You are on page 1of 13
tetg MODERNIDADE E TRADICAO CLASSICA ensaios sobre arquitetura 1980-87 Alan Colquhoun ‘tRADUGKO Christiane Brito preFAcio Roberto Conduru © Cosac & Naify Conceitos de espago urbano no século xx us Nestas notas, discutitei o espago urbano nos termos das ideologias da ‘vanguarda do século xx em comparagio &s nogGes revisionistas do es- ago urbano que surgiram nos filtimos anos — um aspecto da chamada critica pés-moderna. Para tal, utilizarei o exemplo de Berlim. 0 motivo de tal escolha é que, durante aproximadamente os oitotiltimos anos, Berlim tem sido palco de wn conflito igeolbgico e uma produgio criativa no campo da arquitetura e do planejamento urbano particularmente intensos devido ‘a circunsténcias econdmicas e poiticas especiais A tragédia de Berlim também foi, em um sentido, sua oportunidade Deixe-me, em primeiro lugar, estabelecer alguns limites ao que entendo por “espago urbano”. Essencialmente, acredito, existem dois sentidos em que a expresso normalmente ¢ utlizada: no primeiro, caracteristico de gedgrafos esociélogos, 0 objeto de estado é 0 “espago social” — isto &, as implicagbes espaciais das instituigdes sociais. Desse ponto de vista, as caracteristicasfisicas do ambiente construido tendem a ser epifenomenais. No segundo sentido, caracterstico dos arquitetos, 0 objeto de esiudo & 0 espago construido propriamente dito, sua morfo- logia, o modo como afeta nosses percepySes, a maneira como ¢ uilizado 0s significados que pode evocar. Essa visdo esta sujeita a duas aborda- gens — a que considera as formes independentes das fungées e a que ponto de vista, o conceite de espago tenderd a _grdgrafo ou do sociélogo, apesar de, diferentemente destes,o arguiteto estar sempre interessado, em dltima andlise, nas formas, independente- mente de como se pense que elas tenham sido geradas. A questo da “autonomia” do espago arquiteténico e urbano — isto 6, se stio formas ou fungGes que assumem a prioridade — tern sido mo- tivo de muita controvérsia no discurso arquiteténico desde o final do sé- culo xvi, Um dos motivas disso foi a cisio que comegou a se formar, no séenlo xvi, entre a idéia de ciéncia ea de estética, a0 se considerar os artefatos em geral. Tal controvérsia teria sido insignificante para os gregos, os primei- aprosin ros em nossa cultura a conceituar a cidade como um artefato. No pensa- mento grego, o critério para ser um artefato de qualquer tipo era o de que o objeto fosse bem feito para determinada finalidade. O conceito pés-kantiano da obra de arte como um tipo especial de artefato itil, mas sem finalidade, nio existia. B improvavel que os gregos pensassem acidade, ou mesmo edificios, como objetos de contemplagao estética, no sentido moderno, A organizaglo espacial da cidade era o resultado de uma pritica sociale politica, da agéo no ambito piblico. Os gregos nao Faziam a distingo que costumamos fazer entre nat 210 rezae radio. Para Avistteles, a arquitetura e a cidade eram extensdes | do mundo natural e abedeciam as mesmas leis Essa visto antiga dava cor & teoria artista do Renascimento com seu conceito de lei natural. Com o surgimento do ponto de vista historicista no final do século XVII, entretanto, o que era “racional” e, portanto, “natural” no pensa- mento cléssico tormou-se cada vex mais diibio. O que costumava ser visto como “racional” agora passava a ser visto como mera opinio, A beleza, que era sustentada, de alguma maneira, pela razio absoluta, agora passava a ser vista como contingente, subjetiva erelativa. Porérn, ‘a0 mesmo tempo, em reagio a esse relativismo cétic, surgia um novo idealismo que atribusa & beleza um status transcendental. 