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A evolucao do sistema educacional articula-se, sobretu- do, com a histéria da divisio do trabalho na sociedade, demarcada pela distingao entre formacao para o trabalho sim- TRABALHO, EDUCACAO E jsp noe emen SINDICALISMO NO BRASIL educagdo e sindicalismo no Brasil aborda a coexisténcia de pro- Anes jetos educacionais de naturezas distintas evidenciados na politica educacional brasileira, especialmente no campo sin- dical. Tomando como referéncia histérica a crise atual do I, 0 autor analisa fontes primérias de centrais sindicais, do pais ¢ a bibliografia sobre trabalho, educagio e sindica- lismo. O resultado é uma revisdo teérica da relagic trabalho, educagdo e politica, a partir da qual desenvolve uma anélise das concepgdes € propostas educacionais defendidas pela CUT e Forca Sindical, ressaltando suas contradicbes, seus limites e suas possibilidades. José dos Santos Souza José dos Santos Souza TRABALHO, EDUCACAO E SINDICALISMO NO BRASIL ah) See | x EEO) ea) MO Dados Internacionais de Catalogago na Publicagéo (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Souza, José dos Santos, ‘Trabalho, educayao ¢ sindivalismy no Brasil: anos 90/ Jose dos ‘Santos Souza. Campinas, SP: Autores Asociados, 2002. (Colecéo educacdo contemporanea) Bibliografia, ISBN 85-7496-040-3, 1, Educagao ¢ Estado - Brasil 2, Sindicalismo~ Brasil 3. Trabalho ¢ classes trabalhadoras ~ Aspectos sociais - Brasil 4, Trabalho classes trabalhadoras ~ Educagéo ~ Brasil 1. Titulo. Il. Série 01-6545 Indices para catalogo sistematico cpp - 370.981 1, Brasil: Educacdo e trabalho 370.981 Impresso no Brasil ~ abril de 2002 Copyright © 2002 by Faltora Autores Associados 4e 1907 18 Biblioteca Nacional conforme Deereto nt 1.825, de 20 de dezembro INenhuma parte da pubilcacio paders ser reproducia ou transmit de qualquer modo ou por qualquer melo, sea eletonico, mecanico, de ftacdpla, de gravagao. oo outros, sem previa atstorieagso por escrito da Editora, O Codigo Penal brasileira Aetermina, no artigo 184 “Dos erimes contra proprledade intelectual Pena ~detengdo de ts meses a um ano, ou mula 1 Se a violagdo consistir na reprodupio, por qualquer meio, de obr intelectual, no todo ou em parte, para fins de comércio, xem euitrisagi expresta do autor ou de quetn 6 eee eee gram €videograrna, vem aulorieagao de Sees eames anes ee SUMARIO PrerAcio [APRESENTACAO Intropucao A Trapi¢ho EXcLUDENTE Da EDUCAGAO BRASILEIRA Cairuco Um ‘TRaBALHO, EpucacAo # Pottrica Na SocizpabE De CLass 1. 0 trabalho segundo a ética do capital ~ trabatho alienado 2. A organizacao social do trabalho na sociedade de classes 3. Estado e sociedade civil na sociedade de classes 4. Papel das politicas sociais e da educagao na sociedade de classes 5. A disputa capital x trabalho na concepeao e na politica de formacdo da classe trabalhadora 6. Projeto pedagégico da ética do trabalho: a escola unitaria 15 18 24 33 49 59 59 CAPiTULO*UM TRABALHO, EDUCAGAO E POLITICA NA SOCIEDADE DE CLASSES ‘ste capitulo visa analisar algumas questdes tedricas funda- mentais para a compreensio dos diferentes discursos acerca da formagao ¢ requalificacao profissional que emergiram no seio da eiedade brasileira nos anos 90. Para tal empreendimento, tomou- ‘Se como referéncia teérico-metodolégica a concepgao da formacéo do trabathador a partir da praxis material em Marx (1970, 1990 1994; Marx & Enorts, 1972 ¢ 1989) como categoria analiitica basica € seus pressupostos; sdo cles: 1) 0 trabalho como categoria central € determinante do processo histérico; 2) 0 trabalho como possibili- “dade de emancipacao e desenvolvimento das potencialidades hu- ¢ 3) a possibilidade de superacdo da alienagae do trabalho ravés da construgao de uma nova hegemonia fundada na cons- itizagao de classe e na luta pela superagao das relagées social produgao capitalista. Em principio, devemos considerar que, ao tratarmos de forma- Para o trabalho, inevitavelmente estaremos estabelecendo uma terface entre trabalho e educacéo. Essa interface permeara, por- ito, 0 desenvolvimento de nossa anélise acerca da disputa poli- ‘no campo da formagao profissional evidenciada na realidade rasileira, mais claramente a partir dos anos 90. Nosso ponto de partida é a constatacao de que as transform: 'S Por que passa hoje o mundo do trabalho em escala mundial 16 TRABALHO, EDUCACAO E SINDICALISMO NO BRASIL nao so um fato histdrico especifico deste. O proprio conceito de trabalho tem sofrido reformulagées importantes no decorrer da his~ téria do capitalismo, ¢ tais reformulagdes séo a expressio da dis- puta capital e trabalho pela hegemonia da sociedade. Por isso, par- timos da consideracao de que o trabalho como atividade humana nem sempre foi concebido ou valorizado da mesma maneira, de modo que eeu contedde © oua forma tém variado no decorrer do tempo, de acordo com o avango das forcas produtivas ¢ a correla~ Gio de forgas na sociedade civil. Porém, a rio da sua concepgdo, tem se apresentado invaridvel no decorrer do processo histérico, até os dias de hoje, independente de tod: transformagées do mundo da produgao nos iltimos 30 anos!, (0 que constitui a especificidade do processo de trabalho no sistema de produgdo e reprodugao capitalista nio é a utilizagao da forga de trabalho para a produgao de valor de uso, mas sim a uti- lizagao da propria forca de trabalho ¢ demais mereadorias para a produgao de valor, obtida através da apropriagilo do trabalho ex- cedente ~ a mais-valia. De acordo com Marx (1994, p. 209), 0 pro- cesso de trabalho, quando ocorre como processo de consumo da forga de trabalho pelo capitalista, apresenta dois fenomenos carac~ teristicos: 0 controle do capital sobre o trabalho ¢ « racionalizacao do processo de produgio, Como nossa sociedade enti entruturada sob 0 modo de produgio capitalista, onsen dois fendmenos consti- tuem elementos decisivos na forma dominante de conceber ¢ ad- ministrar a educagio da classe traballiado Portanto, a andlise das diferentes concepydes & propostas de formacdo ¢ qualificagio profissional em dispilta Na arena politica da sociedade brasileira nesten aitimon ands HAG pode deixar de considerar o trabalho na sus euNéneli, OM Refi, enquanto utiliza edo da forca de trabalho , por eonwe_uiii®, © trabalhador, como ‘valor uni Me Feat ve Alay a Tate JCAGAO E POLITICA NA SOCIEDADE DE CLASSES 1. forca de trabatho em acdo ou, até mesmo, em potencial. Tal concep 80 fundamenta-se na afirmacao de Marx (idem, p. 202)? de que t utilizagdo da forga de trabalho para a produgao de valor de uso devt ser considerada & parte de qualquer estrutura social determinada haja vista que em qualquer ordem social, seja comunista ou capi talista, a utilizaao da forca de trabalho para a produgao de mer cadorias seria indiapensavel & propria social trés observacées importantes: a) existe um forte contetido ideol6- gico em torno das diferentes concepcdes de trabalho presentes né sociedade de classes; b) a concepgao do trabalho na perspectiva de sociedade de classes mascara a apropriagao privada do trabalhc excedente ¢ @ extracdo da mais-valia; e c) as diferentes concepedet educacionais estio articuladas as diferentes concepgdes de orga: nizagdo das forgas produtivas presentes na sociedade de classe. Nesse sentido, para uma methor compreensao do desenvolvi mento de nossa andllise, serdo utilizadas as categorias tica do tra batho, para identificar as concepgées ¢ propostas de formagao € qualificacdo profissional vinculadas a utilizagdo da forca de traba- Iho para a producao de valor de uso, e dtica do capital, para identi- ficar as concepgdes ¢ propostas vinculadas & utilizacao da forca de trabalho para a produgao de mais-valia. Desse modo, pretende-se desenvolver um referencial adequado & compreensao da dinamica do tratamento dado a questao educacional pelos diferentes suj tos sociais. Assim fundamentadas as duas formas de conceber o trabalho em disputa em nossa sociedade, torna-se possivel apreender as implicagoes dessas duas concep¢des para a relagao trabalho/edu- dade. Dai devorrer cagio, determinante para a compreensde do confronto entre poli 2. Note-se que, diante da definiedo de trabalho em Marx, amplia-se o conceito de trabalhador, on saja: ee trabathador¢“forga de trabalho tim aede*, ser distin Gao entre aga intelectual e agao manual, entdo trabathador®é tanto forea de frabalho simples em ago quante forpa de trabalho complexo em aao. Assim, tanto aqucle que executa o trabalho manual quanto aquele que exccutao tra: bbalho intelectual € trabalhador. Tal observagao faz-ee necessiria devido & ten- éncia corrente no movimento sindical da classe trabalhadora, especialmente za militincia de esquerda radical, de utilizar ease conceito para referit se as ‘camadas populares do conjunto dos trabalhadores, 118._TRABALHO, EDUCACAO E SINDICALISMO NO BRASIL valéncia e politecnia enquanto materializacdo do processo de dis- puta entre classes pela hegemonia no campo educacional. Para isso, € fundamental primeiramente diferenciar a concepgio do trabalho segundo a ética do trabalho e segundo a ética do capital, e seu des dobramento na dinamica da condensagao de forgas politicas no Ambito do Estado, materializado na implementacao de politicas: sociais, especialmente de educagdo. Somente a partir dessa dife- renciagdo faz sentido falar de uma disputa de projetos politicos de formagao e qualificacéo profissional, ou seja, de uma politica edu- cacional no contexto da reestruturagao do trabalho da sociabili- dade neste fim de século. 1. TRABALHO SEGUNDO A OTICA DO CAPITAL ~ TRABALHO ALIENADO © trabalho, segundo Marx (1994, pp. 201-210), € 0 proceso pelo qual o homem interage com a natureza, a fim de apropriar-se de seus recursos, para a garantia de seu bem-estar fisico e espiri- tual. Impulsionando, regulando ¢ controlando seu intercambio material com a natureza, 0 homem Ihe da forma util, na medida em que desenvolve as potencialidades nela adormecidas ¢ submete ao seu dominio os recursos naturais disponiveis, utilizando-os de for- ma racional para a realizacdo de fins determinados. Desse modo, 0 homem transcende de seu estado natural ~ enquanto elemento indissociado da propria natureza — para a condicao de sujeito da sua prépria existencia. E ¢ exatamente nesse processo de transcen- déncia que o ser humano se distingue dos outros animais. Confor- me diz o proprio Marx, Nao ce trata aqui das formas i nimais, de trabalho. Quando o trabalhador chega ao mercado para vender sua forca de trabalho, é imensa a dist digo e a do homem primitivo com sua forma ainda instintiva de trabalho. Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente huma- nna, Uma aranha executa operagdes semelhantes as do teceldo, ¢ a cia histérica que medeia entre sua con- abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas TRABALHO, EDUCAGAO E FOLINCA NA SOCIEDADE DECLASSES 19 0 que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura nna mente sua construcéo antes de formé-la em realidade, No fim do processo de trabalho aparece um resultado que jé existia antes Idealmente na imaginagao do trabalhador. Ele néo transforma ape ‘nas tum material sobre o qual opera; ele imprime ao material 0 pro- Jeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei de- terminante do seu modo de operar ao qual tem de subordinar sua vontade. £ essa subordinagdo nao é um ato fortulto. Além do es: forgo dos érgios que trabalham, ¢ mister a vontade adequada que ‘se manifesta através da atenco durante todo 0 curso do trabalho. B isto é tanto m necessirio quanto menos se sinta o trabalha- dor atraido pelo conteuide ¢ pelo método de execucdo da sua tarefa, que Ihe oferece por isso menos possibilidade de fruir da aplicagéo das suas proprias forcas fisicas e espirituais [Marx, 1994, p, 202) © trabalho, assim concebido, ¢ algo mais que mera reprodu- a0 mecanica da vida humana. Ele incorpora um elemento de von- tade que o converte em atividade livre ¢, de maneira geral, na base de toda a liberdade. Somente quando modifica seu contexto 0 ser humano pode considerar-se livre. © homem, portanto, constitui-se humano a partir do seu pr6- prio dominio sobre a natureza. Ao relacionar-se com a natureza, 0 faz como ser diferenciado dela, que a domina, adaptando-a aos seus interesses. £ através de sua acdo sobre a natureza que o homem se constitui sujeito e essencialmente constitui sua prépria nature- za diferenciada dos outros animais —a natureza humana. Na me- dida em que se constitui sujeito no processo de dominio da natu- reza, 0 homem nega-se enquanto objeto. A burguesia, entretanto, inaugura um modo de producdo ¢ organizacao da sociedade no qual 0 homem ¢ considerado possui- dor de uma mercadoria ~ a forca de trabalho ~ e, como tal, livre para garantir a qualidade da sua sobrevivéncia de acorde com 0 seu mérito pessoal. Tal consideracao carrega consigo um forte contet- do ideolégico que omite a natureza desumana desse modo de pro- dugao e organizacao da sociedade, em que o homem é utilizado como recurso, ou melhor, como mercadoria necesséria para a producao de valor. Vejamos, entdo, como se da esse proceso. 20 TRABALHO, EDUCACKO E SINDICALISMO NO BRASIL Quando se utiliza 0 homem como recurso, situagio na qual 0 ser humano no ¢ tratado como tal, mas como simples parte indi- ferenciada da natureza, ele retorna a sua condi¢ao de animal, retorna a sua condicao de objeto do mundo natural. O trabalho, nessas condigées, perde seu sentido de satisfagdio das necessida- des ¢ torna-se um meio para satisfazer outras necessidades exter- nas aquele que trabalha. Desse modo, o trabalho ja nao lhe pertence mais, ¢ sim a outra pessoa; o produto do seu trabalho jé no é para satisfazer suas necessidades, mas necessidades de outros. O tra- balhador nao se pertence mais, deixa de constituir-se sujeito no pro- cesso de trabalho para constituir-se objeto. Aliena-se. B na medi- da em que se aliena, retorna a sua condicdo indissociada da natureza. Animaliza-se. Seu trabalho assim concebido € trabalho alienado. 0 trabalho alienado, entao, tem suas origens no momento em que o trabalhador comega a ser destituide dos meios de produgao © passa a produzir para outro. No Primeiro manuserito econdmico e filoséfico, Marx (1970, pp. 89-102) procura desvendar a natureza desse tipo de trabalho a partir da andlise da origem da propriedade privada. 0 autor parte da critica de que a economia politica concebe a propriedade priva- da como materializacao do trabalho, ocorrida através de formulas abstratas ¢ gerais, sem a compreensao de como estas formulas ‘surgem e sem explicar a base para a distingao entre trabalho e capital, entre capital ¢ terra. Para Marx, na apropriagdo privada dos meios de producdo, 0 trabalho passa a produzir a si mesmo eo trabalhador torna-se uma mercadoria na mesma propor¢ao em que produz bens. Desse modo, © objeto produzido pelo trabalho, o seu produto, opde-se ao ser que produs como forca independente € a ele externa, Nas palavras de Marx, © produto do trabalho é trabalho incorporado em um objeto e con- vertido em coisa fisica; esse produto € uma objetiicagao do trabs Iho. A execucdo é simultaneamente sua objetificagio. A execucéo do trabalho aparece na eafera da Economia Politica como uma per versdo do trabalhador, a objetificacao como uma perdae uma ser: TRABALHO, EDUCACAO E POLITICA NA SOCIEDADE DE CLASSES _2 vidddo ante 0 objeto, ¢ a apropriag pp. 90-91 ~ grifos do autor} 10 como alienagao [Marx, 1970, Nessas condigées, o proprio trabalho transforma-se em um objeto que o homem s6 pode adquirir com tremendo esforgo e com interrupcoes imprevisiveis, de tal modo que o trabalhador se per: verte até o ponto de passar fome; quanto mais objetos produz menos pode possuir ¢ mais dominado ¢ pelo seu produto, © capi- tal, 0 trabalho, assim, assume existéncia externa ao trabalhador, fora dele mesmo ¢ estranho « ele. © produto do trabalho, na forma de mercadoria, constitui uma forga auténoma que se opde ao set ue produz: “A vida que ele deu ao objeto volta-se contra ele come uma forca estranha € hostil” (Marx, 1970, p. 91) Para Marx, portanto, 0 que constitui a alienagdo do trabalho ¢, primeiramente, 0 fato de o trabalho externo ao trabalhador nao fa. zer parte de sua natureza e, por conseguinte, 0 fato de 0 trabalha- dor nao se realizar em seu trabalho, mas negara si mesmo enquanto sujeito: © que constitui a alienagio do trabalho? Primeiramente, ser 0 trabalho externo ao trabalhador, néo fazer parte de sua natureza, ©, Por conseguinte, ele ni se realizar em seu trabalho mas negar ‘si mesmo, ter um sentimento de sofrimento em vez de bem-estar, do desenvolver livremente suas energias mentais € sas mas ficar fisicamente exausto mentalmente deprimido, O trabalhador, por- tanto, 86 se sente a vontade em seu tempo de folga, enquanto no trabatho se sente contrafeito. Seu trabalho néo é voluntario, porém imposto, ¢ trabatho forcado. Ble nao ¢ a satisfacéo de uma necessi- dade, mas apenas um meio para satisfazer outras necessidades, Sett ‘carater allenado e claramente atestado pelo fato de, logo que nao hhaja compulsdo fisica ou outra qualquer, ser evitado como uma Praga. O trabalho exteriorizado, trabalho em que o homem s¢ al ha a si mesmo, é um trabalho de sacri io préprio, de mortifica- a0. Por fim, 0 cardter exterisrizado do trabalho para o trabalha. dor € demonstrado por nao se-o trabalho dele mesmo mas trabalho ara outrem, por no trabalho ele nao se pertencer @ si mesmo mas sim a outra pessoa {idem, p. 93 ~ grifo do autor} 22 TRABALHO, EDUCACAO E SINDICALISMO NO BRASIL © trabalho alienado, portanto, aliena a natureza do homem na medida em que aliena o ser humano de si mesmo, de sua propria fungao ativa, de sua atividade vital, aliena-o da propria espécie. Ele transforma a vida da espécie em uma forma de vida individual € posteriormente a concebe como uma abstracdo, em um fim da vida individual em sua forma abstrata e alienada (Maex, 1970, p. 95). Segundo Marx, o animal identifica-se com sua atividade vital. Ele nao distingue a atividade de si mesmo. Ele ¢ sua atividade. 0 homem, porém, faz de sua atividade vital um objeto de sua vonta- dee consciéncia e nao uma prescrigao com a qual esteja plenamente identificado. A atividade vital consciente distingue o ser humano da atividade vital dos animais: s6 por esta razdo ele é um ente-espé- cie, um ser autoconsciente, isto é, sua propria vida é um objeto para ele, porque ele é um ente-espécie. $6 por isso a sua atividade € ati- vidade livre. © trabalho alienado inverte essa relago, pois o homem, sendo ser autoconsciente, faz de sua atividade vital, de seu proprio ser, unicamente um meio para sua existéncia (idem, p. 96). Se por um lado 0s animais s6 produzem para si mesmos, 0 homem, por outro, reproduz toda a natureza, Os frutos da produ- cdo animal pertencem diretamente a seus corpos fisicos, a0 passo que o homem ¢ livre ante seu produto. Os animais sé constroem de acordo com os padrées e necessidades da espécie a que pertencem, enquanto o homem sabe produzir de acordo com os padroes de to- das as espécies ¢ como aplicar 0 padrdo adequado ao objeto. As: sim, 0 homem constr6i também em conformidade com as leis do belo. Assim como o trabalho alienado transforma a atividade ¢ dirigida pelo proprio individuo em um meio, também transforma a vida do homem como membro da espécie em um meio de existen- cia fisica (idem, pp. 96-97). ‘Outro aspecto ainda levantado por Marx é que a partir da alie- nagao do trabalho, a partir da alienagao humana, ¢ acima de tudo a alienagdo da relacdo do homem consigo proprio, a relacdo de tra- balho alienado é pela primeira vez concretizada e manifestada na relacdo entre cada homem e os demais homens. Assim, na relac&o do trabalho alienado, cada homem encara os demais de acordo com os padrées e relacdes em que se encontra situado como trabalha- dor (idem, p. 97). TRABALHO, EDUCAGAO E POLITICA NA SOCIEDADE DE CLASSES _23 Por fim, para concluir a natureza 80 do trabalho, Marx observa que: implicagoes da aliena- O ser estranho a quem pertencem 0 trabalho © o produto deste, ‘quem 0 trabalho é devotado, e para cuja fruigao se destina 0 pro- duto do trabalho, 6 pode ser 0 préprio homem. Se © produto do trabalho nao pertence ao trabalhador, mas o enfrenta como uma {orca estranha, isso s6 pode acontecer porque pertence a um outro hhomem que nio o trabalhador. Se sua atividade ¢ para ele um tor- mento, ela deve ser uma fonte de satisfacéo © prazer para outro. Nao os deuses nem a natureza, mas s6 0 préprio homem pode ser essa forca estranha acima dos homens idem, p. 98). A partir da formulagao de Marx acerca do trabalho alienado, concluimos que a propriedade privada é 0 produto, o resultado ne- cessario do trabalho alienado, da relagdo externa do trabalhador com a natureza e consigo mesmo: Esti claro que extraimos 0 conceito de trabalho alienado [vida jenada] da Economia Politica, partindo de uma andlise do movi mento da propriedade privada, A anslise deste conceito, porém, ‘mostra que, embora a propriedade privada parega ser a base ¢ 4 causa do trabalho alienado, é antes uma conseqdéncia dele, tal € qual os deuses ni io fundamentalmente a causa mas o produto de confusdes da razto humana. Numa etapa posterior, entretanto, hha uma influéncia reciproca (Marx, 1970, p. 99 - grifos do autor} Portanto, 0 trabalho segundo a “ética do capital” é uma ativi- dade produtiva voltada nao para a realizacéo humana enquanto valor coletivo, mas para a realizagao da mais-valia, enquanto valor fapropriado de forma privada. Por isso uma atividade produtiva alienada c alienante, na medida em que sua organizagao pressu- poe determinado modo de regulagdo das relagdes de produgao de ‘acordo com a légica da apropriagao privada do trabalho excedente, fruto do trabalho alienado. {_ TRABALHO, EDUCAGAO E SINDICALISMO NO BRASIL . A ORGANIZAGAO SOCIAL DO TRABALHO NA SOCIEDADE DE CLASSES Conforme vimos até aqui, o presente trabalho parte do princi io marxista de que o capitalismo ¢ um sistema que visa a organi- ago das forcas produtivas para a producdo de valor de uso e con- idera o processo de produgao capitalista um processo de producao e valor que se auto-expande, no qual o valor gera mais valor. A par- , faz-se necessirio, tomando como referén- ia a contribuigao tedrica do Brighton Labour Process Group (1991, p. 15-43), evidenciar 0 que aqui ¢ compreendido como a especifi- ir dessa compreen: idade do capitalismo ~a mais-valia: ‘Bm toda sociedade tem que haver processos de trabalho, mas a valorizacio é um proceso eapecifico do capitalismo, Isto significa que o capitalismo é um sistema gocial no qual uma dada quantide de de trabalho abstrato socialmente necessério [valor] tem a pro priedade de ser capaz de ativar e socializar mais tempo de trabalho criar valor extra, excedente [Briciox, 1991, p. 16} ainda, € Mas para que tal valorizacdo ocorra, 0 capital necesita exer ser a coerc&o para subordinar o trabalhador a seus objetivos de jalorizagao: Entretanto, para que ocorra a generalizagio dessas relagdes eco- nomicas de produgdo e sua reproduce ampliada, devem também ser desenvolvidas as relagdes de produgao dentro da producao. Essas tiltimas fo constituidas pelos varios aspectos do controle do ieta de proceso de trabalho pelo capital. Para que 0 modo capi producao seja heyenidnico, o capital deve eotabelecer sus propria forma especifica de controle sobre o trabalho dentro da produgo, ceapecificas de coergto [idem, p. 17] into é, deve desenvolver forms Portanto, ‘A.unidade do proceso de valorizagao e do processo de trabalho na sta nfo deve ser entendida simplesmente em ter- "TRABALHO, EDUCACAO E POLITICA NA SOCIEDADE DECIASSES 25, mos de exploracio, A exploracdo exige controle suficiente sobre a ‘quantidade de trat Iho realizado e sobre a extensio da jornada de Iho, a fim de garantir que os trabalhadores produzam um va- lor maior que o valor de sua forga de trabalho [BwioitTox, 1991, p. 18] A partir dessas consideragées, 0 que neste trabalho ¢ entendi- do por proceso de trabalho capitalista é unidade entre os pro- cessos de valorizacdo © processo de trabalho real, sob a adequa- da base de uma forma especifica de organizagao social do trabalho, Assim, ¢ possivel distinguir duas categorias decorrentes dessa or- ganizacao social do trabalho: a de subordinagao formal e a de su- bordinacdo real. Vejamos, entao, 0 que se compreende por subor- dinagao formal, Quando o processo de trabalho é subordinado apenas formalmen- 1, hd produgao de mais-valia e sua apropriacao, mas as condigdes objetivas e subjetivas do trabalhador #80 de molde a for necer uma base material pat a resistencia continua & imposicao da valorizagao como 0 objetivo exclusive do processo de producao, © controle real da producdo nao esta ainda firn smente nas maos Go capital. Existe ainda uma relagio entre o trabalhador e as con: digdes de trabaiho no interior da producao que dao a0 trabalhador ‘um certo grau de controle ¢, portanto, um instrumento com o qual pode fazer valer seus objetivos de classe que podem, naturalmen- te, ser diferentes daqueles do trabalhador proletario plenamente desenvolvido do modo capitalista madure de producao lidem, p. 19]. Portanto, a subordinagao formal do trabalho ao capital é aqui entendida como a forma de subordinagdo baseada na exploracao extensiva, na extragae de mais-valia soluta, ou seja, uma orga- nizagao especificamente capitalista das formas sociais de compulsso ‘econdmica. JA por subordinagao real compreende-se que: Uma vez que a producdo é agora coletiva, em grande es Ine b seada na maquinaria, o capital pode apropriar para si préprio to- das as funcbes de especificacdo, organizacto e controle, e executa- CEE 26 TRABALHO, E SINDICALISMO NO BRASIL "TRABALIIO, EDUCAGAO E POLITICA NA SOCIEDADE DE CLASSES _27 independentemente do trabalhador. Pode assim impor seus ob- Se antes, na subordinagao formal, o capital tinha apenas po- Mer econdmico, na subordinagdo real o capital tem, além do poder ‘econdmico, o poder técnico: jetivos sobre o processo de trabalho de uma forma tal que o trab: Thador, mesmo quando colocado novamente em associag&o com ‘condigdes de trabalho, o faz numa relagao antaginica. Naturalmen- te, esta relacdo entre capital e trabalho nao ¢ estatica, mas é cons- © capital controla este processo porque pode reunir todo 0 co- tantemente reproduzida sob novas condieées. f um terreno da luta inhecimento e todas os materiais alojados na maquinaria, conhe: de classes constantemente renovada. A dominacio do capital é re- ‘mento e materiais que foram também eles desenvolvidos sob a égide produzida porque o capital tem tanto © poder quanto a necessidi ‘do capital e dos quais os trabathadores estdo inteiramente separa- de de revolucionar constantemente as forgas de produgao [Brtonrow, dos [Bricwron, 1991, p. 26) 1991, p. 25] E 0 poder coercitivo: [A subordinacao real do trabalho ao capital ¢ a forma que se baseia na exploragdo intensiva, na extragéo de mais-valia rclativa ‘A maquinaria transforma no apenas 0 trabalho de cada traba- compreendendo uma organizacéo especificamente capitalista das thador individual, mas também sua articulagao como um sistema. formas sociais de produgao € reproducéo, na qual ha a separacao ‘Além disso, o poder do capital é representado no apenas pelo seu real entre capital constante e capital varidvel, entre trabathador ¢ poder para fazer valer a disciplina de trabalho exigida para manter condigées de trabalho; na qual a organizacdo subjetiva do traba- aaquele sistema de maquinas operando de forma eficiente [do ponto thador coletivo é substituida pela organizacdo objetiva. de vista do capital]. A subordinagao real ¢ uma questio tanto do Partindo da tese de que “a organizagao hierarquica do traba- tipo de instrumentos de trabalho que séo empregados quanto do tipo Iho foi imposta sobre o trabalhador nao por inovagdes tecnol6gicas social que ¢ imposta ao trabathador, « efetivacio do (como é sustentado pela maioria dos historiadores burgueses da poder do capital sob a forma da disciplina fabri fidem, ibidem|. ‘Revolugéo Industrial’, mas pelo capital e sua necessidade de acu- mulagdo", entende-se que a exploragao intensiva da forca de tra. Partindo dessas consideragées, 0 processo de trabalho capita- balho tem suas raizes na combinagto entre exploragao extensiva ¢ lista é aqui definido da seguinte forma: relacdo de produgdo urbano-industriais, ou seja, a subordinagao ‘ real tem suas raizes no préprio limite da subordinagao formal, Assim, 0 processo de trabalho capitalista ¢ aquela forma especi- mediante as exigéncias colocadas pela maquinofatura ao alcance fica de trabalhador coletivo baseada na maquinofatura na qual © dos objetivos de valorizagao do capital. | capital, tendo © monopélio do conhecimento ¢ do poder sobre as relagies entre o trabalhador ¢ os meios de produgdo, usa este po- ‘A.anilise de Marx é no sentido de que a subordinagdo formal der, eata dominagio real, a fim de fazer valer 0 objetivo da valori resultou, entre outras coisas, num aumento da intensidade do zagao [idem, p. 27] trabalho, Assim, mesmo que néo houvesse nenhuma diminuigao na, quantidade absoluta do trabalho concreto necessério para a produ- f considerada, entdo, a existéncia de pelo menos trés niicleos 40 de uma dada mercadoria, havia, nao obstante, uma diminu de invariabilidade? no processo de produgao € reproducao capita- ‘cao na quantidade da forga de trabalho que tinha que ser compra- | daa fim de que essa mercadoria fosse produzida {idem, p. 21] J Chamo aqui de “nacieos de invariabilidade” as leis imanentes ao processo de RP ere ee Oe ectecan gececair® 28 TRABALHO, EDUCAGAO E SINDICALISNO NO BRASIL ista, ou seja, leis imanentes ao processo de trabalho capitalista, independente do patamar de desenvolvimento das forcas produti- vas. A primeira delas seria a divisdo entre trabalho intelectual ¢ trabalho manual. Trata-se da divisdo entre concepgao ¢ execugio do trabalho, que constitui um aspecto do monopélio do conhecimen- to e do poder do capital de projetar sistemas de producao. O essen- cial dessa lei & que: [..1 do ponto de vista da teoria do processo de trabalho capitalis 4 diviso importante é aquela entre os que produzem ou aplicam conhecimento cientifico e tecnolégico no projeto de sistemas de produgio ¢ na resolugdo cotidiana dos problemas envolvides na operagao do sistema e aqueles cuja relagio com o sistema de pro- ducéo ¢ caleulada, padronizada e especificada previamente pelo ‘capital, cam o objetivo de produsir um produto que seja previamente conhecido com precisio [Briciox, 