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~ "VA p(llt Df) DIABO": zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

"
O Trabalho dos Operarios , zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
do Açucar

~
Jose Sergio Leite L~pes

Dissertação de Mestra.de apresentada. no


Programa de P~s-Graduaçã~ em Antropol~
gia Socia.l da Universidade Federal do
Rio de Janeiro

Museu Naciona.1

1974

-
o "VAPOR DO DIABO": zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

O Trabalho dos Operários do Açúcar

Jos~ Sergio Leite topes

Dissertação zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
d e Meatrado apresentada no

~ograma de ~B-GraduaçãO em Antropol~


gia Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro

Mus~u Nacional

1974
"Catende foi a.primeira usina que eu trabalhei. Nun
ca tinha visto usina ~sse informante estava chega~
do do cear~. Eu cheguei l~, num hotel em Catende,zyxwvut
/ ,
tomando uma bebida assim, ai chega os operarios,co!zyxwvutsrqpon
sa e tal e lá vai. Um se deu comigo e disse assim:
'Rapaz, que que está fazendo?' Eu disse: 'Procuro
traba.lhoI. Ele disse: 'Quer tra.balhar comigo? Eu I

disse: 'Mas rapaz como é que tra.balho? Eu não co -


.
nhe ço usina I • Ele d~sse: 'Vamos la' na usina.comi -
go?! Ai fui. Chegou lá ele me mostrou as turbinas,
,.., ;.
Naquele tempo, turbina, o Sr. ve, aqui e mu~to mo -
derno. Naquele tempo, a gente espiava assim, pare-
cia que era um lugar que o diabo trabalhava dentro.
O vapor era demais. Era 3, 4 vapor dentro de uma
turbina.. O camarada tava trabalhando, tinha. uma
turbina aqui encostada, ele não via. Era 36 turbi-
nas assim, que trabalhava direto em Catende, a gen-
te não via quem tava dentro, descarregando o açúcar
dentro da turbina. Era muito vapor que tinha.den -
/

tro. Aqui tem água, mas lá era vapor. Ai ele dãs -


se: lEu trabalho aqui, quer trabalhar comigo?' Eu
disse: 'Rapaz, aqui não trabalha gente não, aqui só
trabalha diabo.' ~isos] Ele disse: 'Não rapaz, de
poiS que tu acostumar, fica tudo certo.' Eu disse:
'Certo', ai fui trabalhar. Falemos com seu Justi
-
no, que naquelezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tempo nao era gerente, era fiscal .
Ai fiquei trabalhando com ele. Depois de 3 meses ,
acabou a moagem, fui cortado. ,,,(ex-turbineiro, ex-
cabo de turbina e atualmente serralheiro de turbi -
na) .
ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
presente trabalho ba.seia-se em pesquisa. ele Co'LpO na zona da nato. de
Pernambuco, realizada entre janeiro e março de 1972, no quadro do "Estudo Com
parativo do Desenvolvimento RegionalllzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
, dirigido pelos Prof'essores Roberto Car
doso de Oliveira e David Maybury-Lewis.

Agradeço aqui ao apoio recebido no Programa de Pós-Graduação em Antro-


pologia Social, dirigido sucessivamente pelos Prof'essores Roberto Cardoso de
Oliveira e Roberto Augusto da Matta. Esses agradecimentos estendem-se ao Pro-
fessor Isaac Kerstenetsky que estimulou a minha escolha, pouco ortodcxa para
um estudante de Economia, de um mestrado em lL~tropologia. Agradeço também a
ajuda material fornecida em momentos diversos de realização do curso e da pe!
quisa de tese a instituições como a CAPES, a Fundação Ford e a FINEP. Esta úl
tima instituição concedeu-me algum tempo livre para assistir cursos e redigir
parte da tese, alim de encarregar-se de mimeograf'á-la; cabendo-me agradecer
ao ex-secretário-geral dessa instituição (até 1970) Dr. Joaquim F. de Carva-
lho, e seu atual presidente Dr. José Pelúcio Ferreira. Agradeço à ajuda rece-
bida, na pesquisa de campo, pelo Sr. Diógenes Wanderley, que teve a boa vonta
de de conceder-me longas entrevistas sobre a história das usinas e de seus
trabalhadores, pelo Prof'essor Paulo Duarte, da Faculdade de Quimica da UFPe,
pelos Drs. Carlos Roxo e Gilberto da Motta e Silva do IAA - este último perm!
tindo-me o acesso a dados estatisticos por ele coletados e não publicados a
respeito da mão-de-obra das usinas - e por alguns gerentes e donoo de usina,
que infelizmente nãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
posso declinar o nome sem comprometer o sigilo de praxe
nessas pesquisas quanto à identificação das usinas e consequentemente dos in-
,
formantes-operarios **. Agradeço aos dirigentes do Sindicato dos Trabalhado-
res Industriais do Açúcar de Pernambuco, ao seu presidente na época, Sr. Jai-
me Gomes da Fonseca, e principalmente a alguns delegados sindicais nas usi-
nas que foram mediadores indispensáveis no meu acesso aos operários.

o apoio intelectual e amigo de meu orientador, Prof. Moacir Gracindo


Soares Palmeira, manif'estou-se desde o inicio do trabalho de pesquisa até a
redação final, a cada momento. Seus trabalhos anteriores sobre o tema da mu-
lf
dança social na á.rea de "plantation estão na origem da definição de vários
outros temas subordinados de pesquisa, entre os quais o desta tese. Também os
trabalhos anteriores de Lygia Maria Sigaud f'oram de grande valia. Af'ranio Raul
Garcia Junior, Marie-France Garcia, Vera Ecllenique, Beatriz Heredia, Luis Ma
lI.

ria Gatti e Roberto Ringuelet, assi~m como Moacir Palmeira e Lygia Sigaud, quezyxwvuts
(
fizer~ simult~eamente pesquisas no campo no mesmo per~odo, foram de grandezyxwvutsrqponmlk
apoio tanto no campo quanto posteriormente em discussões em seminários. Nos-
sas pesquisas complementaJlll-senão somente enquanto estudos de diferentes gru-
pos sociais e temas da zona da mata de Pernambuco, mas enquanto trabalho de
equipe. Em certo sentido, muitas idéias e formas de raciooínio presentes na
tese devem-se a esse trabalho coletivo, sem eliminarem no entanto a responsa-
bilidade de minhas deficiências pessoais. As discussões e O convivio com os
professores e colegas do Programa foram de grande estimulo na consecussão des
te trabalho, em particular dos Professores Otávio Guilherme Velho, Luiz de
Castro Faria e dos colegas Alfredo Wagner B. de Almeida, Neide Esterci e Lais
Mourão. Arma Maria Ribeiro Ramos datilografou em estencil os originais. Age-
nor Nunes de Oliveira e equipe mimQografaram a tese.

Maria Rosilene Barbosa Alvim acomparulou com seu apoio de ordem emocio
nal e intelectual todo o desenrolar desta tese, desde a pesquisa de campo até
sua forma atual. Quero dedicar esta tese a uma pessoa fisicamente distante
por motivos à sua e à nossa vontade, meu pai, Professor José Leite 10
alheioszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
peso Fina..lmeIlte
.•agradeço aos operários do açúcar sua indispénsáifelcola.bora.-
ção e sua hospitalidade~ dividas que esta tese está longe de saldar.

(*) Ver as interessantes observações sobre o lugar convencional dos agradeci-


mentos nas teses em "Le Rite de Ia These" in fÃutõf Critique de La Scien
~ Jaubert & Levi Leblond (ed.). Paris: Seuil~ 1973, pg. 294-296. -
(**) Os nomes de operários, de empregados administrativos e usineiros, por_
ventura encontráveis no texto da tese para dar-lhe; maior fluência, são
ficticios.
ÍNDICE

INTRODUÇÃOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
................... " " -. .. " . i

CAPÍTULOI: A DIFERENCIAÇÃO JNTERNA DCS OPERÁRICS: O CÓDIGO M ARTE ••••zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON


1
....zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1.. Introduçao o 1 •.•• '" •••••••••••••••••• " ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• " ••.••.•••••••••••••••••••

2.. O Prof'Las ionis ta zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB 7 11 ti ••••••••••••••••••••••••••••••••••••.•••••••••••••••••••••••••••••• os •••••••••••••••••••••

3.. O Artista . 23
4. O Servente e o Ajudante ••...••....•.•.......................••... 48
5. Conclusão .... 11 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• " ••••••••••••••••••••••••••••••.•••• " ••••••••••••••
56
CAPÍTULOrr. fiA CARNEE OS esses ": CS LIMITES DA JORNADA DE TRABALHO
••• 61
1. O 'Va.por do Dãabo" ou o Moto-Perp~tuo da Maquinária Diante do Oper!
rl.O 11 ••••••••••••••••••• 11 •••••• 11 •••••• li •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 62
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
2. A Resistência dos Operários contra a Antiga Diária e a Eternidade
Renova.da da Jornada de 12 Horas ••••.•..•••••.•..•....••.••.•.•••• 75
3. A Dilapidação da Força de Trabalho ••..•..••••.•...•.••.•.•.•.••••. 85
CAPÍTULO111: O "FETICHISMO"D O SALÁRIOE SUASREVEIAÇÕES.••••••.•••••• 116
1. A Concepção do Salário pelos Profissionistas ..•.....•.•...•.•••.• 117
a) O "Fetichismo do Salário-Hora .••.•....•••..•.•..•.•..••••••••
ll
117
b) As Resist~ncias ao "Fetichismo" do Salário-Hora •••.••••.••.••• 140
b ) As Roç~s dos Operários ou a Materialização da Insufici~ncia
l
do Salario ,. " ""e •••.•• " ••.•••• " " • " •.• " • " • 140
b2) O Roubo das Horas -Extra ..•••........•.••.•.••.•.•.•••••••• 150
2. A Concepção do Salário pelos Artistas .••..••...•••.••.••.•.••.••• 162

CAPÍTULO IV: O "MERCADO DE TRABALHO" DOS OfEAARICS DO AçúCAR: SUPERPOPlT-


IArf:..o E ltCATIVEIRO" " " .. " .• " .. " " ..••..........• " ..• " .. '" 191
1. Introduçao .." - " " . 191
2. As Trajetórias Sociais dos Operários em Direção à Usina .•.•••.••• 192
3. Imagens da
,. Superpopulaçâo Relativa e do Desemprego Interiorizado
dos Operaz-Los •.•.•.•.•.•.•.. " ..•. '" •.•.•.•.•. " •.•.•.•..•.•.•.•.•.•.•.•.•.•... " .••... " ..•.•. " •.•.•.•.•.•.•.•.•.•. 198
4. O Trabalho no Campo Visto pe'l,o "Trabalhador da Sombra" •..•••••••• 205
5. A Imobilização da Força de Trabalho pela Mora.dia •..•••.•.•••..•.• 226

-
CONCLUSA O ............................•................•..•.......••••••.....•..•...•..•........•.•.•....••........

ANEXO•........•.........•..•.•......•.•.....•...........•....•.....••.••.........•...........•.•.... " •••..• .,

BIBLIOGR.AFIA. ., .....•••.... ~ ..•.........••....••...••......•....•...........•.•...........••..•.•

0000000
.1.zyxwvutsrqponml

nJTR onu C$.o

Se o "vapor do dia.bo", referido na citação que serve de ep:Ígrafe a. este

trabalho, indica a exteridridade e hostilidade que apresenta o funcionamento dezyxwvutsrqp


~".,. " ,
uma. usina de açucar com relaçao a seus operadores humanos, tambem e a hostilid!,

de que tem a usina a apresentar a eventuais pesquisadores que procurem penetrar

em seus domÍnios para entrar em contacto com os seus operários. Enquanto o ca-

ráter fechado da fábrica em geral pode ser ilustrado pelo aviso colocado à en -

trada de uma célebre fábrica teórica situada por conting~ncia na Inglaterrazyxwvutsrqponmlkjihgfe

fiN o admitance except on business" (Marx, 1969: t I, cap. 6), as usinas de açú -

car têm a acrescentar a esta inacessibilidade à sua planta fabril, a proibição


ao acesso às casas mesmo dos operários, situadas em seu território. Como então

realizar uma pesquisa tendo por objetivo descrever o trabalho dos operários do

açúcar atrav~s do seu pensamento a respeito de sua prática econômica? Com efei
~
to de duas, uma: ou entra-se no territorio da usina sem o consentimento do usi-

neiro e sua administração, pondo em risco a viabilidade da pesquisa a serzyxwvutsrqponmlkjihg


poss!

velmente bloqueada pela proibição do usineiro e por sanções das autoridades co~

toras; ou entra-se na usina com a permissão do usineiro, mas então como conse -

guir dos operários a con~iança necessária na concessão de entrevistas a um pes-

quisador identificado com o patrão? Triste compensação para o pesquisador se


-
esse dilema inicial de pesquisa nao deixa de indicar-lhe alguns elementos da
,
propria natureza das usinas.

Essa dificuldade de pesquisa se faz acompanhar de outra~ embora de ordem

diversa, relativa à quase total ausência de referências sobre os operários do a


, ,
çucar na literatura especializada sobre a areaJ a qual, embora mencione os di -

versos grupos sociais existentes na zona da mata de Pernambuco -- dos corumbas,

camponeses da periferia da plantation como OS !9reiros e os pequenos proprietá-

rios, moradores e trabalhadores da rua (ex-moradores expulsos que trabalham na


.ii.zyxwvut
,
cana com empreiteiros) ate os fornecedores -- como que elude sistematicamentees
,
ses operários enquanto grupo social distinto (1) Se a mão-de-obra ligada a

parte industrial das usinas (incluindo, além dos operários fabris, os trabalha-

dores no sistema de transportes das usinas) tem, relativamente aos trabalhado -

à parte agríCOla da "plantationH (isto é, os trabalhadores


res ligadoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA rurais
dos engenhos de usina! dos engenhos de fornecedores que não são propriedade das
A ,

usinas), uma importancia numerica menor representando por volta de 10% dos
, " "'" A
trabalhadores agricolas ligados a cana --, tal fato nao minimiza sua importan -

ela no processo de produção do aç~car nem justifica sua exclusão no pensamento.

Mesmo do ponto de vista do estudo dos trabalhadores rurais e camponeses da á


rea, a não consideração do trabalho industrial nas usinas de aç~car omite uma
face da vida produtiva daqueles mesmos grupos, ja.- que muitos deles trabalham al
,
guns per1odos na planta fabril da usina e alguns até permanecem como operarios
fixos. Além disso, a comparação dos operáriOS do açúcar' com os outros grupos
de trabalhadores ligados à cana pode ser de utilidade na compreensao por con

traste destes mesmos grupos, complementando o seu estudo especifico,


Segundo Du Genestoux (1967), a mão-de-obra industrial das usinas teria
cerca de 20.000 pessoas em 1964, na época da safra. Esse n~mero tende a ser
cont'irmadopor um levantamento de mão-de ...
obra realizado em 26 usinas dentre as
#
42 existentes em 1970 (60% das USinas), contabilizando 13,000 operarios na ss. -
~ ~
fra e 8 000 na entre-safra (MottazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e Silva, 1971). Alem disso, o relatorio do
, ,
exercicio de 1970 do Sindicato dos Trabalhadores Industriais do Açucar, endere-

çado ao Ministro do Trabalho, assinala que o número de associados do sindicato


,
ultrapassa a 20.000 pessoas. Se deste numer-o de 20.000 pessoas, em torno do
, , ,
qual parece girar o contingente numerico de operarios do açucar, devemos subtra

(1) Cf., por exemplo, Correia de Andrade, 1964, em particularzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP


pp. 98 a 126; C.
Furtado, 1964: 2a. parte, capo 3.
.Ui.zyxwvutsrqponml

ir os empregados administrativos, essa subtração parece ser largamente compens~


da pelos serventes, geralmente trabalhadores sazonais, quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
ou não sã.oassocia _

dos ao sindicato, ou não são contabilizados nessas estatisticas. .-


O numero bas-

tante inferior que consta do censo demográfico de 19-{O, de 3.489 pessoas emzyxwvutsrqponmlkjih
"o-

cupações das usinas e engenhos de açúcar" (tabela n~ 16, pg. 54 do Censo Demo -

gráfico de Pernambuco) deve referir-se a uma fração dos operários do açúcar, c~


•••• A

mo os alocados somente na seçao de fabricaçao ou somente nas oficinas mecanica~


MeSmo assim Du Genestoux estimava que, somente na seção de fabricação, havia
6.000 operáriOS durante a safra, em 1964. (Talvez a semana de referência para

a coleta de informações para o Censo sobre a ocupação, de 25/8 a 31/8, fizesse


,
com que os operáriOS sazonais fossem eXCluídOS). Admitindo-se o numero de
20<000 operáriOS na safra, e admitindo-se a mesma proporção de dispensas na en-
tre-safra do levantamento de Motta e Silva, restam aproximadamente 12.500 oper!.-

rios na entre-safra.

Em 1972, na época da pesquisa, existiam 42 usinas em Pernambuco, com uma


produção oscilando entre 100.000 e 1.000.000 de sacos na safra anterior (de

1969/1970); sem contar, dentre essas 42 usinas, o caso desviante de 6 usinas


que tiveram uma produção inferior a 100.000 sacos, a maioria c'e,g quais tendo si

do compradas posteriormente. Atualmente existem 38 usinas em funcionamento e

a regulamentação relativa às fusões de usinas determina como produção mínima p~


ra uma central açucareira o limite inferior de 300.000 sacos por safra. Como e-
xiste uma proporcionalidade aproximada, que se verifica por recorrência estatis
tba, entre a produção de sacos de açúcar por safra e o número de operáriOS lig~

dos à parte industrial da usina na razão de 1.000 sacos para um operário, o ta-
/ ~
manho das usinas quanto ao numero de operarios oscila entre aproximadamente 100
/ ,
e 1.000 operarios, tendendo a oscilar entre 300 e mais de 1.000 operarios.
Quanto aos trabalhadores agrícolas ligados à cana de açúcar, o Censo Demo
.iv.

gráfico de 1970 assinala um total de 157,403 pessoas de 10 anos e mais (p. 74),

~bora ai também a semana de referência da coleta talvez subestime o contingen-


tQ de trabalhadores atuantes em plena safra. Note-se que se relacionarmos os

à cana, mas &-


operários do aç~car não ao total de trabalhadores rurais ligadoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
à mesma autorida-
penas aos que trabalham nos engenhos de usina, sujeitos assimzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
, -,
de central que os operarios, a proporçao de operarios relativamente a esse sub-

conjunto dos trabalhadores rurais da cana aumenta significativamente.


, _ , A'
Sem duvida que nao e somente por sua menor importancia numerica relativa
~ . / , "
que a literatura deixa de mencionar os opera.raos do açucar: a propria pratica s.2

cial e política dos grupos sociais condiciona de maneira marcante o próprio in-
, ~ .
teresse teorico sobre tais grupos. Com Efeito, esses operar-aos parecem nunca
ter produzido, nem de perto, um movimento social da enverga.dura do que atingiu

diversos grupos de trabalhadores rurais na periferia e no centro mesmo da "pIa!!,


ta.tion!l,em várias áreas do Nordeste, das décadas de 50 e 60 (cr , Camar go ,1973

e Palmeira, 1974). Além disso, as mudanças ocorridas na estrutura social da á-


rea, ocasionadas pela ruptura nas relações sociais tradicionais entre proprietf

rios e moradores, incidiram principalmente sobre os trabalhadores rurais.


Sem comparação com a mobilização social dos camponeses, os operáriOS do a
, _ , A

çucar tiveram, no entanto, seus momentos de movimentaçao na continua resisten -

cia que fazem à dominação despótica sobre eles exercida pela administração da u

aâna . Esses momentos pertencem à história desconhecida das lutas sociais do


prOletariado e do campesinato brasileiros -- as quais prolongam assim a opacid!
de quanto ao conhecimento histórico relativo às revoltas de escravoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
=<» desco-

nhecida porque sem instrumentos de registro, sem canais de diVUlgação. O regi!

tro de tais momentos pertenc(. à. memória de velhos operários. Nesse registro ~

xistem referências à. repercussão, junto aos operáriOS do açúcar, da mobilização

operária no Recife no final da década de 10 e durante a década de 20. Dessas


.v ,zyxwvutsrqpo

greveszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d e grande repercussão local resultaram acordos coletivos de trabalho e

tais acordos chegaram a aumentar os salários dos operários do açúcar na década

de 20 (para essa mobilização operária em Recife, cfo Souza Barros, 1972;zyxwvutsrqponmlkjih


e cf.
, .. ,
; .

também o romance "Moleque Ricardo") de J. Lins do Rêgo).zyxwvutsrqponmlkjihgf


Alem disso, ha 1ndi -

cios da crisção de uma associação dos operários do açúcar na cidade de Escada ,

no inicio da década de 20, como extensão do movimento do Recife: quando o atual


sindicato dos operários do açúcar foi fundado também em Escada na década de 30,

foi uma dificuldade conseguir-se alugar um local para sede diante do medo do se
- da policia
nhorio baseado na lembrança da depredaçao ~
sobre a antiga sede da 8S-

sociação operária da década de 20, um dos aspectos da repressão que se abateu

sobre o pioneirismo daqueles operários. A época "heróica" dos operários do s.ç~


; ,;
cal'se estende da decada de 20 ate a decada seguinte, com as tentativas inter-

mitentes de organização sindical feitas em condições de clandestinidade, haven-


.•.
do sempre lembranças das conseq~ências repressivas por eles sofridas pela açao
combinada dos usineiros e da policia. O interventor federal em Pernambuco, Ag~
menon Magalhães, durante o Estado Novo, apóia decisivamente o reconhecimeIto do
,
novo sindica.to de Es cada , que funcionava precariamente abrangendo operarios de

poucas usinas e operando em condições de semi-clandestinidade A aliança


o que
,
se forma entre alguns empregados administrativos das usinas com os operarias ,

sob a hegemonia dos primeiros e tendo o apoio decisivo do governo estadual, tal
"
vez tenha contribuído ~
para o carater conciliador da atuaçao do sindicato nos
, -
conflitos de classe e tenha servido de apoio a mediaçao estatal nesses confli -
tos, que caracterizava.-a:-
poi.:í.ticatrabalhistado Estado Novo. Apesar da impla!!

ta.ção da legislação trabalhista nas usinas -- garantida com "operações-tartaru-


,
ga."pelos operarios, forçando o seu cumprimento inicial pelos usineiros (cf.cap
lI) -- o sindicato sempre atuou de forma conciliadora com relação aos patrões e

atrelado à burocracia estatal, desestimulando a associatividade e a mobilização


.vi.
;
nas bases. Com a redemocratização do pós-guerra a facção sindicalzyxwvutsrqponm
majoritaria
ligada ao getulismo do Estado Novo e às administrações do Ministério do Traba -

lho subseqüentes parece ter dominadozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


sempre o sindicato, ampliando suas atribu!

çôes e sua atuação assistencialista (hospital do sindicato, construido com aju-

da do IAA, etc.) com o auxilio de suas boas relações com o aparelho de Estado.

Em todo esse per1odo centrado na década de 50, h~ indícios de poucas greves, em

usinas isoladas, por não-pagamento de salários. A oposição sindical parece ter

dominado o sindicato somente por ocasião da conjuntura de 62/63, quando então a

entidade passou a ter uma atuação relativamente mais agressiva no que diz res
à defesa dos direitos trabalhistas, tendo tido participação na greve ge -
peitozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ral na cana de aç~car ocorrida em fins de 63, ocasião em que se deu a união dos

operáriOS com os trabalhadores da parte agríCOla, os quais tinham o maior peso

na iniciativa da luta, parando toda a área da cana e ameaçando diretamente o p~


,
der secular absoluto dos usineiros e proprietarios. Depois de 64, o sindicato

sofreu intervenção, a qual s~ foi levantada em 67. De3de então o sindicato se-
gue a tradição de atrelamento à burocracia estatal, de assistencialismo e conci

liação com relação aos proprietários, do passado, tentando atenuar os conflitos


A
,
endemicos envolvendo operarios individuais e a empresa, e tentando contorna.r os
.-
conflitos envolvendo a totalidade dos operaz-Ios de cer-tas usinas em crise, que
,
passaram a nao pagar salarios e a passar vales semelhantes ao antigo @bão, uma

espéCie de moeda que circulava internamente à usina. Tais crises foram freqffe~
tes depois de 64, ocorrendo nas usinas Santa Terezinha, Salgado, 13 de Maio ,
Cerro Azul, entre outras, e motivando questões trabalhistas coletivas a.cionadas

pelo sindicato junto à justiça (2)

(2 ) Se até hoje os oper~rios do açúcar de Pernambuco não encontraram condições


propícias para a o~ganização de sua associa!ividade independente e combati~
va a partir das proprias usinas, tal fato nao se deveria pelo menos a obsta
.vii.zyxwvuts
- , , - A
z-ef'er en-
Mas nao e somente na literatura sobre a ar-ea que nao se encontra.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
, , ,
eia.aos operarios do açucarj tambem a literatura sobre "plantation" não mencio-

na. esse grupo social (cf. Wolf& Mintz, 1957; Rubin, 1960j "Sistemas de Planta.-
, ,
ciones en el Nuevo Mundo", 19(4). E certo que e principalmente a "plantation "
açuc~reira. que, ao necessitar de um complexo beneficiamento industrial da mate-
, ,
ria-prima agricola., trans~ormando-a quase que no produto final, proxima ao 10 -
;

cal mesmo em que é colhida, acarreta a formação de um contingente de operaz-ãos

industriais diferenciados dos trabalhadores ligados à parte agr1cola. No enta.n

to a "plantation" em geral implica como caracteristica constitutiva a existên -

cia da ind~tria em seus domínios agrícolas (cf. Waibel, 1954), o que de qual -

quer forma faz com que essa literatura deixe em aberto uma lacuna, a saber as

caracteriticas especificas desses operáriOS industriais em pleno meio agríCOla.


Nessa literatura, quando se descreve a parte agricola da "plantation", necessa.-

riamente são descritas as características das relações de trabalho dos trabalha


- ,
dores rurais, as formas peculiares de dominaçao dos proprietarios sobre eRses

trabalhadores, mas quando se menciona a parte industrial da "p1antation", pa.s -

sa-se a tratar da fábrica apenas como o lugar do beneficiamento da matéria-pri-


ma.agr1co1a, como se os operáriOS que a fazem funcionar, de apêndices humanos
das máqUinas passassem a fazer corpo ~ico com elas enquanto mais uma de suas
~
engrenagens. Ou pelo menos, implicitamente, como se esses operarios -- catego-

ria social geralmente urbana -- infi1trados nesse meio rural onde formam um elo

culos estruturais insuperáveis inerentes às condixões de trabalho nas usi,-


nas açucareiras em ger~l, a se jul~r pela experiencia comparada dos opera-
rios industriais do açúcar de Tucuman, :ga Argentinc; (or. Murmis,e \vaisman ,
1969). Com efeito, a ~hegemonia dos operarios ~do açucar parece
A
nitida sobre
os trabalhadores a~ricolas da cana na conduçao da luta econo~ica de olasse
contra os proprietarios de "ingenios" (USinas), e esses operarios constitu-
em-se em um dos setores mais combativos da classe operária argentina.
.viii.

industrial necessário em um processo produtivo que origina-se do trabalho agrí-


cola, não fossem dignos da.atenção dos estudiosos da. "plantation", em particu _

lar dos a.ntropólogos, por nada diferirem de seus similares urbanos, os quaiszyxwvutsrqponmlkjihgfed
,.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
\. /\. ~
constituem-se em area. reservada a competencia especializada da historia da. "re-

voluçio industrial ii
ou da "sociologia do trabalho" convencional.

Mesmo admitindo-se a hipótese que os operários doaç~car de nada diferi -


;

riam dos operarias industriais urbanos, de qualquer forma se justificaria o seu

estudo especifico. Pois o estudo da classe operária industrial não se faz tam-
;; -
bem atraves do estudo de sua inserçao concreta em diferentes ramos de produção?

EzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p o r que também não se justificaria o estudo de car~ter antropológico da clas-

se operá.ria ou de seus segmentos, se essa classe é duplamente "estranha" (e ,


.•.. , ;

portanto, colocando-se na posiçao do "indigena.") a cultura dominante devido tan

to ao etnocentrismo de classe desta cultura quanto ao fato de ela ser a cultura


da classe dominante (cf. Verret, 1972)? Com efeito, estudando tradicionalmente
sociedades e grupos sociais sem uma autonomização marcada de pr~ticas culturais
especializadas e sem a objetivação dessa autonomização em um sistema de obra.s e

instituições, que caracterizam a produção intelectual tal como a cultura domi -

nante se define a si própria, a antropologia veio redefinir a cultura de forma

menos exclusivista e mais extensiva, de forma a abranger, além do sistema de 0-

bras culturais, o sistema de atitudes e comportamentos~ de categorias de pensa-


mento, implícitas em toda prática de um certo grupo social. Assim, essa aborda

gem aplicada às classes dominadas das chamadas sociedades complexas -- essas ex

cluidas do sistema escolar, da cultura letrada, da produção intelectual instit~


A , ,
cionalizada -- restitui a importancia teorica do estudo da cultura espec~cad~

sas classes, que o etnocentrismo da classe dominante excluia a priori do campo


.ix.

dos problem~s relevantes (3).

De fato, este trabalho pretende aplicar uma certa abordagem tradicional -


mente desenvolvida pela antropologia social ao estudo de um grupo operário de -

terminado; abordagem esta que se caracterizaria pelo ponto de partida de sua d!

marche te~rica -- partir das representações" das categorias de pensa.mento e doa

modelos de comportamento do grupo social estudado --, aliando a isso a observa-

ção direta junto a esse grupo. (Para um aprofundamento da justificativa desta


abordagem, cf. Lévi-Strauss, 1958, capo XVII e também Sigaud, 1971, introdu-
ção.) (4). Assim, nos preocuparemos aqui em analisar as representações e com-

portamentos dos operários do açúcar a respeito do seu trabalho, de sua práticazyxwvu


A

economica. Em um certo sentido, portanto, este estudo focaliza um grupo da

classe operQria de um ponto de vista antropo16gico, a partir das determinações


rurais desses estranhos operários industriaiS, inseridos no coração mesmo da
(5)
"plantation" canavieirazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Mas como estudar as categorias de pensamento e modelos de comportamento
, , ." ; A
pro~ios dos operar~os do aÇucar a respeito de sua pratica economica, se estes,
, , A ,

enquanto operarios industriais -- esses proletarios por excelencia, destituídos

(3) Cf". Gramsci (1966, parte I), preocupado com a "filosofia espontânea" dos
grupos sociais, em particular dos gru~os dominados, distinguindo o "bom sen
so" próprio a esses grupos -- essa critica coerente de categorias e práti
cas impostas pela classe dominante que se manifesta em determinadas conjun-
A
turas -- e o seu "senso comum", onde predomina a:lnfluencia da ideologia.do-
minante.
(4) Seria interessante levar-se em conta, no decorrer deste trabalho, a litera-
tura brasileira sobre classe operária, fazendo-se os devidos paralelos. Cf.
em particular Brandão Lopes, 1964 e 1967; Martins Rodrigues, 1970; Loyola,
1972 e 1973; Pereira, V.M., 1973.
~ ;

utilizo aqui a expressao a partir em um sentido ana10gico ao utilizado em


Velho, 1974, quando ele faz uma an~lise do campesinato a partir do campesi-
nato de fronteira ("from the frontier" ao invés de "or the frontierll; na
versão inglesa daquela tese).
.x,zyxwvutsrqp

dos meios de produção, do controle do processo de produção e, portanto, do seu


próprio tempo de tra.balho -- estão completa.mente banhados por categorias e prá.-

ticas impostas pela direção da usina) pelo não-trabalhador, contrastando com a

autonomia relativa que teria, por exemplo, a ideologia sobre sua prática econ~-

miea de grupos sociais como os camponeses ou os artesãos, qu@ controlam seu pr2
cesso de trabalho? Assim,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
uma ideologia menos "heterônoma" dos operários -
nao
deveria ser procurada principalmente na esfera doméstica desses produtores dire

tos totalmente separados do produto e do controle sobre o processo produtivo ,


nos seus hábitos de consumo, nas suas relações de vizinhança, no seu lazel'?Pois

se é na produção que os operáriOS, meros executores das ordens da hierarquia f!


bril ou dos mandamentos da.máquina parcelar da qual não passam de um apêndice 1

têm sua atenção totalmente voltada para a matéria e como que se destacam da 80-

ciedade (Halbwachs, 1972), como então produziriam representações sobre sua prá.-
~ ,
tica economica que pudessem esclarecer a propria estrutura social em que
-
estao
~ ~ A _

inseridos? As categorias operarias sobre sua pratica economica nao seriam re -


dundantes com relação à descrição da organização fabril que poderia dar um eng~
nheiro, um administrador, um organizador da produção; o discurso operáriO já
.. ,
nao estaria pre-determinado e contido no discurso de tal organizador da produ -
•..
çao, sendo um mero reflexo parcial deste?
Tais perguntas e objeções, que poderiam inibir algo semelhante a uma "an-

tropologia da classe operária", e que se baseiam na inegável profundidade da d2

minação a que está submetida esta classe, dominação esta própria ao modo de p~

dução capitalista, o qual penetra e preenche todos os pontos da esfera da prod~

ção e ae manifesta a cada operação produtiva dos produtores diretos; tais obje-
ções não percebem que a cultura dominada se afirma sempre de alguma forma na r!
- ~ ,
lação mesma que a domina (Verret, 1972). E essa afirmaçao se da na propria !!-
interpretagão que os operáriOS fazem de categorias e práticas impostas a eles ,
.xi.

em primeiro lugar na própria esfera da.produção. Pois se a.força de tra.ba.lho


sua. organiza.çãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
da pro~
operária. é de uma funcionalidade essencial ao capital ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

dução, sendo mesmo um aspecto do próprio capital -- o "capital vari~velrr -.. os


,
detentores dessa força de trabalho, os operarios "em carne e osso", reinterpre .•

tam essa organização da produção em função de seus interesses .- que não deixam

de ser contraditórios com os do capital. Assim, embora totalmente despoja.dos

dos meios de produção e do produto de seu trabalho, despojados também da cance~


~ - -
çao, da organizaçao e da direçao do processo de trabalho, os operarios,
,
sendozyxwvutsrqponmlk
os transforma.dores diretos da matéria, se apropriam de uma cultura tecnológica.
, , -
e de um codigo proprio de trabalho que implicam nao somente na habilidade da 00
-, ~ , ~,
ordenaçao do cerebro e da mao, mas tambem em uma concepçao propria das relaçoea
-
, -
soeiais subjacentes a produçao e modelos de comportamento coerentes com tal co~
cepçao . Submetidos à. cooperação -- reunião de operáriOS trabalhando coletiva -
- ,
mente sob as ordens de um mesmo patrao -- imposta pelo capital, os operarios d~
frontam-se com a exterioridade e hostilidade do não-trabalhador, as quais reto!
çam a exterioridade e hostilidade das próprias condições ambientais de traba

lho, No entanto, esta mesma cooperação, ao socializar os operáriOS nas regras

do traba.lho coletivo, na ação combinada entre companheiros de trabalho para e

desempenho de determinadas tarefas programadas} pode tornar-se uma arna na luta.


de classe econ~mica cotidiana. na qual os oper~rios resistem à exploração: os 0-
,
perários podem inverter esses principios da cooperação capitalista visando a.

produção de mais valia com que foram socializados, em principies de uma. cooper~
ção contra a ext~ção de mais valia. Assim} O mesmo trabalhador coletivo que

multiplica. o poderio do patrão pelo simples fato da reunião combinada de traba-

lhadores individuais e seus efeitos multiplicadores sobre a produção de mais ~

lia, pode inverter a cooperação capitalista em solidariedade combinada dos ope-


rru.ios contra a exploração. A reinterpretação de categorias e prátiCas impes -
.xii.

,
s e desdobra assim na inversão de categorias e práticas que, de impostaszyxwvutsrq
taszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
À "A
transformam-se em "espontaneas", categorias e praticas espontaneas contra a ex-

ploração. Desta forma, a cultura operária, tal como ela se manifesta na produ-

ção, seria constituída não somente de categorias de pensamento e práticas rein-

terpretadas e invertidas, mas tamb~m at~ mesmo de obras acabadas, resultado do

"cut.tas " e não possuídaS ~


seu trabalho, "obras" de um tipo singular porque nãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO

10 a.utor.

Neste sentido, analisaremos sucessivamente, nos tr~s primeiros capitulos,


a visão dos operários do açúcar sobre o processo produtivo da usina e sobre a

cooperação, através da própria auto-diferenciação interna dos operáriosj a jor-

nada de trabalho da usina e suas condições ambientais de trabalhoj a -


concepçao

que têm os operários do salário.


- ,
Assim, teremos uma descriçao de varios aspec-

tos relacionados ao processo de produção da usina, que parte do ponto de vista


, ,
das categorias de pensamento e dos modelos de comportamento dos operarios. Alem

disso, a compreensão que se pode ter assim do fUncionamento de conjunto da usi-

na, atrav~s da reconstrução te~rica do ponto de vista dos diversos operadores~


manos diretos da usina, parece ser muito mais rica que a descrição de conjunto

que pode dar do funcionamento da usina um organizador da produção, um gerente

ou um engenheiro, preocupado predominantemente com a inter-relação entre a ma -


,.; '-
quãnar ía e a materia-prima com vistas a quantidade do produto. A consideraçao
-
do ponto de vista operáriO, ao contrário, aponta para as formas especificas de
exploração da força de trabalho efetuadas nessas unidades da grande indÚstria
que são as usinas de açúcar.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I' _

Mas apropria descriçao das formas concretas em que sao explorados oszyxwvutsrqponm
Op!
, , ~
rarios do açucar aponta para uma certa especificidade das condiçoes de trabalho

a que estão submetidos tais oparaz-Los com relação aos operar í.os urbanos. A in-

serção em meio rural desses operáriOS, elo industrial de um trabalho que se ini
.xí.í.L.zyxwvutsrqponm

cia no campo, aparece a. cada. momento de maneira subjacente às condições de tra-

be.lho na. planta fabril da usina. A começar pela sazona.lidade da produção do 8.-zyxwvu
,
çucar: a parte industrial das usinas funciona, em Pernambuco, aproximadamente
, ,
de ~etembro ate março ou abril, moendo as canas cortadas na parte agricola e i-

medi&tamente transportadas para a. fábrica. De abril a setembro as usinas -


sao

totalmente desmontadas para reparação e reconstrução de peças e instalações,tr!

balhos estes necessários devido à erosão e desgaste da maquinária e instalaçõeszyxwvutsrqp


.I , _

resultantes da propria natureza da materia-prima e do ritmo de produçao a todo

vapor durante a moagem. As características agro-industriais da produção do aç~

cal' exigem assim, além de uma seção de fabricação do aç~car (6), uma seção de ~
-, ,
ficinas diversas para a manutençao da fabrica e sua maquinaria durante a moagem
,
e principalmente durante o períOdO de entre-safra (7). Alem disso, ao necessi-

tal' de um sistema de transporte continuo entre o campo e a fábrica, abastecendo

essa ~ltima de uma matéria-prima que começa a perder seu teor de sacarose a.pa~

(6)A seçao de fabricaç~o das usinas de aç~car compõe-se de (a) sub-seção da. mo
enda, que se decompoe nas pontes volantes de descarga da cana; na moagem dã
cana obtendo-se o caldo bruto realizada pela moenda, a qual é acionada por
uma máquina a vapor gigantesca de mecanismos expostos; na esteira de bagaço
que o leva às caldeiras onde é proâuzido o vapor consumido na usina; (b)sub-
seção de purificação do caldo, decompondo-se em balança de caldo, sulfita. -
ção, caleação, aquecimento, decantação e filtragem (separação das impurezas
do caldo); (c) sub-seção de fabricação propriamente dita (concentração do
caldo por evaporaçãoh decompondo-se nas seguintes operações: evaporação, co
zimento (nos vácuos), cristalização, turbinagem, secagem, pesagem e ensaca~
mento (cr . Fernandes, 1971} , As u~inas produzem aç~car cristal, principal -
mente para o mercado interno, e açucar demerara, principalmente para o mer-
cado externo, segundo cotas determinadas pelo IAA,

(7) As oficinas anexas


 à seção de fabricação nas usinas geralmente são: oficina
, _

mecanica, oficina eletrica, fundiçao, serraria, carpintaria, olaria, ofici-


na. da seção de comunicação (telefones e rádiO), seção de construção
 ') _
civil
(residencias e edificios , oficina de manutençao e reparos do transporte fer
roviário, garagem de manutenção e reparo,sdo transporte rodoviário, oficin~
de conservação e reparos de implementos agríCOlas. Nessas oficinas encon -
tram-se, entre outras, profissões como as de serralheiro, torneira, caldei-
reiro, soldador, moldador, aplainador, fundidor, eletricista, ferreiro, me-
Á

canico de garagem, carpinteiro, pedreiro, pintor.


.xiv.zyxwvu
, ,
tir do momento em que e cortada no campo, a usina exige assim um grande numero

de trabalhadores atuando nos transportes internos ao seu territ~rio e ao do. en

genhos de propriedade de terceiros que lhe fornecem cana. Por outro lado, as
,
necessidades variaveis de trabalho segundo a safra e a entre-safra divide os o-

peráriOS segundo trabalhem o ano todo na usina ou somente parte do ano.

Segundo os dados da amostra de Motta e Silva (1971), dentre os aproxima~


mente 20.000 operáriOS do açúcar na época da safra, 55% trabalham nos transpor-
tes e 45% na indm:tria (seção de fabricação e oficinas). Na entre-safra, nozyxwvutsrqponm
, _ r-; ,

entanto, ha uma inversao de importancia numerica: dentrezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX


03 aproximadamente

13.000 operáriOS que permanecem na usina para os trabalhos de reparos, 60% tra-
, ,
balham na fabrica e 40% nos transportes. O numero elevado de trabalhadores nos

transportes durante a safra se deve aos serventes que ajudam no carregamento e


descarregamento da mat~ria-prima nos vagões dos trens e nos caminhões e aos ser
ventes que conservam os trilhos da estrada de ferro. Além disso o nÚmero de

trabalhadores nos transportes está superest.imado por incluir operáriOS das ofi-

cinas de trens e caminhões, que poderiam ser considerados operáriOS vinculados

à fábrica em suas oficinas anexas. Diante disso, na realidad3 há uma tendência


à. mão-de-obra se bipartir em transporte e indústria, me í.o a meio. De qualquer
,
forma, OS serventes parecem ser mais numerosos nos transportes que na industria:

nesta ~ltima os serventes concentram-se na esteira por onde entra a cana na fá-
,
bricaj na limpeza da esplanada, o chão da fábricaj na caldeira, tambem em ta-

refas de limpeza do bagaço; e no armaz~m, no carregamento dos sacos de aç~car .


Assim, a redução de operáriOS ligados ao transporte durante a entre-safra, uma

redução de mais de 50% do contingente da safra, ~ maior que a redução dos oper~

rios ligados à ind~tria, que ~ de 20%. Essa redução se efetua sobre os serven
, - ~
tes; os operarios com profissao,seja da fabricaçao, seja dos transportes, seja
das oficinas, permanecem na entre-safra, constituindo-se nos operáriOS fixos
,xv.
à repartição entre operários da fabricação do açÚcar e operários de ofi-
QuantozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

cina: em algumas usinas os operários de oficina equivalem numericamente a 2/3


dos operários de fabricação na safra, tornando-se meio a meio durante a entre -

safra; já em outras usinas o contingente numérico das duas seções é aproximada-zyxwvut


, .
mente igual na safra, havendo mais operar2os de oficina durante a entre-safra ,

o que acarreta o recrutamento de alguns serventes para auxiliá-los.zyxwvutsrqponmlk


~ J , /

ASSim, o carater agricola dessa grande industria que e a usina concentra


,., r.;"-

tipos variados de operarios: operarias de fabricaçao, operarias de oficinas de


- , ~
manutençao, operarios ligados aos transportes, operarios fixos e operarios sazo
~

nafs .
,
Por outro lado, dentre os operarios fixos, grande parte deles mora em ca-
sas da própria usina, próximas à planta fabril. Um dos traçJs distintivos das
usinas de aç~car, ao menos no Nordeste, é assim a formação de um bairro operá -
,
rio nas ~roximidades da fabrica, um aglomerado de casas de propriedade da usina

para usufruto de seus operar tos permanentes. Essa ligação direta entre o domí-

nio do trabalho dos operáriOS e o dominio de sua moradia, que geralmente não e-
xiste para OS operários industriais urbanos que podem trabalhar em diversas fá-
bricas e continuar morando na mesma casa, faz com que tanto o "tempo livre" do
" ~
operaria do açucar, quanto as condiçoes de sua moradia sejam fortemente determi

nados por sua inserção especifica no processo de produção da usina. Essa carac

terÍstica também justifica o privilegiamento do estudo da esfera do trabalhones

ta tese -- além do fato que é na produção que se efetiva uma afirmação estraté-

gica dos operáriOS através da reinterpretação de categorias e práticas impostas


" ,
--, mesmo porque atraves desse estudo chega-se necessariamente a esfera da mora
, - ,
dia, devido a ligaçao trabalho-moradia que e especifica a usina.
~ ,
Tal ligação
traz profundas conseqüências ao próprio mercado de trabalho dos operáriOS do a-zyxwvutsrqpo
çucar,
"
conforme tentamos examinar no capitulo
r
IV.
.xvi.
Chegamos assim de volta ao primeiro parágrafo desta introdução, e com ele

aos problemas encontrados para a realização da pesquisa que serve de base a es-

tas páginas. à moradiazyxwvut


Com efeito, o car~ter fechado da fábrica, estendendo-sezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
,
de seus operarios, dificulta o acesso de um observador exterior a esses traba -
, ,
lhadores, Se as dificuldades de pesquisa com operarios em fabricas urbanas, ao

poderem ser resolvidas com o acesso à residência dos operários, transformam- se

em dificuldades de localização de um bairro operário significativo; no caso

das usinas de aç~car, ao contrário, a facilidade de localizaçrodos operários

concentrados transforma-se na dificuldade de sua acessibilidade pela sua submis

são à autoridade territorial do usineiro e pela administração da usina.

A primeira oportunidade que frutificou de minhas tentativas de penetrar

em uma usina apareceu de uma forma que se pOderia prever a prior! que inviabili

zaria a pesquisa: ser levado a uma usina,para passar alguns dias, por seu

proprietário, ao qual consegui apresentação por intermédio de relações de amiza

de de familiares. Mesmo prevendo a impossibilidade de um relacionamento com

os oper~ios dessa usina que :çermitisse a aproximaçao e a confiança necessárias

a entrevistas sobre o cotidiano de suas vidas -- as quais dependem em grande

parte do patrão, essa mesma pessoa que me permite permanecer na usina como qua!.

que- trabalhador pode presumir -- decidi assim mesmo observar uma usina mais dezyxwvutsrqponm

perto, mesmo tendo de levar em conta nessa observação minha posição de Itconvida
A
do 11 do us ineiro . Passei tres dias nessa usina, com o usineiro ou algum de seus

empregados administrativos sempre ao meu encalço e a exercerem casualmente, en-


~
quanto me mostravam o funcionamento da fabrica, SU8,S prerrogativas patronais

assisti a interpelações de operáriOS sob pretexto de serviço mal feito, à convo


cação de operários, ordenados a falarem com "esse moço que quer fazer uma. pes -

quâsa sobre você", etc. Sintomaticamente, no segundo dia dessa convivência for
~
çada na casa-grande, o usineiro convidou-me para conhecer a regiao, e o seu ear
.xvii "zyxwvuts

TO embrenhou-se Agreste adentro, onde passamos o dia todo, longe das usinas. Nozyxwvutsrqponmlkjihgf
'"
terceiro dia, no entanto, conseguindo uma pequena folga da vigilancia de meus

cicerones, conversei com alguns operários que faziam sua refeição na marmita ,
, zyxwvutsrqp
do lado de fora da fábrica. Para minha surpresa, além de serem receptivos a
N / ~
conver;açao com um hospede do patrao, mas que se apresentava como um estudante

que desejava. conhecer a vida dos operários, conversa esta que me forneceu algu-

mas informações preliminares sobre as atividades dos operários na usina, eles

não tiveram nenhum problema em fazer reclamações, tais como o não pagamento de

horas extras devidas" De qualquer forma a permanência nesta ~~ina, além de for

necer algumas informações sobre a usina e fazer sentir o seu clima, permitiu o

acesso ao usineiro (e seus empregados administrativos) com sua conceção de mun-

do a refletir-se principalmente sobre o mundo em que tem todo poder, a usina.

Voltando a Recife, fui procurar o sindicato dos trabalhadores industriais


~
do açucar, onde entrevistei seus dirigentes e consultei seus arquivos no que

concerne a questões trabalhistas e E', relatórios de atividades do sindicato enca


,
minhados ao Ministério do Trabalho. Pensei em errtr-eví.e tar os operarios que fo~

sem até o sindicato, mas o fato de sua sede 10ca1:1z8,:"-8Cem Recife, distantezyxwvuts
I'

das usinas, fazia com que aparecessem muito poucos ope~:,a:r~.os


no sindicato, e de

forma. irregular (8) o presidente do sindicato ficou de 1..evar--me , no entanto,

,; ~ ,
( 8) Essa estrutura geografica do sindicato parece dificulte,!'sua açao junto as
bases. Possuindo apenas sua sede central e uma pequena. sub-sede em uma ci-
dade do interior da zona da mata, o acesso da massa de opsrários ao sindica
to para fazer suas queixas, "botar questão" e exercer sua própria associatI
vidade de grupo social ~ica bastante dificultada" Uma viagem a Recife tomi
muito tempo -- inclus ive terr,pode tre,balho -- e te'} um certo CU!3to monetar-ã
o para o operáriO. Além da sede central, o sindicato p03sui um delegadostn
dical em cada usina, um indivíduo isolado em me Io ÇcO poder absoluto da admI
nistração da usina" (Os delegados sindicais geralmente são escolhidos de 80=
cordo com a bas e .) Os delegados sindicais consomem muito de seu tempo via -
jando de sua usina para a sede em Recife e vice-ve:rsa. Já os sindicatos dos
trabalhadores rurais, de implantação municipal, com uma fec~er(l,çãosediada em
Recife, se permitem um contacto muito maül estreito com seus asaocãados , O
•xviii.zyxwvutsrqponm

com suas imunidades, a. algumas usinas; apresentando-me aos operárioszyxwvutsrqponmlkjihgfedcba


o

Paralelamente, visitei urna usina. junto com os demais pesquisadores do

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social que estudavam outros grupos so

cãaãs na. área., levados por um técnico do JAA. Nesta ocasião, fui apresentado ao

gerente dessa usina. Durante a visita à fábrica, encontrei-me casualmente com


~
o delega.do sindical dessa usina e disse que havia estado no sindicato doa oper~

rios ém Recife.

Poucos dias depois o presidente do sindicato levou-me pessoalmente àmeama.

usina, onde ele tinha boas relações tanto com os operáriOS quanto com a admini!

tração. Nesse dia, em que subsidiariamente fui apresentado pelo presidente do

sindicato e pelo delegado sindical da usina ao lazer operáriO -- o banho de rio

e o prato de tatu no almoço na casa do delegado sindical --, fui apresentado

também por eles aos operáriOS dentro da usina, enquanto trabalhavam. Nessa. a -
~ ~ ~
presentaçao, foi sugerido que eu seria enviado do proprio Presidente da Republ!

Ca' que estaria ali para observar as condições de vida dos operáriOS, relatan -

do-as nas es feras superiores para a tomada de provid~ncias. Embora eu tenha ten

tado desmentir e descaracterizar tal apresentação, dizendo que vinha da Univer-

sidade do Rio de Janeiro, e que meu objetivo era fazer um livro sobre a vida
, ., - , ,
dos operarios do açucar, tal sugestao ficou na memoria dos operarios, mesmo PO!

que o meu desmentido não contradizia, para os operáriOS, a apresentação feita.

Quando disse depois ao presidente que, além de inveridica, aquela apresentação

podia suscitar desconfiança da parte dos operáriOS em relação a mim~ foi-me re~
~ ~
pendido que, muito pelo contrario, era isso que os operarios queriam. Depois de

percorrer a fábrica, desta vez com o presidente do sindicato, e sendo apresent~

acesso ao sindicato é muito mais próxBuo, o trabalhador rural pode freq~en-


tar a sede sindical municipal com freq~ência e exercer sua associatividade
de classe.
.xix.zyxwv
,
dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a.OS opera.rios, voltamos a :Recife. O presidente do sindicato ficou de leva.r-

, , .
me outro dia a usina.para. entrevistar os operar~os.
,
No entanto, como este ultimo teve necessidade de viajar" por razoes - de

tempo decidi voltar por conta. prÓpria à. usina, juntamente com minha mulher, com

a.intenção de procurar o delegado sindi~l e tentar ficar algum tempo li, entr!
vistando os operáriOS. Pensávamos encontrar algum alojamento na pequena cidade

próxima à usina.. No entanto, essa Jltima expectativa não se concretizou, prin-

cipa.lmente porque não havia alojamento para casal. Fomos então procurar o del!

gado sindical na usina (distante 3 a 4 km da cidade)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR


o qual, não tendo conse -
J

guido achar outra. solução (9), foi conosco ao gerente da usina pedir alojamento
, -.. ~
para. nos. Recebendo-nos friamente, estranha.ndo a apresentaçao fe~ta pelo oper~

rio desse peculiar pesquisador, o qual, tendo uma origem de classe aproximada à

do gerente e já tendo sido apresentado à. direção da usina por ocasião da visita


I 4 _ " A

com o tecn1.CO do IAA.,nao recorre diretamente a gerencia, preferindo ser media-

do pelo delegado sindical; o gerente, no entanto, autorizou o nosso alojamento

em um quarto de urna casa de um empregado administrativo que estava vaga e em r~


r-;
forma.s.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
No decorrer de nossa permanencia na usina, o gerente procurou desfazer

a impressão de frieza demons brada quando da nossa apresentação pelo delegado s~

dica1, fazendo questão de tratar-nos como "hóspedes", convidando-nos freqiiente-

mente ~s suas refeições. De fato, com isso podia exercer um certo controle so-

bre a nossa atuação dentro da usina embora ele tenha tido a dignidade de nun

ca fazer a menor pergunta ou menção à minha pesquisa no que se refere ao que e~

(9) O delegado sindical tentou antes canaeguir acomodações no "hotel tI da.us im s


onde residem alguns jogadores de futebol profissionais, contratados peloclu
be da usina () " de bar, e
cf', capo IV • Esse hotel, que serve tambem geridq~
por um ex-empregado administra.tivo da usina e fica localizado na rua dos e~
pregados e chefes de seção, defronte ao lado principal da planta fabril.Ta!
bém ai não havia alojamento para casal. T
.xx.zyxwvu
recolhia nas entrevistas eom os operarios. /

Por outro lado, eu tambem -


~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
nao pedia

maiores informações a ele sobre a usina para não dar pretexto a nenhuma pergun-

ta sobre a pesquisa, respeitando a discrição do gerente. Em uma situação de p~

quisa envolvendo antagonismo latente de classe, o privilegiamento de um grupo

socia.l pode "neutralizar" o grupo oposto enquanto informante potencial.


Apesar dessa situação ambígua em que me encontrava. -- e, de fato, a pró -
pr-La na.tureza."fechada." e de anta.gonismo de classe latente da usina reforçava.oszyxwvu
I I

traços de ambigüidade social ja caracteristicos de um pesquisador que fatalmen-

te se envolve com as relações entre classes --J por um lado, aloj9.-dona.rua dos

empregadOS, os chefes de seção dos operáriOS, e sem possibilidade de recusar to


dos os convites do gerente para as refeições (mesmo porque não havia na usina.

lugar onde comer regularmente), por outro lado, mediado pelo delegado sindical
, ,
em quem os operarios reconheciam seu representante, os operarios demonstravam

confiança. e boa-vontade nas entrevistas. Certamente a apresentação através do

sindicato era mn bom aval, e quanto ao nosso alojamento e contactos eventuais


A 'Ir,. ~.

com a gerencia, tal fato devia-se a propr1a impossibilidade da usina receber al

gum hóspede estranho a não ser pela própria direção, os operáriOS não possuindo

uma alternativa própria de alojamento a oferecer. Al~m disso, o fato de pesso-


as com toda.s as a.parências das rlclassessuperiores", "instruidasflJ interessarem-
~ , ,
se em ouvir longamente os operarias falarem sobre sua propria vida, alia.do a e~
perança implicita nos operáriOS de que as informações transmitidas seriam divul
gadas fiOU no Rio, ou em são Paulo ou em Bras:Í.lial>
e que pudessem eventualmente

trazer-lhes alguma vantagem sensível, fazia com que fôssemos recebidos com sim-
patia. Alguns operários tinham, no entanto, clareza que a pesquisa não lhes

traria nenhum resultado, a não ser uma certa divulgação do seu sofrimento nas
.xxi.

usinas, o que lhes motivava contar pacientemente toda sua vida no trabalho (10!

Bar outro lado, ressenti que alguns ope~ios esquivavam-se de conceder entre -

vistas, o que foi confirmado através de outros operáriOS com quem freqflentemen-

te conversava7 que mencionaram o fato. Para aqueles, o meu aval sindical tal -zyxwvutsrqponm

V~ não compensasse o outro lado da ambigüidade que eu apresentava. Talvez re-

presentassem uma oposição sindical difusa e latente, e poderiam ser dos operá -

rios mais interessantes a serem entrevistados pelo motivo mesmo de sua cautelazyxwvuts
_ A

desconfiada de uma situaçao de pesquisa de fato com as aparencias de ambigÜida-


de (11)

(10) Al~ns operários faziam das entrevistas autênticos libelos contra c~rtas
pra.ticas das usinas, como se fizessem um relato livre de uma reclamaçao tra.
ba1hista. (sem estar preso a certas limitações jurídicas des~as queixas que
os advogados sindicais recebem, conduzindo o relato dos operáriOS dentro
dessas limitações). Assim, ruu operáriO fez um relato livre de seus proble-
mas na usina de uma hora de duração, Bem nenhuma pergunta minha (a não ser
de esclarecimento)7 como se estivesse gravando um depoimento. Sua confian-
; -
ça na materialização da ~,
divulgação de suas den~cias concretizava-se
propria evocaçao a um publico imaginario durante a gravaçao , como se a gra
IV , ,
na- _

vaçao ela propria fosse


~
ser divulgada para um publico de confiança.
A
Assim
terminava esse operario o seu depoimento de maneira radiofonica: "E nada
tI
mais tendo para contar por hoje a vocês, muito boa noite.

(11) Tais operários desconfiados pareciam associar-nos a representantes do "Ina


tituto Cultural do Trabalho" -- entidade associada ao "Inst. Americano pa:-
r-a o Desenv. do Sindica1ismo Livre" e que faz convênios com os sindicatos
para
_
dar aulas sobre direitos trabalhistas,
'
levando sua mensagem e sua
A
vi-
sao peculiar do sindicalismo -- que , na epoca mesmo de nossa permanencia na
usina, foram levados pelo sindicato para darem um "curso" de uma semana na
usina. Se tal "curso", dado à noite, fazia concorrência com nossas entre-
vistas no que diz respeito ao escasso tempo livre dos operários sujeito~ a
enormes jornadas de trabalho< por outro ~ado, ao concentrar muitos opera -
rios da usina, para assistir
~ as suas sessoes,
~ facilitou-nos um primeiro con
tacto com varios operarios, aos quais propunhamos uma entrevistas mais pr o
-
longada posterior. Em um primeiro momento ~ramss confundidos pelos operá=-
rios com os elementos do curso, embora demonstrassemos
, distanciamerrto.
, No
entanto, pouco a pouco, com nossas idas as suas casaz, os operarios foram
estabelecendo suas diferençae) dizendo respeito,g principalmente ~ nossa a-
titude de interesse e atenção ao que diziam de suas vidas. Que elementos
da clas~e dominante, do Rio de Janeiro, eram esses que d~vam tanta atenção
e deferencia aos "pequenos "? Nossa atitude de apr-oxãma çao, de procurar os
operários em suas casas 7 comer o que ofereciam, e.e andar longas distâncias
a pé para ir de casa em casa (características apontadas pelos pr~prioszyxwvutsrqponmlkjih
op~
.xxii.
Assim, as condições de meu acesso aos operários do açúcar no prÓprio ter-zyxwvutsrqpo
~ -;
ritorio da usina, deveram-se a uma conjunçao de fatores favoraveis que puderam

derrogar o dilema inicial da pesquisa evocado no primeiro parágrafo desta intr~

dução, sem no entanto anular sua vigênCia. Sem contar com a boa vontade dos di

rigentes sindicais e a dedicação do delegado sindical, por um lado, e por outro

lado com a boa vontade do gerente da usina; sem contar com o clima de liberali-

dade relativa dessa usina e com relativamente boas relações entre sua adminis -

tração e o sindicato, e sem cercar-me de apresentações por todos os lados aos


A
distintos agentes sociais da usina, não conseguiria permanecer cerca de um mes

alojado na usina a entrevistar seus operários (o prazo de um mês constituiu- se


como que em um limite superior subentendido de tolerância por parte da adminis-

tração da USina). Assim, a ausência de conflitos coletivos expl{citos, nessa

usina, entre os operáriOS e a administração, se por um lado deixava de revelar


com maior clareza o funcionamento da usina e suas contradições internas, por o~
tro lado contribuiu para ao menos permitir a viabilidade da pesquisa ser feita

no próprio território da usina, embora com todas suas limitações.

rários como favorecendo essa aproximação e Simpatia), contrastava com a a-


titude distante, "professoral" e de um etnocentrismo de claSSe acentuado
dos elementos daquele instituto. (Um advogado sindical conferencista dissezyxwvutsrqponm
à platéia de oper~rios que era um absurdo que eles não soubessem fazer su-
as queixas trabalhistas nos sindicatos em termos jur1dicos apropriados!) .
Esse curso criou um certo clima de novida.de e "agitação" na usina que favo
receu nossas entrevistas. Por outro lado foi interessante observar as rea~
ções dos operários diante do curso: aproveitando ce~tas instruções sobre
seus direitos, tentando aprender com avidez e atençao os mecanismos da jus
tiça trabalhista, do FGTS (os operáriOS estavam polarizados com os "acor:-
~
dos" oferecidos pela usina aos operarios ')
estaveâ.s , mas recebendo com es -
tranheza (e sem saber bem do que se tratava) uma mensagem totalmente em dis
sintonia com sua vida, tais como as pregações contra "uma tal de luta d-e
classes ". Os r epreeentant ee do Instituto pasaavam ~ambém um cineminha de -
pois das conferencias, a maneira de certos anãveraaz-ãos de crianças de elas
se m~dia e burguesia, sobre temas como a "revolução verde" na Índia, a mis
são salvadora dos EUA no Vietnã e o muro de Berlim. Ao aparecer na tela um
trecho do muro de Berlim -- trecho este que consistia no aproveitamento de
uma fachada
, de um edificio que pre-existia exatamente no traçado da linha
divisoria e que apresentava o contorno de suas ex-janelas cobertas de tijo
los -- um operáriO exclamou: "Olha l~ uma fábrica!" -
.xxiii.

A maior parte das entrevistas, principalmente as 25 entrevistas gravadas,

com duração média de hora e meia a duas horas, foram feitas nas casas dos oper~

rios e suas farrrl.lias, seja em casas da usina, seja em casas na cidade próxima à
uaâna . Algumas outras foram feitas nas proximidades do clube da usina, onde a1

guns jovens operários, ajudantes e serventes, ganãzeram uma série de "depoi -


orzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

mentos", chamandocompanheiros que tinham vivido conflitos com as usinas consi

derados por eles significativos. A observação direta tambémpode ser bastante

desenvolvida, já que durante todo o tempo de nossa permanênCia na usina tudo que

ocorria era de alguma maneira informação. Assim, fomes levados para dentro dazyxwvutsrq
I' , ,

fabrica e oficinas varias vezes por operarios, que mostravam "in loco" seu tra-

balho. Realizei
""'"
tambem30 entrevistas nao-gravadas, alguma8 com operarlos
; . que

tambémentrevistei com o gravador. As entrevistas foram feitas com um roteiro

flexivel, variando de informante a informante segundo a s:Lhl.açãoda entrevista

e do entrevistado. Neste roteiro geralmente constava~ perguntas sobre a visão

do operáriO sobre o processo produtivo, sobre a jOl'nada de trabalho, o salário,


-,
sua moradia" suas concessoes extra-monete,rias como por exempl.o, a concessao de
J
-
um roçado, a organização de seu "tempo livre") o sindicato e os direitos traba-

lhistas 7 a história da usina, sua visão (IO'J outros grupos soc íats da "planta

tion", a compaz-açao - do trabalho no campo e o trabalho na usina) quaí.s as ocupa-

ções em que tinha trabalhado, 8,S US:i.n28anteriores em que já tre,bcühou. Ped1a-


"
mos tambemque o informante conta8se sua historia /
de vid::t.

A usina estudada é conside::ada já uma mina grande, com ap:,:oximadamente


800 operáriOS (ind~tria e transportes) (12) Opto,mospelo estudo de casc , por

.-
(12) A usina produz aproximadamente 700.000 a 800.000 sacos de açúcar- por safra,
quarta maior produção de Pernembucona safra de 69/70-, aproximadamentezyxwvutsrqponmlkjihg
55%
de aJ~car cristal e 45% de açúcar demerara (dado.3para as safras de 69/70
e 71 72).
.xxiv.
melhor perm;..tiro aprofundamento da observação direta e do estudo do discurso
a respeito de sua prática econômica cotidiana, e a compreensão do
dos operáriOSzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

padrão de relaçÕes entre os agentes sociais envolvidos em uma usina de aç~car •

As caracteristicas dessa usina especifica, sem maiores conflitos coletivos, fa-zyxwvu


,
zem dela um caso interessante como caso especial: os conflitos entre os opera -

rios e a administração desenvolvidos no decorrer deste trabalho ocorrem interna


.. ..
mente a todas as usinas da area., ja que ocorrem em uma usina. de "paz social" re
lativa..

Embora baseando-nos principalmente neste estudo .de caso, procuramos expor


, ,
neste trabalho as categorias de pensamento dos operarios, as praticas da admi -
nistração e dos operáriOS e as relações sociais fundamentais, recorrentes em to
das as usinas da região. Há assim, em um certo sentido, a preocupação em expor

o que seria o "modelo" de uma usina açucareira da área, privilegia.ndo-se o pon-

to de vista das representações dos operários. Assim, as refer~ncias a caracte


~ " ,;
risticas especificas ou a episodios historicos singulares dessa usina sao assi-
-
naladas ad hoc.

Procuramos certificar-nos da recorrência das relações sociais detectadas

neste estudo de caso enquanto padrões para as usinas, visitando duas outras us!
nas, onde foram feitas entrevistas não-gravadas com OS operários e suas famili-
~ ,
as. Uma delas, a que fui com o usineiro, esta situada proximo ao Agreste e tem

grande parte de sua mão-de-obra proveniente desta área enquanto trabalhadores~


zonais. A outra usina visitada localiza-se nos arredores contiguos a uma cida-

de do interior da zona da mata.. Mesmo estando assim praticamente dentro da c1-


., ",
dade , a usina mantem uma vila operaria própr-Ia, como que para eatanquâsar seus

operáriOS do resto da popUlação. Tal fato tende a confirmar esse traço caract~
ristico das usinas, a saber o de controlar mais diretamente a esfera doméstica
, ;

dos operarios a-traves de sua moradia.


.xxv.

Além disso, contávamos com a visão mais geral que podiam fornecer os da -

dos recolhidos na própria sede do sindicato dos operários em Recife: entrevia -

tas com a diretoria do sindicato, com os delegados sindicais, com os advogados

à lista descri-
e com operários que iam apresentar queixas trabalhistasj acessozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR

tiva das questões trabalhistas patrocinadas por advogados do sindicato e acesso

aos relat~rios de atividade do sindicato ao Ministério do Trabalho.


o fato é que, no entanto, de certa forma cada usina já.é por si só no
,~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~
que diz respeito as caracteristicas de seus operarios -- uma amostra represen~

tiva da.sdemais. Com efeito, as caracterkicas do "mercado de trabalho" pecu -


; , '" ;
liar dos operarios do açucar faz com que cada usina tenha operaDOs que ja pass~

raropor diversas outras ao longo de sua vida produtiva. Assim, como nosso uni-
N ~ , ~

verso de pesquisa Bao os operarios do açucar e 000 necessariamente as unida.des

de produção especificas em que se inserem, pudemos ter acesso, através do rela-

to dos operáriOS da usina em que centramos nossa pesquisa, às condições de tra-


balho particulares de diversas outras usinas.

Findas essas considerações preliminares de contextualização, resta-nos en

frentar o vapor, com o qual não estamos habituados, entrando no laboratório se-
~ ~
ereto da produçao do açucaro
CAPÍTULO I

DIFERENCIA.~O INTEF.NADCl3 OmBÁRICS DO AçúCAR:


AzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA O CÓDIGO DA ARTE

fiQuem tem arte não se dobra." (se!


vente) •

1. Introdução

Atra.vés da. pla.nta fabril de uma usina de aç~car pode~se inferir a exis -

tência espacialmente diferenciada de, por um lado, operáriOS trabalhando na f!

brica.ção propriamente dita do aç~carJ no edificio principal da fábrica; e, por

outro lado, de outros operáriOS trabalhando em diversas oficinas anexas. Além

disso, as estatísticas das usinas nos informam sobre a existência de operáriOSzyxwvut


/ /

fixos, que trabalham o ano inteiro, e de operarias temporarios, que tra.balham

durante a moagem e são dispensados na entressafra. Essas diferenciações espa-

ciais e temporais que se apresentam a uma percepçao mais imediata, de nada nos
A _

garantem de sua suficiencia para uma caracterizaçao dos diferenteszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW


tipos de o-

perários presentes em uma usina de aç~car. Mais al~m desses documentos escri-
/

tos e oficiais -- estatisticas e plantas: obras acabadas da cultura dominante,

que nos informam subsidiariamente sobre algumas caracteristicas da mão-de ••obra

- •.•interessa-nos recorrer à. cultura dominada, na expressão de suas atitudes


com relação à. sua prá.tica econ8mica, e tentar compreender o discurso dos ope-
rários sobre seu lugar no processo de trabalho e a visão que têm da coopera -
A •
ção que lhes é imposta na usina. Assim, poderemos ver de um novo angulo a di.-

ferenciaçao
- interna dos operarios,
/
tentando apreender
/
a sua logica.

Qual a importância dessa diferenciaqão interna? Por que não estudar 10-
go a concepçao
- que o conjunto dos operarios
/ ,
faz deles proprios e dos outros

grupos da "plantation"? Pode-se responder /


que sua propria diferenciaçao - inter
.2.zyxwvutsrqponmlk

na pode ser significativa para uma apreciaçao diferencial "zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY


de si proprios e dos

outros grupos. E, principalmente, que a organização do trabalho industrial na

usina, com sua divisão do trabalho interna rigidamente estabelecida, com dife~

rentes formas de cooperação nas distintas seções da usina, incentiva a hierar-

quização das funções operárias da usina. Assim, a diferenciação interna entre


.-
os operarias, na parte industrial da usina, deve ter provavelmente, para os
/ / A ~
proprios operarias, uma importancia maior do que tem, na parte agricola da usi

na, a diferenciação interna correspondente para Ot'1 pr~prios trabalhadores ru -

rais.

É preciso, no entanto, nao exagerar essa diferenciação interna, em detr!

mento da concepção dos operáriOS industriais do aç~car como um grupo social r!

lativamente homogêneo. A pr6pria fluidez dos operáriOS entre as diversas cat~

gorias em que se subdividem, durante o seu ciclo de vida, contribui para for ••

mar uma ideologia comum. Além disso, sua submissão comum a urna administração

comum -•.•que pode transferi-Ias de uma categoria para outra -~ assim como a re

lativa inoperância dessas categorias, no que se refere aos operáriOS estáveis,

para diferenciá-los quanto à moradia -- a qual é submetida à mesma autorida


de -- também contribuem para a sua delimitação enquanto um grupo Bocial homog~

neo.

* *
,
Nas entrevistas com os operários, sua autoclassificação com relação a

sua ocupação podia se dar em um sentido mais restrito, mais "preciso" no senti

do da localização especifica do operár í.ono processo de tre,balho -- "sou cozi-

nhador ", ou "sou caldeireiro" -- ou em um sentido mais amplo -- "sou servente",

"tz-aba Lho na fabricação". Evidentemente, a própria posição do informante com

relação à Classificação tinha influ~ncia na maneira como ele se autoclassifica


va . A possibilidade do operário autodenominar sua. ocupação com "precisão" de ..•

pende se esta ocupação tem suficientemente importânCia social para ser autode-
"
nominada enquanto tal.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Alguns operarios -
definem sua ocupaqao como uma profis-

são. Essas ocupações merecem uma denominação peculiar, designam um trabalha. ~

"
dor que exerce um trabalho util "
especifico. (Ex.: "cozinhador", "evaporador ",

"motorista", "torneiro", "serralheiro", "ca.rpinteiro"). Outros operários, ao

contrário, designam suas ocupações ou de uraa maneira vaga, que não define seu

lugar e funções no processo produtivo (Ex.: "servente"), ou em função seja de

uma profissão, seja de uma seçao da fábrica ou de uma máqUina especifica (Ex.:

"servente de arma.zém", "ajudante de caldeireiro"). Essa autodenominação menos


.-
"precisa ",de fato nao carece de precisão;zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ao contrario, ela reflete a mobili-

dade e instabilidade dessas ocupações, assim como seu papel subordinado seja

diretamente a uma seção ou máqUina, seja a outros operários com profissão. As

categorias "
classificatorias utilizadas para essas ocupaçoes - -- "servente" e lia

judante" -..,pedem por si só um complemento para uma localização mais exata de

suas tarefas especificas.

Quando o operário designa sua ocupaçao como uma profissão especifica, e...

le em seguida passa a uma nova classificação e diz se essa ocupação é uma arte

ou uma profissão, e se ele é um artista (ou oficial) ou um profissionista. As

primeiras designações são mais concretas e especificas, as segundas obedecem a

uma classificação mais abrangente.


,-
Os operarios se autoclassificam, portanto, nas seguintes cat.egorías.:
.4.zyxwvutsrqponml

~
ClassificaçaozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Atividade especifica
mais geral
CI.I
o ligado a um profissionista, a uma seçao ou
· ri
H .-
'ro Serv.mte a uma maquina j podendo variar muito quanto
rcJ
,
§
/

as tarefas que lhe são distribuidas.


o
Q)
fIl

fIl
o ligado a um artista ou a um profissionista,
· ri
H zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Ajudante tarefas
J

tendo especificas em função do tra


'ro
H
Q.I
"
J
-
PJ balho util do operario principal.
o
,::íl ~
ro fIl "
PJCI.I denominações especificas Ex . ; cozinhador,
Profias ionista
o

'ri 'ri
0'+-1
r::1 o soldador, evaporador, motorista, etc.
· ri ~
H P.,
PJ
ro ,
fIlrcJ
o Artista denominações especificas, Exo: carpinteiro,
''''; ::
~ o
"rolro
H· ri
ou caldeireiro, torneiro , serralheiro.
Q.I b.O
Oficial Local de trabalho: oficinas.
0g:.
PJQ.I

No discurso dos operários, a categoria profissão aparece com dois sent.!,

dos. Por vezes ela se opõe à não profissão, isto é, ao serviço executado pe -
Ias ajudantes e serventes, e a categoria incluiria assim,à exceção destes últi

mos, todos os operários. Mas, em outros contextos, ela se opõe à arte, a um ti

po especifico de trabalho útil executado por uma parte dos operários, os ~


.-
tas ou oficiais. Nesse sentido, mais restrito .•ODOSto à arte, a profissão e
" , dos profissionistas.
propr~a

A duplicidade de sentido não é uma caracter{stica exclusiva da categoria

profissão, no discurso dos operários. Com efeito, também a categoria serviço

tem dois sentidos: um sentido amplo, referente a qualquer trabalho na usina, e


,
um sentido mais restrito, referente as tarefas do ajudante e principalmente

do servente. Esse sentido restrito de serviço aparece no discurso sempre em


.5.
negativo: "Agcra , o que tem a. profissão dele, quer dizer que não faz serviço.zyxwvutsr Il

E, para distinguir do serviço em geral, o discurso do operario lança mao -


~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
do

termo "servãço pequeno";


,
E interessante notar~se que as categorias gerais referentes ao tipo de
~ Â ;
trabalho que os operarios executam na. usina tem tambem um sentido mais restri.

as quais se definem por oposição à categoria geral seguinte


to,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o Por outro Ia

do, parece haver uma convergência das outras categorias cem relação à catego ~
ria arte: ela é ao mesmo tempo a categoria mais específica dentre as catego ~

rias mais gerais e a categoria "Lndependant.e" das cat egor í.as mais especificas,

no sentido de que não precisa ser especificada por oposição a outra categoria.

Categoria Geral Categoria Especifica

Serviço, em geral (referente Serviço, por oposição à profis-


a todos os operáriOS). são (referente aos serventes e
ajudantes) .
Profissão, em geral (refere~ Profissão, por oposição à arte
/ ,
te a todos os operarios, a e~ (referente aos profissionistas)
-
caçao dos serventes e ajudan-
tes) .
Arte Arte
(referente aos artistas) (referente aos artistas)

Operador desta coluna: Operador desta coluna:


Generalização decrescente. Especificação que se define pe-
~ ,
Ia oposiçao a categoria geral
de grau de generalização imedi~
tamente inferior 8, categoria
geral hom;nima.
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
Nessa autoclassifieaçao -
que Se fazem os operarlos, se algumas categorias
I •

tais como as de "artista"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


e "pz-of'Lss Lon.la ta " parecem próprias ao discurso doszyxwvu
,
operarios, no entanto aparecem outras categorias que não são particulares e es

peclficas dos operários, no sentido que elas são cefinidas em primeiro lugar
~
pela propria administraçao - da usina e que remontam a uma classifica.çao funcio~ -
nal dos operários por parte de seus patrões. Evidentemente, a categoria ~ -
-" e especifica
vente nao " ~
ao discurso dos operarios do açucar, "
muito menos a pro-
/

, A
pria categoria de operario. Elas tem um sentido mais amplo. Se muitas vezes
/ A ~ {
os operarios tem uma denominaçao particular e especlfica p~ra algumas ocupa

ções, em oposição ou à margem da denominação dada pela administração da usina

••..••
tal, por exemplO, a denc!'1inação jocona do costurador de sacos no armaz~m da

usina: ft alfaiatei1 (1) _..•, o diGcurso dos operários se utiliza mais freqUente -

mente, na sua classificação de si próprios, das mesmaG palavras utilizadaszyxwvutsrqponmlkjih


pe-
,../ f'V

Ia administração da usina. O car-at.er especifico desnas categorias nao se en ,..

contra ao nivel da terminologia, mas sim ao nível do significado que elas ad -

quirem no contexto da usina, em particular o seu ca:c2.terde "reinterpretação


(2 )
criativa" por parte dos operá::ic3

(1) o jocoso da denominação está na as~ociação da. I1rte do a1~aia!e ao trabalho


desvalorizado do Servente de armaz em , Cf. ta.mbem ", denomã.naçao jocosa que
dão oS- profit::lsionistasaos artistas das of'Lc íriaa rN'c2nica~: na turma do ó-
1ee',"A pesa!' da va Lor
or azaçao da ar tzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e, a orp.."
í
ac HJ.a meLe,
- . da os
~ murLt.oo." Cf . aan
pintores, ; designados jocosamente, por ext ensao , a "turma dos dois ~leos~' o
-
primeiro oleo sendo a tinta, o segundo sendo a "bi:"2ta"
-
plicaçao desta ultima denominaçao., a citaçao de ent:rcvista que finda oca".
.-
/ -
ver, para a ex-

pitulo rrr.
(2) Bourdieu (1963: 314) utiliza a expr-es sao "reinvenção criativa" em um senti
" '" A -
do semelhante, porem no contexto diferente/da dcminaçao da ordem economica.
caPitalista sobre a "or-dem tradicionalll pre-capit"ü~3te, argelina., e a ada..E
taçao a essa nova ordem a que sao forçados 03 indlviducs dessa sociedade ,
adaptação esta que para realizar~se pressupõe at.í.tudca e comportamentos di
tados por tal "r eãnvençao". Verret (1972: 22), baaeando-s e em Bourdieu e
Passeron, fala na "reinterpretação cultural das mensagens da cultura domi-
nante nas categorias próprias da cultúra popular".
.7.
Se as classificações primitivas, que constituem g
como que uma "primeirazyxwvutsrqpo

losofia da natureza", podem ser explicadas pela organização social de um grupozyxwvut


A _ ~

social homogeneo de uma sociedade sem classes, a autoclessificaçao dos opera -

rios pode se explicar pelo seu contexto de trabalho - ... o qual, no entanto, se~
,
do-Lhes imposto por uma outra classe que os domã.na , Ih011e em um certo sentido

exterior como uma !fsegunda natureza", Mas como penetrar nessa "segunda natur~

za ", que por ser dominada por uma classe ~ vista diferentemente pelas diferen ...

tes classes, senão pela descrição que dela fazem os operáriOS?


~ ,
Asa Lm, para podermos dar conteudo as categoria.s or-denadas acima de manei
A • .'
ra formal, e para avaliarmos se a conv J.'gencla em torno dé'- ca+egcr ia arte e a,!
A •
go mais que uma fortui t:;, conver genc ra formal, t.ent.ar-ernoa a seguir relacionar ca

da categoria de operáriO à sua prática econômica eep2cifica e óiferenciada den

tro da us ina .

2 O Prcfissionista
,
Os profissionistas 10c2,]j..::,:e,m-sefora das oficinas J isto e, principalmen ••

te no processo ele fabricaç?:o propr lament.e dito e noo t.ranspor t.os (ferroviário

e rodoviário). Apecar deeaa disperJào locacional, vamos ncs concentrar prime.!


, ,-
ramente nos operáriOS que trabalham na fabricacso po í,a e principal-
do azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
Ç l1 C 2 ,1 " ,

mente dentro do contexto da fa"':lricaq3:o propriamente dita qU2 03 pr~issionis -

tas se opõem aos artista.8 e cons+z-oem, no discurso, sua eSlJecif:Lc5_dp~de.

A descrição do processo produtivo que fazem C'''; pr of'Las Lcnf.s tas da fabri ...zyxwvutsrqpon

parece refletir a pr-opr aa coopez-açao g:"an r1e indr:stria a


~ '. • -., .....:> .~
caçao espeC:'_IlCn. U3.

que estão submetidos. Quanc.o perguntamos sobre como é o t.raba'l.ho na usina, e-

les tendem a começar sua descriçc,o exat.ament.e x;o lugar em que a cana entra na
/ ~ /

fabrica e acompanham todo o percurso de transformaçao da Ir'1teria-prima pelas

diversas "
maquinas parciais sucessivas (~
Cf, citaçces de entrevistas ~ de
na Geçao
.8.zyxwvutsrqpo

a.nexos, no final da tese). Fascinado pelo percurso da cana, com a atenção pr~

sa aos caprichos do seu aparelho e tomado pelo ritmo ensurdecedor do pleno fun

cionamento da ferragem, o oper~rio profissionista da. fabricação limita ao m:Í.n.!zyxwvut


, _ L _

mo indispensavel a mençao a qualquer operaria na sua descriçao do processo pr~

dutivo. É como se os profissionistas fossem a própria encarnação da definiçãozyxwvutsrqp


~ .
de classe operarla de Halbwachs, a saber, "o conjunto de homens que, para da -

rem conta de seu trabalho, devem voltar-se para a matéria, e sair da socieda -

de" (Halbwachs, 1972: 60), sua descrição do processo produtivo denotando a sua

atenção exclusiva para a relação da maquinária com a matéria-prima e a sua abs

tração da relação dos operáriOS com os empregados, e dos operáriOS entre eles.
,
(cr. o artigo "Materia e Sociedade" em Ha'Ibwachs, 1972). Mencionando apenas

alguns operáriOS que manejam a cana antes da extração do caldo nos ternos da

moenda (o brequista, que controla a quantidade


de cana que entra na esteira ,
,
para o primeiro terno da moenda), ou que lidam com os sacos de açucar no final
, , {
do processo, o profissionista so vira a descrever tarefas especJ..ficas dos ope-
;

rari08 se perguntado, principalmente depois que o caldo da cana, na sua descri

ção, tenha entrado para a seção de fabricação. Descrevendo em todos os deta -

lhes o funcionamento dos diferentes aparelhos nos quais a transformação da ma-


, ;

teria-prima se da, uma figura no entanto aparece de uma maneira marcante, ex ~

plicita ou implicitamente, no discurso dos profissionistas: a figura do cozi -

nhador. Seja pela descrição direta do movimento do cozinhador nas suas tare

fas, seja pela descrição minuciosa e enfatizada do funcionamento dos vácuos e

do processo de cozimento do aç~car a indicar nas entrelinhas a presença habil~

dosa de um trabalhador, o cozinhador "


aparece como o operaria de maior importa~
/

, ,
cia da fabricay a ponto de ser considerado por muitos operarias, principalmen~

te por eles pr6prios, como o único operária que tem uma profissão na fabrica -

ção do aç~car.
Essa descrição do oper~rio da fabricação não situa a hierarquia na

ca., não menciona a interrelação entre os operários nem as ordens dos emprega -

é como se a direção e o controle da administração


dos:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA da usina sobre o seu

trabalho se desse mediatizado pelo próprio sistema de máquinas. Como se a vi-

gilância dos empregados sobre a vigilância dos operários à maquinária não fos~

se digna de ser ressaltada nesse contexto. E, como se a tarefa dos operários


_ A zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
"1' ~

da fabricaçao, de vigilancia continua das maquinas, acarretasse por si so azyxwvu


A /;' zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
vigilancia continua das maquinas sobre os operar10s. Nesse sentido, o opera -
I' • "

rio fala freqüentemente em seu discurso da responsabilidade que ele tem com r~
-, "
laçao a materia-prima e com o produto; responsabilidade esta que retrata, nos

diversos contextos em que aparece, mais que a vigilância do operáriO sobre o ma

terial do homem, a vigilância inversa do mate~ sobre o oper~rio (3). Note-


se aqui, de passagem, que apesar dessa inversao homem/coisa, o discurso do op~

rário está atento para sua relação com o patrão mediado pelo material: materi-
~
al do homem. A propria categoria de responsabilidade parece acarretar implic~

tamente a presença de uma relação pessoal com o patrão.

liA responsabilidade é grande. É porque a gente se arriar um cozi


mento daqueles, e não quiser turbinar, a reclamação vem pra gen -
te. A má fama quem leva é a gente, não é o chefe, né." (cozinha-
dor)
,
"Naquela epoca eu era moço e nao sentia tanto enfado, nem tanto
sono. Mas adepois, de acordo com o desenvolvimento
.-
mesmo da fa -
" o crescimento da idade, começaram o enfado, ne,
brica. e ta.mbem " e~
fado, sono muito, o serviço é um serviço de muito cuidado pra não
queimar o material do homem. (.,.) O maquinista de moenda, ele

(3) Essa inversão homem/coisa é descrita com as cores fortes da experiência vi


vida do trabalho fabril, por Simone vveil (1969: 337).
.10.zyxwvutsrqponm

tem uma grande responsabilidade, -


de nao deixar derreter um bronzezyxwvutsrqponmlkjihg
~ da lubrificaçao,
daqueles atraves - de escutar qualquer uma panca ~
da, uma coisa, não cochilar dentro do trab~lho. O que trabalha em
serviço de esborro não cochilar pra não esborrar para não estra ...
~
gar o material, dai por diante. O que trabalha em parte eletrica
tá atento pra o motor não se queimar, ou se queimar, ele v~ logo
e para, e dai" por diante!!, (cozinhador)

o sono parece marcar aqui o próprio limite onde o trabalho de vigilância


do operário sobre a máquina se inverte na Vigilância da máqUina sobre o operá~

rio. É a partir desse limite, a acumulação da monotonia que resulta no cochi ..•
10, que interv~m a nao monotonia da reprimenda da investigação e da fiscaliza-

ção da administração da usina sobre o operáriO. Mas essa ruptura da monotonia

irrompe tambem "


" sob a area "
de dignidade pessoal do operario, de forma que o op~
"
" í.o, ao vigiar a maquina,
rar .. .
tem que vl.gl.aro ' . sono.
seu pr oprao
,-
"Ai vou trabalhar. Chega lá ~ pra trabalhar mesmo. Aquilo e re-
parado, aquilo ~, tanta coisa, que a gente não sabe nem o que fa-
ça. E ainda dizendo que a melhor usina ainda e" essa porque nao-
anda investigando muito o trabalhador, sabe como~? (... )Meu trazyxwvutsrqp
balho e produzir.
I
E o serviço que mais trabalha dentro da
"
usina
~ turbineiro. E no aparelho o sujeito não pode cochilar, se co -
chilar, morreu". (t.urbãneã ro )

Embora as ordens dos empregados não apareçam quando da descrição direta

da produção, sua presença difusa e ameaçadora aparece subjacente ao discurso

do operáriO sobre as desvantagens do trabalho em determinadas seções entre


" Á ,

as quais esta o sono, que acarreta a referencia a investigação como seu opos -

to. A investigação, fiscalização exercida pela ad~inistração sobre os operá -


, / ,
rios, de que estes ultimos tanto falam, aparece em seu carater despotico espe-

d.fico para os profissionistas da fabricação nas interrupções de um trabalho

que tende a ser continuo em uma jornada de trabalho "sem poros ". A hierarquia

da usina aparece assim em momentos excepcionais no discurso do profissionista


.11.zyxwvutsrqponml

sobre o cotidiano de seu trabalho, para reaparecer de maneira marcante em ou -

tros contextos -- quando o operário se refere ao salário, ao consumo, à habita

ção, fazendo uma comparação entre a sua vida de privações e a vida de abund~n-

cia dos empregados,

A dependência do profissionista com relação à máquina que aparece de ma_

neira clara (para o observador), mas não explfcita, no seu discurso sobre ozyxwvuts
,
processo produtivo, e contrabalançada nesse mesmo discurso pela responsabilida

de que tem o oper~rio pela ~quina.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


"O profissionista toma conta de uma máqu.!,

na, de um aparelho. Ele toma aquela responsabilidade, não pode deixar o apar!

lho só" (soldador, tendo já trabalhado na seção de moenda). compensação pos.!,


'"
tiva a uma dependencia
, ~ .
passiva a maquana , a responsabilidade, intimamente lig!:

da ao trabalho do profissionista, não escapa no entanto às definições negati ••

va.s em que ela aparece -- "responsabilidade de não danificar o material do ho ••

mem", "responsabilidade de não cochilar no trabalho" -- havendo assim, de um

outro ~ngulo, a reafirmação da depend~ncia do profissionista à m~quina. Com e~


feito, a responsabilidade, ao contrário de eliminar a dependência à máqUina, a
/ /

reafirma, ao substituir as qualidades tecnicas do operario por uma qualidade

de ordem "moral", de vigia.


/
Tambem o conhecimento e o entendimento que os profissionistas descrevem

como necessários para o seu trabalho ou são definidos por proposições de nega~

çao ou então em função da máqUina:

I1Quem tem profissão não tem e.rte, agora tem aquele entendimento c9.
mo ~ que faz certo pra não estar perturbando nem prejudicando, en-
tendeu. É preciso conhecer duma temperatura, conhecer de um monô-
metro, conhecer de um grau certo, conhecer de uma quantidade de va
por, dai por diante o Uma pessoa que não ~ já:, que não ~ tão tapa-
do, faltou uma pessoa ali: nva" chamar fulano) diga a ele que venha
-'
ajudar aqui", E ele vem e quando chega aqui ja faz certo e se
.12.zyxwvutsrqp
~
trouxer um, vamos dizer do campo, ele quando chegar ca dentro)co~
tado, não sabezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
J até pra pisar em cima daquelas tábuas pisa com me
do, pensa que cai com ele. E é MSimll.(cozinhador)
_ A

As normas de socializaçao ao trabalho fabril, a vivencia de usina anteri

or do trabalhador -. o entendimento -- são enfatizadas e se somam à familiari-


~
dade tecnica com a operação dos aparelhes o conhecimento das indicações dos
;

instrumentos de mensuração térmica, etc. Um operario, falando sobre a especi~

ficidade do trabalho na fabricação,disse que 110 trabalho aqui depende do jui

zoIJ, querendo enfatizar operações mentais como a atenção, a vigil;;;:ncia,


o a

prendizado de operaçoes com um material que tem um funcionsmento próprio e o a

prendizado das normas de socialização ao trabalho fabril, em detrimento do po~

to de vista manual das operaçõeo.

o trabalho do cozinhador é um caso limite em que à socialização no traba


, A "
lho fabril e a v í.gf.Lanc ía se adiciona uma habilidade especifica, para a qual
"
uma pratica de trabalho bem maior que a dos outros profissionistas
,
e necessa ~
/

ria, que é a de saber exatamente o momento apropriado p:1ra executar suas oper~zyxwvuts
- " I' ,...,

çoes com um auxilio apenas subsidiaria das indicaçoes dos instrumentos de medi

ção de temperatura. " de depender do ~uizo,


O trabalho do coz lnhador , alem " e um ;

trabalho mental mesmo, que nc.o depende somente da maqulna:


- I •

" depende de um problema men-


"O trabalho do coz Lnhador ,"aquilo e,
/, ~
tal, sabe como e que e, a gente nao teN um aparelho certo pra fa-
,
zer aquilo atraves do aparelho, tem que fazer~ cemo se diz, men -
tal mesmo. Entender o ponto dele ~arop~ pra fazer [? aç~ca~ ."
(cozinhador)

Se os requisitos para o trabalho do profi:::2ionistase referem menos a


,
certas habilidades especificas e sim a requisitos mais gerais, tcds como a 80-

cialização ao trabalho em condiçõcs fabris, a que pode se agarrar de imediato

a dignidade do operário profisoionicta senão ao que designa uma categoria a~


.13.
rentemente do interesse do patrão, tomada do ponto de vista do operário: ares

ponsabilidade que tem o seu trabalho? Maneira possivel que tem a administra -zyxwvutsrqp
~ /

çao de inculcar nos operarios o zelo pelo capital do usineiro, a responsabili-

~ é, inversamente, a maneira que tem o operário profissionista, através de

uma reinterpretaçso criativa, de valorizar seu trabalho e de colocar a adminis

tração em uma situação de divida imaginária com o operário: o ganho não corres
,
ponde a responsabilidade.