0 idealismo e o relativismo histérico eram dois lados da mesma moeda. Ainda esta- mos inseridos nessa discussio, ¢ ela possui uma forte relaglo com a idéia de espago urban | 3S SP EE a EO EE eee Ss SE ‘Antes de passar a discutir exemplos espectficos do espago urbano contemporaneo mediante esses conceitos, gostaria de falar brevemente sobre a palavra esparo propriamente dita, como é utilizada no diseurso arquiteténico. A nogéo de uma entidade que podemos chamar de “es- ‘ago arquiterénico” é relativamente nova. Provavelmente foi criginal- mente formulada pelo esteta e historiador da arte alemdo August Schmarsow, na década de 1890, como uma critica & teoria do desenvol- vimento estilistico apresentada por Heinrich Walfilin em seu livro Re- nascimento ¢ barroco: A definigdo de espago de Schmarsow é estrita- mente fenomenolégica e psicol6gica. Antes de Schmarsow, todos percebiam o espago arquiteténico sem se dar conta dele, como Mon- sicur Jourdain sempre dizia (BORE pesaiWelem CORO SERECOEOIOD ESD "em um outro sentido, ele contribuiu para wma maudanga na percepgao, Chana ‘Dai em diante,o espago seria uma entidade positiva dentro da gual as categorias tradicionais de forma tectinica superficie ocorriam. A partir de entio, os arquitetas pensariam o espago como algo preexis tente eilimitado, conferindo um novo valor as idéias de continuidade, transparéncia e indeterminaglo, Eto, quando utilizamos a palavra es- pogo, aparentemente livre de valor, temos de estar conscientes de suas iplicagées ideologicas. Bla nfo uma expresso neutra. E, como mos- trarei, ¢ exatamente essa idia de um espago abstrato indiferenciado ‘que tem sido um dos prineipais objetos de ataque por parte da critica urbana pés-moderna. Com essa adverténcia em mente, vejamos agora exemplos do espago ‘urbano do século xx, utlizando uma narrativa sobre Berlimn para inves- tigar dois temas: o espago da habitacfo social e o espago do dominio pit blico urhano. ‘Nada ilustra mais claramente a génese do que se pode chamar de es pago urbano modernista do que a habitagZo social em Berlim e em ou- tras cidades alemiis na década de 20. £ bem sabido que os arquitetos da -vanguarda liberal e socialista da década de 20 rejeitaram a habitaggo perimetral com pitio interno em favor de laminas paralelas autopor- tantes, Havia solugies intermedirias em Viena, Amsterdi e na propria Berlim, em que o bloco perimetral era mantido, mas liherado de toda construgio interna para fornecer ptios interiores espagosos, como 0 Karl Marx Hof, em Viena. E ndo se podiam esquecer as solugoes france- sas do inicio do séeulo xx, como as de Eugene Hénard, em que o patio era virado do avesso ese abria para a rua para receber Inz ear. Pozém, no geral, os modernistas de dévada de 20 rejeitaram essas solugdes como “conciliatrias” eas fileiras apertadas de laminas para- am ae lelas @ Ja Hilberseimer e Gropius, espagadas de acordo com angus de Rept do plano de Amsterdi, e em varios projetos dos racionalistas italianos. Acredito que devamos ver essa tipologia como uma resposta direta as Mietkasernen que haviam sido construldas &s pressas em cidades| alemiis nos trina iltimos anos do século x1K para abrigar o proleta riado urbano que crescia rapidamente, Quando se véem essas Mietka sernen hoje, com suas altas densidades e seus patios labirinticos e es- qualidos, de repemte se compreende todo o movimento modemo. Hoje, tanto na Berlim Ocidental, onde eles sio ocupados por imigrantes tur- cos, quanto na Berlim Oriental, onde sio ocupados por alemaes nati- Jha, se tornaram a norma — prineipalmente na Alernanha blica de Weimar, apesar de também na Holanda, na segunda fa ‘os, esses edificios ainda esto em uso, ¢ sua condiggo de favela é exa- gerada por uma total falta de mamutencéo, 0 uso continuado dessas Mietkasernen mostra quiio incompleto foi o impacto dos ideais urba- nos do movimento moderno sobre a estrutura e morfologia das cidades antigas, exceto em Areas onde ocorren wma destruigo considerével nos tempos de guerra —e isso é vilido mesmo sob regimes em que 0 es: tado controla toda a expansio imobilidria As Siedlungen de Berlim, ou “conjuntos habitacionais” da década de 20, erguidas sob a supervisio geral de Martin Wagner e Bruno ‘Taut, foram construidas como uma critica ds Miztkasernen. Blas sio algo intermediério entre as cidades-jardim e os quartiers urbanos, na inaioria das veees (apesar de nem sempre) situadas na periferia da ci. dade, freqiientemente proximas a éreas industrieis ¢ atendidos por servigos pliblicos 0 movimento das cidades-jardim tivera wm profundo impacto na Alemanha, nos anos imediatamente anteriores & Primeira Guerra ‘Mundial, quando varios terrenos nos arredores da cidade tinham sido projerados em Berlim com base nos prinefpios provenientes de Unwin, da Beaux-Arts e de Camillo Sitte, Nem esses tipos de projetos nem as Siedlungen eram pensados como extensées da grade da cidade, como haviam sido as novas areas habitacionais do século xrs, Bram vistos como “subirbios” modelo auto-suficientes. orden, as no vas Siedlungen nio exibiam eixos simétricas ou contengio espacial Diferentemente das propriedades das cidades jardim, onsistiam em séries de blocos paralelos dispostos mecanicamente, eram deliberadamente sachlich; isto é, eam anti-sentimentais e “cien cas”, tanto no planejamento quanto na iconografia ficies brancas, elhados horizontas, janclas repetinvas. Toda a opera da disposigio das laminas & organizagio das plantas padronizades de apartamentos, foi influenciada pelas teorias de gerenciamento dos norte-americanos ‘Taylor e Henry Ford ui suaves super Nio obstante, os ar) os que os projetaram retinkiar muitas das idéias “huunanistas” da geragdo anterior, com uma orientag: amas “artistca” (muitos deles exam, de fato, renegados ex getagio, incluindo o proprio Bruno Taut). Existem muitos exemplos de mnanipulagio espacial a fim de eriar uma ordem e wn recinto reconhe- civeis, incluindo espagos voltados para o centro como o esquema de ferradura de Taut na Brit Siedlong e o longo e curvado muro de apar- tamentos em Siemenstadt. Também volta-se a atengio & variedade do desenho, & composigio do sblido e do vazio, ¢ um uso extremamente sensivel de materiais e da cor para atenuar 0 efeito da regularidade, monotonia ¢ abstragio. Hoje, depois de cingienta anos de implantagéo, poucas delas lembram os projetos diagramAtioos e insensiveis de fil berseimer. Na verdade, eles parecem, de muitas maneiras, pertencer mais 20 ethos do movimento arts and crafts do que ao de Hilberseimer, ou aos conjuntos habitacionais pés- Segunda Guerra Mundial da década de 60, com os quais estamos hoje familiarizados. Uma das principais caracteristicas dessas Siedlungen da década de 20 era o conceito da lamina de construgio no espaco, em oposico ao quarteirio fechado — uma inversio de figura e fundo da cidade tradi- amente por essa cional, com sua malha sélida entremeada por ruas. Esse conceito foi ‘mantido nos conjuntos habitacionais soviéticos da década de 60. Porém, as caracteristicas mais humanas das Siedlungen do pré-guerra— sua scala relativamente pequena e a uniformidade de altura, por exemplo foram abandonadas por laminas mais altas com elevadores, ampla- mente separadas, ocupando um enorme espago aberto. Tal abordagem cera caracteristica das habitagGes sociais na Europa ocidental e de algu- snas cidades norte-americanas (notadamente a cidade de Nova York) depois da Segunda Guerra Mundial. Bra também uma caracteristica dda era pis-Stalin na Beslim Oriental, quando regides inteiras da rea vibana foram destruidas e substituidas por laminas de dez andares muito espagadas. Se tomarmos esses acontecimentos como um todo, da década de 20 A de Go, temos de fazer a pergint: $A TEED 23 ae PARIS OL. hint \ CF TOE JAIN (Charps a ® ysées ‘ro do Tunto \ “ f Mervonal aos Soldados Spree Geosse Hata on casa aran Prantas co vasde Par Jim, Wash Nowe Dat Departamento de Registos Seoreranados| casa do Voe-e! 28 ¢ va Norte _ Penta compara vas de Pans, Br lim, Washington 2 Nowa Deh, 26 0 planejame cidades moderistas destruin a possibilidade de simbolizar o dominio plblico social e crion uma polaridace entre o espago prinado cada vex mais isolado e um dominio piblico que desafia qualquer tipo de re presentagao espacial. Isso me leva & consideragio de meu segundo tema: o espago das construgies urbanas piiblicas. Hé um consenso de que a vanguarda da década de 20 negou a distingio entre o dominio patlico e o privado, simplesmente por ser sua principal preocupagao o problema da habita- fo social na