei [...]. No mercado de trabalho, deixa-se ao ‘livre’ critério das
partes aceitar as condições impostas pelos que são economicamente mais fortes graças à garantia
legal de sua propriedade." O autor dessas frases é Weber (1968:730-731), não Marx.

79. Essa generalização omite importantes variações entre países, mas que não são essenciais para
minha análise. Na vasta bibliografia sobre essa tema, ver Esping-Andersen (1985; 1990);
Przeworski (1985); Przeworski e Sprague (1988); Rothstein (1998); Rueschemeyer et alii(1992);
e Offe e Preuss (1991).

80. Além disso, foram iniciados vigorosos esforços educacionais para assegurar que esses setores
sociais se tornassem "verdadeiramente confiáveis". Isso teve a longo prazo importantes efeitos
democratizadores. Mas para um estudo sobre o caráter defensivo dos primeiros esforços
realizados na França (os quais, pelo que sei, não foram muito diferentes dos que se
desencadearam nos países originários), ver Rosanvallon (1992). Nesse sentido, não deixa de ser
significativa a grande atenção que Condorcet, Locke, Rousseau, Adam Smith e outros ilustres
membros do Iluminismo prestaram à educação como instrumento fundamental de habilitação do
indivíduo à condição de agency na esfera política.

81. Marshall (1964:18) comenta que: "A história dos direitos civis em seu período de formação é a
da progressiva adição de novos direitos a um status que já existia e que era considerado
pertinente a todos os membros adultos da comunidade." Foram estes: "os direitos indispensáveis
à liberdade individual  liberdade da pessoa, liberdade de palavra, de pensamento e de religião, o
direito à propriedade e o de celebrar contratos válidos, e o direito à justiça" (idem:10-11).

82. Como escreve Tilly (1994:7) a respeito da França: "Com a Revolução, praticamente, todo o
povo francês obteve acesso aos tribunais. Durante o século XIX, os direitos [...] foram ampliados,
junto com as obrigações de freqüentar a escola, prestar serviço militar, responder aos censos,
pagar impostos individuais e cumprir outros deveres já então comuns aos cidadãos." Mais cedo ou
mais tarde, isso também foi atoado em outros países originários. As análises neo-
institucionalistas, como as de North (1991) e North e Weingast (1989), prestaram muita atenção a
essa juridificação das esferas civil e econômica.
83. De acordo com Marshall (1964:71-72), os direitos civis incluem "a liberdade da pessoa,
liberdade de palavra, de pensamento e de religião, o direito à propriedade e o de celebrar
contratos válidos, e o direito à justiça."

84. Referindo-se a esses direitos, Habermas (1996:28) observa que "desde Hobbes, o protótipo da
lei em geral são as normas do direito privado burguês, que se baseia na liberdade de celebrar
contratos e de adquirir propriedades."

85. Rehg (1996:xxi-xxii) escreveu o seguinte comentário: "Na tradição do contrato social que vem
de Thomas Hobbes [...] a constituição jurídica da sociedade baseada nos direitos individuais
parecia ser uma extensão plausível das relações contratuais que regiam a economia burguesa. As
instituições econômicas do contrato e da propriedade já implicavam uma concepção da pessoa
jurídica como livre e igual, e, portanto, possuidora de direitos iguais." Fazendo um comentário a
Weber, Kronman (1983:144) acrescenta: "Tanto o conceito de trabalho livre quanto a idéia de
contrato voluntário e consensual se baseiam no mesmo entendimento do que significa ser uma
pessoa jurídica, um ser dotado do poder de criar direitos e de adquirir propriedades. Ambos
pressupõem que a personalidade jurídica do indivíduo, seu status como portador e criador de
direitos, depende inteiramente da posse de uma faculdade que pode ser indistintamente descrita
como a capacidade de agir tendo em vista os fins para a auto-regulação voluntária, para agir de
acordo com regras."

86. Não posso tratar neste texto de outros aspectos power-enabling das Constituições. Sobre isto,
ver Hardin (1989); Holmes (1995); Bellamy (1996); Habermas (1996); e Preuss (1996b).

87. Estou mais uma vez expondo de modo sumário uma história muito complicada. O livro de
Alexander (no prelo) e o de Gould (1999) tratam com detalhes valiosos dos diversos padrões e
ritmos desses processos na Europa Ocidental.

88. Para uma discussão desses processos institucionais, ver Manin (1995).

89. Jones (1994:88) formula claramente essa idéia: "A autoridade política é autoridade sobre e
em benefício de indivíduos investidos de direitos."

