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CAPITULO 2 Propostas Te6ricas e Metodolégicas na Sociologia ‘A realidade social envolve 0 fluxo de pessoas que agem, interagem e se organizam. Quando andamos nas ruas € lhamos ao nosso redor, o mundo éum “burburinho” de atividades, as pessoas movimentam-se em suas rotinas disrias- Como nés conseguimos lidar com essa realidade galopante e barulhenta? Como podemos entender 0 que esta acontecendo? A resposta a esses tipos de perguntas & dada através da atividade dupla de teoria ede pesquisa, A teoria Eo nosso veiculo para explicar como o mundo social funciona; a metodologia é 0 nosso modo de conduzir a pesquisa cuidadosamente para que ela possa nos ajudar a criar e testar teorias. 17 18. SOCIOLOGIA - CONCEITOS E APLICAGOES ienci inante para se entender 0 No mundo contemporaneo, a ciéncia fonts on a See universe. cienia io Gane forma Fe esa io também usadas para compreender Spin et iin uo Pos pte cmasneen em alga a pacer sutras, Alguns ndo-cientistas questionam as alegacoes dos fisicos sobre como o universo fisico funciona; o mesmo € verdade para 0s lorie pions bidlogos. Entretanto, ainda que ocultamente, as crengas reli siosas quan! ° a creado freqiientemente se posicionam num patamar de hostilidade em rel ea or PS evolucionista darviniana da espécie. Na drea social, entretanto, a ciéncia dif icilmente reina. Os homens e suas criagdes — sociedade e cultura ~ nao sao freqiientemente vistos como acessiveis ao estudo cientifico. E hd mais de 150 anos, desde a proposta de Auguste Comte (1830-1842), de que a sociologia poderia ser uma ciéncia natural, que 0s proprios socidlogos permanecem divididos nessa questo: a sociologia pode, ou deve, ser tomada como ciéncia? 6 porque Karl Marx e Max Weber questionavam as possibilidades da sociologia cientifica 6, que muitos socidlogos contemporaneos (Halfpenny, 1982; Denzin, 1970) também o fazem. Todavia, por ora, vamos assumir que essa controvérsia sobre o status cientifico da sociologia nao exista, e examinar como a sociologia cientifica procede. A NATUREZA DA CIENCIA Oobjetivo da ciéncia é possibilitar-nos. entender e acumular conhecimento sobre o universo. O veiculo para tais entendimentos é a teoria, que procura nos contar por que os fenédmenos existem ¢ como eles funcionam (J. Turner, 1991). As teorias cientificas tém algumas caracteristicas especiais que as separam de outros tipos de explicagdes como as religiosas, as de dogma politico e as opinides pessoais (J. Turner, 1985a). Uma caracteristica distinta das teorias cientificas é sua abstracfo. Elas sao determinadas em termos muito genéricos porque 0 objetivo é explicar os fendmenos,em todas as épocas e lugares. Por exemplo, a formula famosa de Albert Einstein, E = mc , nao diz qualquer coisa sobre a emissao especifica de energia (E), ou o corpo da matéria (1), ou a velocidade da luz (c) num momento especifico no tempo; 0 que diz é que a energia, a matéria e a velocidade da luz sio fundamentalmente relacionadas em todos os tempos, em todos 0s lugares e em todas manifestacdes de energia. Em resumo, essa equacao revolucionaria é abstrata porque nasce além das particularidades e estados que 6 verdade em todos os tempos e lugares em nosso universo. As teorias sociolégicas também podem ter essa qualidade. Por exemplo, como observei no tiltimo capitulo, Herbert Spencer (1874-1896) Propds que com o crescimento populacional os membros de uma sociedade se tornam mais diferenciados, levando a fragmentagoes e especializacao de grupos que sao integrados por interdependéncias e concentracées de poder. Esta teoria é também abstrata porque nao se refere 4 uma populacdo especifica num ponto determinado do tempo, mas a todas as populacées em todos os tempos e lugares. mi ae Segunda caracteristica “nica das teorias cientificas é que elas sao sujeitas a provas. 1969), aa ed que as eo cientificas existem para serem refutadas (Popper, 1959, eae vee objet eo a ciéncia seja submeter suas teorias a tantas provas quantas portanto, plausivel Pol a ra one de que a teoria nao é facilmente refutada, e 6, dadosempiricos entice an eoria permanece intacta aps repetidas confrontagdes de , iderada por ora como a melhor explicagao da “maneira” que cartrto 2: pRopostas reokicas & ateTepoLOKaCAS Na socroLoata 19 as coisas sao. Quando as teorias resistem 4 prova de tempo — isto é, esforgos repetidos de contestagao — entao se tornam provisoriamente aceitas como verdade, como a “maneira” que as coisas realmente so (Popper, 1969). Esse é 0 modo de funcionamento de toda ciéncia. Nao é um processo eficiente, mas é um meio de mantermos nossas teorias presas a fatos reais. N6s defendemos ceticamente as teorias ¢ constantemente as verificamos contra os fatos. Compare essa proposta a formas alternativas para a compreensao do mundo. Em interpretacdes religiosas, os poderes dos deuses e as forcas sobrenaturais sio tidos como controladores do fluxo de acontecimentos, hd uma suposi¢ao de que as coisas deveriam ocorrer; e, se essa visio nao corresponde a maneira real pela qual os acontecimentos se desdobram, as crencas no poder dos deuses ou a verdade das suposigdes nao sao contestadas, como seriam no caso de uma teoria cientifica. Melhor, uma nova interpretacao é oferecida para sustentar as crencas. Similarmente, os preconceitos pessoais sao freqiientemente mantidos quando os fatos os contradizem; de fato, nds nos apegamos aos nossos preconceitos e percepcSes porque eles nos confortam e porque estamos acostumados a eles. As ideologias politicas tém essa mesma qualidade; as pessoas apdiam-se em suas crencas politicas até mesmo quando os programas defendidos em nome dessas crencas fracassam. Em contrapartida, as teorias cientificas s40 finalmente refutadas