1991, p. 33) ‘A segunda seria o controle hierarquico imanente ao proceso de trabalho capitalista, no qual a disciplina é essencial, de forma que o capital possa alocar tarefas, impor velocidades ¢ intensifica- ‘gdes, punir a ma qualidade etc. “O que é essencial @ hierarquiza- cdo capitalista é que é o capital que, ao final das contas, da as re- gras no interior do proceso de trabalho” (idem, p. 34) E a terceira consiste num ponto polémico, no qual ha discor- dancia por parte do referencial tedrico adotado no presente traba- Iho. De acordo com 0 Brighton Labour Process Group, a terceira lei imanente do processo de desenvolvimento do capital seria a frag- mentacao/desqualificagao do trabalho: [A desqualificagdo € inerente ao processo de trabalho eapitalista porque o capital deve visar ter fungdes de trabalho que sejam roti- bora modifiquem sua dindmica, a forma de se terlalizar, de acordo com o patamar de desenvolvimento das fereas predut vas. Noutras palavras, chamo de "nicleos de invariabilidade” aquelas caracte Flsticas que 0 processo de produgao capitalista conserva em seu processo historico: Bste termo nao ¢ utilizado pelos autores. Uso-o apenas para coinci dir com o termo utilizada em meu projeto de pesquisa produ de valor de uso ~ TRABALHO, BDUCAGAO & POLITICA NA SOCIEDADE DE CLASSES 29 nas calculéveis, padronizéveis, porque este trabalho deve ser exe- ccutado & velocidade maxima e com minimo de “porosidade’ e por: que 0 capital quer forca de trabalho que seja barata ¢ facilmente substitulvel [p. 35). Contudo, discordando nesse ultimo aspecto das proposicées do Brighton Labour Process Group, entendemos que a tese da desqua- lificagao ¢ fragmentacao do trabalho baseia-se num equivoco me- todoldgico que é conceber a aplicagao da ciéncia e da tecnologia em atividades diretamente produtivas como 0 elemento determinante da desqualificagao do trabalho e de sua fragmentacao. Vejamos 0 que diz o Brighton Labour Process Group a esse respeito: 56 no cérebro de um académico burgués pode a tarefa “enrique- ida” de operacdes rotineis 1s de montagem, tendo lugar dentro da rigorosa rede de controle capitalista, ser considera. 4a como representando a emergéncia de uma nova ordem na qual © trabalho, nao mais alienado, torna-se livre e humano, Uma vez mais, na realidade, « automagdo aumenta a subordinaedo real do trabatho ao capita! |p. 36 ~ grifo nosso). Ora, 0 que determina a subordinagao real do trabalho ae capi- tal ndo é, de forma alguma, o uso diretamente produtivo da ciéncia € da tecnologia. © que determina a subordinacao real do trabalha- dor ao capital ¢ a forma de organizagao das forcas produtivas e de regulacio das relagées de producdo fundadas na apropriagdo pri- vada do trabalho excedente, requisito essencial para a extracao de ‘mais-valia, gerador de valor de uso, caracteristica principal do pro- cesso de trabalho capitalista. Tanto é assim que o uso diretamente produtivo da ciéncia ¢ da tecnologia em outro tipo de organizagéo social de producdo, que nao seja fundado na apropriagdo privada do trabalho excedente, pode vir a ser fundamental para a garantia da qualidade de vida da populagao, em geral, e do operario, em particular, de modo que faz sentido falar de uso diferenciado da ciéncia © da tecnologia nos processos de trabalho, de acordo com a hatureza desse proceso (Marx, 1994, pp. 201 € ss.) .90_ TRABALHO, EDUCAGKO E SINDICALISMO NO BRASIL as Por nao considerar a utilizagao da ciéncia ¢ da tecnologia en- ‘quanto fator de produtividade no processo de trabalho para a pro- dugao de valor de uso, 0 Brighton Labour Process Group incorre no ‘equivoce de classificar a ampliagao da maquinofaturae das mudan- gas no processo de trabalho (tanto em relacdo a sua base técnica quanto em relacao @ aplicayau du controle) como inerente a0 pro- cesso de trabalho capitalista, desconsiderando outras possibilida- des de organizacao social do trabalho alternativas @ ordem bur- guesa: Nossa tese geral com respeito a esaas mudancas é que elas de fato tem ocorrido dentro dos limites conceptualizados na teoria do processo de trabalho capitalista, & proporgéo que cada ver mais processos vém cada vez mais perfeitamente a exemplificar seu c ter capitalista, Elas tém-se constituldo numa ampliagao da ma ‘quinofatura capitalista e, portanto, da real subordinagao do traba- tho ao capital [P- 371. Partindo desses pressupostes, obviamente, a tese da desqui lificagdo e fragmentacao do trabalho ganha sentido, mas lanca por terra 0 proprio quadro teérico-metodoldgico no qual busca se sus- tentar, na medida em que atribui ao uso diretamente produtivo da ciéncia da tecnologia o carater de fator de subordinacao real do trabalho ao capital. Na realidade, este fator ¢ 0 modo de utilizagao da forca de trabalho para produgao de valor de troca em patamar cientifico e tecnologico mais elevado, que, em outras circunstancias, poderia ser utilizada para a produgdo de valor de uso. ‘Ao contrario do Brighton Labour Process Group, Neves anali- sa 0 avango cientifico e tecnolégico da organizacao do trabalho no mundo contemporaneo tomando como referencia duas ordens dis- tintas e concomitantes de contradigées fundamentais, inerentes a0 modo capitalista de produgao, intensificadas neste fim de séeulo: ‘a) a contradicdo entre a socializacdo crescente do trabalho ¢ a apro- priacdo individual e privada dos frutos do trabalho social; b) a con- tradigdo crescente entre a socializagao da participagao politica e a apropriagao privada ou individual dos aparclhos de poder. A parti dessas contradigées, a autora faz a seguinte observacao acerca do IE POLITICA NA SOCIEDADE DE CLASSES 31 proceso de desenvolvimento cientifico ¢ tecnolégico do proceso de produgdo capitalista: ‘A complexificagao da divisao social do trabalho exige, pois, ndo 86 a expansio da escolaridade minima para além do nivel funda- mental de ensino, mas também a multiplicacdo de campos de sa- ber a serem aprofundados. Multiplicam-se conseqilentemente os centros de pesquisa e de difusao cientifica, smpliando sua abran- géncia para um conjunto maior da populacdo. A escola socializa- se, progressivamente, redefinindo ao mesmo tempo suas fungdes tradicionais ideologicas e socializadoras, passando a ter como fina lidade principal a formacéo técnica e comportamental de um novo tipo humano capaz de decifrar os novos cédigos culturais de uma civilizagao técnico-cientifiea [Neves, 1994, p. 20}. E, por fim, conclui que, no contexto do desenvolvimento do capitalismo no mundo contemporaneo, 0 avanco do patamar cien- tifico ¢ tecnolégico da organizacao do trabalho, materializado de modo crescente nas praticas sociais diretamente produtivas ¢ na correlacdo de forcas politicas no ambito do Estado, ¢ acompanha- do pelo aumento concomitante da demanda por ampliagao das ati- vidades educacionais: Nese contexto, exige-se a organizagdo de um sistema educaci nal unit rio que possa preparar, desde o pré-escolar até os niveis mais elevados da hierarquia escolar, homens capazes de difundir e produzir 0 conhecimento cientifico e tecnolégico necessério @ nova relagao social do trabalho. £ inerente, pois, a organizacdo cientifica do trabatho a socializacdo progressiva da escola. Dai porque a uni- versalizacio das oportunidades educacionais estende-se aos graus intermediirios de ensino, enquanto diversificam-se 0s campos e r ‘mos do saber, associando-se a eles uma multiplicidade de centr: de pesquisa cientifica e tecnolégica [idem, pp. 20-21 ~ grifo nosso). Assim, ao redefinir 0 papel da escola no mundo contempora- neo, direcionando-a para a formacdo técnica ¢ comportamental de tum novo tipo de homem que atenda aos requisitos necessarios as 32 _TRABALHIO, EDUCAGAO E SINDICALISMO NO BRASIL exigéncias de crescente racionalizagao do trabalho e das relagdes sociais de producao, 0 modo de produgdo capitalista comporta, enquanto lei a ele imanente, 0 avanco do patamar cientifico ¢ tec- nolégico da formagao do conjunto da forca de trabalho. Tal discordancia pontual com o texto do Brighton Labour Process Group nao significa que exista qualquer proximidade de ‘nossa parte com as tescs da revolucdo cientifica e teenoldgica’, Ao contrario, nesse ponto ha concordancia com o Brighton Labour Process Group quando afirmam que essa tese {J tende a ver a fase tradicional e sua preparagao pat ‘nismo no em termos de luta de classes, mas em termos do desen- ‘volvimento autonome gradual das “forcas de producao” fentendidas ‘como tecnologial ¢, ainda mais estreitamente, em termos do desen- volvimento da automacao. Esta € uma visio totalmente despoliti- zada do desenvolvimento social, uma visdo claramente distinta da ‘dos chineses, por exemplo fidem, p. 38} E, da mesma forma, rejeita-se também a tese da sociedade pos- industrial que afirma que, como resultado de desenvolvimentos tecnolégicos, estamos entrando numa nova era, uma era que sera pés-industrial e que é caracterizada pela desaparicéo da alienagao do trabalho, na qual o trabalho sera caracterizado por uma maior qualificagao e autonomia do trabalhador, pela predominancia de habilidades cognitivas, de diagndstico © de supervisdo ¢ nao por habilidades manuais. Utilizando-nos das palavras de Neves, demar- camos que: Nossa posicao é a de que o motor da historia nao é nem um de- senvolvimento autonome das forcas de produgdo nem 0 desenvol- vimento da “tecnologia”, mas a luta de classes, e de que, no que |. “Beta tose afirma ou supde que ha um desenvolvimento ‘auténomo! das forcas ‘de produgao que entram cm conflito com a exploragao capitalista dentro da pré- prin produgdo: e que essas forgas de producdo desenvolvidas (processos Rltomatizados, trebalnadores teenicamente qualifieados) so a efetivagao Embrioniea © antecipada de processos socialistas de produgso. Bla se apoia ciao Imtcrpretaphe teenicista das ‘orgas de produclo™ (Neves, 1994, p. 37) “TRABALHO, EDUCAGAO E POLITICA NA SOCIEDADE DECLASSES 93, concerne ao processo de trabalho, esta Iuta tem lugar no que & ¢s- sencialmente o mesmo e preciso terreno analisade por Marx, o da maquinofatura capitalista (Neves, 1994, p. 39} Por fim, ¢ oportuno ressaltar a idéia de “niicleos de invariabili dade” apresentada anteriormente