Professional Documents
Culture Documents
Reforma ENBA Lúcio Costa
Reforma ENBA Lúcio Costa
945
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. Sua origem se remete ao movimento modernista e à
introdução do pensamento urbanístico no Brasil e no plano internacional.
Embora parte da historiografia trate‐a como evento casual, vinculado apenas à adesão de
Lucio Costa ao ideário de Le Corbusier, a tese central da pesquisa é sua inserção no movimento
político, cultural e artístico da vanguarda intelectual, que via novas possibilidades e demandas na
sociedade que se urbanizava. Nessas circunstâncias, a educação tornava‐se uma causa, e a
construção de um “novo homem”, seu objeto.
Na efervescência da chamada Revolução de 1930, os debates que ocorrem na Associação
Brasileira de Educação (ABE) vão desencadear o Manifesto dos Pioneiros, as Reformas Estaduais
do Ensino e a criação do Ministério da Educação e da Saúde. Esses debates também repercutiram
entre os arquitetos em suas entidades representativas. Desde os anos 1920, grandes operações
imobiliárias e investimentos em infraestrutura urbana, no Rio de Janeiro e em São Paulo,
contribuíram para uma nova visão de cidade que perpassava diversos setores da sociedade e
campos da ciência.
É neste quadro que Lucio Costa assume a direção da ENBA e propõe a reforma que
desvinculava o ensino de Arquitetura das Belas Artes e incluía em seu currículo as disciplinas do
Urbanismo e do Paisagismo. O ensino de Arquitetura assumiria identidade própria, mais próxima
da problemática urbana e das novas técnicas da indústria da construção. Rejeitada nos embates
iniciais da ENBA, a Reforma seria implantada apenas em 1946, com a fundação da Faculdade
Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, atual UFRJ.
A pesquisa estudará a trajetória da Reforma e sua inserção no movimento político, cultural
e artístico do período. Conhecer os objetivos e princípios norteadores da reforma do ensino de
Arquitetura proposta por Lucio Costa é aproximar‐se do entendimento não apenas das lições da
Arquitetura Moderna sobre o conjunto da obra edificada e das intervenções urbanísticas, mas
também compreender a relação entre os instrumentos do trabalho didático do ensino superior,
seus procedimentos e resultados. O objetivo geral da pesquisa volta‐se, assim, para a análise e
compreensão do trabalho didático naqueles anos na Escola de Belas Artes e, na criação da
946
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
Faculdade Nacional de Arquitetura, a partir de uma visão histórica de sua proposição e efeitos
sobre o ensino da arquitetura e do urbanismo no Brasil.
Os limites temporais da pesquisa são alguns dos principais marcos do processo de
aceitação e consolidação do modernismo como estética oficial da arquitetura brasileira. Inicia‐se
com a apresentação da proposta de reforma, em 1931, e conclui‐se em 1946, com a criação da
Faculdade Nacional de Arquitetura.
Metodologia
A metodologia do trabalho de pesquisa é compreendida como a forma de conduzir o
trabalho de investigação, associado a um modo de ver o mundo, a uma doutrina, como define
Abbagnano, ou mais precisamente a uma epistemologia.
[...] não há doutrina que não possa ser considerada e chamada de Método, se
encarada como ordem ou procedimento de pesquisa. Portanto, a classificação dos
métodos filosóficos e científicos sem dúvida seria uma classificação das
respectivas doutrinas. (ABBAGNANO, 2000, p.668)
A opção por determinados procedimentos e técnicas de pesquisa decorrem da matriz
metodológica e de características que são particulares ao objeto e aos objetivos que se quer
alcançar. É assim que, a cada pesquisa, a metodologia deve ser problematizada, adequando‐se aos
fins da pesquisa, de modo a evitar “engessamentos” que, muitas das vezes, tornam a visão do
pesquisador demasiadamente distante do objeto, apoiando‐se em uma perspectiva que lhe é
exterior. Para Pierre Bourdieu, a definição da metodologia científica, se tratada como algo dado,
previsível e aplicável a todo objeto significaria a criação de uma ciência de todas as ciências e,
sobre esta hipótese, argúi:
Quais são os usos sociais da ciência? É possível fazer uma ciência da ciência, uma
ciência social da produção da ciência, capaz de descrever e de orientar os usos
sociais da ciência? Para ter condições de responder a essas questões, devo
começar por lembrar algumas noções, como condições para uma reflexão
combativa, e em particular a noção de campo, da qual evocarei rapidamente a
gênese.