Trabalhando seja em tarefas monotonas


"
de vigilancia
"", "
a maqu~na,
. exigindo

muita atenção embora aparentemente o operário não esteja efetuando nenhuma op~

ração na maior parte do tempo (a maioria dos profissionistas), seja em tarefas

de operações muito intensas Gomo a do turbineiro, o profissioninta conta as h~


~
ras que passa trabalhando vãs tas ao salário.
comzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O que intere~3a e a quantid~

de de horas, de um tempo indiferenciado em que o pr cr'í.se Lonãe ta utiliza seu

/ ~
fissionista e conhecido como um contador de horas: alem de vigia vigiado pelas

máquinas, o operár í,o da fab:"ice.ç9:oé também um acumul.ador de horas, escravo de

sua jornada de trabalho. AS8im, em 82U discurso, aparece de imediato a refe --


A • ~ ;
rancaa ao ganho, 11 comparaçao entre o seu t.r'abe'l.ho e o seu cale.rio.
~ ;

"Agora, o meu trabalho e produz í.r. E o serviço que mais trabalha


dentro da usina é L~~bineiro. (.•• ) Agora ali, o ganho , nio dá
nem pra tomar um copo de cachaça. - dali.
Na.o ; ( tU:'bineiro)

ItÉ bom trabalhar, pcr~m a pessoa nunca ~ recompe':J0ada como devia


ser. -
Nao e isso mesmo , porque isso a gente aabe que na. funçao dos
/ -
homens que estão de frente, sempre tem um privil~gio melhor, sem-zyxwvutsrqponmlkjihgf
pre tem um ordenado bom [?s empregados]. E aqueles que, quanto
mais t.raba'Iha, IT'.'ÜG parece que menos ganha". (coz~,nhe.dor)

"Quanto mais trabalha !ll9.is


parece que menos ganha": embora essa seja to-
A ( •

da sua experiencia de vida no trabalho, o operarao cons t.ata um paradoxo que o


.14.zyxwvutsrqpon
intriga, tanto mais que ele vê, comparativamente, 08 privil~gios dos emprega -zyxwvuts
,
dos. A força do paradoxo e de sua intriga e tanto maior que as suas causas nao

são claramente cOlli~ecidas. Embora certos elementos de conhecimento do funcio-

namento especifico de seu mercado de trabalho e da determinação de seus sal~ -


L ,
rios estejam presentes no discurso do operario} seu inter-relacionamento e

mais dif:Ícil. Preocupado em realizar o maior numer-o poae Íveã de horas de tra

balho para assim ver aumentado seu salário, o profissionista nao pensa por e ,..

xemplo em reivindicar uma jorn~da de trabalho menor a um preço do trabalho i

gual (4). Tomando o salário hOl,ário e a jornada de trabalho como dados, ao

profissionista resta jogar sobre outros elementos "não."monetários" de seu "con

trato de trabalho": a concessão da cas3. da usina para morar, a concessão dezyxwvutsrqponmlkj


p~

quenos pedaços de terra para a rC3.liz:::.ção de um pequeno roç3,do, etc . Assim, ~

pesar da enorme jornada de trabalho a que c3tá sujeito, O profissionista opera


, Á •

bastante, em seu discurso e ob r e aeu ca'Lcul.o economrco , com o seu "t.empo livre";

basicamente o roçado, que lhe fo:~r::.()c'2


um ccmp'Lement.o alimsn-car e eventualmente
- I / ~
a construçao de casa pr-opria quando ha facilidade no.. COl1CO:tC\o de terrenos em

cidades pr~ximaB (5).


; ,-
Mas o calculo rcJ.at.ivo a c,ccençc:.o df!ntro da uzin'"1,-,para 1)JU lugar de tra-
" _ / A

ba.Lho com sa'Lar-í.o maí.s elevado, nao e f'ormul.a.do com tanta freqtiencia quanto o
,
calculo com elementos f'oz-a do t1'2,b,lho. Embora a oficina ~:eja um lugar desej~zyxwvutsrqpon

do para seus filhos, e f>:3ja um lugar para onde a Lguns r)rofissionista.1 foram
'"
transferidos, o prof'Lss í.onãsta não cxplicita c:::pontan:'3.""',:cntca transferencia

(4) C r. o cap:Í tulo rrr.


Quando este "t.emno livre"
J
aumenta, na ~poca do apont.amerrt o , o trabalho
~
no ; ~ /

roçado e mais freqUente moemo porque o ~:eu G'üario ':õcm"w:ü e d ímí.nuãdo.Paa


; , <'

e na epoca da m02"ge19,apenar da ;grange jornada de t=~a-o'""lho,que e feito o


trabalho na casa pr opr í.a: o sa.l.ar í,o e mais eLevado , havendo por~sibilidade
de comprar algum material de ccns tz-uçeo .
.15.zyxwvuts
,.., ~ A • ,/ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
de seçao como elemento de seu calculo economaco imediato. E a epoca do aponta
~
mento, período C~ que os profissionistas trabalham como ajudantes dos artistas

na reparação da fábeica ~- estando assim aptos a Ee instrumentalizarem com o


A , ~
trabalho de artista para uma transferencia posterior possivel ~- e vista unic~

mente como uma época ruim devido à diminuição das horas de trabalho e? portan-

to, à diminuição do seu salário.


, ~ ,
O apontamento, epoca em que se interrompe a fabricaçao do açucar e emzyxwvutsrq

que os operarJ.os reparam e reconstroem parte da usina para a proxima moagem, e


" • t' -'

, .-
visto como um periodo dificil para os profissionistas da fabricação:

"Quando bat.e a ~poca de apontamento -- agora, a us ina vai pejar


em rr.aio a gente fica em cima de oito horas. Aquelas oito ho ~
ras não dá pra gente se manter. Quando a gente larga de quatro e
meia, se enfinca nas beiras do rio, plantar uma macaxeira, plan •..
tar uma batata, às vezes uma chuva leva} a chuva vem e leva. Ou-
,
tros vai pra mata caçar um bicho pra matar e comer mais a familia
O ganho nao da.
- ~ / /
Qua.ndo e essa epoca , que eu sou trabalhador mes-
mo, tem comerciante que ainda me vende um fiado, duzentos contos,
trezentos contos". (tur'bineiro)

Tendo ceecado o carte da cana, OS trabalhadores rurais guardam para a

próxima safra suas foices, enquanto que a usina lança mão de sua gigantescaf~
,
ce imaginaria voltada para 03 homens e procede ao corte dos trabalhadores. Ba
; •. _ A

radas as maqu~as das quais ~ao os apendices humanos e ameaçados pelo ~

maneira pela qual os operários designam a dispensa de trabàhadores -- que ati~

ge serventes e ajudantes, os profissionistas são aproveitadoD como ajudantes

dos artistaD nas tarefas de reparação da usina. Nessas tarefas do apontamen ..•

to, os prof'í.as âonâs tas , geralmente cada qual em sua m;'quina parcelar, fazem o

trabalho de desmontagem de seu aparelho sob a supervisão dos artistas. O rep~

ro propriamente dito é feito pelo2 ertistas. Os profissionistas montam nova ..•

mente os aparelhos a~s feitos os reparos, sempre sob a supervisão dos artis
.16•zyxwvutsrqponmlkjihg
.,
tas, Atroaves desse aproveitamento dos profissionistas, a imagem negativa que

eles se fazem do apontamento devido à deterioração de sua subsist~ncia poderiazyxwvutsrqponm


~ ~ ~
ser atenuada: sua utilizaçao neSSe periodo e uma maneira de certificar-se de

sua qualidade de profissionista por oposição ao servente sUjeito ao corte, em-


~
bora esse criterio de classificaçao
- seja curioso porque se efetua no momento

mesmo em que ceasam suas funções principais. Além disso, o seu aproveitamento

no apontamento permite ao profissionista: a) instrumentalizar-se para uma eve~


~ ~ /
tual transferencia para as oficinas para sua transformaçao possivel em artis -
~
~ e b) adquirir um certo conhecimento sobre o funcionamento da maquina parce~
~
lar em que ele opera e vigia durante o periodo da moagem, atenuando-se,assim 1

sua dependência ao aparelho.

Se o apontamento distingue o profissionista do servente, livrando o pri ••

meiro do corte, no entanto à primeira vista esse per!odo pode parecer atenuar

a oposição entre as categorias de profissionista e artista. Com efeito, aI


/

guns profissionistas se definem tambem como artistas, alegando serem capazes

de assumir, durante o apontamento, tarefas feitas normalmente pelos artistas

da oficina (6). Mas o pr~~"":~to


fato de terem que localizar no tempo suas quali

dades de artista ...


- e não sua profissão como artista -- e associarem esse "tem

(6) "- Cozinhador


, -
é uma profissão?,
~. E, profissao. Cozinhador e uma profissao.
,..,

- Mas"
,., é arte?~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK ~
~
como cozinhador, fazendo açucar, ~
ne, a gra do açucar,~ -
___ E. E arte. E arte porque, a gente nesse tempo, a gente ta trabalhando
mas quando a usina
pára, a gente vai trabalhar na ferramenta. TrQbalha na ferramenta, a gen ...
te faz serviço como serralheiro, encanador, esses serviços que pertence a
essas artes. Qualquer serviço que pertence a caldeiraria, de montagem, es
,
sas coisas, a gente faz, ne. Serviço de braçal, que pertence ao apontamen
-
to da seção de fabricação, que é escalado pra gente fazer, a gente faz."-
(cozinhador)
pc" a uma "época ruim", parece reestabelecer aquela oposição; enquanto o pro •.•

fissionista tem a natureza de suas tarefas partidas ciclicamente, sendo que o

apontamento representa uma interrupção em suas tarefas normais, o artista nãozyxwvut


; ,
cessa de desenvolver as tarefas proprias a sua ~ durante todo o ano, e in -

versamente é o apogeu anual dessas tarefas (7).


o apontamentozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Enquanto os pro

fissionistas sofrem os efeitos negativos I1 naturais" do ciclo agr:Í.cola , repre-

sentados pela interrupção da produção do aç~car acarretando diminuição em seu

salário, os artistas, ao contr~rio, tendo a imprescindibilidade de suas tare ~

fas gararrtIda durante todo o ano , como que invertem a interrupção sazonal da

produção em ampliação do seu trabalho e de sua remuneração. AI~m disso, a su~

bordinação dos profissionistas a03 artistas no pr~prio processo de traba.lho du

rante o apontamento contribui para a distinção e oposição entre as duas categ2

rias. No apontamento, o prot'ãssí.onãata não tem lugar senão como ajudante, op~
., . ~ '"
rarlO secundaria, e parece ser uma propriedade deste periodo peculiar do trab~

lho na usina a de reforçar as distinções entre cat.egorí.s.a através da t.ransf'or-,

mação da distinção espacial na planta fabril durante a moagem em exclusão (dos

serventes) e subordinação (dos profissionistas aos artistas). Essa subordina-

ção reforça a imagem negativa do apontamento para o p~?fisr,ion~sta e atenua o


; ,
fato favoravel de seu melhor conhecimento das maquinas.

" í.nas durante a moagem e aj udan tes dos artis tas no a-


!!Ajudantes " das maqu

rem na subordinação aos artistas, os profissionistas parecem refletir3 em seu

(7) Durante a"moagem os p:rofissionistas trabalham 12 horas por dia, e no apon •..
tamento so trabalham 8. Os ar t.f.s'taa , que na moagem trabalham normalmente
8 horas, freqüentemente com 2 horas extra7 trab~lham muito mais no aponta-
mento .•12 horas por dia ou mais, sob o regime da empz-e í.t.adaou sob o regi-
por hora. Ver o ce,pitulo 11.
me do 1J!:,,:,_8.rio
discurso, essa pos:ição a,mb{guae de certa forma intermedjÉ,ria. de sua catego

ria, tendendo a mí.nãmãz.ar sua exist3ncia enquanto cat.egcr íc eutônoma. Assim,zyxwvutsr


,
. que t em pro f 1330"0,,
)

o mode 1o do operar-ao . ~~. .. e o ar t'18 t a, en-


para o r:2"2!:..:::.:~~:..~a"
" ,
quanto que ele considera a si pr-opr í.o proximo $,0 2,fTveni:e.
, ~
"P - Quem e que tem profioz2.0 dentro da UB Ina ?
R Ah , quem tem profissão na uc:'nD,,, é, porque o serralheiro mes
mo tem uma pr~:'fi3São" porque ele faz. O t.or'nc í.r o mesmo tem
uma profissão, o carp lrrtef.ro tem a .profiss:lo. Por-que ele
arte. E1e vai rtl:?ndar, ele ns.o vai 8cr mandado,
tem umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ele
vai mandar. Entã:o" esses outrou que nCo sc..bemnada, então
dá-se o nome de servente. Quando aquele que já tem uma pra-
ticazinha e ajuda um serralheiro ou um caldeireiro ou um car
,
pinteiro, j a pega o ncme de aj udan+e . ( ... )
/ ,
p. - E o pessoal que tn1halts. no enquentc,-caldo? Tê,mberoe profi~
são?
R - É uma profissG,o b oba ,
, .
E que nem eu d)go, se:2viqo de moagem
e,
./
o cama...
~
·(...c.o. t rc-,"l'"\,,:>"h-.'
!:'I-~ "'1

:.,'';';'c_ vJ
...

uma ele tive:;,' vontade de a


pr-ender
~ .~ ,
e'1P
__ o
.•.•.
-,-~'~''- -
n~'o
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r",'" __ '. n.quele
~ /

serviço de; dO~;f:'{~'2T1l,


cc:'qusnta ca.Ldo , t.udo e f'ac Ll.. Aonde ele

'cencr) boa vonta


de de apr-endor , apr-onde , I, (es-quenta ...•
c2.1c':o)

O modelo meemo da
~ ~
ta acima, e a ~~!::.
O ~T2:?!2:'::.~:2~2:::Cj;_3:.
tcr::".c a C.P,I,3::?::-·,;:eY'.'1. clét:::;sifieaçao e se
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE

radar servem, no entanto, pClr3. incrodr'.zil' com maior nit:~d"Oz a dlstinção entre

"P _ E O coz ínhador , bem pY..:>fi:-s2,o?


R Tem proficcio. PCc:'Que ele, e l.'2 pega o caldo C2, erma e faz o
;
açucaro
,
p •• É uma arte,
R Não. Porque ele jL~ va í o mn.ter:Ls.l q .'.:c ~ a 8 prnnto. E se
.19.
trata da arte, quando o camarada, ele pega aquele materialzyxwvutsrqp
,
e vai fazer aquilo mesmo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O carpina, e uma arte, ele pega a
madeira, então ele vai fazer o que ele quer dela. E o cozi-
N ,

nhador, nao. O cozinhador, o material ja vem, o xarope pro~


./" ".,
to, ele ja pega um pe da sementeira pronto que e o mesmo aç~
caro É uma profissão que já, outra pessoa, tendo, que nem
eu disse, tendo vontade de fazer, faz." (esquenta-caldo)

craso ocupacional limite na fabricação, o cozinhador se distingue nitida-

mente dos serventes e se aproxima dos artistas por seu períOdO de aprendizado

e por ser o operador de uma fase especifica do processo de produção em que o


, ,
xarope se transforma no açucar-: "ele pega o caldo da cana e faz o açucar ", Mas,

por outro lado, ele se distingue dos artistas por manipular aparelhos inseri ~

dos em uma cadeia de máqUinas parcelares. Por sua posição-chave no processo


-
de fabricaçao, o cozinhador representa
,
com maior clareza a propria categoria

dos profis.sionistas da fabricação (8) __ embora alguns cozinhadores pretendam


, "
passar de caso-limite a caso unico e se dizem os unicos operarios com uma pro-

fissão na fabricação:

"p - Dentro da moagem e da fabricação quem é que tem profissão?


, ".... ,-

-
""

R - E, vamos dizer, na moagem, profissao e o cozinhador e uma


~ -, ~
profissao, e serralheiro, nao, ja e arte. Porque a profis
são ~ aquilo que o indivíduo aprendeu e nco usa escala e a
, . ,-
arte e aqullo que depende da escala, ~o metro. E ali e o mo
; _ ,. J

torista, e profissao. Parece que so, as demais coisas, e


servente, servente. Parece que dentro da moagem mesmo, a
profissão é o cozinhador." (cozinhador)
" ,
Apesar do cozinhador eventualmente achar-se o unico operario na fabrica-

, ~
(8) O cozinhador
~
e sempre chamado pelos outros operarios de "cozinhador",
-
a.o
contra.rio dos outros profissionistas, que sao chamados pelo nome do indivi
;

duo: "O cozinhador a gente nunca chama pelo nome, só chama mais por cozi -:
nhador: 'Quem é o cozinhador que está no horáriO? I 11 (esquenta-caldo).
.20.zyxwvutsr
N """ , /\., ,..,

çao com profissao ..•


- o profissionista dos vacuos ve o vacuo da profissao nas

outras ocupações à revelia de sua imagem a respeito de


-- isto não impede que,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

seus companheiros de seção, sun imprescindibilidade na produção ~- distinta da

dos artista.s -- chame atenção para a categoria mais abrangente em que se ache.

inserido, pela própria inserção comum na cadeia de máquinas: a dos profissio ~

nistas da. fabricação.

Já os profissionistas que trabalham nos transportes ~- motoristas, maqu!

nistas de trem -- os quais se distinguem mais claramente dos serventes que tr~
(A ~
ba,lham no carregamento dos ve~culos, tem sua profissao reconhecida de uma ma. -

neira mais imediata (9). Com relação aos profissionistas que trabalham, na. es-

trada de ferro o maquinista de locomotiva, o foguista e o guarda-freio,pri~


A

cipalmente os dois primeiros -- eles tem sua profissão reconhecida e valoriza-zyxwvutsrqponmlkjih


- ,
da. nao so por sua imprescindibilidade no transporte ininterrupto da materia
/

prima durante a moagem, como também por sua maior importânCia, relativamente

aos outros profissionistas, nas tarefas de repa~~ção às locomotivas e vagões

Com efeito, muitas vezes são os próprios maquinista e foguista que asseguram,
(10)
sem a supervisão de um serralheiro, os reparos nas locomotivas

(9) O motorista necessita da carteira de habilit~t~ão de motorista profissional


-- a sociedade nacional reconhece sua profissão.

(10) Essa. auto-valorização maior da profissão e do trabalho ~til espec:Ífico dos


profissionistas da estrada de ferro reflete-se na glosa de um foguista-re
pentista, esta arte popular do improviso onde se conta o familiar, o cotI
dia.no, pelo prazer de reconhec~-lo e de reapropriar-se dele no pensamentõ
do grupo social:
"Agora eu vou dar um mote que eu dei ali há pouco. 'Saltou a coroa
do pinhão e partiu-se o pino do sartelo, e eu s~ quero viver em carro!' É
o tema:
E eu tava pegado na direção/ O carro do campo não saia/ Eu fui, des-
carreguei a bateria/ Tinha saltado a coroa do pinhão.
Dessa vez encontrei um servição/ E pegava a bater com um martelo /
Dessa vez chegou o chofer Sutelo/ Que quando ele me mostrou/ Que olhava
pra dentro do motor/ Tinha partido-se o pino do sartelo.1! (riSOS da vizi-
nhança do foguista, que assistia à entrevista).
· 21.zyxwvutsrqp

Aproximando ••se, em sua autoclassificação, dos serventes, os profissionis

tas de fabricação "É que nem eu di -zyxwvutsrqpo


t;;m por critério sua rápida aprendizagem:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
. ;
go, servlço de moagem e, o camarada trabalhou uma safra, se ele tiver vontade

de aprender, ele pode não aprender logo a cozinhar mas aquele serviço de dosa-

gem, esquenta-caldo, tudo é fl\cil." (esquenta-caldo).

Ao profissionista resta vangloriar-se eventualmente, no contexto da des-

crição de sua história de vida ocupacional, de sua esperteza e capacidade de

rápida aprendizagem ao enganar sempre seus patrões ao iniciar o trabalho: um

turbineiro ao mudar de usina, mudava de ocupação e anunciava ao patrão que a o

cupação por ele desejada era a sua profissão na usina anterior, embora nunca

tivesse trabalhado nela.

!1Fui trabalhar no armazém da Usina X: 'Mas rapaz, eu sei que vo


A / A _

ce tem fisico, tem estampa, mas voce, tao novo.' -- 'Não; traba
lhei no armazém da Usina Y.' Ora, na Usina Y eu era guarda-freio.
;

Sai, tinha um lugar de turbineiro. Eu digo: 'Pronto, ja sou turbi


,
neiro também. Eu trabalhei Ia de turbineiro' . Mas nunca tinha
trabalhado. Bom, que quando eu ia pegando, caiu no horário de eu
ir pegar de meio-dia, quando foi nove horas eu tava dentro da Usi-
;

na olhando os homens trabalhando, sabe como e? Olhava eles traba-


lhando assim. Pronto, meio-dia eu sou turbineiro. Ai eu vinha tra
;

balhar, quando eu chegava, o muda dizia: 'Olha isso e assim, assim


"'•..'Tá.certo, colega, eu já sei, que em tal canto é assim também. I

Mas deixa que lá era diferente, sabe como é?zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW


/

Ai continuava a tra-
;

balhar. Ninguem nunca me ensinava onde eu ia trabalhar, sempre


foi meu destino." (turbineiro)

No entanto, a própria ;;nfase na esperteza confirma, de um outro ponto de

vista, a debilidade social da profissão do profissionista, que ele serve para


/
contrabalançar como instrumento da dignidade operária. E interessante notar-

se que essa sua afirmação diante do patrão dá-se na passagem de uma ocupaçao
- ~
a outra e nao no proprio desenvolvimento da profissao - do operaria./
E essa a ~
·22.
_ , Â

firmaçao tem que se aproveitar das proprias carencias que tem a profissão do

profissionista com relação ao modelo de profissão que tem o profissionista, azyxwvu


, ,
arte, a qual ao contrario exige um longo aprendizado. A esperteza desse oper~

rio pareceria assim confirmar a auto-desvalorização do profissionista e suazyxwvu


A. • .,
tendenc1a a equ1parar-se ao servente. No entanto essa esperteza proletaria p~

de nos sugerir, ao contrá.rio, diferenças marcantes entre o profissionista e o

servente, Com efeito, esse tipo de "malandragem" para entrar na usina em cer-.

tas ocupações não deixa de ser complementar a outra maneira mais freqüente de

ingresso a uma ocupação operária na usina: o ingresso atrav~s de "pistolão "


, de relaçoes de conhecimento
junto a Um empregado, atraves - anteriores, de troca

de f avores, de re 1açoes
- de pro t eçao
'" e apadrlnhamento
. (11). Esse tipo de in

gresso já serve de aval e garantia para a administração da usina quanto às q~


, '" ,
lidades necessarias de socializaçao ao trabalho fabril e a disciplina que lhe
, .
e inerente: o "entendimento
-
pra nao estar perturbando nem prejudicando" (cr,
citação anterior de um cozinhador). Ora, esse esperto turbineiro, disposto a
A , •
tornar-se um profissionista, a ligar-se em permanencia a uSlna, a fugir dos

cortes (12), desprovido de qualquer "pistolão", aoment e atrav~s de sua "ma'Lan....

dragem" poderá colocar-se na usina. Prática efetiva. ou simples hist~ria de

valentia, a esperteza do turbineiro aponta para o fato da possibilidade de ma-

niPulação que têm os operáriOS nas suas relaç;;es com a admi.nistração da us ina.

(11) Cf. o capitulo IV.

(12) Logo no inicio da entrevista com esse turbineiro~ ele imediatamente decla
rou seu repúdio aos cortes a que foi submetido no inicio de sua vida de
trabalho nas usinas, mostrando assim não somente o caráter negativo e ver
gonhoso do corte dos serventes, visto retrospectivamente por um profissiõ
nista, mas tarribemsua vontade de tornar-se. um .profissionista a partir
, de
determinada fase de sua vida produtiva: "Com 9 meses, corte. Eu Ia tam .-zyxwv
; -I ~

bem nao vou mais. Se aquela usina me cortou e porque nao me quer mais."
.23·
Essas possbilidades de manipulação opçao -
se colocam para aqueles que têm porzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX

"profissionalizarem-se" em usina, ao contrá.rio da l~gica do servente que cons-

trói sua estratégia em função da mobilidade e da diversidade de empregos (Cf.

seçao sobre o servente, ainda neste capitulo).


adiante, azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Desta forma, se os
, ,(

profissionistas distanciam-se dos artistas quanto as qualidades tecnicas nece!

sárias ao exercicio da arte, eles também distanciam-se radicalmente dos serven

tes, menos pelo tempo de aprendizado necessá.rio que pela estrat~gia de vidavol

tada para a profissionalização e suas condições de socialização necessárias

Assim, a distinção entre profissionista e servente ~ pouco marcada quando no


- ,
contexto da descriçao, pelos proprios profissionistas, do processo de produ

çao, mas essa distinção aparece de maneira subjacente ao seu discurso, por e -

xemplo na categoria de responsabilidade, denotando um tipo distinto de relação

com a administração da usina. Se os profissionistas distinguem-se dos serven-

tes pela responsabilidade no trato do material de alto valor do homem,pela sua


_ A ,

opçao de permanencia estavel na usina e portanto na possibilidade eventual de

ocupar vá.rios postos de trabalho no processo de produção da fabricação, eles

também distinguem-se por uma visão de conjunto do funcionamento encadeado dos


_ A

aparelhos que os serventes geralmente nao tem.

Quanto aos artistas, entes têm uma visao diferente do funcionamento da

seção de fabricação.

3. O Artista

Se, do ponto de vista do profissionista, o modelo da profissão é a artezyxwvu


" - .I I

e o modelo do operario com profissao e o artista, isto e, o profissionista pa-

ra situar a profissão tem que referir~se a um outro contexto que não o da sua

categoria, inversamente o artista tende a ver o profissionista como se este es

tivesse trabalhando no contexto das oficinas. Se o profissionista tende a se


.24.
e.uto••excluir enquanto trabalhador ao descrever o processo produtivo e enquanto

categoria entre o servente e o artista, este ~ltimo ao contrário tende ares -

saltar a. figura do profissionista e de seu trabalho quando descreve o processo

produtivo na fabricação. Ao invés de descrever o processo produtivo da fabri ..•zyxwvutsrqp


- , zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
;-
caçao pelo percurso da cana atraves de maquinas par-ce'lar
es sucessivas, o arti!

ta. de oficina ao contrário fixa-se em um dado profBsionista e dai descreve su-

aS relações com os serventes -- que ele tende a chamar de ajudantes, seguindo

o modelo da oficina -- ,com os artistas e com os empregados e a administração da

usina.

"Bom, o trabalhador quando chega ocupa aquela seção, a moenda,n~.


, ,
Ele ta trabalhando de ajudante, neo Tem o maquinista. Que toma
conta do aparelho. E tem o ajudante. O maquinista tá ali, com a
quele aparelho, fazendo os movimentos da moenda. E o ajudante ,
~ ,
ta tambem perto dele. Porque se quiser alguma coisa, ele não po-
de sair, então pede ao ajudante, né, Então ele vai buscar. Que
, ~
aquela pessoa que ta tomando responsabilidade, nao pode sair da -
quele aparelho, deixar o aparelho s~. Então, o ajudante fica ali
pra ajudar ele, né, E se ele quizer sair também, o ajudante fica
, J , zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
e ele sai, compreende? Ja. conhece daquelG material tambem, ne? E
quando ele não tem pra onde sair, ele tá trabalhando no dele e o
.-
,
aquela maquina pra
-
ajudante ta trabalhando no serviço dele.
nao
~..,
V2Trendo, provando
/

faltar o ol.eo, ne. E o serviço que ele o•..


ali

cupa. " , naquele


Quando ele ta perto de largar, o outro pega tambem
serviço. Ele vai se embora, e c, muda dele vai fazer o mesmo ser-
,. . ,.
viço. Outro vai, o caldo ta calndo, a moenda ta espremendo a ca-
na, o caldo tá caindo naquele cocho que chama-ere o par oj, , o parol.
E tem 2 homens ou 3, pra. naquele, aquele bagaço n~o empancar. Pra
não dar aquele esborro de caldo pelo de~perdicio: n~? Ele t~ ali
reparando, tomando aquele po" de bagaço, aqu~le caldo descer pra
cair dentro dos tanques, pra bomba tocar pra fabrica~io. É um
'" , ,
serviço tambem do, do trabalhador. Ne? •. O serralheiro ta to-
mando conta daquela seção, reparando o que falta quando quebra a
.25-zyxwvutsrqpo
;

a ferragem.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
Chama aquele pessoal que ta ali pra fazer o serviço .
Né, Quer dizer que esse não vai fazer aquele serviço pequeno ,
; /-

quem faz e os pequenos mesmo, ne. Que nao tem classe. Aquele vai
manda.r somente. Fabricação: tem o chefe, pra olhar, mandar aquele
,
pessoal que ta ali, fazendo, um toma conta de uma seção de tanque
de mel, outro toma do, do vácuo, pra cozinhar o caldo, cozinhar o
mel, né. (SOldador)
-, / ~
Sua descriçao, ao contrario da dos profissionistas, nos da uma ideia da.zyxwvu
_ ~ _ J

eooperaça.o na fabrica ao mencionar todas as inter-relaçoes entre operarios e o

perários e entre operáriOS e empregados, partindo do exemplo de uma determina-

da seção na fabricação. Mais preocupado com a rede de relações envolvendo o~

perários e empregados, essa descrição não menciona a cooperação complexa que


/
se estabelece entre a cadeia de maquinas parcelares e os profissionistaa, ca ..•

deia de máqUinas que por sinal não existe nas oficina.s Com efeito, empora, o

discurso do operá.rio de oficina complemente com uma ~éril'= de nova.s informações

a descrição do trabalho na fabricação, esse discurso sobre o trabalho alheio


J

pode nos esclarecer muito a respeito do proprio trabalho do artista.

Pode-se notar primeiramente na descrição acima da seção de fabricaçãof~

ta por um operáriO de oficina, a importância maior dada à atuação do trabalha-

dor na execuçao de suas tarefas -- a qual ao contrário tendia a ser minimizada

na descrição do profissionista de fabricação -- e a ênfase dada na relaçãp eP-


tre operá.rio principal e ajudante. Essa importância maior dada à. atuação do

trabalhador -- a ~ual é negada pela descrição do trabalhador que atua justame~

te nas condições da seção descrita, a fabricação -~ deve refletir de a.lguma.

forma. a. importância que tem o operá.rio no processo produtivo da oficina. E o


/ ~
operario de ofCina tip~co, o artista, ao distinguir~se do profissionista., mos-
A ~, / ~
tra sua importancia n~ produçao pelo proprio verbo que ~ S~a marca caracteris-
.26.
° verbo fãze~ (13).
tieà:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

!lEupego aqueié. má.quina, desmonto aquela máquina, uma máquina des-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU


., ...
t:tà.á, tai pâ.:rada. Eu pego ela e faço ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
p e g o isso aqui, levo pro
,
tórno, esSe embuchamento, isso e aquilo e Ia. vai, monta a turbina,
t~ toda pronta, ai bota o vapor, e vamos virar aquela má.quina. Ai
° trabalho que tem e" pra virar. Quer dizer que eu ~ aquela par-
te. Assumi essa responsabilidade, sou um artista que ~ aquela.
parte. Não é isso? O caldeireiro, . e'
pega um cano, faz uma co~sa,
uma bacia, ~ um encanamento, ali tem arte. O cozinhador não te~
", ,
o cozinhador ja pega feito, e somente pra levar ao cozimento. Ai
, ,

ja. e profissao.
N
~ e" ar-
Profissão. E finalmente, o tratorista, nao
te, é profissão. Motorista é profissão. Tem muitas profissão. p~
que aquilo ali é feito pelos outros, né. A arte, a gente assume a
quela responsabilidade e faz aquele serviço. O planador, pega uma
,.., .I ./ ./

peça bruta, pra fundiçao, ai a gente entrega a ele, ai ele da no


A •
ponto, pos no torno, foJ.botar no lugar, aquilo ali,. foi ele que
fez. Aquela peça, quando esfria, fez aquela peça. Ali é a arte,
Foi ele que trabalhou com o juizo pra ~ aquele serviço. são es
ses que têm a arte. 11 (serralheiro; os grifos são meus)

"p - Porque que diz que tem arte?


R ~ Porque é um artista, né. É um artista. ~ aquel~peças pra
fábrica, né. E aquele que é profissionista, que tem a profi!
são dele, trabalha com aquele aparelho, não faz, né. Tem a -
I

quela profissão, E o que ~ peça, quer dizer que e um artis


ta." (soldador; os grifos são meus)

Os profissionistas também reconhecem as propriedades de fazer do artista:

"p .
Coz~nhador
.-
e uma arte?
R - Não. Porque ele já vai pegar o material quase pronto. E se
trata da arte quando o camarada ele pega aquele material e

"
(13) Para. uma analise da categoria arte entre os artesaos do ouro, trabalha.ndo -
em pequenas manufaturas em Joazeiro do Norte, categoria esta que tem mui~
( , Â ,

tas caracter~sticas semelhantes a categoria homonima entre os opera.rios


do aç~car, cf. Alvim (1972: 84-91).
.27.
~
vai fazer &quilo mesmo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O carpina, e uma arte, ele pega a m&
deira, então ele va.i fazer o que ele quer dela. li (esquenta
caldo; os grifos são meus)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
r-
Essa. importancia. do artista no processo produtivo tem seu lugar no que. ~

dro d& organização do trab&lho n&s oficinas. Os operá.rios se organizam a.i, emzyxwvutsrqponmlk

pequenos grupos, os quais nao tem -


" uma ligaçao
~ permanente entre si, e dentro
, "
desses grupos existe um operario principal e alguns operarios secundarios ou a.

judantes. Ao descrever a fabricação centrando sua descrição em uma determina.-

da seção -- onde se interrelacionam operária principal e servente -- o operá. -

rio da oficina está apontando indiretamente para a organização interna desses

pequenos grupos da oficina. A citação de entrevista do serralheiro, acima ,


também aponta indiretamente para a exist~ncia desses pequenos grupos girando
,
em torno de operarios principais. Dentro desses pequenos grupos, muitas vezes
"
o operario principal e seus auxiliares percorrem "
as etapas necessarias a, prod~

ção completa de uma peça, o que aliás está contido na definição mesma do ~
~ ,
~ que e dada pelos operarios: saber fazer as peças. O fazer do artista res-

sa ta o aspecto artesanal de seu trabalho, no sentido de ver sua obra acabada


" ter percorrido
apos ~
ele proprio ""'"
as etapas necessarias a sua realizaçao. Nesse

sentido, os diversos grupos de operáriOS, trabalhando na mesma oficina mas fa-

zendo trabalhos que não se complementam no seu processo de produção, organizam~


.-
se sob a forma da cooperação simples. Os operarios da oficina chegam a ter u-

ma imagem da organizaqão da produção na oficina que corresponderia a um caso-


_ r- ,
limite de cooperaçao simples e que se exprime na enfase a intercambialidade de

tarefas próprias a diversas artes e a conseqüente possibilidade de aprendiza -


,
gem de varias artes.

"Pedi pra sair @a fabricação e ir para a oficin~. Porque, a gente


somente, sem aprender nada, né. Aprende em moagem, mas, só fazzyxwvutsrqponmlkjihgfedc
a-
quele serviço da moagem. E trabalhando dentro da oficina) ele a-
.28.
prêhde a Ser um serralheiro, aprende a ser um torneiro, aprende &zyxwvutsrqponmlkjih
~
ser um caldeireiro, um soldador, ne. Porque o camarada que apren-
..• ~
de dentro da oficina, ele faz todo serviço. Nao e somente aquele
nao. Dentro da usina, Sabe? Agora dentro de fábrica, só faz a ~
quele serviço. é soldador. Encanador é encanador.
SoldadorzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Mas
em usina a gente faz, a gente solda, a gente vira uma peça, a gen-
,
te faz um encanamento, ne, a gente faz qualquer coisa dentro da u-
,. ,
sina. O que ele mandar. E se o camarada souber tambem, ne. Se
não souber eu digo: "Bom, eu não sei fazer isso, ne " (ri). Mas um
caldeireiro faz todas as peças mesmo.' (soldador)

Mais que a profissão, que seria rigida e compartimentada na imagem que


, ,
esse operario tem de uma fabrica urbana, tirando-lhe a possibilidade do apren-

dizado de outras artes, o operário valoriza a organização da produção móvel e

fluida da oficina, onde sua divisão do trabalho interna não necessariamente i-

mobiliza de maneira imperativa o trabalhador em tarefas parcelares.


~
O operar-ão introduz distinçoes - entre, por um lado, a oficina e a aeçao de -
fabricação, na usina, e por outro lado, entre oficinare usina e fábrica, ente~

dida em seu sentido genérico de fábrica urbana. Embora a seção de fabricação

da usina não exija de seus operários nenhum aprendizado mais prolongado, como
'" , . . ,..,
seria o caso doS operarios das fabr~cas urbanas de mesma prof2ssao que os ar -
, ,
tis tas da oficina, ela se assemelha a fabrica urbana e se distingue da oficina

devido à existência da divisão do trabalho para uma produção continua. Essas

distinções feitas pelo operáriO de oficina enfatizam a especificidade da COOp!

ração da oficina, a qual comporta em seu seio o fazer do artista, elemento de


,
sua propria auto-valorizaçao.
- Com efeito, o fazer do artista, dentro do qua ~

dro da cooperação simples, ressalta essa sua auto-valorização, a qual inverte~

ria assim a desvalorização do trabalho manual por parte do usineiro e sua admi
.. ,
nistração. Assim, se a categoria de responsabilidade tambem e acionada pelos
"-
artistas, como nas palavras do serralheiro citado acima, essa categoria nao im
.29.
pLlca, nesse contexto, a dependência ao material do homem e, portanto, uma de •..

à admin:t.st~a~á:oda usina, próprios do profissionista


pendência maiorzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA reduzido

ti vigia. dã milquina.,maS aó contràr:l..o,


uma reápóMabi1:tdade d~
mediati!Za.dà.pelozyxwvutsrqponml

mfnio da ~ que tenha o operário: liAarte, a gente assume aquela responsabi-

lidade e ~ aquele serviço. (...) Assumi essa responsabilidade, sou um artis

ta, que ~ aquela parte."

A imagem que tem o artista sobre a intercambialidade de tarefas e fun-


/

çoes na oficina tem, no entanto, limites que se exprimem no proprio discurso do


, . '
operar~o, Em primeiro lugar, o acesso a categoria de artista depende de um
, , ~
longo per í.odo de aprendizagem e de pratica. A citaçao acima de um soldador m~

ciona as diferenças de aprendizado entre os operários da oficina: "E se o cam~

rada souber tambem, ne


, ,- - -,
Se nao souber eu digo: Bom, eu nao sei fazer isso,ne"
, ,
Essas diferenças de aprendizado e de pratica se constituiriam em um limite a

intercambialidade de tarefas e funções pelo menos com relação aos operáriOS de

menor aprendizado os "verdadeiros artistas II seriam capazes) segundo os ope ...

rários, de fazerem quase todas as tarefas. A administração da usina exerce um


, ,-
rigido controle sobre o periodo de aprendizado do artista e ao reconhecimento
, A

de sua arte, como indica o relato dos operarios sobre a existencia de um exame
,
formal no qual o operario provaria sua qualidade de artista.

"p - Para a usina fichar o operário como artista, tem que constar
o que na carteira profissional?
,-
R - Tem que fazer todo teste pra provar que e um artista mesmo.
P - Ai o documento ficaria com que nome?
R - É com serralheiro, ou encanador, ou caldeireiro. Tá vendo. É
,
um artista, nê, O camarada faz aquele teste, passou, ai tem
que botar no documento dele.
, ,
P •..Como e esse teste? Quem e que faz?
, A ,
R - Ah, e o mestre, o mecanico. Chama ele, da uma peça pra ele
virar, fazer aquela peça, traçar, nê. Montar ai essas chapas.
.30.zyxwv
,
•..
- "Faça. ai um ta.nque" Trace esse tanque, que eu quero com
tanto, com tanto", ne,.-

P - Ai dá as medidas.
R • Dá as medidas, né, ai ele pega. aquela escala, vai traçar, cor
ta a chapa, quando arma, o soldador solda, ai fica certo, né,
aquela peça. E se ele não souber ele mata a cha.pa, né. Cor-
tou a chapa e não fez a peça. Quer dizer que não é um artis-
ta., nê, (ri)", (soldador)

A descrição desse "teste" aponta para uma diferenciação interna entre oszyxwvutsrqpo

operarl.OS de oficina: os artistas


" •
"consagradosll e alguns operar~os que execu ....
" a

tam efetivamente tarefas de artista mas ou ainda são ajudantes, ou, tendo sido

transferidos da seção de fabricação para as oficinas, não t~m uma grande expe-

riência tal que possam assumir os reparos de execução mais difícil que os ar -

tistas mais antigos sabem fazer. O soldador, por exemplo, está colocado nessa

posição de "meio-oficial", executando tarefas tidas como por minha conta (14),
-" , zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
sem a supervisao de um operat'io principal como e o caso do ajudante, mas, devi

do ao caráter de "acabamento' de suas tarefas, nem sempre está habilitado a f!!

zer uma peça completa ou um reparo maior e assim não ser considerado um artis~

ta mesmo (15)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
Se este artista mesmo e reconhecido pelo codigo dos operarios
, J .-

(14) Os artistas sublinham a importância de sua individualidade na produção a-


través de expressões como "tra.balhar por minha. conta", "fazer por minha
conta" :
'i ... comecei a trabalhar de ajudante de caldeireiro. (...) Depois eu já.
fui, na
, , minha continuação, eu já fui fazendo
, coisa, n~, que podia ajudar
a industria. Fazer ~or minha cont~. Ate que chegou num ponto final que
o homem me deu uma maquina de oxigenio, pra eu trabalhar por minha conta,
né. ~ssagem de ajudante de caldeireiro a soldador]_ (ex-soldador, atu-
almente encanador)

(15) 11( ••• ) °


que faz peça, quer dizer que é um artista. Um soldador, né, tá
, .- /

soldando aquelas peças da usina. As vezes se quebra, ne, ta moendo, se


{ .-
quebra. 'Chame o soldador.' A~ eu vou, ou eu ou outro, ne] bota aquela
,
maquina., solda. Ai/ bota pna moer. Quer d"az ez- que e um ar t·J.sta, ne . Fez I

aquela peça.
(-- Quer dizer que o sr. ~ um artista?) (continua)
.31.zyxwvutsrqpo
~
de oficinazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~-
lise ele nao souber ele mata a chapa, ne, cortou e nao fez e. pe ••

çe.; quer dizer que não é um artista" .•.••


código este que sanciona interna.mente

essa. diferenciação, em função da arte, entre os operários de oficina, este é o

tributo a pagar, pelos operários menos experientes, à auto-defesa. que acarreta


esse CÓdigo da arte diante do usineiro e diante da desvalorização do tra.balho

manual próprio à ideologia dominante. De uma. natureza totalmente diversa des-

sa auto-.diferenciação interna reconhecida pelos operários de oficina é a dife-

renciação imposta pela administração da usina, da qual uma forma de manifesta-

ção consiste na não reclassificação na carteira de trabalho da nova profissão

de um operário transferido da seção de fabricação para as oficinas e que tor ~

nou~se artista, o que ocorre com o soldador citado na nota 15. outra forma. de

manifestaçao - -
dessa diferenciaçao - ,
imposta pele. adminis.traçao e~ o proprio "tes -
,
te", feito na presença do chefe de oficina. Embora esse teste se refira a de-

monstraçao - .-
que o operaria possa fazer de sua arte, pelo fato do teste ser san~
N

cionado pelo chefe de oficina, uma figura da hierarquia nao


que muitas vezeszyxwvutsrqpo

foi um "ar tãs ta mesmo", os operarias


./ ,
ligam tal "teste" a reclassificaçao
. - de su

a profissão na carteira de trabalho e, portanto, à lógica da hierarquia da usi


na. O código da arte, interno aos operá.rios, não necessita de um "teste" for •..

mal diante do chefe: o !iartista mesmo" é reconhecido por sua prática cotidiana.

ASSim, a compartimentação entre artistas e não artistas na oficina, pa.ra

a qual aponta essa descrição de um "ritual de passagem" para a arte, sanciona-

__ Qu~r di~er que eu não sou um artista mesm9, ne. Mas


.- faço qualque~ co!
sa, ne. Nao vou dizer que sou um artista, ne, que meus documentos nao ta
ainda fichado como artista, né.
(-- Para a usina fichar o operário como artista tem que constar o que na
carteira profissional?)
-- Tem que fazer todo teste pra provar que é um artista. mesmo." (solda
dor) •
·32.zyxwv
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
do pela hierarquia da usina, se constituiria em um limite a permutabilidade e~

tre tarefa.s e funçÕes e à capacidade multifuncional dos operários de oficina. •

Poder....
se-ia pensar no máximoem uma intercambic,lidade de tarefas restrita: os

artistas pOderiam assumir eventualmente tarefas


-
dos nao artistas, a
.;
reciprocazyxwvutsrq

não sendo verdadeã.ra . não artist~1..3 poderiam intercambiar taz-e •.


Além disso,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
OB

fas entr~ eles, maS tà1 não deve neceSsariamente ocorrer entre os artistas, os

quais devem ter uma relação de ordem entre eles para a realização de suas di ~
..
versas tarefas. Isto e, um caldeireiro pode assumir tarefas de um encanador e

de um torneiro, mas não necessariamente a reciproca .


.
A descrlçao - ~ .
do operarlo, citada acima, de um aprendizado pOlivalente nas

oficinas, e da permutabilidade de funções e tarefas entre 03 operários não de-

e ser auba tarrbdvada de maneira abc ol.uta : de qua.Lquer modo ela indica ummode-

10 de profissão e de organ.iz2.ção do trabalho referido comoque a um tipo ideal

de arte e artista. Asa lm, tambÉma i~J2..gem do O:;:>2I,L.•io 2. respeito do "ritual de

passagem" para a arte nG:odeve fEL' t.omada comocontr::'l,G.it~i:t'ia


com sua imagemda

intercambialidade de t3~re~3iél.
"
das artes ja imp11
/

cita no deaenro'Le.r do 11 exame " , do que para a necec2id2,de que tem a administra ...
,.. ; .
çao da usina de Legâ t âmar alC;l1D8
al,tist28 e €2te.';elsce::: entre os propr aos ope ...
.-
rários uma certa ordem hierárquica, CCCilO se vc~'a adf.ant.e ,
/ A
Em segundo lugar, os opere.r-í.os feIc.LU da md.ct~ncic), even+ua.L de uma com ,..
/ ,
p1ementariedade entre os traba!J10s ut.e'Ls de oparar-Los ou c1.e diferentes grupos
A
de operários, necesse,ria. para a fabricaçã:::>de determim,d2,s pecas . A existen ,..

cía dessa divisão do tr2,balho entre artes e entre tarefas, de certa forma im -

p1:lcita nas diferenças de apz-endâzado e de ex:p<?ri~nciaent.re 03 operários, se

oporia tamb~mà intercambialidade de tarefos.

'lQ serr~üheiro tr:-t'balha na of'Lc í.na J E tsm uma lJB.,rtena usina que
.33.zyxwvutsrqponm
ele trabalha também na.usIna . @sina no sentido de seção de fabri-
caçã~ Reparando, reparando aqueles neg~cios, aquelas máquinas. D!
sarmar as máquinas e monta.r de novo. Faz limpeza.. Ai aqueLa peça
tá estragada, o serralheiro conhece que tá estragada., ele pede ao
A N , ,

mecanico. fBom, essa peça nao ta.mais prestando pra maquina. Man-
~
da o torneiro fazer'. Né? A:Í o torneiro faz. Às vezes ocupa.zyxwvutsrqponmlkjihgfedc
ate
o caldeireiro. O ca.ldeireiro vira aquela peça, o torneiro pega e -
~
la, com as medidas, no torno, que o serralheiro pediu, ne, quando
ti pronta entrega ao serra.lheiro, o serralheiro vai, monta aquela ~
quina. Quando bota a.quela peça, ela entra certa. Pra.fazer o mo-
vimento da máquina. Compreende? Às vezes uma peça ocupa 3 ofici -
a.lou quatro. 11 (soldador)
,
A complementariedade de tarefas ao se opor aparentemente a imagem da in

tereambialidade de tarefas pode atingir o próprio caráter de cooperação sim

pIes que venha a ter a organização da produção na oficina, tal como a supusemos

anteriormente. Examinemos melhor portanto o caráter dessa. complementariedade de


tarefas na oficina.

Essa complementariedade pode dar-se de duas formas. Ela pode existir a-

través da produção simultânea de partes do produto por grupos isolados, partes


-
estas que serao posteriormente montadaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
por outro grupo, resultando no produto

final -- o qual apresenta uma certa exterioridade com relação às suas distin

tas partes. Ela. pode se dar ta.mbémde maneira conexa , isto é, há um encadeamen

to entre as etapas da produção de uma determinada peça tal que um grupo inicia

suas tarefas se e somente quando outro grupo finda as suas. No entanto, a com-
,
plementariedade dos diferentes trabalhos uteis -- tanto sob sua forma de produ-
ção de partes simultâneas para posterior montagem, Como sob sua forma de produ-

ção conexa -- nunca se torna rígida e ossificada como em uma divisão do traba -

lho manufatureira; ao contrário, ela é eventual e m~vel pelo fato de que a


produção das oficinas não é continua mas obedece às necessidades relativamente

aleatórias dos reparos à maquinária. E quandO existe essa complomentariedade ,


·34.zyxwvutsrqp
ela não se dá pela decomposição de operaçoes antes reunidas no trabalho execu~

tado por um determinado artista: cada oper~rio, ao contr~rio, conserva as atr~

buições inerentes à sua. â-rte. Se há compJ..ementariedildeé porque são necessá


rias, para a produção de uma. determinada ú
peça várias ar t.es , vários trabalhoszyxwvutsrqponm

teis especificos executados por detentores de uma profissão socialmente reco -

nhecida.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I'

Aparentemente contraditorios, OS fatos para os quais apontam as imagens,

presentes no discurso dos operáriOS, da intercambialidade de tarefas e do a

prendizado múltiplo por um lado, do "ritual de passagem" para a arte assim co-

mo da complementariedade de tarefas por outro lado, de fato parecem conjugar -

se como formas particulares do processo de produção na oficina, subordinando ~

se à sua forma geral de cooperação. Assim, essas imagens n~o indicariam uma
• "'. ~ A
~ncoerencla na maneira em que o operario ve o procecso produtivo, mas, ao con-
/
trario, se refeririam a distintos aspectos desse processo. E esses distintos

aspectos se conj ugam pela flexibilidade mesma do eLemen to de 1 igação entre es-
, ,
ses grupos de operarios aparentemente distintos. A forma especifica sob a qu~

a cooperação -- reunião de operáriOS sob o comando de um mesmo patrão -- se a-

tualiza na. oficina nos daria a chave da conjugação desses distintos aspectos.
,
Com efeito, se a complementariedade entre os diversos grupos de opera

rios no processo de produção da oficina ~ eventual e m~vel, o que a~segura a

ligação entre esses grupos? Pois na oficina não existe um sistema de máqUinas

parcelares encadeadas que unem, à sua revelia, os diversos operáriOS da seção


-
, /.....
de fabricaçao -- e e exatamente essa cadeia de maquãnas que nao e ressaltada na
./

descrição do operáriO de oficina sobre o trabalho na fabricação. Ao contráriq

essa ligação é realiZada não pela sólida estrutura metálica da cadeia de máqu~

nas, mas pela intervenção direta e constante da não menos sólida estrutura hie

rárquica da administração da usina. A produção nas oficinas funcionando de ma


.35 .zyxwvutsrq
.;
r" ,..-de produção de meios de produção
neira similar a um "SetorzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
proprio das

usinas, essa produçao


- , (
nao e cont1nua como na fabricaçao,
- mas tem por demanda

"encomendas" de peças de reposição e de reparos segundo as necessidades da ma ••


.;
qUinária em funcionamento na fabricação. Descontinuo por natureza, combinando

processos de fabricação com processos de construção e reparos, o processo de

produção nas oficinas exige a intervenção constante da direção hierárquica da

administração para diminuir os !lporos" da jornada de trabalho dos oper~rios ,


'"
para tender a tornar continuo o trabalho em uma produçao
- /
descontinua, isto e ,
."

sem uma continuidade "automática" dada pela cadeia de máqUinas .


.; ,
Se e essa estrutura hierarquica o elemento de continuidade do processo de

produção das oficinas, tal elemento relativiza a aparênCia de uma continuidade

"natural" do processo de produção da seção de fabricação, a qual seria conceb~


,
da lierroneamentet! como descont1nua pela visão dos artistas. Ao contrario des-

sa aparênCia de uma continuidade dada quanto à fabricação, opondo-se a uma des

continuidade dada quanto as oficinas, a comparação das visões respectivas de

profissionistas e artistas a respeito do processo produtivo da fabricação nos

mostra que a continuidade/descontinuidade da produção pode ser pensada tanto em

termos de máqUinas quanto em termos de operários/ordens da hierarquia. Comozyxwvutsrqpo


p~

ra o artista o elemento de continuidade da produção ~ constituído pelas rela

ções entre operáriOS e a estrutura hierárquica, a seção de fabricação também é


descrita por ele dessa forma, sem que necessariamente ela esteja sendo vista

como uma produção descont1nua. Mas pode-se pensar tamb~m de maneira inversa :

o artista pode estar vendo tal seção como descontinua não por um desconhecimen

to da seção de fabricação, mas por privilegiar a continuidade que se dá entre

os operáriOS sem uma mediação que implique em uma cadeia de máqUinas cadeia
I I

esta incompatível com a arte, o proprio modelo de trabalho dos artistas. Os

profissionistas seriam dessa forma estanquisados pelas máqUinas, seus traba


lhos ~teis especificos sendo descontinuos quanto à. sua interrelação direta., a.

cadeia de máquinas funcionando duplamente como transmissora das transformações

sucessivas sofridas pela matéria-prima, e como separadora da complementarieda-

de direta do trabalho dos diversos profissionistas. A vantagem explicativa da

visão dos artistas reside no fato de salientar que, mais além da presença da

à percepção!zyxwvutsrqpon
cadeia de máquinas na seção de fabricação, presença que se impoezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
~ ~
mediata de um observador exterior, esta presente a estrutura hierarquica em to
-
das as seçoes da usina.

Essa estrutura hierárquica -- mediador por excelência da continuidade da

produção nas oficinas -- está presente em quase todas as descrições do traba ~

lho feitas pelos artistas -- como nas citações acima. Ao descrever a aeção de

fabricação, o operáriO de oficina menciona não somente o chefe da fabricação ~

"Fabricação: tem o chefe pra olhar, mandar aquele pessoal que está ali". -- co

mo também o papel de supervisão que tem o serralheiro, o qual sendo responsá -

vel pelos reparos à. maquinária da seção, tem uma ascendência sobre seus opera-

dores humanos. Também na descrição sobre a possibilidade de um aprendizadom~zyxwvuts


I

tiplo na oficina e sobre a intercambialidade de tarefas, o operario menciona o

móvel da intercambialidade, a saber, as ordens da administração: li ••• a gente

faz qualquer coisa dentro da usina. O que ele mandar" < O 'ele
ti , sujeito inde-

finido dessa sentença, no contexto do seu discurso, retrata na sua indefinição

mesma a presença constante do sujeito oculto da frase, o empregado -- no caso

o chefe da oficina, o mecânico -- e suas ordens. Mais ainda, a descrição do


~ ~
"exame" a que e submetido o operario para tornar-se um artista reconhecido pe ...

1a administração, mostra como o desenrolar do exame reproduz o processo de pr~

dução habitual da oficina, através das ordens do chefe da oficina nesse con
/

texto de "ritual de passagem" para a arte ele e chamado de mestre que "enco

menda" uma peça ao operário: "Faça ai um tanque. Trace esse tanque com tan -
.37.
E, fit\ailri~t1te ~ hEI. tieâo:t'i~o Sbb:l'é e. complementariedade
to, com tanto."zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA de ta-

l"e!fa.l:1,
~,
O mecanaco , chefe da. oficina, aparece como uma medãaçao
-zyxwvutsrqponmlkj
;
necessaria en .....

tre a. constatação da necessidade da. reposição de uma peça na maquinaria. da fa-


."
bricação feita pelo serralheiro, e a. execuçao dessa peça, feitazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
p o r var-Los ou-

tros artistas (16).


/

Assim, ao contrário dos profiasionistas, os operários de oficina não so

têm a hierarquia da usina ~reBente como mediação para o~da operação de seu pr~

cesso de trabalho, mas t~m esse fato presente em suas representações sobre o

seu trabalho, como indicam as descrições referidas acima. Enquanto os profis~

sionistas defrontam •..


se de maneira direta com a hierarquia. somente por ocasião

de interrupções em um pr oc eaao de produção que tem por mediação imediata entre

os operáriOS e os empregados um sistema de máquinas seu discurso exprimindo

essa confrontação de maneira difusa e subjacente ~~ os operáriOS de oficina,ao

contrário, exprimem explicitamente as relações entre operáriOS e empregados no

~ ~ ;

(16) Essa mediaçao da administraçao da usina para alocnr tarefas aos operarias
; ;

de oficina esta presente no relato de um antigo operario que tornou-se um


empregado, chegando mesmo à "administração geral" de uma usina:
rlQuando eu estava mesmo na direção, na administração geral da us! ~
na, ia dormir depois de meia-noite,. depois de ter mudado todo o pessoal da
_ 7 ~

usina, que nao faltasse mais ninguem para ser substituido, e quando era
quatro e meia, cinco horas (da manhã), estava de volta. '"E muitas vezes
ocorria que havia um acidente na usina, quebrasse uma maquina, parasse u-
/ '" '"
ma maquina,. alguem ia Ia me chamar, para eu determinar quem ia ser chama-
~ '"
do, o operaria a ser chamado, para ir consertar a maquina. 0:: por outra,
eu tinha que descer para tomar as provid~ncias para a usina nao parar nem
perder tempo sem moer."
Esse relato nos indica como o exerc:Í.cioda direção da usina por parte da
administração difere segundo ele se aplica a profissionistas ou a artis ~
tas: enquanto com relação aos primeiros a administração tem que :çiscali -
zar estrategicamente a mudança de turno -- o funcionamentoautomatico das
máqUinas encarregando~se do desenrolar normal da produção -- com relação
I _

aos operario~ de oficina, a administraçao tem que alocar diretamente tar~


fas aos operarios, convocar artistas determinados segundo os reparos ne -
cessários.
processo de trabalho nao só da oficina como também da pr~pria seção de fabrica

çaoo Privilegiando a transmissão de ordens como instrumento de ligação entrezyxwvu


/
grupos de operarios para
~ -
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a efétivaçao da produçao, os operarios de oficina con
. ~

seguemfa~eÍ' presentes em suas descrições dO tráblHho a; teia de relações entre


a hierar~ui~ da administração e ôs operàrios nas v~rias seções da usina (17).

Esse privilegiamento evidentemente não se dá por acaso, tanto mais que a

mediação da hierarquia, a relação imediata com o chefe de oficina e sua conBe~

qUente transmissão de ordens, são inseparáveis não só do ~aráter descontinuo e

por "encomendas" da produção da oficina, como se impõe à maior imprescindibi1,!


dade do artista. E é desse duplo caráter da produção na oficina -- produção
"'-
por 'tarefasfl, maior importancia da qualidade da força de trabalho -- que deri-

vam tanto os aspectos vistos como favoráveis à condição de operário de ofiei -


, - ~
na, quanto os desfavoraveis e que constituem as contradiçoes proprias a essa

condição, como se procurará mostrar adiante.

Embora a produção na oficina se d~ por motivo de "encomendas" de peças


,-
ou de reparos, atraves de tarefas nas quais se pode delimitar com alguma prec,!

sao a contribuição de cada operário ao produto, o controle da administração s~

bre o trabalho e sobre o preço do trabalho se contabiliza por horas e não por

peça ou por tarefa. A administração da usina prefere perder, eventualmente, ~


,
ma certa margem de tempo produtivo entre o fim de uma tarefa dada a um opera -

rio e o inicio de outra, do "que ter que fixar o preço de cada operação para a

fabricação de peças e para a realização de reparos. Sem mecanismos mediadores

(17) Os artistas seriam assim, de certa forma, a própria negação da definição


de H~lbwachs, na medida em gue têm muito presente em seu pensamento a im~
portancia da estrutura hí erarquí.ca da us~ína , essa "aoc í.edade" embutida den
tro da usina. Os artistas fugiriam tambem, de maneira ilustrativa~ ao ~u
enquadramento nas caracter:Í.sticas dos "operadores diretos", prontos a re-
ceberem adequadamente o espirito positivo, de que fala Comte (1973: 87-9~.
.39.zyxwvutsrqp
..
de compulsão ao trabalho continuo tais como a cadeia de máqUinas da fabricazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW

ção, de funcionamento ininterrupto, ou como o salário por peças, que consegue

conciliar o interesse do operário pelo salário com a produtividade, a adminis~


A

tração da usina tem que redobrar sua vigilancia na oficina para fornecer um
,
fluxo continuo de tarefas ao conjunto dos operários. Ha normalmente um volume

de trabalho para manter a oficina em atividade constante durante ao menos oito

horas, na. época da moagem. No entanto, nem sempre a alocação de um operário a


, " ,
auas tarefas normais e possível momentaneamente, tornando-se necessario seu
, ,
deslocamento para outras tarefas. Alguns operarios, como ja foi visto acima,

" desses deslocamentos


tem uma imagem de uma interoambialidade de tarefas e da
, '"
possibilidade de um aprendizado multiplo, proprios a oficina.
, A
Se por um lado as tarefas dadas aos operarios de oficina tem um determi-

nado tempo médio estipulado pela administração no qual têm que ser cumpridas ,
~
obrigando assim o operario a uma intensidade de trabalho para a qual ele -
nao

tem nenhuma contrapartida -- como seria, ao contrário, o caso no salário por


,
peças ••...
por outro lado essas mesmas tarefas permitem ao operario, dentro de

certos limites, ter um certo controle sobre o seu trabalho e a organização do

tempo para a sua execuçao, fato este que se sobressai da comparação com a fal-

ta de controle do tempo de trabalho uniforme e monótono do profissionista da

fabricação.
,
"A gente tem que dar produção, n~. Fazer serviço. O mestre da um
bocado de serviço pra ele. 'Bom, eu quero isso de hoje pra ama
nhã', né. A gente tem que fazer, né. Também a gente não vai mor
rer no serviço, né? Tem que trabalhar pra dar produção, pra fazer
o serviço. Se hoje não der pra acabar aquele serviço mas amanhã a
~ ~ A
gente acaba, né? Tambem nao vai passar tres dias nem quatro nem
cinco com aquele serviço. Tem que trabalhar.!l (soldador)
,
Submetido, pelo regime do salario por tempo, a uma intensidade do traba-
.40.
lho sem contrapartida, o dpêr~rio de oficina nó entànto pode tirar proveito de

seu dealocamento eventuàl para outras tarefas que não as suas para aprender no

ve.s tarefas, ou para demonstrar, perante seu chefe, sua capacidade em assumir

tarefas consideradas superiores. Assim, há toda uma estratégia de alguns ope-

à. sua promoção perante seu chefe imediato:


r~rios com relaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o operário nunca.zyxwvutsrq
~
se oferecera para fazer um serviço novo do qual se acha capaz embora sem muitazyxwvu
~ •• _ '. . f

pratica -- se o servlço nao agradar ao chefe, ele se desgastara. Ao contrari~

ele deve se preparar para" quando houver um pedido eventual da hierarquia, de-

monstrar uma capacidade inesperada relativamente às expectativas do chefe e as

sim adquirir, isto é, melhorar sua posição com vistas a uma. designação para u••

ma ocupação considerada. superior.

"Eu não sei estudar, assino o nome. Mas, graças a Deus, que eu ve
jo fazer uma. coisa hoje, fico ali, e tal, com uma semana, já dá pra
,
gravar. Ai, os mestres, foi me tendo confiança. Mandava fazer e,
,
eu nunca dizia que ia fazer Ia e fazia. Porque eu não olho as
vezes o ordenado. Tou olhando aquilo que eu quero adquirir. Mes-
, ,
mo quando sacrificado Porque tem gente que as vezes ta sacrifica
do , no ordenado, e não quer pegar aquilo ali, aquela função, por-
que o ordenado não dá, ele não quer assumir. Não, vá assumir. Mos
tre boa vontade que o supervisor vai vendo, ai" chega o ponto que
a pessoa. quer, e depois o ordenado melhora. 11 (serralheiro de gara-
ge, ex-motorista)
.-
Tambem alguns profissionistas, com seu aproveitamento nas tarefas do a -
'"
ponta.mento, podem tentar mostrar habilidade nessas tarefas para uma transferen
.-
eis. posterior possivel para as oficinas:

"Se aparecer um trabalho de montagem, o cozinhador mesmo,tendo "


pr.=:
tica de fazer um encanamento, ele pode assumir um lugar de serra -
lheiro, de encanador, em qualquer um canto. E. " Eu mesmo, eu nao -
trabalho só de cozinhador, n~,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
pego na ferra.menta., achando lugar
pra trabalhar de montador, essas coisas, tudo eu faço. Cravejame~
A "., '.; " _ zyxwvutsrqponmlkjihgfedc
to, se for pra alguem m~ndãr eu fazé~, eu faço. Mas tambem nao
vou dizer que faço pra m~ndat eu fazer, e ... assim vou me estra -zyxwvutsrqponmlkjihgfe
gal', eu tenho que me poupar, não é? É. 11 (cozinhador)

Arriscando sua dignidade de cozinhador nas tarefas de montagem e desmon -

tagem dos aparelhos sob a supervisão dos artistas, durante o apontamento, quan-

do então os profisslonistas são reduzidos a ajudantes, esse operário tem que

ser ca.uteloso ao assumir tarefas de artista ocasionalmente. No entanto, na me-


~ ~
dida em que, com essa estrategia, alguns operarias -- como no caso do serra

lheiro de garage acima -- fiquem mais preocupados c~m o julgamento do supervi -

sor, do chefe, e menos com o aprendizado sistemático da arte enquanto ajudan

tes de um artista principalj privilegiando assim a l~gica da hierarquia em de-

trimento da lógica da arte; tais operários são mal vistos pelos outros artis -

tas quando aqueles ascendem a cargos de mamo como "imediatos li ou "caboa ir dos
,-
supervisores nas seções da usina. Pois os operarios de oficina operam uma dis-
_ A A

tinçao entre os flartistas mesmo", que tem uma ascendencia sobre os outros ope -

rários pela principalidade e imprescindibilidade de sua participação no proces-


_ ~
so de produçao e pelo dominio socialmente comprovado
"-
que tem de sua arte, e en-

tre os "imediatos 11 ou "cabos", aqueles que ascenderam pela confiança que a hie-

rarquia da usina investiu neles (18).

Para exercer sua vigilância sobre o trabalho na oficina e para impor o

ritmo de produção da usina ao controle parcial que têm os artistas sobre o rit-

mo de seu trabalho, a.administração não pode prescindir de uma certa delegação

(18) Falando de um ex-operário que ascendeu na hierarquia da usina passando a


'cabo" de uma seção e depois chegando a chefe da seção de fabricação, diz
um serralheiro:
"Às vezes um camarada daqueles cai no conhecimento do patrão. Aque-
le ali trabalha um ano ou dois na fabricação! ~ depois eles vão crescendo~ e-
Ie. Botou pra ali depois com um pouco mais e um grande. Porque ele e a -
quilo porque os homens quer. Porque os homens quer." (serralheiro)
.42.
de poderes a. alguns artistas para uma coordenação do trabalho de outros operá-

rios. Já vimos anteriormente é submetido um operá-


a descrição do exame a quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

rio para tornar-se um artista legitimado pela administração da usina, exame e!zyxwv
;

te que estratifica os operarios de oficina, habilitando os artistas legitima -

dos a formar um elo acima dos outros operários na corrente hierárquica da usi-

na. " como o serralheiro,


Vimos tambem ao supervisionar o funcionamento de toda.

uma seção de máquinas na fabricação, exerce também uma supervisão sobre os op~

rários daquela seção. O serralheiro além disso é um elemento-chave na comuni-

cação entre a oficina e a fabricação, ao constatar nesta a necessidade de re~

ros, encomendar à oficina a fabricação de peças necessárias e finalmente fazer

a montagem dessas peças no membro a ser remediado pertencente ao corpo da ca -


, -"
deia de maquinas da rabr Icaçao , Operarios principais nos pequenos grupos de
,
operarios existentes na oficina onde comandam seus ajudantes, os artistas tra~
,
formam-se nos operarios principais de toda a usina por ocasião do apontamento.

Aproveitando-se da função principal desses operários no processo de produção

da usina, a administração agrega-lhes funções de supervisão e mando, seja so -

bre seus ajudantes, seja sobre os profissionistas e serventes. "Quem tem arte

manda, não é mandado" (esquenta-caldo). A pr opós to do serralheiro:


â " esse

não vai fazer aquele serviço pequeno, quem faz é os pequenos mesmo. Aquele vai

mandar somente" (soldador).

Se de fato os artistas servem de mediação entre os outros operáriOS e a

administração da usina, existem no entanto operáriOS de oficina de confiança

dos supervisores que são explicitamente designados como "imediatos I, ou "cabos"

(espéCie de "contra-mestre") e que se subordinam ao chefe da oficina ou -


seçao

em que trabalham (garage, carpintaria, fundiÇão, etco). Como também alguns 0-

perários da seção da fabricação t~m a mesma função e denominação, vemos como

essa fUnção de mando deve ser diferenciada da principalidade e imprescindibil!


.43.
,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
O cara ter das fun -
dade que tenham certos operá.rios no processo de produção.zyxwvutsrqponmlkjihgfe

ções dos "imedia.tosli ou "cabos" faz prevalecer suas tarefa.s relacionadas à. dia

ciplina. e à. tra.nsmissão de ordens super í.o- es sobre suas tarefas de participa. -

ção direta na produção.

Fazendo-se abstração dos "cabos", os artistas podem funcionar de fato c~


- , ,
mo uma media~o entre os outros operarias e a estrutura hierarquica. da usina ,
,
devido ao seu papel de operario principal, seja na escala do grupo de trabalho

na oficina, seja ligando a seção de oficina à seção de fabricação, seja na es-


, ,
cala de toda a usina durante o apontamento. O apontamento, como ja vimos, e o
,
periodo em que os artistas subordinam os profissionistas como seus ajudantes •

E é nesse per:lodo que essa ascend~ncia dos artistas sobre os demais operá.rios

cristaliza-se sob a forma do caso-limite da empreitada de maneira lnaia freqile~


,
te, Quando ha necessidade de serviços de reparos mais longos e urgentes, a a.d

ministração da usina costuma contrata.r um artista da oficina para chefiar uma

turma de trabalhadores -- e entregar o serviço pronto dentro de um prazo a ser

estipulado. O operário negocia o preço total do serviço com a administração e

com esta quantia ele pagará aos operáriOS que ele recrutar e tirará também a

sua remuneração. A delegação de poderes e de autonomia ao artista-empreiteiro

pode ser maior ou menor segundo as usinas, ou segundo o tipo de serviço a ser
,
executado Em alguns casos, o artista pode recrutar seus operarios na emprei-
, , -
tada a vontade, em outros casos estabelecem-se limites a designaçao pelo arti!
A ,
ta de seus subordinados: eles tem que ser fichados, sua escolha e feita de a -
cordo com o chefe da oficina. Em alguns casos, o artista recebe o pagamento da

empreitada e paga diretamente à. aua equipe, em outros casos o pagamento de ce-


-
da membro de sua equipe e~ efetuado diretamente pela administraçao da usina.

Geralmente a empreitada resulta de um oferecimento da administração da u

sina a um determinado operário-artista (cf, a estratégia dos operários de ofi-


.44.
~. einã.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
êtn ~o êohtecipa.rem-se hO O!,e}:\écimênto de seus s~tviços pe.ra. a realização
••• •• , 0.0 , • • '.:.. ,_ ~'~'. 0- __ ',

de determinada tareta)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mas ao c8ntra.rio esperaremoofe~ecimento pot parte dêzyxwvutsrqponm

seu chéfe imediato e Co~re!~haêtéfu ou mêsmo ultrapass&rem SUAS ~~ectativaa) .

Exfatê

tO) oU
~tlo
meSmo
um regateio

diretamênte
entre O dPet4rio é Ó chefe de

entre o eperário e o gerente.


~uêmp~ttiúti oter;Cimen

No oferecimento e no
-
... ,
proeesso de regateio existe uma afirmaçao dooperario e do seu poder de nege •

ci.&ção vis..a.•.vis da usina.., posição de superioridade de&&esopeJ!'<:triosé en.

tão reeoDhecida. explicitamellte quando da. concessão da. empreitada. (19).

'c. recurso à. empreitada. por parte da usina. demonstra. que o cará.ter desc.oa.

t:Ínuo e variado do processo de pr~ução na oficina. e do tra.ba.lho do ertista. Pet

mite a eontabilização da contribuição individual ou de equipe dos operários aO


produto ou à. tarefa. e demonst~ a possibilidade do pagamento por peça ou por

t~refa. de seu trabalho l'lormal. Assim, a emprêta.ds.representa. uma.quebra. de.


,
propria. normalidade do eontrole
~
rigido, por hora, que tem a. a.dministra.ça.oJzyxwvutsrqponmlkji
de
-
trabalho dos operáriOS de oficina. Estes, por outro lado, capacitam-se a ver
,
com os olho! do tra.balhador habituado a ganhar o salario por peças ~- trabalha.

dor este que contabiliza o preço do seu trabalho constantemente e controla. os

ganhos do patrão -- o seu tl"S.Oalhonor~lJ sob o regime do sa.lÁrio por tempo 1

tendo uma certa noção do quanto eles estão deixando de ganhar sob este regime .

A empreitada faz sentir "


tambem, aos operarios, ~ entre a orga.•.
uma certa oposí.çac
- - ~
nizaçao da produçao da empreitada .•• de carater ~
mais voluntario na medida de

(19) !! ( @a época. do aponta.ment~ eles separa: 'Bom, nós temos tal


••• ) tiraba •.
lho 1 tal traba.lho, tal tragalho. Diga, por qua.nto faz? I A:Í a ~ente. faz a..
quela base,, quantos dias nos vai gastar,
, com quantas pessoas""', nos va~ tra -

tanto',
-
bakhar , ai eu digo: 'Faço ,por x I. Ai ele vai discutir. , 'Nao, eu se
e tal, 'Mas nao da, e tal, e fica naquilo, ate que chega um ponto
dou

que não fica nem comoa gente quer nem como ele quer, e fica. Então aqui.
10 a. gente pega a tra.ba.lhar mesmo. (caldeireiro) fi
·45.zyxwvutsrqponmlkjihgfed
sua organizaçao
- '" .
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
pela proprla equipe de operarios
~
e a organização da produ -

ção normal da oficina, comandada pela administração da usina e seu representa~

te imediato, o chefe da oficina. Por outro lado, a empreitada pode vir a soli

dificar a solidariedade horizontal entre os operários, sob a direção dos art~


,
tas, ao estreitar os laços entre os componentes da equipe de trabalho,e tambem

demonstrar que, para coordenar a cooperação entre OS operáriOS, os não-operá ~


.. -
rios nao sao necessarios.
,
,
O uso constante da empreitada dirigida por um operario-artista da casa

pode vir, portanto, a abalar o monopólio estrito da autoridade sobre os operá-

rios que a administração da usina tem que preservar a todo custo. Por isso, a.

administração recorre a empreiteiros de fora, geralmente antigos operários-ar-

tistas ou mesmo ex-chefes de oficina, que se especializam na venda de seus ser

viços para a realização de consertos em várias usinas. Parece haver uma ten ~

dência a que as grandes empreitadas sejam concedidas a esses empreiteiros de

fora, ficando algumas pequenas empreitadas a serem contratadas


.-
com operarios da

casa. Esse recurso aos empreiteiros de fora e" muito ressentido pelos artista~

sendo mais um sinal da falta de consideração que tem a administração da usina

para com os operarl0s.


~ . Essa reclamaçao
- ,
e encampada por todos os operarios
~
,
que definem os artistas como liacoluna de uma fábrica", e apesar disso não t~
(20)
a consideração dos homens Essa é mais uma prova para eles da divida pe!

(20) "O usineiro tem paixão mesmo de acolher mais bem aos empregados. Ele tem
paixão mesmo que os empregados sejam mais bem acolhidos, mais bem alimen-
tados, casa mais bem ajeitada, e assim por diante. E que o operáriO, ele
consider~ muito pouco. Por~ue vamos dizer que~um serralheiro, um caldei_.
reiro, sao uns homens que e a coluna de uma fabrica, de uma usina,mas nao
• _ N ~

tem tanta cons~deraçao. Aqui mesmo, tem um rapaz, Joao, aquele rapaz e
tão esforçado pelo trabalho que é uma coisa demais, trabalha coitado, mas
acontece q~e às vezes na pejada [guando acaba a moage~ vem oficiais de
fora que sao muito mais bem considerados do que ele, ganha bem, tem bons
lucros no fim, e ele ai só falta
I., morrer de trabalhar, trabalha muito.
, Des_zyxwvutsr
de menino que aquele rapaz, e outro que so conhece essa usina tambem. MUi
tos filhos, muito esforçado. (cozinhador) ti
.46.
manente e nunca cumprida que t~m os patrões para com os operários da casa, que

sao sempre prejudicados, enquanto os que vêm de fora tudo conseguem (21).

Sem conceder a empreitada, a administração da usina tem por alternativa

durante os perfodos de serviço urgente ~- como, por exemplo, no final do apon~

tamento, para a usina começar logo a moer ~- aumentar enormemente a jornada de

trabalho dos operários de oficina que trabalham mais de doze horas e chegam àszyxwvuts
,
vezes a dobrar, isto e a trabalhar dia e noite, com intervalos muito curtos

de descanso (22) A usina oferece um certo equilíbrio entre a concessao de em


-
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

preitadas e o constrangimento à longa jornada de trabalho, paga por hora em

bora esse equi11brio pareça tender a se romper em detrimento da concessão de


,
empreitadas cada vez ma~s efetuadas por empreiteiros de fora. Os operarios de

oficina têm que se conformar então com O pagamento de suas longas horas de tra

balho, às custas de um desgaste f1sico semelhante ao dos profissionistas da ~


.-
bricação durante a moagem. O pagamento desse esforço ainda alivia o operaria
~ ,
de suas eventuais dividas, ou lhe permite ter um saldo para compensar epocas

do ano mais fracas em trabalho e remuneração. O que causa mais descontentame~zyxwvuts


/ ••. I
to entre os operar~os de oficina, no entanto, e o fato de poderem ser cr~mados

(21) Os de fora: uma oposição com os da casa. É interessante notar~se nessa o


posi~ao que os de fora estio muito referidos aos empregados. Os de forã
ou sao os próprios empregados, que têm uma rotatividade maior nas usinas,
preocupados em fazer "carreira" e mudar sempre para um emprego melhor, ou
são operá.rios de outras usina.s chamados pelos empregados. Com efeito, ha.
vendo uma mudança de gerênCia ou de chefes de seçao, esses empregados ten
tam levar consigo, para onde forem, seus operá.rios "favoritos". 6s de ca.::
~ ; I

sa sao os operarias que geralmente fazem toda sua trajetoria social den -

ou pelo chefe de oficina.


,
Cf. o capitulo IV.
----
tro de uma só usina. Os empreiteiros de fora são chamados pelo gerente ,

(22) "Eu não conto as vezes de eu ir trabalhar de dia e de noite sem parar. Es
ses dias mesmo, a semana. passada mesmo, eu chegava em casa, saia de casã:
pela manhã, chegava no outro dia. Às vezes vinha, para eu comer, a mdher
me mandava o almoço, café, essas coisas, e eu comia na usina." (caldeire.!
ro) .
A zyxwvutsrqponmlk
a qualquer hora do dia ou da noite, em caso de quebra de maquinaria ou urgen .•
~ , ~
cia de serviço, para trabalhar" Essa invasao da area domestica do trabalhador

em beneficio é o exemplo mais freqüentemente descrito


do trabalho para a usinazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

pelos operários do cativeiro e da sua condição de cativos.

Atraídos pelo salário-hora mais elevado, pelo fazer do artista que indi-

ca a imprescindibilidade e o prestígiO de sua profissão, pela posição de mando


/

sobre os ajudantes e outros operarias, pela possibilidade de empreitadas even~

tuais, os operários em geral desejam ir para a oficina, ou apontam a oficina

como o ~nico lugar da usina que gostariam que seus filhos trabalhassem. Mas os
~ ,
operarias de oficina, em particular, por conhecerem estas caracteristicas fava
~ ,
raveis da qualidade de artista de perto, possuem ao contrario dos profissio
-
nistas de fabricaçao "'- um desejo remoto de passarem para a oficina,
que tem mas
A / A _

de fato tem um calculo economico voltado para o curto prazo: sao os "contado -

res de hora" ••- um cálculo econômico voltado para um horizonte de tempo maior,

na expectativa da possibilidade de a8cenç3:o a uma arte que lhe d~ aquelas van ..


~
tagens acima enumeradas, No errtant.o , eles conhecem t.ambem os limites da condi

ção de artista almejada por sua expsctativa. Eles conhecem o cativeiro de te-

rem de atender o chamado para o trabalho a qualquer hora, sabem que as emprei-

tadas são dadas a empreiteiros de fora e que têm de contentar-se a trabalhar


A /
por hora, sob a vigilancia da hierarquia da usina e com um salario que embora

varrtagens
mais elevado não lhe traz tanto.;:; materiais a ponto de distanciarem -
, A
se do nivel de subsi8t~ncia dos demais operáriOS. Os operar Los de oficinazyxwvutsrqponmlk
ve-

em assim que a posição maxima poss Íve'Lde ser a'l.cancada por um operár í.o de usi

_-
A

na não traz a -------~.:::


.
consideracão
•..
que lhe seria devida pelos -_.~--
homens em decorrencia da

responsabilidade que lhe é exigida por sua posição na pr-oducao , Assim,sua t~


,
jetoria social ascendente -.- que por vezes começa do tra.balho rural no engenho

-. tem limites estritos, compat1veis com a manutenção do monopólio da autorida


.48.zyxwvutsrqponmlkjihg
de da administraçao - .
" r i.oe .zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
da. usina sobre todos os opera..

4. O Servente e o Aju~~Ete
,-
A expectativa. de tornar-se um arfuta esta preGente Ç1.up,se
que por defini-

çao no ajudante, categoria que se refere com mais freqüência à oficina (23)

Comefeito; enquanto o profüwioniE_!9.: da fabricação possui um substituto equi-

valente imediato na pensoa de seu companheiro de trabalho .-


homologo no outro

turno de trabalho -- o muda - .• o artista da oficina nio possui um substituto !:


quivalente imediato, mas um substituto inferior, em vias de aprendizado. Esse

substituto equivalente no futuro, garantia da reprodução no futuro da habilida

de da f'or ca, de trabalho da oficina, é o ~].~~~!:!"::


q1.1::),
port8..nto, ~ neceasar ía -
,
mente um apr end.lz. Devido a essa. sua qualidade neCC3f'a.rj.t".,o lugar de ajudan •..
.
te e" df.sputado ' í.cs , que ali
pelos opez-ar desejam cc'Lcca.r [)('UG f'Ll.hos em idade

de trabalho ou outros par ent.cs o Essa. disputa, com efeito, 80 refere a um lu -

Ass ím, a colocação

em uma vago. de ç'..judante de e.Lgum prt7.sta. depende inv2':':~J.vclmentede boas rela-


-
çoes pessoais do Boliei tz·.nte c:e e:l'T-'l'cGO -- um rc.::dié';.dor
,
que gc:,'o,lmcntGe par en...

te próximo ou p:l.clrinh-:)do canô í.ôat.o -- e os hon:,:;nG, o ch.tf'e de c rí.cãna , o ge ••


..
rente. A negativo, por par t.e da usina -- que e a regra gcrrvl, _'o ao pedido dos
.""
operar-aos para a col.ccaçco de seus filhos ou par-ent.ce czyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
G oti'lO de r esaent.ãmen-
; /

to e ma.l estar, f'r-eqtierrbemerrt.e exp'lLc Lto.,c1o


pelos opero,rios mUJ cn+reví.stas .
..
Dentro da oficina, alem de z-ccebcr or-dens d.lr ebamerrte do chefe de ofici ...
..
na, o ajudante tem sua.. rell:tçQo principal no entanto com o crtü:lta 2.0 qual esta
..
ligado, do qual e o /),j udant.e , E3sa rol8..çs.opode ser de Dm:!..ZD.~::LC e companheiri~

(23) ':Ja seçao de fe,bricação existe ('\,PC:1aG o aj udant,e de coz á.nhador, única pro-
fi8são cujo apr end.ízado neceznã+a de tm te:nro m8,:1.')}:.0.3 oubr os s&:oser ..•
ventes.
.49.
A zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
~
mo, embora sob a aac endcnc âa do a,rtista, como tambem pode resultar em queixas

do ajudante, como se o artista fosse t~ aliado GO patrão na exploração de sua

força de trabalho.

fi ( ••• ) Eu trabalhei em fundição 5 anos. Em 5 anos, por isso e por


aquí.Lo , eu me dez entendi lá. me.í.s o chefe. Ai, fui trans ferido
Fui pra oficina, fui trQ,bo.1he-rde aj udant.e de encanador . Com um
rapaz que eu gosto muito dzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e'Le . Hoje ezt~ afast':o.do do trabalho, ea
tá doente. Ai trabalhei muã toa tempos de ajudante de encanador com
ele, a gente sempre se ent.endãa bem, eu com ele, na base do traba-
lho. Depois, o mestre perguntou se eu bubava , c e eu ascumía aque •.•

Ia responsabilidade, aquele trabalho por minho. conto.. Ai fiqueiso


zinho, n~." (caldeireiro)

11 ( ••• ) Quando a usina pejava l1im da moage~ eu ficava no aponta -


,
mento, mas eí , eu neaca par t.e , na Usina X, eu n?o tr:lbalhav? por
minha conta, eu t raba.Lhava mais o s er-ro.Lhed.r-o , Eu trc,balhava mui-
to, às vezes chegava o se:.'ralheiro, não chegava nem a trabalhar ,
quem fl),zia o serviço ez-a eu, mac a re3pOnf3.bilid'1(~e do serviço era
ele, ne . Era ele. Eu f2,::-"i· ).,m8,8acontece que, o manda-ichuva era
ele. Era ele. Eu fC.z:i1.o s orvã.ço , mas ele era. o serralheiro; que
~
ficasse, eu fizesse ruim, ele dizia: fazer as-
'Ah ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
m as 113.0 mande í,

sim não'. E se eu fize8:Je bom ele dizia: 'IJã0, rt.ü eu que fiz, eu
mandei fazer asc ãm bom'. M~,8 sabe, quem era o serr::üheiro era e -
le, então ficava tudo por i880 mesmo, tá tudo certo, né. Depois
que eu cheguei aqui foi que o mecânico @hefe da oficin~ mandou eu
trabalhe,:::, por mânha corrba s " (8 erralhciro)
~ ~ ~
Sendo ou nao boa a r el.açao ontz e o operur ío pr inc í.pe.L e pr;u e,judante, no

entanto essa ~ uma re18,ção "forte", como denotam as expres::;oos trabalhar - por mi

nha conta e fiquei sozinho, quando o ajudante pe,;.>sa Nessa relação,


, ~
o ajudante vai assimilando e desenvc'Ivendo o codigo da ar tc , seja atraves do

aprendizado e do companheiriemo com o artista do qual ~ ajudante, seja por op~

sição ao arti.sta que infringe a ecoe CÓdiE:;oao privilegie.r a responsa,bilidade

em detrimento do trabo.lho e da ar-t.e ,


.50.zyxwvutsrqpon
é difícil e depende de boas relações pesso •..
Se a coloca.ção como ajudantezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ais, também a sua permanência como ajudante não é isenta de perigos. Conforme

suas relações com os empregados, ou mesmo com seu operáriO principal, o ajuda~

te pode ser eventualmente afastado para outras ocupações ou ser cortado. Por

exemplo, nas entrevistas, um rapaz conseguiu uma vaga como ajudante de tornei-
, ;,
ro, atraves de um pedido de seu pai, continuo de escritorio, dirigido ao gere~

te. Houve depois, no entanto, mudança de ger~ncia, cujas relações com o cont1
-
nuo nao eram as mesmas. O rapaz foi transferido para o lugar de ajudante de
-
serralheiro, o que nao era do seu desejo, e era cortado todo ano durante aI

gune meses. Além disso, o rapaz conta que sua relação com o serralheiro era

conflitiva. Tendo colocado a usina na justiça trabalhista devido ao nao paga- -


mento de seus direitos quando de sua dispensa anual, e tendo perdido a causa ,

o rapaz foi demitido e hoje vive de ganchos (biscates) no clube da usina. E o


ex~ajudante oscila, em seu discurso, entre o ~dio à usina, aos empreg~dos, ao

gerente que lhe rebaixou, e a c~nfiança no antigo gerente ~- tanto mais que o
- , ;
sindicato, que foi acionado, nao correspondeu as expectativas minimas que ti -

nha o operáriO no auxilio ao encaminhamento de suas reivindicações. Assim, a

mudança de administração e a rivalidade entre gerentes sucessivos (ou outros

empregados) pode refletir-se na relação do novo gerente com os "protegidos" do

antigo, havendo rebaixamentos ou cortes.

Os ajudantes estão, portanto, embora em uma escala menor que os serven -


, ,
tes, tambem sujeitos aos cortes, a dispensa de seu trabalho durante uma parte

do ano. Então} dependendo de relações pessoais que tenham, podem arranjar al-

gum gancho (biscate) com particulares (agregados às usinas ou em cidades próx!.

mas ).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
Dentre a populaçao operaria fixa das usinas geralmente existem
- I
grupos

de ex-ajudantes ou ex-serventes, dispensados da usina ou pretendentes a ajuda~

tes sem colocação, que vivem desses ganchos eventuais, ou em tr~nsito entre um
.51.zyxwv
,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
emprego e outro fora dali, aguardando o serviço militar ou recem-chegados de _

le. Eles constituem uma mão-de-obra excedente, gerada pelas famílias dos ope-

rários, pela própria reprodução de sua força de trabalho. Eles são conseqUên-

ci& da própria defasagem entre a reprodugão normal da força de trabalho dos 0-

perários e o ritmo de absorção de mão-de-obra das usinas.

Apesar de estarem em um processo de aprendizagem de uma arte, os ajudan~


; ~ ,., /

tes ganham o salario-minimo, ou menos quando sao menores. Os operarios de of!

cina. justificam isso pela ideologia do fazer: "Ajudante tem que ganhar saláriozyxwv
I
,
minimo. Porque não faz nada pra usina. So faz ajudar compreende? E ganhando

mais que um salário-m:Ínimo quer dizer que já faz alguma coisa pra fábrica". Ga

nhando o mesmo que um servente, o aj udante ~ a própria materialização de um


; A ;

calculo economico voltado para a trajetoria ascendente dentro da usina e volta


,
do para o aprendizado de uma arte -- que pode instrumentalizar o operáriO ate
/ /

para um emprego em fabrica urbana. O lugar de ajudante, assim, e cobiçado di-

retamente pelos operários para seus filhos, pois, próximos à usina, ao mesmo

tempo em que valorizam o lugar de ajudante, estão também mais aptos a Pleiteá~

10 junto aos empregados.


; ;
Ja o lugar de servente e freqUentemente
-
uma transiçao entre o trabalhoru

ral e o trabalho na usina. Embora o servente possa ter outros destinos que
-
na.o o trabalho na. usina, podendo migrar para a "capital" ou passar a trabalhar

no campo, no entanto geralmente ~ por ali que os filhos de trabalhadores ru

rais conseguem colocação na usina, muitas vezes depois de trabalharem na estra

da de ferro ou no enchimento de cana nos caminhões. Ao contrário do ajudante,


"
que tem tarefas especificas, e esta subordinado diretamente ,
a um operario pri~
A
cipal determinado, o servente pode mudar com freqUencia de tarefas e ser manda
;

~ por diferentes operarias. O servente ocupa as tarefas mais pesadas ou mais

secundarias
/ ."-' ,
com relaçao a produçao,
- como tarefas de limpeza. Varrendo a esp~
·52.
nada, evitando o esborro do caldo em tanques, transportando material auxiliar,zyxwvutsrqp
~ ,
trabalhando nas caldeiras ou no ensacamento do açucar no armaZem, os serventes

constituem uma mão-de-obra numerosa durante a ~poca da moagem.

Na descrição do processo produtivo da fabricação do aç~carJ feita pelos

profissionistas da fabricação, enquanto os profissionistas e os artistas sao

designados pelo nome de sua ocupação "br-equãs ta.", o "maquí.nãs te," ,


(por ex ., ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
,
o "cozinhador") o "serralheiro", o "torneiro", ete.), os serventes, ao contra-

rio, são designados por "rapazes" ou "homens", ou são omitidos da descrição


~ ,
Por exemplo, ""0 fica dois rapazes ali comzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
U ITi varao, puxa um ferrinho, ai de-
• -
,
samarra o mo~aoo .• n ; "na lavagem da cana, ali tem um esgoto. Aquela agua vol-

ta de novo para o rio. Ai cai aqueles p~ de bagaço, aqueles pedaço de cana }

ai então entope o ralo. Então fica um exclusivamente ali pra limpar aquilo ,
Á zyxwvutsrqponmlkjihgfedc N /

pra não encher" (esquenta-caldo). Essa ausencia de denominaçao especifica pa-


,.., Â / ~

rece relacionar-se com a concepçao que tem os operarios do serviço proprio ao

servente -- um serviço definido basicamente por negação: "o serviço do serven-

te é um serviço pesado. Não tem profissão nenhuma, não tem uma arte de nada,
,.., - I' ,

nao aprenderam nada coitados) entao diz que e serviço de curau, que o curau so

pega. mesmo o pesado. Ou a enxada ou aquilo" (cozinha.dor). 110 serviço de ser -


, , .
vente e um serviço, eu chamo aquilo de curau, porque e um serv~ço que qualquer

uma pessoa faz. Né, porque a gente tem essa prática na usina de dizer: 'Ah ,
/' , ~
isso e serviço de curauJ e bobagem, qualquer um faz rapaz, e muito pratico de

se fazer f 11 (esquenta-caldo) (24) o

Os serventes muitas vezes são organizados em turmas pela administração da

usina, para efetuarem tarefas de limpeza, serviços pesados de canegamento, etc.

