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Depressão:

uma perspectiva analítico comportamental


Luiz Felipe Silva Melo1
Gustavo Teixeira2

RESUMO: Este trabalho tem por objetivo realizar uma breve revisão de literatura acerca do tema depressão. O texto irá considerar algumas
visões sobre o tema, mas trará seu foco para a perspectiva analítico comportamental e os modelos derivados do laboratório com base na
filosofia Behaviorista Skinneriana.

PALAVRAS–CHAVE: Depressão, Reforçadores, Frequência de respostas. Desamparo aprendido.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) divulgou uma nota essas drogas fez com que essa classe de medicamento seja uma
que pode ser vista no site do jornal O Globo3, enfatizando que das mais prescritas no mundo.
provavelmente a depressão será a “doença” mais comum no
mundo em 2030. Há uma série de questionamentos a serem Os antidepressivos agem em sinapses (principalmente si-
feitos a respeito do que chamam de depressão e quais as pos- napses que contém noradrenalina e serotonina), aumen-
síveis causas e tratamentos. Neste trabalho, embora o enfoque tando a quantidade de neurotransmissores e disponibilida-
seja nas possíveis etiologias consideradas pela análise do compor- de no local. As grandes projeções de células que contém
tamento, faz-se necessário uma curta explanação sobre a visão noradrenalina e serotonina no sistema límbico sugerem
geral que se tem desse fenômeno chamado depressão. que a atividade de regiões límbicas, incluindo o córtex
O principal referencial para médicos e também alguns psicó- pré-frontal, é anormal na depressão. (KOLB; WHISHAW,
logos para um diagnóstico de depressão é a CID-10 (Classificação 2002, p. 437).
Internacional de doenças) e principalmente o DSM-IV (Manual diag-
nóstico e estatístico de Transtornos Mentais). No DSM-IV, há uma Esses trechos citados acima são meras amostras das muitas
enorme classificação de subtipos de depressão, as quais não serão visões existentes sobre a depressão fora da análise do comporta-
abordadas especificamente, isso porque, embora existam sutis dife- mento. Todas essas explicações acima são chamadas explicações
renças topográficas, a análise do comportamento vai partir do pres- mentalistas, que colocam exclusivamente seu objeto de inter-
suposto que cada pessoa é única devido a sua história filogenética, venção no sujeito. Comportamento, para análise do compor-
ontogenética e cultural, assim o intuito de subtipos de depressão tamento, é resposta e consequência, ou seja, comportamento é
tem mais representatividade para médicos que escolhem determi- interação entre organismo e ambiente. Nesse aspecto, o criador
nados medicamentos baseados nos critérios destes manuais. do Behaviorismo radical aponta para onde devemos focar nossos
A depressão, de acordo com o DSM-IV (1995), é caracte- esforços para uma análise cientifica do comportamento humano:
rizada por uma série de eventos, tais como rebaixamento do
humor (hipotimia), perda de interesse e prazer nas atividades co-
As variáveis externas, das quais o comportamento é fun-
tidianas (anedonia), apatia ou agitação psicomotora, pensamen-
ção, dão margem ao que pode ser chamado de análise
tos negativos, redução do apetite, alteração do sono, diminuição
causal ou funcional. Tentamos prever e controlar o com-
de energia, pensamentos de morte e ideação suicida. Todos os
portamento de um organismo individual. Esta é a nossa
termos citados acima são descrições topográficas, ou seja, des-
‘variável dependente’- o efeito para o qual procuramos
crições de formas de respostas, não levando em consideração as
a causa. Nossas ‘variáveis independentes’- as causas do
causas de tais comportamentos.
comportamento - são as condições externas das quais o
Há também explicações com bases neuroquímicas que le-
comportamento é função. Relações entre as duas - as ‘re-
gitimam o uso de drogas antidepressivas. Tais explicações pres-
lações de causa e efeito’ no comportamento - são as leis
supõem causas biológicas, e segundo Kolb e Whishaw (2002),
de uma ciência” (SKINNER, 2007, p. 38).
o fato de 70% das pessoas serem tratadas com certo êxito com