Todas as produções culturais, a filosofia, a história, a ciência, a arte, a literatura
etc., são objetos de análises com pretensões científicas. Há uma história da
947
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
literatura, uma história da filosofia, uma história das ciências etc., e em todos
esses campos encontra‐se a mesma oposição, o mesmo antagonismo,
freqüentemente considerados como irredutíveis ‐ sendo o domínio da arte,
certamente, um dos lugares onde essa oposição é mais forte ‐ entre as
interpretações que podem ser chamadas internalistas ou internas e aquelas que
se podem chamar de externalistas ou externas. Grosso modo, há, de um lado, os
que sustentam que, para compreender a literatura ou a filosofia, basta ler os
textos. Para os defensores desse fetichismo do texto autonomizado que floresceu
na França com a semiologia e que refloresce hoje em todos os lugares do mundo
com o que se chama de pós‐modernismo, o texto é o alfa e o ômega e nada mais
há para ser conhecido, quer se trate de um texto filosófico, de um código jurídico
ou de um poema, a não ser a letra do texto. “Esquematizo um pouco, mas bem
pouco. (BOURDIEU, 2004, p.18)
A crítica de Pierre Bourdieu, ao definir a idéia de “Campo” como microcosmo
relativamente autônomo dirige‐se, principalmente, de um lado, à fenomenologia, e de outro ao
marxismo. Para ele o texto autonomizado, isto é, tratado como fonte única do conhecimento
sobre o objeto restringe a pesquisa a uma visão incompleta. A crítica se dirige, por outro lado, ao
marxismo, que seria,
[...] em oposição, uma outra tradição, freqüentemente representada por pessoas
que se filiam ao marxismo, quer relacionar o texto ao contexto e propõe‐se a
interpretar as obras colocando‐as em relação com o mundo social ou o mundo
econômico. Há toda sorte de exemplos dessa oposição, e remeto os interessados
ao meu livro Les regles de l'art (As regras da arte), no qual evoco de modo mais
preciso as diferentes correntes e referências bibliográficas de apoio. (BOURDIEU,
2004, p.19).
A noção de Campo Científico é uma criação de Bourdieu, para quem, todas as produções
culturais, em que se incluem a educação e a arquitetura, podem ser objetos de análise científica.
Segundo ele, há uma história da literatura, uma história da filosofia, uma história das ciências etc.,
e em todos esses campos encontra‐se o mesmo antagonismo entre as interpretações que podem
ser chamadas internalistas ou internas (em que se enquadraria a análise fenomenológica) e
aquelas que se podem chamar de externalistas ou externas (marxista). O Campo Científico trata
desse espaço que seria relativamente autônomo e dotado de leis próprias. Se ele é submetido a
leis sociais, como o macrocosmos em que se insere, não se poderia afirmar que essas leis seriam
as mesmas. Por outro lado, se jamais escapa às imposições do macrocosmo, ele disporia, com
948
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
relação a ele, de uma autonomia parcial mais ou menos acentuada. Esse grau de autonomia, e as
redes sociais formadas pelos diversos campos, em um determinado momento histórico, deveriam
ser avaliados, segundo o autor.
Por outro lado, para a pesquisa científica, a despeito da avaliação que se faça do grau de
autonomia de determinado campo do conhecimento, ao estudar, como em nosso caso, as
condições do ensino de arquitetura ou a própria arquitetura produzida em um determinado
período, torna‐se impossível dissociar a teoria ou a arte, produtos do pensamento, do espírito
humano, das condicionantes de seu tempo. A arquitetura é produção humana e, como tal, é “o
resultado da atividade de toda uma série de gerações”. Desse modo, não pode existir uma história
da arquitetura, ou um campo específico da arquitetura, que seja dissociado da história da
sociedade, que é enfim abrigo e produto de suas singularidades e universalidade. São as
condicionantes de seu tempo, a totalidade concreta de um período, que constitui o que
chamamos de História. Nessas condições, a compreensão de que há entrelaçamento entre Teoria
e História é fundamental para a compreensão do fenômeno arquitetônico, assim como das
intenções do ensino da arquitetura, isto é, da educação no enredamento entre Arte e Ciência.
Para Marx, a história não é uma compilação de fatos memoráveis que se sucedem ao longo
do tempo e determinam resultados sobre as gerações posteriores, mas,
[...] a sucessão de diferentes gerações cada uma das quais explora os materiais, os
capitais e as forças de produção a ela transmitidas pelas gerações anteriores; ou
seja, de um lado prossegue em condições completamente diferentes a atividade
precedente, enquanto, de outro lado, modifica as circunstâncias anteriores
através de uma atividade totalmente diversa. (MARX, 2007)
Ainda segundo Marx,
Os homens fazem sua história, quaisquer que sejam os rumos desta, na medida
em que cada um busca seus fins próprios, com a consciência e a vontade do que
fazem; e a história é, precisamente, o resultado dessas numerosas vontades
projetadas em direções diferentes e de sua múltipla influência sobre o mundo
exterior. (MARX, 2008)
Evidentemente, a ciência aplicada à História da Arte não pode prescindir da visão
totalizante do objeto, que deve incluir não apenas as condicionantes históricas de sua produção e
949
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
fruição, mas a observação do objeto em si. Todo pesquisador, em especial, o arquiteto, deve ter
uma curiosidade especial em relação ao espaço que o envolve. Entretanto, quando essa
curiosidade busca a totalidade do conhecimento sobre o objeto, deve‐se superar a simples
observação estática do edifício, ou do objeto em si, e ampliá‐la para os horizontes da relação
espaço‐tempo, que é indissolúvel.