90. Analisei essa questão em vários textos, especialmente em O’Donnell (1998a; 1988).

91. Análises coincidentes encontram-se em Brubaker (1992) e Preuss (1996b).

92. Uma exceção é Habermas (1986; 1988; 1996), embora, como já observei, eu tenha
discordâncias quanto à sua abordagem geral. Outros trabalhos que realçam a estreita relação
entre os fatores jurídicos e políticos são os de Bobbio (1989; 1990); Garzón Valdés (1993); Linz
(1998); Preuss (1986); e Sartori (1987). Certamente não é por acaso que tanto esses autores
quanto eu mesmo nos tenhamos formado na tradição jurídica e política européia, em que jamais
existiu a profunda divisão entre teoria do direito e teoria política que deu origem, especialmente
nos Estados Unidos, à "revolução behaviorista" das décadas de 50 e 60.

93. Daqui por diante, quando falo em "opções" me refiro à capacidade efetiva de fazer escolhas e
à gama de opções de que cada indivíduo realmente dispõe. Neste artigo, minha análise desse
tema tão complexo é rudimentar, mas confio que seja suficiente para destacar a parte da história
jurídica que me interessa. Para uma cuidadosa análise das opções e sua conexão necessária com a
idéia de agency, ver Raz (1986).

94. Tal como enuncia a seção 138 do Código Civil Alemão.

95. Esta foi outra longa e complexa evolução, que variou significativamente nos países originários,
principalmente no seu timing (ver Atiyah, 1979; Van Caenegem, 1992; e Trebilcock, 1993). A
análise pioneira foi feita, mais uma vez, por Weber (1968). Vale notar que, acompanhando e
apoiando essa evolução, a concepção individualista da teoria consensual do contrato (e de outros
direitos em geral) foi revista no sentido de uma visão mais relacional dos direitos (ver Dagger,
1997:21 e passim).

96. Ver as referências bibliográficas da nota 79. Talvez eu deva esclarecer que essa bibliografia
nos leva a deduzir que a motivação inicial de algumas políticas sociais foi a de agir
preventivamente contra questionamentos populares ou a de obter benefícios setoriais estreitos.
Mas essas leis não teriam sido formuladas se não respondessem a intensos, generalizados e bem
documentados sentimentos contra a injustiça representada pelas profundas desigualdades e riscos
a que estavam expostas as pessoas durante sua vida profissional e nos locais de trabalho.
Aludindo à introdução de leis sociais "pelo alto", Bismarck disse: "Se não tivesse existido a social-
democracia e se tantas pessoas não a tivessem temido, não teríamos realizado sequer os
modestos progressos que agora estamos alcançando no campo das reformas sociais"
(apudGoldstein, 1983:346).

97. Por exemplo, a atual ofensiva neoconservadora visa exatamente anular essas políticas
parcialmente igualizantes. Na maioria dos países da América Latina atingidos por graves crises
econômicas e caracterizados pela fragilidade dos seus sistemas jurídico e de proteção social, as
conseqüências dessa ofensiva têm sido particularmente devastadoras. Para uma análise desse
tema e de outros assuntos pertinentes, tendo em vista o caso do Brasil e do cone sul da América
Latina, ver Ippolito-O’Donnell (no prelo).

98. Weber (1968) denominou esses processos de "materialização da lei" por introduzirem no
direito racional-formal regras e critérios não universalistas de justiça substantiva. Recentemente,
as críticas da "contaminação jurídica" (Teubner, 1986; Preuss, 1986) produzida por esses
processos legais se espalharam, à esquerda e à direita. Trata-se de uma literatura bem conhecida
que não é fundamental para minha análise. Ressalto, porém, que essas críticas negligenciam
seriamente os avanços na igualdade obtidos em muitos aspectos por esses processos. O
argumento contrafactual que deveria moderar essas críticas é a situação muito mais desfavorável
dos países nos quais as políticas sociais foram adotadas ou postas em prática apenas
parcialmente.

99. Essa concepção foi memoravelmente inscrita na Declaração Universal dos Direitos Humanos da
Revolução Francesa e na Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Posteriormente, a
partir da Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 1948, e na seqüência de
numerosas convenções e declarações internacionais, foi incorporada ao direito internacional,
criando uma espécie de ius gentium que a maioria dos governos, pelo menos nominalmente,
respeita.

100. O’Donnell (1993) apresenta as inumeráveis discussões geradas por essa disjunção, no Leste
e no Sul, entre o pays réel e o pays légal. Esse é outro processo histórico extremamente complexo
ao qual só posso fazer aqui uma rápida referência. Os antropólogos do direito estudaram as
fascinantes ambigüidades que nos países coloniais e semicoloniais cercaram a adoção dos
sistemas jurídicos europeus e sua inter-relação com as ordens legais preexistentes (sobre o caso
do Egito, por exemplo, ver Brown, 1995). Ao que eu saiba, no entanto, ainda há muito o que
estudar sobre esse tema. Um livro de Jaksic (no prelo) a respeito de Andrés Bello e de sua grande
influência na adoção e adaptação de várias correntes da legislação européia em vários países da
América Latina no século XVII também é relevante.

