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POTENCIAL BIOTECNOLÓGICO
Lucélia Santi1, Markus Berger2, Walter Orlando Beys da Silva3
Resumo: Pectinases são enzimas que quebram pectina, um polissacarídeo encontrado na parede celular
de plantas. Essas enzimas são amplamente utilizadas em diversos processos industriais, principalmente na
indústria de sucos e vinhos, alimentos, papel e tecidos. Neste artigo são discutidos os principais tipos de
pectinases e usos comerciais, além de novas perspectivas de aplicação destas enzimas.
Abstract: Pectinase is an enzyme that breaks down pectin, a polysaccharide found in plant cell walls.
These enzymes are widely used in several industrial processes, namely in juice, wine, paper and textile
industry. The main types of pectinase and their uses will be analysed in this study, besides new perspectives
of application of these enzymes.
1 INTRODUÇÃO
As células vegetais são envolvidas por uma parede celular rígida, que confere
características exclusivas a esses organismos, sendo responsável pela forma e proteção
dessas células. A parede celular é composta principalmente por polímeros de celulose,
hemicelulose e pectina, sendo proteínas menos abundantes (ALBERTS et al., 1997).
Como muitos polissacarídeos, a pectina é uma molécula heterogênea, apresentando
diversos açúcares em sua composição, variando de acordo com a fonte, fatores ambientais
e métodos de extração (FIGURA 1). A pectina é formada por uma estrutura central
1 Department of Chemical Physiology, The Scripps Research Institute, La Jolla, CA, United States.
2 Centro de Biotecnologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Porto Alegre, RS,
Brasil.
2 PECTINASES
Devido à grande diversidade de pectinas nas plantas e sua consequente
complexidade, são necessárias diferentes pectinases com diversas formas de ação:
poligalacturonase (PG), pectinesterase (PE), pectinaliase (PL) e pectatoliase (PAL).
PG, PL e PAL são consideradas enzimas despolimerizantes, pois clivam a molécula
de pectina entre os monômeros de ácido galacturônico, seja por hidrólise (PG) ou
b-eliminação (PL, PAL). PE catalisa a desesterificação dos grupamentos metoxil da
pectina (MARTOS et al., 2013). Em termos gerais, as enzimas PG, PL e PAL atuam
principalmente na diminuição da viscosidade dos líquidos (REXOVÁ-BENOVÁ;
MARKOVIC, 1976). Já PE tem pouco efeito sobre a viscosidade das soluções, atuando
sobre a pectina de alta metoxilação, sendo, portanto, imprescindível para a ação das
outras pectinases, como PG, uma vez que elas atuam sobre pectina de baixa metilação.
As enzimas podem ainda ser classificadas como exoenzimas, atuando nas extremidades
da cadeia de açúcares, liberando dímeros ou monômeros, ou endoenzimas, clivando
a molécula de pectina e liberando oligômeros menores. O efeito da clivagem do
polímero e liberação dos oligômeros pode acarretar em diminuição rápida e acentuada
da viscosidade da solução. Por exemplo, pode-se obter cerca de 50% de redução da
viscosidade com apenas 2-3% de quebra das ligações glicosídicas (FOGARTY;
KELLY, 1983).
Uma grande variedade de micro-organismos é capaz de produzir enzimas
pectinolíticas, incluindo bactérias, fungos filamentosos, leveduras, protozoários, insetos
e nematoides (FAVELA-TORRES et al., 2005). Entretanto, devido à fácil produção
e à diversidade de pectinases, os fungos filamentosos são os mais empregados para a
produção em escala industrial dessas enzimas. Além disso, o pH ideal das pectinases
secretadas por fungos aproxima-se do valor de pH de muitos sucos de frutas, na faixa de
3,0 a 5,5 (UEDA et al., 1982). Na maioria dos casos, o fungo Aspergillus niger é utilizado
para a produção industrial, já que é classificado como Generally Recognized as Safe
(GRAS) pelo Food and Drug Administration (FDA), órgão americano responsável pelo
controle dos alimentos e medicamentos. Em termos comerciais, fungos filamentosos
constituem a maioria absoluta da fonte dessas enzimas disponíveis.
Embora a pectina apresente características importantes para a dieta alimentar,
sua presença em frutas e vegetais é responsável por grandes perdas da indústria,
principalmente na extração de sucos, devido ao aumento na viscosidade durante
o processo de prensagem, filtração e concentração. A Tabela 1 exemplifica as
concentrações de pectina presentes em alguns alimentos.
Aplicações industriais
Globalmente, o comércio e a aplicação de enzimas movimentaram, em 2010, cerca
de US$ 3,6 bilhões, sendo esperado um aumento de 9% para 2016 (DEWAN, 2012).
Somente o mercado de alimentos e bebidas, segmento industrial com maior uso de
pectinases, movimentou US$ 1,2 bilhão em 2010. As pectinases, especificamente,
equivalem a aproximadamente 10% da produção total de enzimas (MUKESH
KUMAR et al. 2012). Elas são empregadas em diversos segmentos industriais e sua
utilização em escala comercial iniciou a partir de 1930 para a preparação de sucos e
vinhos (KASHYAP et al., 2001).
