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Faculdade de Letras

Universidade de Lisboa

Ano Letivo: 2016/2017 - 1º Semestre

Curso: História de arte

Cadeira: Arte Pré-Histórica

Docente: Prof.º Cunha Ribeiro

Homem Moderno VS Neandertal

Perspetiva arqueológica do comportamento das espécies modernas

Aluno: Inês Vital dos Santos Cabral

Nº: 52197

Lisboa, Dezembro de 2016


Introdução
O destino das populações neandertais da Europa e da Ásia Ocidental tem agarrado a
imaginação popular e científica para o passado século. Após pelo menos 200.000 anos de
adaptação bem-sucedida aos climas glaciais do noroeste da Eurásia, desapareceu
abruptamente entre 30.000 e 40.000 anos atrás, para ser substituído por populações quase
idênticas às dos humanos modernos. Pesquisas recentes sugerem que as raízes desta
dramática substituição populacional podem ser rastreadas muito de volta a eventos em
outro Continente africano, com o aparecimento de restos humanos e artefactos
distintamente modernos na África Oriental e Austral.

As contribuições mais significativas para estas questões na última década vieram de


estudos detalhados da estrutura de DNA das populações humanas atuais em diferentes
áreas do mundo, combinadas com a recuperação gradual de vestígios residuais de DNA
"antigo" extraído de um Número de Neanderthal e vestígios humanos anatomicamente
modernos. Estudos de padrões de DNA mitocondrial e cromossomo Y nas populações do
mundo moderno (herdadas respectivamente pelas linhagens feminina e masculina)
apontam para as origens genéticas de todas as populações atuais dentro de uma área
limitada da África em algum lugar na região de 150.000 anos antes do presente, seguido
pela sua dispersão para outras regiões do mundo entre cerca de 60.000 e 40.000 anos BP1-
6.

Estes resultados são ainda reforçados por recentes descobertas de restos esqueléticos de
populações anatomicamente modernas em diferentes áreas. Descobertas em Herto na
Etiópia relataram há pouco mais de um ano confirmar a presença de formas primitivas de
seres humanos anatomicamente modernos em África por cerca de 160.000 anos BP, onde
como as primeiras descobertas de populações distintamente modernas na Europa e na
maior parte da Ásia pode ser datada não Antes de 40.000-45.000 anos BP.

Na Europa, o suporte mais dramático para esses padrões veio da recuperação de um número
de sequências relativamente bem preservadas de DNA mitocondrial de um número de
achados esqueléticos reais de Neanderthals e humanos anatômicos modernos. As análises
de sete espécimes de Neanderthal (incluindo os do próprio tipo de Neanderthal) produziram
segmentos de DNA mitocondrial que são radicalmente diferentes daqueles de todas as
populações atuais conhecidas na Europa ou em outras partes do mundo e que são
igualmente diferentes daqueles recuperados de cinco espécimes iniciais de populações
anatomicamente modernas de sítios europeus. A conclusão é clara de que havia muito
pouco - se houver - cruzamento entre os neandertais locais e as populações intrusivas
modernas na Europa, ou que, se tal mestiçagem tivesse lugar, todos os vestígios genéticos
desta mestiçagem foram subsequentemente eliminados do conjunto genético europeu. A
evidência de DNA mitocondrial recuperada dos espécimes de Neanderthal sugere ainda
que a separação evolutiva inicial dos neandertais das populações que eventualmente deram
origem a populações geneticamente modernas deve atingir pelo menos 300.000 anos (ver
9) - achado que está em bom acordo com a evidência fóssil sobrevivente da África e da
Europa.

Sapiens Neanderthalensis
O homem Neandertal viveu principalmente na Europa. Há
numerosos vestígios da sua presença na Inglaterra,
Espanha, França, Europa Central e até no Cáucaso. Mas é
na França que é situada a maior concertação de jazidas
deste povo. Os primeiros fósseis neandertais foram
descobertos há 150 anos no vale de Neander (Alemanha) e
rapidamente percebeu-se que se tratava de um grupo
“primo” do Homo sapiens (espécie à qual nós
pertencemos). Eles viveram na Europa e no Oriente Médio
entre 200 e 30 mil anos atrás, quando desaparecem do
registro fóssil. Na mesma época, os primeiros fósseis de Figura 1 Primeira reconstituição de um neandertal
macho, por Schaaffhausen, 1888
humanos modernos surgiram no registro da Europa. A sua
localização geográfica estendeu-se desde a Europa até África e Próximo Oriente.