periferia e a criagio de éreas dormitério auto-suficientes Porém, essa tendéncia da vanguarda do século Xx de ignorar o dominio plblico foi equilibrada, nos primeiros anos do século, pelo seu oposto ‘exato: espagos urbanos gigantescos, nos moldes barrocos e puramente honorificos simbolizando o estado. Alguns exemplos séo o Washington Mall, redesenhado no plano de 1goi de McMillan, a Nove Delhi, Caim- berra, de Lutyens e Bakers, ¢ o plano de Albert Speer para o novo eixo que crwzava Berlim de norte a sl. [A pretensio e a megalomania do projeto de Speer ¢ suas associagbes politicas nfo devem nos cegar diante do fato de ele pertencer ao tipo caracteristico do inicio do século xx, seja em regimes democritivos, so Galistas ou fascistas, e que esta ligado a um fendmeno do final do sé- culo Xt ¢ inicio do séeulo xx que Eric Hobsbawm chamou de “A rein vengio do ritual” O projeto de Speer, porém, nao foi criado em um vacuo historic. le foi o dpive de toda uma série de projetas fracassadus do inicio do sé culo XIX em diante para desenvolver um eixo norte.sul cruzando 0 Tiergarten (jardim 2oolégico), terminanclo no conveniente loop con cavo do Spree. O Reichstag, que agora se encontra na parte mais aban- donada do Tiergarten, proxima ao muro, facia parte dessa mudanya historica. Além disso, o esquema de Speer era ndo somente o &pice dessa tradigdo, mas também uma mancira de ligar as estagdes de trem norte e sul, Portanto, possula o propisito hausmanniano de criar wma importante rota de circulagio entre as dnas partes da Berlim Ocidental, historicamente isoladas uma da outra pela interposigzo do Tiexgarten. ‘A esses exemplos deve-se somar a Karl Marx Allee (antiga Stalin Allee) na Berlim Oriental, onde, em uma curiosa fusio de formas bar- zocas e conjuntos habitacionais socialistas,a principal rota de entrada em Berlim pelo leste foi transformada em wun bulevar Na vanguarda do séoulo Xx, foi somente Le Corbusier que, ambi- guuamente, tentou preencher @ lacuna entre uma cidade sovialmente funcionalizada e a cidade como simbolo da identidade e poder civico ou nacional — como mostram seus projetos para Paris, Rio, Argel, Saint Dié eo projeto realizado de Chandigarh. Mas na década de 50 os ClaMs passa am ase ocupar, pela primeira 1 do nicleo da cidade —o nderno, da ques i yee no movimento m cional ¢ nio-programado centro da cidade formava, entdo, uma nova categoria no abarcada pelas antigas categorias do Claw: vida, trabalho, recreagio, circulago. Uim dos resultados mais sgnificativos (porém indiretos) dessa nova divergéncia foi o concurso para o Heupistadt Berlin, em 1957. para a qual 03 arquitetos foram convidados a enviar planos para a érea central oitocentista do que hoje é Berlim Oriental. Deixando de lado o papel politio que essa competigGo desempenhou na guerra fria,talvez possa sos vé-la como uum contragolpe & Stalin Allee e como um simbolo em. oposigfo & “democracia e & modernidade”. Todos os esquemas enviados para essa competigao foram demonstra- bes dos principios do espago urbano modernista, nesse momento aceito como o reflexo arquiteténico do capitalismo do estado de bem-estar so- cial. Consistiam en edificis objet-type isolados uns dos outros, ou for- mando séries, em wm espago neutro eilimitado, dispostos em torno do grande eixo do Unter den Linden e conectados por redes de transporte. A maior parte dos esquemas era vagamente corbusiana em sue inspira do —0 proprio Le Corbusier enviow um esquema — aos quais os de Hans Scharoun Peter ¢ Alison Smithson faziam um tipo de contrapro posta “organicista”. O projeto de Scharoun era como um gigantesco es 217 ago de diversio infantil, Os Smithson propuseram uma grade de pedes- tres elevada, formando uma rede de circulagfo alternativa, que deixava © padrio de ruas original mais on menos intact. Hsse foi o tinico projeto a valorizar a estrutura urbana existente,apesar de sua apresentagio do antigo e do novo como realidades coexistentes e suas vastas areas de pas- seios redundantes ser irrealista e esquemétice, Em todos os esquemas, os cedificios histéricos