(24) Nas usinas pr-oxímas ao Agreste, a maioria ~dos serventes e realmente "cu-
,
z-au'' ou "cqrumba'"; , nas usinas mais proxãmas ao litoral a maioria. dos
mas
serventes e constituida de filhos de trabalhadores rurais dos engenhos.
As tarefas dessas turmas -- denominadas !1turma do embala", "turma auxiliar"zyxwvutsrqpon
J

etc. -- são vistas de maneira depreciativa pelos outros operirios. Freqllente-

mente tendo participado eles pró~rios dessas tarefas no passado, os oper~rioszyxwvut


, . '"
estavels veem depreciativamente tais tarefas de maneira retrospectiva, embora

compreendendo que a lógica do servente pode ser outra: muitos serventes privi-

legiam a mobilidade nos empregos e manifestam pouco desejo em se "profissiona-

lizar", em assumir a responsabilidade:

"Em 1939, eu já trabalhava numa turma na eap'lanada , por nome de


turma auxiliar. Quando foi depois precisavam de um ajudante para
~ -" , ai o chefe da turma mandou eu. Eu fui
a s eçao de f'undãçao meio
contra a vontade, n~, achando que lá na seção era tão bom. Veja
,
so. E a esplanada era serviço de ajuntar linha, fazer limpeza, f!
nalmente, serviço que não presta mesmo, n~. Mas na ~poca eu achei
ruim aquela transferência. li (caldeireiro)

Muitos serventes, no entanto, quando casam, procuram então a "profissio-

nalização", a estabilidade no trabalho de usina e lamentam sua condição de se!,

vente, assumindo a visão depreciativa que OS outros operáriOS têm de suas tare
-" ,
fas. Para o servente em busca de uma colocaçao estavel na usina, a propr ta d~

tinção e oposição entre profissão e arte se apaga para ele:


-
"Para a pessoa ganhar aqui, a nao ser um oficial, pra pessoa ga-
nhar aqui, ~ muito ruim trabalhar aqui. A não ser um oficial, um
torneiro, um cozinhador, um modelador. Tudo ~ uma coisa só. Por-
que pra ele o ganho é mais, 00.0 é? E quem não sabe, tem que pegar
todo serviço que o homem mandar fazer. O que ele mandou fazer tem
que fazer. Porque não tem profissão nenhuma. Agora, tem uma pro-
fissão, chega na usina e pergunta: 'O que que voc~ faz?' Ele diz:
, ,
'Sou um torneiro' . Pede os documentos dele. 'E um torneiro, ta
, ~
certo' . Ai vai botar pra , pra profissão dele. E o que nao tem
A r-;
-
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
'0 que que voce vai fazer) voce nao tem profissão nenhuma! , então
,
pega a va.ssoura.e vai varrer rua, e o que ele va.i fazer. Porque
não tem profissão nenhuma.
- ,
A carteira dele nao e marcada profis -
.54.zyxwvut
N , zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sao nenhuma. Pronto. E um servente. Que nem tem na minha. Ser-
vente." (servente de armaz~m) casado)

Se o serviço do servente "qualquer um faz '",no entanto, pe Lo fato de serzyxwvut

"pesado", menos ligado a maquina, e um serviço que e digno de ser mencionadona


," I "

descrição do processo de trabalho tanto do profissionista de fabricação quanto

do operáriO de oficina (25). Paradoxalmente o profissionista de fabricação,na

sua descrição do processo produtivo, menciona os serventes mais que a sua pró~

pria categoria. E quando o contexto de seu discurso se refere ao seu antago ~


I

nismo com os empregados, as caracteristicas diversas dos diferentes trabalhoszyxwvut


,
uteis dos sub-grupos "
operarias -
sao todas invocadas pelos profissionistas posi-
, I

tivamente, inclusive as caracteristicas do trabalho dos serventes: o operaria


,,,
e quem trabalha e produz, e quem pega no pesado, enquanto o empregado nao tra-
-
balha, só manda. E no entanto o operária ganha tão pouco, merecendo mais, e o
" ,
empregado ganha muito sem merecer -- esse e o paradoxo que os operarios se co-
I

locam quando se referem ao salário. Mais que o carater "pesadolõ do :brabalho

do servente -- caráter este presente com maior ou menor freqÜ~ncia para todos
, '"
os operarias -- e a falta da profissao
- e da arte que o desvaloriza mais aos 0-

lhos dos operáriOS: "Então, esses outros que não sabem nada, então dá-se o no-

me de servente fi •

liA parte mais pior da usina, que puxa mais pelo trabalhador, ~ aquela pri
me ira seção daonde descarrega os caminhão, vasculhagor~ ali são as partes
que os cara trabalha mais,sabe. As caldeiras, tambem e um serviço que e-
-
les trabalha muito. E também tem uma atividade muito grande, ainda mais
da pessoa nao cair. E os serventes da caldeira tambem," eles trabalha mui
to porque trabalha com uns bangué de bagaço botando força. são umas se -:
!'w A ; ,

çao, duas, tres co~ o"turbinei~o, e ali onde eles turbina o açucar, aque-
le, movimento,
, tambem e uma seçao que eles trabalha muito e ganha pouco ,
ne. Ali e sem parar. / _...... camaradas que carrega aquela mochili-
Ele e aqueles
;

nha na cabeça, armazem, ne. Sao as quatro seçao dentro da usina que eles
trabalha mais. Puxa mais pelo corpo. (cozinhador) li
Se na êia~sificação dos operários a categoria servente refere-se às ca ~zyxwvut
/ ~
raeteristicas do trabalho util executado por essa categoria; no entanto os op~
/ ;

rarios reconhecem que esse termo assume um conteudo legal quando presente na
~
carteira de trabalho: muitos profissionistas da fabricação e muitos operarias

de oficina -- como pintores, pedreiros,


-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"-
etc. -- ainda nao tem regularizada em

sua carteira a sua profissão, a usina considerando-os serventes para efeitos ~


, , ,
gais. Essa pratica da usina, alem de resultar em um salario menor ao devido~e

10 desempenho de suas tarefas efetivas e em uma Ifsonegação de direitos" (termo

utilizado pelas liderenças sindicais), representa também para o operário uma

humilhação e uma falta de consideração.

No entanto, independentemente do que assinale a carteira profissional

os profissionistas tendem a desvalorizar o seu trabalho especifico e a se au -


, ,
to~incluirem -- devido ao rapido tempo de aprendizado da maior parte das pro ~

fissões da fabricação -- como serventes. ASSim, se no contexto do seu traba -


,
lho util
,
especifico os profissionistas tendem a atenuar as distinçoes
- entre

as categorias de profissionista e servente, entretanto em outros contextos~ re

lacionados à estabilidade no emprego, à socialização necessária ao trabalho fa

bril, à responsabilidade com O material do homem, a linha demarcat~ria entre

as duas categorias é reafirmada.

Como a distinção entre essas duas categorias se dá menos em função do

trabalho especifico do que em função do tipo de relação que cada categoria man
,
tem com a administraçao
- da usina} a ruptura entre servente e profissionistazyxwvutsrqponmlkji
a-

parece mais nitidamente durante o apontamento. Durante a entressafra os ser -

ventes são cortados e o corte faz parte necessariamente da vida produtiva. do

servente. Uma parte deles volta toda safra, regularmente, para a mesma usina.

Entredes, alguns conseguirão tornar-se profissionistas} quando abre alguma


-
vaga na. seçao de fabricaçao,
- tornando-se
~
entao estaveis.
~
Para isso, eles te -
rio de ter a simpatia do encarregado da seção •zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
..
e encarado retrospectivamente pelos profissionista.s como urna hu-
O cortezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
milhaÇ;;o:

"Venho trabe.lhando nessas usinasJ nunca arrumei ne.da, tra.balhando


, A .; zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
-ti •••

as vezes com neve mes, corte. Eu 180 tambem nae vou mais. Se aqu!:
, •..
le. usina me cortou e porque nao me quer ma.:1a."(turbineiro)
,
No ent&nto, como para o atual profissionista & epOca, em que era servente

eorre~pendia à fase de seu ciclo de vida em que era.jovem) solteira, a pró~ria


mobilidade de se.us a.ntigos empregos é vista com os olhos de uma. certa idealiza

"Naquela. época. sempre tudo era mais favorável, a. gente saia. duma.
usina .•a gente sa.ie.de. usina: 'AhJ rapaz, tomara. que eu sa;Ísse no
corte, porque eu vou trabalhar no campo'. Eu digo! lEu não vou
pro campo, porque eu nada seio, mas vocês querem ir, vãol• Ai che
'"
gava.aqu~_les dez .•doze homens no engenho: •. t Meninos que que veces
..
querem? .'Nos queremos tra.balhar", O administrador dizia: ! Olhe
meninos, tem sulco, tem ruço, tem plantação, tem cana pra semente,
tem cambito, tem levada, o que vocês quizerem aí pegam'. Ai a tur
~a emburacava., não fa.1tava dinheiro, né. Era pouco mas se ganhava
bem, não faltava serviço." (turbineiro)
E a essa nostálgica imagem do passado se alia por vezes o sentimento de
,
que no ca.minho percorrido houve a troca. dessa mobilidade favoravel, dessa. fa.l"
••
"
tura. de serviço, por uma estabilidade ilusoria, escravizada pelas longas jor~
'" , ~
das de trabalho que mal equiva.lem a uma subsistencia precaria do operario e au
a fam:Ília.

5. ConclusãQ

Se ser um contador de horas constitui a ilusão do operáriO, segundo a

auto-ironia dos profissionistas a respeito de sua eondiç~ol do seu passadiço ~


';' " .
e porque a curva da trajetoria social ascendente esperadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
pelo operarlo ao en.
.57.zyxwvuts
trar na usina; desapareceu em algum ponto do espaço, apagada pela acumulação

de horas de um tempo repetitivo e monótono, acumulação esta que contrasta dezyxw


, '" ,
maneira marcante com a sua finalidade: apropria subsistencia do operario. Es

se pr~pri~ apagamento coloca limites estreitos ao cá.lculo econ8mico do profis ••

sionista, confinando-o à expectativa da quantidade de horas que lhe é imposta,


,
com o fruto das quais pretende algum dia construir uma casa propria e apertar

mais o cinto com a aposentadoria. Seu "futuro objetivo", assim, se reduziria

com relação à ascenção dentro da usina pela pr~pria dificuldade em alcançar m!


~ ~
lhores lugares de trabalho -- as ocupaçoes da oficina se limitam tambem pela
,
sua propria -" atraves dos ajudantes
reposiçao confinando~se então no curto

prazo das horas trabalhadas e eventualmente


no "tempo livre" do roçado concedi
, ,
do. No entanto, o propib motivo e ponto final da. curva imaginaria ascendente
, ~"
da trajetoria social dos operarios esta. ali ao seu lado: o artista da ofeina.

I
I
_ A
Nao deixa de ser ironico e sugestivo que o operario socialmente
,
valori-

za.do esteja. exatamente na. seção oposta. à que é mostrada com orgulho pelo usi-
I neiro a visitantes eventuais: a seção de fabricação com sua maquinaria de alto

valor. Não era de se esperar outra coisa: preocupado em exibir o funcionamen-

to a.utomático das gigantescas máqUinas que pitorescnmente contrastam com a de~


A

licadeza do produto que os visitantes todo dia vec~ em casa, dominado pelo fe~

tiche do produto,
~ .
fonte caãor í.ce da soberana doçura dos consumidores do mundo
,
inteiro, que, além de contribuir para a grandeza da Estatistica Nacional, e

também a. fonte imediata. e aparente de seus lucros; o usineiro não está preocu-

pado em mostrar sua força de trabalho, fonte de sua riqueza. De fato, na ofi-
~ " ~ A •
cina esta o artista, o proprio modelo dos operariaS, e a convergencla formal

das categorias autoclassificatórias dos operários em torno desta categoria,tem


A , •

ai o seu conteúdo concret0. O oposto de um apendice de uma maqu2na parcelarzyxwv


J ./ ./ ,.

de funcionamento continuo, o artista, ao contrario, e o operario da ferramenta,


I
I
I "
a qual lhe e complementar e subordinada; instrumento do fa~ imprescindivel
; ,zyxwvuts
a
; ,

~. t.ang lve l , ao alcance mais imediato de suas


Produtor de uma obra acabadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I
! -
;
mãos ...
- peças acabadas .•••o art2.Bta al~m disso contemple, todo dia sua propria

I obra: as construções e reparos da ferragem e dos diversos aparelhos, os qua:í.&


I-- A;
tem marcas indelevein do seu trabalho,
;
ou do trabalho de operarios por elezyxwvutsrqpon
di ..

I rigidos. Ao contrário dos profissionistas) produtores mediados pelo produtor-

fetiche que ~ o sistema de máquinas, que produzem a rr.ercadoriada usina o

II
;

açucar: o ouro do usineiro -- os artistas, ao produzirem valores de uso para a


,
própria fábrica) transformam a exterior idade do trabalho ..•
morto em relação a
I
I - força de trabalho em obra acabada de seu trabalho vivo. Assim, os artistas
I
I
constituem-se no próprio simbolo do conjunto dos operários, quando estes, ao

se oporem em seu discurso aos empregados , afirmam-se como C3 produtores de to-

das as coisas.

Al~m do saber fe~~, do ccnhecim.ent,~) do controle maior que tem sobre a

realização de sua tarefa e scbre o seu tempo de trabalho, da possibilidade de

contemplar sua própria. obra acabada , o artista tem tamb~m uma asc ondencãa so -
; _ , A ~

bre os outros operarias, que nao e de pouca ãmpor-tanc ãa no, apr-ecde.çao de sua

condição _pelos seus companheiros não-s,rtistas: "O c~tista manda, não ~ nanda -

do [por nenhum outro opcrári~. tr


;
( .
Mas t.ambem a form~ cspec:.:..fJca -
de cooperaçao

em que está inserido na oficina) que exige a Lnt.ervencao cons tarrte da hierar ••
. ".
quaa na pr opr aa corrtí.nuãdade norma'l, da produçao
,..,
, fazer.do···lheintercambiar cer

tas tarefas e at~ mesmo interl~.gar as seções da usína (serralheiro) ,faz do ar,..

tista um observador privilegiado da teia de relações envolvendo os operários ~zyxw


I ~ ~

tre eles, assim como operarios e empregadcs, mesmo em oeçoes da usina que nao

a sua.

Assim, enquanto o pr-of'Ls s ond sba da fabricaç2:o teria, uma v:Lsão "pos ãc í.o-
ã

nal" de seu próprio grupo) situando-se por refer2n~:La a do í.s outros grupos (os
I
l-
I
I
l
I
.59·
serventes e os artistas) e tendo por modelo de profissão, a arte; o artista

da oficina teria uma visão "situacionalzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY


de seu próprio grupo, tendendo inclu-
ll

sive a projetar essa situação para outros grupos, como por exemplo quando des •..

creve o trabalho na seção de fabricação (26).


; .; fj ,

Operario estavel da usina, imprensado entre a maSSa de serventes dispon!

"
veia para substitui~lo em seu lugar de trabalho e o artista que o dirige dura~

te o apontamento, o profissionista da fabricação, categoria intermediária den-

tre as subdivisões operárias, possui uma visão "poszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO


í.c ãona'í," de sua própria de-

finição, omitindo-se como categoria autônoma, alinhando-se próximo aos serven-

tes mas tendo a arte por modelo de profissão. Auto-excluindo-se como agente!

con8mico na sua descrição do processo produtivo, o profissionista afirma-se en

fatizando sua relação pOlitica com a administração da usina -- mediada pela ma

quinaria .- atrav~s de sua concepção da responsabilidade que ele tem na vigi -


A -
lancia do material do homem e na falta de consideraçao que ele recebe em troca

e que se materializa na insuficiência do ganho. É curioso que essa categoria


de responsabilidade, exprimindo implicitamente uma relação po11tica com a admi

nistração, esteja presente com mais freqüência no discurso dos profissionistas


~ ,
quando apropria imprescindibilidade do artista para o funcionamento da fabri-zyxw
~ I ~, A
ca nao e vista por ele proprio atraves desta categoria, com a mesma enfase.

Essa relação politica dos operáriOS com os empregados, que está presente

desde a admissão do operário na usina, presente tamb~m quando da solicitação de

uma vaga de ajudante para o filho, quando da concessão de empreitadas, quando


A./ _ /

da transferencia do operario do lugar de trabalho ou de seçao, e ressentida p!

(26) Conforme a di~tinçüo entre as "propr í.edades de posição" e as "proprieda-


des de s í.tuacao" dos grupos soc Lad.a , em "Condition de Classe et Position
de Classe", Pierre Bourdieu (1974: capo 1, pg . 3-25).
.60.zyxwvutsr
10 artista. principalmente quando a usina vem chamá-lo em casa" a qualquer 110 •.•

ra , para o trabalho em algum serviço "urzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED


gerrbe ", A esse caso-limite de compul-
~ /

sa.o ao trabalho, o opera rio de oficina associa a categoria de cativeiro, e do

qual ele reclama mais do que da investigação, fiscalização pela hierarquia a

que está submetido durante o processo de trabalho.


,
E dessa posiçao
- privilegiada -- para a qual convergem as outras catego -

rias operárias -- para o entendimento das inter-relações entre operários e a


- _ A'
administraçao da usina, de sua posiçao de ascendencia as demais sub-categorias

operárias, que o artista pode avaliar o caminho percorridO e constatar que a


/ / ~
trajetoria social ascendente do operario tem por ponto final uma condiçao ope-
, ;
raria. que" se esta. livre da condiçao
- - ~
de "contador de horas ", nao esta menos p~

sa. a ilusões: sua submissão ao monop6lio da autoridade da hierarquia da usina

permanece inaltera.da.
.,61.zyxwvutsrqponm
"
CAPITULO II

liA CARNE E Q'3 esses ":CS LIMITES DA. JORNADA DE TRABALHO

"zézyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
Amara na boca do fogo, traba-
lhou e não morreu."

, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Com o vimos no capitulo anterior J os profissionistas, mais que os artia -
"-
tas, são caracterizados por serem os li contadores de horas". Eles tem
, A ,

mais presente em seu calculo economico o numero de horas a serem trabalhadas ,


I' ~;

numero este que indica para eles a contraçao ou a distensão de seu nivel de

subsist~ncia, segundo os ciclos produtivos da moagem ou do apontamento. Mas es


I' I'

se numero de horas tambem indica para eles o esforço a ser realizado pela uti-

lização de sua força de trabalho: justamente nos periodos em que o grande n~~

ro de horas trabalhadas traduz-se em um salário maior para assegurar uma sub -

sist~ncia mais distendida, é que as longas jornadas de trabalho exaurem, de ma


" , ~
neira rapida e violenta, os musculos e os nervos dos operarias .
.-
Tambem os artistas e seus ajudantes, embora normalmente trabalhem oito
-
hora.s durante a moagem, em muitas ocasioes em que reparos urgentes sao necess,!!
-;

rios, eles trabalham doze horas ou mais seguidamente. E prinCipalmente duran-

te o apontamento, os artistas trabalham doze horas ou mais por dia, chegando

por vezes a trabalhar 24 ou mais horas ininterruptas para colocar a usina em

estado de moer a safra que se aproxima. No entanto, trabalhando norma.lmente

durante o dia, e referenciado às possibilidades de empreita.das ocasionais, o

discurso dos artistas sobre o seu trabalho não está tão voltado para as horas

trabalhadas quanto o discurso do profissionista.

Deixando para o pr~ximo capitUlO a descrição do cálculo econômico dife ~

rencial de profissionistas e artistas, envolvendo concepções especificas de sa

/'
·62.
lário associado ao tempo de trabalho e ao produto descrição esta que compl!

mentará as caracter1sticas da jornada de trabalho da usina a serem expostas no

presente capitulo -•..desenvolveremos aqui a descrição das conseqli~ncia.s~ sobrezyxwvu


I
os opera.rios, da.s longas jornadas de trabalho que deles exige a organização dazyxwvutsrqpon
- , ..
produçao propria a usina.

• t ( I
1. O Vapor do Dlabo, ou o Moto-Perpetuo da Maquinaria. Diante do Operario
,
Ao visitante eventual das usinas em epoca de moagem pode causar surpresa.

,
de meia-noite ate o meio-dia, e outro turno de meio-dia a meia-noite. Para o

é o pesquisador, a surpresa se transforma logo em difi-


visitante peculiar quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

culdade de pesquisa: como entrevistar esses informantes sem roubar, durante o

seu tempo livre, momentos de seu precioso sono ou de seus afazeres domésticos?

No entanto, passada essa dificuldade e entrevistando, além dos profissionista~


" velhosoperarios
tambem aposentados -
-- os quais sao considerados informantes ~

brigatórios para o pesquisador pelos próprios oper~ios, denotando assim como

OS velhos operários são vistos como um patrimSnio privilegiado da comunidade--zyxwvutsr


t
os relatos dos operarios nos ensinam que as enormes jornadas de trabalho nao

são exclusivas da seção de fabricação, nem constituem-se em novidade. Não so~


,
mente os operarios que trabalham transportando
-
cana, seja em caminhao, seja em

estrada de ferro, t~m uma jornada de trabalho de 24 horas, como os trabalhos de

construção civil do passado, tal como a construção de novas usinas, sao relata
, ,
das pelos velhos operarios -- que procuram mostrar a dureza do trabalho da ep~

ca -- como tendo enormes jornada.s de trabalho.

I! ( ••• ) Então começamos o serviço na Usina Cuca~, uma reforma geral


e completa porque estava no fim da primeira gue~ra, então eles pr!
~ ~
cisavam de muito açucar e ca as usinas estavam: e desdobrando para
apontar a úSinaJ p&!'il. r~rd~tni~ usinas p&ra. produzir mais açú .••
ászyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
cl't:ti,que já ~inl1a..tI\etê4!i6 t4.! ~
ht ~uropá ptuoa ser entregti~,BomJ
tbldu ti"a.ba.lho :oo.tI~ muita. gêntê ,malfl
naUl !,Qfol"ma ~!zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
U J 1M . CUOIÚzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
j

de 500 pessoas extraI. onde tiós fomQS ta.nib.m e nó. ta.va.tra.balha!!,


do numa levada g~nde, qui~~ 2 km4,} p~r~ d'pt'q6o d'água de um
pkra lJA,uij i.~ j tbend() ~. paredes de c1mthtô j ~q\iela.sgaleriu.
rio,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(.,.) O ti'aba1ho c<)n1eQ&l.VII! U cinco fi da. ilià.hh1í tinha unia.
me:i.ll hora
pàtá \:i; almoço de ndv~ l$ dez, e terminava à.~ cinco e meia da tar -
'd~, na chuva, porque nessa época tava. chuvendo e era. chuva. torl'en-
eial, mas a, gente não saía da.li, não se levantava. nem o espinhaQ~.
Não se leva.ntava:a. cabeça para. ver quem estava. em cima, era dentro
da.queles valados, fa.zendo a.s paredes la.terais parê. cimentar e ca.l>";
tar a água. como eu disse" né." (ex•.•
dirigente S"iridiCiH)

H ( ••• ) Ai ele mandou eu pra con.trução da terra., trabalho de te1"l.'a


[Ea construção de uma. nova. us i~. Eu fui traba.lha.rlá na. usina. ,
ná, terra., ma.s muito ruim, trabalhar em cavar 8. ter:r'a.
no mês dê
,rnkioJ tempo de. inverno. .Cheguei ao ponto de dOrmir em cima da.hei ...
..ra.de dormente, debaixo desses carros de ferro. (.•.) Ai botou eu
~ ~
pra. tra.balhar no laçozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I; a diaria. Ai eu trabalhava na construçao J
-
né, fui trabalha.r a di~ria [9 traba.lhona construcão, cava.ndo~ tal.
vez fosse remunerado por produção e não à d~rliI.· Tra.ba.lhando a.
, , .

diaria, assi.m mesmo ...


ai f'oi o tempo que chesou a. ~u.z;. Um IDQtorzoi.-
nho de luz pra. uí, pra botar luz pra o pessoal trabalhar, cávaz a
terra. de noite, eu fui tra.balhar nesse motor. (•.. ) Naquele tempo

-
trabalhava muito; virava.. Virava.. É dia e noite. Porque naquela
, ,
construçao, pra. fazer aquela chamine, aquela base de chamine, era
um serviço de cimento armado, pra não parar, n~o sabe? E eu ta.vazyxwvutsr
N _ ,

trabalha.ndo no motor de luz, que eu nao podia parar a. luz, nao e •


Pronto, era a vir5da. De trabalhar 2, 3 dias assim virando, olhe.
,
-- E como e que aguentava?
não é,
Olhe vinha. a.muda , Agora, tinha vezes que a muda fa.lha.va.
e eu ia virando. Dia. e noite, dia e noite. Depois a.muda vi ~
nha., eu descansava. E assim ia passando.
(um vizinho) Tinha que batar serviço, senão ele demitia. Ai ti
,
nha que fazer continuadamente, ne, enquanto nao terminava aque-
-
.64.zyxwvuts
( ... ) '2:'.rc.;cé,lhava muí.ta
gente em construção, ts.nto CCWflilQJ a t.cr-ra , C:--_;~fl() e:i_i."o ) ne.o - zyxwvutsrqponmlk ~
l)cdrzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
zyxwvutsrqponml
e. f1

(ex.,.ferreirozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e E'x•.•
vig:tn,;,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
3.jy:-;2 e::-."C,a:J.os)

'Eu que-
ro fo,zer 8. usina,
) cavando .P~

depc1s

v.í.m trn.bn.
/

ltar na ferragem, amont.e.i a. maqu+na c_e mccnda , [;,:n:::n"Ge:i. a c.C',ldeira,


amontei a ba18,rço..
nha gente de fora J das cut.raa UB ãnas , de ~"icei~) ele todo C arrt o• E

,
, /
n e. rn2;.,~-_,;jse g;"'\<::ria'7a, ,1 ne ~ :2=-'2. o que se
/

M i13 tgmbc:m na -

t.odlnba e "r.",", -, o-z) "-:-~.1·


J

f.O ~L:.'"'J.:':,2t.·V3.\;~ ..~J.'C0. ':;.'-(,'


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- L":;:-L'l,J.,.,.." ?"""j (...) Agora n5a ti -
quant.o
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A

n a J_\)/1 rD.GSClO, r.:h::::1 ele 11..~?\1 ~ a

.'
p egar a. f::,"e~ca Cl.a;~_G:f:'a -t?: '\:nrnc8 t:~~r:::.b8..~U~_:;~~,r:;
V2..:''l0':::- } s.,L a
rac8,vo .. li

.,.
caro certas caracte:r:Lst:i,r:'1S conatarrtcs do vamos enccn

trar nao somente nos trc.call.::;;:l de cons truçeo c:i'.~:í.·.'..) ~J f'unc.lcnamen-,

to normal da fabriC'"B,: a referenc1.a c. 2.l?:",!~8t~·,~~,Ç::~:2


" A"
(" •• " 1), dali,
nao se Levarrtava nem. o es p í.nhaço j na.o se lcvant,avu. D. p:êT3. ver quem ef:.lt~

va. em cima, era dentro daque Les v<:l,}_G/lcs ••• li ;

queIa parte) quando t.ermãnava nê de2C2.l1EaVa" ), 3, Tefe::.:,ê'-:-.;cia ic fgIhe. no sistema


<;tUé i1 ti1\ida. falhava, ne , e eu ia vãranôo
Agora, tinha vezeszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(" s , ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA , dia e noite,

alá e hblte ••• "). Tais trabalhos de construção civil ddnstituem.se em marcoszyxwvu

temporais para os operarios I


com relaçao a historia
""'"
das usinas, ja que nessas ~
"

casiões se processa a incorporação de uma nova leva de operários que continua-

rão trabalhando na usina ap~s o t~rmino das construções (cf. capo IV). Esseszyxwvutsr
N 1'01 / '"

trabalhos sao portanto uma das transiçoes possíveis entre o trabalho agrícola

e o trab~lho fabril na história de vida dos operários.

Ass im, esses trabalhos ocas ionais de construção civil, de dimensões 1Ifa._
A /
raonicas ll
pelo numero de trabalhadores empregados, pela precariedade dos ins -

trumentos de trabalho e pelo regime intensivo de trabalho, com sua grande jor-

nada de trabalho, paga sob a forma seja de uma diária com horário relativamen-
,
te fixo, seja por produção e então o horário ~ mais variável, tendendo a

prolongação da jornada devido ao interesse do trabalhador em aumentar seu pe

queno salário -- servem para relativizar o trabalho na fabricação enquanto ca-

racteristicamente absorvedor de uma enorme jornada de trabalho. Ainda mais


-
que nesses relatos estao tambem presentes
~
tanto o trabalho noturno, quanto o

trabalho ininterrupto, através de turmas de revezamento -- que são também ca -

racteristicas do trabalho na fabricação.

Aceita essa relativização, não se pode deixar de reconhecer, no entanto,


A A
que a tendencia que tem a grande jornada de trabalho, o trabalho noturno e o

trabalho ininterrupto com revezamento a se generalizarem para todo trabalho não

agrícola da "plantation" - ...além de intensificar o trabalho em sua parte agri •..

cola -- tem por suporte o trabalho na seção de fabricaçeo com seu sistema de

máqUinas parcelares encadeadas, com suas ferragens e aparelhos, de alto valor.


~
Com efeito, a organizaça.o da produçao - do açucar nos moldes da grande in-
/

dústria -- onde a organização da produção na seção de fabricação tem uma iropo!

tância central -- não somente possibilita a extensão da jornada de trabalho a-

I --
I
.66.zyxwv
, J

Lem de seU$lim~tes, ~orma.is (quanto ao numero de horas consecutivas e quanto ao

IO,otnb: dlÍ môtivô~ f6rtea à sua. direçio capitalista para. efeti-


tra.ba.lhonoturno)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

vá-la.. Essa.s possibil~dâ.deí!01S extensãb da. jOl'hada.d.etra.balho baseiam-se hElo

~:ktetióÍ"1dtdle com re1.a.Qlô a.ô or>er~rio que apresenta a.seção de fabricação. co

mo v1mótl no Ó!:l.p:Ítülo
anterior, os profissionistas descrevem o funcionamento i•..
,
rllhterrupto da seção de fabricação quase sem mencionar os atos dos operarios
que a.li trabalham: é como se, domin~dos por seu caráter de ajudantes das máqui

~, os profissionistas s~ se vissem obrigados a descrever as intervenções dos

diferentes aparelhos durante um processo de produção que se desenrola como que

à revelia. dos operáriOS. Essa cooperação complexa das máquinas parcelares en-

cadeadas estanquisa os profissioniatas como vigias e operadores de seus apare~

lhos e transforma assim o conjunto de seus diversos trabalhos úteis em uma coo
peração simples cuja unida.de ~ dada.pelo sistema de máquinas. A cooperação ,
- ,
portanto, que existe primeiramente como cooperaçao complexa das maquinas de 0-

peração por que passa sucessivamente o objeto de trabalho, existe anteriormen-

te e independentemente dos operáriOS, os quais se adequam a ela, trabalhandose

paradamente uns dos outros sob a forma de uma cooperação simples


(1) A des -

crição que um operário de oficina daria da seção de fabricação, como vimos an-
, ~
teriormente, fazendo abstração da cadeia de,maquinas -- cadeia esta incompati~

~l com o seu modelo de trabalho, a arte -- e ressaltando as relações existen "

tes entre, por um lado, o profiasionista e auxiliares-serventes (como o azei -


teiro de máqUina, o servente que desentulha o bagaço do chio ou que vigia o es

borro do caldo) e, por outro lado, o profissionista e a hierarquia da usina

- - ~
(1) Para a compreensao das formas diversas em que a produçao na usina e organi
zada, cf'. os ca.pitulos XrTIJ. XIV e XV de "O Capital", OS quais foram utilI
zados tanto no presente capitulo quanto no capítUlO anterior (Marx, 1969)~
nos descreve a seção de fabricação a partir de uma unidade dessa cooperaçãos~

pIes: a relação do profissionista com seu aparelho. A exterioridade da coope-

ração com relação ao profissionista se desdobra assim na exterioridade de suazyxwv


, ~
propria mediaçao, o conjunto dos aparelhos. Essa exterioridade de toda a fer~zyxwvutsrqponm
-
ragem com relaçao aos operarios se apresenta como um processo de produção con-
"

, , ,
tinuo, executado por uma cadeia de maquinas diferentes, combinadas umas as ou.
,
tras e funcionando ao mesmo tempo sobre a materia-prima, de tal forma que o

produto se encontra constantemente nos diferentes graus de sua fabricação e na

transição de uma fase a outra. Verdadeiro sangue que percorre todo o corpo da

seção de fabricação, conduzido por uma complexa rede de tubulações e impulsio~

nado linearmente por diversos corações parcelares e encadeados que trabalhamfe

brilmente para transformar tal sangue no precioso aç~car do usineiro; o caldo

da cana, tratado com tal perfeição tecnol~gica que faz da usina um lugar de

produção ininterrupta, esconde com exuberância, à sua revelia) tal como vere -

mos neste capitulo, o sangue verdadeiro que está sendo extraido durante todo o

processo de fabricação: o sangue da força de trabalho.

A seção de fabricação se caracteriza, assim, por sua autonomia, indepen-

d~ncia e externalidade com relação ao operáriO. Este não somente encontra, ao


, ~ /

entrar para a fabrica, as condiçoes objetivas do seu trabalho ja prontas, mat~


'" ,
rializadas na gigantesca estrutura metalica de maquinas parcelares encadeadas,

como ele percebe essas condições de trabalho de forma oposta a ele (2), de pr~

(2) "Catende foi a primeira usina que eu trabalhei. Nunca tinha visto usinal:es
se informante estava chegando do{ Cearái.
:.J. Eu cheguei
/ l~, num hotel em ; Cat-en
_
de, tomando uma bebida assim, a~ chega os operarios" coisa e tal e Ia vai. '/

Um se deu comigo e disse assim: 'Rapaz, que que esta fazendo?' Eu disse:
'Procuro trabalho'.
,,... Ele disse: 'Quer trabalhar comigo?' Eu disse: .,'Mas ra-
paz como e que trabalho? Eu nao conheço usina'. Ele disse: 'Vamos Ia na u~
/ ;

sina comigo?' Ai fui. Chegou Ia ele me mostrou as turbinas. Naquele tem -


 ,

po, turbina, o Sr. ve, aqui e muito moderno. Naquele tempo, a gente espia-
va assim, parecia que era um lugar que o diabo trabalhava dentro. O vapor
.68.
priedade alheia e personificadas no patrão ou na administração (3) .Ao
da usinazyxwvutsrqponmlkjihg

contrário da ferramenta~ que ~ quase uma extensão da mão do artista, e da foi~


.,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ce~ que e propriedade do trabalhador
-
rural sem a qual ele nao arranjara
/

empre-

go, cada aparelho, assim como o conjunto das ferragens, tem um funcionamento

próprio ao qual o operário ter~ de se subordinar. E dentre as característicaszyxwvutsrqponm


.I , ~ A

desse funcionamento propr.io da maquinaria esta a sua tendencia a ser um "perp~

tuum mobile", que produziria indefinidamente e sem interrupções se não fosse ~

Ias limitações de seus auxiliares humanos, os operários, metamorfoseados emzyxwvutsrqponm


a-
, .
judantes das maqu~nas.

Al~m de possibilitar a produção ininterrupta, aumentando a jornada de

trabalho at~ então prevalescente no campo, a utilização da maquinária no gran-

de pr~dio coberto onde se localiza a seção de fabricação da usina, dá vários mo

tivos ao usineiro para efetivamente produzir 24 horas por dia. Com o aumento
,
da jornada de trabalho, o valor da maquinaria se reproduz mais depressa e o u-

sineiro recupera,em um per1odo de tempo curto, seus investimentos em capital

fixo.
, .
Alem d~sso, recuperando rapidamente esse valor, o usineiro pode se pre-

caver com mais facilidade do perigo de "obs ol.escencãa moral'; de suas máquinas

(perigo de que, enquanto ele ainda não amortizou suas máqUinas, seus concorren

era demais. Era 3, 4 vapor dentro de uma turbina. O camarada tava traba
lhando, tinha uma turbina aqui encostada, ele não via. Era 36 turbinas as
s ímyque trabalhava direto em Catende, a gente ~ão via quem tava dentro ,
.-
descarregando o açucar dentro da turbina. Era muito va~~r que tinha dentro.zyxwv
-
, I ,

Aqui tem agua, mas la era vapor. Ai ele disse: 'Eu trabalho aqui, quer tra
~ ~
balhar comigo?' Eu disse: 'Rapaz, aqui~nao trabalha gente nao, aqui so
trabalha diabo. 1 (risos). Ele disse: 'Nao rapnz, depois que tu acostumar,
fica tudo certo.' Eu disse: 'Certo I, ai fui trabalhar . Falemos com seu Jus
tino, que naquele tem~o não era gerente, era fiscal. Ai fiquei trabalhandõ
com ele. Depois de tres meses, acabou a moagem, fui cortado.\! (ex.•turbinei
ro, ex-cabo de turbina, e atualmente serralheiro de turbina) -

(3) ef. as refer~ncias à responsabilidade e ao material do homem, quandu os


profissionistas da fabricaçao estao descrevendo n processo produtivo da u-
sina.
/ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tes tenham adquirido novas maquinas mais aperfeiçoadas). E,se o usineiro pre~

à sua disposição os operf


ferir não investir em novas máquinas, já que ele temzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

rios de oficina -- os quais prolongam a sobrevida da ferragem e transformam s~


A ~ ~
a seçao em um autentico Setor I, de produçao de meios deIToduçao, no interior

da usina -- ele pode então transferir esse valor recuperado com base na sobre-

utilização da seção de fabricação e investir nas pr~prias oficinas, na parte ~


/

gricola da usina, nos seus transportes, ou mesmo aumentar o seu consumo de usi

neiro

Mas, al~m desses motivos inerentes à utilização da maquinária na grande


, ./ , ~
industria em geral, o usineiro tem alguns motivos especificos a industria do ~

ç~car para produzir a todo vapor, A seção de fabricação trabalha sob os rigo-

res do regime de l'urg~ncia", devido à sazonalidade prbpria desta grande ind~s-

I
I
tria rural. Não somente o usineiro utiliza, durante a moagem, a maquinária

usina 24 horas por dia -- realizando assim o prodigio de moer em oito meses um
da

rI ~

mo ele a utiliza acima de sua capacidade,


"
caldo de trabalho dos operarios que em outras industrias levaria doze

Com efeito,
(4 )

03 usineiros
co

preferem

aumentar o volume de canas esmagadas e assim dar V8Z';:O ;;. quarrt Ldad e de cana que

recebem do campo, tanto canas pr6prias quanto de fornecedores, em detrimento

tanto da sobreutilização de suas moendas e de toda a ceção de fabricação, qua~

to do rendimento da extração do caldo de cana Essa sobreutilização da ma


~
quinaria provoca a necessidade de reparos constantes -- que se constituem em
~ A ,

pequenas interrupçoes que cont rar Lam a tendencia ao moto-continuo da fabrica -

(4) Por acaso, o usineiro consegue realizar esse prodígio, invertendo os alga-
rismos dos meses e das hora.s de trabalho: ele consegue extrair em 8 meses
o trabalho normal de 12, já que ele extrai, durante esses 8 meses, 12 ho -

L (5)
ras de trabalho de um operáriO por dia, ao invés do trabalho normal de 8.

cr. Motta e Silva (1971).

L
L
.70.zyxwvutsrq
çao .- mas lá estão os operários de oficina a postos p~ra qualquer emergênci&.zyxwvu
~
,
, .

Com efeito, durante a moagem,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


~lém de suas taref~ p~ogramadaa nas oficinas

de fabricação de novaspeçàà para a usina, substituindo gradativamente peças u

aadas e gastas no decor:ter do processo ininterrupto de moagem -- tarefas estas

que se realizam
i i
nbrm~lmente rt6 horário diUrno tl~~oficinas ~-, oS artistas es~

tão sujéitos tamb~m a um regime de prontidão, sem horário pré.determinado, ca-

$0 haja qualquer aeidente de máquina que paralise o processo de produção do a.


ç~earo Tanto essa necessidade de reparos e fabricação de peças programadas ,
quanto a freq~ência de interrupções na produção por enguiço de maquinária, fa~
/ / ~
zem com que o contingente numerico dos operarios de manutençao, nesta grande

indústria. agrícola que ~ a usina, seja muito superior ao que geralmente se en-
,
contra na maioria das fabricas urbanas: o pessoal das oficinas representa de

metade a dois terços do pessoal de fabricação segundo diferentes usinas e se -


, ,
gundo OS periodos de safra e de entre~safra (Motta e Silva, 1971). O proprio

regime de 'urgência 11 da moagem, sob o qual trabalham os profissionistas na se-

ção de fabricação, multiplica as ocasiões de \ie:nerg~ncia" em que os artistas

são chamados a atuar, devido à sobre-utilização da capacidade produtiva da fa-

bricação do aç~car. Por outro lado, o regime de "urgênCia" da moagem a que

são compelidos os profissionistas, transforma-se no regime de i!urg~ncia" volta

do para os artistas no apontamento: a maioria dos artistas trabalha então doze

horas ou mais, por dià, enquanto os profissionistas, reduzidos a ajuda.ntes,tr~

balham oito horas


(6)

(6) "Quando a usina peja, chega serviço de toda parte ali pra oficina. Quer di
zer que aumentou o serviço. Chega serviço de moenda, serviço de bomba, ser
viço de máqu;na, serviço de dique, e finalmente de;odo can~o v~m p~a afie!
na. Mas tambem nesse tempo, a parte de moagem tambem ninguem nao para, e
, -
desmontando e montando as ferragens. E na parte de oficina não falta servi
-
ço , O serviço e muito 1 f'abr-Lcaçao , moenda , bomba, todo canto tem muito ser
viço. E a maior parte tem que fazer acolá na oficina, a parte de caldeireI
.71.zyxwvutsrq

Assim, profissionistas e artistas trabalham sob as condições aparenteme.!;

te paradoxais da normalidade e instituciona1ização da "urgênciaU e da "emergê.!;

cãa " que caracterizam a produção na U3 ina. Enquanto os profissionistas têm a

se queixar das longas horas de trabalho, na !1urg~ncia" da moagem, os operá.rios

de oficina têm a se queixar da vexação do homem no final do apontamento, ou de

uma das formas de manifestação do cativeiro e que é um caso privilegiado de i-

lustração da "emergência" dos reparos -- a invasão da á.rea doméstica do operá-zyxwv


/
rio, no seu "t.empo livre 11 , a qualquer hora do dia ou da noite, para chama-d.o eo

trabalho. A fusão, portanto, entre as caracter{sticas gerais da organizaçãodazyxwvutsrqponmlkj


"" / "1 ..,
produçao na grande industria e as caracteristicas especificas da usina de açu~
, A ,
cal', uma grande industria rural, reforçam--se mutuamente na tendencia a grande
A

extensão e intensidade da jornada de trabalho. E, portanto, essa tendencia aI

cança não somente o trabalho nos transportes (caminhões e estrada de ferro)que

alimentam ininterruptamente as esteiras da us í.na para a moagem da cana, como


,
tambem o trabalho no apontamento anual da usina, que tem que estar acabado na

época da moagem, sob pena do preju1zo do us tneí.ro , Assim também a construção

de obras da usina no inicio do século, relatadas pelos operáriOS antigos, cit~

das no inicio do capitUlO, visando aumentar a capacidade de produção da usina,

e sendo assim um momento do seu processo de produção, via-se também afetada p~

10 caráter urgente especifiCO da seção de fabricação,

No entanto,visto que o funcionamento moto-continuo


."
da maqulnarla
. " . e o ca-

ráter de "urgência ll
e "emerg~nciaf! em que se processa a produção do aç~car, en

ro, torno, serralheiro, plana, limador, tem essa parte. li (serralheiro)


,
"No apontamento a gente chega a trabalhar 12 horas e ate mais. Dez, doze ho
, "
ras, sempre varia E quando ta mesmo no aperto, ate mais. As vezes a gente
-
larga dez e , meia, onze horas
~ rclanoite;
L.: / perfazendo 15 ou 16 horas por diã1,
!1
conforme, ne. Quando o negocio ta apertado mesmo, manda que trabalha, e a
gente tem que s e desdobrar. 11 (caldeireiro)
.72.zyxwvutsrqp
cont.ram limites no própr:ló runcãenament,o fisiológico dos operários ,é necessá •.•

rio explicar ..se como as horas ininterruptas de operaçâo dos apar.elhos se repa!

tem entre os operários. Pois as t.endências à grande jornada de trabalho, ine-

rentes à organização da produção da usina, não podem explicar automaticamente


" .•..
esSà repartição do tempo de trabalho entre os operáricsozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
Alem da repartiçao do

tempo de trabalho entre OS próprios profiss{onistM ..... porque dois turnos de


A / / _

trabalho e nao tres? .•••..deve....


se explicar tambemComose da essa repártiçao en••

tre artistas e profissiônistas.

Esta parece ser uma ques tào privilegiada para 89 obaervar como a consolizyxwvutsrqponm
- r-. '\ ."
daçao da tendencJaa grande jornada de trabalho a ser cumpr í.da pelos operar i os,zyxwv
.; • I _

inerente ao funcionamento propr a.o da grande industiia, depende da corre1açao de

forças entre os operaz-Los e a administração da us Ina , a,l~mdo tipo de interven

ção estatal através da legislação trabalhista e da fisc~üização ou omissao es .•.

tatais.

Pode-se supor a priori que as razões da ádministro,0é1o


, da usina na manu ~

tençao da j ornada de trabalho de doze horas para a seção de fçtbricação se deve

a: 1) desvantagens na incorporação de mais um turno de tr~b~lho d~vido à multi

plicação dos encargos trabalh:ista.3; 2) vantagens na utilização de uma mão-de-

obra menor (dois turnos ao inv~s de três), evitando a. brusca flutuação da for:
A .•
,.
ça de trabalho -- tendo de mante.?a,"ocl.osa" em.algund devido as

flutuações sazonais da produção (moageme epontamento) e à.~l flutuações do vo'Lu-

me de produção na própria moagemdevido ~s i~certezas do fornecimento da maté:


(7)
ria-prima agr:tcola (problemas com transporte na ~poca de Chuvas) Assim ;

(7) Examinaremos melhor as re,zões da administração na manutenção dessa jorna<la.


de trabalho -- já que para ela essa questão a.feta a utilizaçio
, 7
de seu cápi J ('.. _ '~

tal variavel -- no capitulo referente ao salario.cep. IIIj seçao referen-


te ao "fetichismo" do salário';;':hora do profissionista).
-73· zyxwvutsrqpo
se o caráter sazonal da produção faz os operários sofrerem da "urgência" e "e.•

mergêncis," que a administração imprime ao seu trabalho, este mesmo caráter sa-

zonal condena essa "urgência." a poucos operários, intenaificando seu trabalho

em detrimento da incorporação de mais um turno, o qual ou aumentaria os H pre ••

juizos" da usina. na manutenç!\o de mais operários "inativos" em per:1.Odosde me .•

nor produção, ou forçaria a usina a cortar e a incorporar oper~rios em per1Q _

dos curtos de tempo, o que afetaria a. relativa imobilização de mão~e-obra que

ela mantém com seus não-serventes (8).


Por outro lado, se a diferença da jornada de trabalho para profisaienis-
- "
tas e artistas tem por explicaçaozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nec easarda as propriedades do contexto de

trabalho das seções respectivas em que estas duas categorias de operários as _

tão inseridas, essa explicação,no entanto, não é suficiente -- a não ser que se

considere incluída nesse contexto a própria visão dessas categorias sobre o

seu trabalho, sobre o processo de produção, a cooperaçao e a hierarquia na usi

na e também a sua concepção de salário e tempo de trabalho. Pois essa visão ,


, A ,-

forjada em sua pratica economica e na luta cotidiana do operario por sua sub ~

s1stência diante da usina, instrumentaliza a própria capacidade diferencial dezyxwvuts


_ J ,-

reivindicaçao dos operarios, necessaria na defesa de seu ponto de vista na

"discussão" permanente com a administração da usina sobre as limitações variá ...


, A
veis de sua força de trabalho diante do moto-continuo e da "urgencia" da prod~

ção do açúcar. Ou inversamente, instrumentaliza a aceitação dentro de determi

nados limites, por parte dos operários, das condições de trabalho e de domina-

ção pela hierarquia da usina. Dessa forma, para efeitos de exposição, podere-

(8) Essa "imobilização de mão-de-obra", da qual at~ agora não hav'Íamoa feito re
 /" _

ferencia, e que." proporciona~ características especificas ao mercado


/ (
de tra-
balho dos operarias do açucar, somente sera desenvolvida no cap~tulo IV ,
por pro~lemas ge exposição do as~unto (embora se faça referência. a tal imo
bilizaçao tambem na seçao do capitulo 111 indicada na nota acima).
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
mos responder de uma maneira maiS completa as perguhtas aqui colocadas sobre a

repartição diferencial as diversas


da jornada de trabalho segundozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
categorias

de operários somente nos capitulos III e IV, quando examinaremos a concepção dezyxwvuts
., .I " .,

salario associado a tempo de trabalho dos operarios e tambem as caracteristi -

cas especificas do mercado de trabalho em que os operários estão inseridos. Se

deixamos uma explicação mais pormenorizada da correlação de forças que permite


A • " (
a permanenc~a das longas jornadas de trabalho da usina para os proximos cap~t~

los, podemos, no entanto, ilustrar aqui tal correlação de forças entre os ope~

rários e a usina, ao procurar descrever uma manifestação privilegiada dessa lu

ta cotidiana dos operáriOS pelo estabelecimento de um equil:Íbrio mais favorá -

vel entre o uso alheio de sua força de trabalho e a sua remuneraçao, que ocor-

reu em uma conjuntura bem determinada e decisiva, a da implementação da jorna-

da. de trabalho legaL Com Efeito, tal conjuntura decisiva, que constituiu-se em

um marco temporal na história de vida dos operáriOS mais velhos atualmente em

atividade, ao propiciar modificação na forma de utilização da força de traba ~

lho pelas usinas, fez com que a luta surda e por vezes sutil travada pelos op~
., - I ~
rarios contra as condiçoes desfavoraveis de trabalho a que estao submetidos se
,-
tornasse, durante este periodo, mais manifesta aos olhos de um observador ex ...

terno, ao resistir às burlas dos usineiros à legiSlação trabalhista rec~m ..•


pro-

mulgada. Poderemos assim contrastar essa conjuntura -- a qual tentaremos des~

crever atrav~s de um esboço de reconstituição histórica atrav~s da memória so ..•


/

cial dos operarios e do depoimento do primeiro presidente do sindicato dos OP!

rários do açúcar, participante de todas as d~marches entre o governo, os usi -

neiros e os operáriOS para a implantação da legislação trabalhista -- com a ~~

poca atual, em que a resist~ncia dos operáriOS à dilapidação de sua força de

trabalho manifesta-se de uma maneira mais dissimulada e :i.mpl:Lcita.Tal esboço

tem menos por objetivo uma reconstituição hist~rica que o de ilustrar como a
.75· zyxwvutsrqp
perman~ncia da grande jornada de trabalho característica da usina, apesar da

legislação trabalhista, não se explica apenas pela conjungação das caracteris-

ticáS gerais inerente~ à org~hizaçãb da p~dduç~o na grande ihdbstria com as c~

râ,cter:Í.sticasespecificas da. u~iha. de açúcar, mas tamb~m pela luta cotidiana

dos dpetários contra a administração da usina e pela correlação de forças di ~

versas com que podem contar nesta luta artistas e profissionistas. Conforme ve

remos a seguir, os operários travam uma luta muitas vezes sutil, surda, contra

as condições desfavoráveis de trabalho a que estão submetidos. No entanto, a~


_ A ,

tes de examinarmos a visao que tem os operarios de suas longas e penosas jorn~

das de trabalho, procuraremos descrever uma manifestação privilegiada desaa lu

ta cotidiana dos operários pelo estabelecimento de um equilíbrio mais favorá -

vel entre o uso alheio de sua força de trabalho e a sua remuneraçao, - que ocor-

reu em uma conjuntura bem determinada, da implementaçio da jornada de trabalho

legal.

2. A Resistência dos OperáriOS Contra a Antiga Diária e a Eternidade Renovada

da Jornada de 12 Horas

Desde o inicio do s~culo que o trabalho na seçao de fabricação ~ assegu-

rado por dois turnos de mão-de-obra, dois quartos de mu~~~, geralmente corres-

pondentes a 12 horas. Entretanto,


-zyxwvutsrqponmlkjihgf
,
havia usinas que nao moiam ininterruptamen-
-
te as 24 horas e entao elas tinham geralmente um so" turno de operarios que cum

pria uma jornada de trabalho maior. Enquanto isso, as oficinas tradicionalmen

te só trabalhavam durante o dia -- exceção feita dos serviços de emerg~ncia,de

reparos Toda a mão-de-obra era regida pela diária, unidade de pagamento

(9) "Algumas usinas moiam 24 horas, todas não [Eo ir;icio do s~cul<?I. Em aLgu
mas, as canas que chegavam diariamente, moia ate dez horas, onze horas ,
meia-noite, etc., liquidava a cana dos carros, pára. De madrugada, as má -
·76.zyxwvuts
do salário correspondente a um dia de trabalho (cem exceção das empreitadas

dos operários de oficina e do pagamento por produção por vez es existente nas o
.-
bras de construção E s s e d Ia d e trabalho, embora podendo ser variavel,
civil).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

correspondia basicamente a doze horas de trabalho, tanto para o quarto de ope-

rários que trabalhavam na fabricação mudando ao meio~dia. e à meia-noite, quan-zyxwvuts

to para os operarlos
" . de oficina ou de contruçao
~
civil, que so trabalhavam du -

rante O dia, geralmente de cinco da manhã às cinco da tarde. Se a duração da


,
diaria era costumeira, no entanto ela podia ser modificada para mais pelo usi-
, ~
neiro, sem obstaculos legais. Como o dia de trabalho nao pode ser igual a 24
, ,
horas, nao ha nenhum limite inevitavel para eSGe dIa de trabalho, enquanto, ao

contrario, o salario percebido par dia var e f'Lxedo Dife-


;" • ~ ~1 / •

oaae aave.i. 2. pr ãor í..


,
rentemente do salário por hora, que acompanha o tr2.balho que se prolonga alem

do dia normal de trabalho, a à:i.~rl.a se pr es ta- cem mo.í,s fe..cilidad2 ao deapot ãa-,

mo do patrão. Os us í.ne Lron jogavam no entanto CC:~l a1:'~.~2ntose diminuições do

"" í,o pago pela


aa'Lar die,ria, de acordo cem flU8.S
.-
necesGic~::.des var í.aveâe de traba -

quinas saiam com os car-r ca vaz Los [l!:~1uin'1.0e carr oa CD, entrada de ferro]
para trazerem cana. A hora que chegavam começava o, mS2<:;C'm novamente e ia a
té a hora que t.ormtnass c a cana A[;ora, dc:I:'Cé'\'n u:: 82.16.:) d0 cana para come::
çar a ,moagem no dia seguinte [!:nqu2.nto os trens V2.0 -o'--,~carmaí.s can~.( ... )
O horario de trabalho, S8 era na moagem, V":tmC3 di:.:.er a.cs:m, er:;: de "quando
começava a moagem. Se fosse quat.ro horas , cí.nco e neia da manhu ate q1l.~n ...
do terminasse, o dia [isto é, a cana; D "dãa" 2:-::'C.:O :1,":.~ ate L)eia-noit~ .
. (, . 4 ' . ...zyxwvutsrqponmlkjihg
E nas U81.na8 que mexam 2 horas o hor ar-Lo era me:to~:l:;-'2'1 mCcc\-llO:Lt-e"me1.a-nol.
I' • • •

te/meio •.dia. Cham~va mudar o quar to , a mudança de quarto;. D:::.zia-se "vamos


mudar o quarto", e o eo t.LLo , o os t í.Lo, Mudava o q1.: 2.:'." to , e quando vinha o o
perário pra mudar aquele J né. Bcm, egore. para o pe';;'lG:li, vamos dizer, espe
cializado, como nas oficinas: serro,lheiro, torneir:) J f'\1l';.'lido~~<2s, carpinta::
ria, construção civil, então era somente o serviço {iu:rno, Ee. " Vamos dizer
de cinco e meia da manhã c.té as cinco ou cinco e me.ia da tarde , com a hora
para refeição." (ex-pr-es í.dent.e do s i.ndLca to)
.77·
lhozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(10).

Na citação da entrevista acima pode-se depreender a diferenciação dos arzyxwv


J / /

tistas dos demais operarios, por terem um salario superior, embora variavel em
~
função da maior ou menor imprescindibilidade de suas tarefas. Esse salario su

perior é justificado em função dessas tarefas, do trabalho especifico desses


,/

operarioszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e nao em função do seu tempo de trabalho. Essa diferenciação se ma-

nifestará também com respeito à duração da jornada de trab~lho entre as dife -zyxwvu
J

rentes categorias de operarios a partir da implementaçio da jornada de traba -

lho legal.

Com efeito, é interessante observar como a limitação legal da jornada de

trabalho para oito horas, implementada posteriormente à promulgação da CLT na

década de 40, afetou principalmente a jornada de trabalho dos operários de ofi

cina, mas não os da fabricação ou dos transportes. Tr~b&lh~ndo tradicionalmen

te de cinco da manhã às cinco da tarde, os operáriOS de oficina parJsaram a ter


,
por horário normal, depois da legislação trabalhista, o de sete da manhã as
/

quatro e meia da tarde com intervalo para almoço. Ju nos anos que antecederam

,
(10) "O sa'Lar í.o , como disse, f'Lcava a bel prazer dos :;:-atroe:::.
Por exempLo quan j

do eles tinham mais necesGidade de pe8soal, aumentavam mais 200 r~is,mais


; I

400 reis, mais 500 reis. E quando eGgotavam aCiucle serviço de que tinham
necessidade, então rebaixavam. Para muito menos do preço que o trabalha ~
dor vulgarmente ganhava. De formns que n;'o tinha um pre00 certo a não ser
.,I I - ~

na base J de 2 mil reis a 3 mil reis, - oscilar::doassim conforme / a categoria


do operario. E se era no campo, entao era na bo,se de 2 m.i.L reis para me -
nos. Ganhava 200 réis a mais quem era, vamos dizer, um che re de cambitei-
TO, quem era um chefe de carreiro, quem era um hODcm e,!::sim que tinha uma
especialidadezinha, quem era um bom cortador de car:a. O resto era o salá-
rio vulgar, ínfimo. Que não dava para se manter, não dava para coisa ne -
nhuma. E quanto à. parte industrial também ob'?decia ao mesmo estilo, sem -
/ 1//

pre embora com o salario maior. Porque n9s tinhamo3 cperario especializa-
do q~e sempre na ver-dade percebia um }'ls,lariosuperior. Mas mesmo assim, o
pa+rao , o usineiro, so pagava um salario maior quando pr ec írava do serviço
daquela especialidade. Depois de feito o serviço, então poderia rebaixar
e :ficava por isso me amo . Hoje a lei não permite rebaiy'l de ~a.lário~ mas
naquele tempo a lei era o patrão." (ex-presidente do sindicato;
.78.zyxwvutsrqp
a legislação trabalhista, parece ter havido uma melhor ia para os operários de

ofi~ina na correlaqão de forças com a administração, pois a oficina trabalhava

de seis da manhã às einco da tarde. E quando a CLT começa a ser implementada

nas cidades, mas não nas usinas, os operários de oficina começaram a remanchar

ostensivamente no trabalho, justamente nas primeiras e nas últimas horas da

jornada de trabalho, que excediamzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


as oito horas legais. Assim, além do conhe-

cimento do que se passava em termos de direitos trabalhistas com os oper&rioszyxwvu


, , ;

urbanos, os operarias de oficina ja operavam segundo a logiea de seus direitos

e segundo a lógica da. nova jornada de trabalho, em horas, Não sem a relutân -

eia dos usineiros e a resistência ativa dos operáriOS, lutando para conseguir

o cumprimento de seus direitos, a nova jornada foi finalmente implementada na

maioria das usinas e as horas suplementares às oito horas legais passaram a

ser pagas com uma taxa suplementar. Essa implementação, imposta de cima, co -
,
mandada pelo interesse do governo da epoca. em ditar medidas gerais que benefi-

oiassem os trabalhadores sem que estes se mobilizassem, e que apoiou-se em seu

esquema sindical, o qual agia na cúpula e separado das bases, não deixou de

provocar, no entanto, manifestações dos oper~ios tendentes a assegurar o cum-

primento desses direitos (11)

, /

(11) "Bom, antes do sindicato nao havia o horario certo. O horario certo para
o operária especializado, era de 5 e 30, 6 horas, às 5 da tarde. Que era
/
um horar í,osuficiente, ou quase ~e1a~iv9' bom, por que "anteriormente tra.b!
1hava mais uma hora por dia. E nos ja tinhamos consciencia e conhecimento
que existia uma lei que tinha beneficiado os trabalhadores das usinas,per
mitindo trabalhar apenas 8 horas por dia. Mas não é ainda respeitado pe
1as usinas. Só depois desse contrato de trabalho firmado entre o sindica-
=
to dos usineiros e o doa empregados, ~ que então entrou em vigor as 8 ho-zyxwv
I

ras de serviço. Que zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC


I
para mim foi a maior vitoria a1cançada, pelo menos na
_ "t"< J

epoca, de nossa açao junto ao sindicato e a organizaçao da classe. Porque


eu mesmo não tinha hora para trabalhar nem tinha hora para descansar. Mas
Chegou, algumas usinas de imediato atenderam e começaram a pôr em vigoras
8 horas nas usinas, outras por~m demoraram. Para isto tivemos v~rias con·
A I _

ferencias, varias reunioes, entre representantes do sindica~o dos traba ~


lhadores e representantes do sindicato dos usineiros, na propria sede do
.79.zyxwv
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
Se os usineiros puderam se adaptar com sucesso a nova jornada de traba .•
,
lho, no que diz respeito as of'Lcãnas , conseguindo mesmo uma prcdutividade sup~

rã or , ~ que o trabalho dos oper[~ri03 de oficina tem um ca.ráter descorrt Ínuo , euzyxwvu

de um ~E~~'
l/A /

jo movel e, contrariamente a vigilancia continu~ uma tarefa es

pec:1.fiea variável motivada por "encomendas" de peças ou de reparos por parte

da administração, tarefa estaque é exercida com a combInação flingular de a.pt!


-
does proprias
~,
a arte do operar-í,o
/
de oficina e que e1e vai Lançar mão para r ea-

lizar aquela tarefa especifica. Assim, o tempo em que esses


;
operarias
-
sa.o o -

brigados a permanecerem na oficina - -


nao e" tao fundamental para o usineiro quan-

to ele o é com relação aos oper~rios da fabricaç5.o: aJ.~m .. possibilidade


c1::> de ~

tensificar o trabalho no.. nova jorno,da de trsbalho da oncina, o que interessa


;

ao usineiro e ter a p03sibilidade de ch~mar o de ,32U tempo livre para

o trabalho, a qualquer hora, mesmo que pago a ur:n t3.XC~ext.ra . A jornada de oi

sindicato dos ue í.ne í.roc , para. convencermos aos u,:d.ne:L::'osque nao - havez-La
preju{zo nenhum em que o oper2rio tl"G,bo,lh8A;lce oito heras como era de lei.
E que eles almejavam aquilo e que elen estavam c,n::ioso::l por este norár í.o.
Tivemos que fazer demonGtraç3:o, dd.zor mecmo de viva vez, e pelo conhecimen
to que tinha, que o operária q'..I8io, r~rJ, o f!e:r'vj_(~O àG 6 h01'9,8 GD.. manhã -;
sabendo que tinha o direi to U<J pegar ao 7, d2 6 par a aD 7 hor-as não faz ia
nada. Ficava com o martelo na 1':::3,0, oIhando pé'.ra . \1'.1 canto, rara o outro ,
quando via um empregado, ou empregador , respon8~vcl} Glo/comGça,va a bater
aqui, ali e acolá, par-a +apea.r o fiscal, e o fiG~2.}_ t:lllbcm muitas ocas! -
ões já sabia/ ,
que ele tinha eque:'s mesmo cUrei to, 11;;,~ (' né~oliga importíin ...
cia. Tambemapos as 4 horas da tarde, ~ quando - o oper:\l":~o tinha que largar" ~
como era de direito e de lei, o opere.r í,o U.-inc1afiG!,v1'. mais uma hora, ate
às 5 horas, esse operár ío também não
",..,
/
üe,balhav8,. ( ... ) Isso •....•
n';s tinhamos
~
certeza,/ porque aneisti:3 ..mos 1 ',...,
e vie,rilcs, nao era, . rnJi'c3,8 ocae í.oss•....• , o opera ••zyxwvut
rio j a tomado de banho, j a de mace Limpes J cem o r;12,;C~81o na mo.o, depois
-
de 4 horas, com o martelo na mão e o olho no mundo, para ver quem vinha,
;
nao e, qual era o fiscal que vinha ou o [l,dminiptra· dGT que vinha, pD.ra en-
tão naquela ocas íuo bater, fazer um gento qu:õ>2..s.uer de serviço, mas que
não estava pr oduz lndc nada , (. o o) Isao , tivemos '11~!':l.9:J r eunãces para con-
v~ncê-los e que posteriormente, quando foi ID213mo errtrado em vigor esse h~
rario,
- muitos usineir ('3 ví.eram a. mim e d:tsneram de viva vez que o serví co
~ "..
nao diminuia como eles penaavam , ao cont.re.;- 5. o , a :p:'COd1.;'.çac
. . '-
aumerrbou•..•..
( ~
)
' "

Agradeceram e cont'í.rmaram que nas 8 horas de selAv:.qo os operar ãos estavam


produzindo mais do que nas hores tr3balhndo.s antc:::icr:;unte ",Agora, eu qu~ o

ro dizer, que tivemos usina que de m3,n0~i.ranenhuma queria por em vigor as


8 horas." (ex-presid:ante do sindicato)
.80.
é adequada a.ssim à. "programação" das tarefas e reparos de volume va -zyxwvutsrq
to horaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~
rlavel que tem que fazer o chefe da. oficina} o qual intensifica por um lado o

trabalho de todos os operários de sua seção nas oito horas normais e selecion~

por outro lado, alguns operários para as horas extras, em função de determina-
~
das tarefas ocasionais. Alem disso, as horas extras agem como um estimulante

à. produtividade dos oper~rios, sempre tentados a aumentar seu salário insufi -

ciente.

No entanto" para os serventes de moagem e para os profissionistas -- op~

radores de máquinas parcelares encadeadas cujo ritmo de funcionamento tende p~

ra a não interrupção -- não houve uma alteração fisiea de sua jornada de traba

lho com a implementaç&o da jornada legal, No meio da noite e no meio do dia ,


•.
os mudas continuam ate hoje a substituir seus companheiros cambados de cansaço

e de sono. Apenas, em um respeito deferente e formal à jornada de trabalho l~

ga'l , as quatro horas além das dto são consideradas horas "extra" -- r-esaa'Ivan-

do-se, no entanto, que a jornada de trabalho na fabricaçao


- ,-
e tal que provoca

uma inversão entre o "extraordinário" e a "normalidade". Pois que a jornada de


, ,
trabalho "extraordinarialT realizada pelo conjunto de mudas seria equivalente a
,
jornada de trabalho "normal" de oito horas de mais uma turma de mudas, (Isto e,
,
o conjunto das "horas-extralT trabalhada.s pelos dois turnos de operarios da fa-
,
bricação daria lugar potencialmente a mais um turno). Assim tambem, e princi-

palmente, os operáriOS que trabalham no transporte de cana, em caminhões ou em


A ,...
trens, e que tem por duraçao de sua jornada de trabalho, 24 horas, quando en -

tão passam o posto para o seu muda e descansam 24 horas, Esse sistema de reve
-'
zamento Singular, que implica em uma jornada de trabalho extraordinaria quatro

vezes superior à jornada de trabalho normal, de oito horas, e que consolida as

sim de maneira flagrante essa inversão do ll extraordintÍrio" em i!normalidade"zyxwvut


I

tem por justificativa administrativa o fato de que nas longas viagens a enge ~
.si.zyxwvutsrqp
~ , zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
nhos distantes "
feitas por esses veiculos nao e possível haver a troca dos mu -
, -
das em doze horas, ja que eles ainda nao estão de volta a" u~ina nesse prazo
- -
Então o l1evezamento se faz nas 24 horas} nao sem romper com o ritmo normal de
,
trabalho e descanso do trabalhador: se esSe revezamento da o mesmo tempo ao o-

"
perario para trabalhar quanto pa.ra descansar) semelhantemente aoS profiSSioni!

tas da fabricação, no entanto essa mudança de escala de revezamento de 12 para

24 horas parece ser indiferente ao fato de que quanto maior o mimero de horas
/ ~
cons.ecutivas trabalhadas pelo operario mais dificuldades ele tera para l"ecupe.•

rar, em um tempo igual, o esforço dispendido durante a jornada de trabalho.

Portanto, sem modificar a jornada de trabalho dos trabalhadores ligados

a" moagem, que continuou, antes como depois das leis trabalhistas, com a dura -

ção de dO,ze horas ou mais, os usineiros também não queriam, nessa conjuntura

de transição em que s,e implantava a CLT, modificar o montante do sal&r1.o d€vi-

do, a" força de trabalho na nova j ornada de trabalho corrtabf Lã.aada em horas , 1s-

to é, não queriam pagar as horas extras. S,em d~vida que os usíne fz-os alegavam
/ .-
que suas maquinas de valor inestimavel foram preparadas e acostumadas a s:ugaro

trabalho em doses de doze em doze horas e que, sendo o trabalho de doze horas
"
natural e eterno a fabricaçao
- , /

do açucar , tambem e naburaã


~-

que seja pago por e!


~
se trabalho um salaria equivalente a uma jornada de trabalho legal de oito ho-

nas . A eS,sa,."
lógica da antiga diaria dos us Inef.ros , os operarios /
responderam

com a nova lógica dos seus direitos e fizeram, em massa, queixas ~ justiça a -

trav~s do sindicato (12)

N ~

(12)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
HAs reclamaçoes eram mais por tempo de serviço, por operario ser acusado
-
de não querer, cumprir o regulamento da empresa ,e principalmente
, por dife-
rença de salarios. Entao, por dife~ença de salarioe nos tinhamos continu~
- ,/

damenteo (... ) Por exemplo, o operaria Se supunha com o direito de perce-


ber
_ tanto} né,
_ e a ind~stria não pagava
~ o tanto, pagava menos/ um pouco
7 ,
nao era; entao a diferença de salarios das horas extraordinarias e que
mais contribuía para as reclamações"" (ex-presidente do Sindicato)
.82.zyxwvut
Assim, a nova lógica. operária do saJ.á.rio-hora.,relativa à nova. jornada. de

trabalho, contabiliza.da em horas, reforçou-se desde o inicio na mente do oper~

rio e na operação do seu cálculo econômico (13), por suas próprias luta~

a efetiva.ção dessa jornada. pela a.dministração da usina. No entanto, como vi •

mos, essamta parece ter-se desdobrado


não somente em duas frentes distintas ,
,
como mesmo em duas fases sucessivas.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
Em primeiro lugar, os operarios de afie!

nA começaram uma operação-tartaruga com vistas à redução de sua jornada de tr~

baLho para. as ai to'" '),slegais. Com isso, eles forçariam a implementação do

pagamento de ' "


, para o inevitavel trabalho depois das oito horas, co

mo tap"' _~etamente a concessão de empreitadas principalmente

nt ~Ddo então a quantidade de trabnlho é grande e a empreitada,

mais #~l ao operário e com seu conseqüente estimulo à produtividade, se-

ria mais vantajosa para a usina que o pagamento das horas extras. Essa opera-

ção-tartaruga, esse remanchar ostensivo no trabalho, só poderia fazer efeito

~ A ~ ~
Designamos aqui por "calculo economicoH as operaçoes mentais dos opera
, " A
rios, ligadas a sua pratica economica cotidiana, pelas quais eles se ori~
, -
entam para tomarem atitudes referentes a inter-relaçao entre o tempo de

=
trabalho e o esforço dispendido durante esse tempo, por um lado, e por ou
tI'O lado a sua renda e sua subsistência (as quais constituem-se do salá
rio do operário, mas também das tlconcessôes não monetárias" de que usufru
em, ou podem vir a usufruir). Assim, algumas estratégias possiveis podem
ser efetivamente realizadas pelos operários no que diz respeito a tal in~
ter-relação: po~ exemplo, ~a) maximiza~ o tempo de trabalho para ass~gu -
roar sua subsistencia atraves de um salario maior, devido ao grande numero
de horas trabalhadas, tomando implicitamente o preço da hora de trabalhozyxwvutsrqp .I .-
como fixa; (b) aumentar o preço da hora de trabalho com que o operario e
pago, geralmente fazendo valer a importância de sua profissão; (c) maximi
zar o esforço e a dedicação no trabalho, visando obter promoções dentrodã
usinaj ou, ao contrário, (d) procurar um serviço mais descansado e dedi -
car-se às concessões não monetárias fora do tempo de trabalho na usina de
que dispõe, tais como seu roçado, algum gancho, construção de sua casa
própria, etc. A implantação da legislaçao trabalhista nas usinas, e a con
seqUente contabilizaç~o da jornada de trabalho em horas, veio trazer modI
ficações no c~lculo econômico dos operários,
.I .I A
introduzindo as "horas exzyxwvuts
tras", Para uma analise do calculo economico dos trabalhadores argelinos,
envolvendo esforço no trabalho e renda, cf. P. Bourdieu (1963: 326-374).
.83.zyxwvutsrqponm
se executado pelos operários de oficina, os quais, com Seu trabalho especifico

dependendo de sua arte e habilidade, e portanto de seu contrde, provocariam com

sua ação preju1zos sensiveis à produção da usina o Os artistas tinham assim

sob seu controle; devido à natureza mesmo de seu trabalho, a arma sutil da di-
, ~
minuição da produção.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
Alem disso, sua operaçao-tartaruga se estenderia a to -
,
dos os operarios durante o apontamento, quando comandam o processo de produçã~

aumentando o descontentamento e a associatividade para a luta, dos profissio -

nista.s. O usineiro tinha que atender logo as reivindicaçoes


, - nas oficinas. Ja
"

aos profissionistas -- vigias-vigiados das máquinas que t~m a unidade de seu

trabal.ho fora do seu controle, "


mas dado ao contrario pelo encadeamento de seus

aparelhos -- escapa a possibilidade de que sua açao de remanchar no trabalhose

reflita em perdas sensiveis à usina, a não ser a greve de fato ou a sabota

gem do fUncionamento das máquinas, que não estariam no entanto ao seu alcance

dada a sua provável menor percepção da perspectiva de resul.tados favoráveis de

um conflito de sua iniciativa e dada a sua correlação de forças com a usina

Com efeito, a intensidade do trabalho fica fora do controle dos profissionis -

tas, sujeitos à intensidade das máquinas, as quais regulam os momentos deixa -

dos a, intervençao
- "(14)
do operar í,o .. o Assim, tanto torna-se "
dificil ao operario

diminuir sua intensidade de trabalho, quanto torna-se difícil ao próprio us! ~


,,- ;

neiro aumenta-Ia, a nao ser dando mais uma maquina para o profissionista tomar

conta, ou dando-lhe uma tarefa diferente a ser executada nos tempos vagos da.

jornada (como, por exemplo, ir levar amostras do caldo que passa pelo seu apa.-

relho para o laborat~rio, onde são feitos controles de qualidade). A iniciati

va pertenceu assim aos artistas, detentores da arma do remanchar, arma tanto

(14 ) "Meu serviço lá [pa seção de fabricaqãõf ~ controlar o vapor e fazer a. ma


nobra do caldo~ qüe de tr~s em três hoÍãs a gente tem que mudar pra nao
entupir. Q,ue limpa, e se deixar mais de três horas entope o aparelho.li(e~
quenta-caldo)
.84.zyxwvu
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
eficaz quanto mais sutil e menos ilegitima que a greve aberta. Essa fase da lu

ta contra a antiga diária, de iniciativa dos artistas, se manifestava na rei _

vindicação da diminuição da duração da jornada de trabalho, pelo respeito ao


I

direito às oito horas legais.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS


Ja a fase seguinte, que se aproveita da brecha
/ .-
aberta pelos resultados das iniciativas dos operarias de oficina, isto e, a di

minuição da j ornada nas oficinas e o pagamento de hO:C8.Sextras, consiste em re

clamações à justiça por parte dos profis:Jionistas lesados pelo não pagamento

das horas extras dentre as horas que fazem parte de sua eterna jornada de tra-

balho de doze horas (15). Assim, essa segunda frente de reivindicações é leva
,
da, ao privilegiar o aumento de salarios independentement.e da possibilidade le
-
gal da diminuição da jornada de trabalho, a, deãxar :Lna.lterada a duração da jO!
/

nada ê a ver a poss ib ilidade de realizaçao dos direitos sob o aspecto unico do

aumento absoluto do 8alsrio.


I

O desenrolar desse conf'Lí.to , em suas duas frentes diferenciais, alem de

ser ilustrativo das diferença.3 entro artistas e pr-of'Lac Lorrí.s t.as quant o à sua

capacidade reivindicatória e quanto !\08 próprios alvos c1~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW


r e iv in d ic a ç ã o ....
- di

minuiçao
- da jornada com salario
/
conAta.nte ou aumento do salaria
.. com a jornada

constante ...- que refletem de ~.lgum3.forma uma concep,?3:a diferente de salário e

tempo de trabalho; é também um marco de transição pa~a uma nova forma de cálcu
A. ~ ./,

10 economico do operar í.o, com b2,8G no sa3.8.rio-ho::a.rio. ~9~:,cm08oportunidadezyxwvutsrqponmlkjihgfedc


s

posteriormente, de examãnar [:;3 ropOrCUECÕ€.';dessa mudança de bac e de cálculo

(15) "( ... ) Esaes operárj.cs l~a fa.bricaçã~ corrt â.nua.rama trabalhar 12 horas ,
mas ganhando um dia de é3 horas 2 maí.s 4 horas, q1.Jer d.lz er , t raba'Ihando por
hora ganhavam 12 horas e não apenas um dia, na bac e de 8 hON'tS. De qual -
quer maneira, foi benefÍcio para os trabalhadores. Os usineiros tiveram
mais despesas, porque estavam viciados J não era, a pelo menos durante o
tempo da moagem, fazer trabalhar l€ horas c pagar apenas um ~J.a, pelo pr~
ço que eles quizessem pagar , que nao havia 23.1~,"rio,· minimo,nao havia coi-
sa nenhuma." (ex-presiàent~ do Sindicato)
.85.zyxwvutsrqpo
(da diária para o salário-hora) no pr~prio conte~do da relação que os operários

mantêm com seus patrões, No quadro do presente capitulo, resta-nos perguntar

se essa nova ~orma de cálculo, re~inada) do ponto de vista estritamente econômi

co, pela simples subdivisão do tempo de trabalho diário em horas -- o que faz

a atenção dó operário (principalmente do profissionista) voltar-se enfaticamen-

te) ao n:Í.veldo seu discurso, para o salário -- é capaz de "anestesiar" o cará-

ter penoso da longa jornada de trabalho em condições ambientais des~avoráveis--zyxwvu


,
as quais aparecem a primeira vista para o observador externo do clima de traba-
,
lho da usina -- e de apagar do discurso dos operarios as queixas aozyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
peso dessa
,
jornada para melhor realçar as queixas sobre o salario.

3. A Dilapidação da Força de Trabalho


Se os operáriOS podem demonstrar até o momento uma aparente incapacidade

de transformação do seu so~rimento com as longas jornadas de trabalho, em rei -

vindicações tendentes a diminui-Ias, seria necessário buscar uma explicação que

desvendasse essa apar~ncia,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


pois esse so~rimento está presente de maneira ex

pressiva e acentuada no seu discurso. Postergando uma explicação possivel para

outros capitulos, teremos a preocupação aqui de descrever, através de relatos

dos operáriOS, como aparece para eles sua jornada de trabalho e St3S condições

materiais imediatas de trabalho.


,
No capitulo anterior tivemos oportunidade de observar como o sono no tra-

balho está como que incorporado à própria condição do pro~issionista, Resulta

do da acumulação da monotonia de seu trabalho de vigia da máqUina durante um

tempo longo, o sono do profissionista tem suspenso sobre si o peso da reprimen-

de. resultante da investigação, prestes a desabar sobre o operáriO, assim como


,
o perigo que lhe pode ser ~atal de ~alhar à responsabilidade que lhe ~ propria

no trato do material do homem. A este sono característico da condição do pro -


.86.zyxwvutsrqponmlk
fissionista, alguns deles chegam a associar, em tom de auto-ironia, a postura

do corpo especifica ao operário:

'~gora, tem dia que a gente tá lá [Ea fabricaçã~, eu mesmo, temzyxwvutsrqponml


I'

dia que eu tou Ia, que eu tou todo cambada assim. Cambado de sonozyxwvutsrqpo
AAA
mesmo. Quando eu tou assim, o fiscal chega.: 'Ooo! I}mita o fiscal,
gritando e batendo palmas, para chamar atenção ao operário que es-
tá dormind~. É o fiscal. G-:D É a vida do trabalhador, que vive
todo tempo alombado, mesmo que assim (Elostra com o seu corpo azyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
Po!
tura curvada do t raba'lhador e ri, dá uma gargalhe.deJ. 11 (misturador
do ca.l)

Se o operáriO pode falar em tom de auto-ironia de sua pr~pria postura.

porque esta corporificação, esta encarnação da jornada de trabalho, reverte em

a.ntropomorfismo a reificação de fato, a inversão permanente entre homem/ coisa

no processo de produção da seção de fabricação. Esse resultado antropomórfic~

ao revelar em negativo a presença esmagadora do seu oposto, a reificação, a r~

vela. tamb~m de maneira caricatural, no corpo do trabalhador -- e a caricatura

do corpo está sempre sujeita à ironia (16)

(16) Como nao podia deixar de ser, se a caricatura do corpo serve para a auto-
~ ~ "
ironia do operaria, ela serve tambem para o exercicio da ironia localiza ••
da dos operários em cima dos empregados e dos chefen, disfarçando/reve1an
do, ambiguamente, seu antagonismo. --- --'-- -
!1Dejunho de 71, tinha um administrador aqui que assumiu o 1u~ar de
seu Fulano, era neu Luis, a turma chamava ele de Luis Rebolado. E porque
ele andava todo desengonçado, n~.n (pintor)
"Depois foi tempo que, em 39, eu já trabalhava numa. turma na esplana ...
da, .çnor nome de turma auxiliar" O chefe da turma era um senhor, por nome
A ,/ , A .,

de Ze Ioio, ne. O nome era Jose Amancio. Mas a gente conhecia ele por Ze
IOiô, porque ela andava assim, meio pulando, que nem ioiô." (caldeireiro)
"Uma vez
_ eu fui acidentado
~ na estrada de ferro, me ralei-me A todo, não
sei como nao morri. Ai uns companheiros me levaram pra gerencia, era um
tal de seu Augusto. Ai ele mandou me dar breu, disse que o remédio daqui
é breu. ~i o pessoal disse que não ia me dar breu, que não /queriam me ver
morto, ai ajuniaram um dinheiro e compraram uma garrafa d'agua inglesa na
rua. Ai depois eu fiquei bom. Mas ele queria me dar breu. Pois bem, esse
seu Augus to , chamavam ele seu Cuz cuz , seuzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A ugusto Cuzcuz. Q,ua.ndochamavam
ele de cuzcuz ele ficava brabo.
-- Porque chamavam de Cuzcuz?
.87.zyxwvutsr
No entanto, a auto-ironia transforma-se na descrição sofrida da tragédia

cotidiana dos operários, quando ele passa do re8u~t.~d~ e do efeito da longaj~

nada sobre o s eu corpo caricaturado, para o E.rOC~8~~continuo e violento do es

gotamento prematuro de sua força de trabalho. Nessa descrição; o operário sa-

be que é
a continua reprodução das condições de trabal~lo do profi.ssionista quezyxwv
, ~
o tornam cambado e sabe tambemque, nao conseguindo recuperar~·se, no seu tempo

livre de igual duração que sua jornada, do esforço d:i.3pcndido durante o traba-

lho, o operário inevitavalmente não somente leva para casa a f~diga crescente

do serviço,como tamb~mleva para o trabalho uma coisa tão :Íntima e doméstica

quanto o sono. O operário tem clareza da interpenetração da esfera doméstica

com a esfera do trabalho, em beneficio da segunda e prejuízo da primeira, in _

dãeando...nos assim a importância par-a a compr eenaao do processo de reprodução ~

pecifico da usina, não somente da consideração do momentod"t reprodução do pr~

cesso de produçao imediato,


- /
mas tambemda reproduçao do proprio
~ / ,
operario.
,
"Quemtrabalha na moagem, e o aeguinte: quem ·C"r:.balr.ana moagem ,

são pessoas que veve mor to de tro,balhar. Vevc mor-t.o , Porque é o


seguinte: esse homem,ele pec0, à m::~c-noi<:ic, regou meia-noite
Pou~ pou, largou meio-dia, Chega emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
co.."8. o homemla.rgou ao meio -
dia, chega em C8,f:8, mais morto do que vivo. Do Dono. Porque quan-
do é uma noite só, " o camarada a
não~ tá tudo bem. Uma noite so,
guenta, uma noite só, M3.8 6 muí.t.o t.empo. Quando chega em casa ,
chega morto de sono. Crega em casa, se deita. D::,::"i a alguns min~
tos, ele se deita, dorme uma hora ou duas horas: mas o calor é de-
,
mais, a quentura ~ grande ~ o carr::n,rac.a n8:o e.guente. E. Vai dormir,

- Era porque tinha a barriga muito 9rancle e era vermelho, nao -" e. A~
."
as mulheres faziam aquele cuzcuz de fuba e mandava os mení.nos vender. Ai
as mulheres diziam assim: 'Meu filho, você não g:~'its CU'3CUZ não, pr o mode
seu Augusto ". Mas, uns meninos daqucl.es , né, f2,;:;~? t§,.ritand~: 'Olha . o
cuzcuz : bem perto da casa dele, A~ ele vinha e I:,~mi
! , t.ando a voz som ral-
::1 : 'Venha cal
vª-t ,. Quan!o e"t que em,
?' A' :.i. 03 meru.nos
. ,..
G.l;Cla~ ln?o. ! A'l ele
IC •
:
°
M

ITome dinheiro, va s~ embora, nao chame Lsco aqu i nao ' ~ [ê;argalhad~. ~
se chamava CUZCU7" ne , era o ape Lãdo
Le ficava com raiva, ne , porque elezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
dele." (evaporador)
com muito menino em casa, uma coisa, menino, dá vontade at~ de ma-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
.
' pode matar menino. Nao
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
t$.rménino. Mas nanguem ~
pode bobar menino
.. '
pra dêitar, pra chOrar. E mena.no e pra brincar mesmo. Ai o cama.••
~.- ~
rade. dessa maneira. não dorme. Pega naquela agonia.. Agora, muita.s
, , . .,.; .

vezes) tambem, a.pla.ntauma rocinha. Mas e um sacrificio. Chegá. em


casa., ai largâ. pra. roça,
ras,5 horas@a ta:rdt!]
2 horas, 3 horas, ainda trabâlha até 4
,Chégaem casa , toma um banho ~ lá vai,
-
ho
e
se deitá. Ai pega ti. mesma fadig~, com os meninos em casa. Quando
ele vai pegar no sono, é lá prá 9 horas, 9 e meia pra 10 horas ~a
noitil. Daqui a. um pouco mais chega o chamador na por+a , O chama
dor chega às 11 horas, o camarada vai entra.r à meia~noite. ilFula~
no, Fulano! li\}mita o chamadoa. Às vezes têm o chamador , às ve ..•
/

zes não tem, o camarada. tem que ta acordado. Ou ele, ou a mulher,


em casa, ou Um menino. Vamos dizer que tem um chama.dor: "Fulano ,
Ful.ano , Fulano! Olhe a hora. II O camarada com o sono no meio do
bucho. Quando ele tava no meio do sono, chega. o cha.mMor e o ca.ma
rada vai pra usina. O chamador as vezes ~ um daque'Les que tá tra .•.
ba Lhando , que vai largar de meia-noite. Ele [o patrão genérico]
manda um daqueles pl'a chamar o pessoal, daqueles que vai largar de
meia ••
noite. Ai ele vem ehamar o pessoal. Mas não chama todo mun ...
/ ~ N

do não.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
Chama uma terça parte, ne, nao chama todo mundo nao. En-
tão, aquele vai trabalhar.
zendo, que não dormiu.
Chega. lá.nessas cond1.ções que eu tou di
Chega na usina, chega Ia,, ele nao vai ElS ••• - -
tal' com o sentido para o trabalho. Quem trabalha muito, não tem
nada, acorda a. pul.s» ou desma ía [como, por exemplo J o turbineir€!.
/

Mas quem ta ali, tomando conta de um aparelho" sem se mexer muito,


R /
esse se assenta, ai quandO va.i dar um cochilo, ai chega o fiscal
BEh, Eh! [grita imitando o fiE'.ca:gOlhe o serviço, tá dormindo!
Quer dizer~ o camarada nao dorme. As vezes chega·um companheiro
mesmo, né, companheiro dele mesmo, lá vai, v~ ele cochilando, sabe
, /" Â ,

que ali não e hora pra ninguem dormir, ai diz: HEi, rapaz, voce ta
dormindo;; rapa!Z!;' Comparihedr-o mesmo, e aquilo ali faz um bem a e-

J que é pro fiSCal não ver.


A /
Que tem usina que ve operario dor -
lezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mindo, ai suspende. Suspende, suspende ele. Aqui não, aqui chama
atenção, mas não há tanta invest:i..gação..Mas tem usina que auspen-
; ;
de.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
Ai o camarada tira aquelas 12 horas, naquela penuria. Quando
quer dar um cochilo, uma coisa, chega um f:tscal, um chefe,às vezes
mesmo passa por ali um gerente: "O gerente vem acolá~ O Dr. vem a
colá! I! fj.mita os companheiros
avisando essa vind~. Mesmo quando
, ~
noite, quando chega em casa, aszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
larga. de meia •. vezcs tema um cafe ,
vai dormir de madrugada. Mas ele é obrigado a se levantar 6 horas,
porque a casa é cheia de meninos. Ai leva a vida toda) e,cabando
com a vida do camarada. O camarada sofre mais por causa disso, o
ca.marada morre, se acaba por causa disso. Trabalhar de madrugada,
a gente se levantar no meio do sono. O que me acabou foi isso, eu
,
levantar à meia~noite, ir pra usina. Chegava lá, trabalhava ate
meio-dia. E eu não me sentava nem um minuto pra descansar senao
eu dormia. Eu tinha medo de dormir e acontecer alguma coisa com a
máquina [máqUina de moend~. Mas morria de sono naquela madruga -
,
da. E a gente ver o sol nascer e a gente continuar trabalhando e
de ficar doido. Ai chegava em casa meio-dia, me dava uma agonia ,
s~ ia conseguir dormir à.a 6, 7 ho -
naquela fadiga, naquele calor,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ras da noite. Quando o sono tava profundo, chegava o chamador:
"Ze', Ze', seu Ze', olhe a heraA!!
1 sala pra tYraca
s: (,fi 'h Lhiar . E assim le
, , ,
vei muito tempo. Trabalhei aqui na moagem ate 1'13. pouco tempo. Ai
não aguentei mais. muf.tas semanas, por cau
Fiquei doente, paradozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
j

~ ~
sa da minha saúde o Comecei a sofrel~ dos nervos e fiquei diabeti -
co. Ai o dr. ~édicQI me di.sse: 1!Vcc~ n3:o pode trs;balhar em moa ..•
A , •

gem mais. Se voce continuar em moagem, sua f8..


m.Ll:t~),i vai ficar sem
pai. Porque você se acaba mesmo." Ai pedi ao supervisar pra mu .••
dar pra oficina, por causa da minha saúde ;" (ex-ma..
quin:t~ta de mo-
enda , atualmente serralheiro, sem a.:r;rofinsãc>
a,tual ter sido anota-
da na carteira de trabalho)
~
Nessa longa descrição, em que a repetitividade ~o relato sublinha a pro-

pria repetição acumulativa da jornada de trabalho Q suas consêqÜ~nc~as sobre

o operário, encontramos muitos d')s elementcs caracterir.:ticoc do profissionista

no processo de produção que vimos no pr-ãme iz-o capitUlO: a monotonia do traba -zyxwvutsr
A • .; ... / ._ A

lho, a vigilanc1a do operaria a maquina e a superpoclçao, a esta dependenciado


operário ao seu aparelho, da investigação e fiscalização da administração da

usina, criando um clima de pesadelo de acordado ao trabalhador sonolento. Nozyxwv


,
entanto, o proprio elemento repetitivo deste relato, faz diferi-Io dos relatoszyxwvu
/
descrevendo o profissionista no seu trabalho que encontramos no capitulo I. Com

efeito, esaa ênfase na repetitividade chama atenção para as conseqüências, 80-

bre os profissionistas, da jornada de trabalho da seção de fabricação -- a ex-

cepcionalidade do uso do tempo do profissionista e o seu rompimento com o rit-

mo temporal normal das outras pessoas e que ele sente de perto ao nivel de sua
~ ~ , A
familia. A propria pratica administrativa da usina, que se ve obrigada a lan-

çar mão de uma figura como a do chamador -- esse agente especializado no auxí-

lio à transformação do tempo livre do operá:rio em tempo de trabalho admite

implicitamente não só a excepcionalidade dessa jornad~ de trabalho, como a do-

minação da esfera do trabalho na sua interpenetraç~o com a esfera doméstica

Com efeito, o chamador ~ como que o próprio s{mbolo corporificado dessa inter-

penetração.