O método empírico pode ser promovido a ciência, o método teórico a filosofia,
mas o procedimento que permite enquadrar os fenômenos artísticos no contexto
da civilização é a história da arte. Faz‐se história da arte não apenas porque se
pensa que se tenha de conservar e transmitir a memória dos fatos artísticos, mas
porque se julga que o único modo de objetivá‐los e explicá‐los seja o de
"historicizá‐los”. (ARGAN, 1998, p.14)
A rigor, a história da Arquitetura é a história da aventura humana que produz arte ao
construir seu habitat. É neste entrelaçamento entre a produção material e a representação
humana traduzida em arte, sobre as condições dadas à sua época, que reside a dimensão histórica
da arquitetura e sua transcendência ao longo do tempo para as gerações sucedentes.
mi mayor interés está principalmente concentrado en el propósito de mostrar sus
relaciones recíprocas con las actividades humanas y la semejanza de métodos que
se emplean hoy día, lo mismo en construcción, pintura, urbanística y la ciencia.
(GIEDION, 1978, p.V)
A análise da proposta de ensino para a formação do arquiteto envolve o conhecimento das
condições históricas do ensino da Arquitetura, seus antecedentes e demandas da sociedade
quanto à participação do arquiteto como agente cultural e econômico. Além disso, é preciso
identificar o movimento concreto da sociedade que, num dado período, uniu política, ciência,
educação, administração pública e arte. É nesse cenário que se pretende analisar a forma histórica
do ensino superior de Arquitetura e é a partir desta visão que iniciaremos a coleta de dados e a
análise do objeto.
950
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
O ensino de Arquitetura no Brasil
O ensino de Arquitetura foi introduzido no Brasil com a transferência da família real
portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, em fuga da iminente invasão do território português
pelas tropas napoleônicas. O crescimento da cidade e a necessidade de equipá‐la com os edifícios
demandados pelas novas funções públicas, econômicas e culturais fizeram com que D. João VI
trouxesse para o Brasil, em 1816, a chamada Missão Francesa. A Missão chefiada por Joachim
Lebreton era composta por artistas, pesquisadores e arquitetos, que fundaram, em 12 de agosto
daquele ano, a Academia Imperial de Belas Artes, à qual o curso de arquitetura se vinculava.
O conhecimento antes transmitido nos canteiros de obra ou excepcionalmente nas
academias militares passou a ser oferecido de modo regular sob o modelo da escola neoclássica
então dominante na Europa, que se baseava na retomada do racionalismo da cultura greco‐
romana, difundido pelo iluminismo.
O principal arquiteto da Missão, que se tornaria diretor da Academia Imperial, Grandjean
de Montigny, é autor do projeto do edifício que passaria a abrigá‐la a partir de 1926. O programa
didático dividia‐se em disciplinas do Ensino Teórico e do Ensino Prático. A primeira subdividia‐se
em: História da Arquitetura através de estudo dos antigos; Construção e Perspectiva; e
Estereotomia. O Ensino Prático continha aulas de Desenho, Cópia de Modelos e Estudo de
Dimensões; e Composição.
Pode‐se identificar que a relação entre ciência e arte é presente no ensino da arquitetura
neoclássica, que se volta exclusivamente para o objeto a ser projetado como composição, isto é,
combinando os elementos artísticos da arquitetura histórica, às necessidades funcionais do
projeto. A ciência ainda não se voltava para os aspectos tecnológicos da construção. Não há o
cálculo estrutural ou de instalações domiciliares, o conhecimento dessas disciplinas se dá pela
difusão do conhecimento empírico da técnica construtiva. Por outro lado, o ideal clássico da
definição matemática do belo, a partir das regras de proporção e harmonia, assim como a própria
representação da forma está contido no programa em disciplinas como Perspectiva e Estudo de
951
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
Dimensões.
O Urbanismo não estava contemplado no curso de Arquitetura, apesar de importantes
intervenções urbanísticas já houvessem ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, ainda no século
XVIII. São reflexos da Missão Francesa e da Academia de Belas Artes a consolidação de uma
cultura artística de caráter neoclássico e historicista que rompera com a tradição barroca e passou
a ser dominante na arquitetura brasileira. A Arquitetura Neoclássica, por sua forte presença ao
longo do século XIX no Brasil, é também denominada, por alguns autores, estilo Império.
O esgotamento do modelo historicista, que está na essência da escola neoclássica, gera
posteriormente o movimento denominado ecletismo ou “arquitetura de estilo”, predominante
nas construções brasileiras, como, de resto, em todo o mundo, até as primeiras décadas do século
XX. É a fase das construções “mouriscas”, “mediterrâneas”, dos “chalés suíços” e das igrejas
neogóticas. Ao arquiteto, eram encomendados projetos em “estilo” definido pelo cliente, a partir
de devaneios estéticos, como pastiches de épocas e regiões remotas, que em nada consideravam
o conjunto da cultura e da paisagem urbana em que se assentavam. No meio acadêmico, destaca‐
se o estilo “neocolonial”, que pretendia reviver as tradições construtivas e estéticas do Brasil
Colônia.
O Neocolonial não foi idéia original nossa, mas da maior parte do Continente, que
nas 2ª e 3ª décadas do século adotou uma espécie de Doutrina Monroe para a
arquitetura (e outras manifestações da arte) preconizando como que uma
independência da cultura, cada qual procurando reviver formas senão autóctones,
pelo menos caldeadas no Novo Mundo ao tempo da colonização (SANTOS, 1981,
p.89).