sobreviventes eram preservados, mas deixados & margem, como o Reichstag encontra-se hoje — fragmentos de museu isolados e dimimuidos pelos novos edificios e redes de transport. Um pouco antes disso, o arquiteto de Berlim Oriental Hermann Henselmann, em seu espirito possialinista, havia comegado a erigir laminas de habitagéo na area ao sul da Stalin Allee baseado em princi- pios modernistas antes rejeitados. As habitagSes mais recentes na pré- pria Allee também refletem essa rmudanga de diregdo. Nos ttimos anos, porém —e isso sublinha a relago curiosamente simbiotica entre Berlim Oriental e Ocidental — houve, em ambos os lados do muro, uma reagio contra essasidéias urbanas modernistas, Em certo sentido, também houve uma reagao no lado oriental (ou pelo ‘menos ¢ 0 que parece) contra © monumentelismo apoiado pelo stali- nismo — wm monumentalismo que, como jé vimos, tinha algo em co 28 Emsam neues mela ‘mental for rejetada na medida em que sua meta era propagandista e seu estilo, megalomaniaco, Porém, como disseram corretamente Tafuri e Dal Co, em relagio 4 Stalin Allee: Seria ervado considerar o resultado como purannente ideolégicoe propa sgandista; na realidade, a Stalin Allee ¢ 0 fulero de um projeto de reorgani zagio urbana que afeta todo um distrito. Na verdade, ela teve um perfeito éxito em expressar as pressuposigdes da construgfo da nova Cidade Socia lista, que rejeita divisdes entre arquitetura e urbanismo e aspira a impor-se como uma estrutura unitaria.’ Em 1984, no Centro Cultural de Berlim Oriental, foram exibidas ‘maquetes de planos para a reintegragio do padrio de ruas em grade e os blocos urbanos em uma grande dea central de Berlim. Em vea de tentar criar simbolos de grandiosidade, a intengdo parece ter sido refor- aro tradicional centro da cidade. Essa intengio é confirmada pelo fato «de que Berlim Oriental esta agora no processo de renovagio dos monu- ‘mentos oitocentistas de sen centro historico. (Houve até mesmo alguma colaboragao entre os lados ocidental e oriental; recentemente, as autori- dades de Berlim Ocidental devolveram ao setor oriental as esculturas desenhadas por Schinkel para a Schlossbriicke, hoje Marx-Engels- Briicke, que jé foram reintegradas). ‘Ao mesmo tempo, om Berlim Ocidental, a Internationale Bauauss telling (188) inaugurou uma série de esquemas baseados no quarteiro uurbano como tunidade fundamental da morfologia urbana para se vol tara coastruir em areas abandonadas adjacentes ao muro. Esses esque- ‘mas sio mais modestos em escala do que os da Berlim Oriental e dife- rem deles na logistica de planejamento, Na parte ocidental, varios terrenos foram distribuidos de maneira ad hoc a arquitetos famosos que trabalharam em conjunto com os projetistas locais, enquanto que na parte oriental havia um projeto mestre de comum acordo, com a varie- dade c a individualidade restritas ao tratamento da fachada. Em Ber- lim Oriental agora esta sendo utilizada uma pré-fabricagdo de concreto em larga escala para a produgfo de fachadas “clissicas” © “are déco”, de ‘uma maneira que sugere que, se pudlermos felar de pis-modernismo aqui, este sera um pés-modernismo que possui fortes ligagGes com a an- tiga tradigéo do realismo socialista. Os projetos que estilo sendo dese tthados no lado ocidental sfo menos literalmente “historicistas” em suas fachadas, sendo feitas apenas algumas referéncias muito generali- zadas, a mancira do neo-racionalismo, as tradigdes clissica e vernacula. Uma das desvantagens dos procedimentos de planejamento do ta & que quarteirSes desenhados por diferentes arquitetos e em diferentes cstilos estdo frente a frente em ambos os os das ruas, de modo que a propria rua no ¢ unificada, Porém, por todas as suas earacteristieas problemiitias, acho que podemos ver nesses acontecimentos tun re- gresso bezt-vindo a um novo conceito do espago no dominio pico ( principal impulso dessa nova tendéncia ¢ reconstituir a cidade como uma malha urbana continua, Ela rejeita a nogio de que todo tipo de programa possui sua forma de tipo equivalente. Rejeita tambéan a clas