Além disso, exaurido por sua vigil~ncia à m~quina, o profissionista va -


A ~ ~
le-se da vigilancia sobre ele proprio exercida por f)UOB pessoas mais proximas,
A A /
as quais se veem compelidas pelas circunstancias a ezercerem tambem uma vigi -
A /
laneia de segundo grau sobre o ap:l.relho,paradoxalmente atraves dos cuida.dos

ao seu operador. Sua mulher .•em casa , e seu companheãz-o , no trabalho., ajudan-
A
do-o em sua luta contra o tempo e em sua luta pela subnistcl1cia, tentam evitar

os resultados desagradáveis da investigação. Ajud?,do pelos companheiros, bus-

cado em casa pelo chamador, interpelado no trabalho pelo fiDcal ou cabo no e -

xere1cio de sua investigação, o profissioninta se v~ assim constantemente im -

pulsionado ao traba.lho contra a sua vontade imediata, dominada pelo torpor e


,
pela inercia resultantes das Longas jorm.da.s de trabalho,

Assim, se a investigaçao~ domina o processo de trabalho, e" uma caracteris


·91,zyxwvutsrqpo
tica especifica da esfera do trabalho na usina (17), a pr~pria repetitividade

e continuidade do processo de trabalho nos mostra como a investigação rompe

os limites da esfera do trabalho e repercute7 metamorfoseando-se sob apar~nci-zyxwvutsrq


.I ~ -/

as diversas, na proprda esfera domestica dos operarios. O peso da reprimenda. J


-
da suspensa.ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~
do operaria do serviço, a ameaça do empregado ruim, pairam as.sim
, ,
como potencialidades concretas sob a cabeça dos operarias e suas familias com

relação a todos os aspectos de sua vida cotidiana, pois alcançam os operários

nao Somente no trabalho mas também em casa.


,
Trabalhando em turnos alternados por semana, isto e, trabalhando de meio-

dia a. meia.-noite durante uma semana,para trabalhar na outra de meia-noite a


A
meio-dia, os profissionistas manifestam uma prefercncia geral pelo turno que

"Lar-ga de meia-noite":

!lEuacho melhor, esse de pegar de meio-dia a meia-noite, porque


descanso mais, compreendeu? A gente pode dormir até 7 horas da ma
/

E a gente larga agora nesse horario de meio-dia, pronto, che


ga em casa, aqui, almoça, s~ vai dormir às
, , .
horas. Eu não, ºque
quando e uma hora, ja estou dorm~ndo. Minha mulher fala, porque
como feijão e me deito logo, mas até aqui não estou sentindo nada.
Mas tem muita gente que quando vai dormir já é duas oras, Dorme
umas duas horas, quando ~ quatro horas se acorda ai pronto, nao
dorme mais, Casa que tem muito menino ~ uma zoada, e lá vai, qua~
do va.i dormir já ~ nove hoz-a.s lJia noit~, quando ~ 11 horas já ch!::
ga ° rapaz chamando. Que foi que dormiu? Nada , E é nesse horá -

(17) "A l.nvest;1.gação;é o segu1.nte, a :tljvest1.gaçãoé no trabalho.


Uma compara-
ção, eu trabalho na minha parte, ne, Como tem muito empreg~do ruim, isso
e aquilO, pega e vai investigar o trabalhador, espezinhar, fica reparando
o camarada, e lá vai, e tudo isso. Quer dizer, isso se chama, a investiga
ção, é isso. Ai~ nesse meio, qualquer coisinha su~pendeum operário, su~:-
pensão pro operario, por uma bestei~a, que o operaria faz, suspende. ~Ai,
naquele meio te~ uma ~elh~ria [9perarios mais velhos], bota o operario
pra fora [Eef~rencia a pratica das usinas de procurar um pretexto p~ra d~
mitir os operarias velhos, supostamente de menor rendimento e que tem es-
tabi1idad~. Isso são as investigação no operário." (serralheiro, ex•.•
maqlj.
nãs ta de moenda) .
· 92.
rio de largar de mcIa-noã+e que dorme ma í.s , (~01:"mf'
ceis, sete ho- zyxwvutsrqponmlkjihgfed

E" por isso que zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU


eu digo que e
,
melhor pegar de me:Lo· ,dia a mei~=noitc o c
Ago:'C''2. VD q· ').8,Ct'J I}urno J
mais quente" a quentura " mctc , a quczrbura do vapor
(; ma.l.s a q u a rrtu -
/

ra da temperatura E o quar-to d e };23}:cl' de moin.-noite


do zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tempo, DCo
não, a t.emperat.ura é melhor) D3, fl'(;SCa da n:)::.-G:::)mas e'~, acho me
Lhor , com todo o r:ofr~.mento, com todo ° vapor , tr2:';2 ..Lhar moLo...d ia,
meia-noite," (evaporc,dor)
/ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
peJ.<1 e::;f'orr', ê ~ o tJ:',:,'c.:Clh:J, a 't.o m de manif'es -

su a s ref'eiçõe.9. Os opez-ar-í.cc de oficina que fC .',1 '"? rú casas

da usina, comem em cesa na hora do o..lmoqoo , comem na marmi

"
ta, no local de tre,balho. E m c,::;:"b:)'1 C:J C'::.CCE', cr:tn::t;;"lÜ', ('3 ofe::2Tics de of'i-
 ,-

c Lna t.cm um horario certo r::-::,:"a o :"..:IJnol::'"l) :::alvo em E 1 "J m ? :;,:I,.) de "Lcr,r:.ço ur-gent.e",

horc s , que nao res


/

peita o hor-ar Lo ror~.:3.1 ele:; j':ln t"1 :' (~ n~


c.," .' c:~":~~
t:: ar
" ~1_") de uma re ....

., J em alguns
, /

c'" ·::;co; ..c;:: :~ ',~ C ,::'c :-;


p ro x í.m o s a sua

Assim, O '·•.. .1 proprio

uma maquí.na , Alg1J~nJ cp e ~ c(-L ]~ ic');= · }~.:.:cl'Jc:~L· v-c;, C!.)11fol\1113 l. ú ~l(:lcLi :~;~8 G"c·O}Gtrou,zyxwvutsrqponmlkjihgfe
mo ,.

/ /

quando a u s í.na e ;:;ta f'a b r L c a n d o 2,;ucsr demC::'Qloa, PCy::., '~~l ,'::,"cc,'?~":J c:;''';';;;J,r este

.t
interferem no pr opr âo pr occsac cu.: coisa
~
sua alimentação (18)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Diz-se tambem na usina que os corumbas que trabalham cozyxwvutsr
J ~

mo serventes no armazem, esplanada .• etc., alimentam-se em calorias necessarias


, J

com uma garapa , tomada no proprio trél.balho, fei t8. com algum açucar res idual.zyxwvutsrqponmlkjihgf

Já alguns profissionistas, no entanto, t~m o flprivil~giofl de poderem ir

comer em casa, ou "tomar um cafezinho" em casa, em determinados horários, se :

(a) t~m ajudantes e serventes, como ~ o caso do coz í.nhador ; (b ) e se moram

perto, isto é, em casa da usina. Pois tradicionalmente o::; cozinhadores tem


A

, ,/
certos "pr-áv í.Leg.í.os li devido ao seu car-a't ez- indispensave1.

No enta.nto, nem as longas jornadas de trabalho r.em a invasao da esfera

doméstica do operário pela esfera do trabalho são c2,racter:Lsticas exclusivas

da condição dos profissionistas: como já vimos, não SomEnte o regime de i1urg~E:

cia" do apontamento cons trrange OS artist8,s a longas jorn2cd2.:; de; trabalho, como
Á
,-
a "emergencia" dos reparos para os quaí.szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
sã a freqüentemente convocados e res -

sentida por eles como um es tado de dj_sposição e prontid;;o permanentes diante do

patrão que não respeita dedicadO 8. ecfera doméE1tica. As-


quat.querzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tempo livre

sim, enquanto o profissionista tem sua força. de traOal.ho connumida por uma e -

norme jornada de trabalho rotineira dure.nt.e a moagem, os art:lpt9.c vivem sob a

expectativa de uma convocação abrupta, pare, o trJ,balho, rompendo com seu ritmo
•..." "
temporal normal. Esse tip o de ccnvocaçao abr upt.a e o cxempl,o ma::!.8freqÜente

que dá o operário de of'Lc Lna paro, Ll.us t re.r o cativeiro (', que estão submet dos í

~
os operarias.

I ;
(18) Os operarios molham o seu pao no do, de maneira sutil,
,....."
No entanto)' essa nao e c ons í.dez-ada uma falta
••
grave
--
rem o fiscal
I!
ver .
pelo, admã.nf.s tz-açao r
11 e.-
como o é o ';roubo" de aç~c2,r pe l.c operáriO (lev2.l~ aç~"car escondido para
casa), que e pund.do com a demí.saao , ~e que outrora era punido com castigos
corporais. Tambem o fe..to da popul.a ça.o trabalh9.dora ch1}po.r cana caiana ti-
rada dos partidos de cana era punido Com castigos, alem de ser visto pe -
Los operários como uma das Ca.USÇ',8 do plantio de outras var í.edades .
.94.
"Bom, quando eu deixei o ex~rcito [Eerviço milita:€] , nao quis mais
voltar pra ser operário de usina. Voltei para X ~idade do inte _
rior, na zona da mat~ para ver se encontrava emprego, não era ?
(... ) 'Não trabalho mais de operário de usina.' Isso porque eu
/

queria ter uma liberdadezinha, nera.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY


Ja me supunha um pouco inde-
pendente, um pouco superior, e não queria mais me submeter àquele
cativeiro, àquele carrancismo das usinas, não era? Porque muitas
ocasiões, [? pai deste operário era pedrei
meu pai, que era músicozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
/ / ~
ro e era tambem musico das bandas que as usinas tinham ate os anos
40 e tocava nas seções de cinema mudo que tinha esta usin~, tava
no cinema, tocando no cinema, quando havia .um enrasco numa caldei-
/
ra, vinham chamar ele, o vigia vinha chama-lo e ele deixava o cine
ma pra ir fazer o serviço, no fogo quente das caldeiras. E ele
não queria mais se submeter a isso." (ex-presidente do sindicato)

Esse caráter de convocação abrupta para o trabalho que tem o ~ativeiro ,

tal como ele é caracterizado pelos artistas, pode ser ilustrado por um episó -

dio ocorrido quando tentávamos entrevistar um caldeireiro. Ele havia nos con-

vidado para passar em sua casa na hora do almoço, quando então poderia conce -

der a entrevista. Quando nos encaminhávamos para a sua casa, na hora marcada,

cruzamos com o caldeireiro no meio do caminho. Ele vinha acompanhado de Um ou

tro homem, ambos apressados. Pediu desculpas, mas não podia conversar conosco
/ ,
conforme havia marcado e apontou para o seu acompanhante, dizendo para nos: !tE
, ; A ,.."

a policia" o Embora sentissemos um tom ironico na sua designaçao do acompanha!:.

te, ficamos preocupados em saber se o caldeireiro estava sendo preSo e porque.


,..., /

De qualquer forma, a calma do informante e Seu tom ironico com a policia apa -

rentavam um certo estoicismo tranqüilo e uma certa familiaridade com a prisão


e seus agentes. Nossa preocupação dissipou-se pouco depois quando contamos o

caso a um operário conhecido: este nos explicou então ser o "agente policial "

que acompanhava o caldeireiro nada mais que o chamador, e a 'pol:Lcia a que il


o

caldêreiro ironiCamente aludia nada mais que uma convocaçao'" de emergencia


A
para
.95,zyxwv
,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
o trabalho, ocasionada por um acidente de maquina que interrompera a moagem --

convocação esta tendo alcançado o caldeireiro em casa, na hora do almoço. Per


,
cebemos então que sem dúvida o caldeireiro havia aproveitado o tempo minimo

disponiveldeixado por esta convocação abrupta da administração da usina para

alguma comunicação com seus entrevistadores, para tr~nsmitir o ~ximo de infor


I'W , ,/, ,.

maçoes -- atraves da forma eliptica e enigmatica pela qual muitos operarias c~

tumam informar os pesquisadores, visa.ndo obter efeitos pedagógicos -- aprovei-

ta.ndo a eXémplaridade da situação daquele momento p3.ra esclarecer, atrav~s de

uma imagem, a significação do cativeiro para os artistas. Pois~ efetivamente,


,
os poderes da. usina. sobre os seus operar íce teriam alguma semelhança com os p~
,; .
dres :esta.taisde pol.ãc ía , que se permft.em entrar na esfera domestica dos indi'lli.
, ~"

duos para convoc~-loS a permanecerem à sua disposiçeo na prisão. Assim a apa-

rência de familiaridade com a prisao e seus agentes qu~ tinhn o oper~rio nada

mais erá que a familiaridade com o cativeiro da in í.na, com e. constância das con

vocaçoes abruptas para o trabalho.


.. .
O prolongamento da j ornada de trabalho dos operar ros de oficina quando
..
da necessidade pela usina de serviço~ urgentes, como na CpOC8. do apontamento,

também irrompe sobre o tempo livre do operar í.o e SUG. esfe:ta doméstica:

!lÀs vezes quando hav La um se~'vlço que era , pO:L'exemplo, fundição,


Às vezes hão largava, S~ largava. quando tirava. Às vezes o cama-
rada pegava ~s 7 horas, E ia tirar a fundição, conforme. Ou qua~
quer outro serviço, um embarque, uma coisa, passava da hora, tinha
que trabalhar. Eu morava distante. Era qua~e 7 km. Tinha dia de
eu largar lá ~a uSin~ uma hora da madrugada, vinha de pés, cheg~
va em casa às 3. Agora voltava 0,8 5, pra pegar às 7 novamente. Ti
nha dia de eu chegar em casa e dizer: 'Agora eu vou descanaar aqui
A

um pouqulnho, se eu pegar no sono voce me acorda, viu?' Ela dizia

ri 'Sim'. Eu deitava, ficavc. acordado,


Dai um pouco mais eu ouvia ela f'azer: '~arulho
escutando a.at.ençao dela,viu.
de ronc~ ". Eu p~

r
rado , um pouco mais ela fazia:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
DaizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~arulho de ronc<?]". Ai
I eu
.!

dizia: 'Maria! Maria! t Ela: 'Rum? Rum?' Eu digo: tE assim que vo


A

ce fica dando sentido a eu?' ~m tom de descompostur~. [}isoif]


N _ ~ " ,

'Ah, nao, assim nao da! t Ai eu vestia a roupa novamente, saia, a-


manhecia o dia, era que nem cobra. A noite todinha de lá pra cá.!!
(ex-ferreiro e ex-vigia, aposentada) (19)

Tendo sua j ornada de trabalho prolongada por tarefas cons ideradas "urge~

tes" ou sendo convocado em casa para o trabalho devido à. necessidade de repar!!.


-, ,-
çao da maquinaria cujo funcionamento continuo foi interrompido, o artista po -

de, no final de carreira, computar os anos inteiros em que trabalhou dia e noi

te seguidos nessas condições de "urgenc ía" e de li emergência" .

'~Eu tou esgotado do trabalho. Voc~ já pensou, 47 anos; desse pe -


r10do vamos supor que eu tenha 15 anos de direito, n~, quer dizer,
dentro de 32 anos de serviço, vamos adotar que eu tenha 15 anos de
dia e de noite sem parar. Porque eu não conto as vezes de eu ir
trabalhar de dia e de noite sem parar. Esses dias mesmo, a semana
passada mesmo, eu chegava em casa, sa{B, de casa pela manhã, chega ••
va no outro dia. Às vezes vinha, eu comer, a mulher me mandava o
almoço, café, essas coisan, e eu comia na usina." (caldeireiro)

Mas não é
somente o longo tempo de trabalho e a invasão das horas de 80-
, , ~
no que exaurem as forças do operario, mas tambem as condiçoes ambientais de

trabalho em que ele se movimenta duz-antieesse tempo o Assim, 1:\ insalubridade ,

própria ao trabalho fabril e que se 2..centuaao extremo nas cond:i.çõesda usina,

aparece para o operário sob a forma do próprio ar que ele respira:


,
"O maquinista ta ali, tomando conta daquele aparelho, fazendo os
movimentos da moenda (... ). Ele tá a~i reparando, tomando aquele

; ~-
(19) É interessante notar, nesse epis~dio tre.gic8mico contado por esse velho
operario, que fez todo serviço de armazem, construçao civil e oficina, co
mo ele reproduz em casa, com sua. mulher, a relação que ",ele tem com um com
panheiro durante o trabalho. "Se eu pegar no cono , voce me acorda, viu? 1T
-- como se ele ainda estivesse sob o efeito do olhar vigilante do fiscal.

L
,-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
bagaço, aquele caldo desce pra cair dentro dos tanques,
p o d e zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA pra
bomba tocar pra fabricação, É um strviço também do trabalhador J

né." (soldador; os grifos são meus)

Nesse ambiente impregnado de particulas provenientes do bagaço da cana

esmagada, que irritam o exerclcio da visão e da respiração dos operários, nes~zyxwvutsr

se ambiente de barulho ensurdecedor, em que para comunicar-se com um companhe!

ro o operário tem que gritar, poucas frases curtas onde a conversa é imposs{ -zyxwvutsrq
~
vel, o operaria destaca as causas, segundo ele, de suas doenças mais freqUen

teso a quentura e a insalubridade tóxica de certos aparelhos.

IIQuando eu chego lá [!Iotrabalh~, tiro logo essa roupa, vou ves-


tir logo um traje de indio, só calção, que nem um doido, porque é
quentura demais. Nesse horário ~e meio-dia a meia-noit~ a gente
toma banho tr~s vezes, porque não aguenta. E depois de trabalhar
vestido assim ninguém aguenta, estoura o couro todinho. A gente
toma um banho refresca mais. Ai visto aquele calção. Agora me di
, A
zem: 'E porque voce gosta de tra~alhar, uma pessoa que trabalha
com aquele calção daquele jeito, é porque gosta'. Gostar o que? É
,
o trabalho, que ninguem suporta a quentura, compreendem, aonde a
~
gente podia pegar insalubridade I}axa de ins8,lubridad~, mas nao
pegou." (evaporador)

TIAtemperatura é hor rcrosa , mas sempre os homens nunca recompensa


como devia a-eccmpenaar ( ... ) A temperatura é uma temperatura tão
tremenda que tem certa hora do dia que a gente é capaz de não su -
portar. Se o senhor chegar lá, vamos dizer, pelo menos 10 ou 11

horas do dia, num instante molha a roupa. Que a pessoa que já e s-


tá acostumada se molha toda, mas quem não tem o costume então, o
suor vapora todo. É uma temperatura horrorosa." (cozinhador)
~
"Trabalhei debaixo de uma. esteira., apanhando cana, de servente,ne.
Tirei uma safra. Já na outra safra houve uma mudança de ferragem,
ai me transportaram pra moenda, né. Eu trabalhei de ajudante de ~
zeiteiro, trabalhei um bocado de safra. Quando foi depois adoeceu
um maquinista de moenda. Ai botaram eu na vaga, né, botaram eu co
mo maquinista. Trabalhei um bocado de anos também. (..• ) Ai con-
tinuei como maquinista, né, trabalhei uns 15 anos. Ai eu pedizyxwvutsrqponmlkjihg
a
esse gerente pra ele me transferir pra oficina que eu não podia
, ;

maiszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
trabalhar, vivia doente, ne. Era os intestinos, ne, intesti-
no e figado, tudo entoxicado. Ai ele me transportou pra oficina,
,
ne. (Mulher do operário) -- Ele foi transferido, mandado pelo méd!
CO, já por causa dessa doença, Em 10 anos de moagem ele ficou as-
sim." (encanador, ex-maquinista de moenda)

"Ai eu fui pra fabricação, fui dosar. Continuei dosando, ai pas -


sei uns oito anos dosando. Depois devido ao cheiro do enxofre, eu
digo 'Não tá dando', ai eu falei, ai o chefe trocou, ai eu fui pra
. pra ca,' pra dosagem. Na
o esquenta-caldo, e o esquenta-caldo ve~o
dosagem, tem épocas onde a fumaça, indo na gente, a gente arrota •
É o enxofre puro. A fumaça penetra mesmo. E às vezes, a enxofre!
ra mesmo dá aqueles arroto. Ai sai aquele fumaceiro, não tem quem
aguente. Olhe, bateu nos olhos e o mesmo que bater pimenta. Arde,
arde, que nem pimenta." (esquenta-caldo)

"Serviço de usina7 tenho visto muito rapaz morrer, o intestino to-


do entoxicado, se acaba. Mesmo esse ano passado, agora, morreu um
,
rapaz dai com o intestino todo entoxicado de quentura, disso e da-
quilo. (... ) Quanto mais quentura, também parece que dá mais so -
no." (cozinhador)

Não somente a quentura, mas a sua combinação com a noite fria que o ope-
~ .
rar~o encontra ao sair de casa para entrar no vapor, nu inversamente quando

sai do trabalho para casa, debilitam a sa~de do operáriO. Assim, alguns oper~

rios associam o frio ao sono, provocando a doença, o que nao deixa de comple -
,
mentar, simetricamente, a associação da quentura com o sono. Tambem a a'l, ter -

nância de turnos por semana, submete o organismo do operáriO a mudanças brus

cas, a ritmos de utilização do tempo diferentes, e também a temperaturas dife-

rentes em momentos diversos da jornada de trabalho.

"Trabalhar em moagem é pior pra sa~de. Eu mesmo quando trabalhava


,.
em moagem so vivia doente. Eu mesmo apanhei uma gripe pesada, pa~
, " ,
sei uns dois meses gripado. Ai me receitei, Ia no Recife, Ia na
minha. sociedademesmo~ que chama-se o sindicato, né. Ai o médicozyxwvutsr
,
passou um bom remedio e eu fiquei bom. Porque recebia muita frie-
za. de noite, né. Ai passava a noite de sono. A:Í.é mais ruim pra
saúde n (soldador)

Além dos profissionistas, submetidos às condições ambientais insalubres

da seção de fabricação, os artistas também enfrentam duras condições de traba-


A' ,
lho.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
Assim, a referencia a quentura e a periculosidade acompanha o discurso
;

do artista sobre sua historia de vida na usina e sobre o processo de trabalho.

"Sempre trabalhando ali @omo encanadorl , e tal e coisa, passei a


ter ajudante, e sempre fui entrosando em outras partes, e chegouao
;

ponto dali eu passar pra parte de caldeiraria, ne. E fiquei traba


lhando. Às vezes, tinha tempo que a gente trabalhava, tinha vá
rios setores de trabalho: serviço de caldeira, tubação, mudar tu -
bo, fogo tremendo ali, a gente não aguentava cinco minutos. Fogo
mesmo. (••. )A:Í.foi tempo que, a:Í.ia continuando nessa vida, foi
tempo que Compraram outra caldeira, teve um tempo que ela preciSOU
rã caldeir~, a gente trabalhou, entrando quase dentro de fogo fi!
me pra trabalhar. E boa-vontade pra fazer, e precisando " de
tambem
trabalhar 2 pra poder enfrentar tudo isso, né. 1f (ce.Ldeíz-e lro )

Por outro lado, alguns profissionistas ad í.cd.onam €.s caracter:Ísticas pos.!,

tivas e admiradas pelos operá.:riosque têm os artiste.s J da arte e do "saber fa-

zer", outras caracter:Í.sticas que, embora ext.ez-Lor es à arte, não são menos vivi
das pelos artistas: a per cul os ãdada
í do trabalho dos al~t:~sta8. Valorizando-se

a si próprios,menos pelas caracter{sticas técnicas de Eua profissão e mais pe-

lo esforço dispendido em condições desfavoró.veis, 0':1 profisflionistas vêem nos

artistas ambas as qualidades positivas de um operário, não somente a arte, que


, A ,
e exclusiva do artista. e que o difere do profissionista, como a resistencia as

condições ambientais de trabalho, as quais seriam, segundo a visão desse pro -

fissionista, piores ainda nas oficinas que na seção de fabricação.

"Porque arte é aquele que trabalha com o martelo, com a, com, é ne


gócio de serralheiro, de torneiro, né, tudo negócio de ferragem
.100.

né. E esse negoclo. de mais quimica,


'
Ai chama arte.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
/
es~as coisas,
motorista, isso ~ mais profissão, n&. Porque ° artista ~ aquele
é o ferreiro, é o torneiro, é o caldeireiro,
que faz o ferro,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA né .
É artista, né. Ai, quem trabalha negócio de profissão é motoris -
ta, trabalhar em profissão, tudo é profissão, né, l~boratório,zyxwvutsrqponmlkjih
e s-
se s serviços menos perigosos, ne. Por causa de acidente na ofici-
na, né. Lá dá mais acidente porque trabalha com ferro, né. Fogo,
ferro. No fogo. É cortando, é serrando, é tudo, n~. E o ferrei-
,
ro e mais, porque o ferreiro trabalha com um bando de ferro que
tem deste tamanho, corta ele em 5, 6, 10, 12 pedaços, ne. Porque
tem a forja, ele bota ali dentro, dali ele, derrete ele. Faz dele
um prato, qualquer coisa que queira fazer, faz, né. Ai já é o
,
mais pesado que tem, o mais perigoso ne, o ferreiro. Qualquer um,
,
a fundição também, é perigoGo mesmo. Porque e o ferro derretido
, ,
ja, ne Ai eles preparam o ferro, ai tem uma vaz Ll.ha ali, tudo e-
les despeja, ne , até as formas, quando é no outro dia, 6 mais fer-
ro pronto, de sucata, né. Bota 8..1identro do liqu:.do, ali é suca-
,
ta, né. Ferro derretido, ne. Pr epaz-a
ferro, fundido, prepara al~
,
minio, tudo isso, ele derrete, faz n07a peça, n'2. Aqueles desper-
d:Í.ciode aluminio, de bronze, de latão, de ccbre, de ferro fundi -
,.
do, tudo eles, não se perde, né Aproveita tudo, ne. Derrete de
novo. Faz outra peça de novo ;." (2cnalista de la~)o~:,at6rio)

Esse analista de laborat6rio, tre."halhandoem um serviço "menos perigoso",


,. / ~
projeta assim nos artistas, esses met.aLuz-gf.cos do a çucar , n20 somente esse do-zyxwvutsrq
, '.1 '"
minio da materia característico da arte, como tambcm o, :periculosidade e insalu

bridade inerentes às propriedades ::e'J pr ocecso de fabrica -


desta m9,téria e d2zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
- o ferro e o fogo.
çao:
.-
Trabalhando, em "lugar que so t.r-aba Lha diabo"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
com
,.
bado" de sono, com o "corpo a.Lombado'", rsspLrando o "po de b'3
.gaço",
. derretendo

o ferro na "boca do fogo", o ope:';"riocupor-ca ainda menos essas condições de

trabalho depois que um fiscal do Ministé:'::'io


do Tr8'J:?,lho,
que veio medir a Insa
~
lubridade das diversa.s ocupaçoc3 da usina com a finalidaGe do estabelecimento
,.
de uma taxa, adicional ao E:s.lario,de in?a:,u':"ridade,tr2.po..ccou-os -- SE'C mdo
.101.zyxwvutsrq
,
as várias versõeszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
,
--, nao resistindo a.s
desse fato, relatadas pelos operarioszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY -
tentações oferecidas pela gerência (20)

tiAgente ali tem uma taxa de salubridade, acho, de 22% zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON


ol\1a.s ali ,

houve um negócio de um acordo, lá com o sindicato da indústria. E


ele [? gerente, o usineir<?] paga muito pouco, sabe. Ali, eu nao -
sei como foi, ali. .. 11 (cozinhador)

tiAgente percebe a salubridade, mas parece que pegou o grau ma.is


baixo, na fabricação. Não é como um grau de ferreiro, de caldei -
reiro, que pegou um grau mais alto, que é um grau doze, as oito ho
, # ;
ras as vezes so ali na quentura. Apesar que a gente ali tambem
nao se afasta do trabalho enquanto não larga. (••. ) Veio o doutor
da pericia, veio fazendo a pericia pelas usinas, conforme o apare-
lho acusar a temperatura. Ele veio uma vez, faz uns dois ou três
anos, e não veio mais. Agora isso é somente nas seção de alta tem
peratura. Lá na seçao mesmo onde eu trabalho tem partes que nao
pegou a salubridade, pelo menos o evaporador, o laboratório, que
nao e temperatura mas tem problema de droga, de veneno." (cozinha-
- I

dor)

tiNo laboratorio
; -
nao pegou essa taxa, porque, por aqui teve um medi
;

co, que fez uma pesquisa ai pela usina, fabricação, destilaria e


tudo, e ele tava acompanhado do gerente. Seu Fulano [9 gerente ]
entrou lá e saiu com ele, disse que ali no laboratório não tinha
problema não. Disse assim: 'Não, aqui não.
No laboratório nao. -
" ,
Trabalha com veneno, essas coisas, toxico, mas e uma besteirinha de
,
nada. E puxou ele, ne, quer dizer que ele puxou, porque tem usi-
I

na ai que tem, né." (analista de laboratório)


, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
,_
"Veio aqui um tal de Dr. Sicrano, e ai enrolou, porque Ia na seçao
onde a gente trabalha, só pegou mesmo o cozinhador, porque o se
nhor foi lá e viu, os tipo de apurar é assim e o cozinhador do ou-

,
(20) Esse fato aqui relatado, com suas particulartdades,
, e evidentemente um fa-
to singular, ocorrido em uma usina especifica.
=
No entanto, com algumas va
riações, a mesma omissão da fiscalização trabalhista pode ocorrer em di
versas outras usinas.
.102.zyxwv
, ,
tro lado, a minha quentura e a mesma, ne. Aquele lado pegou, o l!
do de cá não pegou. Enrolação do homem. Quando vem esse pessoal
assim, advogado e tal, vai logo pra casa dele, n~ G?asa do geren -
ttD. É bom comer, e lá vai e
Ai o homem solta a mão dele pra lá.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tal, e pronto. Ai essa pessoa já não vem se entender com a gente,
, , ,
pronto. Ele ai, o homem ai: 'Toma ai um milhão ou dois, deixa pra
lá.' O doutor diz: 'Tá. certo.' Mas que ele viesse se entender di
reitinho com os operários, a:Í ele ia ver. Mas não." (evaporador)

Sempre com uma remota esperança na ação do Governo, na ação das leis

segundo um cozinhador, "O pessoal diz que o operário nasce na caridade [!1J ,se
cria na fé e morre na esperança [ri solt~; e todo mundo tem essa esperança de
lI
melhorar e morre sem nada, com a esperança. --, imperativos externos sanciona

"
dos por uma força maior que o poder das usinas, os operarios se desiludem cona

tantemente de maneira amarga. Mas a remota esperança se recupera quando o de-

ser.rolar de certos acontecimentos, como este do fiscal trabalhista, acaba con-

forme o que já pOderia ser previsto pelos operários: o fiscal trabalhista, um

empregado do Governo, se entende bem com o empregado da usina. O Governo, que

concedeu as leis e os direitos trabalhistas, permanece alheio e mal informado,


,
por seus empregados, dos desmandos dos empregados e dos usineiros. Os opera -
,
rios tambem compreendem que a solidariedade de classe que se estabelece muitas

vezes inconscientemente, às vezes na hora do almoço na "casa grande" da gerên-

eia, entre visitantes eventuais à usina e os empregados, impede que aqueles se


;

aproximem dos operarios e possam ver o trabalho na usina de outra maneira se -

não do ponto de vista do usineiro. Não passa desapercebido assim, aos operá

rios, toda a encenação feita pela administração da usina quando dessas visitas

de autoridades da legislação trabalhista, encenação que lembra as "exibições

institucionais" características das "instituições totais!! (cf. GOffman, 1971 ,

capitUlO sobre as "cerimônias institucionais",zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


pp. 96-98). Esse poder de me -

diação para com os oper~rios e o mundo exterior, que têm os empregados, esten~
.103.zyxwvutsrqpo

de as propriedades de exterior idade com relação aos trabalhadores que tem a fá

brica, as ferragens e as máqUinas, também aos visitantes, principalmente oszyxwvutsrqponmlkjihgfed

"-
que tem poder legal, que passam alheios ao que ocorre com o objeto mesmo de su

a suposta proteção, a força de trabalho.

Essa dupla exterioridade, primeiramente das condições ambientais re traba

lho, que existem indiferentemente às propriedades fisiol~gicas dos trabalhado-

reS, e depois, da fiscalização trabalhista, que deveria punir os abusos na utl

lização dilapidadora da força de trabalho, perpetua o rápidO esgotamento f1si-


/ / ~
co e mental dos operarios que se observa atraves de suas geraçoes. "Deixei mi
, ;

nha saude na usina", liA usina come a carne dos opere.rí.ce e depois joga fora os

ossos", são afirmações freqUentes entre os operários.

A exterioridade e oposição da fábrica e da maquinária com relação ao tra

balhador, que a, primeira "


vista para o operaria iniciante e "coisa do diabo", u-

ma coisa que escapa ao domínio humano, se transforma, na mente do operário,po~

teriormente aos seus longos anos de trabalho em usina, em uma exterior idade

consciente, dos pr~prios imperativos da produção, tal como a concebe a admini-

nistração da usina, que faz abstração dos produtores diretos em beneficio da


I

preciosa matéria-prima e dos maquinismos Alguns operarios sentem es


de valor.zyxwvutsrqponmlkjihgfedc

sa exterior idade produzida e não mais demoníaca, na confrontação entre o seu

sofrimento no trabalho e a pr~pria arquitetura da fábrica:

liA gente sofre muito com a quentura. (o •• ) Mas essa usina podia
ser di~erente, podia ser melhor para o
.
/
operar1o Podia ser, se e-
les, na parte de fabricação, naquelas partes, montasse um ventila-
dor pra correr mais ar, não é? Pra tirar mais aquela quentura Ouzyxwvutsrqponml
,
se mesmo alevantasse o prédiO, pra ficar mais amplo. O prédiO e
todo isolado, todo fechado, fica aquilo ali tudo preso, não é? E
muitas usinas, por aqui mesmo tem uma usina ai que trabalha um co-
lega meu, que faz até frio. Essa usina, meu Deus [procura lembra~
se do nom~ é a Usina X. X é uma usina toda descampada, não tem
.104.

parede, não tem nada, s6 as colunas, as cantonei~aso Então naozyxwvutsrqponmlkjih


~ ,
tem querrtura. Ate rresmo o coz ãnhador Ia trabalha com um capote ,
no horá.rio da madrugada, que faz frio." (cozinhador)

Essa exterioridade da usina, das ferragens, com relação aos operários ,


se manifesta desde a sua pr6pria construção e fabricação:
tanto o pr~dio da fá
~ ,
brica com seus compartimentos, andares e seçoes, como o "lay-outTl das maquinas

segue as conveniências do percurso da mat~ria-prima para sua transformação ef~


-
ciente em produto, mas nao as da força de trabalho. Os problemas de insalubr,!

dade aparecem a posteriori para a admlnlstração da usina, quando da ambienta -

ção forçada dos operários às condições de produção já prontas em oposição a e-


-
lesozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
-,
Mas estes problemas nao se colocam quando da propria construçao da fabr!
/

ca, nem quando da fabricação das máquinas (processo este que escapa ao contro-
,
le da usina e depende das ãndust.rãas fornecedoras de equãpaaerrtos ) . Mls a ex-

terioridade das condições de produção com relação ao operária se manifesta de

maneira critica não somente por ocasião de cada acidente de trabalho, mas tam-

b~m pela ~eqtiência de sua ocorrência. A conjugação do fato de que a


,
propr~a
.
construção da máqUina, numa produção capâ ta.Lí.s ta , nunca incorpora o principio

da segurança física e mental de seu operador humano (21),com o fato do t.raba -

lho repetitivo e mon~tono de longa dUl"a,çãodiária caracte:-ística da usina, a -


A

carreta tanto a inevitabilidade quanto a freqüenc~~ dcs acidentes de trabalho

em todas as seções da usina (22) .-


Assim, os operaz-ãos Lncor-por'am na sua auto-

(21) Cf Miller e Regnau1t, 1971: 1886-1893.


A

(22) Os acidentes de trabalho pela sua freqüencia tornam-se tema da glosa dos
repentistas em sua crônica do cotidiano. Assim, no dia em que fomos entre
vistar o foguista de locomotiva,
~
tQmbém repentista, apresentado
~
aos leitõ-
res na nota 10 do capí.t.ul.o r, um armazem contendo açucar estocado e situa
;

do perto de um "az-ruado" composto de casas de operá.rios havia deamoronado .


A vizinhança do foguista, que assistia à entrevista, sugeriu ao seu repen
tista o tema, dizendo respeito ao :fato extraordin~rio daquele dia. no "ar::
ruado", para uma glosa.
I!- (vizinho): Agora a queda do armaz~m, n~,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
Z~.
.105.
definição de operários~ em oposição aos empregados do escrit6rio da usina, nao

somente o trabalho pesado, como o inevitável risco do acidente de trabalho.

"Agora, nessa época lEo inicio da existência do aindicat~ o dele-zyxwvutsrq


, ,
gado das usinas era um funcionario do escritorio~ uma pessoa mais,
vamos dizer, que não tinha tanto conhecimento como Fulano Q? atual
delegado da usina], que vive dentro, ombro a ombro com o trabalha.
dor, nio é. Porque sempre, vamos dizer, que o tr~lhador do es -
critório não sente o peso do trabalhador de dentro da fábrica. Por
é uma caneta, um livro, né, e o trabalha -
que o peso que ele pesazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
-, , ~
dor de dentro da fabrica nao, e um saco de açucar, e um ferro pes!
do, é talha, é moitão pra suspender, pra arriar, é trepado lá por
e íma pelas tesouras que nem um macaco rE:D. nutros coitados J por
,
isso ou por aquilo escapole, cai, morre, outros se acidenta, e dai
por diante. Uns eomo ai tinha um rapaz quê caiu uma certa ocaaiã~
da destilaria de cima, bateu em cima da outra casa, furou a telha
Brasilit, furou, ele caiu em cima de um vidro de ácido sulfÚrico ,
o vidro entrou aqui nas costelas dele, cortou tudo e ele ainda can
teu vitória. Não morreu não. Outro caiu com 4 metros, um destil~
,
dor, partiu a bacia, morreu logo. (...) Aqui e em qualquer tempo
que tem acidente, em moagem ou em apontamento." (cozinhador)
Desde as queimaduras dos operários da seção de fabricação e da.ca.ldeira.,

da perda. de dedos ou da mão dos maquinistas de moenda, turbineiros ou operad~es

da.pente rolante, passando pelas quedas provenientes de operação de máqUina ou

reparos em lugares elevados a que estão sujeitos profissionistas e artistas na

moagem ou no apontamento, até os desastres na estrada de ferro e nos caminhões,

que o operáriO tem um tal elenco de privações e perigos a passar durante sua vi

-r (foguista): Foi, do armazém. Fera ai, deixa eu imaginar, pera ai


[pa~~. Su~edeu um desastre. O arm~ém de açúcar ~stourou. O ar-
mazem de a.çucar estourou e sei que nao morreu ninguem.
~, -
O armazem de açucar estourou e sei que nao morreu ninguem,
~
Foi um dia de horror/ Eu tava na cama.deitado/ Me levantei as-
sombrado/' O armazém de açúcar estourou.
Quando zé Amaro pulou/ E na hora de Deus, amém/ Fui igualment~
com ma.is un~ cem/ Salvar o ...
pessoal/ E eu peguei a ..,F.eguntar/Ai
eu disse: nao morreu ninguem. f!isos da vizinhançl!l"
.106.

da. a.tiva, que no final de f!ca.rreira"ele pode proclamar com orgulho: "Ij)raba

lheizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ê não morri!"

"Aq uã sempre dá ac idente • ~ negoc io de dedo, esaas coisas, foi


não foi, dá. E desastre de carro, desse pessoal que trabalha em
máquina locomotiva, ~ o mais que dá. Tem muita gente aleijada por
,
a.i de acidente.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
De pe, de perna, tem. Essa safra mesmo, desse a-
no passado, a máquina mesmo pegou um rapaz ai, um velho que era ma
quinista, torou o pé dele mesmo certo. Um rapaz que trabalhava n~
guindaste, o guindaste pegou a mão dele, torou, só deixou dois de-
dos em uma mão. Dá muitos acidentes assim." (cozinhador)

'~té a semana passada mesmo, tem um companheiro nosso lá da fabri-


ca.ção que acidentou-se. Ele foi ai, tinha um cano lá de água que~
te, ele foi amarrar o cano, tava furado, ele foi amarrar o cano ,
quando ele pegou no cordão pra apertar, o cano estourou. Queimou
o braço dele, as pernas, o rosto, o cabelo, a cabeça tá caindo a -
que Ias caspas. E a parte que queimou mais foi no braço." (esquen ...
ta-caldo)

"Eu comecei a trabalhar, tava com dezessete anos. Comecei traba -


,
lhando nas usinas sabe come? Agora, comecei logo de guarda-freio.
O pior serviço do mundo. Ali a gente vai trabalhar, faz questãode
voltar, mas não sabe se volta ( ..• ) Cuar-da-cf'r ed,o é enga+ar- car -
, .
ro, saltar de um carro para o outro, a maquma correndo, brecar c~
1'0. É assim. Botar -
a mao em para-choque de carro, vendo a hora
de perder a mão, perder a vida. Juntei pedaço de companheiro, es-
bagaçado debaixo do trem, ajuntei. Ia pra dar depoimento. E com
aquilo me desgostei, deixei.H (turbineiro)

A essas condições de trabalho desfavor~veis, exteriore3, já prontas e i~

postas a ele, o operá.rio procura resistir de vá,rias f'crmas . O próprio cálculo


~
economico
~
do operario dentro da produçao
- ~
da usina e regidozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
por essa forma de

res:it~ncia.. Uma dessas formas é a "arte" do remanchar no trabalho, que embora

nao seja própria aos profissionistas, adquire com essc:!' ~lti.mo3 caracter:Ísti -

eM especificas. Essa flarte" de remanchar dos profissionistas desprovidos da


.107.

arte parece estar associada a uma certa esperteza. e ma.la.ndragempr~prias aoszyxwvutsrqponm

pro:fissionistas, que já. encontramos no capitulo I, no discurso de um turbinei-

1'0 orgulhosa de ludibriar sistematicamente o patrão ao entrar parI!!. uma. nova. u-zyxwvutsr
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
sina numa ocupaçao em que nao tinha êxperiencia previa. Essa. esperteza., que
- _A I

se manifesta. nozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
confz-ont,o inicial com a administração da usina por ocasião da

admissão do operário, se prolonga cotidianamente no próprio desempenho rotine!


,
1'0 do operario na produção. Ent.re o profissionista da fabricação -- ope:ra.dol'

de uma maquâne parcelar que te:n um funcionamento e um r tmo próprios


í e que in-

tervém diretamente na :'láquina somente em determinado::; intervalos -- e a admi ....


,
nistração da us ína, s e instaura um conflito surdo e permanente quanto a inten-

s í.dade do trabalho nos momcnt.cs '- ~


t~ maquina nao exige a int.ervenÇ~,o ..l1ire-
em quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ

ta do operá.rio: ;.\ adminictrnção Lnt.er easa que o oper-ar í,o seja um v~:ia cont:Í ••

nuo e fiel à. má.quina, que todo3 C3 seus momentos da jornada de t;i-abalho se c~


J , ••

vertam em atenção ao material do homem, No entanto, como a p-1'ápria maquina n~Q

exige dí.r et.ament e


, I ,

g;aç8::? sobre os operarias para fazer valer eSse seu interesae o Paz-a o operarl.q'

ao contrá:rio, :1.nteJ7CS~aprc3erv,:l,r sua força de traball70 -, pois ele sabe qUG o

consumo produtivo LnbenaLvo de sua força pela us í.na representa o consumo ré.p:t. •.

u._,
~ A A.
do e premat.uro de SU''L vida seu urrí.co meto de auos âat.encâa e aobr eví.vencda '

Assim, a arte do rem":',:nchar é a arte do profissioni..~t1l de escapar à investi~ -


(23 )
ção ut Lí.zando sua forçn. e atençn:o
í ao aparelho o m1n:i.rno neceasar-Lo o re
manchar do pr-of'Ls sf.oní.s
ta , além dLaso , acober-ta-ae no fato de que ele não se

(23 ) o oposto !:t, arte de r emanchar era incutido nos veLhos opez-ar í.os que, no en
tanto, tinblJ,m vantagens em troca do seu zelo e atuavam segundo a
,
log1ca
-
dos ve'Ihos moradores:
"Eas e pes aoe L VeUl;? era B/":c,,-tumado a fa.zer bem o ,.serviço ~em troco de na
da. Tem um velho que e do-:[vi.or, que toma conta do do, que nao sa.i um minü
t.o de per t.o do apar-e Lho , ESse pes soa.L era acostumado assim. lvlas eles eram
procurados pelo us Ine Ir-o , Antigamente J um coz-tador de sana era uma pessoa
resp~:'ta(:1. no engenno . O us incã.ro dava logo casa com sitio. Hoje cort.arse
os sitias, m;:o ,:':10 maí,s va l.or aos cor-tadones ôe cana." (enquenta-caldo)
·108.

:reflete na. queda. da. produtividê.de da sêção de fabri<la,çio a qual repeusa no ritzyxwvutsrqpon

mo concertado dos a.parelhos. Já o :remanche;rdo artista rzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT


ef'Let.e- ..ae 1medÚ\ta.men

te na produção da oficin~ e pode ser utilizada como arma ofensiva de reivindi-

caqâ:o, como ocorreu durante o períOdO de implantação da. legislação traba.lhista

diante da. resistência dos usineiros. O rema,nchar do :profi~sionista, no entan ..•


; A
to, e uma forma defensiva, cotidiana e disfal'çads. de resistencia ao ritmo dezyxwvu

tra.balho da fabrica.çao e aparece no discurso do operaria, explicando a.o pesqu1


.
,
N ~

-
sador-que-nunee.-trabalbou~em-fabrica como aguentava as lon~ horas de trace. ~

lho, eeao atenuante às dura.s condições de tl'abalho.

O rema.ncha.:rdo profisaionista. tem por condiQóes propicias: o seu traba.lho

dura.nte a moagem, mas é imposs1vel quando da$ emp:reit~das dura.nte o apontamen-

to, quando o profissJ.onista entra como ajudante:


., .
!t( •.• ) O oa.ldeireiro tra.balha por impeleita.da.e o individ.uo tem
que oorrer mesmo com ele, n~. E por conta. da usina não, ele en ...
trou, babeu o cartão, pode às vezes, muita gente cozinha. na usina"
cozinha. o feijão dele, ajeita, MO é muito pesado não. .tIas com o
homem da. impele:1tada o 8uj~i.to tem que traba.lhar mesmo] porque a -
quele ca.ldeireil'o, aquele oficia.l tem que a.mostrar a. produção de ••.
, ,
Le . E o ajudante que ta. eCHT'. ele tem que t:l'abalha.:r muito t!!ímbem
•••
(cozinhado!' )
_ , Â

M9.s o remanchar no tra.balho na.o e !!Iomente uma :resisteneia defensiva do o


,.. *" zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
I .,
peraria M suae condiçoesde tra.ba.lho,ele e tambem, ao atualizar a. esperteza

do profission1sta., um motivo de orgulho e de honra.

'Porque tem que ser desa.sso'brado. Ma.s não é'? Eu sei que eu Mda.
temo. Agora. mesmo, vou tre.ba.lhal' até daqui mais ou menos nove h~
ra.! da. noite Gra.ba.lha.:r na. fabric~.ção de ti,jolos que faz no fu..n.do
, t ~~ I
do seu quinta.l, por conta. pro.pria., como 'gancho'j. Sa.be como. e?
Nove nores tomo banho , lU" tomo cate novamente e vou pra usãna ~n
~ •.
h"a.ndo à. meia-no i tcB.
Chego lt1, fn,z lá a. traba.lhada., QuandO' é 4
horet.8 da. ma.nr.i, ti tudo pront.o, ali eu me escoro uma coisinha s
quando é 6 boras eu enrolo a. red,e. Quando é meio-d1a. eu ltl.l:go" '\(~zyxwvutsrqponmlkjihgfedc
·109.

nho praquf de novo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR


II (ex-turbineiro, que passou pe.ra as oficinas da
estrada de ferro, onde prepara a lenha a ser queimada nas locomoti
vas )

"Embore,eu tivesse freqiientado aula no começo @a minha vid~, n~


. ~ .
ca cheguei nem a fazer o primeiro ano prlmarlo, porque nunca tive
tempo e nunca tinha meios. Mas entã.o dentro das caldeiras, debai-
xo das caldeiras, en~nando os patrões, eu ficava ali, como se es-
tivesse trabalhando, mas fazendo apenas o serviço render, Mas en-
tão eu pegava os pap~is de embrulho que vinha com o lanche, meu e
dos outros, e ficava. apren~ndo ,
a fazer as letras, fazer letraszyxwvutsrqponmlkjihgfed
fazer nomes, fazer nome e fazer nome, e escrever, escrevendo e coi
sa e tal. II (ex-presidente do sindicato)

Assim, o operáriO tarimbado na arte do remanchar inclui na sua descrição

do desenrolar do seu dia de trabalho normal -- além do orgulho implícito de

ser um desassombrado e, portanto, de não ter medo da ~nv~8tigação -- o seu tem


, ~ ,
po de ficar lesando no trabalho. Apropria expressao, pelo operario, desse re

manchar, se dá por uma linguagem metaf~rica e sutil ~- "cozinhar", "enrola.r a.


, ,
rede" -- que reflete o proprl0 clima de sutilüEc:.c de disfarce em que essa pr!
, ; , ,
tica. dificilmente controlavel de burla a usina esta envolvida, ao mesmo tempo

que protege essa prática de reinterpretação criativa pr~pria aos operários do

sentido que tem para eles o trabalho, da confissão aberta de um código fechadozyxwvu
~ I •
de um grupo social para a pr-eaer vaçao dos seus interesses. Alem d ísao , essa
-
expressao metaforica,
~
ao "domesticar"
,
o proprio trabalho designando a leseira

no trabalho com atos tão domésticos como 03 de dormir, cozinhar e mesmo estu -

dar, denota tamb~m uma confiança e gegurança do operário no seu trabalho atra-

vés da transformação das condições de trabalho adv er-eas a seu próprio favor ,c~

mo se ele estivesse "em casa" A expressão desse orgulho e dessa confiança a-

tra.v~s dessa "domestificação" do trabalho que apa.ret:êe


no discurso do operáriO

não deixa de ser assim o inverso da penetração da esfera doméstica pela esfera

do trabalho que aparece no discurso do profissionista sobre as conseqü~ncias


.110.

que pesam sobre ele e sua família das longas jornadas de trabalho.zyxwvutsrqponm
,
No entanto, para o pleno desenvolvimento da arte do remanchar, o opera _zyxwvutsrqponm
Ao

rio que opte por essa forma de resistencia como uma atitude constante, Hplane-

jade." por seu cálculo econômico dentro da fábrica, tem que escolher seções e

aparelhos mais propicios: aparelhos que exijam uma intensidade menor de traba-

lho, que tenham melhores condições de salubridade e que tenham menos investiga
-
9ao. Assim, faz parte da estrategia
,
de vida dentro da usina dos profissionia-

ta.s "espertos" a transferência para uma seção mais maneira, mais propicia à. ar
te do remanchar:
, ,
"( ..• ) Me botaram pra manobra de açucar que tem ai, pr-a descarre
,
gar do vacuo, pra turbina, pra arrear, pra amanobrar pra arrear
,
pra turbina. E ali perto do cozinhador. O cozinhador fica em
cima, né, e embaixo, onde tem aqueles, onde derruba o açúcar. Pois
fui pra. ali. Ai eu trabalhei um bocado de tempo ali. Ai quando
f~i depois, vi que não tava bom ali, que ali era uma quentura medo
nha, eu ficava todo escaldado, pedi pra sair, pra trabalhar na caia
,
deira.. Quer dizer, é da parte da fabricação, não sabe. Mas e um
,
serviço frio, mais descansado, não tem quentura. Quentura e muito
, , ,
pouca. Eu trabalho sozinho, la ninguem me manda, eu trabalho la ,
, ~ ,
faço meu serviço e tal e coisa Apois, chega la, quem vai la e o
, , ,
chefe, as vezes vai la, diz: 'Como vai, o serviço, ta tudo bom?'
'Tudo bom.! Volta. Também não me diz nada, não me diz nada. Até a
, '" ,
qui, graças a Deus, eu la vou bem, nao e. Pela parte do serviçozyxwvutsrqp
I ,
eu vou bem. Agora e uma coisa aqui, porque o ganho da gente e po~
co ." (operário do cal, na seção de fabricação)

"Aprendo a turbinar, sei que de turbineiro já foi 22 anos de turbi


neiro. E nada tenho. Terminei pedindo transferência que nao a
guentei mais. Porque o conforto não dá. A gente produz 200 saco~
250, 300 sacos por hora Ai, isso é 12 horas, Teve ocasião de a
gente largar aqui, dois homens deixar produzido 4.200 sacos de aç~
cal'. E o ganho não dá nem pra dizer assim: 'Vamos ali tomar uma
Brahma pra poder almoçar?' Não dá, que a gente não pode fazer is-
,
so. Bom, a situação que eu venho dizendo e essa. Sempre as usi -
.1 1 1 . zyxwvutsrqp

nas que eu venho trabalhandojl nem eu nem os outros, nos -


~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
000 arruma.
,
va nada.. E tudo no toco, toco mesmo. (.•. ) G?
contexto da.s fra -
se s do operário, a seguir, é o do lugar para o qual foi transferi-
do -- de preparar a lenha para as locomotivas]. Lá ainda tem uma
liberdade, não anda investigando o trabalhador, sabe como é. Ainda
tem uma certa liberdade, o homem ainda vende uma lenha pra queimar
..
um tijolo, da uma madeira, vende uma porta mais barata. Com essas
facilidades." (ex-turbineiro, cortador de lenha)

Além disso, esses profissionistas fazem do serviço mais descansado na u-

sina o complemento necessário à principalidade que dão, em sua estratégia de~

da, à utilização produtiva (para eles pr~prios) de seu tempo livre com vistas
,
, A

a sua subsistencia. Assimjl todos os profissionistas que se caracterizavam

nas entrevistas, por sua "esperteza" no trabalho, dedicavam-se enormemente a

outras atividades no seu tempo livre, como o seu roçado que era mais trabalha-

do que a m~diaJl como o "gancho" de fazer tijolos no quintal de casa e vender na

cidade ou mesmo para a pr~pria usina, como a dedicação à construção de casa


.,,, " .
propria na cidade proxima. Mas como essas atividades por conta propr1a que
<IV ~" , A

sao o proprio movel do tipo de estrategia de vida que nao ve como melhorar den
'"
tro do trabalho da usina e, portanto, o considera secundário nao independem

da permissão e de concessões da us í.nc., faz parte da própria "esperteza" do pr~

fissionista ter boas relações com os patrões. A arte do remanchar, por sua

vez, nao se torna incompatível com essas boas relações devido às suas caracte-

r1sticas sutis e de dissimulação.


~ A
Se a arte do remanchar e uma forma de resistencia passiva do profissio -

nista, à longa jornada e às condições de trabalho, ela é também uma forma de o


, • A

profissionista resistir enquanto profissionista j isto e, sem ped~ transferen-

cia para as oficinas. Outros profissionistas, geralmente por problemas de sa~

de, pedem transfer~ncia para as oficinas, porque não aguentam mais trabalhar na
.1 1 2 . zyxwvutsrqp

fabricação (24) Esse tipo de pedido de transferência, portanto, se dá em

condições extremas de impossibilidade do operário trabalhar nas condições an-

teriores. Apesar do artista de oficina ser o próprio "modelo" dos operários,

há uma certa resistência dos profissionistas em serem transferidos para a of!

cina. Primeiramente porque, tendo sido transferidos por determinação médica,

em caso extremo, esses operários são alocados em tarefas de ajudantes nas of!zyxwvut

ja que seu salario-hora permanecezyxwvu


A , "" ;
cinas e portanto tem seu salario diminuido,
, ,
constante e O numero de horas trabalhadas diminui. Alem disso, mesmo aperfe!

çoando-se em alguma arte e trabalhando como qualquer artista, a usina costuma

enrolar esse operário transferido, não reclassificando sua nova ocupação na

carteira profissional -- e, portanto, prendendo-o de certa forma nessa usina

pela esperança que ele tenha de conseguir a reclassificação almejada e não ser

rebaixado em outra usina onde for procurar emprego -- e nao equiparando seu

salário aos artistas mais antigos. P~r outro lado, o operário recém-transfe-

rido da seção de fabricação para as oficinas não é considerado pelos demais ~

perá.rios de oficina como um artista mesmo, mas um operário em fase de aprend!

zado (cf. capo I, texto vizinho às notas 12 e 13 de tal capitulo). De qual -

quer forma, a resistência do profissionista a essa transferência para a ofic!

na, apesar de lá ele ter a possibilidade de tornar-se um artista -- analoga -

(24) "'fem muitos ali [nas oficina~ que já trabalhou na moagem. Muitos já es-
tao aposentados. Mas ainda tem um bocado que eu conheço que trabalharam
em moagem e hoje trabalham em oficina. Uns são oficial, serralheiro, sol
dador, mas que, já trabalharam também que nem a gente~~...
12 horas. O operá=
"
rio quando ta prejudicado, porque nosSo estado de saude as vezes ta doen

fazer o serviço
I
, -
te e tal, vai ao médiCO, o médico diz: 'Você trabalha de noite? Tem que
,
de dia. Ai, ele tambem, o usineiro nao faz questao nao,zyxwv
I
- -
sabe como e, bota o camarada pra trabalhar de dia, em outro serviço
;
ou
~arage. Tem um que mora na rua do Mane Isidro mesmo, ele adoeceu e hoje
e vi~ia. Ele trabalhava em caldeira, e foi prejugicado com a doença e ~
je ta fora da moagem. Ainda trabalha 12 horas, ne, como vigia. Mas o ser
,
viço que prejudica mais e com a quentura. Hoje ele trabalha em serviçofo
-
ra da moagem, mas trabalha 12 horas tamb~m." (cozinhador) -
.113.

à representação do apontamento como uma ~poca ruim apesar do profissio--zyxwvutsrqponmlk


mentezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
'"
nista poder aprender alguma arte, de serventia para uma transferencia poste -
, " ,
rior -- denota que o profissionista possui um calculo economico proprio, que

ele está habituado a operar no contexto da seção de fabricação e do qual ele

não deseja ser ilexpropriadotle que se caracterizaria por uma concepção espec!
~
fica de sa1ario e tempo de trabalho.
~ ~ A ~
Alem disso, o calculo economico do profissionista, voltado para o sala -

rio e baseado na contagem do maior número de horas -- que examinaremos no pr~

ximo capitUlO contribui para a própria reprodução de uma certa estabilida-

de e legitimação das condições de trabalho na fabricação. No entanto, esse.

1egitimação tem limites no próprio esgotamento fisico e mental dos operáriOS,

no decorrer de seus anos de trabalho. Com efeito, a crença na recompensa de

salários mais elevados, diretamente proporCionais às longas jornadas de traba

lho, se configura em ilusão durante o ciclo de vida do operáriO: se, na moci-


- .-
dade, ele aguenta essas longas jornadas em funçao do salario, na sua maturidazyxwvutsrqpon
, I' ,

de, ao contrario, e principalmente quando esta proximo da aposentadoria, ele

sente no corpo todo o peso do absurdo do excesso de trabalho a que foi subme-

tido durante toda sua vida ativa (25).

Diante do esgotamento do seu corpo, o operário começa a sentir então a

(25) Então, não som~nte o absurdo do excesso de trabalho que consumiu suas for
ças, como tambem o absurdo que ~epresenta a diferença entre os anos efe-
tivamente trabalhados pelo operario e os anos de trabalho registrados na
carteira, são fortemente ressentidos:
"Parece que há um problema do trabalhador. Quando o trabalhador apo -
senta, parece que já t~ perto de morrer, quatro, cinco anos é o mais que
dura l!iSO
pres~. Alias que nessa aposentadoria de 80%, a pessoa quere~
do, se aposenta um pouco mais moço, mas essa aposent~doria integral, de
trinta e cinco anos, e de sessenta e cinco ,anos de idade, para o op~rá -
rio que luta dentro do brabo, ele quando da sessenta e cinco, ele ta be~
bem acabado. Eu ainda, pelo menos, quando eu completar trinta e cinco a-
nos de trabalho, vou estar com cinquenta e dois anos de idade, ainda tô
mais ou menos, Porque fui logo fich~do com dezoito anos, mas quem come -
çou a se fichar com vinte e cinco, com trinta, ai, a idade fica muitop~
longada dentro do trabalho." (cozinhador)
.114.zyxwvu
, ,
veracidade implacavel do ditado antropofagico que corre desde geraçoes entre
, .. /

os operar10s -- a US1na come a carne dos operarios e depois joga fora os os -

sos. Colocado diante do seu próprio esqueleto, paradoxalmente o operário aV!

lia então, retrospectivamente, a utilização dilapidatória do seu corpo e de

sua mente. E para que o observador externo perceba um pouco do peso desse ab

surdo, nada melhor que as palavras desse operáriO sisifo caminhando/refletin-

do novamente em direção à sua pedra:

"Foguista trabalha 24 horas, É 24 horas. E logo no começo quando


eu peguei a trabalhar, era mais de 24. Mais de 24. POrque quando
eu peguei a trabalhar, tinha dias que não tinha muda Não tinhamu
da, a gente dobrava Era dif1cil arrumar uma pessoa pra mudar. De
pois foi que ele controlou as mudas. O serviço foi imprensando ,
eu não aguentava. Ai ele botou duas turmas. Trabalha 24, pega h~
je às 6 horas, larga amanhã às 6 horas. O outro pegava. Mas q~
do eu peguei a trabalhar, tinha ocasião de dobrar, Trabalhava 36,
48"
,
Como e que aguentava?
,
A pulso, Porque tinha que aguentar. E pra hoje em dia es -
tar prejudicado da cabeça, da vista, e de tudo. Bate la" e os ho
mens nao querem aceitar, querem que a gente vá trabalhar. O? in -
formante tem licença de saúde dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
INFS]. O senhor acredita, tem
~
noites que eu nao posso dormir, A vista, eu olho assim e salta a-
,
que1as candeias dos olhos. E o fogo e o sono, de tanto aguentar
com o sono. Que não é brincadeira a pessoa trabalhar 360 Olhe, a
gente trabalha 24, quando larga no outro dia, larga doido. Larga
,
doido. Quanto mais trabalhando 36. Agora a gente chega Ia, conta
a eles [?s patrões, a administração da usin~ e eles ainda vem bo-
tar dificuldade, porque "ainda pode trabaJ..har",pode trabalhar mais
coisa nenhuma, senhor. A pessoa não tá vendo que a pessoa traba -
lhou 25 anos, numa boca de fogo, 24 horas cerrado, sem dormir, sem
pregar o olho, de estar assim e ouvir aquele apito: Pi! O cabra
só faz: tome-cana-pra-esteira, tome-cana-pra-esteira, tome-cana-Ira
-esteira ~mitando o barulho ritmado do tre~. Quando tá cochila~
do: 'Ei, rapaz, você tá cochilando, cuidado que o chefe está ai. I
.115.

Ai pronto, quando amanhecia o dia, vinha pela estrada que vinha en


gatinhando. Quando bate num lugar desses ~ administração da usi-
na, ou o INffi]: 'Não, você ainda pode trabalhar.' Pode trabalhar
coisa nenhuma. Eu vivo prejudicado da cabeça. É uma dor de cabe-
ça cerrada. t.esta , Tem ocasião que eu ain-
Aquela agonia aqui nazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
da durmo bem; tem ocasião que tão ruim, que na acareaçao com os m~
ninas me d~ vontade de matar menino, me d~ vontade de matar mulhe~
me dá vontade de matar tudo. E as mãos, bota assim, os dedos, fi-
ca tremendo assim, o~1e) tá vendo? É nervos. Não tenho mais ner-
vo. (... ) E na época do apontamento, tem ocasião que a gente fazzyxwvutsrqpo
,.." 1 ';

serao tambem. Quando ta perto de moer, dobra. O homem ta vexado,zyxwvutsrq


,
tem que terminar o apontamento, ai enfrenta pro camarada fazer se-
rão. (.•. ) E não tenho mais nervo. T~, você num lugar daqueles:
'Ah , você ainda vai trabalhar.' Trabalhar mais coisa nenhuma, não. ti
(foguista de locomotiva)

No entanto, a reflexao - "


do operario-sisifo tal como o mito -- sobre o

absurdo do seu trabalho, não deixa de ressaltar a sua própria dignidade. As-

sim também o orgulho do operário -- expresso sob a forma do veículo cultural


, ,
popular adequado, que e a arte da glosa -- revela a face contraditoria desse

processo absurdo, revertendo-o em uma resistência digna, através do seu traba


,
lho auto-vabrizado, contra a propr í.a morte:

"zé Amara na boca do fogo, trabalhou e mio morreu. É um mote bom


danado. zé Amaro na boca do fogo, trabalhou e não morreu.
De quando começou esse jogo
Pra tirar meu desengano
Tou com vinte e cinco anos
zé Amara na boca do fogo.
(pausa)
-
Agora tou velho e nao tou novo
Em cima no coliseu,
Ningu~m faz mais do que eu.
Coberto com a virtude
E tendo um tiquinho de saúde
Trabalhou e não morreu." (foguista de locomotiva)
,116.zyxwvutsrqpo

CAPÍTULO 111

O "FETICHISMO" DO SALÁRIO E SUAS REVE~ÇÕES

No exame da questão da enorme jornada de trabalho da usina e suas conse -

qUências sobre os operários, feita no capitulo anterior, a configuração de uma

lacuna aparece várias vezes no processo de exposição: a concepção do oper&rio

com relação ao salário e ao tempo de trabalho, o qual leva em conta as diver -

sas práticas da administração da usina com relação ao pagamento de salárioszyxwvuts


;
Neste capitulo, procuraremos preencher essa lacuna examinando a concepçao
- do
, "'-
salario que tem diferencialmente profíssionistas e artistas.

Essa diferenciação manifesta-se à primeira vista J quando do exame dozyxwvutsrqponmlkj


dis-

curso dessas duas categorias de operáriOS sobre o salário, através da designa-

ção do salário por termos diferentes. Com efeito, se o termo ganho aparecem~

to mais no discurso dos profissionistas para designar o salário, no discurso

dos artistas é o termo ordenado que mais aparece. Também o termo salário é u-

tilizadoJ mas em alguns contextos ele tem um significado mais especifico que o

usual, designando elipticamente o salário-mínimo. Como o salário dos operári-

os efetivamente gira em torno do salário-minimo, as categorias ganho e ordena-

do referem-se à maneira especifica em que profissionistas e artistas superam


; /

semanalmente esse marco do salario-minimo. E assim, a categoria ganho parece

referir-se mais ao montante do salário semanal enquanto a categoria ordenado~

rece chamar atenção para a fixação do salário-horário. O conte~do dessa dife-

renciação de categorias que sugere concepções diferenci.ai.s de salário por ar -

tis tas e profissionistas só poderá ganhar corpo através do exame dessas conceE

ções elas mesmas.


.117.

1. A Concepção do Salário pelos Profissionistaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcba


, , ,
Conforme ja vimos, as lutas efetuadas pelos operarias em fins da deca.da.

de 30 e começo da década de 40 -- apoiados pela recém-promulgada legislaçãot~

balhista e pela política de sindicalização do governo -- visando a abolição da

diária e sua substituição pelo pagamento do salário referido a uma jornada de


, A ,
trabalho contabilizada em horas, solidificaram o calculo economico dos opera -
, ,
rios baseado no salario horario. No entanto, os resultados dessa luta foram

diversos para artistas e para profissionistas: enquanto os primeiros lutaram~

sando a diminuição da jornada de trabalho e a conseqilente valorização das ho -

ras extraordinárias7 os segundos lutaram de maneira induz ida , pela efetivação

extensiva do pagamento de horas extras também para eles Assim, aos profissio

nistas não foi possivel reivindicar a diminuição da jornada de trabalho. O que

concorreu para essa impossibilidade? Talvez essa impossibilidade de reivindi-

à pr~pria resist~ncia que oferecem os profissionistas


cação esteja ligadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA a. se

rem transferidos para as oficinas ou outras seções que não a da fabricação; re


r.. ,.., ,
sistencia esta que auxiliada pelas proprias tecnicas atenuadoras possuidas pe-

10s operáriOS das duras condições de trabalho, tais como a "arte do z-emanchar-",

denota a pr~pria especificidade do cálculo econ8mico do profissionista.

a) O "Fetichismo" do Salário-Hora

Apesar do sofrimento causado pela enorme jornada e pelas condições de tra

balho, o profissionista justifica sua permanênCia na moagem através da vincul~

ção do seu salário ao tempo de trabalho dispendido. Banhado pelO peso cotidi~

no dessas condições de trabalho, ao invés de dissociar o aspecto favorável do

salário do aspecto desfavorável da jornada de trabalho e perceber assim o car~

ter contraditório e de circulo vicioDO de seu cálculo econ8mico -- como pode -


,
ria pensar um observador externo --, o profissionista percebe ao contrario su-

as condições de trabalho como constitutivas de sua própria categoria e assim


.118.zyxwvutsrqp

Quanto maior a jornada de trabalho, maior o sala


/
de certa forma justificadas.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS

rio, este o aparente tru:Í.smoque sustenta o cálculo econômico do profissionis-


••••• ,..., ~ A

ta no seu trabalho. No entanto, essa. visao nao e homogenea mesmo entre os pr2,

fissionistas e serventes e está sujeita a discordâncias internas como apareee

no diálogo a seguir, em que o aparente conformismo justificador do foguista. s~


;

bre o salario na moagem contrasta com o verdadeiro libelo que ele faz contrasuzyxwvutsrqpo

as condições de trabalho e que finalizam o capitulO lI.


11
(Pesquisador )\:Qual a melhor profissão dentro da usina pra tra-
balhar?
(Foguista): Ah, o senhor acredite que eu nem sei responder. Pc!
,
que tem muitas. Tem muita ruim e tem muita boa, ne. Tem muita
boa e tem muita ruim.
(Vizinho, servente): Torneiro.
(Foguista): É. Torneiro, ferreiro, ferreiro nao, caldeireiro .•
(Vizinho): Modelador.
(Foguista): É, sao ess~s profissão melhor.
(Pesquisador): Porque, por causa do horário?
(Foguista): É, por causa do preço, por causa. do ordenado, é,
tudo ••.
(Vizinho, respondendo simultaneamente ao pesquisador e ao fo
guista): Não, ê, eles só fazem 8 horas né, e depois tem o orde-
nado também.
(Foguista): É tudo, eles tem mais liberdade.
(Pesquisador): E na moagem?
(Foguista): É mais pesado, mas sobre o ganho ~ melhor. O se
nhor sabe, quer dizer que o serviço aumentou, mas aumentou o g~
nho, nê?
(Pesquisador): E compensa?
(Foguista): O senhor sabe que tudo pro pobre, o que der pra ele
recompensa. O pobre, tudo que der pra ele recompensa. Porque
se ele ganhar 30 contos, é aquele mesmo, se ganhar 20, é aquele
mesmo, onde é que ele vai ver mais? Né? Agora, dizer que hoje
; ;

em dia pra gente que é pobre, nada chega, nada dá Tudo so da


mesmo pro rico e pronto o "
"Sobre o ganho, é melhor: o serviço aumentou mas aumen-
~ moage~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tou o ganho."

Assim, os profissionistas pensam a vinculação, para eles indissociável ,

entre salário e horas de trabalho(l). Todo o discurso dos profissionistaszyxwvutsrqponmlkji


so-

bre a dureza de suas condições de trabalho parece emudecer-se diante desta vin

culação que privilegia o salário: os profissionistas parecem não colocar na ba.

lança o salário por oposição ao esforço dispendido durante a jornada de trab&-

lho. Todo esforço marginal é compensatório. Há assim, por outro lado, uma dia

sociação entre o discurso do profissionista sobre a insalubridade, a periculo.

sidade e a. duração excessiva do seu trabalho e o seu discurso sobre o salário.

Esses dois discursos se dão em contextos diversos. E dessa diversidadezyxwvutsrqponmlkji


d e eon

texto pode-se pensar que o discurso do profissionista seria contradit~rio,zyxwvutsrqponmlk


.em

que diaso ele se apercebesse: se a longa duração de sua jornada é uma causa de
seu sofrimento> porque então iludir-se diante de um salário-hora marginal que

torna-se cada vez mais desproporcional ao esforço marginal requerido? Esse de

sequillbrio entre salário marginal e esforço marginal configuraria} entre OS

profissionistas, um certo fetichismo do salário-hora. Nesse sentido,existiria


A /
uma tendencia, na pratica dos contadores de horas, a que a ~ deixe de ser uzyxwvu
/

ma medida de tempo -- tempo em que um determinado esforço e utilizado

se a significar simplesmente uma medida do salário.

Esse 'fetichismo do salário-hora I, e essa metamorfose da hora, que passa

de unidade de medida do tempo a unidade de medida do salário, são reforçados p~

la própria prática da acministração da usina de transformar adicionais de salá

rio não vinculados a uma prolongação da jornada de trabalho, no pagamento de

(1) !IAgente deixa a sa~de na usina porque a gente trabalha muito, sempre os
serviços são mais de 12 horas. E o camarada s6 trabalhando 12 horas mesmo,
é melhor do que quem trabalha 80 Porque o ganho é maior." (esquenta-caldo)
.120

ma.is algumas (2)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


"horas'; semanaiszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
< Essa prática da usina muitas vezes consis-

te em evitar o pagamento por produção ou por empreitada, quando há. necessidade

de aumentar a intensidade do trabalho. A administração da usina tenta limitar

assim a concessão de empreitadas apenas a alguns serviços pr~prios aos artis ~

tas de oficina mais indispensáveis, tais como o caldeireiro ou o serralheiro,


(3 )
e isso ocorre mais durante o aporrtamerrto Essa prática transforma assim o

que seria o pagamento de uma maior intensidade necessária do trabalho, no pag~

(2) Durante uma determinada época, a administração de uma determinada usinaten


tou economizar o emprego de serventes, em, geral menores, que faziam o ser-
-
viço de transporte de baga~o,
, caldo
, e açucar d03 diversos aparelhos da fa-
bricaçao levando-os ate o laboratorio para o serviço de controle de quali-
dade. A administração incumbiu os "analistas de laborat~rioli - aplicadores
de receitas
, de reações qu{micas . que muitas vezes não se diferenciam dos
operarios, ganham menos que o cozinhador e contam hora, trabalhando 12 ho-
ras - de fazerem o transporte entre uma reaçao quimica e outra, mas elesre
cusaram. A administração então incumbiu a alguns serventes e a alguns pro-=
fissionistas de trabalho menos intenso, que t.ranapcr taasem as amostras de
material nos intervalos livres que alguns aparelhos deixam aos seus opera-
dores. E prometeu pagar mais algumas "horas semanais por esse serviço que
i,

intensificou o trabalho desses profissionistas. Estes aceitaram devido a


essas horas a mais, mas pcsterio~mente esse procedimegto foi abandonado e
voltaram os serventes de laboratorio. Nesse exemplo, e evidente que as "ho
ras ' ganhas por transportar amcs+r-ae não correspcndem a nenhum tempo extrã
no trabalho, mas sim a uma intensidade maior do trabalho, a uma diminuição
dos "poros da j ornada de trabalho. Também determinados serviços de limpe-
li

za de máquinas, aos domingoR, quando a usina pára a fim de ser liretocada",


são pagos por "hora", evã tando-ae a empreitada.

Um determinado gerente em uma determi~ada


, usina costumava pagar os pinto -
res -- que retocavam durante o periodo de moagQm as casas onde moram empre
gados e operários, pertencentes à usina -- por produção, estipulando a pri
ori o preço de cada serviço de pintura e de cada casa pintada entregue.Com
isso ele conseguia uma maior intensidade do trabalho devido ao , interesse
dos pintores na sua prOdutividade. Esse gerente foi substituido e a nova
administração) dese,jando limitar o uso da empreitada, ao estritamente neces
sár í.o, transformou em um primeiro momento °
pagament.o por produção dos pin
tores no pagamento por hora trabalhada, acrescentando algumas "horas" ã
mais que correspondiam à prod~ti~idade dos pintor)s, Pois ,o preço dos ser-
viços no pagamento por produçao e superior ao oalario-horario dos pintores,
correspondente ao salário minimo. Posteriormente essa administração come -
çou a exigir dos pintores que essas "horas n que Lhea eram c·oncedidas passes
sem a ser efetivamente
A trabalhadas. E assim os pintores perderam progressI_
vamente seu premio de produtividade em "horas", resultante de um antigo pa
gamento por produção, Essas 'horas" fict{cias, pagas em adicional, serviram
de t~ansição suavizante ao salári9 por temP9 puro e sim~les que a adminis-
traçao deseja submeter ao maior numero possivel de operarios.
.121.zyxwvutsrqpo

mento de uma maior extensividade "


fictícia do trabalho, e a categoria "hora"

perde sua relação habitual com o tempo. Assim, a prática intencional da usina

tem por objetivo manter os operários sob a depend~ncia do pagamento do salário

por tempo, de tal forma que prefere recorrer a ficções do tipo aqui descrito~

ra adequar suas necessidades de maior intensidade do trabalho.

o fascinio e a ânsia dos profissionistas pelo salário se manifestava tam

bém para o pesquisador, quando perguntados sobre por que razao não reivindica-

vam a jornada de trabalho de oito horas com mais um turno de trabalho. Azyxwvutsrqponm
res-

posta dos profissionistas afirmava que assim seu salário seria inevitavelmente
-
"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
diminuido, em decorrencia da diminuiçao das horas trabalhadas.
/\
O que deixava

o pesquisador a refletir consigo mesmo porque os profissionistas não pensavam

em reivindicar uma jornada de trabalho menor com o mesmo salário, isto é, com

um aumento do salário-horário, já que ele não obtinha uma resposta dos operá -

rios que lhe parecesse explícita (4). E essa resposta dos profissionistas lhe

parecia tanto mais enigmática quanto o pesquisador a comparava com seu discur-

so sobre o sofrimento causado pelas longas horas de trabalho.

Um principio de desvendamento do enigma do tlfetichismo do salário-hora !1

~ ~ ~ ~
pode ser encontrado na propria insistencia e enfase do discurso dos operarias
A ,
sobre a insuficiencia do seu salario, que os submete a um permanente estado de

privação, "Agora, hoje em dia, pra gente que e" pobre nada chega, nada da.
" Tu

(4)Ainda mais que nessa usina OS cozinhadores tendo reivindicado, durante uma
mudança de administração, aumento salarial, o gerente ao invés disso conce
deu que uma parte dos cozinhadores, que trabalham nos vácuos "de terceira~
-- existem os cozinhadores "de primeira"y que transformam o mel em xarope
pronto a. ser mandado para as t.urbí.naaj e os "de terceira" que recebem o xa
rope restante de volta das turbinas e dão um novo cozimento, só então envI
ando o novo xarope às turbinas -- trabalhassem em 3 turnos de 8 horas, sem
diminuição de sal~rio. Além disso, eles passariam a ser semanalistas e nao
mais horista.s. As condições de trabalho desses cozinhadores melhoraram sen
sivelmente, Assim, nessa usina existe o precedente concreto da. jornada de
8 horas para alguns profissionistas. Por que não reivindicar a extensãodes
#

se "privilegio"?
.122.zyxwvutsrqpon

do so d~ mesmo pro rico e pronto" Tendo a sua subsistência e a de sua fami -

lia ameaçada pelos baixos sal~rios que pe~cebeJ como pode o operQrio deixar de
A /
enfatizar em seu discurso a insuficiencia dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
sa.Lar-Lo e 00 sua. disposição em tr~

ba Ihar mais e maís horas ex tz-as par a a.Lcança.r a subsistência que o pagamento da

j ornada legal de tr2-balho lhe nega ? (5)


, A

Com efeito, o dd.s cuz-so dos oper-ar-Los sobre a sua aubc Lst enc La nos faz du

vidar do cari.ter ing~nuo do aparente "fetichi2mo do salário-hora que descreve

mos acima. Esse aparente fetichiemo ao nivel do discurso pede pa radoxa lment.e

exprimir um conhec lmento intuitivo e Lncor-poz-ado das condições reais do merca-

do de trabalho e da co~relação de forç?.0 com a administre,ção da usina, parado-

xo para o qual um obs ez-vedcr ext.erno , afeito ao f'orma.Lí.smo lógico e discursi-

vo, poderia estar pouco atento. Esse conhecimento int2~ic~izado, que se expr!
, ,
me nas atitudes e na pra t.Lca cot.Ld.í.ana dos opez-ar-Los mS,J5 do que na clareza e

na coerência formal de seu discurso, rc:':'er0~se a determ:L'1C'c2,G


condições e cons

trangimsmto8 obj etrivoa O::it2:0in::cridcs para ganhar-em sua

subsistência.

Um primeiro con:::tr2.:1:;:'i.m:.:nto
envo.lvendo 03 p::~ofi38j_oniEta~: refere-se ao

uma det.ermânada concopçe.o que 212:3 t=:'] de 2eu trab2.lho. E~i82, concepção, por
,
sua vez, e ostroit~~2=te lj
A ,
se veem com relf',çe,o 2,0", a::'-c:l.E,tr·s -~. ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p::- :::,1':5.0 modelo dos
0:3 qU?,Ü;zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
T:)::::"C ;-;"m to,m

operá:rioc (cf'. Cc.p. I). Cc:r.2fdto, desp~:'O'Jido 'la c.rt e '? c.:::''1 c[l,racteristicas

do fazer do a::-tista, o profissioniflta n2:0 tem nenhura produção tsngivel.. onde


, ,
ele reconheça r3U8, .p2,rticip:1,ção individuel pr-opr La, 8, lhe justificar aeu sala -

fi Olhe.. hOj e já tem muita gente qU8 va l em casa r:ó pra ir e voLta::, [para o
trabalho na, u8ina] CheGa em caca , beta aquele punhad Lnho da ferinhã na bo
o

ca , vira. ['virã.r~
!I :; "dobr'e.r " = c:;:J.tinuar t.raba'Lhando no hor~J~:Lado outrõ
turno, depof.s de ja t er cumpzLdo seu horário norma:g. (esquente,-caldo)
.123,zyxwvuts
J ,

rio. Ao contrario, verdadeiro vigia da m~quina, o profissionista tende a jus-

tificar seu salário pelo grande n~mero de horas em que exerce o trato e a vig!

lância do material do homem. Embora essa função necessite da qualidade de res

ponsabilidade exigida do profissionista, é comp9nsada pelo seu


essa qualidadezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

aproveitamento no apontamento, pelo seu emprego fixo e pelas concessões extra-zyxwvu


, ;

monetarias dele decorrentes. Mas quanto ao salario, como esse, E..::s~.::.nsabilida-

de se atualiza pela depend~ncia à máquina, por operações auxiliares no seu f~


A _ _ /

cionamento, ou por sua simples vigilancia -- operaçoes estas nao suscetiveisde


~ ~ /

serem intensificadas pelo trabalhador a nao ser pela cadencia ma í.s rap'í.da da
/ " " ,
maquina -- essa responsabilidade 30 e compensada pelo salario que a extensivi-
,
dade do tempo em que ela atua dá. direito. Colocado diante do 2l"t:Lsta,o pr o -

prio modelo dos operáriOS, orgulhoso de sua arte e de sua produçso tangivel,ao

profissionista só resta o orgulho da resist~ncia às longas horas trabalhadas ,

maneira pela qual garante de alguma forma o sustento da casa. Orgu~ho esse

que, ressaltando a dureza e a monotonia do seu trabalho, traz tr,mbém uma recla

mação implicita quanto às condições de trabalho. Assim, S~m pcccr jUDtificar


, ~ J

o valor do seu trabalho para a usina atraves de sua produçao tl'mgivel,como faz

a concepção do salá,rio que tem o artista, o profissionista c,pegC1<s, 8,1~m da

respon88:.~~ no trato do material do homem, à sua inserção no r egãme de

"urgenc ia ", que já vimes cat-act.erÍat.Lco da produção sazonal da ua i.na , r,uportaE:,

do a sua longa jorna.da de trabalho no ciclo anual maior de pro;~uç2:'J.

Consciente de seu lugar "pos í.c Lona.L" com relação ao articG2" o profissi~

nista distingue no seu discurso, como vemos no trecho de entrcv:L,;t;e,


citado aci
J

ma em que o foguista dialoga com seu vizinho, as categorias l'ef,':"2nteBg,Osala


, ,
rio propr ías ao artista -- o preço da hora" o ordenado -- e a C8.,tcp;oriapropr!

a ao profiDsionista: o ganho. E assim, apesar da superioridade reconhecida das

profissões de artista -- que se sobregsai em tal trecho da entrevif'ta -- em


.124.zyxwvutsrqponmlkjihgfedc
•.
que o ordenado e um dentre OS elementos quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
compoem essa superioridade, o pro-

fissionista privilegia à possi-


a lógica do ganho e o que ela implica: o apegozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY

bilidade de transformar a acumulação de horas t.rabat.hadas em um salário sema -


,
nal que supera, em certas partes do ano e as custas de longas jornadas de tra-
,
balho, °
salario semanal de muitos artistas, embora cem a contrapartida da di-

minuição brusca do salário semanal em outras partes do ano.

Única maneira imediata de aumentar o salário semanal dos profissionista~

as longas horas trabalhadas são também o reverso da medalha do períOdO do ~po~


, A'
tamento, "epoca ruim", em que a subsistencia do operario se contrai. Assim ,
um segundo constrangimento impõe aos profissionistas as longas jornadas de tr~

balho como mal menor: a sua inserção nos ciclos sazonais de produção caracte~

ticos deste tipo de indústria rural. Com efeito, a sazonalidade da produção do

açúcar submete os operários à sazonalidade


de sua própria 8ubsizt~ncia.
, •. ,
Durante a epoca da moagem, o profissionista ganha um salario diario cor-

respondente a 12 horas de trabalho, sendo que 8 horas corre3pondentes à taxa

salarial ·normal" paga à categoria salarial em que a administração lhe enqua -


dra, e 4 horas "extraszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
super í.or-esem 2010 as horas "normais". Durante o apon-
.I '

tamento, no entanto, o profissionista ganha um salário diário correspondente a

8 horas "normais". Ele v~ seu salário diminuir, assim, de metade (além da di-

minuição em 30% correspondente à diminuiç~o de horas, ele ainda deixa de perc~


ber os 20% de adicional
•.
devido por essas horas subtraidas)
-
que sao justamente

as horas "extras") e mesmo mais, pois em muitas ocasiõ'2s, por falta de muda ou
A ~ ,
urgencia da fabricaçao, o profissionista e levado a trabalhar mais de 12 horas

consecutivas (6) ou trabalhar também no domingo. O niv~l de subsist~ncia do

(6 ) " Passou de 56 horas @emanais; o informante refere-se às 48


( • o ) horas
normais, acrescentando-se as horas correspondentes ao repouso remuneradol
já é hora extra. Muitos faz 20 ou 30 horas extra. Agora, depois de 72 hÕ:
ras l}lemanaiSJ a gente tem a hora sobre-extra t.ambcm. Por hí.pot ese , eu ga-
.125· zyxwv
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
prófissionista retrai-se brutalmente na epoca de entre-safra E como a j orna-

da de trabalho de 12 horas, da seção de fabricação, é a jornada normal durante

a maior parte do ano, a própria fixação das taxas salariais horárias tem por

base essa jornada de 12 horas, na qual o operáriO tem por contrapartida o salá
/'.

rio de sua subsistencia normal Assim, o salário percebido pelo profissionis-

ta no apontamento, correspondente a 8 horas mas à mesma taxa salarial horária


, , /'.

pre-fixada para uma jornada normal de 12, faz comprimir o nivel de subsisten _zyxwv
I

cia do operario para abaixo do normal c

Vejamos a coisa de outra maneira Na jornada normal de trabalho de 12

horas, a administração da usina extrai dos operáriOS uma determinada quantida-

de de sobre-trabalho, resultante da diferença entre o valor do produto, produ-

zido pela utilização da força de trabalho do operáriO, e o valor de sua força

de trabalho pago sob a forma de salário" ASSim, em cada jornada de trabalho,o


, ,
operario e capaz de prOduzir em um tempo menor que as 12 horas, o equivalente

em valor, corporificado no produto, do que ele recebe como salário. Essa rela

ção entre o tempo que reproduz o valor equivalente ao salário e o tempo total

da jornada de trabalho, pode ser vista como repetindo-se proporcionalmente ao

nivel de cada hora de trabalho, Com efeito, em cada hora de trabalho, uma pa!

te pode ser vista como reproduzindo o valor equivalente ao salário e a outra

parte como equivalente ao aobr-e-Eraba'lho . Ora, essa proporção contida dentro

de cada hora de trabalho, entre o tempo que cor-r-esponde ao valor equivalente ao


, ,
salario e o tempo que correr:ponde ao valor equivalente ao sobre-trabalho, e fi

nho um conto de réis na hora oficial,


, não é, na hora extra um conto e 200,
na hora sobre-extra parece que e um conto 250 ou uma coisinha assim", (so!
dador)
11 ( E hora sobre-extra é 1.250 [1, cruzeiro e vinte e cinco centavosJ,
••• )

ganha mais 5% que a extra Sobre-extra e dia de domingo E extra eu faço


no meio da semana, eu faço 24 horas extra. É só mil e duzentos. E depois de
24 (!1or~s-extr~ que ~ o domingo, é 1.250, aumenta mais 5%.1; (analista de
Labora torio )
.126.zyxwvutsrqpo

Xâ.dê.L evanão-s e em conta. a j ornada de trabalho normal, de 12 horas. Mas esse.

proporçào contida dentro de cada hora. de trabalho permanece a mesmapor ocasi-

ão da entre-safra, quando a jornada de trabalho reduz-se para 8 horas. E en -

tão o valor equivalente ao salário, obedecando à proporção contida em cada ho-

ra de trabalho, é multiplicado por 8 e não porzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK


12, o que faz com que o salá.rio

diário diminua em 30% (e levando-se em conta que eG~as horas suprimidas eram

horas extras, essa diminuição atinge oS 50%). Essa redução da jornada, para

os profissionistas, cor-r es ponde à diminuição ('.3.. atividade programada para. eles

pela administração da us ina durante o aporrtamen to, quando então, cessada sua ~

tividade anual principal de operador de máquina, o ;>~:of'ir.zi::mistaé aprovet ta-

do comoajudante dos artistas. M3..S se as necessidades êie trabalho por parte da

usina diminuem durante a entre~safra, as necessidac2s de subsistência dos ope-

rários permanecemas mesmas. E entso ocorre um descompa28opor um lado entre

as necessidades de subsistência dos operáriOS J que par-a serem satisfeitas da ~

neíz-a costumeira pressupõem uma jcrnada de trabalho d2 12 hozas , e a duração

da jornada de trabalho da 2:J.· cre-safl a, cuj o menor


n
numer-o ele horas é um multi -
A

plicador insuficiente do preço da hora. de t.rabal.ho p.:~'areproduzir a subsisten


/ / ~ ~
cia normal do operario, pr-eço es t.e qU2 e LnvarLaveI no G2COrrer do ano e que e

estabelecido em função de, jor~:.ada de 12 hC1'2,8. Comefeito, o preço da hora de

trabalho é estabelecido pelo r esuê.tado da fração: va.Lor diB:rio da força de tra

ba Iho -:- jornada de trabalho de um c.ado numer-o de h0:"23 (isto ~, a jornada de

trabalho normal). E::;sa fração deixa de ter senti0.-::J (~ut,ndoa jo:'nada de t.raba-

lho diminui, não contendo mais as hOI'8/jc.2. jcrn2.da de t:~::f:Jalhonormal, que sao

o denominador da fração. Toco o prcb Lema p:;;tá em CLt:.ê0 DO cálculo do salário-ho

rá.rio, devido à situação dcnf'avoráve, pu.Ta 08 opcTário::;J zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS


do mercado de traba -

lho, a administração da usina ja paga um minimo, corr(~:lpondente ao nivel nor

mal de subsistência vegctativc. desse gTupOsocir,ü, incluindo o trabalho relatl


·127.zyxwvutsrqpo
~
vo as horas "extra" que de fato sao "normais". Embora no apontamento a admi -

nistre.ção esteja cumprd.ndo com a jornada legal de trabalho de 48 horas sema

naia, ele não deixa de estar pagando abaixo do nível de subsistência normal

dos operários, levando-se em conta a própria fixação do salário normal dos pr2

fissionistas 12 horas diárias da safra (7). Se esse "salário nor


com base naszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

mal", da safra, é superior ao salário-mínimo legal devido ao grande numero de

horas trabalhadas, deve-se atentar para as despesas maiores em alimentação e


,
saúde devido ao grande desgaste físico decorrente da grande jornada. A propr,!

a "facilidade" aparente que têm os operários em se receitarem e ficarem deven-

do remédios à usina mantém um desconto permanente na folha de salários com re-

lação às despesas de sa~de (8) Deve-se levar em conta aqui a tendência que
~ ,
tivemos oportunidade de observar no capitulo anterior, de que quanto maior e o
, ;

numero de horas consecutivas em que um esforço de trabalho e dispendido, menor

será a capacidade de recuperação do trabalhador em suas horas livres de igual

ou menor duração que seu tempo de trabalho. A queda do nível salarial para o

mlnimo legal estrito vem então consagrar o desequilibrio no orçamento anual

(7) Por outro lado, o fato de estar pagando as horas da jornada de trabalho le
gal ~ue, somando-se o repo~so remunerado às 4§ horas semanais,corresponde
ao pagamento de 56 horas' ~
nao atenua a afirmaçao deA; que OS salarios da en~
tre-safra comprimem , para baixo do normal a subsistencia dos operarios, vis
;

to que o salario-minimo legal, na conjuntura atual, comprovadamente nao


cor-responde a um nivel de subsistência normal em que a força de trabalho a
tiva possa reproduzir-se fisicamente enquanto tal.