101. Argumentos nesse sentido podem ser encontrados em DaMatta (1987); Fox (1994a; 1994b);
Neves (1994; no prelo); Schaffer (1998); e O’Donnell (1993; 1996a; 1999c).

102. Nesse texto analiso a fragilidade do componente liberal dessas democracias assim como do
que chamo de sua dimensão republicana.

103. Flathman (1972) contém um argumento na mesma linha.

104. Nesse ponto, não nos deve surpreender que em sua cuidadosa resenha de muitas definições
de democracia Collier e Levitsky (1997:443) concluam que: "Há divergências sobre que atributos
são necessários para viabilizar a definição [de democracia]."

105. Discuto esse tema em O’Donnell (1993; 1999c).

106. Para uma visão coincidente, ver Bobbio (1989:47).

107. Para uma análise mais detalhada, ver O’Donnell (1999b).

108. É isso que alguns teóricos alemães denominaram de "indisponibilidade" do sistema legal para
os governantes (ver, esp., Preuss, 1996a; e Habermas, 1986; 1988). Trato desse aspecto sob a
rubrica de horizontal accountability [responsabilidade pública horizontal] em O’Donnell (1999b).
Essa característica está intimamente ligada às salvaguardas dos direitos e liberdades que já
comentei antes, caso contrário, haveria poderes essencialmente incontroláveis que poderiam
anular de modo unilateral esses direitos e liberdades. Esse tema deu origem a interessantes
ramificações que não posso seguir aqui; por outro lado, estou deixando de lado o fato, não
diretamente pertinente para minha análise, de que em certos países esse "rounding up"
[enclaustramento] do sistema legal foi realizado por oligarquias democráticas não includentes.

109. Sobre esse tema, consulte os seguintes autores, cujas perspectivas, apesar de diversas,
convergem nesse aspecto: Alchourrón e Bulygin (1971); Fuller (1981); Habermas (1996); Hart
(1961); Ingram (1985); e Kelsen (1945). Ver, também, O’Donnell (1999c) para um
desenvolvimento de minhas idéias.

110. Em todos os outros regimes políticos há sempre alguém (um ditador, um rei, um partido de
vanguarda, uma junta militar, uma teocracia etc.) que, por decisão unilateral, pode anular ou
suspender qualquer norma legal existente, inclusive as que regulam seus papéis.

111. Para voltar a uma comparação contrastante, os capítulos escritos por Chevigny (sobre a
polícia), Brody (sobre o sistema carcerário) e Garro e Correa Sutil (ambos sobre o acesso aos
tribunais) mostram de maneira conclusiva que na América Latina esse entrelaçamento é
seguidamente interrompido e, portanto, a lei perde eficácia (ver, também, Domingo, 1999).

112. Ver Raz (1986; 1994) para uma excelente análise dessa liberdade como bem público que
caracteriza o contexto social geral.

113. Na verdade, a definição de Dahl (nota 24) fala da liberdade de acesso à informação; mas,
para que haja livre acesso, é preciso que também haja livre produção da informação. Como afirma
o próprio Dahl (1989:221), "existem formas alternativas de informação que são protegidas pela
lei."

114. Volto a lembrar, porém, que isso não invalida a utilidade de enumerar as liberdades políticas.

115. Para uma análise minuciosa e desoladora desses e outros problemas semelhantes na América
Latina contemporânea, ver Méndez, O’Donnell e Pinheiro (1999).

116. Refiro-me à legalidade efetiva do Estado porque essas "zonas pardas" (como as denomino
em O’Donnell, 1993) constituem um sistema de dominação de base territorial em que outros
sistemas legais, de tipo mafioso, coexistem de maneira complexa com a legalidade estatal.
Algumas dessas regiões, nas quais os funcionários do governo raramente ousam entrar, podem
alcançar 70 mil quilômetros quadrados, como no Brasil (segundo informa uma reportagem da
revista Veja, de 1997, a respeito de uma área do Estado de Pernambuco, conhecida pelo
significativo nome de "Polígono da Maconha"). Discussões mais aprofundadas desse tema podem
ser encontradas em Holston (1991); Pásara (1998); e O’Donnell (1993). Méndez, O’Donnell e
Pinheiro (1999) incluem detalhes. Em diversos trabalhos, Touraine (esp. 1988) insistiu nessas
características da América Latina.