Parte de um esqueleto de um homem de Neanderthal foi descoberto pela primeira vez


em Forbes, Gibraltar em 1848 numa pedreira. Seguiu-se a descoberta de partes de um
outro esqueleto encontrado numa gruta no vale de Neander (daí o nome da espécie)
junto ao rio Diissel, na Alemanha, em 1856. Outro ainda foi descoberto em Regourdou,
no Périgord, bem como ainda no monte Circeu próximo de Roma; também no
Usbequistão, no Turquestão em Techik-tach e em 1908 em Chapelle-aux-Chants, na
Corrèze.
Alguns anos depois, outro fóssil foi encontrado. Era
bem mais completo e, por muito tempo. serviu de
base a numerosas conjeturas que levaram a compor
uma falsa imagem do Homem de Neandertal
denominado "O Velho de La Chapelle” No entanto,
na época em que foi encontrado, as deformações
apresentadas pelo fóssil, foram consideradas como
características de sua estrutura física, o que levou a
Figura 2 Crânio de neandertal de "La Chapelle aux criação de uma imagem do Homem de Neandertal
Saints" (O velho de La Chapelle) errada. Em 1981, um renomado artista especializado
em antropologia, utilizando os recursos modernos da
criminalística, reconstruiu uma outra imagem do Homem de Neandertal. Teve como
ponto de partida um esqueleto fossilizado em perfeito estado. O estudo da inserção dos
músculos permitiu reconstruir a musculatura do individuo. Através de tabelas obtidas
com as medias das características étnicas de população atuais e também utilizando
testes de espessura de tecidos de chimpanzés e orangotangos, calculou a espessura dos
tecidos que recobriam a musculatura desse homem de Neandertal. Na etapa seguinte,
acrescentou o revestimento de pele. O formato dos olhos e a cor da pele foram baseados
nos atuais habitantes da região onde foi encontrado o fóssil. Esse estudo pormenorizado
levou a uma tal imagem do Homem de Neandertal que causou uma estranha impressão,
pois eram super parecidos aos homens modernos, Homo Sapiens Sapiens.

Relativamente à sua fisionomia e constituição anatómica, o seu cérebro era


ligeiramente mais volumoso do que os hominídeos até então (entre 1200 e 1700 cm3),
pouco “plástico “o seu rosto tinha um nariz grande, carnudo, com as narinas largas e
espessas. O crânio era alongado e baixo, abaulado nos lados e tinha na nuca uma bossa.
Os olhos estavam profundamente encovados, a boca era projetada para a frente onde
existiam maxilares possantes, quase não tinham queixo e os dentes eram robustos e,
todos os dentes encontrados não apresentavam cáries, o que pode ser indício de uma
condição física saudável. Foi ainda possível fazer a reconstituição das cartilagens da
laringe e chegou-se à conclusão que estas eram muito semelhantes às dos recém-
nascidos actuais. A laringe terminava diretamente na cavidade bucal o que impediria a
articulação de certos sons, os quais seriam, segundo Philip LIeberman, os ii, os uu, aa
e gg.
Relativamente as ferramentas que utilizavam,
eles utilizavam objetos feitos de pedra: o
raspador (era o mais frequente), as pontas e os
bifaces. A técnica para os esculpirem chama-
se “Levallois” que consistia em preparar um
núcleo de sílex antes de extrair as lascas; já no
Paleolítico Superior terão iniciado uma nova
técnica para trabalhar a pedra chamada
“chatelperronense” que se caracterizava pela
fractura do núcleo em pedaços menores e,
portanto, mais facilmente manuseáveis. O Figura 3 Exemplo de ferramentas de pedra achadas no sítio de Pech-
raspador servia para retirar os restos de carne de-l'Azé I, incluindo dois machados (A e D), um raspador (B) e um
pedaço denticulado (C) (Foto: Image courtesy of the Pech-de-l’Azé I
que se encontravam nas peles dos animais que Project)
depois lhes serviam de aquecimento. As pontas eram colocadas nas extremidades de
paus e eram utilizadas para matar os animais. O Homem de Neandertal realizou também
utensílios feitos de osso e de dentes; as mandibulas dos carnívoros com os caninos
salientes eram usadas para rasgar, as armações dos veados eram usadas como martelos
e como cunhas para rachar, as costelas lascadas de renas eram usadas como facas e as
omoplatas dos rinocerontes eram usadas como pás para cavar.