em nota de rodapé, e incorpora- da ao trabalho, tomando a seguinte tese como referéncia: Nossa tese 6 a de que nao tém havide mudangas nas tendéncias imanentes do processo de trabalho capitalista, além das analisa- das por Marx. 0 que tem mudado, sob formas complexas ¢ ainda do anal , so as milli las formas assumidas por essas ten- déncias: as mudangas na técnica material, na estrutura organiza- cional, n localizagao espacial etc., que historicamente tem ocorri- do como produtos da [e intervengSes na) luta de classes que é seu determinante final idem, p. 42) 3. ESTADO E SOCIEDADE CIVIL NA SOCIEDADE DE CLASSES © Manifesto comunista® evidencia-nos que 0 desenvolvimento das relagdes sociais de produgao capitalista se distingue pela sim- 5, Nowso objedivo aul e wpontar alguns dos princh Imuinisin que consubstanciam 08 fundamentos pe uta da classe trabalhadora em busca de pistaa para uma elaboragao tedrica que contribua para a compreensso do processo de constituigae do eperariado fem classe hoje. Nesse intento,talvez estejamos mais preocupados com os mé ‘tos do: Manifesto do que com seus limites, evo néo significa que os negligen iamos, Estamos cientes de acordo com muitas das criticasfeitas ao texto de Marx Engels, Praticamente todas elas ~ digo as serias ~conluem para s pon: deragao de suns previedes acerea do destino inexoravel da burguesia e do ope rariado. Do mesmo modo, confluem para a necessidade de contextualizagao da leitura do Manifesto. Arrisearia acreditar que as eriticas levantadas no campo dda caquerda ao Manifesto poderiam ser sinteizadas nas seguintes palavras: “Se devidamente contextualizado e lide com seriedade, o texto de 1848 compensa 34 TRABALHO, EDUCAGAO E SINDICALISMO NO BRASIL _ _ plificagao das contradigdes de classe, na medida em que a socie- dade vai se dividindo, cada vez mais, em dois grandes campos inj- migos, em duas grandes classes, que se enfrentam diretamente: a burguesia e o proletariado (Marx & Exceis, 1972, p. 52). (© Manifesto visualiza de imediato a natureza conflituosa da ordem social fundada pelo capital. Trata-se da incessante comogao de todas as condicdes sociais, uma inquietude e um movimento constantes que distinguem @ época burguesa de todas as épocas anteriores. A constante revalucao da maquinaria e das relagées de producao so a condicao fundamental para o desenvolvimento do capital. E com esse proceso de revolugao constante, revolucionam- se, também, todas as relagées sociais. Embora no Manifesto Marx estivesse mais atento ao processo revolucionério desencadeado pela burguesia no século XIX, ele acaba evidenciando uma das premis- sas do desenvolvimento do capital: 0 desenvolvimento do industria lismo e da democracia (idem, p. 55). Nesse processo de revolugao constante, o Manifesto ja aponta carater internacionalista do capital, certamente estabelecendo principio fundamental do que hoje alguns chamam de “globaliza- 40" ou de *mundializacdo” do capital, pois no Manifesto fica claro que 0 constante processo de aperfeigoamento dos instrumentos de producéo 0 constante progresso dos meios de comunicagao séo (os meios pelos quais a burguesia arrasta todas as nagées, desde as mais atrasadas, para a logica da ordem capitalista, fazendo-os, capitular aos preceitos das leis de mercado, ou seja, “forja um ‘mundo a sua imagem e semelhanca” (idem, p. 57) Mas certamente 0 mérito do Manifesto é evidenciar para a classe trabalhadora as contradigdes internas da ordem burguesa, O cons- tante proceso revolucionario das forcas produtivas ¢ das relagdes de produgao findam wma condicso tal que as forcas produtivas nunca sao suficientes para o desenvolvimento da ordem social bur- Tolgadamente suas fraquezaa. Até mesmo por i889, tornou-se muito mais do que Manifesto de um programa politia, convertendo-se num libelo emancipador de largo folego, eapaz de emocionar por seu estile pungente e indignado. Balizande a refiexao da exquerda nos mais diversos paises, acabarla colocado ‘20 imaginario mesmo do mando contemporaneo” (NoavstRA, 2000, p. 3}. TRABALHO, EDUCAGAO E POLITICA NA SOCIEDADE DECLASSES _35 guesa, constituindo sempre um obstdculo para seu desenvolvimen- to. Assim, poderiamos afirmar que o desenvolvimento do capital é uma constante superacdo/condicionamento das forcas produtivas, © que precipita uma condicao de ordenamento/desordenamento de toda a sociedade burguesa, ameagando permanentemente a exis- tencia da propriedade privada. Como aponta Marx, as relacdes burguesas resultam demasiado estreitas para conter as riquezas criadas em seu seio (idem, p. 59) A partir dessa tese do Manifesto, poderiamos compreender a ordem capitalista como um processo de produgao e reprodugao da Sociedade no qual a prépria reprodugdo pressupde, paradoxalmen- te, um processo de conservacdo e de ruptura, articulados dialeti- camente. As mudancas ocorridas no sistema social de produg&o capitalista durante esse processo contraditério constituem, contra ditoriamente, sua base de conservacdo, bem como sua condigdo de reprodugao. Para compreendermos a dinamica desse processo, no entanto, € necessario que reconhecamos que o sistema de produ- 40 € reprodugao do capital é um proceso historico e, como tal, um Proceso em transformagéo, com rupturas ou crises, A ruptura na ordem de continuidade do sistema capitalista produz-se no contexto dos conflitos de classe (interclasse ¢ intraclasse), ou seja, a ruptu- Ta na ordem de continuidade do sistema de produgao e reprodu- ¢80 do capital ¢ produzida no contexto das crises de um determi- nado patamar de desenvolvimento das forgas produtivas ¢ das Felagdes de producdo. Embora nao obedeca necessariamente uma Telacdo direta e predeterminada, essa ruptura expressa-se em uma determinada configuragao do conflito de classe. A crise, portanto, é de fundamental importancia para a repro- dugao do sistema capitalista, pois nela sao geradas a reestrutura- go da producao e das relacoes 0 di ociais neceasérias A sua prépria existéncia, bem como a redefinicao das praticas sociopoliticas de manutencdo do poder. A propria crise pode ser, ao mesmo tempo, elemento de destruigao e de construgao do proprio capital. Os pe. Fiodos de crise, podemos afirmar, sao necessérios para que se pro- duzam as rupturas necessarias para a continuidade do sistema de relagdes sociais de producao do capital. Ademais, as crises expressam os limites de um determinado 36 _TRARALLO, EDUCAGAO E SINDICALISMO NO BRASH periodo de desenvolvimento do capital que se caracteriza por uma particular regulacdo da vida institucional e por uma particular re- gulacéo da vida cultural, econémica, politica etc.; seria o que a Escola da Regulacao chama de regime de acumulagdo, mas que Gramsci vai melhor caracterizar como bloco histérico. Verifiquemos, entdo, a estrutura € a superestrutura do bloco historico que formam 0 conjunto complexo - dialético ¢, por isso, contraditério e discordante - entre o homem e a matéria, ou seja, entre a natureza ¢ a forca material de producdo. Pois bem, vista separada e didaticamente, a estrutura é a unidade econdmica per- tencente ao reino da necessidade e consiste numa simbiose entre forga produtiva e relacao de producdo; essa estrutura manifesta- se como uma forca ultra-real, egoista, passional e exterior, que sub- juga ¢ procura assimilar 0 homem como sua parte indissocidvel, haja vista que a ideologia permeia toda a estrutura tornando-se sua expressao e modificando-se, conforme a prépria estrutura. Em ou- tras palavras, a estrutura é 0 conjunto das condigdes econdmicas, historicas ¢ objetivas do que foi e que ainda subsiste como proces- so de reprodugao material (GRasci, 1989a, p. 52) Jé a superestrutura é a unidade politico-ideolégica, pertencente ao reino da liberdade e que congrega duas esferas essenciais: a so- ciedade civil, que é a maior parte da superestrutura, e a sociedade politica, que agrupa o aparelho de Estado. A superestrutura é sub- jetiva, elaborativa e operante, Portanto, é na superestrutura que os homens tomam consciéncia da sua condicao social ¢ é ali que en- contram as condigées objetivas, ideologicas € materiais para supe- ragdo ¢/ou manutenc&o desta ordem. Em sintese, a superestrutu. ra é 0 instrumento utilizado pelo homem para criar e/ou conservar a forma ético-politica do Estado (idem, ibidem). Se no Manifesto comunista Marx afirma que a constitui¢ao do operariado em classe se da exatamente no contexto do desenvolvi- mento da ordem burguesa, Gramsci completa essa idéia afirman- do que é na superestrutura que 0 operariado toma consciéncia das contradigdes dessa ordem social ¢ é nela que ele encontra as con- digdes objetivas e subjetivas para materializar seu potencial revo- luciondrio. Portanto, se a estrutura é 0 conjunto formado pelas for- cas produtivas e relages de producao, a superestrutura é, em TRABALHO, EDUCAGAO DADE DE CLASSES 37 liltima analise, a consciéncia dessas relagdes de produgao em de- terminado patamar de desenvolvimento das forgas produtivas. Outra consideragio importante que poderiamos ainda apreen: der do Manifesto é a de que na ordem burgucsa o conflite é incxo ravel. © processo de acumulagao gera conflito entre as duas forgas politicas: a classe detentora dos meios de produgdo e a classe as- salariada. Trata-se do conflito classico entre burguesia e proleta- riado. Esse conflito ocorre tanto entre as classes quanto no interior delas, ou seja, 0 conflito perpassa a sociedade capitalista horizon- tal e verticalmente ‘Tais elementos apreendidos na leitura do Manifesto permitem- nos afirmar que, hoje, no bojo das transformarées do modo de pro- dugo ¢ reprodugao do capital, vivenciamos transformagées signi ficativas no campo das relacdes entre capital, trabalho e Estado, geradas pelas mudancas histricas na material-zagao do conflito que permeia as relagdes da ordem social burguesa. Hoje, o regime de acumulacao em que o modelo de desenvolvimento capitalista do pés- guerra se baseava esta mergulhado em profunda crise ~ desde 0 inicio dos anos 70 e o capital vem procurando recompor suas bases de acumulacdo num contexto de avange do patamar cientifi- co e tecnolégico no mundo do trabalho e de maior socializacao da politica no nivel mundial. No entanto, so as relacdes de poder condensadas no ambito do Estado® que vao definir 0 sentido des- sas mudangas nesse “novo” bloco historico, ‘Mas Marx questiona-se no Manifesto: como a burguesia vence esta crise? Para ele, por um lado a burguesia ¢ obrigada a destruir forcas produtivas, ¢ por outro é obrigada a conquistar sempre no- vos mercados ¢ intensificar sua exploragdo nos mercados antigos. 