Este é, de maneira geral, o panorama da Arquitetura Brasileira e do ensino de Arquitetura
até o início dos anos 1930, quando Lucio Costa assume a direção da então Escola Nacional de
Belas Artes (ENBA) e propõe a reforma que até hoje é referência para o ensino de Arquitetura e
Urbanismo no Brasil. Sua origem se remete ao movimento modernista, à introdução do
pensamento urbanístico e à valorização da educação como política de Estado. Embora parte da
historiografia trate‐a como evento casual, vinculado apenas à adesão de Lucio Costa ao
modernismo e ao ideário de Le Corbusier, a tese central da pesquisa é a inserção da reforma no
952
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
movimento político, cultural e artístico da vanguarda da intelectualidade, que via novas
possibilidades e demandas na sociedade que se urbanizava.
Entre os educadores, os debates na Associação Brasileira de Educação – ABE, vão
desencadear o Manifesto de 1932, a tentativa de implantação de uma política Escolanovista para a
educação, Reformas Estaduais do Ensino e a criação do Ministério da Educação e da Saúde. Esses
debates também repercutiram entre os arquitetos em suas entidades representativas, como se
verifica em publicações e depoimentos de profissionais associados ao Instituto Brasileiro de
Arquitetos. Vale destacar que, desde os anos 1920, grandes operações imobiliárias e
investimentos em infraestrutura urbana, no Rio de Janeiro e em São Paulo, contribuíram para uma
nova visão de cidade que perpassava diversos setores da sociedade e campos da ciência.
A Reforma proposta por Lucio Costa, em sua breve passagem como diretor da Escola
Nacional de Belas Artes (ENBA), entre dezembro de 1930 e setembro de 1931, propunha a
inclusão das disciplinas de Urbanismo e Paisagismo, e a separação do ensino da Arquitetura das
demais Belas Artes, assumindo identidade própria, mais próxima do pensamento modernista, da
problemática urbana e das novas técnicas da indústria da construção. Rejeitada nos embates
iniciais da ENBA, a reforma seria implantada apenas em 1946, com a fundação da Faculdade
Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, atual UFRJ.
A reforma em seu contexto
Embora tenha havido um importante acréscimo na bibliografia sobre a Arquitetura no
Brasil nas últimas décadas, é ainda muito reduzida a literatura sobre o ensino de Arquitetura. A
maior parte das obras volta‐se principalmente para a produção arquitetônica em si, sem destacar
a formação do arquiteto que a produziu. A Reforma Lucio Costa é constantemente citada nos
textos da historiografia da Arquitetura ainda que seu conteúdo e desdobramentos sejam pouco
conhecidos. De um lado, a reforma é citada como um fenômeno de adesão ao movimento
moderno, que nasce das experiências de reconstrução da Europa após a Grande Guerra. De outro,
953
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
parece‐se desconhecer os movimentos internos do país, que visavam à superação da velha ordem
a partir de projetos de ensino público e de formação profissional voltados para a criação de um
novo homem, em novas bases culturais e territoriais, que colocam a educação e a urbanização no
centro dessas transformações.
Tanto no plano internacional, como no caso brasileiro, o modernismo era, sem dúvida, uma
causa. Mas deve‐se ampliar a visão sobre suas características mais visíveis, de que não se tratava
apenas de uma causa social. Mas também de uma causa estética. A nova arquitetura espelhava‐se
na máquina e pretendia que, como ela, a forma fosse determinada pela função, o ornamento era
suprimido e condenado. Na poética da máquina, forma, função e técnica construtiva buscavam
um grau de integração que não ocorria desde a construção do Partenon na acrópole ateniense.
Segundo Giulio Argan, o movimento moderno, como definição, reúne as seguintes tendências.
1) a deliberação de fazer uma arte em conformidade com a época e a renúncia à
invocação de modelos clássicos, tanto na temática como no estilo;
2) o desejo de diminuir a distância entre as artes "maiores" (arquitetura, pintura e
escultura) e as “aplicações" aos diversos campos da produção econômica
(construção civil corrente, decoração, vestuário etc.);
3) a busca de uma funcionalidade decorativa;
4) a aspiração a um estilo ou linguagem internacional ou européia;
5) o esforço em interpretar a espiritualidade que se dizia (com um pouco de
ingenuidade e um pouco de hipocrisia) inspirar e redimir o industrialismo.
Por isso, mesclam‐se nas correntes modernistas, muitas vezes de maneira
confusa, motivos materialistas e espiritualistas, técnico‐científicos e alegórico‐
poéticos, humanitários e sociais. (ARGAN, 1992, P. 185)
Diante desses cinco pontos citados por Giulio Argan como tendências modernistas,
evidencia‐se que, para Lucio Costa, “a deliberação de fazer uma arte em conformidade com a
época e a renúncia à invocação de modelos clássicos, tanto na temática como no estilo” (Argan
1992) é o aspecto mais visível de sua articulação com o movimento revolucionário de 1930. Em
entrevista realizada em 1931 sobre a situação do ensino na Escola Nacional de Belas Artes, quando
foi seu diretor, Lucio Costa descreve assim o programa da reforma que tentava implantar.