ou transformadas quando elas ndo correspondem aos fatos empiricos. As teorias nao sao casualmente testadas, embora freqiientemente comecemos apenas com a intuigao de que os dados correspondem a teoria. Eventualmentea teoria deve ser avaliada de um modo sistematico, em termos de alguns procedimentos genéricos, geralmente denominados de método cientifico. A idéia geral por tras dos métodos da ciéncia é desenvolver procedimentos imparciais para coletar dados e entao especificar claramente 0 percurso escolhido. Dessa forma, outros dados podem surgir e verificar que fomos honestos e ndo cometemos quaisquer eros bobos ou impusemos preconceitos. Sem dados nos quais possamos acreditar, ou ter confianca, nao sabemos se temos registros precisos dos acontecimentos nem sabemos se os dados realmente se sustentam na teoria que estamos testando. QUADRO 2.1 O Que Torna a Ciéncia Unica? A ciéncia nao busca avaliar o que deveria, ou nao deveria, existir ou ocorrer. 2. A ciéncia busca apenas compreender por que os fenémenos existem e como eles funcionam, sem julgamentos de valor. 3. Aciéncia gera determinada compreen- sdo que desenvolve teorias abstratas e isentas de juizos de valor, as quais expli- cam o como e o porqué dos fendmenos. 4. A ciéncia entao sujeita essas teorias & verificacao empirica, refutando-as ou modificando-as se os fatos nao corres- pondem a elas. 5. Aciéncia usa métodos de coleta de dados que podem ser contestados por outros pata certificar-se de que os dadios usados para testar as teorias nao sao parciais. 6. A ciéncia acumula conhecimento quando as teorias encontram sustentagio consistente em testes empiricos e quando aquelas que nao recebem tal sustentacao sao refutadas ou modificadas, 20 SOCIOLOGIA - CONGEITOS E APLICAGOE mos teorias para explicar m fatos reais. Como as bemos mais sobre 0 ‘Assim, a ciéncia encontra a sociologia 4 medida que nds usai © mundo social e, a0 mesmo tempo, verificamos essas teorias co teorias sdo desenvolvidas e testadas, acumula-se conhecimento e sa mundo social que nos cerca. AS TEORIAS SOCIOLOGICAS Seria bom nesse momento apresentar as grandes realizagoes da teoria sociolégica para, explicar o comportamento humano, a interagao e a organizacao. Mas atualmente hd pouco consenso sobre quais teorias sao as melhores, e tampouco existe entre os pesquisadores a iniciativa de festar tada uma de nossas muitas teorias e ver qual parece melhor. De fato, a sociologia revela uma tendéncia infeliz, para os tedricos, de criar teorias que nao sao muito acessiveis aos testes e, para os pesquisadores, de coletar e analisar os dados sem prestar muita atencao Ateoria (Turner e Turner, 1990). Assim, é triste mas verdadeiro que os tedricos € pesquisadores tendem a seguir caminhos isolados. O lado cético das teorias evidencia para a sociologia uma série de propostas tedricas, interessante apesar de muitas vezes ndo verificadas empiricamente, para interpretar os fatos no mundo social (Ritzer, 1975, 1988; J. Turner, 1991). Deixe-me esbocar amplamente algumas das mais importantes dessas propostas, deixando para capitulos posteriores as teorias espectficas que foram desenvolvidas dentro dessas amplas perspectivas. Nés j4 encontramos algumas dessas perspectivas quando discutimos a émergéncia da sociologia no capitulo anterior. Aqui seremos mais explicitos nos elementos fundamentais dessas amplas propostas (J. Turner, 1991). Teorizagéo Funcional ‘A teoria funcionalista foi criada por Herbert Spencer e retomada por Emile Durkheim no século XX. Durante certo perfodo dos anos 50, esse tipo de teoria dominou a sociologia; agora, representa apenas uma das diversas propostas. Todas as teorias funcionalistas examinam o universo social como um sistema de partes interligadas (Turner e Maryanski, 1979). As partes so entao analisadas em termos de suas conseqiiéncias, ou fungdes para 0 sistema maior. Por exemplo, a familia seria vista como uma instituicao social basica, que ajuda a manter a sociedade maior, regulamentando 0 sexo e unindo os adultos, e socializando 8 jovens para que eles possam se tornar membros competentes de uma sociedade. Além disso, pode-se examinar qualquer estrutura isto 6, sua atual faculdade ou universidade -, om termos funcionalistas basta fazer uma tinica pergunta: como algum aspecto de sua escola a conjunto de estudantes, grémios e associagées, diret6rio académico, classe, corpo docente, administradores etc. - contribui para o funcionamento do sistema global? ‘Amaioria das teorias funcionalistas postula “necessidades” ou “requisitos” do sistema. Quando isso é feito, uma parte é examinada com respeito a como se preenche uma necessidade ou requisito do todo. Por exemplo, muitos sistemas sociais tém necessidades de tomar decisoes, coordenar pessoas e alocar recursos; portanto, se isso constituisse um requisito bdsico, alguém perguntaria: que partes do sistema preenchem essas necessidades relacionadas? E entao nds explicariamos como uma parte| especffica— por exemplo, 0 governo, se o nosso sistema central é uma sociedade — funciona para preencher essa necessidade basica. cartruro 2: prorosras TeORIcaS B METODOLOGICAS NA SOCIOLOGIA 21 Hé muitos problemas com teorias funcionalistas. Um dos mais importantes é que elas freqiientemente véem as sociedades como demasiadamente bem integradas ¢ organizadas (Dahrendorf, 1958, 1959). Assim, se toda parte do sistema tem uma funcao ou reenche uma necessidade, as sociedades pareceriam ser maquinas de movimento suave e bem lubrificadas. Todos nés sabemos, é claro, que isso nao é verdade, pois 0 conflito € outros processos “disfuncionais” também existem. Contudo, teorias funcionalistas ainda tém um atrativo porque elas nos levam a ver universo social, ou qualquer parte dele, como um todo sistémico