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SOBRE FOLHAS DE RELVA não tinha uma edição mais consis-

tente em português.

Walt Whitman merece a honra de Felizmente, temos agora uma edi-


uma nova tradução de Leaves of ção mais caprichosa. Ela contém
Grass / Folhas de Relva, que a Ilu- tudo da edição original de 1855
1
. (é uma edição bilíngüe): a ima-
Ainda mais considerando que o
grande poeta nunca recebeu a de- frontispício da primeira edição,
vida atenção dos tradutores ou com chapéu e camisa aberta no
poetas brasileiros. Há uma edição, peito (gravura em metal trabalha-
Folhas das Folhas de Relva, trechos da por Samuel Hollyer sobre um
da obra traduzidos por Geir Cam- daguerreótipo de 1854 por Gabriel
pos, pela Brasiliense, reeditado em Harrison), e que se tornou famosa
2002; há uma publicação feita pela pelo magnetismo dos olhos e pela
UnB, uma seleção de poemas tra- boca sensual, e por ser a única in-
duzidos por Ramsés Ramos; e uma dicação visível do autor do livro,
outra da Imago/Alumni, uma tra- pois seu nome apareceria apenas
dução literal da “Canção de Mim lá pela metade do poema “Canção
Mesmo”, de André Cardoso. Além de Mim Mesmo”: “Walt Whitman,
de uma edição popular da Martin an American, one of the roughs, a
Claret do texto integral das Folhas. kosmos,” (pg. 76 da presente edi-
Em resumo, muito pouco para ção); o prefácio, escrito pelo pró-
quem é considerado – por exem- prio Whitman, que se tornou um
plo, por Harold Bloom - o maior dos documentos mais importantes
poeta norte-americano. da Literatura Moderna e da crítica
Norte-Americana, e os doze poe-
Embora aclamado em nossa língua mas originais, com maior destaque
por escritores do porte de Gilberto para Canção de Mim Mesmo. Este
Freyre, - que fez uma conferência -
em 1947 no Rio de Janeiro intitu-
lada “O Camarada Whitman”, a sobre o autor.
quem Freyre chamou de “homem-
-orquestra”, pela temática abran- O posfácio é bastante informati-
gente e democrática de sua poesia vo. Fornece dados sobre a situa-
-, e Fernando Pessoa, - que escre- ção histórica, política, econômica,
veu “Saudação a Walt Whitman” social e literária do século deze-
em 1915, através de Álvaro de nove nos Estados Unidos, e conta
Campos, onde declara todo seu com uma seção chamada “Proce-
amor cósmico a Walt -, ele ainda dimentos Básicos”, que elucida a

Fragmentos, número 37, p. 203/205 Florianópolis/ jul - dez/ 2009 203


metodologia da escrita do original com a qual ele convivia diretamen-
whitmaniano. te junto às pessoas pelas ruas do
Brooklyn e Nova York.
A descrição histórica do posfácio
é muito importante porque nos dá Com a publicação em 1855 de Fo-
uma visão abrangente dos Estados lhas de Relva, e de suas edições sub-
Unidos da época, e nos mostra cla- seqüentes, ele lançava seu “bárba-
ramente a razão pela qual Whit- ro alarido pelos tetos do mundo”
man, na década de 1840, foi aos (pg.128), para tentar fazer “um
poucos se distanciando do jorna- continente indissolúvel”, através
lismo e atuação políticos e se diri- de um “amor duradouro”, que li-
gindo para um meio de expressão gasse indivíduo a indivíduo, cida-
mais condizente com seu espírito de a cidade, e que não precisasse
de união nacional. de uma guerra para isso.

Pois ele não só foi editor político Infelizmente, sua obra teve pouco
dos grandes jornais de Nova York; acolhimento do público, e a união
também teve efetiva atuação polí- do país não se daria democratica-
tica nos partidos dos quais partici- mente, e o próprio poeta sentiria
pou, o Democrático e depois o novo isso literalmente na pele, quan-
Partido Republicano. Em resumo, do eclodiu a Guerra Civil (1861-
os anos entre 1845 e 1856 foram o 1865), na qual seu irmão George
período de maior corrupção polí- batalhou e na qual ele se envolveu
tica nos níveis municipal, estadual como enfermeiro voluntário nos
e federal da História dos Estados improvisados hospitais da capital
Unidos. O que levou, por exemplo, Washington, doando todo dinhei-
políticos do Norte, abolicionistas, ro que ganhava para os soldados
a apoiar candidatos do Sul escra- amontoados em tendas geladas,
vocrata à presidência da República além de dar-lhes apoio afetivo e
(Zachary Taylor, um escravagista, escrever cartas para as famílias,
assumiu a presidência em 1849). dando boas e más notícias.

Esse cenário empurrou Whitman Este contato direto com os feridos


para fora da política e para den- de guerra produziu reverberações
tro da poesia, que ele entendia ser no poeta. Uma delas foi o livro
o único meio de manter a união Drum-Taps (Repiques de Tambor),
de seu país, pois ela poderia unir que contém os poemas que foram
brancos, índios, negros e imigran- escritos a partir do convívio e das
tes de todos os matizes num só anotações diárias no ambiente hos-
ideal de igualdade e democracia, pitalar e a preocupação com o ir-

204 Resenhas
mão (que conseguiu sobreviver à de Relva de Walt Whitman.
guerra, e ainda ter uma carreira de Elaborada por Rodrigo Garcia
Lopes (poeta, jornalista e tradu-
promoções pela sua bravura). Mas
tor paranaense), que também
a pior parte somente veio á tona no
assina o posfácio. O livro faz
uma excelente homenagem ao
sesquicentenário da primeira
Na página 291 vemos que, quando edição.
Whitman faleceu, “Na autópsia,
[...] os médicos descobriram que,
além de pneumonia, Whitman ti-
nha tuberculose, nefrite, esteatose
hepática, pedra no rim, cisto adre-
nal, abcessos tuberculares e paqui-
meningite.”, e que “Os médicos

ter sobrevivido a elas [as doenças],


por tantos anos.” A prova deste
vigor está no fato de que “[...] em
1891 [Whitman] reuniu forças para
escrever e organizar o livro Good
Bye, My Fancy, além de preparar a
Folhas de Relva.”. É
admirável que o poeta tenha mor-
rido aos 73 anos em 1892, já que
estava inválido há vários anos,
vivendo de doações de amigos, e
que tenha produzido tanto até o

tempos de juventude, o corpo sau-


dável tantas vezes cantado, para
explicar essa resistência e lucidez.
Esta homenagem é muito bem vin-
da, e chega em muito boa hora em
nosso país.

Gentil Saraiva Jr
UFRGS
Notas
1. Trata-se da tradução da “Pri-
meira Edição” (1855) de Folhas

Fragmentos, número 37, p. 203/205 Florianópolis/ jul - dez/ 2009 205

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