A reforma visará aparelhar a escola de um ensino técnico‐científico tanto quanto
possível perfeito, e orientar o ensino artístico no sentido de uma perfeita
harmonia com a construção.
954
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
Os clássicos serão estudados como disciplina; os estilos históricos como
orientação crítica e não para aplicação direta. Acho indispensável que os nossos
arquitetos deixem a escola conhecendo perfeitamente a nossa arquitetura da
época colonial ‐ não com o intuito da transposição ridícula de seus motivos, não
de mandar fazer falsos móveis de jacarandá ‐ os verdadeiros são lindos ‐, mas de
aprender as boas lições que ele nos dá de simplicidade, perfeita adaptação ao
meio e à função, e conseqüente beleza.” (COSTA, 1931, p, 89)
A adaptação ao meio e à função é uma das características mais presentes na obra
arquitetônica e urbanística de Lucio Costa, como também em seus textos teóricos e depoimentos.
Ao rigor das linhas do racionalismo europeu, acrescentava elementos construtivos e de
composição do espaço que respondiam às necessidades funcionais e de adequação ao clima
tropical, à cultura e à paisagem, como elementos formadores de uma linguagem nacional. À sua
obra edificada, somavam‐se os muxarabis e venezianas que aclimatavam a construção do Brasil
colonial; os jardins de Burle Marx; as peças da pintura, escultura e azulejaria de Portinari, Di
Cavalcanti e outros artistas. Sua visão ultrapassava a simples transposição das propostas da
vanguarda internacional, nasce da reflexão sobre as novas possibilidades que se abrem para o
ofício de projetar diante da realidade brasileira. A tendência de “aspiração a um estilo ou
linguagem internacional ou européia”, nas considerações de Argan, eram aqui traduzidas pelos
elementos culturais e climáticos, ou “antropofagizadas”, como diria Mario de Andrade.
O entrelaçamento da arquitetura moderna com outros setores da cultura brasileira torna‐
se claro e é visível o otimismo com que se identifica com as soluções que retirariam o país do
atraso. Entre os educadores, um de seus principais patronos é Anísio Teixeira:
Todos nós, que sonhamos um estado de entusiasmo para a grande aventura de
construir a nacionalidade, temos nesse movimento da arquitetura brasileira, uma
pequena amostra do que poderíamos ser, se um estado de esclarecimento e de fé
se criasse, como se criou entre esses engenheiros, em nossa agricultura, nossa
indústria, nosso comércio, nossa educação e nossos serviços públicos e sociais em
geral.
Que caracteriza, porém, a arquitetura brasileira para que estejamos a fazer
afirmação desse porte? Nada mais, e também nada menos, do que 1) uma
singular libertação de velhas formas mentais, 2) uma corajosa adaptação das
antigas e novas funções dos prédios aos recursos novos e novas técnicas da
construção; e 3) uma confiança lírica na capacidade do homem de resolver os
seus problemas. Mas que outros característicos deviam marcar a ação do homem
955
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
que, nestes meados tormentosos do século XX, se deparasse com um continente a
conquistar e todo um país a construir? Não será, assim, essa arquitetura como um
presságio das forças latentes do país? Não será ela um sintoma, um sinal
antecipado de que vamos despertar e, um dia, o espírito do arquiteto não
dominará apenas as construções ocasionais que lhes entrega o acidentalismo de
nossa vida pública e privada, mas todo o país e todas as suas atividades, lançadas
final da grande aventura criadora de um povo entregue à construção voluntária e
inteligente do seu destino?”[...]
Com estas palavras é que intentamos fazer a apresentação dos novos prédios
escolares que São Paulo edifica, acompanhando esse belo movimento da nova
arquitetura à brasileira. A direção técnica do plano de construções foi confiada à
figura de arquiteto e de artista que é Helio Duarte, em cujos projetos a fantasia
delicada e jovial se mistura com uma real severidade de propósitos e a técnica
mais escrupulosa.
Para julgar esses prédios, entretanto, é necessário que se levem em conta os dois
aspectos da arquitetura. Se, por um lado, é uma técnica a usar os conhecimentos
e recursos do seu tempo a respeito dos materiais e uma arte a praticar a coragem
de imaginação das novas formas, por outro lado obedece ao programa e aos
objetivos da consciência de educação a que estiver servindo.
Há, assim, possibilidade da construção de belos edifícios modernos para uma
educação obsoleta, e essa desproporção entre os ideais e as atitudes que
informam o estilo do prédio e os que inspiram os seus ocupantes torna a
arquitetura moderna, no país, por vezes, como já o insinuamos, um pungente e
doloroso espetáculo que, paradoxalmente tanto aflige aos que não a
compreendem por isto a odeiam, como aos que a sentem e amam. Este é o
resultado do desenvolvimento desarmonioso e contraditório do país, a crescer
dentro da camisa de força das suas, até agora irredutíveis, cristalizações residuais.