cujos elementos constitutivos funcionam em conjunto; ou seja, 0 funcionamento de cada elemento tem conseqiiéncias sobre o funcionamento do todo. Teorias do Conflito Karl Marx e Max Weber foram as origens intelectuais de teorias sobre o conflito, embora outros socidlogos antigos também vissem o mundo social segundo suas contradigbes. Ao contrario das teorias funcionalistas, que enfatizam a contribuicao das partes para um todo maior, as teorias do conflito véem os todos sociais cheios de tensao e os contradigdes (Collins, 1975). Embora haja muitas teorias distintas sobre 0 conflito, todos partilham um ponto em comum: a desigualdade é a forca que move 0 conflito; e o conflito é a dindmica central das elagdes humanas. De fato, seria dificil no notar as tenses e os conflitos que emanam da desigualdade. Por exemplo, em sua aula de sociologia ha uma contradigao inerente entre voce e seu professor sobre um elemento bésico: sua nota. O professor controla a nota, ¢ isso significa que ele tem poder sobre voc’. Vocé esté, entao, numa situacao de grande desigualdade, ea tensao est apenas sob a superficie. Se nao consegue a nota que vocé queria, vocé pode ficar contrariado, e, se voce pudesse, faria algo para reverter a situagao. Amesma forca basica funciona em todas as relacdes sociais entre atores distintos, como individuos, grupos étnicos, escritdrios e pessoal num escritério, classe social, ou nagées. "Ao olharmos ao redor de nossa propria sociedade, vemos os efeitos da desigualdade que a contradigao produz em todo lugar. Os trabalhadores e gerentes nas empresas freqtientemente esto inquietos; as pessoas pobres agridem as pessoas rica; BS mulheres se restentem dos saldrios mais altos e poder que os homens tém na sociedade; as minorias dthicas ce ressentem com o status de “segunda classe” que Ihes é dado; e assim vai. Todas seas fontes de contradicao que se manifestam em formas distintas de conflito— crime violento, desordens, protestos, manifestacdes, greves e movimentos sociais - originam-se da distribuigao desigual de recursos valorizados pelas sociedades, como dinheiro, poder, prestigio, moradia, satide e empregos. O conflito é portanto, uma contingéncia basica da vida social; ele é potencialmente sentido em todo lugar, desde as relacdes interpessoais entre homens e mulheres, passando pela exigéncia de interacdes entre diferentes etnias, até os ressentimentos contra o poder dos pais, professores e empregadores. Teorias Interacionistas Ebom falar sobre “partes”, “todos”, fungdes”, “desigualdades” e“conflitos”, mas 0 que dizer das pessoas reais que devem se encarar lidar umas com as outras? As teorias interacionistas tentam responder a essa questao, como veremos em detalhe no Capitulo 5 TOS E APLICAGOI 22. SOCIOLOGIA ~ CONG 1934, 1938) e todos aqueles que quando retornamos ao trabalho de George Herbert Mead (192 t sia das teorias interacionistas, faram seus discipulos. Por ora, deixe-me esbocar a posicao bi teorias it ‘Os homens interagem emitindo simbolos ~ palavras, expressoes faciais, corporais, ou qualquer sinal que “signifique” algo para os outros ¢ para mesmoe (Goffman, 1959, 1961, 1967; J. Turner, 1988). Através de gestos simbélicos, demonstramos nosso estado de espirito, intencdes e sentido da ago; e contrariamente, pela leitura dos gestos dos outros, Sbtemos um sentido do que eles pensam e como eles se comportarao. Nos podemos até mesmo fazer isso quando outras pessoas nao estao fisicamente presentes ~ por exemplo, quando vocé pensa em pedir mais dinheiro de um pai, reclamar de uma nota dada por um professor ou encantar alguém por quem esteja interessado. Aqui hé uma troca de gestos pin sua mente visto que voce mentalmente interage com essa pessoa. Assim, a vida social estd mediada por simbolos e gestos; e usamos esses gestos para nos entendermos uns com 0s outros, para criarmos imagens de nds mesmos e das situagoes e construirmos uma idéia de situacdes futuras ou desejadas. Para os interacionistas, entdo, a explicacao da realidade social deve emanar da investigacio meticulosa do micromundo dos individuos que mutuamente interpretam os gestos, que constroem as imagens de si prdprios e definem as situacdes segundo certos principios (Blumer, 1969; Stryker, 1980). As macro ou grandes estruturas da sociedade ~ 0 Estado, a economia, a estratificagao e similares ~ sao construidos e sustentados por microinteracées (Collins, 1981, 1986); e para os interacionistas seria impossivel entender 0 mundo social sem investigar esses encontros no micronivel. Pense nos seus gestos e nos das pessoas que estdo ao seu redor numa sala de aula, por exemplo. Ao caminhar em diregio 3 sua cadeira, como se desvia de seus colegas, como seus colegas se comportam — antes ou durante as aulas-e, também, os meios pelos quais os professores tentam se fazer entender. Portanto, uma sala de aula “estruturada” esta repleta de gestos, interpretagio ¢ reinterpretagao, e situacdes definidas na perspectiva interacionista; vocé nao é uma “abelha operdria” que obrigatoriamente segue o roteiro de conduta de uma sala de aula (emboraisso seja certamente relevante), porque vocé esta constantemente emitindo sinais e interpretando a fim de transformar e, as vezes, criar novos roteiros para a interagao. Dessa forma, 0 interacionismo é contrario as tendéncias que tomam a “estrutura” e a “cultura” como exteriores aos atores sociais, tratando-os como robés. Teorias Utilitaristas Esse conjunto final de teorias fornece hipsteses para a compreensao dos homens da moderna economia, que, por sua vez, adotavam as idéias centrais dos filésofos escoceses, tais como Adam Smith (1776) durante a Era da Razao (Camic, 1979). Aos olhos dos tedricos utilitaristas, os homens sao racionais até o ponto em que eles