6. Estado aqui no sentido gramsctano, concabido “come uma continua formagao cc superacan de equiibrios instaveis (no ambito da li) entre os interesses do fgrups fundamental e 3 interesses dos grupos subordinados:equilbrios em que Os interesses do grupo dominante prevalecem ate um determinad ponto, e* huindo o interesse econdmico:corporativo estreito" e, anda, coneiderando que “na nogdo geral de Estado entram slementos que tambem so comuns & nogao de socledade civil (neste sentido, poter-te-ia dizer que Estado = sociedade po- litica + sociedade civil isto €, hegemonia revestida de coerqao)" (Geant, 19890, pp. 50 ¢ 149, respectivamente}. ,EDUCAGAO E SINDICALISNO NO BRAS Mas isso 86 é possivel preparando crises mais extensas e mais vio- lentas, diminuindo cada vez mais os meios de preveni-las. No Ma- nifesto, Marx aponta que “as armas de que se serviu a burguesia para derrubar o feudalismo se voltam agora contra ela prépria”. Dai sua tese de que a burguesia caminha para sua destruigdo, que seus dias estdo contados (Marx & Ecets, 1972, p. 59). Resta-nos ainda outro ponto do Manifesto que merece uma atencao mais pontual, Trata-se do desenvolvimento do proletaria- do, da constituigao do proletariado em classe. Marx é categérico em afirmar que o proletariado se desenvolve na mesma proporgéo em que se desenvolve a burguesia, ou seja, a constituicdo da ordem burguesa pressupoe a constitui¢ao do operariado em classe (idem, p. 60). O que Marx ja previa ¢ que @ historia tem nos evidenciado é que o desenvolvimento da maquinaria e da gestdo do trabalho, num aspecto, subtrai do operario todo 0 seu cai fazer-Ihe perder todo 0 atrativo pelo trabalho, converte-o em sim- ples apéndice da maquina, de modo que seu trabalho significa para cle apenas um meio de subsisténcia’. Mas em outro aspecto, esse proceso 86 é possivel através da insergao cada vez maior da cién- cia e da tecnologia no proceso produtivo e do acirramento do con- flito de classes, condigdes basicas para a complexificagao das rela- goes de poder na sociedade, que obrigam a burguesia a se utilizar cada vez mais de mecanismos de persuasdo em detrimento da coer- do para a manutengao de seu poder econdmico ¢ politico. Cabe agora questionar onde se identificariam af as condigdes objetivas e subjetivas para a constituicso do operariado em classe, ter substantive e, ao pois retomando 0 Manifesto, verificamos que 0 capital, para seu proprio desenvolvimento, pressupée a radicalizacao do conflito de classe, O verdadeiro resultado dessas lutas nao é o éxito imediato, mas a unido cada vez maior dos trabalhadores, a constituicéo do proletariado em classe. Essa unio € favorecida pelo proprio desen- volvimento da maquinaria e da maior socializacao do poder inerente as tentativas da burguesia para mediar o conflito de classe (idem, 7. Ease processo esta mais bem caracterizado nos “Manuscritos econémicose f- looficos” de 1864 (ver Manx, 1994, pp. 201-210 e 1970). TRABALMO, EDUCACAO E POLITICA NA SOCIEDADE DE-CLASSES _39 . 63). Esse proceso nao se da sendo através da ocorréncia de mu- dancas significativas na sociedade de classe, tanto no Ambito da produgao quanto no ambito das relacdes de poder. No que tenge ao ambito da producdo, tais mudangas substan- ciam-se na redefinicao da natureza do processo de acumulagao de capital, que passa a ter seu dinamismo assegurado pelo aumento da produtividade social do trabalho, fundamentado na mudanga da composicao organica do capital ¢ na substituigao da exploragao extensiva do trabalho pela sua explorago intensiva, por meio da extracdo da mais-valia relativa. E, ainda, tais mudangas configu- raram-se na introdugao de antagonismos estruturais entre as di- ferentes concepgdes de organizagao produtiva contidas no interior da classe burguesa, devido @ coexisténcia conflitiva de formas dis- tintas de extragéo de mais-valia e de exploracdo ¢ entre varios ca- pitais singulares ¢ o capital em seu conjunto, em decorréncia do aumento da queda tendencial da taxa global de lucro. Concomitantemente, no Ambito politico-ideolégico, o emprego crescente do capital constante na producao, a concentragao © a centralizacdo de capitais, a ampliagao dos mercados e até mesmo a internacionalizacao da produgdo acabam por introduzir também novos antagonismos entre capital e trabalho. De um lado, a classe trabalhadora vé-se obrigada a ampliar os espagos coletivos de de- fesa de seus interesses; de outro, a classe dominante vé-se obrig: da a reagir redefinindo seus espagos de participagdo politica — as- sim como os dos estratos médios da sociedade. E essas mudangas na relagdo cepital/trabalho tém provocado uma crescente comple- xificagdo das relages entre as classes e no interior das classes sociais, exigindo do Estado tanto uma intervengéo mais direta na valorizacdo do capital quanto a adogdo cada vez maior da media- 40 politica como estratégia privilegiada de dominagao através de suas politicas publicas, Vejamos o que Marx afirma no Manifesto La burguesia vive en lucha permanente: al principio, contra la aristocracia; después, contra aquellas fracciones de la misma burguesia, cuyos intereses entran en contradiccién con los progre- 308 de Ia industria, y siempre, en fin, contra la burguesia de todos 40 TRABALHO, EDUCACAO E SINDICALISMO NO BRASIL los demas paises. En todas estas luchas se ve forsada a apelar al proletariado, a reclamar su ayuda y a arrastrarle asi al movimiento politico, De tal manera, a burguesia proporciona a los proletarios los elementos de su propia educactén, es decir, armas contra ella misma [Manx & Exati.s, 1972, p. 64), Dai resulta a contradigao fundamental que se consubstancia no contexto da constituigao do operariado em classe. No empenho da burguesia em se apropriar da ciéncia e da tecnologia para o aumento da produtividade do trabalho industrial, paradoxalmen- te, ela é obrigada a abrir espacos para o desenvolvimento do ope- rariado, tanto no aspecto de maior qualificagao do trabalho para lidar de forma eficiente com os mecanismos de aplicagéo da cién- cia e da tecnologia em processos produtivos, quanto na fundacdo de uma conformagao ético-politica das camadas subalternas no sistema de relagdes sociais fundadas pelo desenvolvimento da ma- quinaria. Em outras palavras, as acdes revoluciondrias da burgue- sia no Ambito da produgdo pressupdem acdes revolucionarias nas relagdes de poder da sociabilidade industrial, Por isso a exigéncia técnico-cientifica subjacente & necessidade de valorizagao do capital por parte da burguesia nao deve ser con- siderada isoladamente do ponto de vista dos interesses da classe trabalhadora, pois a Histéria nos mostrou que a organizagao cien- tifiea do trabalho, tal como vivenciada no desenvolvimento do taylorismo ¢ fordismo, vai se materializando de forma crescente nas praticas sociais diretamente produtivas, bem como nas superestru- turas juridico-politicas e ideoldgicas, conforme previa Gramsci (1989) em Americanismo e fordismo. Tais consideracoes permitem- nos também afirmar a existéncia do que denominaremos "bindmio industrialismo/democracia”, ou seja, @ unidade emanada da rela- ‘¢40 entre o processo de avanco da maquinofatura e das relacdes de producao ¢ 0 processo de socializacao da politica verificada no pro- cesso de desenvolvimento do capital’. 8, Tal unidade tem seus fundamentos em Marx (Manx & Enosts, 1972), foi desen- volvida por Gramsci (19890) em “Americanismo e fordisma” e posteriormente “TRABALHO, EDUCAGAO E POLITICA NA SOCIEDADE DE-CLASSES_ 47 A partir dessa premissa, ¢ possivel conceber a constituicao do operariado em classe enquanto uma acdo humana de carater téc- nico-politico inerente ao processo de ampliagdo da maquinaria e da democracia no contexto de desenvolvimento do capital. Com outras palavras, poderiamos afirmar que a constituigo do operariado em classe ¢ uma pedagogia inerente ao préprio desenvolvimento do capital no mundo contemporaneo, uma pratica social de cardter pedagégico determinada pelo binémio industrialismo/democracia. Vejamos 0 que diz 0 Manifesto: ‘Ademas, como acabamos de ver, el progreso de la industria pre cipita a las flas del proletariado a capas enteras de la clase domi- nante, 0, al menos, las amenaza en sus condiciones de existencia, ‘También ellas aportan al proletariado numerosos elementos de educacion [Marx & Encrts, 1972, p. 64]. Ao concebermos a constituigdo do operariado em classe en- ‘quanto conseqiéncia da incorporacao da ciéncia ¢ da tecnologia ao processo produtivo ¢ das mudangas no padrao de sociabilidade humana, torna-se evidente o crescente estreitamento entre ciéncia e trabalho, entre ciéncia e vida, entre teoria e pratica, entre traba- Iho € educagdo no processo de industrializagao do capitalismo. Tal fato vem se evidenciando através do notério crescimento da deman- da social por formagao e qualificacao da forca de trabalho por par- te de diferentes segmentos da sociedade civil, fundada num novo tipo de homem, num novo tipo de sociabilidade humana e num novo tipo de escola, mais adequados ao avanco do patamar cientifico e tecnologico das forcas produtivas ¢ das relacées de producdo, ex- Pressas em um novo tipo de relacao capital/trabalho na disputa pela hegemonia da sociedade. A-ceste respeito, em um artigo publicade junto com varios ou- tros que discutiam Manifesto comunista de Marx, Boito Jr. chama- nos a atencdo justamente para o aspecto que estamos discutindo: Neves (1994; 1997a) a aplica & analise do desenvolvimento dos sistemas edu- cacionais no mundo contemporaneo, conforme veremos com maior detalhainento 42 _TRABALHO, EDUCAGAO E SINDICALISMO NO BRASIL (© Manifesto nos mostra que o desenvolvimento da maquinaria e dda grande industria fortalece a classe burguesa, faz crescer 0 pro- letariado e arruina o artesanato