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experimentando a extinção. A partir de uma situação de incontro-
Desse modo, fica claro que o analista do comportamento labilidade, o individuo, após tal experiência, para de emitir respos-
deve buscar na interação entre o indivíduo e seu ambiente físi- tas diante de novos estímulos, pois genericamente, com algumas
co e social as possíveis causas do chamado “quadro depressivo”. suposições de processos associativos, este indivíduo aprende que
Hünziker (1997) aponta claramente essa questão dizendo que o aspectos do ambiente não estão sob seu controle.
analista do comportamento não irá lidar com síndrome ou doen-
ça, mas sim com um repertório único e personalizado que deve Desamparo Aprendido é a interferência da exposição prévia
ser compreendido por meio da sua análise funcional. Toda análise a eventos aversivos incontroláveis, na aprendizagem futu-
funcional é única, porque todo individuo tem uma história de con- ra, quando os eventos podem ser controláveis. Esse efeito
tingência de reforçamento singular. de interferência ocorre porque os organismos, ao passarem
A análise do comportamento tem como seu suporte a fi- pela experiência com eventos incontroláveis, aprendem que
losofia Behaviorista Skinneriana, e um dos fatores que dão mais não há relação entre o que fazem e as conseqüências am-
legitimidade a essa ciência é a reprodução em laboratório de fe- bientais do que foi feito. (CAPELARI, 2002, p.26)
nômenos observados no cotidiano. Alguns modelos foram mais
bem aceitos e comprovados por experiências laboratoriais. Um O Modelo do Desamparo Aprendido foi reproduzido em
dos principais autores do tema é Ferster, que, em 1973, propôs laboratório diversas vezes utilizando primeiro cães, depois uma
um modelo acerca da depressão. De acordo com Ferster (1977), série de outros animais, ultimamente ratos são os principais ani-
a “depressão” teria como uma de suas causas a diminuição de mais utilizados como sujeitos experimentais. Há diversos artigos
comportamentos positivamente reforçados e o aumento na fre- publicados, o presente autor sugere para maiores informações
quência de comportamentos de fuga e esquiva de estímulos aver- sobre os procedimentos, a leitura de artigos e estudos elaborados
sivos. Assim as causas da depressão estariam nessa interação do por Maria Elena Leite Hünziker5, grande estudiosa da área. O pro-
individuo com seu ambiente, que acarretaria essas relações fun- cedimento com os ratos (sujeitos experimentais), de acordo com
cionais. Há um experimento chamado de modelo de separação Hünziker (2006), se dá pela exposição do sujeito a choques, em
de Harlow & Suomi (apud Hünziker 2006)4, que utiliza primatas, que, em uma hora de sessão, ficará exposto no máximo 10 min.
separando o filhote da mãe, ou separando um macaco adulto do Após 24 horas, os animais são submetidos a uma contingência
seu meio social por cerca de 30 dias. Todos os cuidados e con- de fuga em que novos choques são apresentados e podem ser
dições de sobrevivência são ofertados ao filhote, mas esse fica desligados se o sujeito emitir determinada resposta. A aprendiza-
privado dos reforçadores antes providos pela mãe como contato gem da resposta de fuga é comparada com a de outros animais
físico. Desse estudo verifica-se que o filhote apresenta redução que não passaram pelo procedimento de choques e animais que
generalizada dos seus comportamentos, caindo drasticamente sua foram expostos aos choques, porém de forma controlável (no
interação com outros macacos e a ingestão de alimento, podendo sentido de que poderiam desligar o choque exibindo determinada
levá-lo à morte. Quanto ao macaco adulto, esse fica isolado em resposta). “Os resultados obtidos mostram que apenas os sujeitos
uma gaiola e quando solto demonstra redução na locomoção e submetidos aos choques incontroláveis apresentam dificuldade de
na exploração do ambiente (comparável à linha de base antes do aprendizagem de fuga” (HÜNZIKER, 2006, p. 152). Alguns dos
tratamento) e há também aumento de comportamentos destru- sujeitos apresentam baixa probabilidade de emitir a resposta, as-
tivos. Assim esse modelo reproduz situações em que há falta de sim eles não entram em contato com o reforçamento negativo
reforçadores pela privação da fonte de reforçamento social (a mãe que está disponível (cessar os choques).
e os outros membros da espécie). Segundo Hünziker (2006), o modelo do desamparo apren-
Outro autor muito importante que aborda o assunto é Mar- dido é que tem mostrado maior abrangência de investigação tan-
tin Seligman. Seligman propõe a teoria do desamparo aprendi- to no nível comportamental como bioquímico ou farmacológico,
do, Hünziker (1997) fala que aparentemente a extinção não é a pois são verificados que os sujeitos submetidos aos choques in-
única responsável pela aquisição do repertório dito depressivo. controláveis apresentam diminuição no nível de neurotransmis-
A teoria do desamparo aprendido diz que algumas contingências sores como serotonina (5-HT), Noradrenalina e Dopamina. Para
podem ensinar o individuo que seu ambiente está modificado e Seligman (apud Hünziker 2006, p. 152), “o arranjo experimental
que de uma maneira generalizada reforçadores não estarão mais do desamparo aprendido possibilita mimetizar, no laboratório,
disponíveis, assim o indivíduo para de emitir resposta, mesmo não condições que atingem o ser humano e que produzem neles