tém objetivos e finalidades; eles calculam os custos de varias alternativas para atingir esses objetivos e escolher alternativa que maximize seus beneficios (ou o que os economistas chamam de “utilidade”) eminimizar seus custos. Dessa forma, nds somos seres que tentam tirar algum proveito de uma situacdo, ao reduzirmos nossos custos (Hechter, 1987; Coleman, 1991). Por exemplo, vocé pode calcular quanto trabalho vocé esta disposto a dispender (seu “custo”) a fim de CAPETULO 2: PRoPOSTAS THORICAS B METODOLOGICAS NA SOCIOLOGIA 23 receber determinada nota (seu “beneficio”) neste curso ou, se eu posso ser idealista por um momento, conhecimentos que vocé pode usar durante toda a sua vida (a longo prazo, um beneficio muito mais compensador). Assim, todas as situacdes envolvem uma “troca” de recursos: vocé abre mao de alguns recursos (seu custo) a fim de receber algo que vocé percebe ser mais valioso (sua utilidade). Assim, para os tedricos do utilitarismo, todas as relages sociais so, em tiltima andlise, trocas entre atores que incluem custos a fim de obter beneficios uns dos outros, ou seja, que calculam a relacao custo-beneficio. Seu professor incorre num custo (energia e tempo para preparar as aulas, conversar com os alunos, corregao de provas etc.) a fim de receber um salério (da universidade) e, talvez, sua lealdade e admiragdo. Da mesma forma, vocé vai as aullas, Ié, pensae se submete as provas (seus custos) para receber notas, conhecimento, e talvez uma mesada de alguém como seus pais (seus beneficios ou utilidades). Nés ndo fazemos os célculos conscientemente, na maioria das vezes eles estao implicitos. Apenas quando nao temos certeza do que fazer numa determinada situagéo é que tomamos consciéncia dos célculos flexiveis de custo-beneficio. Mas, finalmente, os utilitaristas argumentam que em instituigdes escolares vocé troca tempo, energia e dinheiro por notas, diplomas e conhecimento, que vocé calcula serem ainda mais valiosos do que vias alternativas para dispender seu tempo, energia e dinheiro. Para os teéricos do utilitarismo, a interacdo, a sociedade e a cultura sao finalmente criadas e sustentadas porque elas oferecem bons resultados para individuos racionais. Esses resultados raramente sdio monetarios; em geral, eles sao “posses” menos tangiveis — sentimentos pessoais, afeicao, orgulho, estima, poder, controle e outras moedas “suaves” que estruturam a sociedade. Pode-se ver isso simplesmente observando uma situagao em que vocé ficou zangado ou feriu seus sentimentos; em tal situagao, uma recompensa (freqiientemente nao monetédria) nao foi recebida proporcionalmente ao seu custo e investimento; esse fato indica que, sob a superficie de seus sentimentos, estao implicitos cdlculos sobre custos e recompensas. A Situagiio Atual da Teoria Sociolégica HA muitas variantes especificas dessas perspectivas tedricas. Encontraremos algumas delas 4 medida que avancarmos na questao da sociologia. Do ponto de vista da ciéncia, seria bom ter teorias mais centradas e precisas que tenham sido sistematicamente testadas e que agora organizariam essa introdugao a sociologia. Mas isso ndo vem ao caso. Muitos socidlogos nao acreditam que isso possa ou deveria ser 0 caso (Seidman e Wagner, 1992). Ao contrario, as teorias sociolégicas atuais podem apenas nos ajudar a interpretar aspectos especificos do mundo social, e entao para o presente nossas teorias ndo so como aquelas das “hard sciences”’ (Giddens, 1971, 1976, 1984). A sociologia tem muitas partes de teoria, tipicamente inspiradas pelos fundadores, masa maioria nao foi sistematicamente testada e aceita como a melhor explicagao do mundo Social. Para alguns, os objetivos da ciéncia na sociologia sao ilusérios, e o sonho de Comte 1 NRT: Termo usado em inglés ou francés ~ “sciences dares” ~ para designar as ciéncias exatas. de uma ciéncia da sociedade é apenas um sonho. Para muitos outros, a sociologia ainda no se tornou uma ciéncia madura, mas seu potencial esta presente nas idéias tedricas que foram elaboradas através destas quatro perspectivas: funcionalista, de conflito, interacionista e utilitarista. Além disso, hé muitas teorias “menores” ligadas a essas quatro e outras propostas mais genéricas, que nos ajudam a entender muitos processos sociais, como veremos. A sociologia, como as demais ciéncias, passa hoje por uma crise provocada pelas transformagoes que esto atingindo o contexto social da vida humana. E uma realidade de mudancas confusas e, as vezes, incontrolaveis, que provocam a alteragao do papel social da mulher, modificam as relacdes de trabalho, fortalecem o sistema capitalista e aumentam a flexibilidade no gerenciamento. A globalizacao une os espacos e varre as distdncias, modificando 0 papel do Estado-Nagao e 0 comportamento das classes sociais. Essa nova ordem social exige o repensar das categorias sociolégicas. Diz Ianni (199714): “Diante das metamorfoses do objeto da sociologia, a teoria logo se vé desafiada, posta em causa no que se refere a conceitos e interpretagdes. Nao se trata apenas de acomodar e reformular conceitos e interpretacdes. Trata-se de repensar alguns fundamentos da propria reflexio socioldgica. Hé metamorfoses do objeto da sociologia que desafiam as categorias de tempo e espaco, micro e macro, holismo e individualismo, sincronia e diacronia, continuidade e descontinuidade, ruptura e transformagdes. Nesse contexto, algumas categorias basicas da reflexo socioldgica abalam-se, parecem declinar ou emergem, desafiando a imaginacao” Para Janni, talvez um dos maiores expoentes da sociologia brasileira, a crise dos paradigmas provocada pela metamorfose das relagGes sociais forca um repensar das andlises e categorias sociol6gicas. METODOS NA SOCIOLOGIA Na ciéncia, os dados no mundo