Homem moderno vs Neandertal


A eventual responsabilização do Homo Sapiens Sapiens pela extinção do Homo Sapiens
Neanderthalensis é ainda hoje palco de uma enorme discussão. Contudo, são cada vez mais
os indícios que apontam para que a concorrência entre estes dois ramos evolutivos, mesmo
que tenha existido no Continente Europeu, não tenha sido a causa última da extinção dos
Neanderthais.. O último parente comum entre o Neanderthalensis e o homem moderno é o
Homo Heidelbergensis, espécie de onde os Neanderthais terão divergido há cerca de 300
mil anos na Europa, e de onde os Sapiens Sapiens divergiram há cerca de 100/200 mil anos,
mas em África. As primeiras migrações para fora de África datam de há cerca de 1,8
milhões de anos, quando o Homo Habilis migrou daquele Continente até Dmanisi, na
Georgia, local onde de acordo com os fósseis descobertos nos diversos níveis
estratigráficos evoluiu até Ergaster, com parte desta população posteriormente a seguir até
à Ásia, onde acabou por originar o Homo Erectus.

Em relação aos Sapiens Sapiens, a sua chegada à Europa já terá ocorrido no Paleolítico
Superior, uma época de melhoria climática que tornaram o continente Europeu
perfeitamente habitável, em contraste com o que ocorreu com os seus habitats em África,
que, de Sul para Norte, foram tornando-se cada vez mais áridos. Através dos utensílios do
tipo Aurinhacense, típicos do Paleolítico Superior, é possível acompanhar a propagação
dos homens modernos até à Europa, tendo sido encontrados vestígios destes utensílios já
na Bulgária, em Bacho Kiro, datados de há 43 mil anos.

A teoria dominante aponta que a chegada dos Sapiens Sapiens à Europa há perto de 40 mil
anos levou a um crescimento de vários tipos de concorrência entre estes e os Neanderthais,
tanto na captação de recursos, mas também uma concorrência cognitiva, linguística e
demográfica, que resultou na extinção dos Neanderthais. Análises estatísticas realizadas na
região Sudoeste de França, onde se encontram os sítios mais bem conservados de
Neanderthais e de homens modernos na Europa, têm servido para provar que estes últimos
instalaram-se naquela região com uma população até 10 vezes maior que aquelas de
habitantes locais de Neanderthais ali estabelecidos, o que se refletiu num aumento de sítios
ocupados, com maiores densidades populacionais, áreas de ocupação mais alargadas e mais
integrados entre si – com trocas comerciais por exemplo. Este súbito aumento populacional
na região terá reduzido a capacidade dos Neanderthais em competir por recursos, o que
levou a um aumento de tensões e de confrontos entre os dois ramos evolutivos. A “guerra”
com um grupo mais coordenado, em maior número e com melhores tecnologias de caça e
equipamento, e mesmo capacidades cerebrais mais desenvolvidas, algo que se suspeita
devido ao surgimento das pinturas rupestres e de novas ferramentas em osso ou marfim
entre os Sapiens Sapiens, terá levado os Neanderthais para a extinção, depois de
inicialmente terem sido obrigados a instalarem-se em habitats menos ricos e vantajosos.

Havia dietas distintas entre os Neanderthais e o homem moderno, tanto ao nível das
proporções de recursos vegetais e animais, como também nos próprios meios de captura e
presas privilegiadas, minimizando já no final do seu trabalho o impacto de uma eventual
sobreposição de dietas entre Sapiens Sapiens e Sapiens Neanderthalensis. A dieta seguida
pelos Neanderthais era especialmente baseada na fauna encontrada nos habitats mais
fechados e ligeiramente mais quentes, sítios na altura que se encontravam especialmente
na Europa do Sul, ou seja, a sua dieta era a sua preferência climática e geográfica.