Somos, de certo modo, um fóssil a lutar por viver e crescer. E, por força, há de ser
grotesco o resultado! (TEIXEIRA, 1951. p.175)
Lucio Costa não foi de início um adepto do modernismo. Via com desconfiança o que
chamava de “absolutismo” e o aparente desprezo de seus teóricos por tudo que dizia respeito ao
passado. Entretanto, com espírito aberto fez, em viagem à Europa, o levantamento de algumas
realizações dos “estilos francamente modernos”, considerando o risco de tornarem‐se “moda
passageira” como o Art Nouveau e outras tentativas pré‐modernistas. Costa se preocupava com o
radicalismo e um certo distanciamento da realidade brasileira. Para Yves Bruand, Costa adere ao
modernismo a partir de uma conferência feita por Le Corbusier na Escola Nacional de Belas Artes:
Assim, para que reconsiderasse a questão, bastou aperceber‐se de que, apesar
das aparências em contrário, existia um denominador comum entre as idéias dos
mestres europeus e as suas; que eles propunham um programa construtivo
956
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
coerente, não desrespeitando tanto o passado, quanto pensava inicialmente. O
processo foi desencadeado por um acontecimento acidental: a primeira visita de
Le Corbusier ao Brasil e uma conferência por ele feita na Escola Nacional de Belas‐
Artes do Rio, em dezembro de 1925”.(BRUAND, 1981, p.122)
Embora se possa atribuir à influência de Le Corbusier a adesão de Lucio Costa ao
racionalismo da arquitetura modernista, a visão de Lucio Costa sobre essa arte e seu ensino
ultrapassa a simples transposição das propostas da vanguarda européias, de que o arquiteto
franco‐suiço é a estrela mais fulgurante. Nasce de sua reflexão sobre as novas possibilidades que
se abrem para o ofício de projetar diante da realidade brasileira: seus problemas, seus recursos e a
presença de uma vanguarda cultural modernista que se consolidava em outros campos das artes
plásticas, da música e da literatura. Neste sentido, o modernismo deixa de ser para ele apenas
uma decisão de estilo, isto é, uma concepção de cunho estritamente estético, tornando‐se aquilo
que Anatole Kopp define como uma causa.
Kopp analisa o pensamento modernista, como essencialmente firmado em propostas de
conteúdo social. Segundo o autor, esse ponto de vista fazia do Movimento Modernista uma causa,
e não um estilo. Entre os anos 1920 e 40, parte dos arquitetos buscava uma linguagem estética,
funcional e tecnológica de acordo com as condições determinadas pelo seu tempo para sua
atividade. Para outros, o ofício do arquiteto estava essencialmente ligado às questões sociais
ligadas à arquitetura e ao movimento da história do período. De certa forma, pode‐se considerar
que havia certo desprezo entre estes últimos, em relação aos primeiros, por seu
comprometimento com o mundo “burguês” e sua falta de compromisso com as transformações.
O que há em comum, à primeira vista, entre Bruno Taut, Hannes Meyer e Walter
Gropius na Alemanha; André Lurçat e Le Corbusier na França; Moiseï Guinzburg,
os irmãos Vesnine e Ivan Lonidov na URSS? Sem dúvida, todos eles surgiram na
cena da arquitetura na década de vinte, mas o mesmo pode ser dito de vários de
seus adversários. Assim, não são as datas que importam, mas a ideia que aqueles
que seriam os militantes e pioneiros da nova arquitetura faziam de seu papel
numa sociedade que acabava de assistir, assistia e assistiria ainda a profundas
transformações.
Entre a revolução industrial dos séculos XVIII e XIX e a revolução econômica, social
e política de outubro de 1917 na Rússia, o modo de produção havia mudado. O
que Le Corbusier chamara de “Sociedade Maquinista” estruturara uma categoria
957
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
social que a imensa maioria dos arquitetos se obstinava em ignorar, mas a qual a
vanguarda arquitetônica, considerava com razão como sua clientela potencial,
não enquanto indivíduos, mas enquanto grupo social ocupando um lugar preciso
na sociedade. Nas tomadas de posição desse grupo, através da expressão de suas
necessidades elementares e imediatas, mas também através de suas utopias que,
como as de Fourier ou de Tchernychevski, descreviam não só a sociedade ideal do
futuro, mas também seu meio ambiente construído, o que se exprime são
necessidades de “massa” às quais só uma produção arquitetônica também de
“massa” pode tentar responder. Assim se passou de uma arquitetura reservada às
realizações unidas e excepcionais à arquitetura aplicada à solução das
necessidades desse novo cliente coletivo constituído basicamente dos
trabalhadores nas indústrias e escritórios. (KOPP, p.16).
Mais do que em nenhum outro arquiteto brasileiro, em Lucio Costa, essa definição pode
ser considerada verdadeira. Por outro lado, a afirmação da cultura nacional em sua obra, como ato
de “deliberação de fazer uma arte em conformidade com a época e a renúncia à invocação de
modelos clássicos, tanto na temática como no estilo”, ao mesmo tempo em que coloca seu
pensamento e obra nos cinco pontos de Argan, confirma sua presença no centro do movimento
modernista brasileiro, não como um precursor isolado, mas como participante da síntese cultural
que reunia a vanguarda das artes e da intelectualidade. Pode‐se ver na carta de Mário de Andrade
para Joaquim Inojosa, em 1924, forte vínculo, do escritor, crítico e principal organizador da
chamada “Semana de Arte Moderna”, de 1922, com o pensamento de Lucio Costa sobre a então
atualidade da arte no Brasil.