real precisam ser sistematica e cuidadosamente coletados para que os procedimentos possam ser confirmados por alguém. Pois, se nés simplesmente descrevemos alguns dados sem dizer aos outros como e por que esses dados foram coletados, ninguém pode nos checar para ver se os nossos “fatos” so realmente verdadeiros. Assim, na ciéncia uma proposta de procedimento comum —0 método cientifico— direciona a pesquisa, ou a coleta e andlise de informagées sobre o mundo. O método cientifico é freqiientemente percebido quando ha etapas ou passos, mas nao deverfamos nos deixar influenciar demais passando a ver a ciéncia como uma marcha para a verdade e o conhecimento. Melhor, a pratica da ciéncia, ou a pesquisa, cientifica depende simplesmente da conformidade a algumas regras (Babbie, 1992). O primeiro passo é a formulacao de problemas, a problematica da pesquisa, ou 0 que se est tentando descobrir. Isso pode soar dbvio, mas é fundamental porque é preciso delimitar o foco da pesquisa. Caso contrdrio, andaremos em circulo durante a coleta de dados. Na ciéncia, as problematicas de pesquisa sao freqiientemente ditadas por uma teoria e um desejo de ver se a teoria € aceitavel. Na sociologia bem como nas ciéncias mais avangadas, as razdes de uma pesquisa vao além da simples verificagao de teorias. Uma razao para comegar uma pesquisa é simplesmente a curiosidade sobre algum aspecto do mundo. Outra € 0 desejo de um cliente — uma agéncia governamental, uma corpora¢ao, CAPITULO 2: PROPOSTAS TEORICAS £ METODOLDGICAS NA socroLOGIA 25 uma instituicdo de caridade — de obter informagées sobre determinado tema. Ainda outra € que uma pesquisa de carter exploratério revela lacunas em nosso conhecimento, ou estimula novas questSes. Assim, enquanto a visio idealizada da ciéncia veria todaa pesquisa como guiada pela teoria, a realidade 6 bem diferente. Ha muitas outras razGes para se desenvolver uma pesquisa, e 0 método cientifico pode ser facilmente adaptado a elas. Um outro topico importante no desenvolvimento da pesquisa é a questao do que 0 pesquisador espera encontrar. E sempre conveniente formular uma hipétese, a qual pode ser criada a partir de uma teoria, mas nao obrigatoriamente sobre os resultados esperados. Dessa forma, os pesquisadores tém um critério ou padrao com 0 qual confrontar suas descobertas. Sem uma hipétese para orientar a coleta e andlise de dados, ou pelo menos uma vaga idéia sobre o que é provavel de ser encontrado, fica mais dificil centralizar esforgos; de fato, reuniriamos informagées desnecessarias, ou até mesmo irrelevantes em relagio a problematica da pesquisa. Finalmente, depois de expor um problema suas expectativas em relagioa ele, um plano de pesquisa é construido. Esse plano retine 0 conjunto de procedimentos ou técnicas para a coleta de informagées visto que se relaciona com a problematica de pesquisa e hipsteses de alguém. Ha muitos tipos basicos de técnicas, mas todas elas tentam expor claramente como a informacao deve ser coletada. A escolha de uma técnica depende de muitos fatores—a natureza da problematica, a verba disponivel c as preferéncias do pesquisador. Na sociologia, hé quatro tipos basicos de técnicas ou procedimentos empregados na pesquisa: (1) experimentos, (2) levantamentos, (3) observacées; ¢ (4) histérias. Cada um é brevemente resumido a seguir. Experimentos A idéia por tras de um experimento é testar 0 efeito de um fendmeno particular em algum aspecto do mundo social, tipicamente as respostas das pessoas aos estimulos ou situagao especificos. O ingrediente-chave de um experimento é 0 controle das influéncias externas que contaminariam a avaliagao dos pesquisadores dos efeitos dos estimulos centrais de uma situagao. No classico procedimento experimental, isso é conseguido com dois grupos: (1) 0 grupo experimental, o qual recebe o estimulo ou é exposto a uma situacao de interesse; € (2) o grupo de controle, 0 qual nao recebe 0 estimulo ou nao 6 exposto A situagao. As diferencas entre os dois grupos permitem que o investigador determine quanto 0 estimulo ou a situagao afetou os individuos. Esse esquema classico é raramente usado na sociologia, mas 0 objetivo de controlar as influéncias externas ainda orienta a pesquisa. Um procedimento experimental mais tipico na sociologia isola os individuos do mundo externo, e entao observa Suas respostas a um estimulo ou a uma situacao particular de interesse para os investigadores. Isolando temporariamente os individuos, algum controle sobre as influéncias externas é conseguido e torna-se possivel registrar as respostas das pessoas a um estimulo ou situacao, Por exemplo, digamos que queremos examinar os efeitos de colocar individuos numa situacio de poder. Nés isolariamos um grupo de individuos num laboratério, planejariamos uma tarefa para eles executarem, e criariamos uma situagdo em que um individuo tivesse poder. Observando e relatando as respostas, poderiamos examinar os efeitos de ter poder. Assim é @ natureza dos experimentos na sociologia. 