Em relação aos sítios do homem moderno, estes davam preferência às faunas de habitats
abertos, de relva, registando-se também alguns mamíferos típicos de vegetações fechadas.
A dieta dos homens modernos fica também associada a um equilíbrio entre carnívoros e
herbívoros, a que se juntavam alguns elementos de omnívoros.
Extinção
A quase extinção dos Neanderthais há sensivelmente 50 mil anos, antes da chegada dos
Sapiens Sapiens à Europa, numa ocorrência a que alguns terão sobrevivido recolonizando
a Europa Ocidental, mas sobrevivendo por apenas mais 10 mil anos. Investigadores
espanhóis e suecos, de Uppsala, Estocolmo e Madrid, analisaram os fósseis mais recentes
de Neanderthais do Norte de Espanha, chegando à conclusão que as variações genéticas
entre os Neanderthais Europeus foram extremamente limitadas nos últimos dez mil anos
da sua existência, ao invés do que ocorreu com outros fósseis mais antigos do Neanderthal,
tanto europeu como asiático. Tais conclusões sugerem que as populações mais recentes de
Neanderthais passaram por uma grave crise demográfica que levou a uma acentuada
redução no total de espécies que quase esvaziou por completo a Europa Ocidental de
humanos por um largo período. A crise demográfica, como os autores destes estudos lhe
chamam, parece coincidir com um período de frio extremo na Europa. Estas linhas de
investigação colocam assim em causa a coexistência entre os Sapiens Sapiens e os
Neanderthais na Europa, já que os autores consideram que as bolsas de sobreviventes de
Neanderthais após a crise demográfica poderão não ter resistido até à chegada do homem
moderno à Europa. A descoberta em 1999 de um esqueleto de um adolescente em Lapedo,
Portugal, com 24 mil anos com características de Neanderthal e de Sapiens Sapiens, facto
que deixa em aberto a hipótese destas bolsas de sobreviventes Neanderthais terem sido
simplesmente absorvidas pelos homens modernos, tal a sua dimensão reduzida. Estes
últimos passos de investigação à vida do Neanderthal na Europa levam-nos assim de
regresso à frase inicial deste trabalho, de que a eventual responsabilização do Homo
Sapiens Sapiens pela extinção do Homo Sapiens Neanderthalensis é ainda hoje palco de
uma enorme discussão, discussão essa que não pára de conhecer novas frentes, já que a
própria coexistência entre os dois ramos evolutivos ou a data de extinção dos Neanderthais
são tópicos cuja discussão pode estar em vias de ser reaberta.

Conclusão
Que os neandertais fossem substituídos por populações que haviam evoluído
biologicamente e, sem dúvida, comportamentalmente, nos ambientes muito diferentes da
África Austral fez com que a rápida cessão dos neandertais seja ainda mais notável e nos
obriga a perguntar o que outros desenvolvimentos culturais ou cognitivos podem ter feito
esta substituição possível. A acumulação de evidências arqueológicas de padrões altamente
simbólicos de cultura e tecnologia dentro das populações africanas que remontam a pelo
menos 70.000 anos BP (marcado pelo aparecimento de complexa tecnologia óssea, cabeças
de mísseis de múltiplos componentes, ornamentos perfurados de conchas marinhas,
Desenhos e uso abundante de ocre vermelho - recentemente registrado na Caverna de
Blombos e em outros locais no sul da África50-53) pode fornecer a pista crítica para novos
padrões de cognição e, provavelmente, complexa comunicação lingüística, diretamente
ligada à evolução biológica anatômica e geneticamente das Populações modernas. Talvez
tenha sido o surgimento de uma linguagem mais complexa e de outras formas de
comunicação simbólica que deram a vantagem adaptativa crucial para a modernidade
inteiramente moderna e levaram à sua subsequente dispersão na Ásia e Europa e ao fim
dos neandertais europeus. Os mecanismos precisos e o calendário desta dramática
dispersão da população da África do Sul para o resto do mundo continuam a ser
investigados.

Bibliografia
STEWART, J. R., Neanderthal-Modern Human Competition? A Comparision between the Mammals
Associated with the Middle and Upper Palaeolithic Industries in Europe during OIS3, International
Journal of Osteoarchaeology, 14, 2004, pp. 178-189;

Sérgio de Almeida Rodrigues, A aurora do Homo Sapiens, Revista de Ensino de Ciências nº22, Julho
1989;

Zilhão, J. J Archaeol Res(2007) The Emergence of Ornaments and Art: An Archaeological Perspective
on the Origins of “Behavioral Modernity”

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