(8) "C}uando a gente tem uma necessidade de viajar, a gente vem aqui ,chorar no~
pes do gerente pra arrumar 10 contos ou 15, pra poder viajar. Ai quando e
• A
no f1m da semana, ele desconta. Desconta de duas vezes, desconta de tres •
E eu penso que mais ou menos uma média de 70 a 80% ai não tem que não deva
ai no escritório. Q,ue quando o camarada não tira dinheiro, mas ,reve remédio.
Porque aqui eles assinam a receita e a gente vai comprar o remedio na rua.
Ai quando a ~ente menos espera vem aquele desconto maior. É o remédiO, que
doença aqui e m'llita." (esquenta-caldo)
.128.

dos oper~rios.

DesSa forma, durante o apontamento, com sua redução no numero de horas

trabalhadas devido às necessidades menores de trabalho na usina, se a extração

do sobre-trabalho apropriado pela usina continua aruesma, de maneira relativa,

a apropriação à sua subsist~ncia dimi-


pelos operários do valor correspondentezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

nui de maneira absoluta.

Assim, se no capitulo anterior pudemos observar, atrav~s do discurso dos

operários, o sofrimento decorrente da enorme jornada de trabalho que pesa so -

bre eles, constatamos aqui inversamente o sofrimento decorrente do n~ero insu

ficiente de horas trabalhadas na entre-safra, acarretando a contração ciclica

anual do n1ve1 de subsistência. A produção ciclica da usina impoe assim ao o-


, ~ A
perario a combinaçao do excesso de trabalho na safra e da insuficiencia de ati

vidade e portanto de remuneração na entre-safra. E como no período do aponta-

mento, embora sujeito à mesma proporção de sobre-trabalho extraído por hora,

mas com um menor esforço dispendido durante a jornada, o profissionista não al

cança o nivel absoluto de subsistência ao qual est~ habituado na safra, esse

periodo ~ visto como o mais desfavor~vel (9). O periodo de moagem -- embora~


tão a usina extraia uma quantidade de sobre-trabalho maior do oper~rio, e que

se manifesta para ele no excesso de esforço dispendido -- é ,


visto, portantozyxwvutsrq

"Q,uando bate a ~poca do apontamento (•.. ) a gente fica em cima de oito ho-
ras. Aquelas oito horas não dá p ra gente se manter. Quando a gente larga de
quatro e meia, se enfinca nas beiras do rio, plantar uma oacaxeira, plan -
tar uma batata
,,'
r ••• ) Outros vai pra mata
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
_, ,
ca~ar
'S
um bicho pra matar e comer
mais a familia. O ganho nao da. (... ) E aquelas oito horazinhas, lambendo,
aquelas oito horas. Aquela situação diffcil. Sabe como ~? Situação precá -
ria mesmo. Teve ocasião aqui de eu chegar em casa e ficar quase que nem doi
do. (••• ) Às vezes não tem nem quem dê café à garotada, eu chego ali na ven
da: 'Me de mil cruzeiros ge pao.' Fica Ia noNpendura, sabe com9 e? Aquela
A _" ~_

conta vai se encostando la. (••• ) E a situaçao do trabalhador e, como eu


lhe digo, e" de pior a pior. Nos pede a Deus quando a usina moe, sabe como
, , , A./
;

e? E quando chega a epoca de receber o decimo terceiro mes, nos ja tem co-
mido ele. Já tem comido ele e j~ tem pedido de adiantado." (turbineiro)
.129·zyxwvu
, "
como mal menor, pois pelo menos um nivel de subsistencia superior em termos ab

é mantido.
solutoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Mas se o trabalho sazonal que a produção da usina impoe aos operários im


J A
p1ica na sazonalidade de sua propria subsistencia, condenando-os a suportarem
~ .-
uma longa jornada de trabalho como mal menor diante da retraçao ciclica normal

"
de sua subsistencia, " na ameaça de desem -
esse trabalho sazonal implica tambem

prego sazonal que ronda o profissionista. E é essa ameaça que está por detrás

de outra manifestação, aparentemente paradoxal, do "fetichismo do salário-horEi'

dos profissionistas: o medo que uma redução de sua jornada de trabalho venha

lhe trazer preju{zos ainda maiores do que a atual dilapidação de suas forças~

las longas horas trabalhadas.


,
Partindo do espanto do pesquisador diante de uma formulação dos opera ...
, ,
rios sobre o salario aparentemente contraditorio com seu discurso sobre a lon-

ga jornada de trabalho, pudemos, ao explorarmos o contexto em que essa formula

ção vinha inserida, chegar aos constrangimentos objetivos que explicam aquela

formulação, e para os quais ela apontava elipticamente desde o inicio, à reve-

lia da percepção do pesquisador. Assim também, diante de um pesquí.sador intri

gado pela não percepção dos oper~rios da importância da reivindicação de uma

jornada de trabalho menor com salário igual, os operáriOS respondiam que então

ganhariam menoS porque trabalhariam menos horas, sem deixar de ficarem intrig~

dos pela não percepção por parte do pesquisador da inviabilidade de suazyxwvutsrqponmlkjih


prop~

~ , A

ta. E assim, enquanto o pes quãeadoz- nao encontrou um operaria com paciencia e

clareza para explicitar todas as implicações que estavam por detrás da respos-
,
ta el1ptica ao nivel do discurso que faziam a maioria dos operarios, o pesqu!
~ ,
sador via reforçada sua propria crença no inesperado "fetichismo do salario-h!?

z-a ", Tal operar áo , após ter falado sobre os sofrimentos decorrentes da longa

jornada de trabalho dos profissionistas, começa a falar do caso especial dos


.130.

coz Lnhador-es lide terceira", 8 horas e são semanalista.s:zyxwvutsrqp


que se revezam a cadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
~
"Bom} e nisso a gente leva a vida, a vida da gente inte quando
A ~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP I' , '\

Deus quizer. Sofrendo. Eles ve ai que a gente ta agoniado, ai as


vezes eles fazem tr~s turmas na usina. Isso ai, aqui meSmo já tra
balhou três turmas. Tem certos trabalhos, não é todos eles, mas
tem certos, que de vez em quando ai trabalha. tr~s o Coz inhador .são

À

tres cozdnhador , Cada um faz 8 horas. Mas eles são semanal.


, J ~
porque e semanal. Não ganha por hora. Ai da. Ai eles melhora. 10
go. Passa uma semana ai eles melhora logo.
- (Pesquisador): Porque não faz 3 turnos pra todo mundo?
-- É porque, ~ o seguinte. Porque, fazer 3 turnos pra todo mun
do, ai não dá. Não dá. Fazer 3 turnos não dá porque ~ada um vai
fazer 8 horas. Oito horas, com 45 contos [por seman~, pra pagar
~ J

todos os descontos, esse homem passa? Nao e? Muitos ganha esse


dinheiro e muitos, esse pe8üoal mesmo de moagem não ganha esse di-
nheiro, eles ganham salário. É 760 [76 centavos por hor~. Quando
,,, I' ,

entra em 56 horas, e porque ja botou o dia} ne, que ele ta ganhan ••


do com as 56 horas crefer~ncia ao repouso remunerado, que se acre!
centa às L1-8 horas semanai:€], É 40 contos [por seman~. Agora pa-
ga 8% das carteiras [ÇNPS] , paga o sindicato, muitos que moram por
aqui, a gente paga isso aqui. Casa. Paga um conto e quinhentos ,
outros mais, de casa. Paga a sociedade @lub~. Tudo isso descon
ta. Aí não dá. É, dá se for uma lei dada pelo Presidente, ai nós
~
t.emos que cumprir com aquela lei. Porque o Presidente deu, ai tem
quê dar mesmo. Mas sem essa lei, ai) a usina não quer dar também,
a usina não quer dar tamb~m, porque ai aumenta muita gente. Por-
que, por causa de negocio de dec / '.
írno t:
ti30
o
1 ~ •• ->
negoca,o
s8,~.ar.b'!J: '. d
e fe' -
rias, aquilo e aquilo outro. E ai o pessoal, multiplica o pesso -
, /'. ,
aI. Em vez de ser duas turmas, e tres. Ai multiplica o pessoal.
E quando a usina para/r, ai que é o corte bonito. Ai tem o corte
bonito. Quando a usina parar, ai que é corte e mais corte. !i (ser-
ralheiro, ex-maquinista de moenda)
, , ~
O "fetichismo do salario-hora" dos operarios, a atuaçao do Presidente, ea.
A

se agente supremo e exterior por excelencia ao sistema de agentes da usina, e


, _ A_

fina.lmente a pratica da administraçao da usina: esses tres agentes estao pre -


.131.zyxwv
, '"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
,;
sentes na resposta do perario a pergunta referente ao numero possivel de tur -

nos de trabalho. Em primeiro lugar, o ope~rio dá a resposta comum à maioria

dos operários, principalmente os profissionistas,


diante de uma pergunta que ~

parentemente
- , ,
nao e colocada para eles de maneira cotidiana. Então o operaria

aparentemente responde sem levar em conta os pressupostos da pergunta, sem a -

tentar que a pergunta implica em diminuição da jornada? mas não em diminuição


,
de salário. Sem dúvida porque essa rigidez do salário-horário corresponde a

situação do mercado de trabalho e à correlação de forças dos ope~rios com a


J ,

administração da usina. Alem disso o operario sabe diferenciar internamente os

operários e conhece a correlação de forças diversa que cada sub-grupo operário


, ,
tem com a administração da usina. Se alguns operarias imprescindiveis da se -

ção de fabricação conseguem a jornada de 8 horas sem diminuiçãO de salário, a

por estes como


extensão dessa medida a todos os profissionistas pode ser vistazyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
, , ,
inviavel. Diante da impossibilidade objetiva de um aumento do salario-horario

e de uma diminuição da jornada de trabalho, uma proposição fortuita de diminu!

ção de horas trabalhadas é vista com desconfiança pois o nÚmero de horas tor -

na-se o meio preponderante, incorporado ao futuro objetivo percebido pelo ope-


"
rario, de aumentar seu salario. Essa impossibilidade
,
objetiva so pode ser r~

pida por uma determinação suprema, pelo Presidente, conforme a visão que t~mos

operáriOS da concessão dos direitos de_~eis dados por Getúlio Vargas e que gr~

dativamente "chegam aqui pelo interior"


(10) Aliás, a essa pergunta "de fo -

Je~s ~s leis t~abalhistasJ quando começou, foi de seu Getúl~o V~E.


(10) "EssaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
gas, nao e? Foi de Getulio Vargas que libertou esse Brasil, t~dos nos,ne.
Ele foi um grande Presidente. E finalmente, todos eles, que tem entrado,
são uns bons Presidente. I Que eles não são o causador de nenhum de nós so
IV _

frer isso. De nenhum de nos sofrer isso. Sao uns bons Presidente, todos e
les que entram. Não vou falar de Presidente porque eles são uns bons Pre=
sidente pra gente. E finalmente são eles que botam essas leis pra gente
viver. Viver. Porque antigamente aquelas leis cativas,, aquelas leis pre -,
sas, o camarada morria, o camarada apanhava, e Ia vai, e hoje a gente e
.132.zyxwvutsrqp

ra,", o operário associou a Única possibilidade de solução para ela, também pr2

veniente "de f'ora'", por intervençD.o do Presidente -- o que cnnf'Lrmava indireta.

mente para esse operár í.o sua crença no pesquisador enquarrto um enviado do Go -

verno Federal e mesmodo Presidente da Rep~blica, conf~me corria o boato en -

tre os operários. Somente essa Lntier-vençao do ~e,~~dent~ poder La ser acatada


, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
pela administração da usina.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
PO~_G o conhecimento por parte do cperar í.o desse
, ,
ultimo agente mencionado por ele, a usina com seu funcionamsnto proprio e sua

administração, nos leva a perceber não somente mais um constrangimento objeti-


, ,-
vo que justifique o aparente "fetichismo do salario~hon1,", ccmo tambem a visao

da. intervenção do Presidente como uní.ca poss Ível., a "dcbzar-" a vontade da us í,-

na.

Com efeito, esse opere.r-a.o nos confirma,como ví.mcz no c:"pitulo


" " I'
anterior,
~
que a usina nao tem interesse em cc'Locar mais um turno de tI'i.~,balhona fabrica-
,
ção devido à multiplicação dos encargos trabalhistas a S2J."0'l1
pagoa . Mas, alem

disso, o terceiro turno de trê,'balho) ou seja d3 trc:balho de 8 horas


a jOJ."nac:õ'..

a ser efetivamente cumpr Lda, m03tra~i'}e incompatível cem c; .p:;.-f:;:,rio funcionamen-

to atual da usina. Ao aumentar o cont í.ngerrte de tl.~abaJJ,).2,6'~~:C1


empregados du -
~ ff ,-
rante a moagem, aumenta tambeill o ~-:~.:.,'o). na errtr-e-aat'ra ; Ai multiplica o peaso-

aI e quando a ua í.na parar , ai que é o coz-t.o Loní.to . " O;~C') o errp:rego de mais
~
N~ opaca da moagem

rio e dos encargcs trab:::;.J_n:tstas: ao inv83 do, "et.erna fi t:'cC!Oc d,: turnos ao meão-
, A .-
dia e a meãa-noãt.e , haveria t r cs :brosas pcr 24 horcc , crrn Cr::':l-C,:~':'.03 descansa -zyxwvu

I / zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
liv r e . O camare ..d a ta aas ím , e d.iz:~ 'Ah , vou me err."'.:>cl 2J! f S:;~ C(~:~toJ sa i d i-
n

re l."t1."nh
o, faz'" U,-,u 1.,<::;,,_. e n Lng'CL'~
"'8 Cen "-~" rem ",-,,_.
r~';z nada
o ,Q ~ ..h ~rr"-"n-;'rr"'1"-,,,,
;:;., "'0' ,.,.",__ u~ ,","'" maí.s
c, catl.· -c.!. (,

veiro, antigamente o cati ve.Lr o era, ma í.cr , que ne.c ;c:'.'T._:'~ (;:23/, Le La, o Pr!:
sidente não tinha easas Le Ls. Hcj e , que te:~1eC,3as 2-03.::;tCC:"8;J ne, pra ele
fazer, e o Bre,si1 vai se a.Levando maIhor ;" (ee:'ralheiro) ?a.:::,2. ,uma análi-
se dos direi tos entre os ~;'s..~;;?~::::.. (trabalhador'cG da par+o agr í.co'La }, cf',
Sigaud, 1971.
.133· zyxwvutsrqpon
; ,
dos e de rendimento no traba.lho muito superior.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
No entanto, ai ja começam a.s

primeiras dificuldades, com a necessidade de construção de mais casas para os

profissionistas suplementares a serem incorporados. Esse aumento de despesas

em ca.pita.lfixo e de um tipo considerado "ãmprodutdvo" pelos usineiros que co-

meçam a lamentar a manutenção dessas instalações que herdaram de um tempo em

que a imobilização dos operáriOS era sentida como absolutamente necessária., di


,
ficilmente seria efetivada pela administração da usina. Que criterios então se

parariam os profissionistas com casa da usina, dos profissionistas sem casa ?

Sem dúvida que para cada profissionista não corresponde necessariamente uma ca

se.da.usina. Ao contrário, muitos profissionista.s (como também muitos artis -

tas) moram em casa alugada ou casa própria na ~, em alguma cidade ou povoado

próximo. ASSim, essa separação entre os profissionistas com casa da usina e


, ,-
os sem casa da usina ja existiria, antes mesmo da hipotetica introduçao do ter

ceiro turno. Mas de qualquer forma a proporção entre os profissionistas que


-
moram na usina e os que nao moram se alteraria bastante, enfraquecendo a prob~

bilidafe de moradia em casa da usina. probabilidade esta implícita no atual

"contrato de trabalho" costumeiro do operária com a usina. Supondo-se,no en -


tanto, que não ho~vesse problemas com relação à construção de casas, ou que
, ,
isso nem fosse necessario, os problemas maiores apareceriam na epoca do apont~

mento. Pois acontece que com o contingente atual de profissionistas, que tra-
,
balham em duas turmas de trabalho na moagem, ha uma proporcionalidade entre es
, -
se contingente e o numero de artistas que terao um papel prinCipal durante o

apontamento, e que utilizarão os profissionistas como ajudantes, na razão apr~


ximada de dois profissionistas para cada artista. Esses profissionista.s trab!

lham 8 horas por dia e a administração da usina, acostumada como está a ver os
, , ,
profisaionistas trabalharem 12 horas no minimo, por diaJ ja considera que ha

profissionistas em demasia para as tarefas do apontamento, e que seu trabalho


.134<

é de certa forma "improdutivo". Com a incorporação


nesse perlodozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA de mais um

turno na moagem, essa proporcionalidade entre artistas e profissionistas no a -

pontamento seria rompida. E então, além do corte dos serventes, a usina proce-

deria também ao corte de aproximadamente um terço dos profissionistas, para. não

mant~-loB de maneira. considerada "improdutiva" durante o apontamento. Mas a.i a

própria categoria do profissionista se alteraria, pois como vimos no primeiro

capitulo ela se reforça no apontamento justamente por não sofrer o corte a que

estão sujeitos os serventes. Com efeito, o "cor+e bonito" de que fala o infor-

mante no trecho de entrevista acima refere-se a essa subversão da própria ca.te-

goria do profissionista, atingida em seu "contrato" usual de trabalho com a usi


_zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
"'-
na que implica em um emprego fixo anual, geralmente com concessao de residencia

em uma casa da usina" Como fazer a seleção entre os profissionistas, dos que
.. -
nao serao cortados? Assim, se os profissionistas ao responderem pela impossibi

lidade de sua jornada de trabalho de 8 horas na moagem t~m interiorizado o medo

do desemprego sazonal, assim também a própria administração da usina, com a e -

fetivação dessa jornada, perderia o tipo de relação através da imobilização da

mão-de-obra que mantém com a maior parte da sua força de trabalho. A própria.

relação personalizada que caracteriza o emprego de um operáriO fixo, profissio-

nista ou artista, relação esta que tem por suporte as concessões extra-monetá -

rias complementares ao salário pago -- a casa da usina, eventualmente pequenos

lotes de terra para um cultivo de subsist~ncia, o fornecimento de lenha, água ,

luz -- se romperia com essa jornada hipotética de 8 horas na moagem e com elazyxwvutsrqpon
, .f ~ A ;

se romperiam os proprios I!privilegios" visiveis que tem os operarias aos olhos

dos trabalhadores rurais (11)

(11) Essa relação parece ser vista pela administração da usina de maneira con -
tradit~ria.. Por um lado a administração da usina, com suas dificuldades
financeiras, com a ideologia produtivista de seus novos gerentes, calcada
.135· zyxwvutsrq
Assim, vemos como por detrás do "fetichismo do salário-hora" dos profis-

sionistas esconde-se o fantasma do desemprego, que os ronda principalmente na

entre-safra, quando então suas fungões não são imprescind1veis à usina. Umazyxwvutsrqpon

medida qualquer da usina -- como a hipotetica


-'
absorçao
- de mais um turno na fa-

bricação durante a moagem -- que aliviasse o peso da jornada de trabalho da mo

agem, mas que por outro lado afetasse a estabilidade dos profissionistas durag
te o apontamento, s~ pode ser vista por eles como representando uma expropria-

çao , Enquanto as concessões extre..-monetá:-r-ias


da usina aos artistas sao quase

que uma decorr~ncia da imprescindibilidade continua de sua arte, essas mesmas

concessões são ao contrário conquistadas pelos profissionistas em troca de sua

socialização à disciplina do trabalho fabril e de sua disposigão em manifestar

uma certa relação de fidelidade à administração da usina. Essas concessoes de

certa forma consagram a sua permanênCia onua1 na usina e a sua estabilidade ,


em contraposição aos cortes sucessivos que sofrem todo ano os serventes. E p~
- -'
ra manter essas conceas oes extra-monetarias zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
J princi;3,lmente durante o aponta -

mento, a jornada de trabalho de 12 horas, que à primeira vista pouca relação

tem com essas concessões, torna-se um imperativo para os profissionistas. Des

ta forma, podemos finalmente VS1' mal.hoz'as razões da pró'pria luta diferencial

travada por artistas e profis8ioni3~a8 quando da implementagão da legislaçãozyxwv

,* , ,

nas romas de admin:L8traçao p:.'cj'):;:':J.as as grandes industrias urbanas, com


as modificações a que est2:o suje:Ltas as antigas rel~ções entre usineiro e
operáriOS com a introducão e o, oxt ensao da legii31açao trabalhis ta, pr ocu-
" > rv ,

ra economizar o maximo em cima desso,8 concessoes extra-monetarias, intro-


duzindo o aluguel em pequenas dO::1escrescentes nas casas dos operáriOS an
teriormente gratuitC')]e limito,ndo a concessão de lenha e de pedaços de ter
,,..., de aubs âst enc,í.a. Mas por, outro lado eCS8,S concessoes
Á ~ -

ra para cultivo ex-


tra-monetarias sao indispensaveis ao proprio funcionamento da usina, que
se baseia na imobilização de sua mão".de-obre, e que dificilmente, nas con-
dições nordestinas, poderia d)ixar de basear=s e nesse, imobilização. Algu-
~ ~ -
mas vezes, aos olhos dos operar í.os, os us ine:.r08 (os donos) aparecem como
,
os agentes que vem reforçar as concessoes extra-monetarias, abaladas pelo
produtivismo estrito dos gerentes.
.136.zyxwvutsrqponm
trabalhista -
(12).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Os profissionistas tinham as maos atadas para reivindicarem

uma diminuição da jornada de trabalho. E um dos "carcereiros" dessas "mãos a-

tadas" continua a ser o próprio trabalho sazonal, tal como ele é organizado p~

Ia administração da usina.

Com efeito, os momentos contitutivos desse trabalho sazonal assim organ!

zado reforçam-se mutuamente como constrangimento objetivo às condições de tra-

balho dos profissionistas. Vimos mais acima como o momento da moagem, momento

da produção normal da usina que tem por produto o aç~car, estabelece um deter-

minado nivel normal de subsistência do profissionista, nível este que é tomado

como referência para a consi.dera--çãú


pelo operário de nua privação durante o a -

pontamento. Inversamente, o momanto do apontamento determina de certa forma

a pr6pria jornada de trabalho excessiva do momento da moagem. Com efeito, o ~

pontamento, momento privilegiado da reprodução dos meios de produção da usina,

torna-se também um momento privilegiado da reprodução das relações sociais: a-

lém de condicional' a jornada de trabalho da moagem, o apontamento afirma tam -

bém com nitidez as distinções entre as categorias auto-classificat6rias dos 0-

perários (cf. a seção 2 do capituLo I).

Desta forma, a exterioridade com relação ao operár-í.o-- que se


ca usinazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

manifesta desde os diversos apare:ho3 e o edifício da fábrica, prontos, já fei

tos independentemente dos op9r~rios, 03 quais se adequam a posteriori a essa

"segunda natureza" desse "tra'J3.lhomortol! -- se reforça diante da incorpora.ção

às característica.s de seu funcionamento, das caractc;!'{sticas da "natureza" pr~

pria.mente dita. Uma "natureza" r-epr es ent.ada pelos c LcLca agr{colas, apropria-
,
da pela organizaçao da produção da U8:i.nae que condi':!iona ora o carater de "ur

gência." e de "emergência" de seu funcionamento, ora o desemprego sazonal de

(12) Cf. a seção 2 do capitUlO 11.


.137.
, ,
sua mao-de-obra.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
O operario e assim ora oprimido pela exterioridade da Ifse~

da natureza' , cristalização em "t.rabaLho morto" de um trabalho anteriorzyxwvutsrqponmlkjihgfed


apr-o -

priado pela usina, ora pela "primeirB. natureza apropriada pela usina, apropr..!.
ll

,
açao esta cujos caprichos absorvem o trabalho do operario intensamente para de

pois repeli-lo (13).

E assim a combinação desse desequillbrio anual permanente, que ora faz o

discurso do profissionista enfatizar a subsistência insuficiente do apontamen-

to, ora faz esse discurso enfatizar o excesso de esforço de sua força de trab~

lho durante a moagem, aprisiona o operário em mn circulo vicioso continuamente

determinado pela inter-relação dos dois momentos do trabalho sazonal, tal como
,
ele e especificamente organizado pela administração da usina.

Desta forma, o aparente truÍsmo ing~nuo em que se baseia o cálculo econô

mico do profissionista -- fascinado por um certo "fetichismo do salário-hora",

decorrente do aprisionamento do seu raciocínio dentro de um circulo vicioso en

volvendo esforço e baixa remuneração -~ tal como ele se apresenta para um ob -


, ~
servador exterior, na realidade nos indica as proprias condiçoes de trabalho,

vividas e interiorizadas pelos operários. Essas condições são retratadas pe


/ "" " ,
Ias varias dimensoes do discurso dos operarias, inclusive a referente a sua

concepçao
- , ,
de salario por tempo, a qual mais do que contraditoria com a descri-

ção do sofrimento decorrente da longa jornada, faz sistema tanto com essa des-

criçao quanto com as outras dimensões das condições de trabalho dos profissio-

nistas. Por outro lado, esse j fetichismo do salário-hora' que se manifesta en

tre os profissionistas não é muito diferente do IIfetichismoi1 comum às represe!,!

(13 ) A própria legitimação


;
da organização do trabalho na usina diante dos ope-
rarios pode apoiar-se nesses caprichos da "natureza": como as relaçoes so
.-
ciais na usina se alteram segundo os ciclos sazonais, a reificação dessas
relações sociais no pensamento dos agentes sociais parece adquirir uma
força r edobr-ada ,
.138.zyxwv
_ , A

taçoes sobre o salario que tem os trabalhadores submetidos ao regime de paga -

mento do salário por tempo e cuja sit~ação desfavorável no mercado de trabalho

faz com que sua própria subsistência esteja ameaçada (14). Os baixos preços

horários do trabalho servem de estimulante para a prolongação


da jornada de
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
; ,.
trabalho: os operarios justificam esse excesso de trabalho como a unica manei-

"
re de ganhar sua subsistencia. E de fato que, ante a quase impossibilidade de

melhoria de sua posição no mercado de trabalho e diante da nulidade objetiva ,

tanto das chances de atendimento a suas reivindicações individuais quanto da

possibilidade de organização para a reivindicação coletiva, essa é a maneira

tangível imediata de aumentar o salário insuficiente a que são conduzidos os o


,
perarios.

Com efeito, o sistema contraditório que faz o "fetichismo do salário-ho-

ra" dos profissionistas com o seu discurso sobre a longa jornada de trabalho,

nao deve ser visto como uma contradição entre a ilusão dos operáriOS, situada

ao nive1 de suas representações J e a "realidade" em que estão inseridos, mas

ao contrário como uma contradição entre dois aspectos dessa própria "realidade':

a realidade de suas representações e a sua própria sustentação nas condições de

trabalho (cr , Ranc Ler e , 1973). Ass Im, não é o operárdo que se ilude com a "re

alidade", mas é essa própria "realidade" que o ilude., manifestando-se ao oper~

rio sob uma forma dissimulada e invertida (cf. Godelier, 1973, partes IV, 2 e
, ,.
Faz parte dessa propria realidade social constitutiva do operario, na

qual ele se nutre como do ar que respira, o fato de propiciar representações ~

pontâneas que a justifiquem. Pois, sem d~vida, o "fetichismo do salário-hora"

(14) Cf. os desenvolvimentos que Bourdieu (1963: 326) faz a respeito do desco~
passo entre o esforço marginal dispendido em uma longa jornada de traba -
lho e a remuneração m~rginal co~esponden~e) devido às negessidades d~ se
assegurar uma subsistencia precaria atraves
, de meios palpaveis,.~ isto e ,
trabalhar mais horas, entre os proletarios argelinos. Cf. tambem Marx
(1969: capo XX).
.139.
~ A" " zyxwvutsrqponmlkjihgfedc
advem da necessidade que tem os operarios de justificarem o seu sa1ario atra -

vés do seu trabalho especifico, E que justificação têm os profissionistas

esses vigias-vigiados das máquinas, que tendem a desvalorizar sua profissão ao

verem-se de maneira posicional com relação aos artistas -- senão a de suportar

o longo tempo de trabalho em que exercem essa vigilância? Tão adequada à rea-
,
lidade das condições de trabalho é a realidade dessa representação dozyxwvutsrqp
salario

que ela serve a esconder o que essas condições de trabalho encerram. Com efei

to, essa necessidade de justificação do salário remete ao pr~prio "fetichismo"

relativo dos agentes do modo de produção capitalista a respeito do salário, a


, ~
saber, que o operario e pago pela totalidade do trabalho por ele fornecido. Es

se "fetichismo" é propiciado pela pr~pria forma do salário como pagamento dir~

to do trabalho, que não deixa transparecer qualquer ind1cio da divisão da jor-

nada de trabalho em umzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


tempo de trabalho que cor responde ao valor da subsistên

eia da força de trabalho, e em um tempo de trabalho excedente,pe10 qual os OP!

rários nada recebem em troca (15). Não que a percepção clara deste fen8menose

ja própria não dos agentes, mas de uma "Ciência" independente deles: ao contrá

rio, é a luta dos trabalhadores por sua subsistência, é a reivindicação contra


as condições de trabalho aàes
.-
impostas, que revelam para eles proprios as con

tradições das justificações que são levados a formular por inculcação de suas

condições de vida, entre as quais sua subordinação ao patrão. E são essas con

tradições reveladas que permitem que se pense o pr6prio desvendamento dos se -

gredos contidos pela forma do salário (16)

(15) Cf. Marx (1969: capo XIX, p. 210).

(16) A noção de fetichismo, utilizada em antigos trabalhos etnogr~ficos e antro


pOlógicos
-, e criticada por Mauss
~ como fruto do mal-entendido entre a civi
lizaçao europeia e a civilizaçao africana proveniente da disparidade en -
tre o ponto
~ de vista etnocêntrico do observador
, -- imputando de fetichis-
ta uma pratica da qual ele desconhece o codigo -- e o ponto de vista do
observado (cf. Pouillon, 1970), é utilizada por Marx em um sentido metaf~
·140.
A ~
b ) As Resistencia.s a.oFetichismo do Salar10-Hora.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
. -
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Como se apresentam para OS operarios essas contradiçoes entre as suas
- - ~
condiçoes de trabalho e a justificaçao delas proprias -- que nao deixa de
,..,
se

incluir nessas condições de trabalho mesmas -- que se manifestam em determina-


,
dos momentos privilegiados? Um desses momentos, em que o pensamento dos oper!
, , , .
rios parece intuir o impensavel, e quando do trabalho dos operar10s nos roça -
A _ _

dos de subsistencia a que sao compelidos para complementarem sua alimentaçao •

Então como pensar em um sal~rio justo quando ele deveria garantir para o operf

rio uma alimentação suficiente?


, IV A ~

bl ) As Roças dos Operarios ou a Mater1alizaçao da Insuficiencia do Sala-

rio

A separação entre o trabalho necessário para sua subsist~ncia e o so


-
bre-trabalho apropriado por outros agentes, separaçao que e, obscurecida na

rico e analógico. A produção mercantil; que tem seu apogeu no modo de pro
dução capitalista, dissimula as _.relações sociais subjacentes à A troca de
mercadorias, fazendo tais relaçoes aparecerem aos agentes economicos como
relações entre coisas, as quais adqu~rem assim nas representaçõ~s desses
agentes uma autonomia e uma independencia paradoxais de seus propr.bs pro-
dutores (Marx, 1969: capo 1). Assim os homens passam de produtores de mel'
cadorias a objetos regidos por leis sobrenaturais da circul~ção mercantit
as quais se apresentam comO totalmente independentes dos proprios criado-
res das mercadorias. Essa reificação atinge todas as categorias mercantis
não somente da vida econômica cotidiana, como tamb~m da Economia Polfti -
ca: dinheiro, capital, lucro, juros, salário, renda da terra. Assim, Marx
inverte ironicamente o etnocentrismo do qual o termo "fetichismo" vinha im
pregnado ao aplicá-lo à sociedade atual, mostrando assim a "religião dã
vida cotidiana" desse modo de produção capitalista "leigo" e "materialis-
ta" e sua canonãzaçao nas categorias da Economia Polftica.
- "-
O fetichismo da mercadoria, que vem nutr~r a reificaçao espontanea das
relaçoes sociais por parte dos agentes economicos com base na esfera da
circulação, estende-se e tem novos desenvolvimentos com relação às catego
rias ligadas à produção, tais como o fetichismo relativo à categoria capIzyxwvutsrqpo
,I , __

tal e o fetichismo do salario. No entanto, e na esfera da produçao, essa


cenaA em que se desenrola, no modo de produção capitalista,
_ o confronto e-
conomico cotidiano entre os produtores diretos e os nao-trabalhadores que
os enquadram, que a opacidade do fetichismo das categorias mercantis --an
,- A_

te~ de tudo opacidade quanto as oposiçoes de cl'Zsse -- se ve abalada pela


propria luta dos trabalhadores contra as condiçoes de trabalho que lhes
são impostas. .
.141.

consciência dos trabalhadores pela pr~pria forma do Dalário, é ao contrário vi

sivel quando a unidade de produção da subsistência do trabalhe. dor é espacial -

mente distinta da unidade de produção do seu sobre-trabalho. Tal é o casoclás

s í.co da corveãa no modo de produção feudal, tal é o caso do "cambao" a que es -zyxw
, ,
tavam submetidos ate ha poucos anos os moradores-foreiros, eS;:';2.Jvizinhos dos
, / • A

operarios.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O fato de que os operar10s para garantirem sua subsistencia -- que
,
deveria ser coberta pelo seu salario -- dedicam-se ainda a um trabalho por con

ta pr~pria em pequenos lotes de subsistência com a finalidade de uma compleme~

tação alimentar, assemelhando-se como que a um rrcani:,:~o" Lnver+Ldo , faz com que

apareçam brechas de d~vidas no pensamento do operária domino..êo 9310.. tendênciazyxwvuts

ao " fe t; .•.
chãsmo d o sala'rio". Com e f e i. t o, o t ra b a lh o no l'cqac.o
't' 88 a aempr-e asso
,("17)
ciadozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
" A

J no d iacurao dos operarios, a insuficiencia do seu sala':"lo ~ . E se ,

Invezaamerrte , para o operar í,o a privação que ele e sua :"'amh,:h 'Cofreu durante

o apontamento está associada a esse trabalho, durante parte c> ;~8U "tempo li -
~
vre", noc roçados de subsistência que ele consegue como co'1.cc.'~ "0 ccaa Lona'L da

(17) n ~ ••• }
,
a epoca
ES:l agora meu salario "1--- e 80 contos E 2~Xr.:3,:~J·i JzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
90., 80, por
ai, X l8. Mar:! quando bate p~o apontamento, é 56 cr"l~'~eiro:J i>:~ remana, que eu
ganho I contc por hoza , ne . Cinquenta e seis horas , ne , qc:; é o d:Lreito
dp. le5.o, ~ 56 contes. Bruto, né. Agora, tira 8% de ~LN1.3: C:'.Y2, fünc.icato J ~
n~, qU8 6 1 conto e 680. Tira habitação que n~s pagamos l':.""J:L'l;2,Ç3:0J ne , e
3 Cl'c.'·::;e~L"O'03. Ai no fim da conta vai ficar parece que LI6 C:"ltCC . e pouco ,
no , l~ quase 10 cont.cs de desconto. Quer dizer que no 8'J::J.t:c,,":,"ntoeu vou
yc::;Cc,c;
.,'
46 cont.os . Não ,dá, ne .
"'"
Ai a gente tem qU'2 fE\Z::':::' C1],:t:::::) 12}.rO, p'Iari-
.,
tô,.r ai \1m2.batata. Eu e que nao sei bem de agric~Ü7tL8,) t"'2 t'-mte~ ne A <,

mul.hec
/ , o Dai
..... dela goata muito da agricultura, ,.! ne .• ag(':~,~a ·::;::f". (:0:,-::'\Jita:-:e
,
A:LpJ.e:lta Th'11a batata, uma macaxeira, um negOCio_ma:'.:::;mJ:!:~~':'o,~ne , Ai ... a
gerrto planta roçado, roça, farinha, tudo, mas nao t2:n 0:::1 ='· :o.t~,C3.? ai a
cho meIhor uma batattnha,
mel' uma coisa,
, ",...,'
uma macaxeirinha,
, , somen.e -Te::'. aj r
ne . Ja nao compra, ne , época de al2nnto,m8n"~:)ja. t::::n, ne . E
. )2,::;, pra co '" ~-
todSX3 por ai plantam" [!efer~ncia aos outros operá~"5.0:i"J.(a,::",.:,/:::Js'), de Labo-
ratorio) , ...,
O ca:catc::.' famiJ.iar def'Jo trabalho no roçado s ez-a eX8m:,:'~.':, 1:0 capitulo
IV.
.142.
é porque de fato este "trabalho camponês" é um expediente
usina (18),zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA pelozyxwvu
/ - .I .I

qual os operarias procuram atenuar as flutuaçoes ciclicas do seu salario, e


~ A
portanto do seu nivel de subsistencia.,
I

Mas não é somente na época do apontamento que esse trabalho no roçadozyxwvu


ezyxw
, ~ ,
acionado pelo operario. Ao contrario, muitos~erarios exercem essa atividade

subSidiária durante todo o ano. E s~para o profissionist~ ele dispõe de ~ais

"tempo livre" para dedicar-se ao roçado no apontamento -- época em que essa. de

dicação é mais necessária -- paradoxalmente, no entanto, muitas vezes essa ép~

ca não é tão propicia quanto a época da moagem para o exercicio dessas ativida.

des subsidiárias, devido às chuvas e às enchentes nas beiras dos rios onde es-
, A ,

sa precaria agricultura de subsistencia e permitida em algumas usinas.


,
Impossibilitado de cultivar as beiras dos rios durante o periodo das en-
,
I
, .
chentes, que geralmente coincide com o periodo do apontamento, ao profissioni!,

ta resta, nesse periodo dificil de entre-safra, pequenos lotes em terras cansa

das que geralmente os usineiros concedem a seus oper~ios (19) Portanto, os

profissionistas são forçados a trabalhar ainda mais tempo nas suas roças, no
, ,
periodo da moagem, alem da jornada de 12 horas na usina, para poderem colher

(18) Gf.. o trecho de entrevista já citado anteriormente:


"Quando bate a época do apontamento, (••• ) a gente fica em cima de 8 ho -
raso Aquelas 8 horas não dá pra gente se manter. Quando a gente larga de
4 e meia, se enfinca nas beiras do rio, plantar uma macaxeira, plantar u-
ma batata, às vezes a chuva leva, a chuva vem e leva. outros vai pra mata
,";
caçar um bicho pna comer mais a familia. O ganho não dá." (turbineiro)

(19) No caso de duas usinas viitadas, os operários se apertavam em pequenos 10


tesde
, terra em cima de ,um morro. Essas terras cansadas foram concedidas-
ha algum tempo ,aos operarios pelos respectivos usineiros. Em uma dessas
usinas os operarios tinham pequenos roçados em terras sujeitas a enchen -
tes na beira de um rio.

:1
!,~.
,\
1.:-
i.;
t ."
.'i
.143.zyxwvutsrqponm
antes do período de enchentes (20). Esse trabalho durante o tempo livre do 0-

perário, necessário para a complementação de sua subsist~ncia~ agrava aindazyxwvut


, .
mais o desgaste dos operar~os com suas enormes jornadas de trabalho.

"A gente merecia ganhar mais, mas não ganha. A vida. da gente aqui
é um caso sério. Eu digo mesmo ao Sr., a gente se mantém penando
mesmo. Ali em baixo , olhe, aliem baixo naquele pé de jaca , até a
li é tudo um pedaço de roça meu. (••. ) Eu tenho um roçado lá den _
tro, que eu já fui hoje lá dentro. Tem que girar a vida com isso.
Se ~or ~icar parado~ acabou-se. (••• ) A vida da gente aqui é essa.
,
Eu, com a familia que tenho, se eu ~osse cuidar somente de chegar
em casa e ~icar assim descansando, não dá não. Eu trabalho lá 12
horas [Ea ue in~ • Largo lá, chego aqui, almoço. Pego a enxada ,
vou pra lá [para o roçadil. Quando é 6 horas, 6 e meia @a tard~
é que eu venho pra casa. Chego em casa, tomo um caf'ez inho e me dei
to. Durmo, me acordo às vezes as 11 horas, ai eles mandam me cha-
Às 11 horas @a noit~
marem.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Ai eu me levanto
vem me chamarem.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à.s 11 horas pra vim de novo. Pronto [!fj. A vida aqui é essa. É
12 horas na usina, 6 no serviço meu 12'0çad<?1
e 6 dormindo. ffifl Se
quiser viver, se não quiser fazer igual a isso) não vai não. Agora
tem dia que eu tou lá @a usin~ que eu tou todo cambado assim."
;

(misturador do cal; este operario tem um pedaço de terra na beira


do rio)

Essa extensão disfarçada da jornada de trabalho reforça a interpenetra -


,
çao da esfera domestica pela esfera do trabalho, que ressaltamos no capitulo

" do cansaço comum e acumulativo


anterior, atraves tanto na usina quanto no roç~

do -- embora o "braba'ího" na usina seja de uma natureza totalmente diversa do

,,, ,
(20) O periodo de chuvas tambem impossibilita outras atividades subsidiarias ,
tais como as de um pro~issionista, por exemplo, que fazia tijolos no fun.
do do seu quintal. Ele se força, então, para exercer esse "gancho" com o
qual paga suas dividas e ainda arranja algum dinheiro para construir aos
poucos uma casa própria em um terreno na "rua", muitas vezes a traba.lhar
8 a 10 horas em casa além das 12 horas na usina no períOdO de moagem. Qua
se não lhe resta 'tempo livre" para comer e dormir. É claro que esse o1'e=
rário varia essas suas horas de trabalho em casa, que estão sob seu con -
trole, pois senão seria fisiologicamente im1'osslvel sobreviver nesse rit-
mo de trabalho.
.144.
IItrabalho" por conta própria no roçado. Diante desse cansaço acumulativo, nãozyxwvu
,
e por acaso que os profissionistas que desenvolvem uma atividade subsidi~ia.
~ , ~ ~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
por conta propria acima da media sao os operarios mais habilitados na !farte do

zemanchar " no trabalho da usina. ASSim, a "arte do remanchar", mais que uma

"lezeira." defensiva diante do ritmo de trabalho imposto pela usina, ~ um meio


,
de poupa.r energia a ser dispendida no "tempo livre" do operario, no quadro de
"
uma. estrategia de vida recriada pelo operario e que da principalidade ao que ~
,~

le consegue desenvolver individualmente em uma atividade que seria Subsidiári~zyxwvutsrqponmlkjihgf


-
O trabalho no roçado nao e" exclusivo dos prof'issionistas: os artistas tam

b~m t~m seu roçado. Ganhando um salário-hora


maior, mas com um salário sema "
,
nal menor que muitos prof'issionistas devido ao menor numero de horas trabalha.

das, os artistas em todo o periodo da moagem complementam seu salário comzyxwvutsrqponmlkjihgfe


os

frutos de seu trabalho no roçado.

"o pessoal de of'icina, que trabalha 8 horas, larga de 4 e meia ,


quando larga 4emeia, sai ligeiro pra chegar em casa ainda com
,
claro pra trabalhar. Tem outros que leva ate candeeiro pra traba-
lhar de noite." (esquenta-caldo)

"(...) Lá na oficina tem muitos que aplanta uma rocinha, é o que


vale a gente. Tem muitos e muitos que trabalha na usina, larga de
, ,
quatro e meia, coitado. Quando larga de quatro e meia ja ta com a
,
vista escura. Mas é o jeito, "vou f'azer um sacrif':Ício". Ai vem
, / ~ -'"
em casa, a machadinha ja ta assim na area, e so pegar, toca pra s~
bir a ladeira G? roçado desse operário é no morro concedido pela u
sina para o pequeno plantio dos operário~.
,
Larga da usina 4
, -
e
meia, que chegue la gasta mais ou menos meia hora, nao e isso? Gas
ta mais ou menos meia hora nisso. Chega lá em cima 5 horas. Nãozyxwvutsrqponmlkjihgfedc
., -' ,.f
e hora de ninguem mais trabalhar em serviço, ne. Chega Ia dentro
com sacrifício, peleja, já é de noite, quando dá 6 horas, ele lar-
ga." (serralheiro, com a prof'issão não classif'icada na carteira de
trabalhO)

Embora a época em que os artistas t~m um "t empo livre" maior, a época da
·145.· zyxwvutsrqpon
,,, " zyxwvutsrqponmlkjihgfedc
meagem , coincida com ao epeee, mais propicie. ao- cultivo de subaistencia.,. pois e~

tão não há enchentes, no enta.nto os artistas se defrontam com as limitaçÕes &0


,
trabalho agrícola que seu horário de trabalho na usina lhes impõe. Se a gran-
, ,
de planta fabril da usina e indiferente absorver o trabalho dos operarios de
"
dia ou de noite, as pequena.S planta.s de subsistencia dos operarios
, nos seus r~
,
çadinhos dificilmente podem absorver o trabalho noturno dos operarios. O ope.

rá.rio que vaã ao roçado "tra.ba.lhar de candeeiro" é o próprio s:Í.mbolopersonif.!


/"o. •• •.•• _ ~.;

cado da car encaa e da privaçao a que estao sujeitas as familias operarias. De

vido às limitações de horário dos artistas, a participação dos membros familia

res outros que não o chefe no tra.balho familiar

mente maior do que naS famílias dos profissionista.s.


do roçado dos artistas
. o horario
Com efe~to, '
é geral

de
-
tra.balho na usina, dos profissionista.s, embora mais longo, deixa sempre "liVl."'é'

ou a manhã ou a tarde, o que lhe permite trabalhar uma parte maior do dia. em

suas ati.vidades
,
subsidiarias,
,
as custas da intensificaçao
- do seu esforço. Esse
,
hora.rio dos profissionistas da fabricaçao
- ,
de 12 as 12 permite assim um tra.ba •

lho mais constante no roçado do que um horário,por exemplo, de 6 às 6 em que a


t
~ possihilidade do trabalho diurno no roçado so, existiria semana sim, semana, na.~ -
I
.,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
i Apesar dessas limitações ao trabalho no roçado dos artistas, a partiqãe

do conjunto ~
dos operarias " roçado e, por
entre, por um lado, os que tem outro
',.;

lado, os que não têm, nao correspsnde à diferenciação artista/profissionista •

Essa partição obedece a outros critérios, tais como o tamanho da família dozyxwvutsr
o.
, A _ Â

perario; a residencia ou nao em casa da usina; a residencia em casa alugada "na

rua" que geralmente não tem nem "quintal", ou em casa própria que pode ter uma.
, , _ I'W

rocinha; o salario do operario e sua relaçao com a administraçao da usina. As

sim, os operários que têm um lugar na hierarquia da usina como cabos de seçao
,
ou "imediatos 11 do supervisor da seção, devido ao seu satarão mais elevado e

desde que o tamanho de sua fam1lia não seja muito grande, se permitem ver de

maneira depreciativa o trabalho no roçado.


.146.
As dificuldades e limitações ao trabalho no roçado de que se ressentem

artistas e profissionistas -- estes defrontando-se com as enchentes na entre -zyxw


/

safra, aqueles tendo pouco tempo diurno para o trabalho agricola, e ambos lu -
tando contra o cansaço -- ressaltam o seu caráter subsidiário e de complement~
,. , , ~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
-'
ção de um salário insuficiente. Esse carater subsidiario tambem e visivel pe-
, _ J "

las proprias terras que sao concedidas aos operarios, terras imprestaveis para
,
a cana, cansadas ou sujeitas a enchentes e de um tamanho minimo. Assim, esses
, ,
roçados dos operarios pouco se assemelham aos sitios dos moradores tradicionãs

dos engenhos que possuiam terras boas para sua agricultura de subsist~ncia,nem
À •
mesmo aos roçados dos moradores atuais dos engenhos} qU3 tem mal.S tempo para

se dedicarem ao trabalho por conta própria e que, morando distante de usinas e

do centro de seus engenhos, podem se ver concedidos com mais um pouco de ter -

ra. Os operáriOS que moram colados à usina, circundados pelas melhores terras

para a cana, só podem obter pequenos pontos de terra. A pról:::;.nia


escala m:Í.nima
, ,
desse trabalho dos operarias nos roçados e Lndâ cada pela inclusao , no discurso
-
, /-

dos operarios, do roçado na esfera domestica por opesiçao ao trabalho na usi -


(21)
na Um pequeno proprietário ou um foreiro~ao contr;;'rio,que tem por at iv,!

(21) Cf. por exemplo o seguinte trecho de ,entrevista, em que o ,


informante in -
clui o roçado em outros afazeres domesticos que pertencem a parte mascul~
na da divisão do trabalho familiar: ,
'~ gente larga de meia-noite. Quando e seis, sete horas, se acorda. Entao
-
um tem quehscar um ,pau de lenha. Outro tem que ir
que ir fazer
, um negocio na rua. Outro vai botar
, no roçado. Outro tem
c,g'L:.E" que a mulher nao po
- -
de botar agua , que foi pro rio lavar a r-oupa •• Quc:.ncb o c:1u?:::-ac..a,de,qui
a
um pouco mais, quando é 11 horac ~a manh~ volta de nove pr:1 usina. E e-
le passa a semana assim dormindo 5 horas ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
b. O out rc quando Larga de meio
dia., chega em casa vai pro ...
roçado, vai Las ca.r Lonha , vem, vem jun~ar le -
nha , Quando chega em casa e cinco hore.. S, pra tC".~3_.=-'
banho, quando e seis ho
ras, sete, se deitou, pronto, tá na hora de ir de novo." (esquenta-caldo)
A inclusão do roçado na. esfera doméstica em sentiQo e,mplo, que se opõe
~, IV ,

ao tra.ba.lhona usina, se da at.raves da sua LncIuna..


,
cos do operario. -
O que nao exclui
, •
a distinçao entre-
0 ncc afazeres domesti-
casa e r-oçado
i>
, como
entre ca.sa e rua, quando o operar-ao "vai pra rua fazer um negocio".
.147.zyxwvutsrqponml
dade principal seu trabalho na própria terra e dominando as suas condições dezyxwvutsr

trabalho, enfatizaria a distinção entre casa e roçado (cf. Gareia & Heredia ,
1971) •

A consideração pelos operários de seu trabalho no roçado como uma ativi-

dade precária, que resiste a várias limitações, está associada ao seu caráter

de complementação ao salário. Mas essa complementação 8~ se faz necessária p!

Ia insufici~ncia do salário, que assim ~ posto em evidência. Por outro lado ,

a inclusão, que fazem os operáriOS, do roçado na esfera dom~stica, ressaltando


A

a dominancia do trabalho na usina dentre as suas diversas atividades, nos indi

ca que essa eomplementação ao salário, que se atualiza atrav~s de um trabalho

adicional do operáriO (embora sendo um "t.rabaãho" qualitativamente


diferente do
,
"trabalho" na usina), é mais uma rr.anifestaqãoda invasão da esfera domestica

pela esfera do trabalho. Com efeitoJ esse trabalho adicional pode ser visto ,
.-
em um certo sentido, como ~~ prolongamento da propria jornada de trabalho da ~
rv • ,. •

sina: o trabalho no contexto da coopezaçao ãmpos'ta 8..G:: operar-aos e da investi-


"" , •• A
gaça.o, proprios a usina, continua enquanto dispendio de esforço, embora trans-
,
formado no contexto totalmente diferente do trabalho familiar ou por contazyxwvutsrqponmlkj
pr~

pria do operáriO em uma atividade subsidiária. Enquanto cada hora da jornada

de trabalho na usina contém um tempo de t.rabaãho neccsf"~rio para reproduzir o

valor equivalente à subsistência do o';;1erário,


sencrJ-lhe devolvido sob a forma
; •• J"'h
do satar í,o , e um tempo o a sC;Jre-cJ:,c.;be,_'
:I • d o pe.ia
__,.o,apropr aa
1
esse t empo d e
~. us ma ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU

trabalho suplementar no roçado do operáriO é, ao contrário) todo ele dedicado


~ ~
diretamente à sua subsist~ncia. E ccmozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
se o trabalho necessario da jornada na
_ A /

usina, nao sendo suficiente para a eubs i.sbencd.a d03 c=r:;r::.,rios,


os obrigasse a.
fornecer, além do sobre-trabalho a que estão sujeitos dure..
nte a jornada, uma fB

tra.nha "a:)rv~ia". Essa "corv~ia" J metaf~rica" paradoxal porque sob as aparên-


~ ~ A
eias de uma apropriação pelos proprios operarios de ben~ de subsistencia que
.148.zyxwvu
~ I •
eles produziram, e na realidade um acrescamo em trabalho dispendido -- de for-zyxwvu
,
ma a compensar um salario insuficiente -- que reverte indiretamente para o us1

trabalho gratuito -- distinto do sobre-trabalho apropriado diretamente pel& u-

sina -- efetuado pelo operário durante o seu tempo livre ou por sua família --
.... ,."
a qual deveria. ter o equivalente a sua reproduçao normal incluída ja. no sala. -
""
~.... A ,

rio do seu chefe. O tempo de tra.balho necessario a.subsistencia do operaria,

que deveria completar-se dentro dos limites da jornada de trabalho, extravasa

esta ~ltima e prolonga-se sobre o tempo livre do operário.


" ...
Assim, apropria separaçao espacial entre o trabalho na usina e um trab!

lho a.gricota para a complementa.ção alimentar ou para a venda na feira local,r!zyxwvut


~ A" _ _ I

lativiza" para. os operarias, a tendencia a dominaçao de sua. concepçao de sa.la-


" , ,
rio pelo "fetichismo do salariol!: o trabalho no roçado e a propria manifesta. -

ção de sua privação decorrente da insuficiência do seu salário. Mas por ser ~

ma "corveãa invertida", o trabalho no roçado, que materializa essa separação ~

pacial, não é visto enquanto corvéia.

Assim, essa relativização é insuficiente para resistir ao "fet1chismo do

salário-hora". Se o trabalho no roçado faz transparecer aos operáriOS a insu-


A , ,
flciencia do seu salario, no entanto ele e, por outro lado, considerado um de~
" A'
tre os va.rios "privilegios" que constituem a residencia do opera rio em casazyxwvutsrqponml
da

~
própria. usina.. E entao o roçado, considerado pertencente a" esfera domestica.~i

ante do trabalho na usina, passa a constituir-se em uma.prerrogativa implicada


- ,
na concessao de moradia na usip~, atenuando assim o seu carater de uma materia

lização demonstrativa da insuficiência do salário. Essa atenuação reflete-se

principalmente entre os profissionistas. Com efeito, como a situação objetiva.


,
do mercado de trabalho e a falta de perspectivas reivindicatorias impedem que
, ,
o profissionista pense a viabilidade do aumento do seu salario-horario, viabi-
.149.
lidade esta que seria a Única forma de fazer o trabalho no roçado tornar-se
, A
prescindivel, o aspecto negativo desse trabalho, no contexto da insuficiencia

do salário, se transforma em um aspecto positivo à moradia na usina ,


inerentezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON

por oposição aos operários que, não podendo dispor de um roçado, dependem para

sua subsistência somente de um salário insuficiente. .-


A propria moradia em ca-zyxwvu
, ,
sa da usina, ao adequar toda uma estrategia de vida do operario, levado a uti-

lizar recursos que dependem da usina, faz com que a eliminação pura e simples

do recurso ao roçado por uma eventual proibição da usina seja vista pelos ope-

rários como uma expropriação. O roçado, esse "salário não-monetário", vai as-
, .
sim repercutir inesperadamente sobre var~os aspectos da vida dos profissionis-
~ ~"
tas e a consideraçao dessas repercussoes pode leva-los a pensar a impossibili.

dade de reivindicação pela melhor ia de suas condições de trabalho -- como, por

exemplo, a reivindicação pela diminuição da jornada de trabalho de 12 horas,c~


,
mo vimos anteriormente. A proprtla categoria dos profissionistas nutre-se des -

sas concessões não monetárias que demonstram a consideração pela usina de sua

imprescindibilidade temporária e sua estabilidade, contrariando assim a tendên

cia à sua prescindibilidade por ocasião da entre-sarra.

ASSim, as concessoes
- -
nao-monetarias
~
que os operarios
~
recebem da usina ,
se -- atrav~s do trabalho no roçado -- elas relativizam o "fetichismo do sa.lá-

rio", ela.s o faz em no entanto em beneficio de um "f'eb Ichdamo" legitimador com .•

plementar: elas servem de suporte para o "fetichismo" envolvendo a "bondade"

do patrão quando ele cumpre a sua parte da relação pessoal que ele e sua admi-

nistração estabelecem com o operáriO individualmente (22) Esse "fetichismo lt


,

(22) As concessões extra-monetárias próprias à usina (casa da usina, lenha, á-


gua, luz, pequenos pedaços de terra para roçado) sustentam nas representa
ções dos operários um certo "fetichismo" que, diferentemente do fetichis-=
mo do salário, ~ deslocado do econ8mico para o pOlitico. Tal fetichismopa
rece ser inerente à "função de redistribuição" que possui a organização Sõ
.150.zyxwvutsrqponm

implicito no tipo de "contrato" que rege o mercado de trabalho especifico das


A

usinas, pode vir a reforçar contraditoriamente a resistencia contra uma eventu

al "expropr áaçao" do roçado ou de outras concessões, mas nao ~ por ai que se


,
reforça a resist~ncia contra a injustiça do salário.zyxwvutsrqponmlkjihgfed
O "fetichismo do salario-

horal! só será abalado quando a administração não cumpre o 'bontrato" nesmo que

ela estabeleceu "


com o operario "
no proprio trabalho na usina, no processo de

produção imediato.

b2 ) O Roubo das Horas Extra

Se as concessoes
- extra-monetarias
.;
da usina aos profissionistas, in -

trlnsecas à própria auto-definição de sua categoria, inviabilizam no pensamen-

to dos profissionistas a reivindicação pela redução da jornada de trabalho,se~


" .;
do assim um reforço ao Itfetichismo do salario-hora", no entanto e o poder de

manipulação salarial que a longa jornada de trabalho, essa contrapartida das

concessões extra-monetárias, confere à usina, quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


'Vem minar o próprio I1feti

chismo" que essas concessoes - por outro lado reforçam.

Com efeito, a enorme jornada de trabalho utilizada na seçao de fabrica -

ção traz outras 'Vantagens para a administração da usina além da economia da

mão-de-obra que seria necessária para UUl turno adicional incompat1vel com o p~

rlodo do apontamento: com a utilização massiva de horas extras, a administra -


-
çao da usina tem um instrumento
,,-
flexivel de manipulaçao salariaL Em primeiro

cial da "p'Ianbat.Lon" (cf. Palmeira). 1971: capo "Propositions") e parece


constituir-se na crença na equivalencia de serviços prestados entre agen-
tes sociais ,.."
assimétricos,,... isto ~, cada " trabalhador e o usineiro e sua ad-
ministraçao. As concessoes extra-monetarias da usina o trabalhador deve
em•.. troca
(
uma certa lealdade dirigida a, algum representante da administra-
,
çao muitas vezes ao gerente ou ao proprio dono da empresa), alem da dis-
ponibilidade a qualquer hora para o trabalho na, usina, disponibilidade es
ta recoberta pela categoria cativeiro dos operarios. Esse tipo de "feti -
-
chãsmo" parece assemelhar-se ao existente em alguns modos de produção "pré
capitalistas" (er. Ba líbar , 1971: I,3; e cf. Gode'Ldez , 1973: v.i ) ,
_ 'iI" ,
Essa
forma de "fetichismo" nao e especifica aos operar-ãos J mas parece ser comun
aos "moradores" tradicbnais das "plantations".
1

1
.151.zyxwvutsrqp
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I 1
lugar, em algumas usinas onde ha a utilização em grande escala de uma mão-de-ozyxwvutsrqp
, , ~ 1
bra temporaria, onde os operarias tem Q~ fraco poder de reivindicação, ondet~
1
to o sindicato hão se faz presente como ausente ~ a fiscalização trabalhista J

1
o pa.gamento das horas extrel é burlado pela administração, a qual como "prêmio
1
de consolação" d;'aos operários no final da semana uma gratificação muito inf!
1
rior ao que seria a soma do pagamento legal de suas horas extras. Mas a utili
N ~ 1
zaçao normal das horas extraordinarias apresenta uma flexibilidade providen
1
eial para a administração da usinazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
com relação às interrupções da produção du-
~, I 1
rante a propria moagem, devido a necessidade de reparos na maquinaria ou devi-
1
do a problemas com relação ao fornecimento da matéria-prima agrícola. Essa in
1
terrupção no fornecimento de cana à usina ocorre com mais freqüência perto do
1
fim da moagem, quando começam as primeiras chuvas mais fortes que, interditan-
I 1
do as estradas secundarias ou as ferrovias, impossibilitam o transporte da ca.
1
na. Então, muitas usinas antecipam O corte dos serventes, a maioria dos quais
~ " ., , 1
so sera re-absorvida na proxima safra. Alem disso .•algumas usinas deixam de
1
pagar um turno de profissionistas durante os dias em que o volume de cana dimi
muitas 1
nuâ , o que faz reduzir bruscamente seu salário semanal. Essa redução
~
vezes corresponde a um salario , 48 horas a serem pagas segun do a es
in~erior as 1

tipulação da lei. Os profissionistas passam então repentinamente a receber me 1


, ;

nos ainda, no meio mesmo dessa epoca em que seu nivel de subsistencia normal -
A
1

mente é mais elevado do que no períOdO do apontamento, períOdO anual de sua p~ 1

vação. Outras usinas ainda respêit~m forma~mente as 48 horas semanais, mas ta 1


, " 1
zem isso às custas do desrespeito as horas extraordinarias ja trabalhadas nos

dias em que o volume de cana era regular. DD~ e~emF~Q, a usina começa a sema- 1

na trabalhando no seu ritmo normal, a todo vapor. Na quarta-feira começam fOI 1

tes chuvas que fazem reduzir bruscamente o volume de cana que chega para a us! 1

na, parando-a até o sáb~do. No final da semana que faz a administração da usi 1

1
.152.zyxwvutsrqponml

na? Ao ínv~s de pagar as horas extras que os operários da fabricação trabalha.

ram na segunda e na terça-feira, ,


mais as 8 horas diárias devidas legalmentezyxwvutsrqp

dos dias em que não puderam trabãhar devido à falta de mat~ria-prima, a admi _

nistração da usina transporta, na sua contabilidade, as horas extras trabalha-

das para o lugar das horas não trabalhadas devidas legalmente. Nesse "tirana _
, ,
porte contabilrl, os operarias perdem o adicional sala.rial de 20% por hora,con!

titutivo das horas extras


(23)
'

Assim, a jornada de trabalho, tanto na moagem para os profiasionistas ,


quanto no apon~~ento para os artistas, al~m da sua funcionalidade para a or~

nização da produqão da usina, facilita tamb~m a constante burla da legislação


,
trabalhista por parte da administração da usina. Alem de todas essas poseibi.

lidades de manipulação por ocasião das flutuações no volllineda produção,a maio

ria da.s usinas nao paga o adicional devido pelas horas noturnas (24).
Outra flexibilidade para a administração da usina que a utilização exten

slva da jornada de trabalho traz ~ o prolongamento do horário de um ou vários

operáriOS devido à falta temporária de seu muda Ou devido ao corte de uma tur-

ma. Essa utilização extensiva já ~ normal e institucionalizada no caso doszyxwvutsrqponmlkjih


o-

(23) I!Quando a usina tá parada [Ea moagem, por falta de cana] tem vezes que a
gente não ~anha não. Tem gerente que manda apontar as Ef,horas, mas tem ou
tros que nao botam. Assim, vai da bondade do gerente, ne ,ti (analista de
laboratório)

(24) Além das horas extra, a usina deveria pagar o adicional salarial corres -
pondente ao que a CLT denomina de horas noturnas. Essas horas, para e~ei-
to de contabilização salarial, têm uma duração menor que as goras comuns,
diurnas, admitindo-se implicitamente que o trabalho noturno e prejudicial
ao ritmo de vida normal do operáriO e necessita compensasões. As horas n~
tutnas comeXam a vigorar a partir das 22 horas e acabam aB 6 horas da ma-
nha. Elas tem 52 minutos, o que acrescenta alguns minutos adicionais ao
Balario do operario. Assim, com relaçao aos turnos dos proflsSlonlstas, o
" A,I • • •

turno que entra à meia-noite trabalha 6 horas noturnas por dia, enquantoo
turno que entra ao meio-dia trabalha 2 horas noturnas. Então a turma do
meio-dia deixa de ganhar mais 1 hora e 36 minutos no final da semana e a
turma da meia-noite deixa de ganhar mais 4 horas e 4ª minutos devido a es
se continuo e sutil "roubo" da usina sobre seus operarios.
.153.zyxwvuts
,
perarios dos transportes (nos trens e nos caminhões da usina), quando suas via

gens a engenhos distantes fazem a administração preferir fazer a troca de tur-


,
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
/

nos de 24 em 24 horas. Mas ela tambem e utilizada quando ha uma falha qual
"-
quer no sistema de mudas, conforme pudemos ver com freqüencia nos relatos dos

operários citados no capitulo anterior. Mais ainda} a administração por vezes

utiliza essa extensão abusiva da jornada por ocasiao da diminuição da produção

por falta de matéria-prima, quando então ela ~ um turno mas aumenta a jor-

nada do turno remanescente.

Essas manipulações feitas pela administração são vistas pelos operários

como verdadeiros roubos cometidos contra eles. Se o operário acha-se na obri-

gação de "bem servir" à usina devido às concessões extra-monetárias que dela

recebe, no entanto essas manipulações atingem não somente a autoridade e legi-

timidade da administração perante o operário, como comprometem o próprio "feti


,
chismo do salario-hora" dos profissionistas. Com efeito, os contadores de ho-

~} atraídos por cada hora marginal com a finalidade de contribuírem com o seu

esforço suplementar para a realizaçao


- , ,
do prodígio que e a sua sempre comprome-

tida subsistência, e que estão assim sempre disponíveis para trabalhar para a

usina, se vêem tanto mais trapaceadoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED


por essas manipulações da administração

quanto mais contavam com as longas horas trabalhadas para aumentar o salário.

"Aqui, eu sempre estranho uma coisa aqui. É isso: elês tem vezes
,
que a usina se quebra, ou para por falta de cana, ai eles pegam a
,
hora-extra do povo, bota na hora comum. Pra inteirar, ne. Pra fa
zer o regulamento das 48 horas de trabalho na semana. Tem vezes
que eles tira, faz isso. Agora, lá pro Norte Rio Grande
[EozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
do
Norte, de onde esse operáriO é originári~ eles não fazia isso. O
pessoal do Norte não tinha sindicato mas não aguentava uma coisa
dessas. Reclamava logo, dava logo conhecimento. Se a usina para!
;

se, ela se não quizesse contar com os trabalhadores da industria ,


mas ela constasse as 8 horas de trabalho (••• ) Quando eu trabalha-
va l~ ~m uma outra usina, no Rio Grande do Nort~, houve greve de
.154.zyxwvutsrq
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
parar a fabrica mais uma vez~ por causa desses tempos chQvosos ..I!
I'

zyxwvutsrqpo
so assim em começo de inverno, não é. Ai tava moendo, ai começou
A:Í o gerente chegou e cor-
a parar com o inverno, não ~, parando.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tou uma turma, ficou s6 uma. Ele disse: "Agora vai moer 18 horas".
Moia o dia todo, de 6 da manhã até a meia-noite. Ai parava pra c~
meçar de manhã de novo. Ai foi quando o tempo mudou assim, a chu-
va passou, ai a entrada de cana, pegou a entrar muita cana, n~~ Ai
ele disse: "Hoje vai moer a noite toda, direto". Ai o pessoal di!
se: "Não. Vai parar agora à meia noite. Larga todo mundo" l3i,ga!.
galhad~. Ai houve esse movimento de greve assim, ne . Mas não
houve um movimento de greve, não chegou a parar a fábrica, porque
,
ele chamou o pessoal pro acordo, ne. Porque no dia seguinte ele
voltou logo a botar as 2 turmas, nao é.
Ai voltaram as duas tur -
,
mas e a gente voltou a trabalhar 12 horas. O pessoal Ia gostava
de servir e de ser servido. Mas, fazer de tolo, ai a gente dava.
duro também, né." (cozinhador)

Em momentos de crise como este, em qu~por um lado, desesperada pela fa!

ta de matéria-prima, a administração da usina procura compensar a insubmissão

momentânea da natureza à. sua dominação, pela transgressão à dominação "contra-


tual" que ela exerce sobre a sua força de trabalho -- manipulando ilicitamente
; ,., ,
os salarios e os horarios dos operarios -- e em que, por outro lado, os opera-

rios percebem a utilização pela administração desse momento de crise como uma

trapaça, eventualmente servindo de gota d'água. a fazer transbordar um descon -

tentamento acumulado maS sem uma justificativa tão clara quanto o de uma tran!

gressão legal evidente, nesses momentos de crise então ~ que a pr~pria domina-
, ,
ção legitima da administração é posta em causa. A propria crença dos operarhs

na equival~ncia dos serviços p~estados de parte a parte, entre a administração

da usina e seus trabalhadores -- "o pessoal gosta de servir e ser servidoli --,

;
e abalada, poiS ao ter de ser invocada enquanto ideal a ser respeitado, colo

ca-se em d~vida implicitamente a sua vigência efetiva, não só em momentos ex -


.-
cepcionais, maS duranre o proprio funcionamento normal da usina. Com efeito,
.155· zyxwvutsrqponml
que equivalência de serviços é esta que, nos momentos em que a usina está im -

possibilitada de utilizar até o esgotamento a sua força de trabalho, então ela

transgride de maneira manifesta para os operários a própria crença na equiva _

lência que ela procura inculcar? Essa transgressão continuada, embora interm!

tente, começa a colocar em d~vida, na mente dos operários, a pr~pria crença na


,
equivalência que presidiria as relações entre a usina e os operáriOS nazyxwvutsrqpo
epoca
_ A ,

de funcionamento normal da produçao -- equivalencia esta que esta na base do


, , A
pr opr-í,o "fetichismo do salario". Essa crença na equivalencia de serviços pre~

tados entre os operáriOS e a administr.ação da usina pode manifestar-se orazyxwvutsrqponmlkjihgf


se-

gundo a antiga lógica de dons e contra-dons entre o usineiro e seus moradores,


,
ora segundo a nova logica dos direitos. A lógica do dom continua a ter por au

porte material a concessão da moradia em casa da usina (que implica


-
em lenha ,

água, luz), a concessão de um roçado de subsistência e a própria relação per.~

nalizada que existe entre operáriO e chefes de seção dentro do trabalho para a

mudança de ocupaçoes. Quando qualquer concessão destas é unilateralmente ret!


, . .•... ."
rada de um operar~o, a expropriaçao ressentida pelo operario podera exprimir-re

pela reclamação à transgressão por parte da usina à l~gica do dom. Vas a cren
A '
ça na equivalencia pode manifestar-se segundo a logica dos direitos que progre!

sivamente vai se impondo devido à própria extensão e efetivação da legislação

trabalhista. Então a transgressão dos direitos nos momentos excepcionais em

que a usina não utiliza a pleno a sua força de trabalho quando há diminui -
- - ~
çao na produçao, mas tambem ,
quando das ferias ou quando da aposentadoria dos o
, , A_

perarios -- compromete a logica da crença na equivalencia. E entao o sentimen

to de sua exploração pela ua ina


-
exploraçao '..
da qual os operar~os ..
t~nham a e~zyxwvutsr
.1 \ • zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
IV ,

per~enc~a cotidiana, mas que nao atormentava o seu pensamento


devido a sua le-
,
gitimidade -- aguça-se e passa a primeiro plano na mente dos operarios por oca

sião desses momentos privilegiados. Esse sentimento e a revelação da ilegiti-


.156.
midade da dominação da usina que lhe é correlato são acompanhados no discursozyxwvutsrqpo
~ ,
dos operarios da duvida e da perpexidade para a explicação das razões dos pro-

cedimentos considerados ilegítimos.

"Na moagem o camarada faz 12 horas. Mas essas horas que a gente
faz, essas horas que a gente faz, hora extra, isso não voga [yigo-
r~. Voga porque a gente recebe o dinheiro, mas não grava nos do-
cumentos. Mas não grava nos documentos. (•.. ) O pessoal na ofici
às vezes faz 10, faz 12 horas. Mas essas horas,
na,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA é o seguinte.
Isso é uma coisa por fora. Não tá nos documentos. Amanhã ou de -
pois quando precisa ir para o Instituto [INP.3], vai ser um ordena-
do desse tamaninho. p!!
Agora a gente paga, as noras extra a gentezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
gà a eles,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
810. Qualquer hora que a gente fizer paga 810. Mas es -
, A
sas horas não consta na carteira. Nem ferias, nem 139 mes, nada
disso, eles não contam nada das horas que a gente faz. É um di
nheiro perdido da gente. Não é perdido porque a gente ganha com e
le, a gente come ele. Mas ele vogar Gigora~ para o documento ,
não voga. para o documento, porque a gente não recebe nada daquilo."
(serralheiro, ex-maquinista de moenda)
~ ,
"Hora-extra ganha, mas não sai nos documentos. Eu so sinto e isso,
porque se a gente trabalha 9 m~s, numa usina dessas, 9 mês. O se~
A

nnor acredita, a gente trabalha 9 mes. Porque ela bota em setem -


bro. Setembro, outubro, novembro, dezembro, jtneiro, fevereiro ,
mar ço , abz-í l , maio. Para em maio. E teve aqui tempo dessa usina
parar no dia 27 de são João. Agora, a gente trabalha esse tempo i2?
dinho. Nove m~s, fazendo 24 horas. O senhor conte o Quando é nas
férias ~ a gente s ~ tem direi to a férias de 8 horas. Quer dizer que
essas horas extra, acabou. Desapareceu. A gente vai reformar um
horário que a gente perde, é descontado nas férias. A gente se
de tira.r 23 dias ••.
, "
~ as ferias so da 23 dias -- em Vez de tirar 23
dias, só tira 17. A maioria das horas extras é que a gente traba-
lhava; e a hora extra não tem direi to não [Eas férias]. É um tal
.157.zyxwvutsrqponm
pode compreender. 11 (f'ogufsta de locomotiva) (25).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
que a gente nãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

"É um tal que a gente não pode compreender"; acostumado a pensar nos ter
, A ~ ~
mos colocados pela logica da equivalencia, o operario sente toda a angustiap~

vocada pela inadequação entre o próprio instrumental lógico de seu pensamento

e a situação de trapaça e de sonegação de direitos por ele vivida. Levado a


., A / ~

pensar a logica da equivalencia, seja pela propria forma monetaria de sua rela
,; , ';,

çao com a administração da usina atraves do "fetichismo do salario' que e a.


~ _ A

propria representaçao espontanea da forma de pagamento que lhe serve de supor-

te --, seja pela inculcação da lógica do dom no que se refere às concessões ex


~ .. ,
tra-monetarias da usina, como pode o operario deixar de constatar um vacuo de

explicação para aquilo que a ideologia dominante justamente trata de esconder,zyxwvut


N A _ /

a nao equivalencia nas re1açoes entre o operario e a usina? Assim, paradoxa1-


, ,/',/' Â' /
mente, e apropria logica da equivalencia, e o proprio fetichismo do salário

que, funcionais à dominação legitima da usina nos períOdOS de produção normal,

ressaltam mais ainda, no entanto, quando inaplicáveis, aquilo que normalmente

escondem.

Assim, ° próprio "fetichismo do salário-hora", característico do profis-


,
sionista, começa a se abalar. Os profissionistas considerados mais indispens~

veis pela administração, os cozinhadores, os evaporadores, os analistas de la~


; ;

boratorio, começam a reivindicar a mudança na forma de pagamento do seu sala -

rio, desejando passar de horista a semanalista. Sem dúvida porque, tendo mais

chances de se verem atendidos pela administração -- que pode transformar aI

guns profissionistas em semanalistas ganhando o mesmo salário durante todo o a

Por estar sujeito às maiores jornadas de trabalho (24 horas ou maiS), os


;

operarios da estrada de ferro devem sentir de maneira mais flagrante o


"roubo' das horas extras -- que são as suas horas normais, são a maioria
das horas trabalhadas , durante nove ,meses: 8 horas normais e 16 extras
quando se trata de ferias, 139 salario ou aposentadoria, onde as horas ex
tras não são contadas.
.158.
no e trabalhando 8 horas,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
somentezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Sem comprometer o ,funcionamento normal pela

absorção de mais um turno que teria de ser todo cortado no apontamento ••• es _

ses profissionistas vêem a reivindicação do semanalista inscrita no seu futuro

objetivo, ao contrário dos demais profissionistas. E então se instaura entre

os operários uma discussão interna sobre as vantagens e as desvantagens de ser

um "contador de hora" ou um "semanalista" (26).

[!~. Ganhar
"Como diz a história, que não há um bom sem falta, n~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
,
por semana e bom, porque a, usina acontece vir moendo certo, mas
quando bate esse tempo chuvoso •.• Agora que ainda tá mais ou menos.
,
Quando chove muito ela para muito tambem. Tem vezes de passar o
horário todinho parado porque não tem cana pra moer. O trabalha
dor que ganha por semana, é bom, não perde nada. E o que ganha
por hora, só faz mesmo aquelas horas de trabalho ~s 48 horas le -
gai~. (••. ) Também, quando a usina tá moendo muito, as horas to-
das da semana, o semanalista só recebe aquela semanazinha, e o op~
,
rario que ganha por hora, ele fez setenta, noventa ou cem horas, ~
le então recebeu muito, recebeu mais que o semanalista, porque fez
muitas horas. Há essa bondade para o lado do semanalista de ga
- ~ ,
nhar certo quando a usina nao moeu, e tambem ha essa bondade para
o horista, que quanto mais hora raz , mais ganha." (cozinhador)

"Eu aqui ganho semanal. É melhor semanal porque, quando chega o


apontamento, esse pessoal que conta hora sofre muito. Que eu vejo

, ,,,
(26) Ao contrario
, do "horista", que tem um sa.Iar-í,o semanal variavel, dependen-
do do numero de horas efetivamente trabalhadas, o "aemana'l.âs t.a' tem um sa
lário semanal fixo qualquer que seja o n~ero de horas trabalhadas. As::
sim" se os "hor ãs taa " "fazem" um ganho semanal que desafia o desgaste de
sua força de trabalho" os "semanalis tas " t~m um ordenado correspondente à.s
suas 8 horas, de trabalho. O operáriO "semanalista", trabalhando 8 horas ,
tem um salario equivalente ao de um horista trabalhando 12 horas. O preço
de ~ trabalho é assim
, sua hora de ~ superior, e ser um -,operáriO "semanalista"
e uma promoçao, ou um artificio para que a usina nao pague salarios supe-
riores reivindicados compensando
~ tais demandas pela diminuição da jornada
,
de trabalho de alguns operarios. Apenas uma pequena minoria de operarios
são "semanalis tas "" que é um regime de pagamento de salário próprio dos
empregados.
.159.

o salário desse pessoal) quando chega a época do apontamento, essezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ


pessoal
-
nao faz ext.raordãnarã -
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o , nao faz s erao ~ , nem nada, ai~ sofre
muito. n (coz ínhador , t.raba.Lhando 8 horas e ganhando semanal)

"O analista laboratóri~; @e


tem aqui um pessoal qU8 já chama o
, , ,
analista de empregado) ne , porque ja. tem um n íve l, mais superiorzyxwvutsrqponmlkjih
,
que o operario,
" "
/
ne, mas sobre o 2Qla~io e quase tudo igual. O sa-
lário-m:Ínimo é 760 c ruz e i.z-ca pc::' hora, 76 c entavos , E de primeiro
eu tava com 820. Diferença. de 6 centavc3y né. Ai, a gente ganha
; ? / ~
besteira, ne. M3,3 8,1 um camaradãnha me diziD,: 'Mas como e que e ,
, ~ ~
analista ganhando igu2.1 a c:)eral'tc} nao sei o quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
J analista e tudo
...
operario mesmo'. QU8.ndo fo~_ 2,gC:::-2,) e t8 G homem chegou, esse geren-
te ai botou pr'a mil cr-uz oãr-cs Q_OOO cz-uz.e Lr-oa 8,ntigo:u a hora, n~.
.• . ,,,,, .,
Melhorou mais uma coãs í.nha , ne , .Ia o povo ja ficou tedo, os oper~
" , ,
rios ja ficou tudo me mar canc;o D" l j2, m e io assim, ne. Meio
f'Lcou zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML

assim. Porque muita gente 760 a hora


GC:lJ:~:;.ndo e a gente ganhando
,
mil. Mas ainda tem opcr.u-Lo 8..1. que ganha mad.a , "
'Voces ganha nad~
rapaz I, que nem o evaporador
/
mesmo que tem 12:, que ele
A
ganha
_ _
mais
do que a gente ainda. Ai ele d:l.z::1.a: Isso I (? que voces nao sao na-
.-
da, rapaz, quem ja ví.u a.;13.1:::.TC8,ganhando tanto quant.o a gente? Vo
cê ganha esses 80 c:r1)Z8:~;:c,:;J 70 J 60 [POJ~ semanr:0 e eu recebo 100 ,
90, 110'. Mas porque r3z:Lê1, 5:::~;c? Fazi2, :1..8:30 porque dobrava mui -
~ .• . ...• ..
to, ne .• f'az La muí.ta l.J.mp:2Z2'J no ,
/

COe.iO o dia de hoje, ele ta fazen


,
~
do limpeza" n~. nc , ccrita mazs aquelas ho -
ras por fora.
,
~. Porque
ne,
a vantagem e ganhar ill2.:;'J c ~c·7:'2';2'-h3,:.' mencs . Mas fazer ordenado ,
e"
, .-
ordenado J ne , Muit03 ai p2nO:::'m que t::z)n,I,h?nc1o m3.i!J tem vantagem,
~
compensa. ACh?" que tcmc:'c'?'\ Y3J:1tezemJ mY) ce e0fcrça demais, nao
~? O camar-ada tr2,balh?\::.' 2.2 }}.:-O:"?l j?, ~ dem!Cuc. As leis ~ 8, o ca-
/
<1eon55, ne , dobra. IvIuitos que
carrega
"
famiJia grande
,
.• ne J :_0: 12 fJ1hos. D::";e hor-as acha que nao
da ainda, ai passa uma d::;yt"2:..
~ / A "

V8 LG D.:~gU-:.:ji fal·;:,:m. Ai vai e tira


mais 6 horas. Em vez di" le.rg::::.:;'C'Jíi1 12, lS2g3, com 18. Ma8 isso e"
duas, tresA vezes por a emana , que maiiJ e'Lc nac
-
aguenta fazer isso •
Faz isso forçado" né. Mas ne.o q;;;'l'.snta. Ai 8.S vezes o ordenado fi
ca maior, n~. Mas se es ror çou d:cma:L;. ( ••. ) A gente que traba.lha.
.160.

por hora, tem que zelar pelas horas. Mas faz isso forçado. A gen-
te faz aquele esforço de ir nas horas certas pra não perder nada ,zyxwvutsrq
/

ne. Porque quem trabalha por hora, quanto mais zelar pelas horaszyxwvutsrqp
,,- ;,
melhor,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ne, pra nao faltar uma hora, ne. Mas pagando por semana e
/ ~
bom, ne. Porque pega de meio-dia, não pode, peguu de 1 hora, nao
tem problema. Faz uma viagem, avisou ao chefe, não tem problema ,
~
pode ir, ne. Por isso que eu digo eu tenho vontade de trabalhar
/ /,
por semana, ne. Embora com um salario menor, ne, mas que seja co~
tinuado, inverno, verão tudo. Apontamento e moagem, né." (analis-
ta de laboratório, horista, trabalha 12 horas)

Nessas discussões internas entre os operários, onde por vezes transpare-


A • '
ce a concorrenCla individual que ele8 se fazem, tran8parece~mbem, no entanto,

um questionamento de certas caracteristicas da própria categoria do profissio-

nista. Tanto a enorme jornada de trabalho, quanto a flutuação c:Íclica do ni -


,
vel de subsistência do profissionista são postas em questão. Como tambem o

postulado do "fetichismo do sal~,rio-hora" J de qU8 toda hora suplementar de t.ra

balho é compensatória, postulado que encerra a maioria dos profissionistas em

um circulo vicioso envolvendo o seu deagas+e e seus baixos salários, tem sua

hegemonia abalada nessa discussão diante do surgimento de um racioc:Ínio inver-

so: "Porque a vantagem é ganhar maf.s e trabalhar menos. li (27)

, ,
(27) Note-se que o analista de/labo~atcrio acima citado} conquistado pela log!
ca do ordenado contra a logico. do ganho , utiliza impropriamente a catego-
ria de ordenado em um l'acíoc:tniorê-ferIdo à lógica do ganho para depois
Concluir pela incoerência dessa ·,J.ltJ_ma lÓgicã":'~.
----
fazer ordenado, t.raba
",
., zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
.....,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
lhar dia e noite pra rcz.er ordenado , assim eu acho que nao e ordenado,ne. ' ;

Ele assim nega o '(fazer" do pr-of'ãs sáonãs ta , o fazer-salario com que o pro
fissionista procura~ a8semelhar·,nG ao artista, detentor
; , do "f'az ez-" da arte
Alias a configuraqao do artista ccmo modelo de operario para o profissio-
nista manifesta-se muitas veZeS ao nivel terminol~gico. Assim, esse "mime
t ãsmo" do "fazer", que o prof5.ssionista transplanta da arte para o salá -:
rio, para o ganho que representa suas longas horas trabalhadas de onde ti
o ,,, " _

ra sua subsistencia e sua dignidade de operario. Assim tambem o propriosu


"
fixo lsta incluido no termo de sua categoria auto-classificatoria
/
-- pro- -
fissionista -- orienta-se pelo sufixo do termo designativo de seu modelo:
o artista. É esse sufixo, acolado ao termo genérico de profissão designa-
tivo da atividade de todos 03 oper~rios não-serventes, que vem dar parad~
.161.

A explicitação mesma, no pensamento e no discurso dos operários, do que!

tionamento do "fetichismo do salário~hora", inverte a diverg~ncia que esse Iff!:

tichismo" acarreta entre duas ordens de discu:cso referentes a dois aspectos dazyxwv
" A A
vida dos operarias, seu trabalho e sua subc tat.enc ía , na convergencia entre ozyxw
/

discurso dos operarias contra 8. enorme jornada de trabalho e o seu discurso con
A (28)
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tira a. insuficiencia do aa Laz-Lo . E então essa convez-genc ía , que finalmen-
F

te consegue realizar'<3e a par t í.r das pz opr-Ias contrad:Lções do "fetichismo do

salário-hora", assume a forma mesm2.elo protesto contra as horas extras. Pro ••

testo este que surge paz-adoxaImen te por OCOAJle,O do deeapar-ecãment.o do objeto do

protesto: quando do desapar ccãment.o das horas extras nas paradas da usina du -

rante a moagem, no apcrrtamerrto , nas f~r:l.2.::.;,na aposenta.doria. Sem dúvida, PO!

que o protesto e" cont.ra as hor-aa-vextrra enquanto esforço suplementar de traba -


; .. .;
lho, dilap5.dador da fc::ça dos oparaz-acs , mas o decapar ec fmenbo e das hcras -ex-

tra enquanto remuneração. E e..as Lm esse prot.es+o distingue, no pensamento do o

perário, dois 8ignificadcs da cat2goria hO:~J que a justaposição efetuada pelo

"fetichismo "
do salad.o-ho::a li im:p-ed:La
de separar: a ho~ enquanto unidade do

seu esforço, di~tint3, E.~::..?.:. enqu~n~~oun í.dc.de do seu sal~rio.


dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Mas o pr-o'bec t.o cont.r a as >c·c.-::'~8 extras at5.nge caracte:r:Í.cticas intr:Lnsecas


, , ~
apropria ce.t.egcr ín dos p:~'cf:i.E:s~_c:::L0t:U3.
PoiszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
G EW as horas extras que os fa -

zem os "contadores (Ie hO:"2~~1!t (ou C'ó "f'az edor ea " de sa.iar . , ou os
~" ao
"zeladores

xa1mente (porque re:í:'c;l"::'..ÔO 2', outza ca't egor La de operar Lon ) especificidade
, ..."'" ,'*.. _ •• .•• '"I......, .. ~
a des ãgnaçao dos op::;:ra~~lc3.LJ.g'3,do::l a s eçao de fa):'J..caçe,o. Aas ím, o cara-
ro;

r
Lcní.c t.2~j (com relaç2:o aos artistas)
ter pos ic ional dC3 I;é'Of'i.'1.':: parece fa. -
zer parte de sua propr:1'Cj e:.::pec:Lfic:i.cade.
~
(28) "O problema e que o que a gente come nao ccmponea o que a gente trabalha.
-
O pior não ~ as 12 h~,=-"8,Gque 8. gf':1te tra,bs,lha de domingo a domingo. O p:br
, -. "ft
e que a gente nao ccms o b2.r;t::m'eG para trabalhar tanto. Ai fica doente.
(esquenta-caldo)
.162.

das horas"), são elas que determinam seu nível de subsistência normal na moa -

gem e seu período de privação no apontamento, são elas a própria contrapartida


A , •
que os profissionistas tem de carregar em troca do emprego estavel e f2xo, quezyxwvu
, -, A
acarreta~ alem disso~ concessoes extra-monetarias. E assim a convergencia do

discurso dos profissionistas contra a sua jornada e contra o seu salário repr~zyxwvutsrq
"
senta a revolta contra a sua propria condiçao. -
", ,
O "fetichismo", propr o a forma do salario, que envolve os seus recepto-
í

,
res, abala-se mais ainda no pensamento dos operarios quando estes comparam o

seu salário com o dos seus chefes, os empregados. É então que se contradizem
todas as justificações que t~m os operários sobre o salário: essas justifica P

" í,o trabalho,


çoes , adequadas para o seu propr esbarram COm a atividade dos em •.zyxwvuts
,f

pregados. Mas para avaliarmos os efeitos dessa analise comparativa que se co-
, _ , A

locam os operarios devemos antes sistematizar a concepçao do salario que tem

os artistas.

2. A Concepção do Salário pelos Artistas

Na seção anterior vimos como o fetichismo do salário-hora dos profissio-


I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA r-:
nistas se acentua pela propria maneira posicional com que eles se veem com re-

lação aos artistas. Faltando aos profissionistas a arte, na qual se baseia a

concepção do trabalho e do salário dos artistas, aqueles só podiam justificar


, ,
o seu salario pelo numero de horas que trabruham.

Os artistas, com efeito, apesar de na maior parte do tempo serem regidos


" A ,.."
pelO salario por tempo, tem uma concepçao do salario diferente da dos profis -

sionistas. Essa sua concepção do salário aparece como um prolongamento de sua


, ,
concepção do trabalho, que vimos no capitulo T. Assim, o salario para os ar -

tistas não pode deixar de relacionar-se com a sua arte, com a cooperação sim -

ples que rege a organização da produção na oficina e que permite o desenvolvi-


.163.zyxwvuts
~
mento do fazer caracteristico do artista. E essa ideologia da arte e da part!
- ~
cipaçao individual possivel de ser distinguida no produto, abre caminho para ~

ma concepção do salário intimamente relacionada ao produto. Ao contrário dos


~
profissionistas, operadores de um sistema de maquinas parcelares por onde per-
,
corre a materia-prima continuamente transformada, impossibilitados de verem no

produto sua participação individual pr6pria, tendo portanto que justificar suazyxwvutsrqponm

remuneraçao - ~
atraves do tempo em que dispendem o seu esforço no trabalho, os ar

tistas, inseridos na cooperação simples das oficinas, t~m o caminho aberto pa-
~ , A
ra relacionarem a sua remuneraçao ao proprio produto que criam. A importancia

da participação individual do artista na produção através da importância de au

a arte é tão presente em seu discurso, que muitas vezes se exprime através de

termos que usualmente correspondem a uma remuneração por produção, tal como a

expressão "trabalhar por minha conta".

"( ••• ) Agora, quando a usina pejava, eu ficava no apontamento, mas


ai, eu nessa parte, na Usina X, eu não trabalhava por minha conta,
eu trabalhava mais o serralheiro ~judante de serralheir~. Ai de
pois que eu cheguei aqui, foi que o mecânico mandou eu trabalhar
por minha conta." (serralheiro)

rr ( ••• ) Ai, fui transferido. Fui pra oficina, fui trabalhar de aj~
dante de encanador. Com um rapaz que eu gosto muito dele. Hoje e~
, "
ta afastado do trabalho, esta doente. Ai trabalhei muitos tempos
de ajudante de encanador com ele, a gente sempre se entendia bem ,
eu com ele, na base do trabalho. DepoiS o mestre [2hefe de ofici-
n~ perguntou se eu tubava, se eu assumia aquela responsabilidade,
aquele trabalho @e encanadoJ] por minha conta. Eu disse: 'Assu-
mo'. Ai fiquei sozinho, ne . Sempre trabalhando ali, e tal e coi-
sa, passei a ter ajudante, e sempre fui entrosando em outras par -
,
tes, e chegou ao ponto dali eu passar pra parte de caldeiraria,ne.
E fiquei trabalhando. 11 (caldeireiro)

"Ai ele me transferiu pra oficina. Ai comecei a trabalhar de aju-


~
dante de caldeireiro. Trabalhei uns 5 anos. Depois eu ja fui, na
.164.zyxwvut
_, I' •••.

minha continuaçao, eu ja fui fazendo coisa ne, que podia ajudar a


ind~tria. Fazer por minha conta. Até que chegou num ponto finalzyxwvutsrq
, '"
que o homem me deu uma maquina de oxigenio, pra eu trabalhar por
, , A

minha conta, ne. Ate hoje to trabalhando." (encanador)

No contexto da descrição pelo discurso do operário do percurso que faz ~zyxwvutsr


, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA .-
te Chegar a ser um artista, alcançar a arte e designado como trabalhar por mi-

nna conta. Essa designação, como mostram as citações acima, refere-se à rela-

ção do artista com seu ajudante e à distinção entre os dois. Ela refere-setam

bém à responsabilidade que o operária é levado a assumir perante a administra~

ção da usina (através do chefe de oficina) com relação não somente ao enquadr!

mento de ajudantes, mas também com relação à qualidade de suas tarefas de re~

ros e de fabricação de peças.

na diante do "homem", a pr~pria personificação


Diante dessa relação com a administração

da administração -- "Até
da ua1
-
que
, A
chegou num ponto final que o homem me deu uma maquina de oxigenio pra eu traba
, ~ ,
lhar por minha conta" --, o artista e levado a preocupar-se nao so com a qual!
~ ,
dade de sua produçao mas tambem com o funcionamento e o rendimento na moagem

da.s partes da ferragem que ele reparou e fabricou. O artista se "responsabili-

zar! assim tanto pelo seu "trabalho vivo" durante o seu processo de produção ,
qua.nto pela qualidade deste seu trabalho anterior, agora "trabalho morto" in -

corporado nos aparelhos em seu funcionamento independente, operados pelos pro-


,
fissionistas, e incorporados também no conjunto da ferragem. Apropria defin1

ção da arte implica, em uma de suas dimensões, essa sua qualidade de trabalho

anterior, indispensável ao funcionamento posterior da máqUina:

liA arte, e, a gente que amorrta aquela ".-


maquâ.na , pz-aquaLa maquina vi-
rar. Por exemplo, eu tomo conta de uma máquina.
Eu pego aquela ~
~ , , .,
quina, desmonto aquela maquina, uma maquina dessas que ta ai para-
da. Eu pego ela e faço. Pego isso aqui, levo pro forno, esse em-
buchamento, isso e aquilo, e lá vai, monta a turbina, tá toda prog
ta., ai bota o vapor e vamos virar aquela máquina. Ai o trabalho
.,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
prs, ví.rar . Quer dizer que eu fiz aque la parte. Assumi ~
que tem ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sa responsabilidade" sou um artista, que fiz aquela parte." (serr~
lheiro)

E o produto do seu trabalho, apropriado pela administração da usina,cri!