26 SOCIOLOGIA ~ CONCEITOS E APLICAGOES Levantamento A técnica de pesquisa mais usual na sociologia sao os levantamentos, em que as pessoas sao indagadas sobre um tema de interesse do pesquisador (Rossi et al., 1985). Essas perguntas podem ser feitas por um entrevistador que se senta com 0 entrevistado ou, mais tipicamente, por um questiondrio que 0 entrevistado simplesmente preenche. A validade dessa técnica depende de alguns fatores. Primeiro, os entrevistados sao a populacdo inteira de interesse ou, mais habitualmente, uma amostra representativa desta populacso? Segundo, todos os entrevistados concordam em responder as perguntas? Terceiro, os entrevistados respondem precisamente as mesmas perguntas? Porém, na pratica, esses trés aspectos sao geralmente dificeis de ser congregados. Pode ser impossivel de perguntar a toda a populacao, ou ela pode ser de dificil acesso. Pode ser dificil de conseguir que todos respondam, porque esto ocupados, desinteressados, esquecidos, ou até mesmo adversos a intromisses em suas vidas. Pode ser que itens de um questionério sejam interpretados diferentemente pelos varios entrevistados, ou, em se tratando de entrevistas, os entrevistadores facam as perguntas num tom diferente ou a “quimica” da interacao entre o entrevistador e o entrevistado produza respostas diferentes. Se as amostras so suficientemente grandes, muitos desses problemas sao eliminados, ou se neutralizam. Contudo, ao ser usada extensivamente, essa técnica revela outros problemas (Cicourel, 1964): ela revela apenas 0 que as pessoas dizem, nao o que elas podem realmente pensar ¢ fazer; estrutura as respostas dos entrevistados em vez de deixar que eles se comuniquem sua maneira; fica facilmente sujeita a mentiras e deturpacdes; nao examina facilmente os fenédmenos que nao podem ser confrontados com perguntas. Os socidlogos, entretanto, empreendem essa técnica, porque é rapidamente administrada e favoravel a aplicacao de estatistica (Collins, 1984; Lieberson, 1985, 1992). Além disso, os socidlogos estio freqiientemente interessados no que as pessoas pensam, sentem e acreditam; e uma entrevista ou questiondrio é uma maneira relativamente facil de conseguir conhecimentos, percepcées, sentimentos e emocoes superficialmente. Observagses As vezes o melhor é deixar os limites do laboratério experimental, desprezar 0 questionario, e sair entre as pessoas em situacdes da vida real e observar o que elas estao realmente fazendo. A técnica das observagées faz exatamente isso (Whyte e Whyte, 1984; Whyte, 1989): ela coloca o pesquisador numa situacao “natural”, na qual ele observa e toma nota do que vé. Nesse caso, nuangas, contexto, interagées, historias e relagdes entre os acontecimentos podem ser descobertos. Uma das técnicas de observacao é a observacio participante, em que o pesquisador realmente se torna um membro do grupo, organizacao ou comunidade que est sendo estudada. Como tal, 0 observador, além de estar sna intimamente envolvido, pode realmente perceber o mundo de uma maneira semelhante quel que observa. Outro tipo de técnica de observagao é a observagao discreta, em que o pesquisacor limitando-se a observar 0 que esta acontecendo. ossiveis na observagao cias que pode causar nao participa diretamente como um membro, limitat ra Esse tipo de procedimento perde um pouco da intimidade e percep¢ao p participante, mas, em contrapartida, diminui a possibilidade de influéns CaPtruto 2: pRopostas reORIGAS E METODOLOGICAS NA SOCIOLOGIA 27 a presenca do pesquisador no desenrolar dos acontecimentos e, conseqiientemente, nos dados coletados para a pesquisa. Freqiientemente, a observacao antecede os levantamentos, porque ela possibilita a formulacao de questdes que sejam compreensiveis para os entrevistados. A grande vantagem da técnica da observacdo é que se est investigando 0 mundo real, nao as construgdes artificiais dos procedimentos experimentais, ou as perguntas de questiondrios e entrevistas (Whyte, 1989). A grande desvantagem, entretanto, é que os pesquisadores podem ver coisas distintas segundo suas subjetividades. Além disso, estudos por observacao dificultam a confirmagao de que ocorre efetivamente o que o pesquisador diz que ocorre, porque o grupo pode se extinguir, ou porque diferentes pesquisadores observam ou estimulam respostas de formas diferentes. Levantamento Histérico As vezes queremos saber 0 que aconteceu no passado. Pode-se, é claro, perguntar as pessoas nas entrevistas sobre seu passado, mas geralmente queremos observar a longos alcances da histéria. E nesse ponto que a historia e a sociologia convergem. Todos os fundadores da sociologia - Spencer, Marx e Weber, em particular ~ usaram a Historia para desenvolver ou ilustrar suas idéias; e em décadas recentes ressurgiu o interesse pelo levantamento hist6rico para verificar e ilustrar teorias, ou para descrever o encadeamento dos acontecimentos nas sociedades passadas. A pesquisa historica pode extrair seus dados da pesquisa prévia de historiadores que investigaram arquivos empoeirados, ou dos dados dos arquedlogos que “escavaram” 0 passado; ¢, em outras épocas, os socidlogos vao eles prdprios aos registros ou ao sitio arqueolégico. A diferenga principal entre a histéria ea sociologia historia é que, na maioria dos casos, a pesquisa sociolégica esta interessada em usar a historia para verificar ou ilustrar uma teoria mais genérica, ao passo que 0 historiador busca apenas descrever 0s fatos de uma época especifica no passado. Embora isso seja uma distingao vaga, captura 0 sentido das diferengas entre a historia easociologia. O grande problema em usar os registros hist6ricos € que eles sempre estao incompletos e sujeitos a diferentes interpretagdes (as quais, é claro, garantem “empregos” aos historiadores); e, como conseqiéncia, a histéria raramente pode fornecer uma “prova” definitiva e conclusiva de uma idéia tedrica. at ; . Uma vez que os dados sao coletados por uma dessas técnicas de pesquisa, eles sao submetidos andlise. O tipo de andlise depende da técnica de pesquisa e da natureza dos dados, mas o objetivo é ser meticuloso, sistemético e imparcial. Da analise virao nossas conclusdes sobre o que descobrimos; ¢, portanto, seria melhor estarmos atentos, pois outros nos tomaro como ponto de partida e, conseqiientemente, verificardo nossas conclus6es. E um passo final no método cientifico 6 avaliar a aceitabilidade da hipstese ou, se hipsteses nso foram oferecidas, indicar 0 que 0s dadios nos informam sobre os fendmenos estudados. 