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comportamentos depressivos”. sitário Newton Paiva
A análise do comportamento, independente do modelo de
3 http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mat/2009/09/02/depressao-sera-doenca-
explicação da depressão, irá sempre buscar suas causas no am-
mais-comum-do-mundo-em-2030-diz-oms-767426434.asp
biente, ou seja, irá buscar nas interações individuo - ambiente as
causas das quais o comportamento humano é função, pois, iden- 4 Verificar referência para maiores informações.
tificando as consequências mantenedoras do repertório chamado
depressivo, é possível fazer arranjos, mudando tais consequên- 5 Hünziker é professora associada na Universidade de São Paulo (Instituto de
cias, alterando assim esses padrões comportamentais. Psicologia - Departamento de Psicologia Experimental)

REFERÊNCIAS
CAPELARI, Angélica. Modelos Animais de Psicopatologia: Depressão. In: GUI-
LHARDI, Hélio José et al (org.). Sobre Comportamento Cognição. Vol. 10.
Santo André-SP:ESETec, 2002. cap.3, p.24-28.

FERSTER, C.B. CULBERTSON, S. BOREN, M.C. Perrot. Depressão Clínica. In:____.


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Harlow, H. F. & Suomi, S.J. (1974). Induced depression in monkeys. Behavioral


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da depressão. In: GUILHARDI, Hélio José e AGUIRRE, Noreen Campbell de.
(org.). Sobre Comportamento e Cognição. Vol. 18. Santo André – SP: ESE-
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HÜNZIKER, Maria Helena Leite. O desamparo aprendido e a análise funcional da


depressão. In: ZAMIGNANI, Denis Roberto. (org.). Sobre Comportamento
e Cognição. Vol. 03. Santo André – SP: ARBytes, 1997. cap. 20, p.141 -149.

HÜNZIKER, Maria Helena Leite. Estudo Experimental da depressão. In: GUILHARDI,


Hélio José e AGUIRRE, Noreen Campbell de. (org.). Sobre Comportamento e
Cognição. Vol. 18. Santo André – SP: ESETec, 2006. cap. 12, p.149-155.

KOLB, Bryan; WHISHAW, Ian Q. O que provoca o comportamento? Emoção


transtornos Emocionais. In:____. Neurociência do Comportamento. Barueri
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MANUAL diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM 4. 4.ed. Porto


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Seligman, M.E.P. (1975). Helplessness: On Depression, Development and Death.


Freeman: San Francisco. Apud HÜNZIKER, Maria Helena Leite. Estudo Experi-
mental da depressão. In: GUILHARDI, Hélio José e AGUIRRE, Noreen Campbell
de. (org.). Sobre Comportamento e Cognição. Vol. 18. Santo André – SP:
ESETec, 2006. cap. 12, p.149-155.

SKINNER, B.F. Ciência e Comportamento Humano. Tradução de: João


Carlos Todorov; Rodolfo Azzi. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 489 p.

NOTAS DE RODAPÉ
1 Acadêmico do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Univer-

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