A principal utilização de pectinases na indústria é na produção de sucos, vinhos
e alimentos processados, como alimentos infantis e purês. O processo de extração de
sucos inicia com a prensagem das frutas, o que acarreta em aumento da viscosidade e de
partículas em suspensão, dificultando a extração e a filtração, principalmente em frutos
ricos em pectina. Nesse caso, as pectinases são adicionadas para diminuir a viscosidade
e turbidez, aumentando a extração, a pigmentação e a clarificação do suco, podendo
reduzir em até 50% o tempo de filtração do produto final (KASHYAP et al., 2001;
SOUZA et al., 2003; SAXENA et al., 2008; KHAN et al., 2013). Vale ressaltar que as
frutas cítricas são as mais cultivadas em todo o mundo. A laranja apresentou produção de
mais de 66,4 milhões de toneladas em 2010, sendo o Brasil um dos maiores produtores
(FAO, 2003). Consequentemente, a produção de suco de laranja atinge uma relevância
de grande impacto comercial em escala mundial, seja ele concentrado, pasteurizado
ou fresco. Da mesma forma, a extração de óleos essenciais em escala comercial para
diversos fins também apresenta importância e, assim como para a extração de sucos,
necessita do uso de pectinases para aumentar o seu rendimento.
Além disso, a utilização de pectinases associadas a outras enzimas, como celulases
e hemicelulases, aumenta ainda mais o rendimento da extração de suco e melhora o
processamento de frutas e vegetais, sem causar grande impacto nos custos de produção.
Essas enzimas são utilizadas para macerar a polpa até a liquefação parcial ou total da
fruta/vegetal, diminuindo o tempo de processamento e melhorando a extração dos
componentes, como, por exemplo, cor. Mesmo após a extração dos sucos, as pectinases
são também adicionadas para clarificação e diminuição de viscosidade, facilitando,
posteriormente, a filtração e a concentração. Um bom exemplo de aplicação prática de
diferentes pectinases é observado na Figura 2. Aqui, extratos fúngicos foram otimizados
para conter diferentes pectinases (PG, PL e PE), que foram então aplicados para a
extração de suco de laranja (FIGURA 2A) e maçã (FIGURA 2B). Pode-se observar
um aumento do rendimento de extração de sucos em relação ao controle (tubos C) e
clarificação deles, principalmente quando PG é utilizada. Interessantemente observa-se
somente uma pequena quantidade de tampão no tubo controle de maçã, o que comprova
a eficiência do uso de pectinases para extrair sucos de frutas.
Figura 2 - Uso de extratos fúngicos contendo majoritariamente diferentes atividades de
pectinases na extração de sucos de (A) laranja e (B) maçã
Legenda: C- Controle; PE- extrato contendo maior atividade de pectinesterase; PL- extrato
contendo maior atividade de pectinaliase; e PG- extrato contendo maior atividade de
poligalacturonase.
assim o impacto ambiental gerado pelos resíduos desse segmento industrial (KAUR et
al., 2010; GUO et al. 2013).
Tabela 2- Aplicações das pectinases em diferentes segmentos industriais
Indústria Aplicação
Melhoria na extração de sucos, clarificação, pigmentos,
Sucos e vinhos
liberação de aroma e outros compostos.
Produção de purês, polpas de frutas, liberação de aroma,
Alimentos
compostos prebióticos e ração animal .
Redução dos níveis de colesterol e tratamento de
desordens intestinai.
Farmacêutica
Possível efeito para tratamento do câncer de cólon
intestina.
Melhoria na extração de óleos e recuperação de óleos
Óleos
essenciais de cítricos, extração de agentes antioxidantes.
Degradação da matéria orgânica e liberação de acúcares
Bioetanol
para degradação microbiana e produção de bioetanol.
Chá e café Melhora na fermentação.
Têxtil Tratamento das fibras naturais.
Papel Branqueamento da polpa kraft.
4 CONCLUSÕES
O mercado de pectinases responde por um quarto da produção total de enzimas no
mundo, sendo essa classe de enzimas utilizada principalmente para a produção de sucos,
vinhos e alimentos derivados de vegetais. O Brasil, por ser um dos maiores produtores
de cítricos do mundo, além de vinhos e de alimentos de origem vegetal, consome um
valor considerável de pectinases/ano. Além disso, gera grandes quantidades de biomassa
vegetal e de resíduos agroindustriais ricos em pectina, que podem ser empregados para
a produção de pectinases. Nesse cenário, o país ocupa posição estratégica, não somente
como grande consumidor dessas enzimas, mas também como potencial e promissor
produtor. Tendo em vista a grande importância comercial atual, juntamente com a
diversidade de aplicação e potencial biotecnológico que vem sendo revelado por meio
de novas pesquisas, as pectinases se consolidam cada vez mais como uma das enzimas
mais relevantes industrialmente nos mercados nacional e internacional.
REFERÊNCIAS
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