[...] dentro do Brasil também a atualidade representativa do momento
histórico universal, nos veio da Europa (via França e Itália) e dos Estados
Unidos. Essa atualidade tinha aqui uma possibilidade vasta de funcionar em
proveito do país. E funcionou de fato. Pra ficar só no meu terreno: é impossível
a gente contestar a transformação inconcebível e a vitalidade agente, palpável
que se manifesta na arte brasileira depois de 1922. [...]1 E o maior benefício
que a atualidade estranha trouxe pra gente foi, não coincidindo com o
regionalismo e o nacionalismo que já existiam por aqui, leva pela liberdade
pela procura do novo e da realidade nacional, que se levou os modernistas a
matutar sobre o dualismo do fenômeno universal‐nacional. Resultou, foi uma
consciência mais imediata, mais livre da realidade nacional, que [...]
generalizou no sufragante a consciência artística nacional e levou toda a gente
quase pro trabalho de fazer coincidir a realidade individual com a entidade
nacional. Esta coincidência quando estiver normalizada e inconsciente entre
nós, dará pros artistas brasileiros a mais justa, a mais fecunda e nobre
958
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
libertação. E como este problema de acomodar a invenção artística nossa com
a entidade nacional era importante por demais, ele evitou que a "atualidade"
histórica universal que nos vinha da França e de outros países da Europa,
continuasse aqui como simples reflexo, simples macaqueação. Dum momento
pro outro a inquietude européia (produto de excesso de cultura, produto de
esfalfamento, produto de decadência) não coincidiu mais com a inquietude
brasileira (produto de problemas nacionais ingentes, produto de progresso,
produto de terra e civilização moças, principiando apenas). Com efeito, as
capelas artísticas européias deixaram de repente de influir na criação
brasileira, Nos interessam agora como curiosidade. Não têm mais pra nós uma
importância funcional. Ninguém mais entre os espíritos já formados, se amola
de estar no dernier‐bateau parisiense ou florentino. Se volta ao metro como se
foge dele, se pinta palmeiras como se esculpe banhistas, sem mais a
preocupação da atualidade européia. Porque já readquirimos o direito da
nossa atualidade. (ANDRADE, M., 1928).
Entre educadores e profissionais da estatística, percebe‐se que há convergências com o
pensamento urbano que se elaborava com vistas à causa modernista de construção de um “novo
homem”, que levarão posteriormente ao Manifesto dos Pioneiros, à criação do Ministério da
Educação e da Saúde e à Reforma do Ensino de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes, que
iria incluir a disciplina de urbanismo no curso de Arquitetura. Para Margareth da Silva Pereira,
analisando a participação de Teixeira de Freitas, advogado e estatístico, fundador do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a relação entre educação, urbanização e a construção
de um “novo homem” se interrelacionavam:
Embora o estatuto da arquitetura e do urbanismo hoje nos faça parecer longínquo
seu diálogo com a educação e mais ainda com a estatística, a nova arquitetura
nascente não pode ser desvinculada, do amadurecimento de lutas mais
abrangentes pela extensão de direitos civis e ‐ citadinos ou urbanos, de modo
geral ‐, colocando‐se a ênfase, em certos temas como habitação, saúde,
educação, assistência ou previdência, embora de modo diverso de um país a
outro.
Para sermos mais precisos, trata‐se antes de tudo de se construir não uma nova
arquitetura mas uma nova cidade ‐ e às vezes um novo modelo de fixação da
população no território ‐ que espelhe uma nova sociedade. Pode‐se dizer que
durante a década de 1920, Teixeira de Freitas parece passar de uma percepção
municipal e citadina das estatísticas e da educação, para uma visão mais ampla
"urbanizada", melhor seria dizer no caso "urbanizadora" e "educadora" e que
justamente tem, nas estatísticas, sua base científica. Educar é povoar, em suas
palavras. (PEREIRA, 2009, p.37)
959
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
A proposta de Lucio Costa para o ensino da Arquitetura está no cerne das transformações
de ordem cultural e artística que tomavam corpo entre a vanguarda da intelectualidade que iria
consolidar o modernismo. Destacam‐se, mais uma vez, a introdução do urbanismo como disciplina
e o desenvolvimento de projetos sob novos programas e funções, que demandavam por um novo
tipo de edificação e organização do espaço urbano, para uma sociedade que se urbanizava e se
preparava para a industrialização. O entrelaçamento desta nova arquitetura, isto é, da arquitetura
moderna com outros setores da cultura brasileira torna‐se claro e é visível o otimismo com que se
identifica com as soluções que retirariam o país do atraso.
No plano internacional, Arquitetura, Urbanismo e Educação também passavam a constituir
fortes laços e diálogos estreitos a partir de 1918, com o fim da Grande Guerra e os esforços de
reconstrução da Europa. São exemplos desse período, em que o modernismo se introduz na
Arquitetura, a Bauhaus (1926), em Dessau, na Alemanha; a École de Plein Air (1931‐1935), em
Suresnes, na periferia de Paris, França; as escolas italianas dos anos 1930; e a Openluchtschool, de
Jan Duiker, em Amsterdam, Holanda.