28 SOCIOLOGIA ~ CO) avaliar a aceitabilidade de: Teoria nova ou avaliar a acoitabilidade de: a Lo ¥ Formular uma Formular hipotese —_Cojetar dados of - a Analisar Interesses ; ouidéiasde — _, com técnicas dos cientes —> Problematica —» Pree: or pasa dados ce becrtaee| descobertas conmioae | am colored range ‘aorescemtar a0: a satisfazer os interesses de: Figura 2.1 Elementos do método cientifico. Esses passos podem parecer simples bom senso, mas s4o muito mais: eles nos obrigam a ser sistemdticos, permanecer imparciais (ou pelo menos reduzir nossos preconceitos) € deixar outros saberem 0 que descobrimos e como descobrimos. Sem as ditetrizes do método ientifico, ndo poderiamos acreditar nas descobertas um do outro e nao saberiamos como Verificé-las e reavalié-las. Disso resultaria um conhecimento por “puro acaso” geralmente inexato; e ndo acumularfamos conhecimentos vélidos sobre o mundo, A CIENCIA EXCLUI O HUMANISMO? Meus colegas sociélogos geralmente proclamam que a sociologia é “uma forma de arte “, A idéia genérica é que os socidlogos deveriam parar de aplicar questiondrios impessoais e, em vez disso, entrar em contato com os trabalhos reais das pessoas. Outrossim, deveriamos usar nossa intuigdo tanto quanto nosso intelecto para extrair informacao sobre o mundo. O dever da sociologia de usar idéias conceituais genéricas é defendido, mas sé quando gue sua missdo é diagnosticar as fontes de tensio entre os individues q organizacao social e entdo sugerir possiveis solucdes, Muitos sociglogos profissionais dedicaram-se primeiramente A sociolo; humanitarias. Eles sentiam que certas condigdes sociais estavam erradas ~ Sexual e étnica, a riqueza confrontada com a miséria, infelicidade « alien males sociais ~ e queriam minimizar esses males. Afinal, essa foi certamen gia por razdes discriminagao agao, e outros te a motivacao cartroto 2: prorostas TeoRICAs & MeroDoLOGTEAS Na SoctOLOGiA 29 0 pensamento de um socidlogo. As vezes esta ideologia é explicitamente defendida, mas implicita ou explicita, a maioria dos socidlogos realmente defende opinides sobre “o que estd errado com a sociedade” e uma proposta genérica para “o que deveria ser feito a fim de resolver esses problemas”. E verdade que ao mesmo tempo que somos realistas reconhe- cemos que é impossivel moldar a sociedade & nossa vontade e ardor. Além disso, reconhecemos as tendéncias de nosso pensamento, e tentamos evité-las ao “fazer ciéncia”. De fato, algo geralmente acontece aos socidlogos durante 0 percurso académico, especialmente quando esto a caminho de um doutoramento. De alguma forma, as motivacdes humanistas e o fervor ideolégico recuam cedendo lugar as habilidades técnicas e a0 profissionalismo académico. Uma conseqiiéncia disso é que os estudiosos que permanecem abertamente humanistas e partidérios tendem a ver os experimentos, estatisticas, métodos cientificos imparciais e teoria genérica como o “inimigo” nimero um dos seus conceitos mais praticos. Eles tendem a ver a teoria e os métodos como uma negacao tanto das suas intuicdes nas situacdes estudadas quanto de seu desejo em ajudar as pessoas. Esse abismo aparentemente intransponivel entre a intuigao, por um lado, ea pesquisa, por outro, é desnecessario. Nossas idéias, sentimentos ¢ intttig6es sao fontes maravilhosas de dados sociolégicos. Embora geralmente enfatizemos os problemas metodolégicos de tais dados - preconceitos e julgamentos pessoais, impossibilidade de verificagao empirica, por exemplo -, deveriamos também reconhecer a grande vantagem que eles nos dao sobre 0s cientistas naturais. Visto que somos homens estudando homens e suas estruturas de organizagao social, podemos usar nossa intuicao para obter informacao. Nés geralmente temos profunda intimidade com a nossa matéria numa medida que um geslogo ou um fisico nunca pode ter. Em resumo, nossa intuicao e nosso sentimento podem nos dar uma verdadeira percepcao sobre o que esta acontecendo. Contudo, nao deveriamos ir fundo nessa questao, como muitos socidlogos fazem. Nossa intuicéo pode estar errada, ou apenas parcialmente certa. E se propomos solugdes baseadas em informagoes incorretas ou partidarias (isto é, naquilo que pensamos que deveria ocorrer), podemos, potencialmente, fazer mais mal do que bem. De fato, podemos machucar as pessoas e criar sittagées sociais ainda mais dificeis para aqueles que estamos tentando ajudar. Assim, precisamos qualificar 0 nosso entusiasmo pela intuigao e pela informacao, reunidas ¢ interpretadas a luz de nossas experiéncias reais na esfera social. Nés no deveriamos desprezar essa vantagem intuitiva ou suprimi-la, tampouco deveriamos reprimir nossos interesses humanistas e desejos de ajudar as pessoas e fazer um mundo melhor. Mas precisamos complementar isso. Essa complementagao surge com © reconhecimento de que a ciéncia é 0 que pode mobilizar e canalizar a intuico e os preconceitos ideolégicos com finalidades construtivas. Se queremos exercitar nosso humanismo ~e esse motivo é 0 que faz a maioria de nés se iniciar em sociologia -, precisamos ser habeis ao reunirmos e interpretarmos informagao sobre as situagées que queremos mudar e sobre as pessoas que queremos ajudar. Nés também precisamos entender por que e com as situacées funcionam. E precisamos ser capazes de antecipar as conseqiiéncias de quaisquer mudancas que iniciamos e coletar informagio precisa dessas mudangas. Nos nao podemos confiar na intuigao e em nossas ideologias pessoais nessas questées. Nés precisamos de teoria que tenha contrariado esforcos para contestd-la para nos dizer como e por que as coisas funcionam, e precisamos 30 SOCIOLOGIA - CONCEITOS E APLICAGOES, usar essa teoria determinando o que precisa ser feito para melhorar uma situagio. N6s também precisaremos coletar informagao