117. Calcula-se que em 1995, 55,7% da população urbana economicamente ativa estava ocupada
no mercado informal; e essa porcentagem tem aumentado progressivamente  era de 40,2% em
1980, passou a 47% em 1985 e aumentou para 52,1% em 1990 (Thorp, 1998:221). Referindo-se
a um período anterior, 1950-1980, Portes (1994:121) comenta que "ao contrário do que se
passou nos países avançados, o trabalho por conta própria não diminuiu com a industrialização,
mas permaneceu constante durante esse período de trinta anos." Ver, também, Portes e
Schauffler (1993); Portes, Castells e Benton (1989); Rakowski (1994); Roberts (1994); e Tokman
(1992; 1994) sobre o mercado informal na América Latina. No início da década de 90, 46% da
população da América Latina vivia em estado de pobreza (195 milhões de pessoas ao todo) e
aproximadamente a metade destes em condições de indigência, entendida como a falta de
recursos para a ingestão alimentar mínima necessária. Além do mais, em 1990, o número de
pobres na América Latina havia aumentado em 76 milhões relativamente a 1970 (dados extraídos
de O’Donnell, 1998b; para maiores detalhes ver Altimir (1998).

118. Veja os dados e a excelente análise de Dasgupta (1993), cuja conclusão é a de que a
pobreza extrema afeta inclusive a capacidade para trabalhar: "Costuma-se dizer que quando uma
pessoa carece de bens materiais, ela possui um bem inalienável, sua força de trabalho. Mostrei a
importante verdade de que isto é falso. [...] A conversão da força de trabalho potencial em força
efetiva de trabalho pode ser feita quando a pessoa dispõe de meios para isso, de outro modo não.
A nutrição e os cuidados com a saúde estão entre esses meios." (ênfase no original) Ver a esse
respeito os importantes trabalhos de Sen (esp. 1992; 1993). Para dados e análises sobre a
América Latina, ver Borón (1995), e de uma perspectiva médico-biológica, ver A. O’Donnell (no
prelo). Sobre um país relativamente rico, a Argentina, mas que padece desses males, ver
Stillwaggon (1998). Um estudo antropológico que descreve em detalhes as conseqüências
devastadoras, tanto físicas quanto psicológicas, da extrema pobreza em uma cidade brasileira é o
de Scheper-Hughes (1992).

119. Isso não é verdadeiro para todas as correntes da teoria da democracia. Porém, pelo que
conheço, as obras que levam em conta essa situação não vão muito além de uma retórica de
denúncia, muitas vezes acompanhada pela negação pura e simples da "democraticidade" do
regime.

120. O’Donnell (1998b) contém algumas especulações sobre esse tema. A abundante, variada e
desigual literatura sobre movimentos sociais estimulada pelas transições do regime autoritário
contém rica informação sobre esse assunto. Não conheço, porém, estudos que tenham focalizado
especificamente a questão que estou aqui propondo.

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ABSTRACT
Democratic Theory and Comparative Politics
The present article is a revision of democratic theory from the perspective of its inadequacies to account for the new -
and not so new -, democracies located outside the Northwestern quadrant of the world. It begins by examining various
definitions of democracy, especially those that claiming to be Schumpeterian, are deemed to be minimalist, or
processualist; and proposes a realistic and restricted, but not minimalist definition of a democratic regime. The
connections of this topic with several others are then explored, including political, social, and welfare rights; the state,
mainly in its legal dimension; and some features of the overall social context. The main grounding factor that results
from these explorations is the conception of agency, as it is expressed in the legal system of existing democracies,
although widely variable across cases.
Key words: democratic theory; comparative politics; political theory; democracy

RÉSUMÉ
Théorie de la Démocratie et Politique Comparée
Dans cet article on examine la théorie de la démocratie en soulignant son insuffisance à expliquer les jeunes
démocraties ainsi que les moins jeunes apparues dans la région nord-ouest du monde. Tout d’abord, on procède à
l’analyse critique de plusieurs définitions de démocratie, surtout celles qui, censées suivre les idées de Shumpeter, sont
considérées comme minimales ou processuelles, et propose une définition réaliste et plus succinte, mais non pas
minimale, du régime démocratique. Ensuite, on examine les connexions de ce thème avec d’autres, comme les droits
politiques, civils et sociaux, ou encore l’État dans sa dimension légale et certaines caractéristiques du grand contexte
social. De cette analyse se détache la notion d’agency, car on la trouve surtout exprimée, sous diverses variantes ce
pendant, dans le système juridique des démocraties actuelles.
Mots-clé: théorie de la démocratie; politique comparée; théorie politique; démocratie

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