e a pequena burguesia tradicional, De outra lado, a luta de classes interfere nas earacteristicas e no ritmo de erescimento das forgas produtivas. Esse é um aspecto que tem passado mais despercebido na leitura do Manifesto [Borro Ja., 1998, p. 115}, Nesse alerta, o autor procura ressaltar exatamente o fato de que a luta de classe “envolve tanto aspectos objetivos, de ordem econd- mica e politica, quanto aspectos subjetivos, de ordem politica ¢ ideo- logica” (Borro Jz., 1998, p. 115). Sua argumentacao demonstra que [uJ no Manifesto ha uma reflexdo sobre as condigdes necessarias para que a classe dominada do modo de producao capitalista, o proletariado, possa organizar-se como uma forga social auténoma em torno de um programa comunista © possa se apresentar como forca dirigente da revolugao" (idem, p. 116). Segundo o autor, esse € 0 processo de “constituicdo do proletariado em classe” ou “desen- volvimento do proletariado”, seguindo a designagao de Marx ¢ Engels, Nesse aspecto, o autor demarca um elemento significative da tese contida no Manifesto, que consiste na percepcéio de que essas duas expressdes sugerem, de um lado, 0 pressuposto da existén- cia objetiva do proletariado e, de outro, o pressuposto de que seu desenvolvimento ou constituigao em classe nao é um simples refle- x0, no plano politico e ideolégico, daquilo que ja estaria dado no plano econdmico. Dai sua avaliacao de que a leitura correta do Manifesto seria uma leitura leninista, na medida em que o Manifesto distingue a luta pelo poder de Estado da luta sindical reivindicativa, bem como atribui a luta politica da burguesia (interclasse € intraclasse) um papel decisive nu constiluigae de proletuiade em classe. Com base em Lénin, 0 autor afirma que a luta da classe dominante pela manutengao de seu poder econdmico e politico “pode educar politicamente a classe operaria e criar uma crise politica que possibilite a conquista do poder pelo proletariado” (Borro Jr., 1998, P. 117), mas também que “o proletariado aproveita as divisoes in- ternas da burguesia para obrigé-la ao reconhecimento legal de cer “TRABALHO, EDUCAGAO F POLITICA NA SOCIEDADE: ASSES 43 tos interesses dos trabalhadores, obtendo reformas do capitalismo em seu favor (idem, p. 125). No primsiro aspecto poderiamos concordar com a observagao de Boito Jr., pois realmente 0 proprio Manifesto assim diz: Esta organizacién del proletariade en classe y, por tanto, en. partido politico, es sin cesar socavada por la competencia entre los. propios obreros. Pero surge de nuevo, y siempre més fuerte, mas firme, mas potente, Aprovecha las disensiones intestinas de los burgueses para obligarles a reconocer por la ley algunos intereses. de la clase obrera; por ejemplo, la ley de la jornada de diez horas cen Inglaterra [Manx & Enox.s, 1972, p. 60] Mas considerando um outro aspecto de sua argumentacao, deparamo-nos com © que para nés constitui um problema. Trata- se de sua afirmativa de que a leitura leninista do Manifesto seria a ‘mais correta, Ousamos aqui pensar que talvez nao seja. Vemos que, embora nesse artigo Boito Jr. tenha percebido muito bem a ques- tao do binémio industrialismo/democracia ja apontado pelo Mani- {festo, ele ainda o faz nos limites da consideragao de que a estrutu- ra ea superestrutura, de um lado, ¢ a sociedade civil ¢ 0 Estado, de outro, formam uma antitese dialética, na qual a sociedade civil domina o Estado, a estrutura domina a superestrutura, prevalecen- do assim o dominio das relagdes econdmicas na anélise do desen- volvimento do capital. Essa compreensdo acaba por extrair o que ha de mais atual no Manifesto: os fundamentos para a compreen- so do coneaito de hegemonia. ‘Ao contrario dessa concepcao, compreendemos que a socieda- de civil nao pertence ao momento estrutural, mas ao superestru- tural. Nesse sentido, a sociedade civil, enquanto complexo das re- lagoes sdeolégicas ¢ culturais e expressao politica dessas relayoes, 60 fator chave na compreensdo do desenvolvimento capitalista ¢ nao ‘as relagdes de producao, como de certo modo sugere a interpreta- cao de Boito Jr. ao basear-se na leitura leninista do Manifesto. Se, ao contrario do que sugere 0 autor, ao lermos 0 Manifesto considerarmos a contribuicéo de Gramsci (ver Gramsci, 1989a, 1989} ¢ Poutanrzas, 1985) para a compreensao do Estado ¢ da so- 44 _TRABALMO, EDUCAGAO B SINDICALISMO NO BRASIL ciedade civil na sociedade de classes, ¢ inevitavel a recusa de uma concepeao da relagio entre o Estado e a sociedade civil na qual esta altima é vista como semelhante as relagées de produgéo ¢ antitese do Estado, de modo que a sociedade civil domina o Estado ¢ a es- trutura domina a superestrutura. Com base na contribuigao de Gramsci, entendemos ser fundamental refutar qualquer subordi nagao do Estado a sociedade civil ou mesmo a consideracdo de que € cla quem define e estabelece a organizasao c os objetivos do Es- tado, de acordo com as relagdes materiais de produgac num deter- minado bloco histérico, Acerca dessa distingao, corretamente Carnoy registra que’ Para Marx e Gramsci, a sociedade civil & o fator chave na com- preensio do desenvolvimento capit dade civil é estrutura [relagdes de produglo}. Para Gramsci, ao con- jsta, mas para Marx a socie~ trdrio, ela é auperestrutura, que representa o fator ative positive ino desenvolvimento histérico; é © complexo das relacdes ideoldgi- cas e culturais, a vida espiritual ¢ intelectual, ¢ a expresso politi ca dessas relagdes torna-se o centro da andlise, ¢ ndo a estrutura [Cansor, 1994, p. 93] Nesse sentido, Gramsci (1989b, p. 87) concebe o Estado como © conjunto de atividades praticas e tedricas com as quais a classe dirigente justifica e mantém nao s6 0 seu dominio, mas consegue obter 0 consentimento ative dos governados ~ através da hegemo- nia. Gramsci propde a divisao do Estado em duas esferas: a socie- dade politica, na qual se concentra o poder repressivo da classe 4 rigente (governo, tribunais, exército, policia ete.) e a sociedade civil, constituida pelas instituigdes privadas (Igreja, escolas, sindicatos, clubes, meios de comunicacao de massa), na qual se busca obter 0 consentimento dos subalternos através da difusao de uma ideolo- gia unificadora, destinada a funcionar como ‘cimento” da formacao social © conceito de hegemonia, sem duvida, foi a grande contribui- ‘ao de Gramsci para o entendimento da relacdo entre o Estado ea sociedade civil na sociedade de classes, fundamental para desen- volver o que Marx ja apontava no Manifesto ¢ que Boito Jr. percebe ‘TRABALMO, EDUCAGAO E POLITICA NA SOCIEDADE DE-CLASSES _ 45 ¢ ressalta, demarcando sua atualidade, ou seja, o fato de que a constituigao do operariado em classe se da no contexto de sua luta contra a burguesia, & que a partir da nogdo de hegemonia pode- mos explicar 0 consentimento, ja constatado no Manifesto, de que gozam as relagdes sociais de produsao capitalista entre as massas trabalhadoras: ‘Si los obreros forman en masas compactas, esta accién no es tadavia In consecuencia de su propia unidad, sino de a unidad de la ‘burguesia, que para aleanzar ¢us propios fines politicos debe y por ‘ahora atin puede ~ poner en movimiento a todo el proletariado, Du- rante esta etapa, los proletarios no combaten, por tanto, contra sus propios enemigos, sino contra los enemigos de sus enemigos, es decir, contra los vestigios de Ia monarquia absoluta, | propietarios territoriales, los burgueses no industriales y los pequenos burgue- ses. Tado el movimiento histérieo ge concentra, de esta suerte, en ‘manos de la burguesia; cada victoria alcanzada en estas condiciones es tna victoria de la burguesia [Manx & Bxonts, 1972, p. 62]. Ao passo que a base cientifica e tecnolégica do trabalho ¢ da vida urbano-industrial avanca, as classes em disputa pela dire- do da sociedade tém sido obrigadas a valorizar cada vez mais a adesao voluntaria das massas aos seus projetos politicos em de- trimento da submissao imposta pela coercao. Assim, na conjun- tura atual, caracterizada pelo uso cada vez mais intenso da cién- cia e da tecnologia nos processos produtivos € na regulacdo da vida social, visando a subordinagao real da classe trabalhadora ao capital, a burguesia tem sido obrigada a redefinir sua agao politi- ca no ambito do Estado, passando a utilizar-se de estratégias de construgao de consenso na sociedade civil em torno de seu proje~ to de soviedade, através das quiis procura incurporar as massas, nesse projeto. © coneeito gramsciano de hegemonia pode ser apreendido em dois aspectos principais: 0 primeiro é um processo na sociedade civil pelo qual uma parte da classe dominante exerce 0 controle, atra- vés de sua lideranca moral e intelectual, sobre outras fracdes alia- das da classe dominante; o segundo ¢ a relagao entre as classes 46_TRABALMO, EDUCAGKO E SINDICALISMO No BRASIL dominantes ¢ as dominadas, que significa o predominio ideolégico das classes dominantes sobre a classe subslterna na sociedade civil. No primeiro aspecto, conforme a andlise de Carnoy (1987, p. 95), A fracdo dirigente detém 0 poder ¢ a capacidade para articular os interesses das autras fragties. Fla nan impr sna prépria ideale. gia ao grupo aliado, mas antes “representa um processo politica. mente transformativo e pedagégico, pelo qual a classe (fragao] do- minante articula um principio hegeménico, que combina elementos comuns, extraidos das visdes de mundo e dos interesses dos gnu pos aliados" Ja no segundo aspecto, prossegue Carnoy (idem, ibidem) ‘A hegemonia compreende as tentativas bem-sucedidas da cl se dominante em usar sua lideranga politica, moral ¢ intelectual pa universal, ¢ para moldar os interesses e as necessidades dos grt- impor sua visao de mundo como inteiramente abrangente € pos subordinados [...] Basa relagdo de consentimento nde & abso- Jutamente estética. Ela move-se em um terreno em constante des- Tocamento a fim de ‘acomedar-se @ natureza mutante das circunstancias historicas, ¢ as exigéncias ¢ agées reflexivas dos seres humanos” ‘Tal compreensao é de fundamental importancia para a andlise da relagao entre trabalho, educagdo e sindicalismo, pois, ao afir: mar-se a existéncia de diferentes concepgdes de educacao em