As mudanças estavam diretamente ligadas à construção de um novo tipo de cidadão: um
cidadão "urbanizado", isto é, adaptado ao meio urbano como queriam alguns, mas também apto a
agir criticamente sobre ele e corrigi‐lo, reformá‐lo, melhorá‐lo, contribuindo para seu
desenvolvimento. De um pólo ao outro é a educação deste novo "cidadão" que torna‐se o tema
principal a ser discutido: da teosofia às propostas da escola nova, trata‐se de pensar a educação
como processo global de formação do juízo critico de um novo indivíduo: mais solidário, menos
preconceituoso e regionalista.
O período de Novembro de 1930 a Outubro de 1931, marcado por fatos
importantes para a cultura brasileira que se seguiram à Revolução de 1930: a
criação do primeiro Ministério dedicado à Educação no país; a tentativa de
implantação de uma política educacional nos moldes da Escola Nova e a Reforma
na Escola de Belas Artes (ENBA), [é] considerado marco da renovação nas artes
plásticas e da arquitetura.
Designado diretor da instituição naquele período, o arquiteto [Lucio Costa]
buscará, sem sucesso, acentuar a importância da formação em Arquitetura,
introduzindo o ensino do Urbanismo e do Paisagismo, ao mesmo tempo em que
pretende tornar o Curso de Arquitetura independente do ensino artístico. Estas
960
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
iniciativas e as discussões, então travadas na imprensa, contribuíram para
construir uma mudança de mentalidades que está à base da qualidade plástica e
do alcance social que a arquitetura no Brasil já atingiria no final da década [...]
Na verdade, para balizar um pouco mais de perto este cenário é necessária uma
pequena digressão, sob pena de se continuar ignorando a existência de redes de
sociabilidade que uniam a política à ciência, à educação à administração e estas à
arte, que a fragmentação excessiva do campo do conhecimento hoje, induz‐nos a
ver como inusitadas. Essas redes interligavam os interesses de arquitetos,
urbanistas, artistas, intelectuais e políticos com freqüência, sobretudo aqueles
ligados ao movimento de reformas urbanas e sociais e é importante salientar que,
desde o final do século XIX, o desejo muitas vezes enunciado de uma arquitetura
nova esteve diretamente vinculado à construção de um também novo modo de
vida. (PEREIRA, 2010, p.42)
Conhecer os objetivos e princípios norteadores da reforma do ensino de Arquitetura
proposta por Lucio Costa é aproximar‐se do entendimento não apenas das lições da Arquitetura
Moderna sobre o conjunto da obra edificada e das intervenções urbanísticas, mas também
compreender a relação entre os instrumentos do trabalho didático do ensino superior, seus
procedimentos e resultados. O objetivo geral da pesquisa volta‐se, assim, para a análise e
compreensão do trabalho didático naqueles anos na Escola de Belas Artes e, na criação da
Faculdade Nacional de Arquitetura, a partir de uma visão histórica de sua proposição e efeitos
sobre o ensino da arquitetura e do urbanismo no Brasil.
Os limites temporais da pesquisa são alguns dos principais marcos do processo de
aceitação e consolidação do modernismo como estética oficial da arquitetura brasileira. Inicia‐se
com a apresentação da proposta de reforma, em 1931, e conclui‐se em 1946, com a criação da
Faculdade Nacional de Arquitetura. Embora se verifiquem transformações de caráter tecnológico
nos instrumentos didáticos e de projeto, os princípios norteadores da Reforma permanecem vivos
e ativos na estruturação dos cursos de Arquitetura. Esta permanência se evidencia nos conceitos
de composição do projeto, de sujeição da forma à função e ao sistema estrutural, entre outros.
Entretanto, ao que parece, a análise da forma urbana e o destaque sobre o urbanismo e os
problemas urbanos ainda demandam maior atenção nos currículos.
961
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
Referências
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
ANDRADE, Mário. Carta a Joaquim Inojosa, 1924, p. 28. LEONÍDIO, Otavio. Carradas de Razão: Lucio Costa e a
Arquitetura Moderna Brasileira. Rio de Janeiro: PUC; São Paulo: Loyola, 2004.
BRUAND, Yves. A Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981.
COSTA, Lucio. Entrevista como diretor da ENBA. Rio de Janeiro, 1931. COSTA, Lucio. Lucio Costa: Registro de uma
Vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.
GIEDION, Siegfried. Espacio, Tiempo y Arquitectura. Madri, Dossat, 1978.
MARX, Karl. Miséria da Filosofia. São Paulo: Martin Claret, 2008.
MARX, Karl, ENGELS Friedrich. A Ideologia Alemã: Teses sobre Feuerbach. São Paulo: Boitempo, 2011.
PEREIRA, Margareth da Silva, 1931 Arte e Revolução: Lucio Costa e a reforma da Escola de Belas Artes. CD, PROURB –
UFRJ; CNPQ, 2010.
PEREIRA, Margareth da Silva, Horizontes do Urbanismo como disciplina e ação ou Teixeira de Freitas: das estatísticas
da educação às colônias‐escolas (1908‐1932). Rio de Janeiro: IBGE, 2009.
SANTOS, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro, IAB, 1981.
TEIXEIRA, Anísio. Um presságio de Progresso. Habitat. São Paulo, v.4, n.2, 1951. p.175‐177.
962