,
talizado nas proprias ferragens da usina, paradoxalmente não se separa do ar -

tista, mas continua ligado a ele pela parte de responsabilidade que ele tem no

funcionamento independente dos aparelhos reparados e fabricados por ele.

llQua.ndobate o apontamento, ele [? chefe da oficin~ me entrega 8


pessoas. Oito homens. Ai eu me farto a trabalhar. Fazendo o tra
,
balho de duas maquinas: bomba de ar e compressor. Uma parte de
,
vasculhador. E uma maquina que bota adubo, que vem dos engenhos •
, ,
Fazendo apontamento todo dia, e Ia vai. Ai cada um que se interes
se, faça o seu serviço em dia, pra quando moer ningu~m não tá ape!
reado de serviço. Pra produzir aquele serviço, 1'1'0 patrão não fi ••
cal' cismado com o camarada. Eu venho trabalhando, graças a Deus ,
, ,
e eu ja fiz dois apontamentos aqui nessa usina. Eu ja fiz do ano
,
retrasado e fiz do ano passado, que passou-se agora, e ta tudo mo-
endo. E graças a Deus a minha parte que eu fiz não parou ainda um
minuto. li (serralheiro)
, ~
Desta forma, vemos como o artista e levado a ligar a razao de ser de sua

recompensa pelo trabalho por ele fornecido diretamente ao produto do seu traba

lho, por dois caminhos que se reforçam. Um deles é a valorização de sua arte,

de seu trabalho especifiCO, que não pode ficar indiferente ao resultado desse

trabalho, à qualidade do produto. E o outro ~ essa não-separação do trabalha-


,," ,
dor do resultado de seu trabalho, que e caracteristico do artista. Ao contra-
,
rio dos profissionistas, cujo produto materializado do seu trabalho, o açucar,

resultado indistinto e impessoal da ação coletiva das operações de todos os


~
profissionistas sobre os seus aparelhos, que ao ser apropriado pelo usineiro e

levado ao mercado onde será "realizado" o sobre-trabalho cristalizado sob a for


" ,
ma ou do açucar cristal ou do açucar demerara, os artistas -- esses metalurgi-
.166.zyxwvutsrqp
~ ~
cos do açucar -- ao trabalharem visando nao o produto manifesto da unidade de

produção que se dissolve no mercado, mas visando a reprodução dessa unidade de

produção ela mesma. sob a forma do conjunto dos meios de produção, o produto do

seu trabalho não se separa fisicamente deles" mas ao contrário os envolve cir-

cularmente como parte de suas própriaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC


condãçés s de trabalho. A apropriação ~

10 usineiro do trabalho dos artistas não se materializa na separação física do

produtor do seu pzoduto j a "separação", isto é, a não apropriação do .produto?

direto de seu produto se materializa paradoxalmente


~
na pr opr aa
. transforma.ção

constante do produto do trabalho dos artistas em meios de trabrubo para a prod~

ção do aç~car, que por sua vez se transformam novamente em objeto de trabalho
A
dos a.rtistas. Os artistas tem assim diante dos seus olhos constantemente o

seu próprio produto acabado, que voltará a ser em um periodo posterior seu ob.

jeto de trabalho.
-
Assim, essa dupla presença do produto nao pode deixar de afetar a concep-

ção que têm os artistas do seu salário. E a maneira que encontram os artistas
~, ~ ,
de justificarem seu salario-horario mais elevado e justamente atraves do seu
,
produto, ata-aves de sua qualidade de ~ peças acabadas com o controle que

possuem sobre o processo produtivo.

"Um artista ganha já um ordenado melhor. Tem que ganhar melhor ,


,
ne , Artista tem que ganhar melhor. E ajudante tem que ganhar o
salário-mínimo. Porque não faz nada pra usina. Só faz ajudar,co~
, , ,
preende. E ganhando mais que um salario-minimo, quer dizer que ja
~ ,
faz alguma coisa pra fábrica. Ja ta no ritmo de um artista. De um
caldeireiro, um serralheiro, um torneiro, compreende." (soldador)
,
° seu
;

Dessa forma, embora tendo presente que salario e contabilizado por

tempo, os artistas introduzem em sua concepção de salário uma justificativa p~

ra ele" ligada ao produto do ~ da arte. Essa justificativa ~ motivadazyxwvutsrqponmlkj


pe-

la lógica da diferenciação interna dos operários: diferenciação dos artistas


.167.
de seus ajudantes, mas também por extensão, diferenciação dos profissionistas

esses "ajudantes" das máquinas que no apontamento se transformam em ajuda.n-


,
tes dos artistas -- e dos serventes.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
E tambem o profissionista, por sua vez ,

como vimos anteriormente, com sua visão posicional referida ao artista -- o


, ,
proprio modelo dos operarios --, aceita a justificativa do artista sobre seu~

lário ma.ior e a aplica "a contrã:rio" a ele próprio profissionista: diante do

artista, o profissionista desprovido da arte e do salário-hora que ela faz me-

recer e reduzido a ajudante o que !item que ganhar salã:rio-m:Ínimo" -- só res


'" ,
ta o orgulho da resistencia as longas horas trabalhadas. Essas longas horas

asseguram aos profissionistas um melhor salário semanal, introduzindo-os ao

mesmo tempo na faixa dos que "fazem": os profissionistas, "contadores" e "zela.

dores" de suas horas, "fazem" o seu salã:rio, compensação ao seu desprovimento

do "fazer" do artista.

Se a atitude posicional dos profissionistas diante dos artistas leva a -

queles a solidificar seu "ret ícrrísmo do salário-hora", inversamente, diante dos

profissionistas, os artistas são levados a solidificar uma concepção própria


, , ,
do salario que, apesar destes operarias estarem submetidos ao salario por tem-zyxwvutsrqpo

à concepção que t~m trabalhadores submetidos


po, assemelha-sezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ao salário por
, ••• A

peças. Distinguindo-se dos outros operarios atraves da enfase na especificid~

de do fato de possuírem uma arte, os artistas justificam seu salário-hora mais

elevado pelo fato de produzirem peças para a usina, como se o preço horário do

seu trabalho fosse o preço da própria tarefa exercida durante esse tempo. É co
'" ~
mo se o artista, querendo ressaltar a importancia de sua participaçao individ~

aI no processo de trabalho e no produto, que a organização da produção na ofi-


,.
cina atraves da cooperaçao
- simples lhe garante, fosse levado a pensar o seu s~
~ ; "" ~
lario utilizando-se dos mesmos pressupostos implicitos na concepçaa do salaria
A , ~ ~
que tem trabalhadores regidos pelo salario por peças: a ilusao de que o sala -
.168.zyxwvutsrqp

rio recebido pelo operário corresponde ao valor do trabalho incorporado ao pr2

duto, às peças acabadas. Essa l~gica. da diferenciação posicional entre artis-

tas e profissionistas, se ela. leva. ambas as categorias a terem uma concepção ~

ferente do salário -- entre outras concepções diferentes --, uma tendendo ao

IIfetichismo" do tempo, a outra tendendo ao "fetichismo" do produto, essas con ••

cepções divergentes t~m, no entanto, um ponto comum; a necessidade de justif1-zyxwvutsrqpon


""
car o seu Balario ,
atraves do seu trabalho especifico. Essa necessidade de j~

tificação, por sua vez, remete, como já vimos anteriormente, ao 11 fetichismo "
próprio aos agentes do modo de produção capitalista a respeito do salário
,
que o trabalhador e pago pela totalidade do trabalho por ele fornecido -- "fe-

tichismo" este propiciado pela própria forma do salário que apaga qualquer in ••

dicio da divisão da jornada de trabalho em um tempo de trabalho que correspon-

de ao valor da subsistência do operário e em um tempo de trabalho excedente ,


,
sem contrapartida para o operario.

Mas como pode sustentar-se essa variante do !ffetichismo do salário por

peças" dos artistas, se efetivamente eles ganham por tempo? Pois o "fetichis-

mo do salário-hora" dos profissionistas tem por base o fato de que para cada!;.?

ra suplementar trabalhada corresponde um pagamento correspondente suplementar.


- ,
Mas para cada reparo feito ou para cada peça acabada nao corresponde um acres-
, ~
cimo de salario para o artista: e o pagamento por hora trabalhada. que rege no!

malmente o salário dos artistas e não o pagamento por peça acabada ou por tar!

fa realizada. Como podem avaliar os artistas o preço de suas diversas tarefa~

o preço da fabricação de determinadas peças, já que esses preços não existem?


A
Querendo conciliar a importancia da sua arte que deve acarretar uma liga-

ção entre a sua remuneração e a qualidade do produto fabricado, tendo uma. par-

ticipa.ção individual do artista identificável com o seu

salário efetivamente pago por tempo, só restaria ao artista acreditar que seu
salário-hora, comparativamente mais elevado, guardaria uma relação de grandezazyxwvutsrq
~
aproximada com O salario que poderia ser pago por peça ou por tarefa.. Esse "fe

suí,.•generis, que amalgamaria uma concepção de salário por produção a


tichismo"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~ ~
um regime efetivo de salario por tempo, tal seria o "fetichismo do salario" dos

artistas •

Existe, no entanto, como vimos no capitulo r, uma outra forma de pagame~

to ao trabalho dos artistas: as empreitadas ocasionais, cuja freqti~ncia maior

se concentra durante o apontamento. A ocasionalidade das empreitadas não imp~

de, no entanto, que essa forma de organização do trabalho e de remuneração a -

tinja não somente a todos os artistas -- seja como oper~rios principais da em-
,
preita.da, seja como seus auxiliares convocados por aqueles -- como tambem a t~
-
das as seçoes, aparelhos e toda a ferragem a serem trabalhados como objeto pe-
, ,
los artistas. E como faz parte da propria logica da empreitada o regateio do

operáriO principal -- que indiretamente representa os outros operáriOS a serem

chamados por ele -- com a administração da usina, e esse regateio pressupõe a

avaliação de preços das tarefas especificas


a serem executadas, esse cálculo
,
de preços abrange toda as partes da ferragem da usina e e interiorizado por to
, ,
dos os operarios de oficina. Embora a empreitada geralmente abranja varias ta.

refas em toda uma seção da usina, o operáriO principal, antes mesmo do proces-

so de regateio, tem que decompor todo o serviço proposto nas tarefas em que e-

le se constitui e assim planejar, com base no preço que ele se faz dessas tare
, ,
fas, o recrutamento dos outros operarios e o tempo necessario para a realiza -

ção de todo o serviço.


. ~ ~
"Quando e na epoca do apontamento a gente trabalha muito porque eu
; ;

pego um setor daqueles, varias trabalhos, ne. Aquilo ali, a gente


faz uma .
empr-ed.bada
' .•.
e trabalha o maxamo , ne" , Ate, se aproximar o di
a de moer, então realizamos aquela parte, a usina já vai cuidar de
moer, então ai a gente s~ trabalha mais quando ela se quebra na mo
.170.zyxwvutsrqpo
agem, Mas sempre nunca. fa.lta.trabalho, construção, alguma coisa que
apa.rece a gente vai fazendo, substituindo aquelas peças que estão
gastas, e dai por diante. Agora, eles utilizam a empreitada quan-
, , ,
do o trabalho e muito, ai eles aceitam dar essa camisa a quem esta
nu. Ai eles separam: 'Bom, nós temos tal trabalho, tal trabalho,
tal trabalho. Diga por quanto faz.'
Ai a gente faz aquela base,
, ,
quantos dias nos vai gastar, com quantas pessoas nos vai trabalha~
aí eu d:)..go:'Faço por X.' Ai ele vai discutir: !Não, eu só dou
tanto, e tal, mas nao dá, e tal.' E fica naquilo até que chega um
ponto que não fica nem como a gente quer, nem como ele quer, e fi-
ca. Então aquilo a gente pega, e trabalha mesmo, e no fim das con
tas, faz uma camisa, né. Mas isso na época de apontamento mesmo,
que ele sempre abre mão.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
11 (caldeireiro)

ASSim, os artistas em certas ocasiões são efetivamente remunerados por

produção, o que reforçaria mais ainda a ligação que fazem entre o salário que

usualmente recebem e o produto do seu trabalho. Essa ligação, tendo como que

por modelo a empreitada -- essa consagração do artista -- chamaria atençãozyxwvutsrqponmlkjihgfedc


pa.-

ra a virtua11dade intrínseca às caracteristicas do artista de seu trabalho ser


;

pago por produção. Pois essa forma de pagamento, alem de propiciar uma remune

ração mais elevada -- que dá para "fazer uma camisa para quem está nu": a asso

ciação entre a. empreitada e as despesas de vestuário não se dá por acaso; ela

sugere ~ue essas necessidades poderão ser satisfeitas nessa ocasião, pois o sa

lário normal mal dá para a alimentação --, propicia a realização do trabalho do

art1sta conforme o modelo que ele se faz da arte: trabalhar por minha conta,i!

to é, sem a investigação dos empregados. Com efeito, por ocasião da empreita-

da, os operáriOS t~m autonomia para organizarem o processo de produção, sob a

coordenação do operáriO principal (cf. Capo r).


/ 'V" •
Mas se a empreitada e, por um lado) uma realizaçao do salar~o por produ-
_ A , ,

çao que, ao dar importancia ao produto e a tarefa especifica, se conforma com

o modelo da arte que tem o artista, por outro lado, a empreitada instrumentali
.171.
za os artistas a calcularem efetivamente os preços de suas tarefas e das peças

acabadas que fabricam. E a comparação desses preços com o salário-hora que r~

cebem normalmente -- levando em conta nessa comparação o tempo necessário para

a execução da tarefa -- não pode deixar de fazer ver ao artista que o seu salá

rio-horário normal não incorpora o valor equivalente ao preço-horário da mesma

tarefa feita na base da empreitada. Ao contrário do "fetichismo do salário-hozyxwvutsrqp

r-a" dos profissionistas, que justifica o salário recebido e o seu montante pe-zyxwv
, ~ / ,
10 tempo de trabalho, ja que o seu salario-hora e relativamente rigido, muito

próximo do salário mínimo, o tifetichismo do salário" dos artistas" que tem que

se apegar às particularidades da produção como justificativa, deixa indeterm1-

nado o seu montante, pois indeterminado é o seu salário-hora. O "fetichismo .'

do salário dos profissionistas explica principalmente o montante recebido por

ele no final de cada semana. O "fetichismo" do salário dos artistas deveria ex

plicar o seu salário-hora, mas ele explica apenas que ele é maior do que o dos

outros operáriOS porque os artistas possuem a arte.


~ ~ ,
Com efeito, a concepçao do salario dos artistas e principalmente um ope-

rador da diferenciação que eles se fazem dos outros operáriOS pelos seus atri-

butos dados pela arte. Ela tem por preocupação legitimar essa diferenciação!!1

corporada no seu salário-hora maior. Mas essa concepção não é satisfator1amen

te legitimadora quanto ao salário que o artista merece como contrapartida da


~
utilização produtiva de sua arte. Pois essa concepçao tem que ter alguma lig~
N _ ~ ,

çao com a produçao ja que, segundo o modelo da arte dos artistas, o seu sala -

rio-hora deveria ser equivalente ao preço que seria pago por essa mesma produ-

ção nas condições da empreitada. Mas a comparação da remuneração por empreit~

da com a sua remuneração tempo faz ver ao artista que não há equiv~
normal porzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

lência entre o seu salário-hora e o que ele poderia receber por produção. Além

disso, as condições de seu trabalho normal, mesmo pagos segundo essa equivalê~
.172.zyxwvutsrqpon

cia, deveriam seguir as condições da empreitada quanto à maior autonomia da ad

ministração que têm os operários no processo de trabalho. E assim, se por um


, ,
lado o "fetichismo" do salario dos artistas e legitimador da diferenciaçãozyxwvutsrqponmlkji
de-

les com relação aos outros operários, ele por outro lado exprime implicitamen-

te a inadaquação dessa forma de remuneração por tempo às qualidades do artista

I
e da produção que ela deveria recompensar.

Com efeito, essa inadequação que o "fetichismo" do salário dos artistas


I.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sublinha indiretamente, entre a forma do salário por tempo e o modelo de arte
~
dos artistas que para ser completo pressupoe a empreitada, aponta para a con -

tradição entre esse mesmo modelo e a própria cooperação especifica da oficina.zyxwvutsrqponmlkjih

A. cooperação na oficina não se atualiza normalmente através de um instrumento

de mediação entre a adminstração e os operáriOS: ela não dispõe de um sistema

de máqUinas parcelares de funcionamento ininterrupto que ele próprio impõe um

ritmo compulsório e automático à revelia dos seus operadores humanos; e também

ela não se exerce atrav~s da utilização normal do salário por produção quezyxwvutsrqp
li-

ga a produtividade da mão-de-obra desejada pela administração ao interesse do

trabalhador pelo seu salário. Assim, essa cooperação se atualiza sem media

ções: a transmissão de ordens p~la hierarquia é que realiza a própria ligação

entre os grupos de operáriOS, e a investigação é o meio de controlar a produt!

vidade desejada pela administração. A hierarquia da usina se impõe desta for-

ma diretamente aos artistas no seu processo de produção imediato, e esta impa-

sição direta é a pr~pria alternativa de uma forma de remuneração o salário

por produção, desejado pelos artistas -- que organiza a produção de maneira di

ferente, dando uma maior autonomia a03 operarios


?
no quadro da cooperaçao
-
sim -

pIes.

Não é por acaso que o fato mais evocado pelos artistas como exemplo do

cativeiro atual dos operáriOS é o chamado da administração da usina na casa do


.173.zyxw
, . '
operar1o, no seu tempo livre, para que ele compareça a usina para trabalhar em

"emer-genc ía". Pois, sem d~vida, que não é principalmente


um serviço dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA a Lon-
A "
ga jornada de trabalho que decorre desse "regime de emergencia" que mais con -

tribui para o seu caráter de ~~ti~i~, mas sim: 1) a invasão da esfera domés
,
tempo livre;
tica do operaria, tirando··o de seuzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2) o fato de que essa longa
,
j ornada se faça sem uma recompensa adequada ao operar í,o submetido a esse "reg!
A ,
me de emergencia", isto e, sem a empreitada; e, conseqüentemente, 3) o fato de

que essa longa jornada se passa não sob a maior autonomia no trabalho decorren

te da forma da empretada, mas sob as ordens e a investigaxio da hierarquia que

complementam o salário por tempo. Pois, ao contrário, quando da concessão de

empreitadas, os artistas estão prontos a se submeterem a longas jornadas det~

balho para cumprirem os prazos necessários ao término do serviço combinado. A!

sim, o trabalho nesse regime de emerg~ncia, sob a vig~ncia do salário por tem-

po, torna tanto mais insuportável a longa jornada de trabalho quanto o operá -

rio sabe da possibilidade alternativa da concessão da empreitada para a reali-

zação do serviço solicitado. E o trabalho nessas condições ressalta como o ar

tista fica à disposição da ac.[c:~nistraçãoindependentemente de qualquer horário


.-
de trabalho pre-fixado.

ASSim, o "fetichismo" do salário pr~prio aos artistas, "fetichismo" por-

que, ao justificar o salário recebico, ~~onde o fato de corresponder à contr~


~
partida de uma parte apenas da j ornada de trabalho, e nao de sua totalidade, i~

versamente revela um aspecto importante da organização da produção na oficina

ao apontar para a contradição entre o modelo de arte que t~m os artistas e a

cooperação na oficina, a qual se exerce diretamente através das ordens e dafis

calização da hierarquia, sob o regime do sal~rio por tempo.

o conflito entre, por um lado, a necessidade que tem a usina do trabalho

dos artistas, que propicia não somente a reprodução dos artistas e de suas ar-
.174.zyxwvutsrqp

tes especificas, como tamb~m a solidificação do seu pensamento a respeito do

seu trabalho, o seu modelo de arte -~ o qual ~ importante para a administração

da usina na medida que mant~m uma certa diferenciação que é suporte da ordem

interna instaurada pela administração -- e, por outa-o lado, a necessidade quezyxwvutsrqponmlk

(! " ela tem, para a consecução da forma de cooperação mais adequada a seu modo de
....."....,
~,

~
.. operaçao e a dominaçao
./

exercida sobre os operarios, de limitar e enquadrar as


t

potencialidades da arte e dos artistas que ela mesma suscita -- esse conflito
~ ~
esta presente nao somente na forma do salario efetivamente pago aos artistas ,

como também está presente na luta que têm os artistas para seu reconhecimento

enquanto tal pela administração da usina (29). E assim o enfrentamento do ar-

tista com a hierarquia da usina se dá não somente no pr~prio processo de prod~

ção imediato, como tamb~m fora dele, pelo reconhecimento dos direitos que ele

teria uma vez adrrltida sua classificação como artista pela usina. Com efeito,

a administração da usina costuma não anotar na carteira de trabalho dos operá-

rios a profissão correspondente à atividade que eles efetivamente desenvolvem.zyxwvu


I /

Essa pratica incide muito freqUentemente sobre os ajudantes que passam a oper~

rio principal, ocupando a vaga de um antigo artista. Então, a usina não reco-

nhece na carteira a arte que ela está atualmente utilizando daqueles operáriOS
,
e nao paga também um salário correspondente. Alem dos aj udantes formados des-

de cedo na oficina, essa prática incide também sobre os operáriOS transferidos

da seção de fabricação por motivos de saúde. Inclusive, em alguns casos, a u-

Vemos aparecer novam~nte aqui, emb?ra de uma maneira diversamente especi-


ficada,
, as contradiçoes inerentes a condição do artista
/ /,...,
para as quais a -
pontavamos no capitulo I, provenientes do duplo carater da produçao na 0-
ficina -- maior importânCia da qualidade da força de trabalho e solicita-
ção da arte pela ~sina por um lado, e por outro lado a imposição, sobre
essa impresclndibilidade do artista, das ordens da hierarquia no processo
de produção por tarefas encomendadas e investigadas.
.175· zyxwvutsr
sina prefere pagar efetivamente o salário correspondente a um artista, mas não

anotá-lo na carteira, deixando ao contrário registrado um salário inferior. Es

sa negação do reconhecimento de sua arte ~ vista pelos operários como uma tra-zyxwvutsr
~
paça da usina, que se junta com a trapaça das horas extras, as quais, nao senéb

registradas na carteira, não são contabilizadas quando das férias e da aposen-

tadoria. Os operários marcam no seu discurso a ilegitimidade dessa prática da

administração da usina, Como neste trecho de entrevista em que um deles compa-


~
ra essa prática com um exemplo de ilegitimidade no nivel familiar: a negaçao

do reconhecimento da profissão e da arte pela u$ina atinge a individualidade

desses artistas-à-revelia-da-carteira-de-trabalho a ponto dessa prática ser


~
comparada a um rompimento de regras familiares basicas.

"( •.• ) Eu conversei com o engenheiro., seu Fulano de Tal, pra ele
me aumentar o meu ordenado. Que eu não posso trabalhar satisfeito
assim. E depois disso nada. Adepois ele acertou mais o gerente ,
que era pra classificar minha carteira, mas nada. Pelejei, fui lá
e falei: 'Como é seu Fulano?' -- fÉ zé, depois a gente vai ver sua
, ;

carteira', e Ia vai, 'vamos ver esse ordenado', e Ia vai, mas tudo


, ~ ;

enrolando, e ate aqui eu nao vi nada. A minha carteira ta como ma


quinista [paquinista de moend~, ainda não botaram serralheiro. A-
gora, o Sr. sabe, eu tenho que tentar conseguir, classificar a mi-
nha carteira, porque a gente tendo a carteira classificada, aonde
a gente chegar, e outra coisa. Não é? Eles enrolam pra classifi-
car a carteira, a gente quer a carteira da gente direitinha. Mas
fica essa amarração de coisa, e coisa, e lá vai, não sei o que, e
até aqui nada resolvido. Porque mesmo que a gente não ganhe mais
com a classificação na carteira, mas se saísse da usina, aonde che
gasse a carteira tava marcada com serralheiro, a gente já ia com
~
outra vida, depois ia pra outro canto, com a carteira gravada, nao
é
;; I
isso?zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
E que nem, por hipotese, um rapaz rouba uma moça, ne. Rou
bou aquela moça. Mas o pacto daquela moça ~ de se casar. Todo mun
do fica casado. Aonde chegar é uma mulher considerada, e tudo o
~ ~ ,
mais, porque se casou e tudo o mais. E se nao se casar, nao e, a-
.176.zyxwvutsrqpon
quela moça não e casada. é casada, não e
É mulher e nãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
isso?
Não tem nada assinado, que ela ~ de Fulano, não tem nada, não é? É
uma mulher como outra qualquer. E a mulher casada é uma mulher con
s tderada , como senhora, e tudo o mais. É que nem a gente, com os
documentos, não tá nada legal. Bom, e a gente sempre vem pelejan-
do, pelejando. Tem muitos que vêm pelejando por aqui." (serralhe.!.
ro)
,
Um exemplo de ilegitimidade nas relações familiares e ma elemento cons-
; ,.
tante no discurso dos operarias para ilustrar comparativamente uma pratica il!

g1tima da administração da usina e dos empregados que a compõem. E o não reco

nhecimento da profissão na carteira de trabalho é para os artistas uma prática


, ;
ilegítima tipica: ela representa um caso-limite das restriçoes
- ao modelo de a!

te que têm os artista~ exercidas pela usina, porque atinge esse modelo na au-

to-definição mlnima do artista. Por outro lado, a não anotação correta da pr~

fissão na carteira pela usina, além de prejudicar as reivindicações salariais

do operário na pr~pria usina, é uma maneira também de imobilizar esse operária

com relação às suas alternativas possíveis no mercado de trabalho. Insatisfei


,
to com a usina em que atualmente trabalha, o operário dificilmente conseguira

colocação em outra usina onde f8r procurar emprego, na mesma profissão em que

trabalhava, sem a anotação correspondente na carteira. E a promessa pela admi


;, À

nistração de reclassificação da carteira mantem o operaria na dependencia da

realização dessa promessa, Essa prática da usina, principalmente com relação


A ,
aos artistas, reconhece assim indiretamente a maior importancia desses opera -

rios no mercado de trabalho, paradoxalmente através de práticas que desvalori-

zem o artista e escondam a sua imprescindibilidade. Além disso, essa prática

divide os artistas em um grupo com carteira assinada na profissão correspond~

te e outro grupo sem isso, o que não deixa de se inserir na tática da adminis-

tração da usina de tentar dividir os operáriOS de oficina para enfraquecer as

possibilidades de reivindicação coletiva.


.177.
Além da anotação correta da profissão na carteira como divisor entre gr~zyxwvutsrqponm

pos de operários de oficina, rebaixando um grupo de oper~rios que não tem sua

arte reconhecida é
legalmente pela empresa, um outro divisor entre os artistaszyxwvutsrqponmlkjihg

a promoção pela hierarquia de determinados operários a cargos de mando como ~

-
bos ou imediatos, do supervisor ou do chefe em uma determinada seção ou sub-sezyxwvu
-
-
çao,que
~
se constituem assim em um grupo simetrico ao grupo de artistas sem a

profissão na carteira. Esses cargos sao cargos de mando operários, pois os

seus ocupantes geralmente não deixam a produção direta para serem especialia -

tas da fiscalização ou da investigação, como seria um contra-mestre tipico; ao


,
contrario, -
eles sao como que chefes de equipe, exercendo ainda sua arte. No en

tanto, quando uma promoção desse tipo se faz sem que o oper~rio promovido seja

um artista reconhecido, um 'àrtista mesmo" (ct'. capo I), que atinja essa posi -

çao de mando devido à superioridade de sua arte especifica, então essa promo -

çao é mal vista pelos outros oper~rios, pois este oper~rio se aproximaria do

fiscal. Diante dessa preval~ncia entre os operários da lógica da arte como o-

perador de uma estratificação pela qualificação do artista, um operário promo-

vido a cargo de mando que não corresponda a uma arte elevada tem que se auto -

justificar a sua opção. Pois então ele estará em uma posição melhor na hierar

quia que o de artistas reconhecidos em artes elevadas e estará também ganhando

um salário que, ao contrário da concepção do salário dos artistas, não corres-


, A
ponde a importancia de sua ~.
/', ,
"O serralheiro faz todo serviço mecanico. La pz-a fora se entende
"
como mecanico. Em usina chama-se serralheiro. Tem serralheiro de
garage e serralheiro de usina. Na usina tem o de moenda, tem ser
ralheiro de bomba e daí por diant~ destaca vários grupos. Porque
,
usina ainda tá naquele estilo antigo. Porque l~ pra capital, e
A "
mecânico. Agora, tem mecanico de cardan, mecanico de caixa de
A "A ••• '"
marcha, mecanico de maquina, mecanico de freio, tudo e mecanico •
Em qualquer parte do carro é mecânico. Até o mecanã co , digamos ,
.178.zyxwvutsrqpon
de direção, s~ faz serviço de direção, é um mecânico. Aqui em usizyxwvutsrqpo
A

na nao. O serralheiro ou o mecanico de garage faz tudo. Porqueeu


mesmo comecei raspando ferro, hoje em dia; não tô desassumindo ,
; /'
porque o supervisor domina tambem a ~rte agrícola, ai me escalou
pra parte agr1cola. Diminuiu na categoria; maS aumentou meu orde-
nado. E, foi o que me serviu, né. Eu não tou olhando minha cate-
goria, tou olhando meu ordenado. Diminuiu minha categoria porque
o que cai na minha seção é carroça, da cana. Não é uma parte de
mecânica elevada. Porque a parte de mecânica elevada é a de motor
, ,
de explosão. É mais elevada. Mas o ordenado e pouco. E eu ca
;

passei a chefe. Passei a tomar conta, ne. Quer dizer que aumen -
tou o ordenado e pra mim foi melhor." (ex-serralheiro de garage, a
tualmente serralheiro-chefe da seção de implementos agr1colas)

Começando a descrever a especificidade da arte na usina, onde predomina

a cooperação simples e a intercambíalidade de tarefas dentro de uma meSma arte

sem uma divisão do trabalho rigida, de acordo com o modelo da arte que t~m os

artistas (cf. descrição da intercambialidade de tarefas no capo r), esse operf

rio repentinamente se vê confrontado com sua própria trajetória na arte: per -

correndo o caminho de ajudante ("raspar ferro") a serralheiro de garage, sua

trajet~ria linear ascendente sofre um ponto de inflexão para baixo, para um ti


A ,
po de mecanica inferior, de implementos agricolas. Percebendo isso no meio da

frase, esse serralheiro procura justificar esse repentino ponto da inflexão,r~

velando assim também os seus motivos, a saber, a subordinação da lógica da ar-

te à lógica da hierarquia da usina: ll..•não tô desassumindo, porque o supervi-


, ~, ; 11

sor domina tambem a parte agricola, ai me escalou pra parte agricola.

Se a lógica da hierarquia da usina atua contra a concepção do salário dos


, , ,
artistas, os quais ligam o salario recebido a sua arte especifica inversamente

à distinção operada por este serralheiro (llDiminuiu na categoria mas aumentou

no ordenado"), então a própria justificação que ele tem que dar para a explic!!

ção de sua trajet~ria reforça fiacontrário" a vigência da concepção do salário


.179· zyxwvutsrqpo
própria aos artistas (ou do "fetichismo" do salário dos artistas). E então es

se mesmo "fetichismozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
tl
torna-se também um meio de proteger a própria arte das

investidas da hierarquia da usina.

Procurando descaracterizar a arte dos artistas, essa qualificaçao


'"
possu!
,

da pelos artistas e incorporada à sua força de trabalho, a usina impõe a.ssim

distinções entre os oper~rios de oficina outras que as da arte, rebaixando de-

terminados operários e promovendo alguns outros a cargos de mando. As práti -

cas que atualizam essa descaracterização são consideradas ilegítimas pelos OP!
,.
rarl.Os.
; , .
A ilegitimidade da usina tambem se manifesta para os operarl.OS quando da

conaessão de empreitadas grandes não para artistas da própria usina, mas para

empreiteiros de fora. Então a própria remuneração por produção COm que contam

os artistas em uma pequena parte do ano, desaparece, e com ela desaparece a re

alização efetiva da forma de remuneração mais adequada ao próprio modelo de ar

te dos artistas. E então para esses artistas; que t~m suas antigas concessÕes

de empretadas dadas a empreiteiros de fora, torna-se mais difícil a aceitação

cotidiana da organizaçao
- ,..",
da produçao atraves do salario por tempo a qual
\,

ele

se submete.

Confrontando-se com a administração da usina fara do processo de produ -

ção imediato por ocasião de sua convocação ao trabalho fora do horário normal

deCorrente de sua disposição a qualquer tempo à empresa -- disposição essa que


'"
ele caracteriza como cativeiro --, por ocasiao de seus pedidos sucessivos para

a anotação de sua profissão na carteira, por ocasião das eventuais necessida

des de empreitadas maiores que ele se vê negado pela administração em benefi -


A _ ~

cio de empreiteiros de fora, o artista ve essa confrontaçao reaparecer ao ni

vel do processo de produção imediato, onde a hierarquia se apresenta sem medi~

çÕes diante dos operários de oficina. E então o artista já se pergunta, nessa


.180.
_ ; A

confrontaçao cotidiana que ele ja ve de maneira diversa diante da ilegitimida-

de com que a usina se apresentou aos seus olhos nas confrontações dizendo res-

à sua condição de artista, não sobre a justificativa


peitozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA de seu próprio salá

rio, segundo a qual esse salário tem relação com a sua arte e a qualidade dozyxwvu
,
produto, mas sim sobre a justificativa do salario de seus chefes, que formam

essa administração com a qual se confrontam. Situados pela própria cooperação

especifica da oficina em um ponto de vista privilegiado para observar a teia

de relações entre operários e operários e entre operários e empregados subja -

centes ao processo de produção, aos artistas não escapa também a observação do

relacionamento entre essas posições na produção e a remuneração desproporcio -

naI recebida pelos ocupantes dessas posições diferenciais.

Com efeito, ao contrário de trabalhadores submetidos ao regime do salá _

rio por peças, os quais exercem um certo controle sobre os lucros do patrão ~zyxwvut

ra a reivindicaçao N
do aumento do seu salario unitario por peça possibilitados
"

pelo conhecimento de alguns elementos da contabilidade de custos do patrão e

do preço de mercado do produto, os artistas, que têm uma participação indivi -

dual identificável na fabricação do produto, mas sendo remunerados por tempo e

sendo que tal produto não é levado a mercado e sim corporificado nos próprios

meios de trabalho da usina, os artistas assim voltam a sua atenção para o con-

trole do salário dos seus chefes, os empregados, seus "patrões" imediatos.Pois

os empregados, esses elementos


-;
que compoem a propria estrutura
-
de ligaçao en -

tre os diversos grupos de operáriOS na produção da oficina, esses portadores de

transmissão de ordens da estrutura hierárquica da usina, ganham um salário que

não somente contrasta com a remuneração dos oper~ios, tornando ainda mais in-
~ , A , ~

suportavel para estes ultimos a insuficiencia do seu salario, como tambem a r~

muneração desses chefes não tem ligação com a sua participação direta na prod~

ção e muito menos alguma ligação com a arte. A valorização da arte pelo artis
· 181.

ta, que justifica. o seu Ealário, se contrapõe . ' . de remunera-


assimzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
D~OS crlterlos

-
çao da hierarquia da usina. Pois ce a justificativa dos profissionistas sobrezyxwvu

---
/ A
o seu salario, baseada no tempo de t.raba'Lho em qt::e tem a r.•.... ..osoonaab í.Lãdade zyxwvutsrqponml
.....,.,~--:..~~~_.
no -._

'N /
mentaliza a fundamentarem na pr-opr í.a pr oduçao a iIEgitira::'d.2.de dos salarios dos
/ ~
empregados cuja desproporc Iona.Lí.dade com o seu pr opr-Lo ele:] ví.sua'Lfzam ao ni -
,
vel do consumo, inversamente a cOYlcepçaodo aa Lar Io 'p9..:<:~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
C ri artistas, ligada

à sua produção e ao orgulho das ca,r2.cter{stice,D do !S'::.:~~:


que pocs í.b í.Lí.ta a sua
, ... " ,....
arte, quando aplicada aos aaLar-Los ~E~~2., a.i.e:n de nao justificar esse
dOE;zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

, ,
salario dos empregados da a ChGNede sua -r] egi timido,de p,;_-a a f'undemerrtaçao do
;

descontentamento de t.odoa os opcr-ar í.os. Com efeito, ;3 e a ~:::.§.PC?ns~bilidadeque


A ,
tem os empregados diante do 1)-~:l.nei:_'o, !9:~~do, co~c:: doe o.::;crario:3 e executando
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
suas funções de direção, pode at.enuar a aper encaa A • "
de ileg::'t5_mid.e,deque tem sua

remuneraçao junto
- -.,
a conc epcao do aa.Lar-Lodos profi8slon:1.8t2,n
"" ".
-- a escala de sa
~ """ ,
larios correspondendo a grada çao de :E:..?,~:i29E~.~,~gid.~~,
esca categoria da logica
, ,
da hierarquia da usina -- essa ju::tificativa e Lmpot.err':c é)J,Z'_Dte da logica. da ~

te e da concepção de tr8,be,lho que a sustenta: "0:3 crr-::,:r..",:'ge"dC:iD.s.o fazem nada, ~

les só sabem mandar". A cc:n;:'''Y-8.:?2,S CC1 o sale,rio don ~:pr~g;;.:?-j12,errtao , lança

dúvidas junto aos oparários a respeito das justifics/.:;iv2JJ que a administração

dá em resposta ao não at{';ndimento de,'] reiv:'.ndicações de aument.os salariais ,Ia:!


,
çando mão de fatores eXylicativcJ cxt.errics a usina que r emet.on 1:',0 custo de vi-

çamento doméstico quanto c~<,: en~cgrl3.re1s5 auas Ca1,1'32.7)


e ao que decreta

os aumentos de sal~rioG. Ainda oegundo e':1sec jU3t:tfic2~'~:h-::1:::


da aêxninistração

inculcadas "
nos oper'ar-aos .
, a ucLna }/'ga o que e' d~2~~_~-E>
o que; o governo manda,
, , / ,..,
isto e, o salario-minimo do qua L el2. nao pode f~e af2"sta:o. I~ 88S8,S justificat!zyxwvuts

vas a primeira vista sao acea t.aveãa para operar-íoa: o ;::alar:1.o de mercado dos
•• N. ' • ' ,

0'3
.182.zyxwvutsrqp
~ ,,/,.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
operarios efetivamente gira em torno do salario-minimo e eles so conseguem su-

perá-lo seja devido ao n~ero de horas trabalhadas, seja devido ao salário-ho-

ra um pouco superior que a posse da arte faz merecerj e a decretação dos aumen
;"
tos do salario-minimo
, .•. , - ,
esta presa a politica de contençao salarial rigida do g~
, "
verno, que e do conhecimento dos operarios. Alem disso, estando eles fartos

de saber que muitas usinas não cumprem as leis trabalhistas, diante do seu cum
, ,
primento efetivo quanto ao salario e quanto a regularidade do seu pagamento ,
esses argumentos da administraqão têm uma certa eficácia junto aos operários •

É a comparação com o salário dos empregados e a fundamentação de sua ilegitim!

dade enquanto remuneração do não-trabalho que a concepção do salário dos artis

tas põe em evidência, que vêm minar no pensamento dos operários esses argumen-

tos da administração interiorizados por eles.

"Há ai uma coisa que nós não podemos entender, é sobre o salário e
sobre o custo de vida, né. Isso ai nós sabemos que dá trabalho os
homens botar isso pelos eixos. Que não é lá tão fácil. Tem que ~
, ,
quiparar o salario com o custo de vida. O custo de vida aqui ta
muito alto. E podemos dizer que ela ~ usinãJ não tem nada com o
" ,
peixe, ne. O que e de leis ela da. (••• ) Mas assim mesmo, falta a
inda um pouquinho, que ninguém sabe onde está, né. (••• ) Porque o
, , , , d'f{ '1 ,;
salario dos empregados, ai e que e o ~ ~c~ de entender. E difi-
cil de entender e eu não sei porque é assim. Porque aquele que
trabalha, se desdobra, derrama o seu suor, faz isso com as suas
mãos, recebe um salário desse tamainho. E o outro que tá somente
-
, /" -
de olhar, ganha um morrtao , ne , Ai nos nao sabemos o porque." (ca!
deireiro)

Esse relacionamento entre a participação na produção e a remuneraçao, es


, ,
ta a caracteristica do discurso dos artistas quando os operarias comparam o
.183.zyxwvutsrqpo
seu salário com o doa empregados (30). Mais bem situados no processo de prod~

ç&o para atentarem para esse relacionamento, os artistas ressaltam esse con

traste entre, por um lado, o trabalho do operário (o que "faz com as suas mã.oS;

o que "derrama o seu suor") e seu salário ("desse tamainho") e, por outro la -

do, o não-trabalho do empregado (o "olhar", o "reparar") e a sua remuneração

("um montão"), não somente referindo-se à oficina, "Locus " do fazer do artis ••zyxwvutsrqpo

ta, mas estendendo " as suas referencias


tambem "'" - ,.."
a seçao de fabricaqao. Assim ,
, '"
tambem sao os artistas e particularmente os ex-profissionistas transferidos ~

ra a oficina (31) que mais aparentam estranhar a gratificação concedida pela

usina aos chefes de seção por ocasião do encerramento


-
caça~que tem por pretexto determinadas metas de produçao
da moagem.
~ ~
Essa gratifi

do açucar, e
;
tanto
-
mais estranha para os artista.s quanto eles a comparam com a remuneração ganha.
, ~ ,
por eles naa emprétadas: essa ultima remuneraçao e a contrapartida do pleno d z
senvolvimento de sua arte, do produto de sua inserção direta, com uma turma de

operáriOS, na execução de uma tarefa; a gratificação, ao contrário, não corre!


, '"
ponde a nenhum trabalho, ela e a apropriaçao pelos empregados da recompensa que

mereciam tanto os artistas


quanto os profissionistas, os verdadeiros produto.
,
res de todas as coisas da usina, inclusive o açucar, inseridos no regime de

(30) Os artistas têm uma concepção do trabalho que se assemelha à concepção


smithian~ da oposição ,entre o "trabalho prod-::tiyo",e o "trabalho Jmprodu ••
-
tivo". So que os operarias levam esta oposiçao as ultimas conseqÜencia.s ,
,
interessados que estao em ressaltar aquilo que Smith elude: o carater "im
produtivo!1 do não-trabalhador-organizador da produção e da disciplina fa.:-
br-í.L, Com efeito, para Smith o "t.rabaâho improdutivo" é caracteristico dos
"
empregados domesticos e dos proprietarios de terra -- longe da produçaofa -
bril -- embora sua definição de "trabalho improdutivo" possa ser estendi:"
da para qualquer não-trabalhador (cf. Smith, 1970: livro 2, capo 3).

(31) O ex-profissionista transferido para a oficina pode muitas vezes dispor


de um ponto de observação privilegiado: ele pode ver melhor sua antigacon
dição com os olhos de artista. -
.184.
"urgência" da moagem e de "emergência" dos reparos que caracteriza a usina.

"Quando a usina peja [pára de moer], esse homem [Eefere-se ao che-


fe da garage~ não deixa de ter sua boa gratificação. Eu não sei
é a gratificação dele. Ou um milhão ou dois ele tem. Não
quantozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA é
isso? Quer dizer que a gente, nada disso tem. Mas, por Deus, que
a usina tivesse 2 milhão pra dar. DavazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
Qm milhão pra ele7 que era
.-
muito dinheiro e ficava outro milhão. Quinze ou vinte operarios ~
sim daquela seção pegava aquela parte e dividia de novo. Quer di-
zer que cada um tocava um pouquinho. Mas não. Um tem de mais, ou
-
tro nao tem nada, se acaba.
(-- E porque os homens não fazem isso, não dividem?)
,
Não faz porque são deles, né. E deles, eles domina, eles
.-
faz o que quer, ne. Eles faz o que quer. Seu Fulano de Tal mes -
mo, o chefe da fabricação, eu não sei se ele ganha 400 contos. É
de 400 contos a 450 [por seman~. Eu não tou bem a par, porque es
sas coisas a gente não sabe direito quanto é. Só sei que ganha
bem. O ano passado, ele teve de gratificação,teve 3 milhão de gr~
tificação.

-
(-- Porque a seção dele produziu muito?)
- ~
Nao e porque ele produziu,
~
nao e dizer que ele trabalha,po!
que quem trabalha é o pessoal todo. Agora aquele acolá @ chefe
de fabricaçã~ ele entra bem cedo, sai de tarde, sua roupinha eng~
mada, e tudo mais, reparando a seção, e quem ganha por aquilo é e-
le. Mas quem faz é o pessoaL" (serralheiro)

Essa gratificação "


que, seGundo os operarios, recebem indevidamente os em

pregados, além de ser imerecida pois quem realmente trabalhou foram os operá -

rios e não aqueles, ainda por cima volta-se contra os operários, ao incentivar

os empregados a apertarem mais a investigação e o ritmo de traba~ho com a fina

lidade de ultrapassar determinadas metas de produção e assim ganhar gratifica.-


- ,
çao e prestigio maiores:

"Esse homem [!eferência a um empregad~ ganha esse dinheiro. Ele


só quer que a gente trabalhe muito. Ele não vai querer que nin
guém trabalhe pouco. Ele vai querer que a gente trabalhe muito ,
,., ,.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
porque no fim do negocio a usina da bom resultado, que e pra elezyxwvutsr
I

tambem no fim do ano, pegar um bom trabalho e ter um grande orden~


do, uma boa gratificaçao. - E a gente so" vive ai se acabando, se a-
cabando, se acabando, e fica por isso mesmo. I! (serralheiro)

Assim os artistas, por sua posição privilegiada na produção, possibili -

tando-lhes a observação das relações que se estabelecem entre empregados e op~


, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
rarios no processo de trabalho, conseguem opor a produçao e o fazer de todos
-
,
os operarios, inclusive dos profissionistas, ao não-trabalho dos empregados. E
-,
entao apropria discussao
- /

entre os operarios sobre esses assuntos que os ator-

mentam faz com que os profissionistas, ao assumirem essa oposição entre eles e

os empregados com base no fazer, oposição esta que ~ corrente entre os artis -

tas, assumam tamb~m, por oc~sião de seu discurso sobre a oposição do operária
• A __

ao empregado, a ~mportancia mesma de sua inserçao na produçao que eles negam~

nivel de seu discurso sobre o processo produtivo da fabricação. Com efeito ,


no contexto da oposição entre operário e empregado, que se manifesta primeira-
, ,
mente ao nivel do salario, os profissionistas derrubam os argumentos legitima-zyxwvutsrqp

dores do seu baixo salário ao relativizarem não somente a inoc~nciada adminis

tração da usina diante da compressão salarial do governo, como tamb~m a sua au

to-desvalorização na produção e inclusive a dos trabalhadores rurais. E assim

oS profissionistas passam do contraste com os empregados ,ao nivel do consumo,

para a sua auto-valorização diante do não-trabalho dos empregados.

t1 ( ••• ) No aparelho o suj ei to não pode cochilar. Se cochilar mor -


reu. Agora ali, o ganho, não dá nem pra tomar um copo de cachaça.
Não dá. [pnita a situação em que ele vai pedir aumento a um empre-
ga.d<il: - 1Seu Fulano, meu ordenado tá pouco. I j}esponde o empre-
d~: -- 'Ah, o CUlpado disso é o Presidente.' Eu digo mas não
poss:Ível. E o ordenado do empregado quem dá é o Presidente? O em
pregado chega aqui, e nada. Sabe como~? Não traz nada. Agora,
,
quando ~ com poucos dias, tá naquela Situação, rico. Automovel ,
,
bonitas feiras, sabe como e? A casa dele parece o palacete de Car
.186.
me Mirandi @a:rmen Mirand~. Com toda a liberdade, com todo o di-zyxwvutsr
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
;' /, ~
rei to. Tudo pI'O empregado e f~cil) mas pI'O operario sempre e dif!
cil. (••• ) O homem paga bem aos empregado~ porque eles são empreg~
dos, né. Eles têm a forqa dele. Porque quem ganha menos na clas-
se de empregado ganha quatrocentos contos por sema.na. OS emprega ••
dos daqui é jipe do ano, pra correr com motorista) estrada acima ,
estrada abaixo, dando grito no trabalhador o E nao faz nada, e não
faz nada ~umenta o tom da voiJ, sabe como é? Somente amontado no
jipe e não faz nada. Quando é na sexta-feira ou no sábado de ma -
nhã tá l~ a envelopa dele: oitocentos contos, novecentos, um mi
lhão." (turbineiro)
, , ,
"E bom trabalhar, porem a pessoa nunca e recompensada como devia
ser. -
Nao e, isso mesmo? Porque isso a gente sabe que na função dos
homens que tão de frente [Eefer~ncia aos empregados] sempre tem
,
um privilegio melhor, sempre tem um ordenado bom. E aqueles
quanto mais trabalha mais parece que menos ganha.
-
Nao
,
e?
que
De ma •.
neiras que até esse ponto em usina, foi o futuro que eu fiz, foi
ter. aprendido essa profissão de cozinhar aç~ca.r. É uma das profi!
sao na usina que devãa-is e ganh8..
r muito dinheiro. Em que se traba-
lha muito, o senhor viu, não é. A temperatura é horrorosa, mas
sempre os homens nunca r-ecompensa como devia recompensar. lT (COZi -
nhador )

Então, diante da oposição dos operáriOS aos empregados, ocorre uma con -
A _ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
J

vergencia entre as concepçoes do 88,].arioque diferenciavam entre eles artistas

e profission~tas. Diante do não-trabalho dos empregados) tanto os contadores

de hora quanto os artistas do fazer se unem na constataqão da injustiça do seu

salário. Essa convergência se dá p,-,:'.a própria inadequação comum que têm as

concepções do salário especificas de 6,rtiDtas e pz-of'La aLon i.s baa para explica -
, ,
rem o salário dos empregados. Pots se o proprio montante do salario dos empr!:,
, ,
gados, manifestando-se de maneira contrastante para os operarios ao nivel da

moradia e da capacidade de consumo, chama a atenção do profissionista para a

injustiça do salário e reforça o seu sentimento da ilegitimidade da administra


.187.
çao da uszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Lna que se a.guça por OC2,iHSO da ma.nipulação conts.bil de suas horas de

trabalho, no entanto ~ princip2.,11~18ht8 a concepçao do ::;al2,:'io dos artistas que .•

ressaltando a. qua.Lâ.dade do Deu t:'2~b::llho e do prcduto , revelo, com mais clareza


/ .
para todos cs operar-aos os con~=~:'2.::;t:ê.;:;
e p?cl's,doxos do n';\c "trab::üho dos emprega-

dos conjugado Com sua alta ao ccmparar esc::,. ccnjugaçao


rc:·~unc:;.°2,r'::,0 com a tnsu-

ficiência do 8al~r:io à.,c,s pzodut.or-es de todaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK


c/; COLCD. E acs ím a inadequação
~ ,
concepçoes dos operari-

os legitimadoras
, , zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do Seu pr opr S.o o::.l8.1'io, pcem G;1 quaecac a. pr-opr La legitimaça.o
, - -
,
da dominação da admãní.o tra çf» da us :Lna • For oucr o LadozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
J e.. tnjustiça do sala
,
rio e a dominação ileg{tims. que a E:,:.mini:3tr8.çao exerce :,êOt:.'(; os operarios, que

se manifestam na sua opcs Lçe,o com os em..:"regados" não s omant.e se estende, se~

do os operar-ãcs
.- , a todas ar, us Lnas ccmo servem mesmc de modelo para toda a ao-

ciedade.

ti ( ••• ) O ganho nao ds. Z c, [;iti.:2.ç5:o qu~ eu VF.,)~".J c1:'zendo ~ essa •


Sempre as usinas q'!18 eu venho t:.'é'bJ..lh?,ndoJ ncs n2:0 az-rumava nada
Nem eu nem os outc-cs , nec J.Tru~".:::"vc. ne.ds.. l~ tu::'.o no tôco rreferên-
,
~>-

A1.g1.::r,c.s
af.nda da, ao op~
conta
de décimo @écim.::,\tc::.':::eü·(') 28,lr~r~'-~21. Ainda a pessoa tem um certo
/

meio de tYabcüha~ qte? muito.3 operarios


;

... ::J ..n-'''' pa~'"'"


P'V'atl'cam;;-J t':;.'-~'<"- J
1::..•. s; L· ', p J... p'"
'"...~ --.,.; ;.... "'''''''"'':'c>
'" -~l.Ll:'--- "'- tem e no
tôco, tôco mesmo. 1t (tu::b:Lê',::5.::0)

" ( ••• ) lIJa8 e empr-e a g::m:.e pra


gente se manter, ~ " nao da . Q,-lS fet?:.:;
.- í,o
um negoc C81:'tO, ee fosse um
negcc í,o todo e0-rto tCC::C8 rés '.'2.v:c, b:,ú:i. !~,~oviv~.~, como rico que
nem os danes. M~3 vivia bem.
cio mal dividido. '"
O ==.'~:!?5~~:-r:r'~'~:))
o ::; Pra um
,
demais. O outro ~)a G e c~::,:::})2,ncl:);> ce acabando , (..,) U~3 ganha de-
/

mais, que o dinheiro de ie da ~.::";:::'


fa::;2:r o que qU01~: estr2.gar, com -
prar car ro , carro co ano na p7~"ca) no" , nesr o ano tsm mO:,iJ.lla
" (
nova, .
quando ~para o ano aquilo não pre.stJ.. maio; aquilo vende a outro,
.188.
compra outros m~veis, a televisão tá velha, compra uma do ano, tem
um carro, aquele carro nao quer, quer um carro do ano. Porque o
ganho dá, e finalmente tem um bom ordenado. Quando a usina peja,
da UGÍl'::?, né) ai compra o que quer. ( •.• )
tem uma boa gratificaç~ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Porque os empregados é
que vivem bem. Pul.ano de Tal, o engenhei _
, , ,.." ~
ro, dizem ate que ele nem e engenheiro) nao e formado, mas ganha 7
milhão por mês. Ai ele tem que B.gr.?dc,r mesmo o patrão e tem que
, , ,
ser duro com os operar í.os . E no Brasil e assim, o dj.nheiro da pra
todo mundo, tem muito d Lnhe Lro , mas é que uns ,'" .
"Cem dsmaãs , outros
,.. " ,
nao tem nada.
? •
Por isco que o B:::'ç',nlle af:JSJ..m. E a gente o que e ,
é de pior a pior, vai f:lCC'.21GO
velho, vai ficando cansado, doente,
vai terminar com nada. Não 6? V"ü terminar com nada." (serralhei
ro)
-
Assim, a percepçao da injustiça
,
do [:a1ario vem ecmar-sse no pensamento
".
dos operar~os a' sua perce;çao - sobre a enorme jornada de trabalho e suas condi.

çÕes, reforçando o sentimentozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


nua condição. Se o "feti

chismo do salário-hora lt
dO:;1
profi,s::lion:.'3-GcJ.'l
apar-enta uma re~ignação que refle-

te as pr~prias condiçõz8 c,bjetiv2,o dcace mer-cado C8 trabalho peculiar das usi-


,.. "'-
nas e as dificuldades correlat9,[) C~2 reivindicaçao, &:da.renc:La
esta que leva. um

observador externo a vê".lo como (:,:ntrs(ütório dlarrte do discurso dos operáriOS

sobre a jornada de tre,b3.1ho) e::',:r:, mesmolIf8tichicm'J do L::11ário ti


, ao não instru

mentalizar pZ.:;'~2, ver de m:zmêirc;, J.c3it:tm?il.o:~aas práticas


os profis?ioniets,.'1zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA da
- ~ do seu sale,:;:io,
a.dministraçao da usina de m:::.nil,:ul2;,ç'2.o ~ ccrrtz-ãbuã para revelar a.
, ,.. ,
propria ilegitimidaà.e da dC:'1inO,~2.,O 8xG:Lcidc.s cbr e C.:Jo::;clA2.rics. Tambemo "re-

tichismo do salário" próJ;~.:'::Lo aC:J artJ.sts,;J: 88 por um l,",do é legitimador das di


ferenciações salariais entre e~!_C8
e 03 outr-os ~T'''"':;'Y''iC''' cor outro lado afirma
'-'.f::"''-,;J,. •........••.••.•... ..;.1,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
J::'

~ , ~ ~
O codigo da. arte e da uma base solic.o.. 8. toio::: oc cp:::::::',l'5.c,s para perceberem a. !

legitimidade da. r-emunoraçao dcs em:;?l'é's,::.d.cr


em cC:'1-Gl'o.pê.:.-t:.da.
do seu não-traba -
,
lho. Dessa forma, se o "t'et í.chãamodo saJ.a:rio" tem a pr'opr-Ledade de ser reve-

lador de ilegitimidades à sua revel~, neSDe sentido ele deixa mais dúvidas no
, '...11 ,., zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
pensamento dos operarios que a propr1a just~f~caçao que ele deveria sustentar~zyxwv
, ,
E essas duvidas sobre a propria legitimidade que tem a administração dazyxwvutsrqponmlk
usina

a lhe impor todo um ritmo de vida, a lhes administrar nos minimos detalhes, a-

tormentam o pensamento dos operários e tornam sua pri va.ção ma. teria.l insuportá.-

vel. E então, se o "operário-sisifo" do capitulo anterior escapa da. morte de-


~ ,
corrente da jornada e das condiçoes de trabalho -- "Ze Amaro na boca do fogo,

trabalhou e não morreu" --, ele muitas vezes não escapa do seu próprio pensa -

mento que, em casos limites, caracteriza.dos pela interpenetração e mesmo pela

inversão entre lucidez e loucura., fazem do "operá.rio-sisifo" um "operário-mil!

tina" ou um "operário-Zé Amaro" (32).

"Eu tenho um cunhado que trabalhava aqui na moagem. Não estava a-


, ,
guentando com o sono e o dinheiro e muito pouco. Ai disse que ia
entregar. Mas eu dias e: ' Home , não faça. uma besteira dessa.s.' Mas
ele entregou. Ai ficou pela rua.,conseguiu outro emprego, mas saiu
e afinal foi parar na Tamarineira ~ospicio no Recif~. Ficou lou-
, ,
COa Começava.a refletir e a imaginar e ai ficava louco. Esta. re-
cebendo pelo Insti tuti [jNI:SJ. De vez em quando vai internado ,
quando começa a imaginar. Aqui a gente não pode refletir imaginar
./
muito não, senão fica louco. Eu mesmoaguentei aqui um ano amargu
~
rado, os home queriam que eu fizesse o acordo Q? informante refe
re-se à "opção" para o regime de Fundo de Garantit8 ,me chamavam, e
eu não fazia. Eles queriam era me botar pra fora sem meus direi -
tos. E eu aguentei uns tempos aqui, amargurado quando ta.va. a ge -
'"
rencia passada." (soldador)
, ,
"( •.• ) Sempre a turma boa mesmoe essa turma. do oleo, de oficina ,
de garagem C'turma boa" para reivindicar, que não tem medo do pa -
trã<il.
,
r - Porque fala turma do oleo?
.~
1
~.

;zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
,'t

,
r (32) Referências a
Pa.ra.:íso",
,
de
"Militina",
E. Petri
A
e a
personagem do filme liAClasse Operária vai
"zé Amaro", personagem do romance "Fogo
ao
Morte",
de Jose Lina do Rego.
.190.zyxwvutsrqp

- [!fJ., porque se me'La muito né, ai a gente chama


É porquezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA de
turma do óleo I}fj. E tem a turma da tinta, que é a turma dos
dois óleos. Não é zé? @irigindo-se a um pintolj .
Dois óleos porque? É
porque dá duas mãos?
~" ,
E nada, e brincadeira, e Q~a porque suja a roupa e outra por
que toma, né [!ü. Pelo direito, eles deviam ter direi to a taxa.de

-
salubridade, mas os home classifica eles na carteira de servente ,
, ,
ai nao da direito. Porque a gente passa o dia todo pintando, fica
com aquele sabor todinho da tinta. Aquele futum desce. Pelo di -
reito era pra eles tomar leite, que era pra cortar, tem que tornar
,
uma birita, ne. E todo mundo aqui toma, tem que se tomar muito ,
se não tomar, porque se não tomar, pensa muito na vida [!~. Fica
pensando em coisa que não dá jeito, termina fazendo besteira, nézyxwvutsrqponm
r.:n / ~ ~
LE~' Ele pode ate enlouquecer, ne. Fazer mal juizo. Por qual -
Â

quer uma besteira ele pode se aborrecer. Aqui a gente ve muito, a


a gente vê que não fica louco, mas a gente vê que o camarada tá
bem triste. Fica todo amarrado, todo acanhado." (esquenta-caldo)
.191.zyxwvutsrqpon

CAPÍTULO DI

O "MERCADO DE TRABALYO" DOS OPERÁRIOS DO AçúCAR: SUPERPOPUIAÇÃO E "CATIVEIRO"

1. Introdução

No capitulo anterior dissemos que as formas de manifestação do "fetichis-

mo" do salário por parte dos operários remetem a impossibilidades objetiva.s de

reivindicação coletiva e de ascensão profissional, impossibilidades estas con-

dicionadas pela situação do mercado de trabalho particular em que estão inserizyxwv


; ,....,,,
dos os operarios. Sob que condiçoes especificas o operario defronta-se com o

usineiro para vender "livremente" sua força de trabalho, eis a questão que en-

frentaremos .-
neste capitulo para melhor esclarecer e sistematizar algumas car&~

teristicas relacionadas com este "mercado de trabalho" singular que foram apr,!

sentadas de passagem nos capitulos anteriores: flutuações sazonais de produção

absorvendo e repelindo alternativa~8nte contingentes de mão-de-obra e trazendo

para os operários o espectro do desemprego sazonal; penetração da esfera do

trabalho na esfera doméstica do operário, sob a forma da mesma autoridade da.


I' ".-
administração da usina exercida na fabrica e na vila operaria em territorio da

usina; exist~ncia de concessõss extra-monetárias da usina como, além da casa,

o roçado para compt.ementacâo a.Lâment.ar ou renda adicional, etc.

Através do relato dos o]erários sobre sua hist~ria de vida, podemos obse!

var as peculiaridades deste "mercado de trabalho" desde a origem social dos 0-

perários, passando por seus divc:::'30s"empregos i\ em diferentes usinas, até a

sua aposentadoria. Nesse relato aparece implicitamente a visão que têm os Op!

rários de outros grupos SOCÜÜ8, tais como os trabalhadores rurais e os empre-

gados, já que a sua situação de emprego é vista de maneira relacional com a d~

queles grupos.
.192.zyxwvutsrq
~ ,,.,,, "-

2. As Trajetorias Sociais dos Operarios em Direçao a Usina

Grande parte dos operários origina-se socialmente dos trabalhadores ru

rais d~ engenhos. Iniciando sua vida produtiva no trabalho agrícola, a partir

de certo momento eles passam a trabalhar na usina. Essa passagem geralmentezyxwvut


N ~ _

nao se da. de maneira brusca, mas apresenta algumas formas de transiçao do tra-

balho agricola para o trabalho fabril. Uma dessas formas de transição manifes

à maneira de um percurso espacial de diversos empregos agricolas


ta-sezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA em eng~

nhos cada vez mais pr6ximos à


usina -- centro de atração de tal percurso --eul
,
minando, como caso-limite, com o trabalho na horta do usineiro, que e um ponto
~ , ,
de chegada extremo de trabalho agrícola proximo a usina. Nesse tipo de forma
- / ~ -
de transiçao esta implicita uma certa "socializaçao" do trabalhador ao traba. ••
, , ,
lho em usina, atraves da possibilidade de contactos com operarios, ou ta.mbem

com empregados, havendo assim maiores possibilidades de cooptação.

"Eu comecei logo trabalhando por conta do engenho, né, sem ter di
reito nenhum. Depois, trabalhei numa horta de verduras que tinha
por trás da casa grande do homem, né. Tinha uma horta grande, com
verduras de toda qualidade. E tinha três pessoas que tomava cont~
, ,
ne. Que zelava, cultivava aquele movimento todo, ne. Sei que tr~
balhei de um ano e pouco a dois anos e ai me dei a conhecer com o
chefe de fabricação, né. Que morava bem pertinho da horta. Ai co
mecei a conhecer com ele, e tudo, e se dar bem, e tudo. Ai ele
'Não se importe não, a situação de moagem, quando tiver de moer ,
eu arrumo uma colocação pra você. t Na usina, ne . Ai quando moeu
ele me chamou e disse: 'Voc~ vai trabalhar.' Fui trabalhar de aj~zyxwvutsrqponm
J

dante de laboratorio, transportar material, caldo, carregar amos -


tra, né." (analista de laborat~rio)

No entanto, um outro tipo de transição que se manifesta não somente atra-


, , ,
ves de um percurso espacial, mas tambem atraves de uma passagem por um trabalho
- ,
nao-agricola
~
nos engenhos, e muito comunl. Assim, muitos operarias,
~
tendo ou

não trabalhado no campo em tarefas agricolas, foram pedreiros de engenho, fo -


.193.zyxwvutsrqp

ram trabalhadores de obras de construção civil dos engenhos (na construção de

estradas, pontes, valetas), ou foram cassacos, esses trabalhadores reunidos em

turmas ambulantes consertando OS trilhos da estrada-de-ferro pelos engenhoszyxwvutsrqponm


" /,
Um tipo de trajetoria, espacialmente "completa!!, e que e muito comum, e o fut~

ro operário começar a trabalhar nos engenhos em tarefas agrícolas, depoiszyxwvutsrqponmlkj


pas-

sar para a reparação das estradas-de-ferro como cassaco, dai percorrendozyxwvutsrqponmlk


as

profissões próprias à estrada-de-ferro -- guarda-freios, foguista, maquinista

-- e dai entrar para uma profissão na fábrica. Outros operários podem começar

no meio dessa trajetória o~ inversamente, estabilizarem-se no meio em uma pr~

fissão da estrada-de-ferro.

"Eu comecei a trabalhar lá num engenho onde eu nasci mesmo, aqui


nessa mesma empresa. Trabalhando lá pelo campo, né. Trabalhando,
mas acontece que a gente vai crescendo e vai tomando outro entendi-
mento. Então com a idade de 18 anos eu resolvi a procurar um servi
ço que pagasse ~~ imposto qualquer, pra ter um certo direito. Nesse
tempo, nesse engenho, existia linha de ferro. Então eu comecei tra
balhando na linha de ferro com 18 anos e adepois começou surgir que
na usina era bom de trabalhar, então eu imediatamente também deixei
a estrada de ferro e vim pra usina." (cozinhador)

"Meu pai foi oleiro, eu nasci dentro de olaria. (•.• ) Eu comecei


trabalhar, tava com 17 anos. Comecei trabalhando nas usinas, sabezyxwvutsr
I

como e? Agora, comecei trabalhando de guarda-freio. O pior servi-


ço do mundo. (.•• ) tpepois, tendo se desgostado do serviço de guar-
da-freio devido à freqüência dos acidentes de trabalh~ fui traba -
,
lhar em armazem, ia pras outras usinas trabalhar em armazem.
~ [ De-
pois surgiu uma vaga de turbineir~ (turbineiro)
11

,
"Eu comecei a trabalhar na usina, criança, ne, eu fui vender umas
bananas pra minha mãe, então o Sebastião, cabo de estrada de ferro,
pediu a mãe pra eu ir trabalhar com ele. Ai minha mãe disse: 'Eu
não posso dar ele, que ele ~ pequeno,
Dona Maria, ele pode trabalhar,
não pode trabalhar.
, -
'Não,
ele vem so cozinhar, nao traz de co
I --

mer, não traz nada, eu dou de comer a ele.' Justamente, assim acon
.194.
teceu, não é. Continuei a trabalhar, com a turma de cassaco, ga-
10 tostões por semana, na estrada de ferro. O casaaco traba.
nhandozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
lha.va na estrada de ferro, não é. Descampinava, mudava madeira J

mudava os trilhos podres. (... ) Pois bem, depois fui trabalharzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX


de
botar cana na esteira, na boía cega, era mulher e menino e gente ve
lha. É, tinha umas vinte pessoas botando cana na esteira. (••. ) A-
depois eu vim a trabalhar no esquenta-caldo." (evaporador)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
".O cassaco e' o homem que trabalha junto com o ferro, com a estrada
de ferro. Conservando a linha, pra Locomot.ãva puxar pra usina. Eu,
quando trabalhava no trilho, tinha 8 homens, 9 com o cabo, e 10 com
o fogueiro que era eu. Fogueiro era o que fazia o fogo pra cozi
nhar. Dali, estendia, passava a trabalhar de guarda-freio, passava
.-
a queimar lenha que era o foguista, ne. Passava a maquinista quan-
do abria uma vaga. Um saia da estrada de ferro, e vinha serrar le-
nha ali na usina, ali dava-se uma vaga na fábrica, botava ele, ai
ia saltando, saltando.!! (vigia)

"Eu comecei, na vida, comecei com 10 anos. Alimpando cana. Depois,


eu deixei, vim ser servente de pedreiro. Clandestino, pela rua
,
Clandestino, e, trabalha ali, a um, depois acaba, depois trabalha a
outro. O pedreiro avulso. Nas casas, às vezes conserto de casa p~
ticular. Mas não era empregado da usina. Depois, eu falei uma va-
ga, um servã ço na usina, eu falei com o gerente." (serralheiro)

A sugestiva imagem espacial que acompanha a história de vida de alguns o-

peráriOS -- que entram de trem para a usina provenientes dos engenhos -- pare-
, ~
ce indicar um paralelismo entre a trajetoria da materia-prima, a cana, e o pe!

curso de entrada do trabalhador para o trabalho fabril em usina. Assim, esse

paralelismo continua, em alguns casos, dentro da fábrica: entrando de servente

no descarregamento - .-
da cana~ ou na seçao de moenda, o operario segue o percurso

da cana ate, estabilizar-se em alguma profissao - -


da seçao de -
fabricaçao. Dentro
da usina, no entanto, nem sempre esse para.lelismo com o percurso da cana se dá:

uma outra porta de entrada para as profissões da usina se abre através do arma

zém, ponto final da transformação da matéria-prima em produto, muitos serven -


.195.
tes que ai trabalham passando posteriormente a turbineiro, na seçao contiguaao

armazém. é inverso ao da cana.


Nesse caso, o percurso do operáriozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Além desse percurso social e espacial mais longo em direção ao trabalho o

perário na usina -- campo -- profissão não-agrícola nos engenhos (por exemplo,

pedreiro de engenho ou cassaco) -- usina -- uma trajetória mais rápida muitaszyxwvu


,; ." ,;

vezes ocorre, atingindo ao mesmo tempo varios individuos. Tal e o caso das 0-

bras de construção civil de vulto que periodicamente fazem as usinas, atraindo

e concentrando muitos trabalhadores rurais necessários às obras, alguns dos

quais serão posteriormente recrutados para o trabalho fabril. Essas obras o -

correram em per1odos determinados no passado, qUanlO as usinas se ampliavam d!


~
vido ao crescimento da demanda no mercado internacional nos períodos imediata-

mente posteriores às guerras mundiais, ou quando elas construiam sua infra-es-


trutura própria de eletrificação. Tais obras, que estão descritas através do

relato de velhos operários no inicio do capitulO lI, marcam algumas gerações de

operários, recrutados nessas ocasiões para o trabalho posterior nas instala

ções ampliadas da usina (1) Essa concentração de trabalhadores provenientes


.-
das areas rurais nessas obras, oferecendo como sub-produto a possibilidade de

seleção para recrutamento de uma minoria a ser engajada na produção posterior

da fábrica, parece ser característica de um períOdo histórico anterior ao atu-

al, de instalação de novas usinas e de ampliação das plantas fabris já existen


(2 )
tes

, , ~
(1) Tal e o caso de um velho ~perario, que~entrou para a usina atraves do tra~
balho em obras de ampliaçao e instalaçao, em um novo local, de uma usina ja
existente, que por sua vez é filho de um operária que entrou para a usina a
través da obra de construção da antiga usina no velho local anterior. -

(2) Atualmente existem obras de construção de novas instalações nas usinas com
grande emprego de mão-de ..
obra, mas como elas visam consolidar em uma plan-
ta fabril ampliada as condições necessárias para substi~uir com uma produ-
ção maior o que antes era prOduzido em duas, o efeito liquido dessas "fu -
4196.zyxwvu
, , zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
to-rma. rl~ r~rutan1$nto de ope:ra.rios et:tta.veispara a usina cons.is
Uma.outra.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

te na "profissionalizaqâ:o" de corumbas que trabalham como serventes de maneira

s&zon~l~ principalmente nas usinas .


ma1S
'.
prOX1mas ao Agreste. Com efeito, tais

corumbas ou curaus, nessas usinas, representam a maior parte dos serventes, e

em algumas usinas menores assumem sazonalmente a responsabilidade sobre deter.

minadas máqUinas parcelares na fabricação (por exemplo, nas turbinas). A eco-

nomia camponesa do Agreste sendo complementar à economia açucareira da Zona da


Mata, muitas unidades familiares camponesas administram parte de sua força de

trabalho a trabalhar sazonalmente nas usinas como meio de adquirir uma renda.zyxwv
I A
suplementar e assim permitir a propria continuidade de sua existencia oampone-

sa. Assim, embora passem grande parte do ano trabalhando como serventes nas u

sinas (como na parte agríCOla), os corumbas têm a principalidade de sua ativi.

dade econômica voltada para sua unidade familiar camponesa. Muitas vezes essa.

Hprofissionalização!! de corumbas nas usinas deve-se à sua situação de expropr!

ação da posse da terra no Agreste: a usina apresenta-se então como uma alterna

tiva ao trabalho como alugado localmente. Além desse recrutamento de operári-


,
os fixos atraves do contingente de corumbas que anteriormente passam um grande
,
periodo trabalhando sazonalmente, voltando para o Agreste na entre-safra, ou -
, A
tra forma de recrutamento de corumbas se da quando da existencia das crises de

superpopulação da economia do Agreste, quando então muitos trabalhadores ten -

tam fixar-se na Zona da Mata, rodando pelas usinas.


" ,
Mais uma forina de recrutamento de ~perarios e constituida pelo aproveita-

mento na usina dos próprios filhos das familias operárias. Os aprendizes, que

sões" de usinas sobre o contingente de operér íos fixos, depois das obras ,
é ,
não somente o de não incorporar novos contingentes de operáriOS para o
funcionamento da usina, como o de despedir operarios que antes tinham seu
lugar em uma das duas usinas pré-existentes.
·197.zyxwvutsrqpon
- ,
zyxwvutsrqponmlkjih
trabalham como ajudantes nas oficinas, freqUentemente sao filhos de operarios.
No entanto a colocação dessa segunda geração operária é dificultada conforme
"
veremos mais adiante: as familias operarias engendram uma superpopulaçao - que

ae atualiza em seus filhos em idade de trabalhar, a maioria dos quais emigra.


,
Todas essas diferentes trajetorias de vida, que partem de diferentes gru.
;

pos sociais e chegam ao trabalho operario em usina, implicam em uma seletivid!

de que ajusta o contingente numérico de trabalhadores do ponto de partida ao


. em carater
contingente efetivamente absorvido pelas plantas fabris de US1na ' zyxwvutsrqpon
es

tável. ASSim, ser um profissionista ou um artista implica como condição cons~

titutiva uma certa trajetória que destaca UL1 certo grupo de trabalhadores para

finalidades de emprego fabril do grande contingente de produtores diretos que

trabalham a terra. As próprias imagens espaciais que retraçam a trajetória s~

cial dos operários ilustram o caráter seletivo que preside a tal trajetória: a

entrada. social na.usina pela linha.de ferro leva ao extremo a imagem de afu

nilamento relativa à seletividade que opera nas formas de transição do traba •


;

lho agricola ao trabalho fabril em usina.

Assim, essa trajetória social dos operários nos mostra subsidiariamente ,

através da seletividade que ela implica, como eles estariam cercados e pressi~

nados por uma população trabalhadora de reserva, potencialmente apta a substi-


, ,
tui-los. Mais que o conjunto dos traball1adores rurais dos engenhos, os opera-

rics esta.riam presaãonados por esse contingente de jovens trabalhadores nao- a

gr1colas dos engenhos, que eventualmente chegam a trabalhar como serventes nas
usinas, procurando entrar para a usina pelos mesmos canais que os operáriOS de

hoje utilizaram como acesso à condição de profissionista ou artista. Essestra


- (
balhadores nao-agr1colas dos engenhos e das cidades da Zona da Mata, por sua
,
vez, crescem com a continua - -
reproduçao da superpopulaçao relativa entre os tra

balhadores rurais da cana, com a sua bi-partição em moradores e trabalhadores


.198.zyxwvutsrqpon

da rua (ex-moradores expulsos)7 com o crescimento da utilização do trabalho com


empreiteiros.

3. Imagens da Superpopulaçâo Relativa e do Desemprego Interiorizado dos Operá-


rios

Cercados de trabalhadores rurais -- eles próprios em situação de superpo-

pUlaçâo relativa -- por todos os lados, os quais potencialmente podem substi -

tuir parte da mão-de-obra industrial atual através de sua passagem pela traje-zyxwvu
, , .-
toria social que leva a usina, os operarios denotam, seja explicitamente ao n1

vel do discurso, seja indiretamente através de sua prática cotidiana, de suas

atitudes, o medo interiorizado do desemprego. Esse desemprego interiorize.do


está embutido em atitudes aparentemente contraditórias, como a atenuação do

seu discurso sobre as más condições de trabalho para melhor ressaltar a insuf!

ciência do salário e7 ainda mais, como a estranha preferência pela longa jorh!

da de trabalho acompanhada da desconfiança por urnaredução da jornada mesmo a

salário igual. Sem a compreensão desse desemprego interiorizado não se pode

ver que por trás do discurso sobre o salário, o qual parece ser a finalidade

principal do operáriO em seu trabalho, está a importância do caráter estável

e seguro do seu emprego, sem o qual todo seu sofrimento no trabalho não teria
,
sentido. o desemprego interiorizado desvenda para o observador externo que e
, ,
o pesquisador, o enigma do fetichismo do salario proprio aos profissionistas.

Se o medo interiorizado do desemprego explica em última instância discur-


, ,
80S ou atitudes aparentemente contraditorios dos operarios -- a respeito, por

exemplo7 da inter-relação entre salário e jornada de trabalho esse medo nao-


explícito transparece, ao contrário, em outros contextos, quando há maa tenta-

tiva. de eXPlicação geral para os problemas vividoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH


"pelo pais": aparece então

com nitidez a imagem do fantasma da superpopulação.


.199· zyxwvutsrqponm
'~S vezea a gente
,
tá comentando ai IAh, governo bom foi no tempo dezyxwvutsrqp
Getulio, que fez isso,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
fez aquilo, deu muito direito, alguma coisa
que a gente tem hoje foi, não saiu no tempo dele, mas foi feito por
ele.
(-- O pessoal fala de outro governo?)
- Não. Realmente não se pode, porque diante da. situação do pais ,
, N

n1nguem nem pensar pode, a. gente nao pode falar de governo nenhum •
,
E eu penso que ninguém dárnais jeito neSSe Brasil não. Porque e
muita gente no meio do mundo. Eu penso que nao tQm um pa.is -
, pra. ter
mais gente que o Brasil, por causa, eu penso que as estatist1eas que
faz, não acerta não. t!j] 11 (esquenta-caldo)

Essa "explicação fi descri tiva e geral sobre liasi tuaçio do pa:Ís", apoiada

no estereótipo da superpopulaçâo, nos acrescenta informações menos sobre a si-

tuação de excesso de mão-de-Obra na área canavieira disponível tanto para o

traba.lho na parte agr1cola. como na. parte industrial -- o que é quaae uma expli-zyxwvuts
-,I - , -
caça.o tautologica com relaçao a percepçao de qualquer agente ou observador da

área. --, do que sobre a atitude de um certo "fata.lismo pessimista" (or, Bour -

dieu, 1963:3058s.) prevalescente entre os operários. É essa atitude, que pre-

side as afirmações mais gerais e aparentemente tautológicas, por exemplo, so -

bre a. "Situação do pais" ou sobre a condição dos "pobres", que ilustra indire-

tamente o desemprego interiorizado, mais que as próprias alusões diretas à su-

perpopulação. É à maneira do "fatalismo pessimista." que o foguista cita.do no


,; ~, ,
inicio do capitulo III justifica a. sua concepçao fetichista do salario, propr!

a aos profissionistas (3). E é


essa ênfase na subsist~ncia. emeaçada , apresen-
,
ta.da sob a forma. do fa.talismo, a.meaça.esta somente suporta.vel diante da inte -

(3) "o senhor sabe que tudo pro pobre, o que der pra ele recompensa. Né. O ~o-
bre, tudo que der pra. ele, recompensa.
, Porque se ,ele ganhar 30 contos, e a
quele mesmo, se ganhar 20, e aquele mesmo"onde e ~ue ele vai ver ma~? A-
-
gora , dizer que hoje em dia. pz-a gente que e pobre, nada chega, nada da. Tu
do só dá mesmo pI'O rico e pronto."
.200.
é sintetizada e levada a termos simpleszyxwvutsrqponm
riorização do medo ao desemprego, quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
" ,
e extremos na seguinte fabula, que alem de ironizar com apropria fatalidadedo

grupo, alia-se de forma complementar com urna visão idealizada de um passa.do


visto retrospectivamente:

"- (foguista) Antiga.mente dava mais fartura.. Fartura de todo je~


to dava. Só sei que a gente saia pra pescar e o rio dava muito pei-
xe. crisos da vizinhanç~ Saia pra caçar no mato, dava muita caça,
nao era? Tudo ajudava. O ganho era mais fraco, mas tudo ajudava •
Hoje em dia, a gente sai pra pescar, Th~ dia todinho, é melhor estar
em casa dormindo, não arruma nada. Se sai pra caçar anda a noite
todinha, nada arranja. Só tem mesmo de se pegar com o ganho, é o
que tá de frente é isso mesmo.
-- (vizinho, servente de armazém) Hoje em dia, até os peixes se es
eondez-am com medo do povo. frisos da vizinhanç~ Noo fomos outro
dia ver uma entrevista na televisão que tinha um camarada dizendo
que, de primeiro, antigamente, os bichos corriam pra pegar o povo ,
e hoje, o povo corre pra pegar os bichos.
~ (foguiata) Eles se esconderam. É, hoje em dia eles correm com
medo.
-- (servente) Pois e, tem mais gente do que bicho, né, então anti.
gamente a gente tinha medo do leão dentro das montanhas, né. O le-
ão quando via Th~apessoa, partia pra devorar, não era? E hoje,q~
do o leão vê uma pessoa, foge pra não ser devorado. [!iso~ Quer
dizer, tem mais gente do que bicho.
- (foguista) Tem um peixe acolá, quando avista a gente, sai é da-
nado. Naquele tempo a gente pegava peixe de laço, que eu já peguei
muito peixe de laço. Fazia um laço numa vara, pegava cada uma trai
ra desse tamanho. E agora, quem é que pega? vá hoje em dia pegar._
Passa o dia todo, e o cabra morre é afogado. [Eiso~ Pois a.situa.-
-
çao e, essa, mais nada."

Se essa "fábula" ilustra como os chamados "meãos de comunicação de massa",

ao contrário de homogeneizarem as ideologias de classe, fornecem imagens Como

matéria-prima para a expressão reinterpretada de visões de classe particulares,


.201.zyxwvu
, " zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ela., alem disso, e inteiramente coerente com relação a.o discurso acima cite.do
- ..••.•• A' _

do esquenta-caldo, n&o somente pela concorda.ncia na. enf'a.sea superpopulaçao e

à. fatalida.de de suas conseqiiêndas, como também pelo fa.to de que nada é ma.is a..
dequ&do ao ambiente descrito na primeira citação "diante da situaçio do pa.-
{ ,
1.S, ninguem nem pensar pode" que a. forma. de expressão atra.vés de IIfá.bule.stl•

Aqui as reclamações dos operarios deslocam-se da insuficiência do salário para

um suposto boicote da natureza à sua subsistência. De fato, pode-se admitir


~ " ,
que uma pequena parte da subsistencia das familias operarias provenha eventual

mente da. caça ou da pesca, embora tais atividades correspondam a um certo Ia -


-, .
zer, nao so proprãamerrte quanto a easaa atividades no seu desenrolar, como

qua.nto à. forma. em que o produto obtido por elas é consumido socialmente ("fes•.
tas ", consumo com a. fa.m:Íliaextensa ou com a vizinhança). t19..s
se essas at1vi •.
- ,
dades Bao o la.~er dos operarios e trabalhadores rurais, elas transformam-se em
A N
meio de subsistencia dos mais importantes para os desempregados sazonais, nao-

corumbas, que permanecem nas proximidades da usina durante a entre-safra. As.

sim, a escassez da caça e da pesca indica não somente que a subsistência do de

sempregado sazonal é totalmente ameaçada, como ela aponta para as próprias ca~

ses de.qua.l ela é efeito: o aumento do numer-o de desempregados sazonais que não

migram na entre-safra e a insuficiência do salário, induzindo os operários es-

tá.veis a complementar em sua alimentação com o produto da caça e da pesca.


~
Se o primado do discurso sobre a insuficiencia -
do salario) conjugado com

uma grande imobilidade geral no emprego, já é zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML


p o r si só um indicador da situa-

- , .
çao de desemprego interiorizado em todos os operar10S, esse zoomorfismo das re
'" -,
laçoes sociais que contem o dialogo acima entre um foguista e um servente vem
-
mostrar que tal situaçao e, ressentida pelos operarios
,
e expressa por eles de u
,
ma. forma simbolica e geral, mesmo se as causas que engendram essa superpopula-

çâo própria à organização da produção das usinas são desconhecidas para oSzyxwvutsrqponmlkjihg
oP,!
.202.

rários enquanto visao sistemática e abstrata. Através dessa fábula., da rele. -

çao entre homens e animais, esse operário consegue transmitir uma eXPlicação~

ral para o problema da superpopulaçâ:o e de sua subsistência ameaçada. Por ou-

tro lado, essa transposição, para fins simbólicos, das relações sociais para. o

campo da relação entre o homem e a natureza, parece não estar desligada de uma

forma especifica de legitimação da organização do trabalho da usina -- legiti-

mação esta. que se dá naquele à subordinação desse tipo de gra.~


campo -- devidozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

de ind~stria à "natureza!! representada pelos ciclos agríCOlas sazonais CCf. n~


A

ta 13 do capitUlO III).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
Com efeito, essa aparencia de constrangimentos dita -

dos pela. "natureza" que assume a organização do trabalho na usina, legitimando

assim sua ordem interna, faz com que a própria simbolização irônica da situa _

çê:o de privação do operária se d~ no campo da relação do homem com essa "natu .••

reza!! repreaentade. no caso pelos animais. Mas se por um lado essa sinboliza ••

ção ir~nica. da. "fábula" rei:fica de forma. zoomórfica as relações socia.is - •• re ..•

f1etindo assim a aparênCia de "naturalidade" que tem a organização do trabalho

na. usina. --, por outro lado, ela contraditoriamente, ao reagir a essa "Iegiti-

mação pela. nat.ureza" no campo mesmo em que se dá essa legitima.ção, "Gende a In-

verter eSsa. "reificaçãolf em "personificação" da mtureza e das relações soei -

ais, ao dotá-Ias de uma vontade maligna que tudo faz para prejudicar os operá-

rios. A visão de mundo impl:lcita no discurso do foguista e do servente, cuj o

principio unificador resulta não da sistematização de conceitos, mas de senti-

mentos, é construida a partir da recorrência de experiências concretas em que

a ordem social parece ser dota.da de vontade propria,


;"
unica explicaçao
- (
poss~vel

para as suas manifestações sistematicamente desfavoráveis aos operáriOS. Tal

construção, com base nessa "quase-sistematização afetiva" (Bourdieu, 1963:305-

312) sustenta-se em uma multiplicidade de experi~ncias marcadas pela fatalida-

de, pelo insucesso e pela arbitrariedade em que se manifestam as relações de


.20'.

trabalho e a.busca. de traba.lho. No entanto, o rela.to dessas experi~ncia.s con-zyxwvutsrqpon


~ " ;
cretas e.ba.ndonaa retorica geral ou metaforica e, ao contrario, especifica.zyxwvutsrqponmlkj
de- zyxwvutsrq
A
talhadamente o desenrolar dessa experiencia e seus diferentes aspectos -- embo

ra ta.mbéma.i, no nivel concreto, apareça uma vontade ma.ligna dos "homens" (oa

patrões) a dar sentido a.esses diferentes aspectos, como podemos notar na.zyxwvutsrqponm
d e .-

crição dos problemas mais imediatos de superpopula.ção que atingem a fam1liazyxwvutsrqponmlk


do

foguista:

"Eu vivo aqui muito ruim. Eu vivo muito ruim. Eu vivo aqui com
qua.torze pessoas 80
" pra eu sustentar. E" quatorze pessoas. Olhe,~ ,
vendo essa miunçalha logo dai,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ói. ~ponta para alguns de seus fi ~
lho~ Emburacou por aqui dentro @a casa del~ o senhor só vai to-
,
pendo filho. E pra eu trabalhar sou eu se. Agora, tem um ra.pazi ••
nho que é esse que foi tirar os c8cos. [? entrevista.do ofereceu á "
gua de c8co do quintal aos peSqui3adore~ Esse tá com, completou !
gora. ao idade de 18 anos. Tenho um com 16, mas nenhum, não topa se!
viço pra me ajudar. Peleja, roda, mas não topa.. E eu rodo também
pra ver se eu arranjo um serviço pra eles porque me facilitava mai&
Mas não tem" de jeito nenhum, vai ai não tem, vai na usina não tem,

vai ai no engenho o homem não tem. Bom. Quando promete, tira os


documentos, quando vai? não tem. E os bichinhos veve sofrendo as -
sim. E eu, vivo com essa miunçalha de gente sofrendo, Que a peso -
A

soa que, com quatorze pessoas, ganha 180 contos por mes .•• Fica 45
contos pra comer por semana. O senhor acha que dá? Uma. situação ~
mo essa? Não dá.
(vizinho): Só veve porque Deus consente.
(foguista): Só veve porque Deus consente. ~essa afirmação, po-
de-se inferir, "a contrário", que a depender dos "homens", o fogui!
ta não viveria.. Pois o complemento do adágio "vivo com o consenti-
mento de Deus" geralmente se acompanha. de ne dos homens" ~ A situa
ção minha é essa, Minha não, de todos, quase. Que a minha mais ,
,
porque pessoa com 14 pessoas pra mim 30 pra sustentar. .• AgQra, di
zer 'e os outros não ajudam não, você não tem quem ajude?' - 'Te -
nho, eu tenho. Mas não arrumo.' Vai ali, 'só amanhã'. Vai aC01a,"

'aqui não tem.' Acolá, 'venha daqui com dois meses', quando vai já
.204.
tem outro. Eu vivo nessa. situa.çãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r t

ao "quase-sistematização
Assim,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
afetiva." rege desde a multiplicidade de a!!,

pectos de uma experiência individual, até a generalização feita pelos operári-

os a partir dessas experiências sobre a condição de sua classe. No entanto,e~

quarrto 08 rela.tos genera'í ízerrtes , como os do esquenta-caldo ou como ao "fábula.'',

acima citados, fazem abstração da a.ção dos agentes sociais para melhor ressal-
A , ; A
t8.r a.a.mea.ça.
que paira sobre a subsistencia. dos operarios atraves da enfas. nl.

relação geral entre homem e natureza e na multiplicação desproporcional dos ho

mens, ao contrário, os relatos sobre as experiências vividas em que a Superpo-

pulação das usinas se manifesta concretamente aos operáriOS -- como na citação

logo aeima., do foguista -- apontam diretamente para os agentes sociais identi-

ficados como tonte de onde parece e:nanar a "vontade maligna" da ordem socia.l :

os "homens", a administração da usina. Se nos relatos generalizantes, a per,!!

nifieação da. ordem social atrav~s de sua "vontade maligna" aparece como uma ta

ce oculta da reificação da ordem social através de sua legitimação


-
pela naturezyxwvutsrqponmlkjihg

za., como uma propriedade mesma dessa "natureza" hostil, nos relatos de experl-
A _,
encia vivida, tal personificaçao aparece ao contrario em carne, osso e alma na

figura dos empregados e dos pa.trões. Já vimos, no capitulO anterior, como as

justificações que têm os operários quanto aos seus salários encontram seus li-

mites quando confrontadas com o salário dos empre~ados: aparece então o cará -

ter privilegiado e injusto da remuneração desses agentes sociais improdutivos,


~ ,
segundo a concepçao dos operarios. Veremos mais adiante como os empre~ados ,

esses componentes dos postos de mando da administração da usina, ao aparecerem

como elo mediador e decis~rio no que diz respeito a todos os aspectos da vida
, ,
dos operarios em territorio da usina, fazem com que sua açao efetiva tenda a

coincidir com a visão dos operáriOS a respeito dos empregados como portadores

da. vontade maligna da ordem social.