dis- puta na nossa sociedade, pressupde-se uma relacdo entre Estado © sociedade civil permeada pelo predominio ideolégico dos valores © normas burguesas sobre a classe trabalhadora através da hege- monia, mas também permeada pela acdo contra-hegemonica da classe trabalhadora, tanto na aparelhagem estatal quanto noe apa relhos privados de hegemonia, o que nos obriga a uma releitura do papel das politicas sociais ¢ da educagdo numa sociedade de classes. Nesse sentido, tomamos a teoria gramsciana como referéncia. Nela, 0 papel do Estado pode ser definide em trés tipos distintos, 1LHO, EDUCAGKO # POLITICA NA SOCIEDADE DE CLASSES _47 de acordo com o nivel de desenvolvimento das forcas produtivas e da democracia em determinadas sociedades capitalistas. No primei- 0 tipo, o Estado constitui o instrumento pelo qual a classe domi- nante exerce a dominagdo direta, ou seja, o instrumento pelo qual a classe dominante exerce sua dominagao através do controle dos aparelhos coercitives do Estado; nesce tipo teriamoe a relagéo “Eo tado x sociedade civil". Esse seria o tipo proprio da relagao Esta- do/sociedade civil em sociedades ditas “orientais”, nas quais nao ha uma sociedade civil forte ¢ auténoma ¢ a esfera do ideolégico se manteve como monopélio da sociedade politica. Nesse caso, a luta de classe trava-se, predominantemente, tendo em vista a conquis- tae conservacao do Estado em sentido estrito (Couimio, 1994, p. 57)° No segundo tipo, o Estado constitui-se num aparetho de hege- monia, abrangendo a sociedade civil, e apenas distingue-se dela pelos aparelhos coercitivos, que pertencem apenas a ele; nese aspecto teriamos a relagdo “Estado = sociedade civil + sociedade politica”. Esse, no entanto, seria o tipo proprio da relacao Estado/ sociedade civil em sociedades ditas “ocidentais", nas quais se dé uma relagao equilibrada entre sociedade politica ¢ sociedade civil a luta de classes tem como terreno prévio ¢ decisive os “apare- thos privados de hegemonia”, na medida em que essa luta visa & obtengao da diregao politico-ideolégica e do consenso, No terceiro tipo, embora ainda como desdobramento do segun- do, mas agora incorporando a contribuigao de Poulantzas (1985, pp. 141-185), 0 Estado compreende tanto os “aparelhos governa- mentais” quanto os “aparelhos privados de hegemonia”. Nesse sen- tido, a relacao entre Estado ¢ sociedade civil expressa-se da seguinte forma: “Estado = condensago material de relagdes de forcas poli- ticas entre classes ¢ fragdes de classe". Também proprio da rela do Estado/sociedade civil em sociedades ditas “ocidentais”. Nes. se aspecto, a luta de clasace tem como terreno prévio © decisive 9. -Assinalamos que foi nessa configuracao da socledade de classes que Marx e2- creveu 0 Manifesto. Marx ainda no tinha elementos para visualizar a impor tincia da hegemonia no processo de constituicso do operariado em classe, ao contrario de Gramaci, que viveu o advento do fordismo, (48 _ TRABALHO, EDUCAGAO E SINDICALISMO NO BRASIL tanto os “aparelhos privados de hegemonia” quanto 0s “aparelhos governamentais". E justamente nesse ponto que a tese de Poulantzas oferece valiosa contribuigdo para a teoria do Estado, na medida em que explicita sua amplitude e sua riqueza como espaco de luta de classes (Courinno, 1994, p. 65). A ocorréncia de mudangas significativas na sociedade capita- lista nesses ultimos tempos, tanto no ambito da producdo quanto no ambito das relagdes de poder, tem se constituido em evidéncias concretas do que preconizou 0 Manifesto. No que tange as mudan- gas no ambito da producao, elas tém se materializado numa rede- finigéo da natureza do processo de acumulagao de capital que pas. sou a ter seu dinamismo assegurado pelo aumento da produtividade social do trabalho, fundamentado na mudanga da composicao or- ganica do capital ~ pela crescente participagao do capital constan- te no proceso produtivo ~ e na substituigéo da exploragao exten- siva do trabalho pela sua exploragao intensiva, por meio da extragao da mais-valia relativa. Desse modo, se é verdade que o Estado con- tinua a deter 0 uso legitimo da forca, funcionando muitas vezes de acordo com a descri¢ao de Marx, ratificada por Lénin”, em funcionamento seu aparato repressive para invial nizagao das massas populares, também é verdade que esse mes- mo Estado se vé compelido a utilizar cada vez mais amplamente estratégias politicas que visem a obtencao do consenso, diante da ampliagao dos espacos superestruturais estreitos da democracia classica. Tais estratégias, resultantes do embate entre os interes- ses conflitantes das classes no ambito da aparelhagem estatal e na sociedade civil, tanto incorporam demandas reais das classes do- minadas como procuram garantir a hegemonia do grupo monopo- lista dependendo da correlacdo das forcas sociais em cada forma- ‘980 social concreta. f em si um processo pedagogico, contexto no qual se di a constituicao do operariado em classe, nao enquanto fato histérico determinado naturalmente, mas como uma possibi- 10.Marx descreve o Estado no Manifesto com as seguintes palavras: “El gobierno del Estado moderno no es mas que una junta que administra los negocios ‘comunes de toda la clase burguesa” (Maa & Evosis, 1972, p. 54 TRABALHO, EDUCACAO E POLITICA NA SOCIEDADE DE CLASSES 48, lidade real fundada nas condigdes objetivas e subjetivas decorren: tes do conflito de classe. Finalmente, ratificamos a ressalva de Boito Jr. (1998) que in- dica a importancia ¢ a atualidade do conteiido principal do Mani- Jesto, 0 entendimento de Marx e Engels de que a transformacao das condicées econémicas ¢ a organizagao do operariado para a revo- lucdo socialista dependiam da educagao ¢ da pratica politica. Tal entendimento pressupde entao que sem uma critica teérica e ana- Utica do capitalismo e um projeto politico de cunho proletario ori- ginado da prépria constitui¢do do operariado em classe, nao have- ria revolucdo socialista. Mas somamos a esta ressalva uma outra: ‘a constituigao do operariado em classe ocorre no contexto do indus- trialismo e da democracia ¢ ¢ fruto da condensagdo de forgas poli- ticas em disputa pela hegemonia na sociedade de classes, expres- ‘40 subjetiva do conflito entre a burguesia e 0 proletariado. Nesse aspecto, a contribuicao de Gramsci é oportuna justamente por nos fornecer, através do conceito de hegemonia, os elementos tedricos necessarios para pereeber que, nesse conflito entre a burguesia ¢ © proletariado, ¢ a classe dominante quem dirige intelectual e mo- ralmente 0 conjunto da sociedade ¢ que a constituicao do proleta- riado em classe passa necessariamente pela elaboracao, por parte das organizacoes representativas do préprio proletariado, de um projeto de sociedade que tenha o potencial de incorporar nele as massas trabalhadoras. 4, PAPEL DAS POLITICAS SOCIAIS E DA EDUCAGAO NA SOCIEDADE DE CLASSES Ao fazer um estudo sobre os elementos determinantes do fend- ‘meno educacional enquanto politica social especifica, Neves (1994)! define os complexos vinculos entre educacao ¢ politica a luz do marxismo contemporanco. Sem duvida, sua contribuicao é de fun- damental importancia para a andlise das concepsées ¢ propustas 11. Ver tambem Neves, 1991 50 _ TRABALHO, EDUCACAO E SINDICALISMO NO BRASIL do movimento sindical para a educacdo da classe trabalhadora, pois, (0 quadro teérico desenvolvido por Neves constitui-se no “pano de fundo" necessario para um examte da problematica especifica da po- ica educacional no Brasil de hoje ‘Segundo Neves (1994, p. 11), @ natureza das politicas sociais do Estado capitalista é determinada tanto pelo patamar de desen- volvimento das forcas produtivas quanto pelos avangos do proces- 30 de democratizacdo das relagdes de poder, ou seja, 0 bindmio industrialismo/democracia é o elemento determinante da nature- za das politicas sociais na sociedade de classes, na medida em que tal elemento impulsiona a redefinicao das estratégias econdmicas € politico-sociais do Estado. Na analise de Neves, essas mudangas recentes no mundo do trabalho e na sociabilidade urbano-industrial tém introduzido no- vos antagonismos entre a burguesia e a classe trabalhadora. £ isso tem provocado uma crescente complexificagao das relacdes entre ‘classes ¢ no interior das classes sociais, exigindo do Estado tanto uma intervengéo mais direta na valorizagio do capital quanto a ‘adoclo da mediacao politica como estratégia privilegiada de domi- nagao através de suas politicas publicas. Desse modo, [J] Bstado, embora continue a deter 0 uso legitimo da forga, po- dendo pér em funcionamento seu aparato repressivo para inviabi- lizar a organizacéo das maseas populares, vé-se compelido a utili rar cada vet mais amplamente estratégias politicas que visem & obtengdo do consenso, diante da ampliacdo dos espacos superes- traturais estreitos da democracia classica, Tais estratégias, resul- tantes do embate entre os interesses conflitantes das classes no ‘Ambito do Bstado ~ no sentido estrito ~ e na sociedade civil, tanto incorporam demandas reais das classes dominadas como procuram sarantir « hegemonia do grupo monopolista dependendo da corre- lagdo das forcas 80 1994, p. 14]. is em cada formagio social concreta (NEVES, Portanto, com base na contribuicdo tedrica de Neves sobre & natureza das politicas sociais na sociedade de classes, compreen: demos que as politicas publicas do Estado capitalista sdo uma res- “TRABALHO, EDUCACAO E POLITICA Na SOCIEDADE DECLASSES 51 posta simultanea as necessidades de valorizagao do capital de mediagao politica dos interesses antagonicos que perpassam a so- ciedade urbano-industrial. E, conforme a autora, Sendo as politi sociais uma fragao das politicas pablicas, res- pondem, de um modo geral, a exsa dupla determinagio. De modo especifico, essas politicas resultam tanto das necessidades estru- turais de producéo e reprodugio da forga de trabalho com vistas & Viabilizacdo de altas taxas de mais-valia e de exploragé produgdo baseada no aumento da produtividade do trabalho, como dda ampliagdo dos mecanismos de controle social das decisdes esta: tais, em especial da consolidagdo dos niveis de participacio alcan.

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