precisa ¢ analisé-la cuidadosamente para saber exatamente o que existe numa situagiio e exatamente quais sao as conseqiiéncias de nossas agées teoricamente concebidas. Se nao temos teoria, nao temos estrutura para entender e interpretar o mundo social. Dai, nao sabemos o que fizemos ou 0 que esperar. Se nao temos métodos, nao podemos ter confianga em nossas teorias, visto que elas nao foram verificadas empiricamente, e nao podemos saber exatamente o que precisa ser mudado numa dada situacao. Nés podemos usar nossa familiaridade com uma situagao e nossa intuigao criativa para fazer valer teorias importantes e desenvolver formas sistematicas de coletar informacao. Mas nossa intuicéo nao pode substituir a teoria, métodos meticulosamente construfdos e andlise detalhada. Por isso a ciéncia é uma importante ferramenta para aproximar as questdes sociais e os problemas de interesse dos humanistas. SOCIOLOGIA CIENTIFICA E ENGENHARIA SOCIAL Como mencionei no Capitulo 1, 0 fundador da sociologia, Auguste Comte, acreditava que uma ciéncia da sociedade pudesse servir para melhorar uma sociedade. Ele observou que, sea sociologia podia desenvolver e provar leis teéricas como aquelas nas ciéncias fisicas € bioldgicas, seria possivel alcancar um nivel de entendimento sobre a organizacao humana que facilitaria a construgao de novas formas sociais. Assim, Comte viu que a ciéncia e 0 humanismo nao sao opostos: uma vez que haja entendimento de como e por que o mundo social funciona, esse conhecimento pode ser usado para construir um mundo melhor. Em estilos inteiramente diferentes, Karl Marx e Emile Durkheim sentiam da mesma forma. Eles desejavam usar seus conhecimentos conceituais de como o mundo funciona para construir uma sociedade melhor. Palavras como “construir” fazem pensar em engenharia social, em controle social, em um mundo orwelliano do “Big Brother”, em uma sociedade tecnocrata estipida e sem vida. A engenharia é boa, muitos argumentariam, contanto que a utilizemos para construir pontes e estradas. Mas a engenharia livre do conhecimento teérico cria coisas como bombas nucleares e outros artificios potencialmente prejudiciais. Esses “medos” da engenharia sao, € claro, bem fundamentados. Mas poderia ser argumentado que os usos nocivos da engenharia sio 0 resultado da organizacao em formas societarias que os encorajam e sustentam. Se soubéssemos mais a respeito do universo social, seriamos mais bem capacitados para limitar 0 mau uso do conhecimento. Por outro lado, entretanto, usariamos mal o conhecimento da organizacao social para criar coisas ainda mais monstruosas. Essa questao é discutivel. O desenvolvimento da teoria e do uso de métodos de pesquisa vai produzir mais conhecimento sobre o funcionamento do mundo social. Esse conhecimento — até mesmo em seu atual estado bruto — vai ser usado para a engenharia social (Hunt, 1985). Nés chamamos a engenharia social por outros nomes na sociologia — as vezes de pratica sociolégica, em outras ocasides de sociologia clinica e de sociologia aplicada — visto que o titulo “engenharia social” tem conotagdes negativas. Mas deveriamos saber 0 que esses titulos mais positivos significam: so esforcos para se construir certos tipos de relagdes sociais que usam idéias tedricas e descobertas de pesquisa. Como toda cariroto 2: pRopostas TEORICAS & MeTODOLOGICAS Na SOCIOLOGIA 31 engenharia, ela pode ser usada para fins bons e maus — devendo “bom” e “mau”, é claro, ser definidos. Assim, nao deveriamos ver a sociologia cientifica como uma atividade misteriosa e secreta, pois na realidade esta sendo usada para mudar nossas vidas didrias; e é provavel que seja usada ainda mais no futuro. RESUMO 1. Acciéncia é 0 esforco sistematico para compreender 0 universo, partindo de idéias te6ricas que receberam sélido apoio com pesquisas meticulosamente desenvolvidas. 2. A teoria é, definitivamente, 0 veiculo para se entender o universo, e revela duas 3. A teoria na sociologia nao é tao bem desenvolvida como nas ciéncias naturais. caracteristicas distintas: (a) abstragao e generalidade; e (b) experimentacao / empirismo. ‘Acumula-se conhecimento quando as teorias abstratas sao verificadas e confirmadas. Atualmente, quatro perspectivas tedricas genéricas orientam a teoria na sociologi: (a) © funcionalismo, em que o interesse é compreender como os fendmenos sociais funcionam a fim de atender as necessidades do todo social no qual eles estao inseridos; (b) teorias do conflito, em que a énfase est nos efeitos de desigualdades que produzem conflito; () o interacionismo, em que a atengao esta voltada para o uso de gestos na comunicagio face a face e adaptagdes de individuos um para com 0 outro; e (djo utilitarismo, em que a énfase esta no calculo de custos-beneficios na busca dos objetivos. 4, Osdados no mundo empirico sao coletados sistematicamente de acordo com os dogmas do método cientifico. Esses dogmas incluem: (a) estabelecer uma problemética de pesquisa; (b) formular uma hipstese; (c) coletar dados ou promover experimentos, entrevistas e questiondrios, observacées ou levantamento histérico; (d) analisar os dados; e (e) tirar conclusdes com respeito a validade da teoria, pesquisa exploratéria, ou interesses particulares de um cliente. 5. Os julgamentos preconcebidos quando os homens estudam os homens também permite a ciéncia social uma vantagem: temos uma familiaridade intuitiva com nossos objetos de estudo. O actimulo de conhecimento sociolégico seré usado para construire reconstruir as relacées sociais. Tais esforgos nao sao obrigatoriamente anti umanistas; na verdade, eles podem ser feitos em nome do humanismo. Daj, a ciéncia e 0 humanismo ndo serem, por definigao, contraditérios.

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