205-
_ A , zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
Vemos assim como a visao que tem da ordem social os operarios incorporac~

mo elemento constitutivo dessa visão a superpopulação relativa às usinas, den~

tando assim esse medo interiorizado ao desemprego que caracteriza os operários.

Mas o que significa o desemprego relativo ao trabalho fabril em usina? Signi-

fica. "voltar" para o trabalho agr:Ícola nos engenhos? Mesmo se efetivamente os

operários despedidos não vão procurar trabalho no campo~ nem o encontrariameom

facilidade, por que a condição do trabalhador rural aparece comozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW


mna ameaça ~

ra.o operário?

4. O Trabalho no Campo Visto pelo "Trabalhador da Sombra"


Cercado por trabalhadores rurais por todos OS lados, com o conhecime~tode

aua condição seja por ter trabalhado nos engenhos durante uma fase de sua vi -
-
da, seja por relaçoes de parentesco com muitos trabalhadores rurais, o opera -
,

rio ve'" neles nao


~
somente a instabilidade no trabalho que ele procura preservar

a todo custo, como também o modelo de privação de todos os trabalhadores da á-


rea. É nos trabalhadores rurais dos engenhos que se realizam, segundo a visão
; A ~ _
dos operer-ãos , as piores conseqiienc ías da situaçao de superpopul.açao que sofre

o conjunto dos trabalhadores das usinas.


~
E e levando em consideraçao tanto
- o
desemprego interiorizado, como a condição dos trabalhadores rurais que os ope-
, A
rarios podem consolar-se, ressaltando a estabilidade que tem no trabalho e,
portanto, a remuneração regular que percebem por suas longas jornadas de traba
, , ~ ,
lho! "sempre o salario da gente e certo, e um pouquãnho , mas e um pouquinho c~

to." (esquenta-caldo). Examinando-se portanto a visão dos operários a respei-

to da condiÇão dos trabalhadores rurais, podemos avaliar melhor que tipo de s~


- ~
perpopulaçao, relativamente aos operarias) representam os trabalhadores rurais

-- além de se poder obter, por comparação, características da condição dos op~

rários do ponto de vista da referência à condição dos trabalhadores rurais. A


206.

lém disso, pode-se ter implicitamente a visão dos operários a respeito de sua

trajetória social que se origina no campo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE


~ ~
Muitas vezes a comparaçao entre o trabalho agricola e o trabalho fabril ~

por extensão, entre a condição do trabalhador rural e a do operário e feita de


,
forma implicita e subjacente a um discurso que trata explicitamente do sentido

que tem para o operária sua trajetória social do campo para a fábrica,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
O tra-

balho na usina então é visto positivamente, como está implicito na segunda ci-

tação de entrevista deste capitulo, em que um cozinhador descreve como chegou

à usina: "('...) eu resolvi a procurar um serviço que pagasse um imposto qual -

quer, pra ter um certo direito (... ) e adepois começou a surgir que na usina.

era bom de trabalhar, então eu imediatamente também deixei a estrada de ferro

e vim pra usina If A própria descrição dessa trajetória denota que tal operá -
A

rio, porque tendo alcançado um lugar de certa importancia na estratificação 0-

perária, o de cozinhador, vê suas mudanças ocupacionais COmo uma ascensao que

muito tem a ver com suas próprias decisões: "eu resolvi", "eu imediatamente tam

bém deixei a estrada de ferro e vim pra usina". Do seu ponto de vista, tendo

percorrido várias ocupações cperárias até chegar ao lugar de cozinhador, há u-


A

ma certa correspondencia entre a crença que se propagava pelos engenhos de que

!tna usina era bom de trabalhar!! e certas caracteristicas da usina:

"De fato que dos trabalhos (Eiso pres~ que existe pe Io interior a
usina é um do~ melhores, néo Tem um certo direito e tem um certo
~
conhecimento. Uma certa, vamos dizer, uma certa escola, ne, que em
tudo está aprendendo e desenvolvendo,!!

No entanto, a própria continuidade do relato dêsse operáriO sobre sua tra

jetória ascendente vem mostrar que tal ascensão tem por obstáculo não sua pró-
pria vontade ou sua capacidade de trabalho mas os próprios limites do trabalho

operáriO em usina. Pois então, o cozinhador conclui, em forma de anti-climax

ao que foi anteriormente dito por ele:


·207.zyxwvutsrqponm

"De maneira que nunca. fiz futuro nenhum na questão da vida. Essa. mi
nha. vida sempre foi de trabalhar,"

Assim, se na. descrição de sua tra.jet~ria social ascendente, este cozinha-

dor realça sua pr~pria vontade na sua colocação como operária de usina, em de-

trimento das mediações no mercado de trabalho e das circunst~ncias sociais


que resultaram posteriormente na sua alocação como operária na seção de fabri-

caçao, essas circunstâncias sociais do mercado de trabalho são introduzidas nozyxwvu


,
seu discurso no ponto final de sua trajetoria ascendente: mesmo como cozinha -zyxwvutsr
_, A ,....

dor, ocupaçao operaria de importancia, ele nao fez "futuro nenhum na questão

da.vida.". Então, chegando a.esse ponto de seu relato, isto é, sua situaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfed
a.-

tual, o operário como que nega toda a parte inicial do relato, como se sua. atu

aI condição e seus problemas apagassem uma trajetória ascendente que não com.

pensou o sofrimento persistente em seu ponto final. Pois ai se colocam impli-

citamente todas as reclama.ções dos operários quanto à sua pr~pria condição: r!

clamaçôes quanto à jornada de trabalho, quanto ao salário, quanto à investi~a.~


.
çac,
,
Ainda. mais, nessa frase de anti-climax, ° cozinhado!' nao deixa de mos

trar, através das lacunas que deixa nessa sua afirmação, que o Hfuturo na vi -
da."pertence aos empregados e patrões e não a ele enquanto trabalha.dor, porque

"minha vida sempre foi de trabalhar" ..


,
Apesar de tudo, em oposição ao trabalho agricola nos engenhos, o trabalho
,
fabril de maneira geral e visto positivamente, ou melhor, menos negativamente.

Isso se sobressai não somente dos relatos sobre a trajet~ria social dos operá-

rios no sentido campa-fábrica, mas principalmente da comparação da condição


dos operáriOS com a condição dos atuais trabalhadores rurais dos engenhos da ~

à
A

sina, submetidos mesma autoridade central que eles Com efeito, a experien-
,
ela passada de trabalho no campo do operaria, quando ela existiu, muitas vezes

acha-se atualmente apagada na mem~ria dos operáriOS se comparada com a presen-

ça marcante no seu dia-a-dia dos atuais trabalhadores rurais, com os quais se


0208 .zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
..zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
relacionam mais proximamente atraves do parentesco.

Essa visão dos operários dos trabalhadores rurais atuais, no entanto,zyxwvutsrqponmlkjih


a8-
,
sim como O relato contraditorio do cozinhador
,
acima, e composta de versoes di-
-
versas em que são acentuados aspectos diferentes da situação comparada do ope-
, ..
rario e do trabalhador rural: enquanto para alguns operarios o trabalho no caro

po é decididamente pior que na fábrica, para outros há restrições na condição


, '"
do operário a acentuar na comparação. Como caso limite dessa ultima tendencia

alguns operários admitem que o trabalho no campo seja melhor que na fábrica.

Alguns operáriOS nos perguntavam porque não íamos estudar os trabalhado -

res rurais dos engenhos para ver o que havia de mais representativo em termos

de privação dos trabalhadores da área. Essa pergunta implicitamente já nos 1n

formava que os operáriOS consideravam a situação dos trabalhadores rurais bem


.. ~
pior que a sua propria. Quando explicitamente perguntados sobre a comparaçao

entre o campo e a usina, alguns operáriOS começavam a justificar sua preferên-

cia pela fábrica referindo-se às condições de trabalho melhores em um prédio~

berto como o da planta fabril da usina. Esses operar ãos criticam assim certos
.. ,
elementos caracteristicos do trabalho agricola que para os trabalhadores ru -

rais são constitutivos de sua categoria de trabalho: o trabalho a céu aberto,

no sol e na chuva. Justificando a denominação jocosa dada a eles pelos traba-


~
lhadores rurais de trabalhadores da sombra, os operariaS apontam certos fato -

res "natura.is" do trabalho no campo, tais como a ação dos "insetos maus", além

do trabalho a céu aberto, como sendo seus aspectos mais negativos.

t~ fábrica é melhor porque na fábrica a gente quando entra pra fá-


brica tá livre de levar chuva, de levar algum bicho. Porque pelo
campo é fácil uma cobra morder, né, todos esses insetos maus. E den
tro da. fábrica não tem essas coisas, né. Não tem." (soldador)
~
"o serviço na usina sempre ~ melhor, viu. Porque e um serviço mais
resguardado, viu. A pessoa não leva tanta chuva, não sofre tanto
.209.zyxwvut
,
ealor do sol, viu Sempre a usina e meLhor,
(-- Mas não trabalha. mais na usina, não trabalha 12 horas?)
12
- Ah , bom, trabalha mais, mas com tudo isso. A usina trabalhazyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
horas. Mas com tudo isso é melhor sempre do que o campo, O campo
é trabalho sujeito aos insetos, às formigas, essas coisas, né. Isso
, "
tudo e coisa que desagrada a gente, ne. E na usina e certo. Traba
lha mais horas, mas também, tem mais uns direitos, viu. Uma coisi-
nha melhor na usina. Porque eu trabalhei em usina, nunca perdi o
meu tempo não, viu. Em usina eu ainda conheço tudo, ainda.1i (ex
ferreiro, ex-vigia, aposentado)

Nessa última citação, o ex-ferreiro ainda adiciona às condições de traba-

lho "na.turais" negativas no campo algumas vantagens da.usina, como o de ter

à possibilidade do aprendizado de alguma arte


mais direitos e como o acesso
Mas o argumento mais utilizado são as más condições de trabalho no campo,
- a

céu aberto. Esse tipo de argumento parece estar preso à própria concepção de
trabalho que têm os trabalhadores rurais, para os quais a atividade dos operá~

rios nao é trabalho, já que além de não ser trabalho na terra, essa atividade
é feita na "sombra". Em grande parte presos à ideologia dos trabalhadores z-u-
rais, os operáriOS fazem questão de responder a isso dizendo que sua atividade

não somente ~ trabalho, como é um trabalho melhor que o trabalho agr1cola, su-

jeito aos vários inconvenientes de sua relação direta com a "natureza". É in-

teressante notar-se como essa controvérsia, em que está em jogo não somente a

falta de aliança entre os operáriOS e os trabalhadores rurais contra seus pa -

trões comuns, e mesmo a divisão entre esses grupos sociais estimulada pela ad-

ministração das usinas, como também os privil~gios relativos dos operáriOS que

se viram concedidos com os direitos trabalhistas desde a década de 40 à seme -


, • ' I'\. ,.,.

lhança dos operar~os urbanos, se da mediada pelas divergencias na concepçao de

trabalho que têm ambos os grupos sociais. Essa controvérsia, além disso, ate-
nua o antagonismo com a administração da usina que possam ter ambos os grupos
~
sociais, ao provocar uma certa rivalidade entre operarios e trabalhadores ru -
.210.
raia. Assim, alguns operários faziam questão de frisar -- sem nenhuma pergun-

ta relacionada ao assunto de nossa parte -- que os trabalhadores rurais costu-


mam dizer que os operários não fazem nada e têm todos os privilégios, que os

trabalhadores rurais "fazem toda a comida" e os operários "já pegam o prato

feito pra comer" -- e que essas afirmações eram inver1dica.s e injustas. Está

certo, diziam eles, que os trabalhadores rurais trabalham muito e não são re _
, A _

compensa.dos, mas os operarias tem um papel fundamental na transformaçao da ca-


na de aç~car.
,
Sem operários não há aç~car.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
-
A concepçao fisiocratica do traba
,

~ própria aos trabalhadores rurais, os operários respondem com sua concepção


,
smithiana de trabalho. Essa resposta e defensiva: se os trabalhadores rurais

negam o caráter de trabalho dos operários para melhor ressaltar a injustiça de

seus "privilégios" relativos, os operários t~m urna concepção mais ampla de ~


,
balho que engloba a.atividade dos trabalhadores rurais. E os operarios defen-

dem-se dizendo que as condições de trabalho "naturais" no campo são piores.


,. ~
Outros operar~os, no entanto, menos preocupados em responderem as "acusa.

ções" dos trabalhadores rurais nessa curiosa discussão social simulada sobre a

natureza do trabalho e da condição desses dois grupos sociais, tentam mostrar

como o trabalho nos engenhos é pior que na usina, descrevendo detalhadamenteas


condições de trabalho e de remuneração dos trabalhadores rurais, ao mesmo tem-
-
po que incorporam as proprias reclamaçoes e reivindicaçoes desses ultimos.
-
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ~
O
, ,
absurdo do salario insuficiente dos trabalhadores rurais devido a trapaça da

administração na alocação dos trabalhadores às tarefas agríCOlas, o escassea -

mento deliberado de trabalho afetando o salário semanal dos trabalhadores e,


cons~Hentemente, outros direitos como o repouso remunerado, as férias e o dé-

cimo-terceiro salário, a expropriação dos lotes de subsistência a que tentam

agarrar-se os moradores como compensação de seu salário insuficiente, todos es

ses procedimentos pesam na argumentação dos operáriOS, a qual se transforma de


.211.

justificativa. de sua pre:ferência pelo trabalho em usina" na acusação à adminis

tração quanto à condição dos trabalhadores rurais esse modelo de privação

que representa, como caso-limite, a pr~pria privação que o operário tambémres

sente. A argumentação deixa de lado então as respectivas concepções de traba-

lho que sustentam rivalidade:::; entrezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB


C3 dois grupos sociais e passa para o ter-

reno da descrição das condições concretas em que os trabalhadores rurais -


sa.o

explorados.
,
"Eu nunca trabalhei no campoporque, e comose diz, o campo vive
morrendo de fome. As us Lnas d~ dois diô,rJdê serviço, três pro cam -
"
pones. Que quando ele [':'~:on-caum pau de roça, o gerente do campo,zyxwvutsrq
A •
o agronom~, mandapassar o trator, botar o gado dentro e passar o
trator. Arrasta tudo.
- @ mulher do oper-ar ão intervé~ Arrancou foi tudo. Ali em X
[pomedo engenh<B. Arrancou a roça do povo todínha.
- [Operári<il Eles quer-em plantar cana e nao querem que o trabalha
dor tenha nada, sabe como~? É doia dias de serviço. E quando a -
queles dois dias que ele trabalhe" pronto, aqueles dois dias :fica
na venda, o barraqueiro já comeu. Agora" ele3 vai passar quatro di
a.s plantando uma coi8inha, 8ab2 como ~, rlantando uma rocinha. Plan
ta.ndo uma macaxeâ.ra , umabate,ta. E a usina manda arrancar." (turb.,!
~?.:i::~:::'~
,. ? )

neiro; a famã.Lãa de 8U'J. mulher e tc:~a de


,.
nAparte do campo, não é melhor pcrque é o seguinte. Porque nos
,.
com todo o sofrer d~ USiE8..) nos t1'8,balha os neis dias. Por isso,
por aquilo outro, nos tr<:"b::üh'.:L
i'e5E: dias. N~s tem aque Le dinheiri-
nho certo No s~bado, noc pode IT,::::.'J.-GBr aquele dinheirinho certo pra

- e assim.
comprar alguma coãaa pro, dL:mtrode cP,ra, pros meninos. E no campo ,

nao /
No CE\mpO,
Q, gente vn.,j'J trabalhar no campo, por exem -
pl.o , eu corto cana, Sou ccr tadcr d.e cana. Vou cortar a cana. Che-
,
go lá, é como essa cana aqui. E::;Jo. C8Jna b o a , limpa, 3
e uma ce.nazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
pedaços. Ai chego lá, t:1,l'O a cam.aa , vou trabalhando sem camisa ,
pou, pou, pou, pou, pcu , pou [}mita o barulho do corte da can~. Ai
fa.ço minha média. Chega 4 horas da tarde ou 6 hora8, a hora que eu
quizer, fiz aquela média, eu paro naquf.Lo , Quando é no outro dia
.212.

Chego Ia nao tem cana nao, ta com sape. Não é ca


#' A.# ,... ~ "

eu vou trabaR1ar.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
na boa. É uma cana variada. Quer dizer, eu vou fazer ali o que ?
Naquele dia que eu fui, que eu corto 300 quilos de cana, no outro
eu só fiz 100 quilos. Ai perdi a cota. Ai não fiz nada. Quando ézyxwvutsrq
, A

no sabado, cade o dinheiro? Não recebi o dinheiro. Depois eu vou


,
fazer urna.limpa. Aqui pega uma area de terra. .-
'Quanto e aqui?! -
- ,
'E 100 braças. !
queno.
,
! Ta
-
certo.
,
E uma terrinha boa, um mato pe-
I

, , "
o camarada pega a enxada e pa, pa, pa, pa.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
Meio dia, umazyxwvutsrqponmlkjihgfed
~
If ~.- ~

hora da tarde, a gente ganhemos aquela media. Quando e amanha, nos


vamos. Chega lá, não é mais acolá, aquele ali acabou, foi em ou
tro. Com muito mato, uma terrinha. ruim. o camarada tem que traba-
,
lhar 3 dias [para dar conta da ta.ref~. O mesmo total. A braça e
a mesma, mas mudou o mato, a terra é
bruta, quer dizer que o pobre
, ,
não tira aquela conta. Vai tirar com um dia, ai da 3 dias. Quer
,
dizer que ficou mais pobre, ne. Se dessem uma conta menor pra ter-
ra pior, ai era melhor. I~s não é assim. Cada um que mo~ra como~
der morrer. A nossa sacrificança é toda essa. tr (serralheiro)

Mostrando como a usina burla a legislação e os trabalhadores rurais,zyxwvutsrqponmlkjihg


ae

escassear as tarefas oferecidas na parte agrícola de forma a pagar bem abaixo

do salário-minimo no final da semana (além de sonegar outros direitos como ré.


rias, 139 salário, repouso remunerado), ao dar tarefas totalmente diversas pe-

10 esforço diferencial que acarreta com a mesma mensuraçao - e portanto COm a

mesma remuneração, contribuindo assim para que o trabalhador rural se veja im-

possibilitado de cumprir todas as tarefas dele exigidas para a percepção


- -
do sa

lário-minimo, a descrição da organização do trabalho na parte agr1cola feita~

los operáriOS acarreta implicitamente na visão comparativa do trabalho fabril

como mal menor diante da Situação dos trabalhadores rurais.

No entanto, ao comparar a condição do trabalhador rural com a sua própria,


;
alguns operarios ressaltam dessa comparaçao
- ,
certos aspectos desfavoraveis da

condição do operáriO -- mesmo se eles aceitam que o trabalho fabril, diante

das formas de exploraçao


- do trabalhador
,
rural pela usina, ainda e um mal menon
.213.
é a extensão da jornada de trabalho e o trabalho noturno. O
Um desses aspectoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

serralheiro citado logo acima, depois de falar da dificuldade que tem o traba-

lhador rural em terminar sua tarefa em um dia de trabalho como pressupõe a e -zyxwvutsr
A , ; ,

quãva.Lencãa entre essa ta·refa e o salario-minimo diario, conclui:

"Mas se todo dia a gente topasse aquela média boa @sto é, se todo
dia fosse poss1vel cobrir a cota de produção equivalente ao salário
mfnim~, todo dia, era bom porque nós tínhamos direito a descanso,
a noite toda pra descansar. Não é isso? Mesmo que a gente desseum
murro maior, mas tem o descanso pra noite. Qte r dizer J negócio de
usina é melhor por causa disso que a gente sempre ganha um dinheiri
nho certo. A gente veve ruim, mas o campo veve por duas vezes ouzyxwvutsrqponmlkjihgf
por três pior que a gente. Na usina a gente trabalha na sonbra.
Mas é mais cativo. Pornpótese, se acontece um acidente de máquina
agora, eles vem me chamar aqui ~a casa del~, e eu tenho que ir
A qualquer hora eu posso ser chamado. É assim de domingo a domin -
go. Esse domingo mesmo, vou fazer uns reparos, vou trabalhar umas
6 horas. E depois a gente sofre de sono. Agora, na oficina pelo ~
nos eu durmo a madrugada. Mas na moagem, a gente ver o sol nascer
,
e a gente trabalhando, é pra ficar doido. No campo a gente e mais
liberto. Trabalha de manhã, de tarde pode plantar a roça, pode ca-
çar, e de noite, dorme.!!
~
ASSim, as sutilezas porventura existentes na comparaçao entre as condi
,
ções de trabalho no campo e na usina, feitas pelos operários, assemelham-se a
 ,

aparente incoerencia do discurso dos operarios a respeito de sua jornada de

trabalho e suas condições de trabalho, por um lado, e a respeito de seu salári


,
o por outro lado, que vimos nozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
capo III. Como ha um privilegiamento, pelo OP!
, A ~
rario, da estabilidade do seu emprego assegurando-lhe a constancia do seu ~
A' , ,
!!2, garantidor de sua subsistencia precaria e ameaçada, e como o salario 6

A ,
mais garantido na usina do que no campo, a preferencia pelo trabalho na usina e
,
assim justificada. Vemos assim como o fetichismo do salario dos profissionis.

tas, se ele pode ser explicado em última instância pelo espectro do desemprego
.214.

interiorizado nos operários, esse espectro inclui como um de seus aspectos a


A' _ # /

consciencia implicita de que a condiçao do operario e um mal menor se compara-

do com as incertezas do trabalhador rural de se prover de uma remuneração min!

ma. Secundariamente, no entanto, o trabalho no campo possui certas vantagens

se comparado em negativo com alguns problemas que atormentam os operários: a

enorme jornada de trabalho, o trabalho noturno, a chamada para o trabalho inde

pendentemente de qua.lquer horm.io em casos de "emergência".zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ


O trabalhador ru-

ral seria. assim "maãa liberto", não só quanto à extensão de sua jornada. de tra.

balho, como devido ao menor controle que tem sobre ele a a.dministração da usi-

na, além de sua menor imprescindibilidade para o seu trabalho especifico, ca _

racter1sticas essas que fazem justamente o operário "mais cativo" ..

Apesar dessa predominância do salário constante como justificativa da van

tagem relativa ao trabalho no campo que tem o trabalho fabril, alguns operári-

os, baseando-se em uma certa visão nostálgica de um passado idealizado de far-

~, admitem que a condição do trabalhador rural possa ser melhor que a do 0-

;",zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ,..,
perario, ja que, ao contrario deste, aquele tem melhores condiçoes
de plantar
,
alguma coisa para sua fam1lia. A fartura parece estar ligada assim a conces -

são de lotes de terra para cultivo de "subsist~ncia", e os trabalhadores ru

raie sempre tiveram lotes maiores que os dos operários, além de disporem de

mais "tempo livre" para o seu cultivo. Admitindo que o campo seja melhor que

a usina, esses operários, no entanto, frisam a relatividade dessa compara.çao -


devido a toda aestratégia de vida distinta que têm os trabalhadores rurais e os

operáriOS, mostrando como a comparação não implica em alternativa imediata pa-

ra cada um desses grupos sociais.


~ , ,
"Pra. quem ta acostumado no campo, e melhor no campo, ne, porque a-
planta, né. O campo sempre tá oais folgado porque tem a planta.ção-
zinha dele. Aplanta o seu milho, ap'Larrta um gerimum, macaxeira,sua
melancia, e tal, Pode plantar essa lavourazinha, criar um animalzi
.215· zyxwvutsrqponm
" zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
nho, uma coisa e tal e veve mais folgado, ne. Mas pra como eu que
tou acostumado em usina, eu não quero trabalhar no campo, eu não me
dou no campo, nunca trabalhei no campo. Já trabalhei em estrada de
-
ferro, mas plantar, nao, o campo que eu trabalhei foi estrada de
ferro, plantação não. É por isso, eles mesmos do campo não querem
ir pra moagem e os da usina nao querem passar pro campo, ai" os moti
vos são esses. fi (evaporador)

Olhando para a comparação entre o trabalho no campo e o trabalho na uai -

na, não através da ótica do salário monetário, mas através do ponto de vista da

subsistência não monetária do conjunto dos trabalhadores, pelo lado da fartur~

alguns operáriOS avançam uma explicação abrangente para a atual situação de

privação que inclui tanto os trabalhadores rurais quanto os operáriOS. Com e-

feito, para esses operários a situação de privação dos dois grupos de trabalh!

dores é interligada: com o corte dos sitios e lotes de terra dos trabalhadores

rurais acaba fatalmente a fartura dentro da "p'Iarrtat.âon'". Esse fim da fartur~

segundo essa concepçao, afeta necessariamente os operários: as feiras atua1me~

te existentes nas cidades do interior da zona da mata, suprindo as necessida -

des dos proletáriOS rurais e abastecidas por camponeses independentes da peri-

feria da área de I1p1antation" do Agreste, são projetadas retrospectivamente p!:.


, A _
10s operarios, que vem os antigos moradores abastecendo antigas feiras que nao

existiam com a sua farta produção nos seus lotes de "subsistência". "-
A abundan

cia dessa produção fazendo baixar os preços dos bens de subsistência comprados

nessas feiras, tal seria a interligação entre a fartura dos moradores e a far-

~ de seus consumidores operários.


"- O sr , falou que tinha fartura antigamente nos engenhos. E pros
operáriOS tinha também?
Tinha também, tinha. Tinha fartura também.
Porque? Os salários eram maiores?
Não é porque os salários era maior. Era porque naquele tempo ,
nos engenhos de tudo se aplantava. Tudo plantava, né. Quem não ti
.216.zyxwvut

-
;

nha nada, mas tinha dez, doze contas de roça, de terra, ne. Quer di
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
..

z~r que a gente ali o pouco que ganhasse, chegava na feira: -- 'eon
, ,
te essa palma de banana, conte quantas tem.' -- 'E duzentos reis ,
,
três tostões, um cruzado cada uma.' Hoje a gente da duzentos mil
réis numa banana, né. E não tem. E só dá mesmo praque Le que tem
dinheiro.
-- @ua mulher interrompe e diz J Quando tem pro campo tem pros op!:.
rários também, não é? Se tem no campo" tem pros operários." (turbl:,
neiro)
A expropriação dos sitios dos moradores e também de seus lotes de subsis.
"-
tencia, esta a causa do fim da fartura tanto para os trabalhadores rurais qua~

to para os operários. Essa expropriação, não mais quanto aos sitios, mas qua~

to aos pequenos lotes de subsistência, se desenvolve ainda na atualidade, ezyxwvutsrqponmlkji


a-

través dela os operários ilustram com freqüênCia a seus entrevistadores a pre-


potência e a arbitrariedade dos empregados e da administração da usina (4). A-
, -
inda mais que os operarias ressentem as mesmas restriçoes por parte da admin~
tração com relação a seu precário cultivo de subsistência em pequenos lotes de

terra geralmente móveis, segundo as necessidades de plantação da cana. Os re-

latos de resistência à expropriação são muito apreciados pelos operários pelOS

seus ensinamentos de honra e dignidade de classe, não somente os casos de re -

sistência oferecida pelos moradores, como os casos referentes a operários "nas

cidos e criados" na usina que são ameaçados de terem as casas de que usufruem

e seus pequenos pedaços de terra tomados pela usina.

Encampando as reclamações e reivindicações dos moradores contra a expro -

priação, os operários interligam sua própria condição à dos trabalhadores ru -


rais. Assim, para explicar a piora no padrão de vida por eles ressentida no

; Á Ã

(4) !~s usinas da dois dias de serviço, tres pro cam~nes. Que quando ele a -
pronta um pau de roça, o gerente do campo, o agronomi, manda passar o tra-
tor (•.•)" (turbineiro)
.217•zyxwvutsrqp
.I

deco~rer de sua historia de vida, piora esta expressa por uma idealização de

um passado de fartura, os operários voltam-se para as mudanças sociais ocorri-

"pl.anbat.Lon 11 e não para even tuais mudanças que tivea-zyxwvutsrqponm


das na.parte agrlcola dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~ ,
sem por centro dinamico a parte industrial. O movimento tendente a proletari-

za.ção dos tradicionais moradores, esta a principal transformação da organiza. -

ção social da. "plantationl!, provocando alguns efeitos secundários sobre a con-

dição dos operários (5). Os operários então aasocãan a queda de seu sa.lário

real e de suas concessões não-monetárias com o fim da fartura ocasionado pelas


.I

transformações na condição dos trabalhadores rurais. E, alem dessa interliga-


ção do destino dos dois grupos sociais através da piora do consumo alimenta.r ~

perário, devido ao corte dos sitios e lotes de subsistência dos moradores, ou-

tra interligação é feita implicitamente pelos operários quanto à criação de u-

ma população excedente interna ao conjunto agro-industrial do aç~car com a ex-

pUlsão dos moradores e o surgimento dos trabalhadores clandestinos, esses ex -zyxwvutsrqponmlkjihgfe


.I ,
moradores ja expulsos, aliciados para tarefas na parte agricola por empreitei-
~ .I .I

ros. Nao e por acaso que alguns operarios, ao referirem-se a essas transforma.

ções na parte agricola das usinas e suas conseqllências sobre os operários, ge-

neralizam tais transformaçõcs dando-lhes o caráter de causa da "fome dos brasi

leiros ".
,
'~ntigamente quem gostava de agricultura tinha o seu sitio. O camazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
r-:
radinha vivia assim, trabalhava. dois dias, tres na semana somente
pra compor, porque de tudo tinha no sitio, não é, naquela época. E
, ,
agora pronto, o usineiro agora ta acabando com o sitio de todo o
pessoal. Que querem moer mais, então compra s~ clandestino, né. É
,
o motivo que a fome do Brasil é asaím. Porque quer moer, compra so
- , ~
clandestino, nao tem mais sitio, a pessoa nao pode plantar uma bana

(5) Para a análise das profundas transformações sociais na parte agríCOla da


"pla.nta.tion",cf'. Palmeira, 1974 e Sigaud, 1971.
.218.
na oomprida, não pode plantar nada, não pode criar um porco, não p~
de criar uma cabra, porque não tem lugar pra plantar. E aqui o sr ,
via., chegava. num sitio desses era cada uma.porca pa.rideira.,cada. ca
bra medonha, era peru, era tudo, tudo nós tinha, né. Hoje ninguém
tem mais nada , porque não tem lugar pra plantar.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Os homens deixa
, f • zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
IV ti

nos morrer da. faca cega mesmo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF


Al. a sí.tuaçao ta cada. vez mais pio-
ra.ndopara os brasileiros. TI (evaporadcr )

Expropriando os moradores de seus sitios e lotes de subSistência, supri -

mindo assim uma parte de sua subsistência e forçando-os ao trabalho nas terras

de cana como ~ica forma de sobrevivência, por um lado, mas ao mesmo tempo es-

casseando deliberadamente as tarefas alocadas aos moradores que sofrem a con -


'"
correncia dos empreiteiros e suas turmas de clandestinos, por outro lado, os P!3
prietários produzem uma superpopulaçâo relativa interna à "pãantatãon" que, so

brecarregando os canais de acesso ao trabalho fabril, debilita mais ainda oa

operáriOS na sua correlação de forças com a administração da usina pela pres -

são exercida sobre as vagas para as ocupações operárias. A superpopulaçâo res


,
sentida pelos operarios e explicitada por eles, seja em afirmativas gerais so-
bre a "situação do pais" ou através de "fábulas li, seja relatando sua situação

concreta de busca de emprego e de trabalho, tem assim, nessas transformaçÕes~

ciais cujo centro dinâmico é a expropriação dos moradores, o seu conteúdo esp!
cificado. Fazendo essas interligações entre a condição dos operários e a con-

dição dos trabalhadores rurais, os operários apontam para uma certa complemen-

tariedade existente na diversidade de condições de trabalho existentes na par-


te agricola e na parte industrial da usina.
Assim, se pudemos observar no capitulO III que o fetichismo do salário dos

profissionistas, sustentado pelo medo interiorizado ao desemprego, tinha por


base a exist~ncia de uma superpopulação relativa pressionando os operáriOS, e

tal "fetichismo" contribui a reproduzir a enorme jornada de trabalho prevales-

cente na seção de fabricação enquanto jornada legitima ou ao menos não questi2


·219.
. ' •..•
na.da.;zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
concãuãr que a. propria. ma.nutençao da. enorme jorra da de trabalho
podemoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
, A ~

na.usina. liga-se a existencia desta. superpopulaça.o. A enorme jornada. de traba

lho na parte industrial da.usina -- e que é dos maiores problemas da. condição
operária, tanto que uma das qualidades do trabalho no campo apontada pelos OP!

rários é a possibilidade do sono noturno -- parece complementar, assim, & pe -


,
quena. jornada. de trabalho na parte agrícola. Esta ultima. jorna.da, extremamen-

te intensa, é tanto menor quanto considerada, mais do que através de sua. forma
,./ , ,
diaria, atraves de sua forma. semanal: alem de ocupar 08 traba.lhadores um numa

ro menor de horas diárias, tal jornada freqüentemente repete-se duas a. três ve

zes por semana apenas para cada trabalhador rural. Há, desta forma, um descom
passo completo entre o tempo de trabalho necessário, equivalente valor da sub-
"
sistencia da força de trabalho, e o tempo de tra.balho excedente apropriado pe-
,
los proprietarios de terra: ""
como o salario-mínimo -"
corresponde a repetiçao d~

ria. de determinadas tarefaS/dia, ele é burlado não somente pela. negação inter-
, ,
mitente de trabalho ao trabB:hador, como tambem pela pratica de fixaçao de uma
-
tarefa superior ao esforço correspondente a um dia de trabalho (6). Por outro

lado, a enorme extensão da jornada de traba.lho fabril e suas conseqtiências p&-

ra profissionistas e serventes durante a moagem e para os artistas durante o 8.

pontamento, analisadas nos capitulos II e III, acarretam em uma.menor incorpo-

ração de mão-de-obra se comparada com a que seria incorporada caso preva.leces-


A

se a jornada de trabalho legal de oito horas com tres turnos. Portanto a com-

plementariedade entre as duas jornadas de trabalho, da parte industrial e da

parte agríCOla, parece dar-se pelo racionamento das vagas operárias na fábric~

por um lado, e pelo racionamento de tarefas no campo, por outro lado. Haveria

(6) Para a aná.lise das formas de exploração dos trabalhadores rurais da tlplan-
tation", cf', Sigaud, 1971 e 1973, e Palmeira., 1974.
.220.

assim uma complementação entre,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


por um lado, t~a forma de extração da mais-va-

lia que comprime o equivalente ao tempo de trabalho necessário, na parte agrí-

cola, e, por outro lado, uma forma de extração da mais-valia que distende o

tempo de trabalho excedente, na parte industrial.

Essa complementariedade de formas diversas de organização do trabalho e

de extração da mais-valia -- complementariedade do ponto de vista do não~tr&.zyxwvu


,
balhador, ja que tal diversidade contribui para legitimar sua dominação -- tem

à sua asso _
por efeito estanquizar os dois grupos sociais no que diz respeitozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW

ciação em vista de reivindicações comuns ou coordenadas junto à autoridade co-


mum a que estão submetidos. Essa eatanquãsaçào , que se completa com o próprio

desenvolvimento pol1tico e sindical desigual dos dois grupos sociais e a. mani .•

pUlação que disso fizeram os proprietários e o Estado, tem por base a própria

divisão social do trabalho rígida entre parte agricota e parte industrial da

"plantation". As barreiras levantadas pela administração da usina quanto à ad


missão dos trabalhadores rurais em pior situação no campo ou que já trabalham

em tarefas não-agricolas, e que desejam assim a entrada na usina por um lado,

e por outro lado a não alternatividade entre o trabalho agrícola e o trabalho

fabril para grande parte dos dois grupos sociais (7), garantem essa estanquis~
-
çao.

Se há assim diferenças quanto a estratégia de vida entre os moradores e


, . ,
grande parte dos trabalhadores rurais expulsos, por um lado, e os operar10S

por outro, tais diferenças parecem maiores ainda entre os camponeses do agres-
/ /

te e os operarios. Mesmo quando bem sucedido enquanto operario, uma certa nos

talgia do trabalho independente parece marcar alguns operários de origem camp~

(7) "Eles mesmos do campo não querem ir pra moagem e os da usina não querem
passar pro campo." (evaporador)
.221.zyxwv
,
n.a... Assim" u..'11
coz Inla dor môstra. como as SUpostM vantagens dos ope~1os _

que podem ser vistas, segundo ele, enquanto tais se comparadas com a condição

dos trabalhadores rurais da "plantation" ~~~são na realidade uma ilusão " qlla!!zyxwv
!i

do confrontadas com o trabalho por conta propria


"
do campones.
A

liA gente que veve de trabalhar de emprego, acha me'lhor a indústria


mesmo. Agora, trabalhador de campo não se 8,CCS tuma. Eu mesmo acho
melhor t raba'lhaz- no campo, m2,Gaf:!cim como a gente fazia, quando pa_
pai tinha, que tre.D2.1h:wa no que era dele: n9, ai a gente trabalha-
va, tudo era pr-a dentro. Me.$ s(';:~'v~.çopr8, t:rabéÚh3..r no campo,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
proa
outa-oc , é melhor mesmo em us Lna, Porque quando a gente trabalha. no
campo mas é pra pessoa, tudo que rende, é rca pessoa, é outra vantia
gemo Quando foi o tempo que papr.L vendeu a tC):;,~ra,8,Ca.'JOU com um ~
dinho que tinha, tudo) ai a gente se destacou. Eu e outro irmão
que eu tinha, des tacamos a tro.b8J..ha.r em usina) Primeiro foi e-
le, depois foi eu. Semp:::'8;ele na 1.-~'ji.na,sempr-e t em o pagamento to
da semana, e o trabE..lh?.d· ::>::.~
do C2mpO
-
nao ,
~
ne , EJ.e E' o
.-
tem dinheiro
,
quando ele vende o que Gle faz.? no , El'? trabüh~ s eas meses, oito
~
meses, pra começar e, vender c: qU2 ele cofheu , no , :TI:C) trabalhador
,
de usina não, t.oda 2 emana tem c' ('-l.nhs::'ro,ne. Ou pouco ou muito, e-
le lá recebe. Ai ele 88 :.:'..udc com aquilo. A{ e, gente que procura
a. us íne., ache, bom rc:;e'!Je-.: d::'::1h":~_~:'('
toe." ~sm?naJ vi'.rer de emprego ,
~.
quando 29..:!. J Df'.O 82:)0 :i?rC81T~(',"é'::J.tl~2
c::'.: a, Y2,i ;::~ocurê,r emprego no-zyxwvutsrqponmlkji
.' ,
vamente ó. :;:'::0 cs ..T.rJ!0. Q,uando e
1<:-go E· .~.h~: G.~:~:Z':_,'-:~t:_Y'c~',~t~~\l~
n;"'~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA no
fim do ano, a gr:'l1t0 tom cY.reito a :1.39 m0s" tem c1:'.reito 1), rérias,tem
direi to 8. abono de monãno r 8 b:2'"!-Y\:.h'"\,dor
do campo n~o tem direi to,
, ~
ne. Ai nos.
acha qU0 a gente 6 mu:':i~oi:UpC~:;_Ol~2· 0:'::::"1, ;;": r::::>:.ho:::-amentos
e de tu-
do, né. Ai a gente chega r » r::-':1to CJ:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
8 0 :D-udir com aquilo, né.1I
(coz ãnhador )

f A
ce-rta propr í.a tt do campones e

sua familia e não a fR.rtu:'o, do ant:tg'J m~t::~~0.or"tem em comumno entanto com to -


N ~,

das as outz-ae ver-soes dê. COffi')p,rs./}"w


crrtr e 2, conc.:cçroodo operar-ão com a dos tra.
.222.
balhadores rurais o fato de apontar para a divisão social do tra.baJ.hoossifica

da que separa os operários dos trabalhadores rurais e dos camponeses. Essa ~

tima versão completa. também o quadro das l~gicas distintas que presidem azyxwvutsrqponmlkjih
pró-

pria estratégia de vida desses grupos sociais diversos: a lógica do trabalho

familiar do campesinato, a logica do morador voltada para a combinação entre o

sa.- zyxwvutsrq
seu trabalho na.cana e o seu trabalho no lote de subsistencia, a logica dozyxwvutsrqponmlkjihgf
Á .-

~
laTio certo e constante do emprego do operar~o.
~ .
, . '
Entre os operarJ.os estaveis, profissionistas e artistas, e a massa de tra.

balhadores rurais que os cercam, estão os serventes, os trabalhadores sazonais


.-
da usina. Atraves desse trabalho sazonal, o alcance social do trabalho em usizyxwvutsrqpo
, »<
na. e muito maior que o raio de abrangencia representado por seus trabalhadores

fixos: muitos trabalhadores rurais da.cana e muitos camponeses do Agreste tem


Á

ou tiveram a experi~ncia do trabalho fabril enquanto trabalhadores temporáriOS.

Muitos destes trabalhadores são "cor-umbas \I, geralmente campones as do Agreste


, zyxwvutsrq
que vêm trabalhar na moagem dentro de uma estratégia de renda complenentar a

sua atividade principal de trabalho familiar em terra própria, arrendada ou ex

pIorada em condições de parceria, renda complementar esta obtida em condições


tanto melhores quanto z-epreaerrbesa uma alternativa ao trabalho como "alugado" no

seu local de origem, considerado pouco dignificante (Cf. Garcia, 1974). Uma

parte desses "corumbas" trabalha algumas moagens e depois não volta mais, ten-

do encontrado outras alternativas de trabalho. Outra parte, no entanto, esta~

biliza-se nesse trabalho sazonal, criando laços com a administração da usina


no sentido de terem seu lugar garantido a cada moagem, o que ocorre freqtiente-
,
mente nas usinas mais proximas ao Agreste.

Além dos "corumoas ", existem os trabalhadores temporários ligados à. pró -


priaárea, pertencendo a alguma familia de operáriOS ou de moradores ou moran-

do em alguma cidade próxima à usina. Na entre-safra esses trabalb~dores pera~


.223.
bulam à procura de algum trabalho, seja na própria. área contígua à usina, 80b

a forma de "ganchoa" ou "belisca.das,,(8),seja nas cidades da Zona da Mata. ou

mesmo na capital, em obras de oons tr-uçao civil. Alguns desses trabalhadores ,

no enta.nto, simplesmente espera.m a próxima moagem, recorrendo ao "mangue". Es zyxwvutsrqpo


t. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
.•zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA r-
ses trabalhadores procuram garantir a recorrencia de seu aproveitamento sa.zo ••
'

nal na moagem através do conhecimento com algum empregado (9) Geralmente sol
teiros, tendo muitas vezeszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
por estratégia a mobilidade de empregos, esses tra..

balhadores quando casam são os que mais exercem pressão sobre a administração

para a concessão do acesso a uma ocupação estável, buscando algura tipo de rel~
ção pessoal com algum empregado que possa recomendá-los na disputa por alguma.

vaga.

Os trabalhadores sazonais, essa forma de exist~ncia da superpopulação Ia.

tente das áreas rurais (Cf. Marx, 1969:cap.XXV), representam o próprio contin.

gente de onde a amninistração da usina recruta seus futuros operáriOS estáveis.

Válvula de comunicação entre o trabalho agríCOla e o trabalho fabril está-

(8) tlQuandoa usina peja , sai uma media mais ou menos de 200 pessoas.zyxwvutsrqponmlkjihgfedc
E al5M
pessoas fic~ tudo parado. Recebe l7que1es 8 meses ou 9 que trabalhou (fars,
parte das ferias, ~rte do 139 salari~, recebe aquela bes!elr~nha, ne, e
fica. No engenho nao trabalha, que o serviqo no engenho nao da nemzyxwvutsrqponmlkjih
p ro
essoal
P r- que tá no engenho. Ai o camarada fica esperando esses dois
~
meses,
tres. Outro fica pelo mangue. Outro plantou uma lavourinha, ta comendo.
Outro vai fazer uma beliscada de ajudante de pedreiro, ele vai trabalharum
dia, dois. E fica assim até a usina moer." (esquenta-caldo)

(9) "Esse pessoal que é cortado .•veve como a provid~nc:ia quer. E os homens
Um que saiu naquele corte, chega p~la rua, vai fazengo uma coisa, outra,c~
mendo uma coisa, comendo outra, ate quando a usina moi. Que quando a usi-
na vai começar a moer, ai ele encosta ali na portaria. Bassa um empregado
lá, antes da usina moer Jantes, -; 'Seu Fulano, um servicinho seu Fulano,
um servicinho.' Quando a usina moi, coloca ele de novo. E tem gente ai
que tem 10, 12 saldas na carteira, sai, entra, sai, entra, sai, entra.tt
(serralheiro) •
.224.zyxwvutsr
1 (10)
ve , o trabalho de servente representa tambémum período de socialização

às regras do processo de produção fabril assim como da cooperação e da disci _

plina regidas pela hierarquia daill ina. Durante este periodo, as relações com

os empregados, com os chefes de seção, relações muitas vezes mediadas pelo co-

nhecimento com algum operar í.o fixo que apoia a cooptaçao do servente., consti _

tuem-se em pré-requisito para a obtenção de um emprego estável, fugindo assim

aos cortes, e mesmopara conseguir vaga a cada moagemenquanto trabalhadorzyxwvutsrqponml


sa-

zonal.

"Comeceia trabalhar comocalunga, amontado em cima dos caminhões


,
de cana, carregando e descarregando.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
Depois, fiquei ai parado um
, ,
bocado. Ai, tinha um serviço ai na adubeira, pesado medonho. Tinha
aqueles S8,COS de adubo, caixão, pra carregar caminhão e carro de má
quina. Eu digo: 'Eu vou.' Ai falei e fui. Ai trabalhei de um a -
, ~ , , ,
no) dois, Ai. eu digo: 'Esse o ervã ço nao ta dando. Ai depois sai !

,
dali. Ai quando tava perto da usina moer, eu falei pra ir pra moa-
,
gemo Ai o administrador, naquele tempo era Fulano de Tal. Ele dis
se: 'Tá certo, quando moer eu vou arranjar um lugar pra você no
parol' [Éerviço de servente que consiste em vigiar o esbarro do cal
do em sua passagem pelos t.er-nos de moend~. Ai fui pra moenda, né.
Ai fiquei pra lá, lá vai" trabal"ando, quando se dava, às vezes pr~zyxwvutsrqponm
i'

cisava de um vaacu'Ihador , pra zelar la, eles mandavam,eu ia, e fi-

-
(10) Essa comurrí.caçaopede se d2:;~mesmono interior de uma safra, atraves da
,
substituição da mê:o-de-,obraque abandona o s ervâ co pouco compenaa.tcrí,o e
pesado do armaz~mou das caldeiras" Ã
A associaçã~ desses serventes com a /

categoria curau , o campones que vem de Agreste: pelos operar-Loa , aporrta pa


-
ra a equiv2,~ncia entre o trabalho do servente e o trabalho agricola:
~
seçao que tem maãs gente nova" ao e armazeme ca'Lded.ra , porque sao duas se
/ /
ItÃ
-
1>-o que acumula mu.Lt.a gente,
('Ã aervâ.ço pesado, o , bagaço ~ é muito, tem que ter
muita
, gente pro mede vencer o bagaço. E , armazemtambemporque
À,... o serviço
e pesado ~ nem t.odos aguenta o serviço, ai trabalha um mes, nao aguenta e
vai se embora, e dá sempre mais um servicinho pr a outro. A gente
, I
chamazyxw
isso de serviço de curau, Mas a maioria deles e tudo gente daqui mesmo.
A gente diz curau porque não tem prOfissão nenhuma, não tem arte de nada,
não aprenderam nada, então diz que o curau s6 pega mesmoo pesado. OU a
enxada ou aquilo," (cozinhador)
.225.
quei por ali. Ai, da moenda, ai deu uma vaga na fabricação.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
O che
fe era um tal de seu Fulano, que trabalhava lá no escritório, era
, A
muito bom, era muito bom pra mim, e ai ele disse: 'Vou botar voce
na fabricação, que João IJ-rmão do informante que está relatand<B já
trabalha na fabricação.' Ai eu fui pra fabricação, fui dosar. Con
tinuei dosando, ai passei uns oito anos dosando. Depois, devido ao
cheiro do enxofre, eu digo: 'Não tádando.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
I Ai eu falei, ai o che-
fe trocou, ai eu fui pra o esquenta-caldo, e o esquenta-caldo veio
pra cá, pra dosagem. li (esquenta-caldo; os grifos são meus)

Assim, a cada passo do operáriO dentro da usina, os operáriOS esbarram


~ /

com a. figura do empregadO, do chefe. O ac esso a uma ocupaçao es tavel, a muda.n

ça de ocupações, dependem de relações pessoais com os empregados.

Mas como contrapartida dessas relações pessoais que cooptam os serventes

da massa de trabalhadores rurais dispon:Íveis, e cooptam os operáriOS fixos dos

serventes, existem tarrb~m práticas impessoais da a&ninistração da usina que i~

mediatamente !1 cobram" dos operáriOS a suposta divida que eles teriam contra.ído

com a. usina por terem sido selecionados. Desta forma, muitas usinas demoram a

assinar a carteira "


do operario recem-recrutado " o pagamento
e retem da primeira.

semana. de trabalho do novo operáriO como uma estranha "taxa" de ingresso ao e~

prego em usina, "taxa" esta a ser hipoteticamente devolvida ao operáriO quando


, "
de sua demissão. Essa ultima pratica e conhecida como semana dentro, sendo

também utilizada na parte agr1.cola da "plantation" (cr. Sigaud, 1973). O ra -

ciocinio da administração deve ser o de punir os trabalhadores que, diante de

tão apraz:Íveis condições de trabalho, abandonassem seu posto; ao mesmo tempo

em que transformam essa punição em I!pr~mio" para os operáriOS que chegam ao fim
,
de um periodo de contrato, geralmente a moagem, e que nem pensam mais em rece-
ber a semana dentro. Al~m disso, a administração procura prolongar essas suas

práticas acima referidas quanto aos novos operáriOS, geralmente serventes --zyxwvutsrqp
a

maneira dos "rituais" de despojamento e despersonalização próprios ao ingresso


.226.

cima. dos operários tra.naf'eri-


de um "interno"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
em Uma. "instituição total" -- emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK

dos para uma outra. ocupa.ção, não reclassificando sua nova profissão na carta!.

ra de trabalho e não reajustando o salário do operário que deveria ser ma.iol'


na nova. ocupação. Vimos no ca.pitulO Irr como essas práticas de "despersonali-

zaçâ:o" da.a.dministração são ressentidas por proi'issionistas e artistas, contr!,

buindo para aumenta.r a raiva de classe que têm os operários dos empregados.

Mas não ~ somente na esfera do trabalho que os empregados aparecem como

mediadores de todas as decisões que dizem respeito à vida dos operários: a on!

presença dos empregados e da. a.dministração da usina completa-se com a jurisdi-


,." ,,'"
ça.oque elas exercem sobre a propria esfera domestica dos operarias.

5. A Imobilizaião da Força. de Trabalho pela Moradia.

A própria condição de operário estável, profissionista ou artista1zyxwvutsrqponmlkji


p a re-

ce ser o ponto final de uma trajetória social que, além de ser geralmente acem

panha.da de um percurso espacial, é relacionada com a própria. constituiçãozyxwvutsrqponmlkji


de u

ma família. por parte do operário Tendo trabalhado em ocupações essenc~meate

de jovens e de solteiros nos engenhos, como em obras de construção civil, nas

turmas ambulantes de cassacos, no serviço de carregamento de cana nos transpo~

tas, como servente na usina, a transformação do jovem trabalhador em operário

acompanha de perto o periodo mais provável em que se realiza o seu casamento


~ ,
Nos relatos dos operarios sobre sua historia de vida, muitos deles associam o
;

seu casamento ao emprego estavel em usina: alguns deles justificam ter ido pr~
,
curar um emprego operario em usina por terem casado, outros, inversamente, ca.-

saram pouco depois dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


EeTem transferidos para uma ocupação operária fixa (11)

(11) "~ oE nós 12 pai do ,inf'ormante e sua f'am11ia] estava ,nessa vida, tira.n
• ")

do conta ~rabalho agr!cola na can~. F~i crescendo, Ia vai, e coisa,tri


balhando fora, foi entao que eu vi que nao tava dando certo trabalhandõ
.227.zyxwvu
, ,
Ao emprego fixo do operario casado esta associada a possibilidade deste

operário obter o usufruto de uma casa da usina~ nos arruados destinados às fa-

mílias operárias que circundam a usina, de forma tal que esse lugar seja hom~-

logo ao lugar dos operários na estrutura social da usina. Com efeito, contra!zyxwvut
/ ,
tando com as casas dos ~mprel:I~9-0~'casas espaçosas e confortaveis de classe me

dia abas tada , as pequenas cas as dos operários, uniformes e coladas umas às ou-
,
tras, situam-se nos lugares mais poluidos e insalubres das vizinhanças da usi-

na, convivendo com os efeitos dos resíduos


/

do processo
- ,
de produçao do açucar--

a "borra" do caldo, seu mau-cheiro e Geus insetos; a foligem proveniente do

"bueiro", a chaminé da usina que" levada pela direção do vento, inunda a casa

dos operar í.os : o barulho intermitente dos trens passam o pela estrada-de-ferro

que eventualmente passa cxt.~amente colada a fileira,c de casas operar . . Em u


" tas

ma das usinas visitadas, a rua dos empregados Loca Lí.aava-s e defronte à porta

ria da usina, as casas dos operários localizando-se em diversos arruados no Ia

do da planta fabril opoa to à portaria (nos fundos da us Ina }. Exatamente de

fronte à portaria da usina e de seuS G3crit~rios administrativos está a casado

gerente -- de dois andares, ao cont.raz-ãc das out.ras casas de empnegados -- co-


/

mo a controlar todo o movirne'1tcde entrada e saída de pessoas da planta fabriL

Um pouco afastada da fábrica localiza-se a cae~~.:~"~aGd!:.


do usineiro J uma enorme

casa cercada de vastos e bem tratados jardins, possuindo uma horta própria pa-

ra o seu abastecimento e ostentand.o todos os aspectos de uma casa de campo de

fora, então que eu vi que não dava certo t.rabs.Lhando fora, eu fui .•arru -
mei essa mulher, essa moça}zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e fui me dando com ela. Adepois que me casei
com ela, depois de um ano mals ou menoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
ai procurei a u;ina pra traba
J

lhar.1! (serralheiro)
"Eu cheguei nessa usina aqui em 43. E comecei a trabalhar) trabalhando em
seção de moenda, e depois subi pra fabricação, e fui_desenvolvendo a vi ~
da. De maneira que nunca fiz futuro nenhum na questao da vidao Essa mi-
nha vida sempre foi de trabalhar. Então me casei, ai foi que cerrou-se o
tempo mesmo. !}~ (cozinhador)
lf
.228.

alta burguesia, de descanso de fim-de-semana, de chalé tal como ela é loca1men

te chamada -- contrastando com a atividade febril desenvolvida na planta fa

bril vizinha.

Mas a homologia que se dá entre a estrutura de moradia no território da.zyxwvutsrqp

usina e a estrutura hierárquica no processo de trabalho dentro da fábrica -


ne.o

se reflete apenas de maneira espacial na disposi~ão de ruas e casas: ela se ma

nifesta também na submissão à mesma autoridade tanto no domfnio do trabalhozyxwv


A

quanto no da moradia. Assim, se a constancia de um servente em conseguir tra-

balho em safras sucessivas depende da mediação dos empregados, mediação este.

mais necessá.ria ainda na obtenção de um emprego estável na usina e também nas

mudanças ocupacionais dos operários no interior da fábrica, a mesma mediação é


necessária para a concessão de uma casa operária da usina para usufruto de um

operário estável e sua familia (12)

Se a concessão de casa da usina é um privilégio exclusivo dos operárioc


'"
fixos, haveria alguma recorrencia no favorecimento de alguma das duas catego -
,
rias de operarios permanentes, artistas ou profissionistas? De fato encontra-

mos uma dispersão entre categorias operárias e tipos de moradia, realizando-se

todas as combinações possíveis: profissionistas morando em casa da usina, em

casa alugada na ~ (cidade ou povoado pr~ximo), em casa própria na ~; artis


,
tas em casa da usina, em casa alugada ou propria Essa dispersão parece negar

duas hipóteses lógicas que se poderia fazer a respeito da recorr~ncia da pred~

(12) "Sempre foi difícil arrumar uma casa em usina Às vezes acontece, o cama
rada chegaJ.
.,.
topaài um empregado," um chefe daqueles, que é conhecido
;

camarada, e conhecido, ele se da com a pessoa, ne, porque tem gente que azyxwv
I I

gente olha pra ele, ele se da logo com ele, se da. E tem gente que a gen
te olha pra ele; e não se dá com ele, Às vezes acontece. O camarada che
ga, chega na boa"
/'..
Chega lá, faz um serviço, arruma .
um . com duas-
serviço, •....•
semanas, um mes, arruma casa, Outro bate aquelas USlnas todlnha e nao ar
ruma casa. Tem isso. A gente vive sacrificado. (serralheiro)
lI
· 229.zyxwvu
• Â • .,,, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
m~nanc~a de uma das duas categorias nas vilas operarias em territorio da uai -

na: (a) os artist~s predominariam nessas vilas, ou pelo menos teriam priorid~

de na concessão de casa devido ao seu caráter imprescindivel nos reparos dezyxwvutsrqponm


e-

mergência. da maquinária; (b) os profissionistas predominariam, pois, sendo me

nos independentes vis-à-vis da administração que os artistas, teriam uma estr!


~ ~ ~
tegia de maximizarem as concessoes extra-monetarias da usina de forma a compe~

sar seu salário horário menor, minimizando suas despesas monetárias feitas com
A _

um dinheiro conquistado por uma ansia na acumulaçao de horas que caracteriza o

fetichismo do salário proprio a essa categoria. No entanto, se essas alterna-

tivas simples não se realizam de forma ~ica, elas podem combinar-se com ou

tras na exPlicação das leis de dispersão que regem a atribuição de casas da u-

sina aos operários com suas caracteristicas classificatórias. Assim, tanto ar


, ~
tistas quanto profissionistas defrontam-se, no que diz respeito a estrategia

que possam vir a ter com relação à moradia em casa da usina ou não, com as eon

tradições próprias às caracteristicas de suas categorias: os artistas confron-

tando sua imprescindibilidade à sua independência, os profissionistas confron-

tando a estabilidade que lhe vem consagrar a concessão de moradia com as difi-

culdades na procura de um novo emprego em caso de alguma questão com a usina. .

Tanto alguns artistas podem aproveitar de sua imprescindibilidade para obterem


~
casa da usina, como outros podem querer preservar sua esfera domestica -- devi

do a essa mesma imprescindibilidade -- das invasões constantes do chamador pa-


A , _

ra reparos de emergencia da maquinaria, invasoes essas que transformam o tempo

livre do artista em uma "prontidão" permanente. Esses ~ltimos tratariam assim

de conseguirem construir sua casa-pr~pria na ~ (alguns deles já moram em ca-

sa própria devido ao casamento~ ou moram com parte de sua familia extensa na

~ para fugir à moradia na usina) ou então prefeririam pagar aluguel na ~ ,

procurando um tipo de aluguel mais barato e estável (por vezes pagando um foro
.230.
,I

em terrenos da prefeitura Assim tambem, enquanto a.lzyxwvu


ou em terrenos de igreja).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
A _

guns profissionistas tem a concessao de casa na usina como consagração de uma

estrat~gia visando o aproveitamento das concessões extra-monet~rias da usina. ,

outros procuram fugir de tal concessão, vendo que ela transforma-se eQ grave~

pecilho na hora de procurar outro emprego, hora esta que pode advir com grande

probabilidade da maior prescindibilidade que tem a usina com relação aoszyxwvutsrqponmlkjihg


p ro _

fissionistas (13).

A mediação da administração à moradia não pára


no que diz respeitozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
na

por vezes difícil obtenção de uma casa pelo operário que a pediu: ela sezyxwvutsrqponmlkjihg
esten

de não somente às necessidades de manutenção da casa (pintura, encanamentos, ~

letricidade, etco), como tamb~m aos pedidos de transfer~ncia de casa por parte
~
dos operarias.

"Quando eu casei, fui morar na cidade. Passei dois anos na cidade


ainda. Aluguei uma casinha" ne . Depois de dois anos fui estar com
,
° homem, ne, o gerente, conversando com ele, em cima dele, em cima
dele, só sei que fizeram uma rua, lá na rua do Trilho, no fim, as
~ltimas casas, fizeram um arruado ali. E disse: 'Não se importe
-
nao, que a primeira casa que tiver pronta eu lhe dou. Se importe
não, r E eu em cima, eu em cima. Como ele falou né, a primeira ca-
,
sa do arruado quem morou foi eu, ne. Quem inaugurou o arruado foi
eu. Depois começou a chuver, e era tudo casa nova, e era goteira
à vontade, tudo pingando, n~ Então seu Fulano, que era o segundo

(13) Muitas vezes a repartição dos opera rios entre os que ~oram em casa da usi
na ou não, pouco tem a ver de imediato com a repartiçao entre artistas e
profissionistas.
A ,
Por vezes os operários
A
"nascidos
,
e criados" no raio de
abrangencia geografica da usina tem por estrategia conseguirem sua casa
própria na rua, e assim verem-se com casa garantida quando da aposentado-
, ___, Â

ria, epoca em que fatalmente os operarias residentes em casa da usina. ttlm


que ceder a casa a um operário ativo. Já os operários "chamados de ou - i,

tras usinas para uma usina determinada,


, geralmente
, são alojados em casa
da usina, a qual pode ter um carater provisorio, enquanto o referido ope-
rá.rio ficar em tal usina e não fôr "chamado" para outra. (Para a distin -
ção entre os "da casa" e os "de fora", cf. mais adiante nesta seção).
.2'1.
gerente, pedi a ele, e ele refez a casa e tudo, e nada. Continuou
pingando. Foi o tempo de dar essa casa aqui né. Foi embora um ra
paz que morava aqui, ai eu apelei pra ele, né [para o segundo ge _
rent~. Porque aqui, só dá uma. vaga aqui quando morre um, nessa
rua, né. É a mais pr!
Porque todo mundo só gosta dessa rua aqui.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
,
ferida, ne . A não ser a rua dos empregados, ne .zyxwvutsrqponmlkjihgfe
Rua de operaria,
- , ,
nao e? O pessoal gosta dessa rua porque essa aqui e perto da usi-
na., perto da rua, divide o caminho, né. Não tem perigo de barrei.
ra, aquelas ruas dali tem umas barreiras enormes atrás, quando dá
cheia, a.s barreiras caem nas casas, derruba as casas. E movimen -
_ A' /

to, pra apanhar uma conduçao, um onibus, e uma beleza, ne, daqui
mesmo da ponte é só esperar o 8nibus. E qualquer movimento quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
p~

sa na rodagem a gente tá vendo, né, todo movimento que há sempre


na usina, como na rua, passa por aqui, se vê daqui. E lá pra rua
do Trilho, fica lá.pra detrá.s, escondido. Na frente mesmo da casa
passa a máqUina, passa bem assim pertinho. O camarada tá dormin -
, ,
do, a cama estremece. Eu mesmo ja morei Ia e sei que quando pass~
va um trem de cana, com 18, 20 carroS, estremece a linha todinha ,
e a.té a casa estremece. Na frente tem o problema da linha, atrás
tem o problema das barreiras, né. Outras ruas, pro lado de lá,tem
prOblema de muita muriçoca. Porque é pertinho da usina, ai negó -
,
cio de caldo, cachaça, tudo bota~i ao redor, ne. Aqueles desper-
dieio da usina, aquilo tudo joga por ali. Ai a mur í.çoca nunca sai
da.li. Agora, aqui só tem uma coisa que, não tem bom sem falta, né.
Que a água aqui é dif:Ícil. Tem uma bica ali que quando é no verão,
Virge Maria, é mesmo que acontecer um milagre. Passa uma hora, du
as pra encher uma lata d'água, né." (analista de laboratório)
, I' _

ASSim, O calculo dos operarios quanto as va.ntagens na obtençao de uma


 ,

casa da usina e na autorização para transferencia de casa dentro da vila oper~

ria, passa pelo exame detalhado das desvantagens relativas de cada arruado. E

tenào uma ocupaçao mais estrategica e imprescindi -


, - I "
videntemente os operarios,

vel à usina, tais como o cozinhador, o evaporador ou o analista de laboratório

quanto à seção de fabricação, ou como os artistas quanto às oficinas, têm maio


.232.

res possibilidades de verem atendidas suas preferências quanto a casa de usi -zyxwvu
,
na, na medida em que algumas ca.sas se desocupam. Os operarios que passam a m.2

rar na vila operária da usina começam então a contar com uma série de recurso~

para o desenrolar de sua vida cotidiana, que dependem de decisões e da prática

da administração da usina. à camda usina está uma série


Pois associadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de

outras concessões que dependem de serviços geridos pela administração: além da

manutenção da casa; os operários dependem da entrega de lenha para os seus fo-

gões, e dependem da água e da luz fornecidas pela usina. Além disso, os oper!

rios residentes na vila podem se ver concedidos com pequenos lotes para um c~
A ,
tivo de subsistencia, lotes esses que podem ser fixos, em terras imprestaveis

à cana e portanto com solos totalmente esgotados servindo apenas para uma roça

precária, ou podem ser móveis, o gerente do campo permitindo que os operáriOS

cultivem para si pequenos pedaços de terra muitas vezes sujeitos a inundações

e requisicionáveis a qualquer momento para o plantio de cana.

Os operáriOS residentes na vila operária passam então necessariamente a

depender de toda uma teia de "favores" por parte dos empregados para se verem

atendidos nos detalhes minimos de sua vida cotidiana doméstica (como, por exe~

pIo, a manutenção da casa, como a entrega reglüar da lenha) e para contarem


'A _

eom recursos auxiliares a sua subsistenci~ como a permissao para plantar uma

roça. Essa teia de "ravor-es ", que se manifesta no que diz respeito à. esfera d~

méstica, completa a teia de 'favores" relativa à admissão ou transferência ocu

pacional de operáriOS na esfera do trabalho.

Para completar o quadro da submissão do tempo livre dos operáriOS à domi

naçao da administração, podemos assinalar que a própria organização do lazer

nas usinas é diretamente controlada pela administração. Essa organização do

lazer pela usinas é tradicional, tendo se manifestado no passado principalmen-

te através das bandas de m~sica mantidas pelos usineiros que viam nelas ao mes
.233.zyxwvu
, , zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
mo tempo motivo de prestigio para efeitos externos a usina e instrumento de he
,
gemonia ideológica sobre os operários. A partir talvez do pos-guerra, as ba.n-
, A ,

das de musica vem sendo substituidas por clubes de futebol. Atualmente existe

um campeonato estadual de futebol somente de equipes representando as usinas.

A atividade dos operários neSSe lazer organizado abre para eles uma. área

de semi-profissionalização paralela, em que a trajetória social ascendente que


;

possa ter o operario no processo de produçao


- ~
esta associada
,
a sua trajetoria.~
;

quela atividade. Assim, alguns filhos de operários ou mesmo de trabalhadores

rurais que se destacam enquanto atletas (no passado, enqu~nto instrumentistas

das bandas) se vêem assegurados um emprego estável na usina Com algumas rega -

lias de ponto para treinos e partidas. Inversamente, quando sua atividade a -

tlética declina com a idade ou por outro motivo, as repercussões sobre o seu

trabalho enquanto operar-ão se f'azem sentir, havendo uma retomada, por parte da

usina, de concessões ant.ez-Lormerrce dadas ao operário-atleta, ou havendo dimi -

nuição de seu salário ou mesmo sua demissão. Ao lado desses semi-pro:fissionais

do esporte (antigamente, semi~·profissionai8 "artistas 1\ das bandas), as usinas

mantêm, através de seus clubes, jogadores profissionais para comporem suas e -

quipes de futebol. Esse jO_~~.s...~~nes,


c8;:;egorialocal de uso corrente para. dElsi~

nar um pequeno grupo vivendo na vila da usina, muitas vezes habitam certos alo

jamentos dados pela usina, além de receberem um salário semanal superior à mé-

dia dos salários operários, pago :leIa contribuição destes~ltimos ao clube. Al

guns desses.j~gadore.~, esses rapazes forasteiros recrutados fora das fam:Ílias

trabalhadoras da área, eventualmente podem tornar-se operáriOS fixos, atuando


,
paralelamente como atletas e, com a idade, permanecendo enquanto operarios ,
/ ;

quando casam com alguma moça de familia operaria ou de trabalhador rural ou de

:fam:Íliade "classe média" das pequenas cidades vizinhas à usina e dominadas por

ela. Além disso, os clubes das usinas J mantidos por cotisações descontadas na
I - zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

.234.zyxwvutsrqpo
folha de salários dos operários e geridos por empregados (14), constituemzyxwvutsrqponm
-se

em um campo de atividades, embora limitado, para alguns ganchos por parte de

jovens operários desempregados, geralmente filhos de operários estáveis,

tendo trabalhado como operários temporários enquanto serventes ou mesmo ajuda~

tes por um curto periodo e cortados em seguida. Muitas vezes surgem conflitos

entre a. direção do clube; direção de empregados da administração, por um lado,

e por outro lado esses "trabalhadores do clube", quanto à fixação da remunera.-

ção dos "ganchos" e o caráter "clandestino" (não assinatura da carteira de tra

balho) dessas tarefas. Além disso, OS conflitos entre jogadores ou técnicos

da equipe de futebol, que são ao mesmo tempo operários, e a direção do clube

pelos empregados são freqÜentes quanto à remuneração dos jogadores ou quanto à


escalação do time) conflitos estes que t~m repercussões retaliativas parazyxwvutsrqponmlk
es -

ses operários-atletas em outras esferas de sua vida, invadindo, por exemplo, a

esfera do trabalho na usina.

Se a administração da usina mantém o controle não somente de todos os de

talhes da cooperação que se desenvolve no processo de produção, mas também da

moradia dos operáriOS na vila da usina, assim como, em boa medida, do próprio
, "
lazer operario, assemelhando-se assim as características formais da extensão

do controle que t~m as "instituições totais" sobre a vida de seus "internos fi

, ,
(cf. Goffman, 1971), no entanto o proprio carater familiar que possuem os ope-
rários estáveis e residentes no território da usina contraria a semelhança que

poderia ter a usina com as "instituições totais"; a incompatibilidade da fam1-


~, ~
lia com as características dessas "instituições". O fato, porem, e que a fami

lia dos operários parece não poder ter sua força de traba.lho desenvolvida de a

(14) Em uma das usinas visitadas, o presidente do clube era o chefe da seçao -
de fabricação.
.235.zyxwvutsrqpon
corda com as potencialidades da. "administração;' dessa força de trabalho que

gostaria de fazer tanto o chefe de família operária quanto os seus dependentes.

Com efeito, a mulher operária de família residente em vila da usina tem suas

possibilidades de trabalho doméstico limitadas no que se refere às atividades

exteriores à casa entendida de maneira estrita, como a criação de animais de

terreiro galinha, cabra), como o t.rabaâno no roçado (além da poucazyxwvutsrqponm


(porcozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
J d is

ponibilidade de terra, os lotes de subsist~ncia são geralmente distantes da c~

8a), se comparada com a mull1er da fam{lia camponesa, ou mesmo de uma fam:Ília.

de moradores. Além disso, essas atividades domésticas, e mesmo a pequena roçazyxwvu


, ~-
do operario, nao sao suficientes para o pleno emprego da força de trabalho de

seus filhos. Quanto às possibilidades de trabalho remunerado pa.ra a mulherzyxwvutsrq


0-

perária, elas são mais limitadas ainda: a usina não lh$ oferece nenhum serviço

e ela não mora na cidade, em que as oportunidades de pequenos trabalhos que se

oferecem são bem maiores (1 5). Mas é principalmente com relação aos filhos h~

mens em idade de trabalhar que as famílias operárias mais ressentem a falta de

emprego: eles constituem uma parcela importante da superpopulação latente en -

gendrada pela usina.

Recusando-se a empregar os filhos dos operáriOS, salvo em casos excepci~

nais, a administração da usina deliberadamente procura desenraizar as famílias

operárias tanto do trabalho na usina quanto das próprias concessões extra-mon!

tárias -- através das quais ela se serviu para imobilizar o operária durante

sua vida ativa com relação às suas possibilidades no mercado de trabalho --zyxwvutsrqponmlk
p!
~
10 menos de uma geraçao para outra. A usina tenta evitar assim o desenvolvi -

mento de um certo sentimento de posse e pertencimento a uma comunidade que pa~

(15) As mulheres dos operários que moram nas cidades maiores .•assim como as mu
lheres dos trabalhadores da rua .•ex-moradores expulsos, têm maiores opor-
tunidades de trabalho remunerado.
.236.
saria a existir por tradição, de certa forma independentemente da mediação da

administração. Além dessa interferência deliberada da usina, evitando a suceszyxwvutsrqponmlkj


-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
sao do filho operaria,
/ ,.
ela procura interferir tambem junto as concessoes extra-
, ,.,.

monetárias dos operários para mostrar-lhes a todo momento sua despossessão de

fato: passando a cobrar aluguel pela casa sob a forma do desconto de uma peq~

na quantia na folha de salários, passando a estabelecer cotas quanto ao forne-

cimento de lenha ou mesmo a cobrar eventualmente esse fornecimento, cortando

em determinados anos a concessão de lotes de terra para os roçados operários ,

pressionando determinados operários velhos ou operários favorecidos por admi •

nistrações anteriores a mudarem-se de casa, dando lugar a operários valoriza ~zyxwvutsrqpon

dos pela usina e chamados por ela de outras usinas. Esse procediment~coeren.

te do ponto de vista da usina -- de "dar" com uma mão determinadas concessoes

através da teia de "favores" para melhor imobilizar a mão-de-obra, e "tira.r"

subseqüentemente com a outra mão para mostrar aos produtores de todas as coi ~

sas que nada ali lhes pertence --, não deixa de aparecer como contradit~rio p~

Ias operários e fruto da "vontade maligna" dos homens, os patrões e prinCipal ...

mente seus li imediatos fizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


os empregados.
J

Tomemos aqui o que os homens dão com "uma mão" aos operários, atrav~s

dessa teia de "ravor es rt. A administração provoca assim uma certa competição
,
entre os operarios pelos seus "ravores ", geralmente sob a forma personalisada

de um determinado empregado concreto. A administração tende assim a interpor ••

se na relação entre os operários, dificultando seu relacionamen-oo horizontal


A
e favorecendo a relação vertical com ela. A associatividade espontanea entre
, A ,

os oper-az-Los ve-se assim prejudicada. A primeira vista poder ...


se ..•
ia pensar que
~
a comunidade operaria representada pela vila da usina, trabalhando e residindo
em uma localidade relativamente isolada, reunindo como vizinhos companheiros de

trabalho, favorecesse o desenvolvimento de uma ideologia de grupo operário,te~


.237.zyxwvutsrq
,
do como característica à zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
espontaneidade na unidade operaria e na
a tendência zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

combatividade com relação aos empr~gadores (cf. Lockwood, 1966). Se a oposi -

ção aos homens é grande entre os operários, no entanto as relações particular!

zantes com que a administração consegue envolver os operáriOS dificulta sua

associatividade. E parazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
isso contribui enormemente a esfera do trabalho e a.

à mesma autoridade -- ao con-


esfera da moradia dos operáriOS serem submetidaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF

trário da hipótese acima que pressupõe um bairro operáriO não controlado dire-
,
tamente pelo patrão. Com efeito, a "comunidade'; de operarias representada pe-

Ias vilas operárias das usinas, se à primeira vista poderia indicar um fator
~ " I"<J , ,

propicio a uniao e a combatividade, pode conter, subjacente as fileiras de ca-

sas, uma "união" análoga à cooperação imposta aos operár í.os pela organiza.ção ~

bril da produção nas usinas -- uma "união" imposta e controlada pelo patrão.

Além disso, as concessões extra-monetárias recebidas pelos operários, e

que giram em torno da casa da usina, trazem importantes repercussões sobre a

mobilidade dos operáriOS no mercado de trabalho. Pois sem d~vida que qualquer

ameaça de demissão, ou qualquer projeto de procurar um novo emprego, esbarram

com dois obstáculos que se completam e que praticamente imobilizam o operária:

além de se ver na situação de desempregado ao ser demitido ou demitir-se para.


, Ã ~ -

procurar emprego, o operario ve-se tambem simultaneamente na condiçao de desp!

jado. Com efeito, colocar-se na posição de quem procura emprego em nova usin~

coro a superpopulação existente nas usinas, de fato equivale a engrossar as fi-

leiras dos desempregados, com o agravante de ter que providenciar, nas piores

condições, um teto para sua familia. É essa instabilidade que se reflete dir~

ta e simultaneamente na esfera do trabalho e na esfera dom~stica dos oper~io~

principalmente os residentes na vila da usina, que sustenta o fetichismo do s~


lário dos profissionistas e sua tolerância com as enormes jornadas de trabalho
,
a que são submetidos (cf. Capo I1!). Dependentes da administração quanto as
.238.zyxwvutsrqpo
condições materiais diretas de exist~ncia de sua pr6pria moradia, os operários

têm que pensar duas vezes ao verem negadas pelos empregados suas reivindica

ções mínimas.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
,
"o problema da gente e esse, a gente vai sofrendo. De vez em qu~
,
do morre gente aqui de acidente, a gente faz o mais impossívelzyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
pe-
, _ A

Ia usina do homem. Mas ninguem nao ve resultado nenhum pra gente.


° ,
resultado e a gente trabalhar com fome. Porque a gente vai a um
@hef~, o camarada. diz: 'Não é comigo não.' A gente vai a seu Fu
Lano , que é o mestre, o mecânico @hefe das oficinas], ele diz
'zé, você sabe, isso não é comigo) eu sou mecânico mas não posso
Isso é com Beltrano, você resolve com seu Beltrano ~ngenheiro da
usina].' Ai a gente diz: 'Seu Beltrano, o sr . sabe que eu traba ••
lho aqui com toda boa vontade; sempre aprendendo uma coisa, mas
,
não ganho bom ordenado p=a manter minha família. I Ai ele diz: 'E,
isso é aqui na oficina, zé. Mas a gente fala com o Dr. Sicrano
l1;erente da usin~ e ele f).z cara feia e diz que não pode fazer is
so agora. Você vá lá conversar com ele. I A gente se cala. Quan-
, A

do e com um mes depois: 'Dr. Sic:::0.,::10


A gente conta mesmo a situ
-
I.

açao a ele. Ele diz: 'Vou ver esse assunto.! E se a gente insis-
tir, ele abusa, é pior. Pronto. E fica nisso. Ai vem o mecânico
e diz: 'Mas z~,você tá amarrado?' Eu digo: 'Não, não é amarrado,
é porque a gente sustenta essa familia toda, não tem que ficar pr~
ocupado? I Eu sei que eu de í.xando esse lugar aqui, eu acabo achan-
do outro lugar pra trabalhar em algum canto. Mas eu aqui, entre -
guei G? lugar de trabalho, a vag~, isso aqui não ~ meu, a casa e
da usina. Quando eu entrego, eu vou trabalhar fora, deixar a fam::Í
lia na casa, sem nada, como é qU'2 eu vou fazer? Ai a usina manda
, , A

me chamar no escritorio: 'Jose, voce entregou o lugar, eu quero a


,
casa, pra botar outro morador.' Ai a pessoa ainda fica pior do
que tava antes. (... ) Eu já: e,ndei procurando outro emprego. Mas
r: '" ,
a gente não sabe se vai ser 30, 40, 50, 60 ,!eferencias ao salario
semana~. A gente n~o sabe se vai ter casa, se vai ter que andar
,
muito pra chegar no trabalho. Por hipotese, se eu arranjo um lu -
gar melhor, que paga mais, ai os homens me tomam a casa, porque e
deles. Ai eu fico sem casa, vou ter que procurar casa. ÉzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
p o r zyxwvutsrqponmlk
is -
.239.zyxwvutsrqp
so que a gente vai ficando por aqui, mas e um cativeiro, a nOSSa
situação é essa." (serralheiro)
A ~ ;
A alternativa que tem os operarios a esse desgaste em circulo viciosozyxwvutsrqp
&0

qual são submetidos pela administração -- que mostra assim implicitamente como

fora dos "favores" personalizados que a administração costuma oferecer a oper!

rios selecionados, só existem impossibilidades às demandas dos operários azyxwv


I

procura de um novo emprego e uma alternativa custosa, que passa vlrtualmente~

10 desemprego e pela separação do operário de sua família com dificuldades de

moradia. Quando acontece de um operário anteriormente residente na vila da u-

sina ter de procurar novo emprego, sua familia nuclear poderá ter de passar pOr

uma fase de dispersão, tendo que recorrer à rede de Sua família extensa pela

qual distribui eventualmente Suas crianças. Além de ter de enfrentar todas es

sas dificuldades do ponto de vista da moradia, o operáriO em procura de uma no

va usina onde trabalhar ainda terá de passar pelo crivo seletivo de outras us!

nas, que não deixam de incluir em seus critérios de seleção informações e mes-

mo recomendações, com relação ao operáriO pretendente, da parte da antiga usi-

na em que ele trabalhou (16). Diante dessa tend~ncia à imobilização da mão-de


obra acarretada pela moradia dos operáriOS em casa da usina, a distinção entre

operáriOS que vão procurar um novo emprego em usina e operáriOS que são chama-

~ pOr uma usina, é um dos traços distintivos do mercado de trabalho singular

dos operários do açúcar. Recoloca~se então ai, através dessa distinção, o po-

(16) "( .. ,) Ai a gente entrega [p luga1J aqui ai aonde a gente c~egar, em al-
J

gum Lugar , o camarada diz: 'Eu quero uma ct;:rtade r-ecomendaçao da usina ~
de voce trabalhou.' Porque hoje, hoje estao exigindo isso, 'quero uma car
ta de recomengação pra você trabalhar aqui, I A gente vem pra usina~anti~
ga, a usina ta com raiva da gente porque a gente entregou o lugar,ai diz:
'Eu não posso;dar p~rque virou, porque me~eu, e coisa [!~fer~nci~ aos su-
postos "prejuizos a usina que deu o operario por ter saidi} .' As vezes
ti

acontece de dar ~ cart~, às vezes acontece de não dar, naozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU


é?' (serra -
lheiro)
.240.
der mediador da administração sobre o próprio mercado de trabalho e sobre a mo

bilidade dos trabalhadores: aos operários que sao procurados pela usina, tudo!;

aos que, aO contrário, procuram serviço em usina liespontaneamentefi por terem

de sobreviver ao ter deixado sua antiga usina, nada!

"Agora, chego lá [po novo emprego em outra us Lna onde o operáriO


~oi procurar serviç~ e digo: 'Fulano, eu quero uma casa.' -- 'Não
tem rapaz, uma casa aqui agora, não tem.' Se o sujeito aperrear
muito, ele manda pra ~ora alguém do lugar, lá. E se não puder o
camarada ~ica sem casa mesmo, De modo que o camarada tem que a
guentar essas coisas ~ tem que aguentar à recusa por pa...!
[!e~erênciazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
te dos empregados de seu pedido de aumento de salári~. Quando o
camarada é um homem e a mulher só, não, até debaixo de um pé de
pau, o camarada arma uma rede, um encerado, e ali passa até a vida
toda, mas quando tem fam:Í.lianão pode fazer isso. A:Í.ele é o Úni-
co a sofrer. E isso não é só aqui não, isso são muitos que so~re-
mos assim. são muitos que sofremos assim. É muito dif:Í.cilarran-
jar uma casa em outro lugar. É di~:Í.cil. Agora, quando o camarada.
é chamado.
Por exemplo a Usina X mandou me chamar, eu vou. Chego
, /

lá, arranjo logo casa.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT


Se mandou me chamar e porque ja aprontou a
" ,
casa, ja ta tudo la. Chego lá, 'mandei chamar você', chego lá, as
condição é isso e aquilo lá, já sei o ordenado. 'Tem tanto a~
(
de
, , A

ordenado, tem uma casa ai com luz, tem agua, o que voce quizer a -
qui, a gente raz pra você. I Porque se mandou chamar a gente, é p<?!
,
que ele precisou da gente. Precisou da gente, e a gente quando e
chamado, tudo tem por algum tempo. Quando for com um ano, dois, u
ma coisa, ele pode p8r a gente pra fora de novo. Mas aqueles tem-
, ,
pos, que a gente vive acola, e um conforto, porque a gente foi cha
A -
mado . Mas que a gente for procurar, nao se move. Mas a gente in-
do procurar nada disso eles não dão à gente. Tudo o que a gente~
, "
nha, tudo o que a gente quer, e no sacrifício. As vezes eles pre-
cisa da gente, mas sabe que a gente vai procurar, tem necessidade,
" ;
ai precisa, ai tudo ali pra gente e sacrificoso." (serralheiro)

Se a distinção entre operários chama~ e operários que vão procurar em-

prego divide os operários quanto às suas chances no "mercado de trabalho", es-

L
.241.zyxwvutsrqpon

aa mesma distih<;;ão,ao promover os operá.rios chamados, divide esse tipo dezyxwvutsrqponmlkjih


Op!

rá.:bio$ dós operá.rios residentes há mais tempo na usina, e que se v~em compara-
tivamente prejudicados. Assim a distinção entre os chamados e os que vão pro-

curar,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
opez-arrbe no "mez-cado de trabalho", se refra.taao n:Í.velda usina na dis-

tinção entre os de fora e 0.3 da ~G.3a, os nascidos e criados ali (17), Enquan-

to alguns operários da casa escolhidos têm que ser garantidos junto ao patrão

por seu chefe de seção para fazer face à. concorr~ncia dos de fora -- e assim

ver reforçada sua dependência junto a determinados chefes e subsidiariamente à


administração como um todo -- alguns outros sofrem as conseqüências de tal co~
A •
correncl.a,a.o .serem por exemplo transferidos de casa, dando lugar ao novozyxwvutsrqponmlkjihgfe
ope-

rário, ou vendo ser preenchida por esse novo operária uma vaga ocupacional que

poder-Ia vir a ser sua futura.mente.

Assim, a própria interferência

perários no "mercado de trabalhou


da administração sobre a mobilidade

das usinas, ao "administ:ra.r" essa prÓpria m~


dos o
-
bilidade através dos chamados aos operar í.osmais imprescindíveis que são a.ssim

algumas vezes disputados e através das barreiras interpostas no caminho dOS


~ ~,
que vao procurar trabalho, aumenta a concorrencia interna a usina entre os Op!

rários e reforça a dominação da aclmin:i3tração através da distribuição de "favo

res TI para a.Lguna dos da ~ ao mesmo tempo em que exprçprãa outros. Inversa-

mente, esse controle da administração d.a usina sobre a própria esfera domésti ..

(17) "o cozinhador foi se a.posentar, tecva velho, enfadado, então ele foi se a-
posentar. Ai, o chefe da fabricação perguntou se eu queria assumir ares
ponsabilidade. Não dava o ordenado logo. Mas futuramente ele ia dar por
que al"1uiloera uma coisa que ele ia pedir ao patrão. Quando ~ um of'iciaI
":1 r , "'" ,

ou um profissionista que e chamado de uma fabrica pl'a outira , entao ja vem


pronto com aquele ordenado certo, mas quando o indiv{duo é, vamos dizerzyxwvutsrqponml
J

filho ~a casa mesmo, n~ [Eiso curto, ir8nic~, tem que pri~eiro pedir, e
o patrao, o gerente, acha que deve chamar um de fora. Entao por interes-
se da~uela pessoa [9 chefe de fabricaç~o, no cas~: 'Não, mas esse rapaz,
ele da conta do trabalho. Os outros nao fazem mais do que ele. Eu conhe
ço o trabalho dele.! Então o indiv:Í.duofica creditado através daquele en
carregado da seção." (cozinhador)
.242.zyxwvutsrqpo
~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ca dos opsrar í.os (moradia, "Laaer "}, esse poder onipresente de redistribuição,

condiciona o próprio caráter especifico desse "mercado de trabalho", que com-

porta paradoxalmente como um dos operadores da forma de mobilidade de sua mão

de-obra o principio da redistribuição (cf. Polanyi, 1957, para uma análise da

oposição entre o "principio de mercado fi e o "principio da redistribuição lf


).

Essa interferência direta da administração sobre o "mercado de trabtüho~

chamando determinados operários de uma usina a outra, dá.se periodicamente s~

gundo a necessidade que tenha a usina de um operário experiente em determina-

da ocupação que tornou-se vaga. No entanto, certas ocasiões são propicias a

que esse tipo de mobilidade por convite, que normalmente


acarreta o desloca -
, ,
mento de um operario de uma usina para outra, se processe ao contrario prov~

cando o deslocamento de vários operários de uma ou várias usinas como ponto de

partida para uma só usina como ponto de chegada. Isso se dá quando ocorremzyxwvutsrqponm
»:
as mudanças de gerencia que periodicamente agitam as hierarquias das usinas .

Como os gerentes criam seus auxiliares de confiança, sub-gerentes OU adminis-

tradores gerais, e estes por sua vez estimulam também relações de 1ea1dadep~

soa1 com relação aos chefes de seção, há uma verdadeira migração por "cliques"
,
de uma usina para outra quando um gerente e demitido pelo usineiro, ou quando

um salário superior lhe é oferecido por outro usineiro (18) Nessa rotativi-

(18) "Quando sai gerente, sai gerente e sub-gerente, sai todos dois, Quando
chega, ,chega todos dois de novo Cada um traz o seu, sabe. Quando
/ ~ o ge - /

rente e dispensado, aquele sub-gerente e delei vem com ele, ne, ai passa
A A ~."
um mes, dois, tres, eles chamando de Ia pra ca, ou ele e dispensado tam-
bém, é assim. Quando entra um gerente aqui, ele traz o 29 gerente dele Jzyxwvutsr
, •.••• , I' /

sempre traz, e varias pessoas, n~o e, porque ja e sabigo qu~ quando o e~


pregado anda, ele anda com/os tres porquinhos dele atras, ne, ~isosJ ~
que1es q~e topa com ele, ai: .0') Dr, ~u1ano meSmo saiu daqui que era g~
rente, ta agora em X ~ome da usi~~. O xen~e, foi tanta gente daqui,foi
buscar tanta da g~nte daqui pra 1a. Foi, Ja esse ~tua1 ~erent~ qua~ G?
do ghegou aqui, 1a de Y ~ome de us~n~, veio gente ja de 1a a vontade.
~tras dele, Vem empre~ado, vem operario, vem tudo, ne. Agora7 empregado
e mais, chega mais, ne. Empregado chega muito. Quando ele coloca um ope-
.243.zyxwv
,-
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
/

dade molecular de empregados, alguns operarios tambem sao alcançados: determi

n~dos artistas,
/
os operarios mais imprescindiveis
~ -
da seçao de fabricaçao tais
~

como o cozinhador, o evaporador, o analista de laboratório, além dos operári-

os dos transportes, motoristas, maquinistas e foguistas, são os que geralmen-

te recebem ofertas dos empregados que se deslocam para outra usina, pouco te~zyxwvutsrq

po depois que estes se instalam como os novos elementos que incarnam a hierar

quia superior na nova usina. Se tais operarios não são diretamente chamados,

no entanto, ao irem procurar trabalho na nova usina para a qual a administra-

ção se mudou, as possibilidades de serem recrutados


são grandes.
,,
Assim, o "mercado de trabalho" dos operarios do açucar parece Ser seg -

mentado segundo a mobilidade relativa que têm as diferentes categorias de op~

rários. À extrema mobilidade dos serventes, operáriOS temporáriOS safristas


que procuram outros trabalhos na entre-safra, opõe-se a relativa imobilidade

da maioria dos profissionistas e artistas, que permanecem muitos anos na mes-

ma usina, Essa imobilidade sustenta-se em parte na moradia dos oper~ios em

casas da usina, reforçando com a autoridade da administração sobre a própria


,
esfera doméstica dos operáriOS as já dif{ceis perspectivas de alternativa a

usina que têm comparativamente os operáriOS que moram nas pequenas cidadesp~

ximas à usina e dominadas por ela. No entanto, a forma de mobilidade própria

a esse 'mercado de trabalho" de operár í.os "imobilizados ti incide sobre OS operf

rios mais valorizados e imprescindiveis ao processo de produção, que fazem as

sim uma certa circulação pelas usinas, atendendo a chamados da administra-

rário, ele coloca, tem 3, 4 empregados, né. Quer diz~r que esse pessoal
empregado, ~ue já é dele ~erent~ assim, pra eles nao falta~nada. Pro
empregado nao falta nada, eles sendo dele assim, andando atras dele, e
tudo (analista de laboratf>:'io)
ti
.244
çao (19)

Se os artistas e os profissionistas mais indispensiveis ao processo pr~

dutivo nas usinas são por vezes disputados no "mercado de trabalho" das usi -

nas, no entanto essas duas categorias de operirios se diferenciam com relação

às suas possibilidades de colocação em outras ind~strias que não as centrais

açucareiras" Com efeito, OS profissionistas, por mais disputados que sejam

à sua habilidade em determinadas ocupações estratégicas


devidozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA (cozinhadores,

evaporadores) em certas conjunturas do "mercado de trabalho" das usinas, no

entanto eles permanecem sempre dependentes do trabalho em usina, portanto pe!

tencendo, enquanto força de trabalho disponível, ao conjunto dos uSineiroJ20!

Com a substituição de máquinas poupando mão-de-obra, e com a diminuição no n~

mero de usinas decorrente das fusões e incorporações de plantas industriais--

a nova maquinária utilizada nas plantas que incorporam a cota de cana absorvi

, A
(19) Esses chamados podendo dar-se quase simultaneamente a mudança de geren -
cia e seus homens
, de confiança para outra usina, que chamam
,-
alguns operizyxwv
rios estrategicos; ou pode dar-se simplesmente devido a necessidade des-
te tipo de operário em uma usina que tenha uma vaga à sua disposição. u-
ma outra rotatividade de operários pode ocorrer em função de necessida -
des de apontamento nas usinas, uma turma de operários acompanhando um 0-
peririo principal chamado para empreitadas, Essa seria uma rotatividade
especifica de artistas e seus ajudantes.

(20) "Esses trabalhos que tem em usina, eu penso que a melhor profissão é me-
" , A

canico. Em garagem. E porque o mecanico, ele pode trabalhar na ~ina e


se destacar pra qualquer outra oficina. Ou na capital, cidade, ne. E es-
ses serviços que a gente ~a fabricaçã~ trabalh~, não. Tem que se esp~
rar pela vaga de um. De um cozinhador, ou que de uma vaga em outra usi-
na, ou se vem um chamado assim pra ele atender. Pra ele ter vantagem ,
pra ganhar mais, não~? Porque eu mesmo, do jeito que eu tenho essa fa-
milia grande, com nove meninos e mais eu e a mulher, onze. Eu tenho es-
se ordenado de 110 cruzeiros por semana. Eu recebo 60 contos de abono
dos meninos, ai quando chega essa época assim, eu não vou procurar lugar
porque não dá, de jeito nenhum, Nem posso entregar" S~ posso sair de
é?!! (cozinhador)
um canto, quando tem outro certo, nãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
.245.
da pela produção de duas usinas pré-existentes incorpora menos operadores que

a maquinária anterior descentralizada em duas usinas -- o total de vagas para


,
profissionistas zyxwvutsrqponm
diminui aproximadamente na mesma proporção (21)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
Ja os artis
o

tas, devido ao fato de possuírem profissões que podem ser utilizadas em tipos
, -......", ,
diversos de industrias, sendo profissoes nao especificas as usinas de açucar,

contrariamente às dos profissionistas, têm maiores chances de procurar empre-


,
go em fabricas urbanas.

Aprisionados portanto pela teia de "favores" da administração


que acar-
,
reta como contrapartida o controle que se estende desde o trabalho ate a sua
,
moradia e o seu tempo livre, e alcança a sua propria mobilidade no "mercado de

trabalho", inversamente os operar í.os sofrem também das bruscas investidas da

administração que lhes tira com a outra mão o que a primeira lhes dera, expr~

priando-os de algumas dessas concessões ligadas à sua moradia. Tentando evi-


A ,
tar um apego e sentimento de posse que tem os operarios por sua moradia e con

cessoes anexas na usina, preocupada em atenuar as despesas do seu "ativo imo-

bilizado" tais como as casas dos operáriOS -- onde eles são imobilizados --p~

ra fazer face a suas dificuldades financeiras, a administração da usina come-

ça gradativamente a cobrar por todas essas conceSsões extra-monetárias quet~

(21) '~ntigamente, o cozinhador era considerado um homem de fibra, era muito


procurado; também era mais difícil de se encontrar, tinha mais usina,que
diminuiu usina em Pernambuco. Hoje existe muitos cozinhador pra pouca
vaga, ~uer dizer que não há muito interesse Porque o que aconteceu foi
o

isso: e que tinha uma usina grande e uma usina pequena Acontece que a-
o

quele usineiro era mais poderoso, então comprou aquela usina pequena, sa
bendo que a usina dele era grande e vencia a cana da outra usina. Entãõ
ele parou aquela, os operáriOS que servia a ele, trouxe pra grande, e a-
queles que não servia botou pra fora. No tempo que eu entrei pra usina
tinha muito mais gente dentro da usina. Tamb~m os maquin~rio era dife -
rente. Aqui tinha umas 15 ou 20 turbinas, e de duas em duas tinha um ho
mem. Então eles compraram três somente que resolvia todo o problema, en
tão aquele povo sobrou, foram tudo embora, e duas pessoas resolveu o ca~
so das turbinas Ai vai diminuindo, tem muita gente saindo com esses pro
o

b Lema de corte por causa do maquãnar ão.." (cozinhador) -


.246.
dicionalmente tinham um caráter gratuito, de "salário não-monetáriolTzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
A admi o

nistração passa a descontar um aluguel pelas casas na folha de salários, uma

pequena quantia a ser gradativamente reaçoes


..
aumentada para evitar possiveiszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR

dos operários se cobrada bruscamente (22), passa a controlar e a limitar a

quantidade de lenha fornecida aos operários (23) e passa a cortar os lotes de

terra concedidos às familias operarias para um cultivo de subsistência. Essa

.' ~.
expropriação que se pretende gradua11stica para evitar protestos, é, no entan

to, muito ressentida pelos operários: ela é tida como uma trapaça da adminis-
tração e uma burla ao "contrato" informal e costumeirJ no qual essas conces -

sões extra-monetárias, de caráter "grat.ut.to': , são "cont.ab í.Lãzadaa " como con ••
~ , /

trapartida nao so aos pequenos salarios pagos, mas principalmente ao poder de

disposição que tem a administração de contar com o trabalho dos operáriOS a


/, ,
qualquer momento, independentemente de um horario pre-fixado.
ASSim, a pro -
,
pria contrapartida ao cativeiro, de que tanto se queixam os operarios, passa

a ser burlada: o cativeiro passa a não ter recompensa. Os operáriOS vivem e~

tão na expectativa de se verem expropriados em todas as concessões anterior -

mente feitas por administrações passadas, o que vem reforçar o fatalismo pea-

(22) !IAgente paga uma taxa de Cr$ 5,00 por semana pela casa, descontado em
folha. Eles começaram essas cobranças o ano passado, pedindo Cr$ 2,00 ,
depois foram aumentando até Cr$ 5,00. Desse jeito vamos acabar pagando
luz e água também.!1 (pintor)
, "
°
(23 ) "Pra empregado e melhor por tudo e em tudo, ne. Sobre o salario e tudo,
né. empregado já tem o nome, né, empregado, tem vantagem em tudo. Já.
a lenha
, para gente. A gente temos lenha aqui, temos isso tudo. Mas le- /

nha e uma dificuldade pra vir. Eu tou com uma lenha la pra vir desdesex
ta-feira, que eu juntei
,.. / a lenha lá"L!: ma esplanada
, da usinã1.
!l Já é terça:-
feira e a lenha ta la ainda. E e porque eu ja sou mais aproximado
, A
aos
empregados, ne. Quando eu falo uma coisa, com tres dias ou quatro arr~
jo ao menos a metade do que pedi. Se eu fosse um empregado~ um chefe,ja
vinha ela logo, e lascadinha. Ai quando eles dizem que tá em falta o ca
marada tem que se mover, ir buscar" um pau na beira-,do rio, ir ,buscar nã
;
mata, uma coisa. E muitos ai ja habituam com fogao de gas, ai preferepa
gar o bujão. (analista de laboratório).
iõ -
.247·

(24),
simiSta que preside a visão dos oper~rios quanto ao futurozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
Essa expe~

tativa de expropriação, que se baseia de fato na prática de expropriaçao gra-

dativa por parte da administração, ~ um dos suportes da "quase-sistematização

afetiva" que f'azem os oper";'rios,vendo na ação dos empregados e dos donos a.

vontade maligna da ordem social. A pr-opr âa rebelião da natureza contra os

trabalhadores relatada por um oper";'riona seção 3 deste


de que trata a f''';'bula

capitulo pode ser vista como uma forma de caricaturar o processo de expropri~

ção constante ressentido pelos operários. Por outro lado, essa expectativa de

expropriação é uma ponte de união entrezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK


8,8 reivindicações dos operários e as

dos moradores da parte agrícola da usina, sendo também um dos suportes da in-

terligação, que fazem alguns oper~rio3, da situação de privação dos dois gru-zyxwvutsrqp
~
pos sociais (cf. a seção 4 deste capitUlO). E se essa expropriaçao gradativa

representa uma burla da administração ao "contrato" de trabalho inf'ormal e

costumeiro nas usinas, o caráter trapaceiro dessa expropriação se confirma ~


,
ra os operarios quando eles percebeu que as retenções salariais na folha de

salários, por conta de cobrança de concessões anteriormente gratuitas, dão

margem a manipulações contábeis e a uma arbitrariedade injustificada nas imp~

tações monetárias dessas concessões extra-monetárias (25)

(24) Os oper";'ri9Dplantam também, mas besteira, né. Tem ai esse alto


°
I!~ ••• )

a~, ~ue ele deu ai p~a plan~ar, no tempo de Dr. Fulano, dono da usina.
Ta ai, ainda ficou ai mas ja ouvi dizer que eles esse ano, a derradeira
vez é essa. vã9 tirar as roças do povo pra plantar cam z'
j~ a terra tá.
cansada, ele ja quer tirar 1 e falando que IV1ra o ano nao vai plantar mais,
vão s~ colher o que tem. (evaporador ) []rote.-seo emprego constante
fi do
ele, nas frases do evaporador, denotando a onipresença do homem, do dono
e/ou do gerent~.

!IAgente paga aluguel, eles descontam 5 cruzeiros por semana. Não pagava
não, mas de seu Fulano pra cá a gente começou a pagar.;Ele explicou que
a gente, sen~re pagou habitação, mas pagava enganado, ne, dizia
A
que paga-
va remedio, agora, a gente tava pagando casa. Agora a gerencia dizia que
era remédio, descontava e enganava ,a gente dizendo que era~ remédio.
A Ago-
_

ra, quando foi de seu Fulano pra ca, seu Fulano disse: 'Nao, voces nao
.248 e.zyxwvutsrqponm

ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
processo de expr-opr-íaçaocontinuo a que estão submetidos os operários,

usufruindo temporariamente de concessões da usina das quad,s não podem dispor

por muito tempo, é particularmente ressentido por todos os operáriOS quando


da.ocorrência. dos casos de despejo de operáriOS inválidos e aposentados, das

casas da usina onde moram.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP


- ,; N

A despossessao dos operarios e entao demonstrada

para todos os ocupantes da vila da usina. Mas se a teia de favores com que a

administração envolve os operáriOS, ao particularizá-Ios~ bloqueia sua.assoe,!

atividade, é por ocasião dessas intervenções da administração, dessas opera -

çôes inversas com relação às concessões através de favores personalisa.dos,que


se manifesta ao contrário uma certa associatividade dos operáriOS, com base,

por exemplo, na organização de coletas para auxilio dos companheiros. 01: re


Ezyxwvutsrqponmlkj
Á , ~

latos de resistencia as ordens de despejo correm entre os operarios como a


propagação de episódios que atestam a própria dignidade do grupo (26). Assim,

paga remédio não, voces paga casa, paga habitaç~o.! ~i a ~ente disse: :A
gente paga habita~ão?! Ele disse:
~ ..
Paga, o ,remedio e remedio que voces
!

tem de graça agora paga habitaçao. Mas remedio a gente paga. E antiga-
I

mente, mesmo quando a ~ente não tirava remé~io, vinha descontado. A gen-
te pensava que era remedio, mas era habitaçao, eles enganavam a gente."
(evaporador )
(26) '~ pessoa se aposenta, vamos dizer que somente aquela pessoa aposentada
trabalhava
, na usina, né. Então, eles dá um ,prazo assim, de 3 meses, 4 no ;

maximo, pra desocupar a casa. Agora, tem ai uma viuva, que mora numa ca-
,p ~ - ~

sa ai atras da usina, uma velha, que a usina botou pra pedir a casa. Ai
ela disse: 'Eu não vou não, eu daqui não saio, só saio quando morrer .Meu
marido nasceu, se criou e morreu dentro da empresa. Eu não saio. [E i I

so~ (pintor)
ff

fiAgente sempre encontra uma pessoa dirigente do trabalho de coração mau.


Quer logo levar na brutalidade. Aqui mesmo tinha um rapaz, ele desde mui
to tempo que morava numa casa, ali na descida da ponte, uma casa muitõ
bem asseadazinha, plantava tudo no quintal, criava g~linha, gostava mui-
to da casa. O gerente aborreceu-se com ele, pediu ate a casa. Ele disse:
'Daqui rrlnguem me arranca [!i, satisfeit~. 8~ se me der~m Um dinheiro
que eu possa comprar uma casa em outro canto, que aqui nao tem o suor de
ninguém, ao do meu pai, meu e dos meus filhos.' [!:f] Parece ,que já tem
quarenta anos que ele mora aqui, o pai dele tambem foi operario daquizyxwvut
, ,/ I ,.,

80 sei que ele veio ai no escritorio pra fazer um acordo e tal, mas nao
.249.zyxwvutsrq
essa prática expropriativa da administração da usina, considerada pelos oper!

rios uma traição ao "contrato de trabalho!! costumeiro das usinas, vem somar -

se ao efeito ressentido por eles com relação ao "r-oubo das horas extras", com

relação à não-classificação da profissão na carteira de trabalho, com relação

as suspensoes injustas resultanteszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB


da investigação dos empregados (cf. cap{t~

10 111) (27). Além de uma associatividade mínima do tipo socorro m~tuo e de

um reforço na explicitação do caráter desp~tico da administração da usina,que


, ~ /

essas praticas de despejo e exprcpriaçao provocam nos operarios, elas ocasio-

nam também um grande nmnero de q~3stões junto à justiça civil: se as questões

trabalhistas as mais diversas representam cerca de 80~das causas defendidas

pelos advogados do sindicato dos trabalhadores industriais do aç~car, as que!

tões relativas 15% dessas causas (as outras 5~ consti -


a despejo rep:..~€.sentam

tuindo-se em questões de família). Despejado da casa da usina por motivo de

sei se fizeram ou não." (cozlnhador )


11 ( Os homens tiram a casa dos e,posentadcs e das vi~vas, e diz que fa.
••• )

zem isso por causa de um tal de direito de propriedade, e quem sofre e


quem é nascido e criado aqui, que deixou o sangue dentro da usina." (PÍ!!
-
tor)

(27) As suspensões são freqtlentemente t.omadas como ponto de honra dos oper~ -
'"
z-Los, a partir da ccor-rencia c~a8 qua í.s eles começam a procurar novo em -
prego. Elas são assim um elos métodos utiliZ2,dOG pela ad.t11inistraçãopara
irritar e forçar um op~~:;:,á,::é'ío
incle::;ejadopor ela a demitir-se: outros mé-
todos cons Iatdndo , por exemp'lo , em ped~ a casa da usina ~nde porventura
mora o operario ou em transferir o operario de sua ocupaçao para uma in-
ferior periodicamente.
"Eu tenho um tio que faz 6 meses que t~ aqut , e j~ entregou o serviço
que ele trabalhava. Ele é scne,lheiro e botaram _meu tio pra trabalhar noA
bagaço. Ele entregou e va.5_embor-a parece, pra Sao Paulo. Porque meu avo
adoeceu, no Recife. Ele foi lã: v~8itar ele. Quando chegou, deram uma sua
pensão nele. Ele disse que não i-;:.r;,:;itavasuspensão,que ia embora.
, Ai bo-=-
t.aram ele pra varrer ali a espl.anada déJ us í.na , Eu paas e La hoj~ e digo: í.

'Mas meu tio, o senhor, serrulnetro , ai lascado.' Ele disse: tJa entre-
guei! Já entreguei!' Gntonaçã~ ele indignaçã<?] [!.is0rU Eu disse: 'Certo.'
Entreg~u e,disse que vai pra Sao Pa~lo. ~le disne que vai mesmo, que por
aqui nao da. E eu as:.hocerto, o negocio e_esse. (servente) @otar
ti o
termo entregar, sinonimo de "pedir demissao", e que parece denotar um ca
, - ;I __

rater de despossessao de uma vaga dificil diante da situaçao de superpo-


pulagão, e também uma personalização da relação de emprego: entregar a
alguem, aos homens J
/ , A .,. zyxwvutsrqpo
invalidez OU aposentadoria, o operario do açucar ve coroada toda sua trajeto-

ria social de cada vez maior dependência à hierarquia da usina, tanto na esf~

ra. do trabalho quanto na da moradia: essas esferas interpenetradas e dominada.s

pela administração são despejadas em bloco pela usina, tal como o bagaço e a

ga!
borra do caldo, quando a força de trabalho do operário está completamentezyxwvutsrqponml

ta E então o operário aposentado, colocado diante de seu corpo esgotado, v~

reforçado enquanto operário despejado o trágico adágio antropofágico dos ope-

rários do aç~car que encontramos no capitulo 2: "a usina come a carne doszyxwvutsrqponmlkjih
op!.
,
rar tos e depois joga fora os ossos. li

*
*
Se a administração da usina, através dos seus empregados, é onipresente
-
nas decisoes que concernem
,
o trabalho e a moradia dos operarios, como estra •

nhar que as mudanças de administração, seja pela substituição de proprietári_

os, seja pela substituição de gerências e chefias, constituam-se como que no

próprio "tempo es tr uturaj," dos operários (cr . Evans-Pritchard, 1968: cap.III)?

o poder de redistribuição do proprietário e da administração (cf' . para a "fUE,

ção de redistribuição" dos proprietários da flplantation", Palmeira, 1971:cap.


;

4, pg 135), abarcando não somente tudo que ocorre na sua usina, mas tambem

condicionando o próprio "mercado de trabalho" dos operáriOS do aç~car, não p~

de deixar de constituir-se em uma referência constante dos operáriOS em seu

discurso, mesmo que implicitamente. E sem d~vida que a visão dos operáriOS a

respeito do patrão e dos empregados dá uma idéia da maneira em que os operá -

rios defrontam-se com uma administração onipotente para a venda de sua força

de tra.balho.
Antes da implantação da legiSlação trabalhista na parte industrial das

usinas, a própria forma de pagamento dos salários; atrav~s da diária, .fixada


.251.zyxwvutsrqponm

arbitrariamente pelo patrão,levando em conta sua maior ou menor necessidade

de mão-de-obra, não somente dificultava a efetivação de reivindicações Bala ~

riais e meSmo a operação da l~gica do salário associado a tempo de trabalho ,

como também favorecia a operação da ~nica lógica permitida pelo usineiro para

a melhoria do nível de subsistência dos operários: a l~gica das concessões ex

tra-monetárias que a usina podia oferecer a alguns operários selecionados, As

sim, muitos operários tentavam notabilizar-se diante do patrão pela dedicaçãozyxwvutsrqponm

no trabalho, credenciando-se não somente à estabilidade no emprego como tam -

bém a algumas dessas concessões. O modelo do bom carreiro, com o qual QS Op!
, ,
rarios da epoca ironizavam aqueles que se excediam nessa dedicação patronal ,

é um caso caricatural que além de ilustrar o predominio absoluto do propr1et!

rio e sua administração sobre os operários, marca um tipo de relacionamentoen

tre esses dois grupos sociais.


~
"Quando eu deixei o exército ~erviço militalj em 25 1J-92~, nao
quiz mais voltar a ser operário de usina. Queria ver se encon -
~ ,
trava um outro emprego, nao era? Porque sempre um operario era
um sinônimo de cativo. Ele não tinha direito a nada. Agora como
funcionário, ali mesmo na usina, então já tinha uma certa conside
ração. Tinha se acabado a escravidão dos negros, mas a branca
,
dos operarios, a branca dos pobres ficou. Era bastante ser pobr~
- ,
nao e, para ser cativo.
~
Era pobre, nao tinha consideração nenhu-
ma. Eu era pobre. Nao tive meios, pra estudar, tinha que traba-
-
lhar, formar arte, etc. , nao era, tinha que sujeitar aquilo, o re
,
gime da usina. O estilo da usina. Mas era o estilo da epoca ,
não era? Bom, o pobre tinha que trabalhar: vamos dizer em qual -
quer usina, em qualquer empresa, não era? Então tinha que se su-
jeitar ao rigorismo dali. Ele não tinha direito a nada. E prin-
cipalmente, vamos dizer se fosse uma usina afastada de cidades
Porque tudo ali era sob o regime do dono. O dono podia ser bom ,
mas podia ser ruim. O dono podia ser amigo de um, apenas pelo
,
serviço dele. Mas no fundo não havia consideração. Pois e, va -
mos dizer, 'Esse é, an: , esse fulano de tal, é um bom carreiro! '
.252.
Então ele vale por ser bom carreira. l~s tinha que trabalhar mui
,zyxwvutsrqponmlkjihg
tas vezes em excesso, muito mais do que ele poderia trabalhar.zyxwvutsrqpo
E
bom carreiro porque acordava às quatro horas da madrugada e ia a-
panhar o gado lá fora no cercado. Porque quando o dono da usina
ou do engenho aparecesse, já ele estava com o gado por ali. É bom
carreira porque trabalhava depois da hora. Em lugar de trabalhar
até meio-dia, ele largava às doze e meia. Mas quando chegava, em
lugar de almoçar, ia dar ração aos bois que estavam trabalhando.
Chegava dava o mel, dava ração, lavava, dava água, lavava os
bois, enquanto ele ficava na mesma gordura, na mesma catinga, no
mesmo suor desde quando começou o serviço da segunda-feira. Era
bom por isso. :rvIas, por exemplo, era bom porque 'Esse sujeito e"
muito bom, merece minha confiança'? Rarissimo. E eles faziam ia
so, e precisavam fazer, não digo apenas pela covardia. Mas por -
que precisavam viver também. E ser sempre agradável ao patrão."
(ex-presidente do sindicato)

o modelo do bom carreiro não é exclusivamente operário, como mostra a

pr~pria caracterização rural utilizada pelOS operários, um modelo de morador

dedicado ao extremo. Embora procurando não perder sua dignidade de trabalha.

dor, como é a caracteristica do bom carreiro, os operários que nao consegui.

ram formar arte têm que demonstrar dedicação ao trabalho e lealdade ao patrã~

para usufruirem da estabilidade e das concessões da usina. Com efeito, os a!

tistas, mesmo nessa época de rigorismo e carrancismo do regime antigo da usi-

na (28), podiam ater-se ao "código da arte" e merecer uma certa consideração,

(28) Esse 'regime antigo" das usinas incluia também castigos corporais nos op.!:
rárioa, como "sanção disciplinar":
"Antigamente a gente não tinha esses direitos, né, hoje em dia nós
tem
, um direito devido a Get~lio
, Vargas, que deu, os direitos da gente e
ai melhorou alguma coisa, ne. Porque naquela epoca, que eu mesmo, quan
do era megino, rapazinho, o camaradinha mode um tiquinho de açúcar ~ro~
bo" de açucaJj!J apanhava, outro vivia amarrado na frente do volante, ou •.
tro dentro daquela cuba de destilaria que nem barril, o camaradinha com
água faltando uma polegada pra entrar na boca. Eu perguntava a meu tio,
'Meu tio, aquele homem, porque tá ali?' -- 'Meu filho, é porque botou um
pouquinho de açúcar na boca. r Castigo, naquela época, compreendeu? Mo-
.253.zyxwvutsrqponml

sem preocupar-se necessariamente com estratégias de mostrar disponibilidade~

ra qualquer tarefa -- o que é incompatível com a arte -- ou de cultivar leal-

dade com o patrão (29), Já os profissionistas, pelo menos os não estratégi -

cos como o cozinhador e alguns outros, imprensados entre, por um lado, a ne -

cessidade de usufruir de algumas concessões da usina e de ter assim boas rela

ções com o patrão e os empregados e, por outro lado, o modelo do bom carreir~

em que a dignidade do trabalhador é atingida, procuram jogar sua pr~pria dig-

nidade na construção de uma moral de dedicação ao trabalho, transformando em

ponto de honra o serviço bem feito e a disposiÇão para qualquer tarefa. Essa

"moraã " é encontra.da hoje em alguns velhos operários -- não em todos, muitos

outros tendo um discurso eXPlícita ou implicitamente anti-patronal -- que não

deixam de entrar em conflito com a "moral" de seus companheiros mais jovens.

"Quem vê assim fica admirado de ver como trabalhe. o trabalhador.zyxwvutsrqpo


; , ;

Agora, e pra servir, ne, e pra servir. Porque a pessoa que tem

de, passava assim na turbina, pegava um pouquinho de aç~carJ botava


7
na
boca, o vigia via, pegava ele, chegava Ia, dizia ao gerente. Dizia: 'Bo
ta ,ele na cuba!
, I O camaradinha descia na escada,
~ ~ 4 metros
uma cuba com
d'agua, ate na altura do camaradinha, com agua por aqui, inte na hora
que ele ~erent~ queria o camaradinha ali dentro, 24 horas ou ~eia ho -
ra, o que ele quizesse,
, °
,castigo que ele quizesse
, dar a ele,
, ne. O ca.-
maradinha quando saia, saia todo entrevado, nera? E de Getulio Vargas
pra cá, ele acabou com esses neg~cios de cativeiro, né." (evaporador)
"Para fiscalizar, para não tirar cana, nem açúcar, bom, tinha vigias
e tinha a ordem dura, que era pior do que tudo, nera, que quem pegasse
chupando cana vai para a benedita. A benedita não era em todas as usi -
nas, mas tinha algumas que tinha, o quarto que prende as pessoas. L~por
exemplo, tinha um quarto com o nome de benedita. Quem inaugurou, quando
foi feito esse quarto de prisão, foi uma mulher de nome Benedita. E en-
tão tomou o nome. Não é do meu tempo não, quando eu cheguei já encon
trei isso, já encontrei a benedita. Que ficou até uns tempos passados ,
até 1945, viu? Essa benedita ainda ficou pra lá, depois mudou de dono e
a benedita desapareceu." (ex-presidente do Sindicato)

(29) "Os especializados sempre tinham mais uma regalia, ne , mais uma conside-
raçãozinha. Mas quando era pra botar pra fora~ acabou-se a considera
çâo.lf (ex-presidente do Sindicato)
.254.
brio, a pessoa que nasceu por 1909, a pessoa, cheia. de carrancis-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
-
mo, nao quer ser reclamado, essas coisas todinhas. Agora, traba-
é reclamado) entendeu? Que a gente capricha,
lha, morre, mas nãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
eu mesmo tenho esse capricho. Eu saio daqui, tem um caminhão pra
transportar a gente pra usina às 11 horas, se eu souber que o car
ro quebrou e pode fazer eu chegar tarde da hora D?o trabalh~,que
eu vou azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
pés, somente pra não ser reclamado. Porque uma reclama-
ção pra mim é uma bordoada, é uma foiçada que prende. Sou capaz
de morrer mesmo, sou capaz de dar um colapso e eu cair. Que eu
tou acostumado, eu fui habituado nisso, e nisso eu quero termina~
Por isso que a pessoa velha tem essa qualidade. Eu nasci em 190~
E vou com esse carrancismo morrer. Mas nao vou mudar de repente,
, ,
ne. Isso e prejudicial, que eu sei, mas que eu tenho que termi -
nar assim porque, eu tenho meu cará:ter mesmo.H (vigia, ex-cabo da
estrada de ferro)

Engajando sua honra a cada reclamação que recebe, concentrando no servi


ço bem feito e na não-reclamação seu ponto de honra, esse operáriO prende -se
cada vez mais à ideologia do patrão. Levado a um excesso de perfeição em su-
as tarefas para não ser reclamado -- embora fatalmente as reclamações venham

-- esse operáriO sabe, no entanto, que tal procedimento é "prejudicial", ma.s

o trá.gico é que seu "cará:ter" é assim, que ele está:condenado, pelo pertenci.

mento a uma geração que tem o "brio" do serviço bem feito, a morrer com o
"carrancismo" que lhe foi inculcado em sua socialização no trabalho. Imbuí.

dos tanto da disposição para o trabalho como da lealdade com O patrão e com a
empresa (30), como podem admitir esses operá:rios que venham a ser reclamados

(30) A disposição para qualquer tipo de tarefa associada à lealdade com o pa-
trão -- essas qualidades de um anti-artista -- encontram-se nos versos
de um ex-ferreiro que depois tornou-se vigia. Esse ex-repentista que ,
tendo se tornado "crente" e tendo deixado a "birita", esse material auxi
-
liar do repentista, com ela deixou também o improviso e agora escreve os
,
seus versos -- par~ d~cepçaodos demai~ operarios, saudosos do s~u pass!
do de glosador. Nao e somente quanto a forma que esse ex-vigia
, e o anti-
poda do foguista-repentista citado nos dois primeiros capitulos: enquan-
.255.zyxwvutsrqp
ou investigadoS? (31)

A distância entre a moral patronal desses velhos operários e a "espert~

za."dos profissionistas, que encontramos nos capitulas I e lI, não é somente

uma distância de gerações, mas é o resultado da transição entre a lógica do

bom morador e uma lógica mais "instrumentalista!!, mais em função do salário,

do tempo de trabalho e dos direitos. A introdução da legislação trabalhista

nas usinas, a contabilização do uso da força de trabalho em horas, certamente

contribuíram nessa transição (cf. a seção 2 do capítulo lI). No entanto, ne!

sa transformação ocorrida na maneira em que os operários encaram o patrão e

to este último está referido à "valentia" do trabalho especifico e do mi


A ~ ,

lagre da subsistencia dos operarios apesar dos homens "Ze Amara na bo


cs.do fogo, trabalhou e não morreu!! -- o 'poeta-crente" está referido ã
"valentia" da disposição para qualquer tarefa e à fidelidade à empresa e
ao patrão.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"s: minha arte é ferreiro! Onde sou documentado! Porém devido à doen -
ça! Hoje estou aposentado! Mas na hora que a empresa! Procura a minha
defesa! Eu sou de todo o pesado. 11
43 anos! Tra
"Dizem que nessa empresa! Existe um pernambucano! Que házyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
ba1ha em sua defesa.! E isto digo com certeza! E também posso afir ~
mar! Quando alguém lhe perguntar! Não tenha acanhamento! O Tião é o
tal."
"Digo entusiasmado/ Agora aqui nessa rima/ Nessa empresa aqui de c1 -
ma! Eu sou de todo prezado./' Na hora que eu sou chamado! Compareço sem
faltar! Enfrento tudo que há! A favor da Companhia! E digo com garan-
tia/ o Tião é o tal."
(31) "Uma fá.brica é como uma casa de fam:Í.1ia.Numa casa de fam:Ília.Ãa gente
tem que ser obediente, tem que obedecer. Digo isso com experiencia.
, Os
pais, tem menino que deixa os pais investigar ele, andar atras dele, e e
le iludindo os pais, e tem outros ~ue não precisa, sabe cuidar dele~ po~
de andar longe dos pais. E numa fabrica, tem empregado que , o pabrao da
uma ordem a ele e ele dá a ordem pra eu fazer, e ele fica despreocupado,
sabendo que pode manter aquela ordem, ele me conhece. E tem outros que
precisa ficar investigando, reparando, pra qualquer coisinha reclamar
Mas eu sei que tenho de dar conta do serviço, não precisa investigar. Eu
não sei é trabalhar com investigação e reclamação, fico logo com raiva."
(Vigia)

L
.256.zyxwvutsrqp
sua ádministr~ç~o, como vimos principalmente neste capitulo mas também nos ouzyxwvutsrqp
~ ~
tros, nao diminuiu o lugar dos empregados e do usineiro no discurso dos oper~

rios, nem tampouco diminuíram as relações "extra-monetárias" existentes entre

os operários e a administração (32). E não é para menos: controlando todas

as decisões estratégicas quanto às diversas esferas da vida dos operários, a

administração tem que estar muito presente no seu discurso.

Assim a diferença existente entre a geração tipificada pelo modelo do

bom carreiro e a atual geração de operários com relação ao discurso sobre o

patrão e a administração se dá menos por sua recorrência que pelo próprio cen

te~do desse discurso. As caracteristicas diferenciadoras do discurso a.tual


~
dos operarios, que contradizem o modelo do bom carreiro seriam: (a) a conai.

deração da categoria dos empregados como a causa de sua situação de privação,

sendo assim o maior inimigo dos operários; (b) a explicitação de d~vidas a

respeito da legitimidade da ordem social por eles vivida.

Como vimos no decorrer deste trabalh~ e em especial neste capitulo, a


A ,,... ,

referencia aos empregados e a administraçao e recorrente no discurso dos ope-

(32) Além das Eeferências explicitas aos emprega~os e à per~onalização da ad-


ministraçao, que veremos a seguir, as referencias implicitas aos emprega
dos e ao patrão estão como que interiorizadas e embutidas nos próprios
termos cotidianos designando as relações de trabalho na usina. Assim,umzyxwvutsr
, J ,

termo muito usado quando o operario obtem emprego, e o de adquirir uma


vaga, remetendo ao mediador imprescindivel ao emprego, de quem se adqui-
re: um chefe, um empregado. Transferido para uma ocupação considera.dasu
perior, o operário utiliza o verbo assumir: !lassumi a responsabilidade e
passei a cozinhador". ,.,Mas para designar sua•..••.
continuação no emprego,
,- ape
sar de todas as provaçoes,
~ desde
, as condiçoes de trabalho ate o despotis-
mo da administraçao, o operario emprega o verbo sustentar. E, finalmen-
te, quando o operáriO sai da usina, para procurar outro emprego menos
ruim, ele diz: entreguei, como ~ue referido à superpopulação que assedia
as vagas e ao patrao que as detem e a quem se "entrega" de volta o lu
, ~ IV IV

gar . Alem desses ,verbos, que remetem a personalizaçao das ~elaçoes de


emprego, cf. tambem OS termos responsabilidade e consideraçao. Quantoao
"regime antigo" das usinas, antes da legislaçao trabalhista, termos mui-
to usados são os de: carrancismo, estilo antigo, rigorismo.
\
í
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
.257.· zyxwvutsrq

rM-ios PAra. marcar etapas de sua história de vida individual.. Entrando para.

a.~iha como servente ou como ajudante, conseguindo ser transferido para uma

ocupação de operário fixo, passando para ocupações mais desejadas, conseguin-

do uma casa da usina para morar, vendo-se concedido com um pedaço de terra 'p!

ra. uma pequena roça,a cada'passo o operário refere-se ,à administração quase'

sempre concretizando-a através dos empregados que os ,favoreceram. Inversa.men

te" quandocortadc:. sucessivamente na enta-e-arrrra, quando investigado. e' suspen


à . _ ~

sono trabalho" quando se ve negado em suas reivindicaçoessalariais mínimas

ou de recla.ssifica.ção da profissão na carteira, quando transferido para' uma

ocupaçâopior, ou também para uma casa da usina pior ,a referência aos empr-e-'

gados "ruins", de i1coração mau" é feita em tom de den~cia. Por outro lado,
 ~ / ;
a referencia fundamental para marcar as etapas da propria historia dos opera- :
'." ..-.J
rios da usina reduz-se, no discurso dos operar~os) a rotaçao de usineiros, g~
, , ,
rentes e chefes. Alem disso, a hioto:d.a dos operarios de uma us ina determina

da prevalece, em seu discurso, sobre a história dos operários do açúcar em g2.

ralou " .
dos oper-ar-aos em geral ,,~ o que acar-reba fatalmente a reduçao- de sua
.- I' , " /\.,_

historia a historia de suas formas diversas de dependencia as administraçoes

sucessivas. E essa rotação dead'Tlinigtraçee8 exerce realmente algumas trans-

formações na vida dos operários da usina, anulando "favores" da administração·

anterior, refazendo sua teia de "favores" própria,chamando operáriOS de ou -

trasusinas (migração por "ct.ãques"). No entanto, se ef:sas mudanças de admi-

nistração marcam a história dos operá:Cies da u,sina, como elas atuam de uma ma.

neira personalizada'através de "favores" e "punições", elas repercutem na pr~

pria maneira de contara histdria dos op8rários da usina: pa8sam a existir v!


rias versoesdessa
- ~ ~
historia peles var tos operarios
. ~
individuais segundo que

foram "beneficiados 11 ou "punãdoa" pe'las dâver aas admiliilstrações. Assim, a a .•.


·
-
çao particul8.rizante da administraçao
-,
sobre os operarias
"

reflete-se
,
na propr!
.258.zyxwvutsrqp
a. maneira comque contam a história de seu grupo social.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
"
Essa. maneira. de ver, dos operardos , a historia de seu grupo social esta~

ligada à incapacidade que teve a implantação da legislação trabalhista nas u-

sinas e a criação e atuação do sindicato dos oper~rios em quebrar a. mediação

exercãda pela administração sobre os operários, dificultando sua associativi-

dade e ação reivindicatória coletiva. E sintomaticamente essa dominaçãoe P2


der de mediação dos empregadossobre os operários manifestou-se na própria c~zyxwvu
N N ;
açao.e atuaçaodo sindicato dos trabalhadores industriais do açucar : a predo-
A ,
minancia dos· empregados na aliança. entre empregados e operarios contra. os ooi

neiroscom vistas à fundação do s ãndâcat.o , avalisada pelas autoridades traba-

lhistas dos governos getulistas antes, durante e me~modepois do Estado Novo,

contribu:f.rampaz-a imunizar a dominaçãoda hierarquia da usina sobre os opera-


, ,
rios dos efeitos revolucionarios que umsindicato operario atuante pudesse
A ~ _

ter sobre a onipotencia da adrriinistraçao da usina. Evitandoa mobi1izaça.odos


,
operarâos pela defesa dos seus direitos,
- ,
a imp1antaçao burocratica e sem par-

ticipação operária da legislação trabalhista nas usinas, este inicio da época.

dos direitos para os operáriOS, não deixou marcos importantes na história que
,
os operários de fazem do seu grupo sc.cial (33). E interessante contrastar-se
A _ ~ , A

essa· ausencia de mobilizaçao dos operarias quando do inicio da vigencia for-

(33) Muitos operários descrevem cC:J.J ccr:::s::;


I!cl~]:.'citcs!f,
da maneira"que chega. -
ram à.s usinas, foram recebidos cemum certo ceticismo pro1etario (cr,
Hoggart, 1970: capo 9) pelos operáriOS.
; , /"...,

"Ha uns dez ou doze ou vinte ou trinta anos atras, ninguemnao se im-
porta.va com documento. A gente pensava q~e não ia chegar esse ponto que
ia. ter validade de nada 08 docum:::ntcs. Nos duvidava. O que ele pegasse
e botasse na carteira, 8, gente aceit'1"ya. É por isso que hoj~ tem muita
gente prejudicada sobre o 'iu8tituti L?~ISJ.
E o sindicato nao funciona-
va. Nuncaque a gente reclamava uma coisa para ser atendida. Quemgoza
va, na.quelaépoca, quemgozava mais do s :indicato, era os empregados. Ma.i
o trabalhador, não. (esquenta-caldo)
11
mal de seus direitos, com a ampla mobilização social dos trabalhadores ruraiszyxwvutsrqpon
~
no limiar de sua epoca dos direitos em outra conjuntura, e com as conseqüen _

cias dessa intensa mobilização sobre a ideologia desses trabalhaiores, sobre

a história de seu próprio grupo, e sobre a interiorização da importânCia da

luta reivindicatória como atitude constante mesmo em conjunturas posteriores


desfavoráveis (34).

No entanto, apesar de estar dominado pela teia de "favores" e "puni

ções" dos empregados, dominado portanto pelo poder de mediação da administra.-

ção que impede o desenvolvimento da associatividade oper~ria, dominação esta


que condiciona a própria particularização dos empregados "bons" e "maus"; ain
,
da assim o discurso dos operarias sobre os empregados tem uma outra face, de
caráter generalizante: os empregados enquanto grupo social são considerados
~
os seus maiores inimigos. Com efeito, os empregados representam nao somentezyxwvutsrqponmlkjihgf
- , ,
a inversao dos valores operarios, como tambem corporificam, em negativo, azyxwvut
, N _ _ ~

propria situaçao de privaçao e inferiorizaçao na ordem so~ial dos operarias •

Assim, se os operáriOS contrastam a sua situação com a dos empregados quanto


ao salário, quanto à casa, quanto à lenha, quanto às "bonitas feirasl1 dos em-

pregados, quanto à posse de carrco do "liltimo tipoH por parte dos empregados,

no entanto o seu ódio de classe não se baseia apenas na comparação quantitat!

va de bens materiais e privilégio.G, mas no próprio fato de que os empregados

(34) Cf. Sigaud, 1971, e Palmeira, 1974. Quanto à hist~ria do sindicato dos
trabalhadores indu,Striais do açuca> além de ter poUCO!3 elementos :eara
tentar ,reconstitui-la, não cabe ~aqui apresentá-Ia, por suas implicaçoes
de politica sindical mesmo ao nivel nacional.
, De qualquer forma, apri-
.
meira diretoria do sindicato era constituida predominantemente por empre
gados. Tendo sido sempre ligado politicamente a burocracia do Ministe -
~-

rio do Trabalho, o sindicato desenvolveu sempre uma posição conciliadora


com os patrões com relação aos conflitos trabalhistas. Atualmente suas
atribuições assistencialistas consomem a maior parte de suas atividades.
.260,zyxwvutsrqpon

materializam a inversão dos valores operários, a própria contradição das juS-

tificativas legitimadoras da ordem social que se fazem os operários, Desta.

forma, enquanto para o operário a antiguidade na empresa é um critério de as-

censão e estabilidade, porque significa classificação da profissão na cartei-

ra, concessão de casa da usina, aprimoramento da profissão ou da arte, para


A' "
os empregados, segundozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
veem os operarias, a antiguidade e desnecessaria: o in
, À

verso da antiguidade e que caracteriza os empregados, os de fora por excelen-

c ía , em oposição aos da casa. Além de serem de fora por sua não-antiguidade,

conseguindo de imediato os privilégiOS inerentes à sua condição, os emprega -zyxwvutsrqponm


- / "
dos sao tambem de fora porque residem na usina por circunstancia, tendo suas
,
belas casas na cidade, geralmente na capital. Mais ainda, os criterios usa -

dos pelos operários para explicarem sua diferenciação interna, o saber fazer

da arte, a produção de algo tangível e concreto que se corporifica à fábrica,


, - ,
tal uma peça, esses criterios nao conseguem explicar a diferença entre opera-

rios e empregados. Ao con+rar ão , aplicados ai esses critérios se desmentiem :

os empregados não sabem fazer nada, eles não trabalham, mandam, e seu salário

e privilégios não t~m medida comum com sua atividade, seu não-trabalho (cf a

280 parte do capitulo 111), Ma.sJ quando querem, nem mandar os empregados ma!!,
, .
dam, principalmente quando a ordem pedida tem por solicitante um operar~0,8~a

um aumento salarial, seja uma transfe~ência de ocupação, seja um pedido de e~

prego para um filho, um parente. Os empregados


- ,
entao, segundo varios relato~

fazem um circulo vicioso em torno do pedido do oper~rio, remetendo sucessiva-

mente a outros empregados, até que o circulo se completa Já quando a solic!

tação parte de um empregado, ela é r~pidamente satiSfeita, passando-se


por c!
,
ma, muitas vezes, da hierarquia. Assim, a mesma vaga pleiteada por um opera-

rio para seu filho que lhe é negada sob alegação de inexistência pelo chefe

de seção, é imediatamente dada a um protegido de um empregado sob pedidO des-


te logo em seguidazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
oAssim também o contraste ressentido pelos operários en -

tre as mulheres dos empregados que têm emprego na usina como professoras ou

no escritório e a inexistência de qualquer atividade remunerada na usina parazyxwvutsrqpo


~
as mulheres dos operarios •

as
;
A
empregados sendo assim apropriazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
inversão dos crit~rios que tem os

operários para se auto-classificarem, para conduzirem sua prática na usina ,


para se justificarem a ordem social, torna-se dif{cil para os operáriOS expl!

car a causa da própria diferença entre empregados e operários, assim como tO!

na-se difícil a própria aceitação da legitimidade desta diferença. À pergun-

ta: "Porque os operar í.oe ganham tão pouco e os empregados ganham tanto? 11 1 fo!,

mulada como decorrência do discurso dos operáriOS sobre tal contraste salari-

al, a resposta recorrente remetia seja à d~vida, seja aos axiomas da ordem

social ressentidos pelos operáriOS (35)

, ~ ~ ,
(35) "Essa parte ai eu nem sei explicar porque e, ne. Eu sei que e por causa
do prestígiO do dono, que sempre
, preferiu mais aos empregados. Porque a
qui no nosso Estado, sempre e os empregados quem tira em linha de fren -
te. 11 (coz í.nhador)
"Isso ai, ninguém cabe lhe dizer porque" isso ai é questão dele, não é ?
Porque a um ele beneficia, faz o beneficio mesmo a uns Dá um ordenado
bom a uns, e a outros ele priva." (cozinhador 2)
"É, ninguém sabe entender o problema de eles não quererem pagar mais fãos
'~" , ,
operarios • Sem duvida porque acha que o grau so e aquele ~mesmo.
t.::
Eles
;

pra formarem um ordenado para o trabalhador, 1a na assembleia dos usinei


1'08, eles discute tudo isso. É [!iS~, lá na assembleia dos usineiroa-;
eles discute tudo isso, quando ele faz uma coisa numa usina, as outras
também estão no mesmo, na mesma norma. Agora, eles paga bem mesmo
; , aos
empregados, isso e porque, problema do usineiro, do gerente. E acolher
mais bem aos empregados. Ele tem paixão mesmo que os empregados sejam,
mais bem acolhidos, mais ~em alimentados, casa mais bem ajeitada, e dai
por diante. E que o operario, ele considera muito pouco, porque vamos
dizer que um serralheiro, caldeireiro, são homens que é a coluna de uma
fábrica, de uma usina, mas não tem tanta consideração." (cozinhador 3)
"os empregados ganham mais porque os empregados tomam conta de tudo, o
homem entrega tudo a ele, tem toda confiança nele, né. Ele vai tomar
conta de 20 ou 30 trabalhador, n~?" (analista de laboratório)
"Ah , porque eles são empregados, né? Eles t~m a força dele @sineir~ •
.262.

Pode-se perguntar como se dá a compatibilização desse Ódio de classe di

rigido aos empregados, com o "empregado bom'; e com o Tlbom patrão" de que fa -

Iam nostálgica e idealizadamente os operários quando, ao contarem sua histó -

ria de vida, rendem implicitamente homenagem a um empregado ou um patrão per-

sonalizado que os favoreceu em um momento estratégico de sua trajetória 80ci-zyxwvutsrqponmlkj

a'l , Ora, o "favor", o "pistolão" e a "proteção" de um empregado ou patrão Pf!!"


•..
sonalizados, ao qual o operário eventualmente deve uma certa lealdade,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
na.o

deixam de ser uma arma do operário diante da vontade maligna da ordem social,
~
corporificada pelos empregados e patrões cons iderados gener ícamarrte , Sem du-
, "-
vida que, ao aceitarem essa arma de dois gumes, os operarios se veem ainda

mais presos a essa ordem social que os domina, os "favores" sendo não somente

a. forma em que se dá a mobilidade social necessária à própria renovação da.zyxwvutsrqp


" , \, ,I

força de tra.balho da. usina, mas ta.mbem um complemento necessario apropria le


-" -,
gitimaçao -- atraves da particularizaçao dos operarios -- dessa mesma. ordem
,
social percebida pelos operarias como maligna e hostil. Essa nostalgia do

"bom patrão" vem completar a visão das administrações sucessivas como "t.empo

estrutural" dos operários. Mas, por outro lado, essa mesma nosta.lgia aponta

liacontrário" para o fato da aceleração do movimento expropriativo pelas adm.!,

nistrações das usinas visando desenraizar sua. mão-de-obra. e dando-lhes maior

A situação da gente que trabalha, sempre que o trabalhador não tem direi
to a nada. Quem vive malandrando, ainda tem uma liberdade, ainda tem
, , N
um
tempo de aproveitar uma estrela, ne. E o que ta trabalhando, nao
7' ".......
tem ~

tempo. Ate na desgraça os empregados tem uma estrela, ate melhoram, e


os operários não
, fica com nada. A usina X fechou, tá de 4 pra 5
inda tem operaria morrendo de fome. A usina Y fechou, em Al.agoas ,
anos. A
Os
-
empregados, tá tudo rico. Os empregados tão rico. Negociando, tudo com
terra própria" Mas a classe operária .• , Quem pagou instituti ~NFSJ,p~
gou o instituti, quem nao pegou foi pra outras usinas trabalhar. E, os
outros foram morrer de fome.,7'A usina auando fecha, os empregados ta tu-
-
do assim, rico, mas os operar.bs" .., ta emborcado.
-
Ou aqueles que ta na
velhice, ja nao aguenta mais trabalhar, entao se vai para o instituti, e
;

aqueles novatos, vai procurar outra usina pra trabalhar e morrer de fo -


me. (turbineiro)
I!
.263.zyxwvutsrqponmlk

flexibilidade para a introdução de maquinária poupadora da força de trabalho

e para eventuais fusões com outras usinas. Além disso~ essas administrações

progressivamente comprimem seus custos av-~çando sobre as concessões extra-mo

netárias feitas no passado, pressionadas que estão por sua perda de poder re-

lativamente a outras frações da burguesia em escala nacional e frente aos a~

relhos estatais, diminuindo ao mesmo tempo a margem de "favores" a serem ou -zyxwvutsrqponm


~
torgados a operarios selecionados. Esse movimento expropriativo, apesar de
"Lfberar " os operários de laços que os aprisionam à usina, dificultando sua

mobilidade no mercado de trabalho, representa para os operários a cassação de

direitos adquiridos, e vem somar-se, como elemento ilegitimador da ordem so -

eial, às constantes burlas aos direitos trabalhistas dos operários que é ca


racterlstico das formas de super-exploração da força de trabalho na usina(36).

Pressionados, por um lado, por uma superpopulaçâo que rodeia por todos

os lados esses operários ilhados por uma massa de trabalhadores rurais exce -

dentários, e que pressiona os canais de acesso à profissão e à arte na usina,

os operários do aç~car não têm nem tempo de iludir-se com o "melhor emprego "
que oferece a "plantation" a seus trabalhadores, que eles já se sentem a.pris!

onados pela onipotênCia da administração da usina, cujo despotismo especifico


, ,
refere-se ao prolongamento do despotismo capitalista da fabrica a esfera do

"tempo livre" do operário, à sua moradia e ao seu Lazer . Aprisionados, por um

(36) Com efeito, tal "liberação", percebida por um observador externo para e-
:feitos anal:Í.ticosa respeito da tendência do "mercado de trabalho" das u
sinas, a transformar-se, no limite, em um mercado de trabalho proletáriõ
estrito senso, é um processo doloroso para os operáriOS concretos, dis -
tintos dessa entidade abstrata que é a categoria. "força.de trabalho", ,
- de imediato o desemprego e o ~"despejo"
pois representa ~
o Para uma ana.li-
se da_separaçao entre, por_um lad~a distinçao analitica en~re a~expro -
priaçao e a super-exploraçao e, por outro lado, ~ indistin~o pratica e~
tre estes dois mecanismos decorrentes da dominaçao dos patroes sobre seus
moradores operada pelos trabábadores, os quais tomam a ambos como uma
subtraçao do que é socialmente reconhecido como seu, cf. Palmeira, 1974.
.264.
, ,
Iado , pelo poder de redistribuição das usinas, que condicionazyxwvutsrqponmlkjih
o proprio car~
ter especifico de um "mer-cado ll
sua. mão ...
de traba.lho sem fluidez dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
de-obra, ~

pulsos, por outro lado, para fora desse "mercado de trabalho" pelo movimento
, ".
expropriativo que ganha corpo progressivamente nas usinas, os operarios nao

encontram as condições minimas, no ambiente despótico das usinas, para o exer


cicio de sua associatividade, Único escoadouro possivel para suas reivindica-

ções reprimidas e para as transformações ocorridas em sua consciência, ator -

mentada com a ilegitimidade da ordem social que os domina. Pois sem dúvida

a transformação -- para falar numa linguagem gramsciana -- do antigo "senso

comum" dos operários no seu a.tual "bom senso", ainda não produziu -- ao con -

trário dos trabalhadores rurais -- os seus "intelectuais orgânicos ", os seus


organizadores. Até lá o despotismo especifico da usina, o cativeiro dos ope-

rários, triunfará aobr e a resistência surda, anônima, dos operários do açú

caro
CONCLUSÃOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Não é por acaso que o operaria iniciante, citado em epigrafe a este traba

lho, tem da usina uma impressão de ambiente hostil e sobrenatural. Enquanto i-

niciante, ainda desacostumado às condições de trabalho habituais dos operários

do açúcar, esse corumba pode exprimir com mais clareza uma impressão de surpre-

sa quanto à hostilidade e estranheza da fábrica, que depois passa a ser incorP2

rada como condição constitutiva dos pr~prios operários da usina. O funcionamen

to de conjunto dos diversos aparelhos e o tamarulo surpreendente das ferragens

im~nsas; o "lay-out" das máquinas e a pr~pria arquitetura da fábrica com seus

andares de escadas e passagens estreitas, de piSOS com aparência de firmeza pr~

cária; o barulho ensurdecedor e o ambiente impregnado de part{culas do bagaçozyxwvutsrqp


~
esmagadoj as ordens e as reprimendas dos chefes de seçao e dos fiscais acentu-

ando com sua hostilidade patronal a hostilidade dos meios de produção; são ele

mentos compondo um quadro em que o vapor vem finalmente enfatizar seu aspecto

"sobre-natural", como que a sintetizar todo esse clima da fábrica: "o vapor do

diabo". É justamente essa explicitação, de aparência ingênua e espontânea ofe-

recida pelo ponto de vista de um iniciante, que -- ao apontar diretamente p~aa


, ,
natureza estranha e hostil da usina diante de seus operarias atraves de uma i~

gem "sobre-naturalft revela um dos aspectos da natureza mesma da usina que os

oper~rios mais antigos têm dificuldade em exprimir. Sem dúvida que o corumba

iniciante, ao intuir um certo car~ter fetiche inerente ~ usina, distingue-se e

distancia-se deste caráter: ele ainda não foi "enfeitiçado" pelo clima da usina.

Já os operários mais antigos são simultaneamente absorvidos pelo trabalho ince!


/ ; J

sante da usina e pelo fetichismo inerente a essa grande industria: e proprio do

fetichismo o fato de não ser reconhecido enquanto tal por seus ffpraticantes".
, ~ ~
Com efeito, os operarias do açucar) essa personificaçao do trabalho vivo,
.266.

são absorvidos constantemente pelo trabalho morto, pelos meios de produção, e

estão na usina justamente para conservar e aumentar tal trabalho morto -- com -

pondo assim o quadro dessa inversão entre homem e coisa que caracteriza o modo

de produção especificamente capitalista, dominado pela grande ind~tria ( cf.

Marx, 1967: t. 111, capo 48.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


pgc 205 e Marx, 1971: 1648s. e 2468B.). Tal inver-

são, resultante não somente do fato que os meios de produção são independentes,zyxwvu
, ~ ,
estranhos e impostos aos operarias, como tambem do fato que as proprias combinazyxwvutsrqponmlkj
- ,
çoes sociais dos operarias entre eles no processo produtivo , as formas de sua
-,.." ,
cooperaçao, sao feitas a revelia dos operarias individuais; tal inversao faz

com que as condições objetivas de trabalho dos operários sejam como que dotadas
,
de vontade propria e faz com que as for~as produtivas sociais do trabalho sejam
,
vistas como transferidas do trabalho dos operarios ao capital corporificado nas

ferragens da usina, e portanto como provenientes -


do capital e nao do trabalho.

Assim, não é à t~a que a descrição do processo prOdutivo do aç~car, feita

pelos profissionistas da fabricação, ressalta o capital sob a forma da maquin~-

ria e da matéria-prima como o produtor-fetiche, o produtor por excelência, ao

mesmo tempo em que quase não menciona nem a partiCipação dos operáriOS em todo

esse processo nem as ordens da hierarquia da usina Assim também esses mesmos

profissionista~ diretamente ligados à fabricação do produto principal da usina,

tendem a apagar-se enquanto categoria da auto-classificação dos operáriOS, redu

zindo-se a flquase-serventesfl no processo produtivo (1).

Além disso, o "fetichismo" que envolve os operáriOS das usinas manifesta-

(1) Um episódio ilustrativo que denota um pouco da onipresença da maquinária di


ante dos profissionistas foi o do turbineiro que, obser~ando minha dentiçãõ
e comparando com a dele, exclamou: "Mas a sua ferragem e completa!1I A uti-
lização dessas imagens antropomórficas com as ferragens e a maquinária não
é feita sem uma certa ironia com essa onipresença das máquinas que caracte-
riz~m o seu trabalho na usina.
.267.zyxwvutsrqpo
se não somente na personificação pelas ferragens de um poder autônomo diante d~

óper~rios que obscurece as relações sociais subjacentes à usina, mas também nas

próprias categorias mercantis que decorrem da produção tais como o salário que

lhes é pago. Com efeito, não somente os meios de produção que constituem a
; A ,
planta fabril da usina fazem face ao operaria como potencia hostil, mas tambem

os meios de subsistência dele estão separados, podendo ser alcançados através de

um salário insuficiente e de concessões extra-monetárias efetuadas pela adminis

tração da usina. ASSim, se o capital corporificado nas ferragens da usina apa-

rece como uma potência-fetiche a absorver o trabalho vivo dos operáriOS, homol~

gamente o salário aparece para os operários como uma categoria-fetiche, como u-

ma contrapartida insuficiente equivalente a um trabalho desvàbrizado. O salá -

rio-hora passa a ser visto como fixo, como uma categoria independente dos oper!

rios e livre do alcance de suas reivindicações, restando-lhes acumular Suas ho-

ras semanais variáveis de trabalho para garantir sua subsistência, como se cada

hora marginal compensasse o esforço suplementar requerido. "


Esse "fetichismozyxwvutsrqponmlk

do salário, que tem por modelo a concepção do salário dos profissionistas, ser-

ve assim a ocultar a não-equival~ncia entre essa troca peculiar sem "mercado fi

quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
se efetua no processo de produção, entre um trabalho vivo dos operários ma!

or, a ser objetivado nos meios de produção e no produto) e um trabalho morto e-

quivalente ao salário, contrapartida do operário, menor.

No entanto) esse tt fetichismo" inerente à us ina de aç~car não é somente co


mo que uma aplicação, a um tipo de unidade de produção com as caracteristicas ~

rais da grande ind~stria-, do "fetichismo" pr~prio à unidade t:lpica da grande in

d~stria "urbana". Com efeito" o caráter agrícola dessa grande indústria que e

a usina açucareira vem trazer desenvolvimentos especificos à inversão homem/co!

sa e ao "fetichismo" inerente à fábrica < Elo industrial complementar de um pr~


,
cesso produtivo que origina-se no campo, inteiramente dependente da materia-pr!
.268.
ma agr1cola que o seu próprio sistema de transportes canaliza de terras de sua

propriedade e de terras de fornecedores-satélites, a usina não pode deixar dein

corporar características de seu elo complementar agr{cola -- embora sob as rou-

pagens de sua organização da produção própria enquanto grande-ind~stria. Se,c2

mo aponta Kautsky (1968), a instalação de ind~strias em grandes propriedades


a-
,
gr1cole.s -- parazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
atraves do beneficiamento do produto agregar-lhe mais valor ,

dar-lhe maior consistência para o transporte e utilizar os sub-produtos da in -


~
dustria como adubo para a agricultura -- acelerou, na Europa, o processo de su-

bordinação técnica da agricultura à ind~tria através da subordinação do campe-

sinato às necessidades dessa grande ind~stria agr1cola e da grande empresa agr!

cola a que está ligadaj no caso da "plantation f1


, ao contr~rio, que tende a ex.
, ,
cluir de certa maneira a formação de um campesinato parcelar na sua area propr!

a e que pressupõe a priori tanto o trabalho coletivo com escravos ou assalaria.

dos quanto a indÚstria em seu território, não se pode pensar que a ênfase a ser

considerada seja inversamente a subordinação da ind~stria às caracter1sticas da

agricultura da própria "plantation"? Se para a compreensão do modo de produção

é necess~io estudar-se primeiramente a indÚstria e depois a agri -


capitalistazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

cultura, pois é na indÚstria que esse modo de produção se estabelece no sentido

estrito, especifico (cf. Marx, 1957), no entanto no estudo de uma grande ind~-

tria agrícola, em particular a parte industrial da Il plantation!l, não será. nece!

sário levar-se em consideração desde o inicio as caracter1ticas provenientes da

parte agr1cola incorporadas no seu funcionamento e que lhe dão especificidade?


,
Assim, uma primeira caracteristica ""
dessa grande industria agricola e" a sa

zonalidade de sua produção, acompanhando a sazonalidade própria à produção agri


cola de sua mat~ria-prima. A produção anual da usina é assim dividida em umzyxwvutsrqponml
p~

r1odo anual maior, em que é fabricado o produto principal da usina -- o aç~car

-- e em que secundariamente são feitas tarefas de manutenção e reparos à maqui-


.269.zyxwvuts
, I' , , _

naria, e emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
11.'11 periodo referido a entre-safra agrícola" em que sao exclusivamen

te reproduzidos " e" organizado de


os meios de produção.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O trabalho dos operarios

maneira totalmente diversa nesses dois periodos, repercutindo enormente sobre a

diferenciaçao~ "
interna dos operarios. Com efeito" se durante a safra todos os

diferentes "
tipos de operarios estão pTesentes na usina funcionando a todo vapor,

durante o apontamento-- esse periodo privilegiado para a reprodução nao somen-

te dos meios de produção, mas também das relações sociais -- aparece mais clara

mente a hierarquização da força de trabalho da usina, com os profissionistas s~

vindo de ajudantes aos artistas e os serventes atravessando o seu per10do de

desemprego sazonaL

Por outro lado, constrangida pela perecibilidade "


de sua materia-prima a -

gr!cola, a usina tem que situar-se em pleno meio rural, no centro mesmo do raio

de abrangência que exerce sobre as terras de cujo produto se alimenta incessan-

temente para a fabricação do aç~car. Esse simples fato de localização, devido

aos imperativos t~cnicos do processo de produção, traz algumas repercussões im-


" ~ , ,
portantes sobre o carater especifico dos operarios do açucar: as usinas tendem

a manter verdadeiras vilas oper-ar-ã.as em seus dominios, pr~ximas à planta fabril,

e portanto geralmente díste,ntes da cidade mais próxima, em cujas casas a admi -

nistração da usina concede o usufruto tempm~ário da moradia a grande parte de

seus operáriOS e suas famílias. Uma segunda caracter:Ística dessa grande ind~-

tria agr:Ícola é assim a tendência à "imobilização" de sua mão-de-obra através da

concessão de moradia: a administraçio da usina controla os recursos estratégi

cos envolvendo a esfere, da moradia dos operáriOS. Se no modo de produção capi-

talista a reprodução da força. de trftbalho, contrastando com os outros modos de

produção, é um momento controlado pela esfera privada do trabalhador e sua fam!

lia, uma das características especificas da usina é, ao contrário, o controle

que sua administração exerce sobre a pr~pria reprodução de seus trabalhadores.


;-~;,-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"I'

.270.

A interpenetraçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e dominação da esfera do trabalho sobre a esfera doméstica dos

operários tem nessa característica da usina seu maior sustentáculO" O poder de

redistribuição do usineiro, que se manifesta em concessões não monetárias supl~


, A

mentares ao salario, tem como conseq~encia o controle que a usina exerce sobre

o pr~prio "mercado de tra.balho!!dos operários do açúcar, o qual se "abastarda"

enquanto um "mercado" que sofre de maneira parcial os efeitos contraditórioszyxwvutsrqponm


do

principio da redistribuição. No entanto, como o principio da redistribuição p!


ra operar como "f'ortna de integração11 dominante pressupõe um centro Único de on-

de provém o poder de redistribuição (cf. Polanyi, 1957), os diversos centros de

atração constituídos pelos poderes de redistribuição singulares que cada usina


exerce não impedem que um "mer-cado de trabalho ll
peculiar se constitua. Sem a.

fluidez caracteristica de um mercado de trabalho proletário constituído de em -

pregos que não dominam a própria esfera privada do trabalhador, o "mercado de

trabalhou dos operários do açúcar é primeiramente muito diverso para cada cate-
À

goria da diferenciação interna dos operários. Enquanto os serventes tem uma

grande mobilidade nesse mercado de trabalho, sujeitos que estão à instabilidade

anual resultante do desemprego que recai sobre eles na entre-safra, os operári-

os fixos, profissionistas e artistas, dependem de uma manifestaçao


- ,
previa de in

teresse em sua incorporaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


p o r parte de uma nova usina antes de desligarem- se
; À

de sua atual usina. Grande parte dos operarias fixos, dessa forma, tem uma Ia!!,
'"
ga permanencia no seu emprego~ freqUentemente s6 tendo trabalhado para uma usi-
, -, ..
na. Essa inercia tende a inverter-se com relaçao aos operarias mais estrategi-

cos com relação ao processo produtivo, que são assim periodicamente chamados por

outras usinas com melhores ofertas de emprego.

Essas caracter{sticas especificas às usinas de aç~car v~m assim trazer no

vos desenvolvimentos que reforçam a inversão pessoa/coisa própria ao modo de

produção capitalista. Assim} tal inversão que se exerce sobre o processo de


.271.
produção imediato, cOl1Substa.nciadana absorção constante do "trabalho vivo"zyxwvutsrqponmlkjihg
pe-

lo "trabalho morto"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
refrata-se no próprio tempo dos operá.rios} que se vê trans
J

à usina para corporificar-se no aç~car e nas ferra


formado em tempo dedicadozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

gens: o "tempo livre" dos operários, esse tempo minimo de descanso fisiológica.

e culturalmente indispensável ao próprio "f'unc'lonament.o"


da força de traba.lho J

tende a. não passar de um estado de disposição e "prontidão" permanente para o

traba.lho na usina. Com efeito, a jornada de trabalho dos profissioniatas na mo


agem, no m:Ínimo de 12 horas, difere das eventuais longas jornadas de trabalhozyxwvutsrqponmlkjihg
"
dos operarios urbanos pela sua regularidade, como que tomando o lugar da jorna.

da normal de 8 horas estabelecida pela legislação trabalhista. Os profission~

tas trabalham tantas horas extras -- que para eles, enquanto "contadores de ho-

ras", têm a maior importância para a formação de seu salário semanal -- que se..•
ria poss:Ível a criação de mais um turno de operáriOS. E além das 12 horas de

trabalho habituais, alguns profissionistas ainda procuram "passar uma dobra" ,i!
,
to e, trabalhar mais horas no lugar de um colega ausente ou doente. No entan -
to, a tendência à. inversao entre a jornada de trabalho "extraordinária!; (const!

tulda.pelas horas extras) e a jornada de trabalho "normal" (constitu:Ída pelas

horas da jornada legal de 8 horas) -- a primeira tornando-se a jornada "normal"


"
em termos do funcionamento das usinas de açucar -- consolida-se de maneira fla-

grante no que diz respeito à jornada de trabalho dos profissionistas ligados aos

transportes, operáriOS da estrada de ferro e motoristas de caminhão. Três qu~


tos da jornada de tais profissionistas é constituída de horas extras, e essa
prática da administração da usina de trocar o turno dos operáriOS nos transpor-

tes de 24 em 24 horas é indiferente ao fato que quanto maior a jornada de trab~

lh~maior a dificuldade de recuperação do desgaste sofrido pelo trabalhador no


seu tempo livre de igual duração que a jornada. Parte da hostilidade da usina
com relação aos seus operá.rios sustenta-se nessa combinação da longa jornada de
.272.

trabalho com e. inversão pessoa/coisa própria ao processo produtivo fazendo

deste processo, em que o trabalhador não passa de apêndice e vigia da máquina ,

uma sucessão de tarefas exaustivas e monótonas e manifesta-se como caso ex -zyxwvutsr


~
tremo nos acidentes e doenças do trabalho que provoca nos operarios. Essa lon-

ge. jornada de trabalho dos profissionistas, que vem tolher seu tempo dedicadozyxwvu
I

aos afazeres domesticos e inclusive seu tempo de sono (principalmente o turno


, ,
que trabalha de meia-noite ao meio-dia, privando o operario do horario social

do sono), metamorfoseia-se durante o apontamento na longa jornada dos artistas.

Estes, embora trabaJhem normalmente menos horas, e apenas durante o dia, duran-

te a moagem, estão no entanto sujeitos a serem convocados para o trabalho a

qualquer hora do dia ou da noite para a execução de reparos de !lemerg~ncialt na.

maquinária.

Essa dilapidação da força de trabalho é justificada pela administração da

usina através do "álibi Il do regime de flurg~ncian e flemerg~cia" com que essa


grande indÚstria agrícola opera por força dos imperativos sazonais e de ligação

direta com a "natureza" que lhe dão especificidade. As longas jornadas de tra-

balho da usina, encontrando assim sua justificativa no caráter agríCOla e por -

tanto de submissão a certos "caprichos" da "natureza", legitimam-se nesse seu

suposto caráter Ilnatural"; o peso da autoridade legitimadora da "natureza" vem

reforçar a inversão homew!coisa à grande indústria. E assim essa inver


própriazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
,
são, reforçada por sua aparênCia "natural", ainda vem prender os operáriOS a

sua lógica invertida, "persuadindo-os" a desejarem mais e mais horas de traba -

lho. Pois embora o discurso dos operáriOS enfatize as duras condições de traba

lho a que são submetidos em suas longas jornadas, a ânsia, principalmente dos

profissionistas, na acumulação de horas de trabalho a aumentar-lhes o salário se


Á ,

mana 1 parece contradizer aquela enfase. O carater sazonal da usina vem assim

reforçar o "fetichismo" do salário inerente aos operários controlados pelo reg!


.273.
me industrial do salário por tempo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
fetichismo do salário próprio aos profissionistas sustenta-se assim não
_ A
somente na visao posicional que tem os profissionistas dos artistas, tentandozyxwvutsrqpon
~ , ~
"fazer" um salario atraves da acumulaçao de horas trabalhadas que equivalha ao

salm.io-hora mais elevado do artista devido ao "fazer" caracter:Í.sticoda arte ,

mas principalmente no caráter sazonal da organização da produção da usina. Pois


-
é esse caráter sazonal que transforma a longa jornada de trabalho da moagem em

mal menor diante do salário diminuído da época do apontamento e da conseqilente


retração brusca do n:Í.velde subsistência dos profisslonistas. O salário- horA
destes últimos, estabelecido em função de uma jornada de trabalho mÍnima de 12

horas, continua o mesmo quando a usina exige somente 8 horas de trabalho no a -


,
pontamento: a usina continua a extrair do operario o sobretrabalho de que ela
,
tem necessidade sem, no entanto, conceder-lhe o tempo de trabalho necessário a

sua subsistência normal. é vista


Além disso, a jornada de 12 horas da moagemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
pelos profissionistas como incompresslvel : a usina tendo de moer 24 horas por
dia para dar conta de toda a cana da parte agrlcola durante o per:Í.ododa safra,
- ,.-
uma diminuiçao da jornada de trabalho so seria possivel com a incorporaçao de

mais um turno de profissionistas. Com esse novo turno, a própria estabilidade

dos profissionistas se veria comprometida durante o apontamento: a proporção de

profissionistas para a de artistas, os primeiros servindo de ajudantes aos se -


,
gundos no apontamento da usina, e dada pelo contingente de profissionistas nos

dois turnos durante a moagem. A "composição técnica do capital" no apontamento


seria alterada com o aproveitamento dos profissionistas de um terceiro turno e-

ventual na moagem, havendo então um excesso de profissionistas-ajudantes com r~

lação aos artistas -- e então alguns profissionistas teriam de ser ccrtados.zyxwvutsrqponmlkji


D!
ante do espectro de um possivel desemprego sazonal -- que representaria a pró -
pria subversão da categoria dos profissionistas, que compensam com a estabilida
.274.
de suas duras condições de trabalho -- os profissionistas não pensam em questi.2,

nar a longa jornada de 12 horas durante a moagem; que no entanto eles sabem ser

a causa da dilapidação de sua força de trabalho e do esgotamento prematuro de

seu corpo e sua mente. Dessa forma7 os momentos constitutivos da sazonalidade

da produção da usina complementam-se em prejuízo do operário: enquanto o momen-

to do apontamento como que condiciona a manutenção da jornada de 12 horas da mo

agem7 o momento da moagem determina o nivel de subsistência normal do operario

que no apontamento ele não poderá alcançar.

Esse medo ao questionamento da jornada de 12 horas vem revelar o espectrozyxwvu


/ , ~
do desemprego interiorizado, mesmo nos operarios estaveis nao-serventes, que o

explica. Tal espectro se vê alimentado pela superpopulação da parte agr:Ícola

da "plantation" (e mesmo pela superpopulaçâ'o das áreas camponesas e de proprie-

dades maiores do Agreste), à usina a-


parte da qual procura os canais de acessozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW

trav~s do trabalho como servente, para então estar atenta e candidatar-se à me-

nor possibilidade de vaga em uma ocupação operária estável. A superpopulação da

"plantation", tanto de sua parte a.grícola quanto de sua parte industria17 se vê

continuamente reproduzida pela própria complementariedade -- do ponto de vista

do não-trabalhador -- das formas diversas de extração da mais-valia operantes

nas duas partes de que a "plantation" ~ constituída. Se na parte agrlcola a

jornada de trabalho, pequena porém extremamente intensa, ~ administrada. de for-

ma a racionar aS tarefas dos trabalhadores rurais, impedindo-os de alcançaremum

salário semana.l equivalente ao salário~min5.mo legal e outros direitos; na par-

te industrial, a jornada de trabalho, extremamente longa~ provoca o racionamen-

to das vagas de ope:r'áriona usina. Assim a forma de extração da mais-valia c0!!l


primindo o equivalente valor d0 te~o de trabalho necessário na parte agricola,

complementa-se com a forma de extração da mais-valia que distende o tempo de

trabalho excedente na parte industrial. Como a forma de extração da mais-valia


·275.zyxwv
; , ~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
na parte agricola compromete apropria subsistencia dos trabalhadores ruraiszyxwvutsrqpon
J

as longas jornadas de trabalho da usina~ que geralmente asseguram um sa.lário


constante, são vistas comparativamente pelos operários como mal menor diante da

situação dos trabalhadores rurais. Se a grande maioria dos trabalhadores ru

rais não se constitui em concorrentes diretos dos operários do açúcar no II mer_

cado de trabalho" -- havendo uma divisão do trabalho r:Ígida entre parte agr:Íco-

La e parte industrial da "plantation"; cada grupo social respectivo permanecen-

do na esfera de seu flmercado de trabalho I! relativamente estanque, a ligação en-

tre eles dando-se principalmente atrav~s dos jovens trabalhadores não-agrícolas

da parte rural que chegam a serventes da usina -- no entanto sua presença coti-
, ~ '"
diana diante dos operarios no proprio territorio da usina e submetidos a mesma
/

autoridade central que eles faz com que sua maior privação relativa reflita-se

comparativamente, aos olhos dos operários, em uma atenuação por negação quanto
, , ,
às condições de vida dos operários. Essa caracteristica especifica aos opera -

rios do açúcar, de conviver com os trabalhadores da parte agr{cola da "planta


ü.on" dos quais sao originários socialmente e com os qus.Ls mantêm laços de pare!!
~
tesco -- sendo que os trabalhadores rurais sao super-explorados de forma a se -
, -
rem o proprio modelo de privaçao para todos os trabalhadores da "plantation" --
J ; I

faz dos operarios comparativamente uma especie de "aristocracia operaria" da m!


séria. Ganhando pelo menos o salário-m:Ínimo com certeza toda semana -- com ex-

ceção das usinas em crise, o que não deixa de ser freqUente -~ tendo concessões
I

extra-monetarias tais como a casa da usina e seus complementos e tendo obtido

com uma precedência muito grande os direitos trabalhistas, teoricamente a serem

obedecidos pelos usineiros, relativamente aos trabalhadores ruraLS, os operar1-


• I •

os do açúcar são tidos como os ocupantes das melhores vagas de trabalho manual

existentes na "plantation" -- apesar das duras condições de trabalho a que -


sao

submetidos, levando-os a um esgotamento prematuro.


Além dessa pressão direta exercida pela superpopulação da parte agrícola

aos canais de acesso ao trabalho em usina e dessa pressão indireta representada

pela maior privação dos trabalhadores rurais, valorizando comparativamente o s~

lár10 superior dos operários, a ameaça de desemprego interiorizada pelos operá-zyxwvutsrqp


'- '" A""" ;
rios refere-se apropria tendencia a diminuiçao absoluta do capital variaveld~
sa grande indtistria rural que é a usina. Com efeito, a introdução nas us ínas

de novas máquinas, poupadoras de mão-de-obra, e o processo atual de fusões de

usinas, fazem com que muitos operáibs do aç~car sejam dispensados e encontremca
da vez menos lugar em outras usinas. Embora unidade da grande ind~stria, o ca-

ráter rural das usinas de aç~car faz com que a introdução de novas máquinas ou
reorganizações da produçãopcupando mão-de-obra tenha nelas o mesmo efeito quezyxwvutsrqp
~ ,
na agricultura proprlamente dita: ao contrario das industrias urbanas que sofrem

uma diminuição relativa de seu capital variável quando da introdução de novos


, - ,
processos tecnicos de produçao, as usinas de açucar sofrem uma diminuiçao abso-
-
luta de seu capital variável (cf. Marx, 1964: capo XV, X, pg. 179-182). Enq~

to os operários urbanos despedidos por essas modificações no processo produtivo

de certos ramos industriais podem ser re-absorvidos após períOdOS de desemprego

nos novos ramos produtores das novas máquinas, havendo assim uma compensaçãop~

cial entre ramos industriais das perdas iniciais de mão-de-obra, os operários do

aç~car despedidos -- assim como quaisquer trabalhadores rurais em situação sim!

lar de expulsão -- não têm para onde deslocar-se quando aquelas modificações a-
~ A
tingem todas as usinas, senão migrar nas piores condiçoespara' a cidadeEles tem
que enfrentar então simultaneamente o desemprego e o despejo, e mesmo no novo
- - -
emprego eles nao terao as concessoes extra-monetarias a que estavam
/
habituados
na usina e que lhes diminuiam o custo de sua reprOdução -- embora uma reprodu -

ção sob o controle do patrão. Essa diminuição absoluta progressiva das vagas

para operáriOS nas usinas de aç~car) que recrudescem a cada ciclo de substitui-
.277.zyxwvutsrqpon
- de equipamentos nas usinas, ou a cada rearranjo entre unidades produtivas ,
çao

tais como as fusões, atingem principalmente os profissionistas da fabricação ,


à prOdução açucareira. Já os artistas terão
operadores de máquinas especificaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
; ,
maiores possibilidades de emprego em industrias urbanas devido a maior fac1lid!
de de reconversão de sua profissão em outras unidades de produção, embora tal _

vez sejam realocados em piores condições.


O "fetichismo" do salário dos operários, em particular dos profissionis _

tas, vem assim refletir indiretamente todos esses constrangimentos objetivos da

condiçao
-; -
dOQ operarios e da situaçao de seu mercado de trabalho. Taia conatran

gimentos, ligados ao caráter sazonal da produção do aç~car, e reforçados pelo


controle exercido pela usina sobre a própria esfera doméstica dos operários a -
, ", A

traves do controle dos recursos estrategicos referentes a sua moradia, vem di!i
cultar enormemente as reivindicações coletivas com relação ao salário e às con-
dições de trabalho. As concessões extra-monetárias da usina -- que vão desde a

personalização da obtenção de uma vaga operária e da transferência de ocupaçõe~

até a concessão da casa e seus complementos (lenha, água, manutenção da casa) e


de um pequeno pedaço de terra para um roçado que complemente a alimentação do o

perário -- e o controle que em conseqllência a usina exerce sobre a esfera domés


A

tica do operáriO e sobre a sua própria mobilidade no mercado de trabalho; vem

também particularizar os operáriOS, envolvendo-os em uma teia de favores com a

administração da usina, dificultando a sua associatividade horizontal. Oszyxwvutsrqponmlkji


ope-

rários do aç~car parecem ter assim as piores condições poss1veis para o exerci-

cio de suas reivindicações coletivas e sua associatividade independente de elas


se. Prisioneiros do "fetichismo" da usina inerente ao seu processo produt.ívo e
"" " ~ Â. .,

inerente as caracteristicas agricolas dessa grande industr~a que vem reforça-l~


os operáriOS do aç~car teriam das relações sociais subjac~ntes à usina e do ca-

ráter hostil da usina sobre o operáriO uma visão mais obscura do que a visão de
.278.zyxwvutsrqp
qua.lquer corumba iniciante que intuisse o "vapor do diabo" que ~ a usina.
No entanto deve-se levar em conta que o corumba iniciante formulador da

expressão intuitiva "vapor do diabo" é hoje em dia um operária antigo e que nar

rou enquanto tal seu episódio de iniciação ao trabalho em usina, endossando de

maneira implicita e com o peso de toda sua experiência de trabalho, aquela sua

primeira impressão da usina. De fato, os operários do açúcar não são tão pris!

oneiros quanto podem aparentar à primeira vista da ideologia dominante da "pIa.:!.

tation", da qual partilhariam enquanto a fração trabalhadora da "plantation" au


postamente mais "privilegiada".zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~
Parece ser um paradoxo que justamente a usina de açucar, essa grande-in -zyxwv
, I

dustria inserida em meio rural, venha, por causa mesmo de suas caracteristicas

agr1colas, reunir em função de sua planta fabril uma grande variedade de tipos
de operários -- incluindo um contingente fixo apreciável de operários de manu -
tenção, essa "elite" operária que não é tão comum na maioria das fábricas lIurba

nas". Essa existência de operários inseridos de maneira diversa no processo p~

dutivo favorece o desenvolvimento de uma ideologia operaria que se forma em tor

no da ideologia da fração que tem mais elementos para ilegitimar, aos olhos de

à
I

todos os operáriOS, a ordem social subjacente usina. E justamente do grande


contingente de operários das oficinas de manutenção e reparos que o caráter do
processo produtivo ligado à agricultura obriga a usina a manter, que surgem as

maiores contribuições para a formação dessa ideologia operária que tende a tor-

nar-se comum a todos os operáriOS de usina. Não que esses operáriOS de oficina
estejam isentos de qualquer "f'etiã.châsmo ": ao contrário, o "fetichismo" do satá-

rio desses operáriOS, tendo algumas semelhanças com o "fetichismo" pr~prio aos

trabalhadores remunerados segundo o salário por peças, serve a distinguir o sa-

lário-hora mais elevado do artista devido à sua posse da ~, do salário dos ou

tros operáriOS, legitimandO de certa forma a diferenciação hierárquica entre os


·279.
é um elemento da dominação da administração da usina.
operários quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA No entanto

esse "fetichismo" peculiar do salário é um elemento da ideologia dos operários


,
de oficina, a qual baseia-se no c6digo da ~ própria aos artistas.zyxwvutsrqpon
Estes ul-
• Á
tlmos tem um grande controle sobre o processo produtivo das oficinas e conhecem

e reparam cada peça da fábrica,transformando o próprio "tra.balhomorto" da rá. ...


br Ica em "trabalho vivo", revertendo assim de certa forma a inversão homem/co!
se.própria à usina. as
artistas7 inseridos no quadro da cooperação simples das
~ ,
oficinas e enquadrados nao por uma cadeia de maquinas parcelares a "vigiarem "

seus operadores humanos, mas diretamente pela hierarquia da usina, ~ico meio
~ .
da usina impor seu controle sobre esses operarlos que a posse de sua arte habi-

lita ao controle do processo produtivo; além de terem um ponto de vista privil!


giado para compreenderem as pr6prias relações sociais subjacentes à fábrica e

escondidas, para os profissionistas, sob a máscara da potência-fetiche que é o


-
, os maiores detentores da cultu-
capital corporificado nas ferragens; sao tambem

ra tecnologica dos operarios resultante de sua relaçao mesma com a materia.


" ;v ~

Neste sentido, a própria auto-classificação dos operánbs do açúcar, dife-

renciando-osinternamente, é regida por um código do trabalho, o código da ~

praticado pelos operários das oficinas, em função do qual todos os operários se

definem (2). Assim como o camponês independente é para os trabalhadores rurais

da parte agrícola da "plantation" o próprio "m.Jdelo"de produtor direto, assim


também o artista é o "modelo" de todos os outros operários. Orientados por es-
,
aa valorização do trabalho dos artistas -- esse modelo para os operariaS --zyxwvutsrqponmlkjih
em
, IV ~,

meio a desvalorizaçao do trabalho propria a ideologia da classe dominante da

Irplantation", os operáriOS se afirmam diante da administração da.usina. opondo

~ ,
(2) Um codigo do trabalho e da arte semelhante e analisado 7 com urna abordagem
semelhante ao presente trabalho, em Alvim (1972).
.280.
sua qualidade de trabalhaCbres produtivos ao caráter improdutivo das atividades
_ , - A ,
da ldministração. Essa oposiçao e reforçada pela concepçao que tem do salariozyxwvutsrq
~
os operarios das oficinas, o qual, sendo justificado pelo fato de ser uma retri-
à produção de valores de uso tang:Í.veisincorporados ao próprio corpo
buiçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA da

fábrica, ilegitimam simultaneamente riacontrário" a remuneração por atividades

improdutivas do não-trabalhador e seus pr-epos tos (3). Tanto a valorização do

trabalho operária quanto a ilegitimidade da remuneração da administração compa-

rada com a remu.."1eração


dos operários, são assumidas por todos os operários, fa-
zendo assim convergir a ideologia operária para a ideologia especifica dos ar -
tistas .

No entanto, essa convergência não apaga a diferenciação entre os diversos


"
sub-grupos operarios quanto as suas concepçoes especificas sobre o trabalho, s~
/

bre o processo produtivo e sobre a cooperação, sub-grupos estes que reinterpre .•


tam de maneira diferencial, segundo sua inserção especifica na organização da
produção, as categorias e práticas impostas pela usina. Desta forma, os operá-

rios da seção de fabricação opõem à longa jornada de trabalho em condições amb!


, ~ /

entais desfavoraveis a que estao submetidos uma estrategia que, valorizando suO,

as atividades nas concessões extra-monetárias da usina em seu 'tempo livre",tais

como um roçado paracomplementação alimentar e outros ganchos (biscates), 1mpl!

ca ao nfvel da fábrica na procura por ocupações com ritmo de trabalho menos in-

tenso e de menor imprescindibilidade, permitindo-lhes "remanchar" no trabalho.


Assim, não somente as categorias de pensamento e os modelos de comporta -

(3) Tal ilegitimação ligada à con~epção do salário própria aos operáriOS d~ of!
cina, assim como a ilegitimaçao acarretada pelo ressentimento dos operarios
da seção de fabricação quanto à burla pela usina do pagamento de horas ex -
trasJ são elementos que transforma.m em "bom senso" critico o "senso comum "
dos operáriOS dominado pelo "fetichismo" do salário (cf. a nota 5 da.intro-
dução) .
.281.zyxwvutsrqpon

manbc dos operários se afirmam no próprio quadro da dominação exercida sobre e-

les pela usina, como essas categorias e práticas afirmam-se de maneira variada

segundo 8. diferenciação interna dos operários. É certo que essa afirmação se

dá mesmo nas formas mais defensivas de oposição à. exterioridade e hostilidade de.

usina, formas de oposição estas que não encontraram até agora condições prop1

cias à associatividade combativa dos operários contra o despotismo da usina.

No entanto a ilegitimação da ordem social que a concepção do trabalho doszyxwvu


, .
artistas vem fornecer a todos os operarJ.os, e que, por partir dos artistas

a categoria de produtor direto da "plantation" mais elevada a que um operário

pode aspirar a ser -- vem ter também um efeito de desilusão sobre os outros op!
,
rarios, -
tende a ver-se reforçada pela i1egitimaçao convergente provocada pelo

processo de expropriação que a administração da usinas vem gradativamente impo~


do aos operáriOS em cima de suas antigas concessões extra-monetárias. Essa ten

dência à expropriação, acelerada pelas dificuldades financeiras das usinas, pe-


las modificações "modernizantes" e "racionalizadoras" de algumas administrações

desejando diminuir as despesas com a manutenção das casas operárias e outra.sc~

cessões, e pelas fusões de usinas, vem aproximar as reclamações e as formas de


A ; -. ,
resistencia dos operarios as dos moradores da parte agricola, invertendo a es -
tanquisação entre operários e trabalhadores rurais que a ~ina sempre faz ques-
tão de reforçar como condição estratégica de sua dominação sobre todos os seus

trabalhadores.

E é assim, neste contexto de crescente ilegitimação da ordem social carac


teristica da usina, resultante das contradições que se manifestam nas esferas

do trabalho e da moradia dos oper~rios que ela faz questão de dominar, que pro!
segue a resistência surda dos operáriOS do açúcar diante do despotismo da usi -zyxwvuts
I' • ." / /\.

na: banhados pelo "vapor do diabo", os operar-aos do açucar so tem por perspect.!

va exercer tal resistência nas piores condições, enquanto "a classe operária vai
ao inferno".
.282.zyxwvutsrqpon

ANEXO

Exemplo de descrição do processo produtivo da seção de fabricação

por um profissionista (trecho de entrevista com um "esquenta-caldo")

"Então vamo começar dali pelo vascufhant.e, Ali pelo vasculhante tem obre ••
quista. Tem um rapaz que trabalha em cima do guindaste que chama operador.

Vasculhante é onde põe a cana?

É. Tem um rapaz de cima que trabalha com o guindaste, o nome é de operador.


Ele controla os botões porque ali é eletricidade. Ele controla. Então tem
o brequista, então ele ali controla. Ele ali bota a quantidade de cana que
ele quer na esteira. Vai até a moenda. Então em baixo, fica dois rapazeszyxwvutsrqponmlk
- ,
com um varac que tem um gancho assim, puxa num :ferrinho que tem, ai desamar-
ra o moião.

Moião?
o moião é quando o caminhão chega, ele bota, a grade já é furada, eles colo.
ca aquela corrente, tem um varão, ele puxa a corrente, então ali já tem ou •
tro varão com gancho, ai ele levanta a corrente, o guindaste arreia e pega.
Ai eles dá o nome de moiao. Ai eles dá o nome de moião. Então dali, ele I!
va a ponte rolante e vira. Chega até a moenda . Então da moenda , a moenda ~
para aquele bagaço que é aquele que vai pra caldeira, e o caldo sobe pra fa-
bricação.

-- É nessa seçao que você trabalha?


- É, é.
você :faz o que lá?

Meu serviço lá é controlar o vapor e :fazera manobra do caldo, que de tr~s


em tr~s horas a gente tem que mudar pra não entupir. Que limpa e se deixar
passa mais de 3 horas entope o aparelho. Então dali ele vai para as mexedei
ras onde tem aquele homem que trabalha ali com o cal. Ele ali deixa o caldo
A

na cor que ele quizer, tem um papelzinho que chama o PH, ele tira um pedaci-
nho daquele papel e prova. Aí o quimico diz: "Eu quero com, tem uns numero-
·283 .zyxwvutsrqp
zinhos no PH, ele diz eu quero 6 e 8, eu quero 7 e 1211, depende da dosagem
que o quÍmico pediu o chefe. Então, ele ali controla. Então aquele caldo
de novo vai a bomba, toca, tem dois esquenta caldo daqueles que trabalha com
vapor.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA .
Um com 90 libras e outro com 105 libras, aquilo vai d~reto para o dn'
o que?
Para o d~. O dó é aquele, uma espécie de tanque bem grande, aquele volume
bem grande que acumula todo o caldo ali, todo o caldo é passado ali.
Pra pesar é?
-- Não, ali é onde ele vai separar aquela cachaça, que eu lhe mostrei, que ser-
ve de adubo de novo pra cana, e separa o caldo. Então o caldo vai às caixas
de tipo onde vai apurar, pra fazer o xarope, ele engrossar mais, então dali
já toca, tem uma bateria, que é uns tanque, toca praqueles tanque, é só pra
receber aquele material, então dali ° cozinhador vai controlar aquele mate -
rial. Quando chega lá no vácuo, o cuzinhador, ele trabalha, aquilo é uma ee
pécie de um vazio, faz um ar, e aquele ar puxa aquele material. Ai o cozi -
nhador vai controlando ali. Tem outro vácuo que a gente faz açúcar de te~
ceira. O aç~car de terceira é um açúcar que eles fazem, pra fazer uma espé-
cie de uma semente, uns chamam semente e outros de dapé, mas o mais prátiCO
, , ~ ", ,
pra gente e, pra dape pra o vacuo , ai ja sabe, o vacuo, ele arreia aquele
açúcar, numa turbina, turbina de novo, numa turbina que é de terceira, que
não é uma turbina que turbina o cristal que é a primeira, não turbina. Uma
turbina não turbina o outro. Ai dissolve aquele açúcar de novo, e t>ca, e
volta de novo pra fabricação. Quando chega ali, ai tem um vácuo exclusiva -
mente só pra puxar aquele açúcar. Ai o cozinhador controla ele de novo com
o xarope até certa altura. Então ali quando ele arreia o vácuo, dá aqueles
apitozinhos, cada um apito daqueles é um vácuo que arreia. Ali então em bai
xo, tem um ajudante, o serviço dele é só pra controlar, o cozinhador só faz
,
mesmo alimentar o vacuo. Ele pega naquelas volumezinhas ali, abre a quanti-
dade que ele v~ que o vácuo aguenta. Se o, tem vez que ele não pode abrir
nem meia volta. Depende do xarope, porque aquilO é pelo grau. Quando o ap~
relho tá bom, a cana tá apurando bem, dá 30 grau, dá 20, dá 15, dá 18, depe~
J ~ ,
de se pode ter algum vazamento, nos aparelho e cai água, ai cai. Ai, ai e
um desmantelo. Então quando ele chega ali, ai o ajudante do cozinhador vem,
fecha aquelas válvulas de vazio, fecha o vapor, e tem um válvula embaixo com
.284.
,
Embaixo tem o cristalizador. Arreia ali, ai
uma tampa, então ele abre ali.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
, -
embaixo tem um ali naquela manobra,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
50 pra controlar entao quando chega ali
no cristalizador, o manobreiro desce, e faz a manobra pra descer pra turbi -
na. Dai pra turbina ele vai tubiná, ai chama o turbineiro. Turbineiro tubi
, IV / , , ,

na o açucar, entao ai vai para o armazem. Quando chega no armazem e onde


,
tem os ensacadores que tem o, tem um que chama o balanceiro, e o que pesa os
saco, porque tem muita gente que pensa que o balanceiro só é o que pesa ai
,
a cana, mas no armazem tem uma parte que chama o balanceiro. O serviço dele
é só pesar ali. O outro é enchimento, só faz encher os saco, entrega pro
balance1ro. E o que costura dá-se o nome de custuz-ador. Mas a gente, sem -
pre a gente chama: chama aí o alfaiate do armazém
I I ,que é !!:Q brincadeira.,
, " ,
sabe, ai fica nesse hab ito, ai fica, chama o alfaiate ai
I I • li

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