sificagdo de cidade dos clans em diferentes Fungbes genéricas, com o ri- gido conceito de zoneamento ea negacio da multivaléncia que este im- plicava, Em ver disso, essa tendéncia parece sugerir uma classificagao da ci dade segundo um possivel mimero de tipos ou estratégias formais. Considera a cidade, com seus quarteirSes fechados e ruas, como uma malha solida e anénima que deve conter uma variedade de fungies, inclusive a habitagio eo comércio 2, 0s poucos edificios isolados, sejam eles antigos ou modernos, ganha- riam wma importéncia simbdlica por contraste com essa malha con- ‘inva 5. Reintegra a rua ea praga piiblica como os lugares de diversio e con. gregacZo piblica nlo-programadas 44. Reforce a escala de pedestre e rejeita a predominancia de uma cir cculagao répida e motorizada, 218 5. Considera o espago piiblico da cidade como mais anilogo a muitas salas e corredores externos, com seus contornos definidos, do que a um vazio ilimitado dentro do qual existem edificios, rotas de circu. lagio etc 6. Finalmente, concede a cidade tanto historica quanto espavialmente continua — como capaz de ser lida como um palimpsesto. Na van- guarda do inicio do século xx, a cidade era vista diacronicamente, como um progresso linear com o decorrer do tempo, cada periodo cancelando os periods anteriores em nome da unidade do Zeitgeist Essa visio, no meu entender, é um dos mais potentes modelos do es- pago urbano para a substituigdo das utopias urbanas das décadas de 20 ¢ 50. A contrapartida desse modelo ndo sdo somente esses utopias, mas também a cidade moderna real, cuja imagem ¢ a de oportunidade, competigao, lucro e poder corporativo, Em ver de seu caos — que é al ” ealienante” — essa cidade tende & especialiaagdo de fumgdes, determinando, assim, o fim de uma das mevas da vanguarda da década de 20. A cidade adequada 0 lugar do trabetho e do comércio, A vida privada acomtece nos subsirbios ru ternadamente visto como “estimulante zais, Te cidade sustenta uma imagem esquizofréuica do individuo, que 220 propria situagio de trabalho e outra bastante erente em casa. Eacoraja visio da vida moderna como dominada G6 umna pess por simmalacros. O modelo revisionista, na verdade, tolera mais a cidade existente do aque as uiopias da vanguard cléssica, exatamente porque a cidade real é confusa ¢ congestionada, ¢ ainda faz uso de padres tradicionais. Nao obstante, implica wun graw de comprometimento ideologico consciente ede ordem arquitetinica que se opGe & cidade real, Essa visio foi criti cada por ser represemtante de uma utopia (igual e oposta talver, & uto- pia modernista), fundada em uma imagem nostilgica da cultura pas- sada Tal critica certamente seria justificada se o que se apresenta fosse umn modelo literal do passado, que poderia facilmente cair no hitsch ou, xno maximo (na medida em que era realizavel em qualquer escala subs- tancial) constituir nada mais do que uma solugio informal incapaz de ser infundida com a vida e apropriada socialmente. Porém, dizer que o passado simplesmente nio pode ser repetido, admitir que a vida moderna possui suas proprias exigéncias equivalen- tess que conferiram a cidade tradicional seu significado original, nlo é o mesmo que dizer que a rupcura na sociedade moderna ¢ tao total e inexordvel que neahum valor tradicional, qualquer que seja, possa vir a ser relevante para ela, Fazer tal sugestio seria valtar & concepgo mo- dernista de ume historia totalmente determinista, em que 0 passado simplesmente tem de ser apagado. Nesse debate, zados os argumentos absolutistas como esse so insites,j4 que se fumdamentam puramente em antinomias légicas enjas conseqiiéncias sio construidas em suas premissas er Architecture, Citesm, iesisay ed, Joan Ockman Princeton [Puticaso ongnaine Princeton shtectural Press, 1986) i Nora, 1. Bric Hobsbawm e Terence Ranger (eds), The Invention of Tradiaion (Cambridge University Press, 1g85), especialmente Eric Hobsbawm, exp. 7, “Mass producing Traditions: Bnrope 1870-1918", pp. 265-307. 2, Manfredo Tafuri e Francesco Dal Co, Modern srchitecture (Nova Yorks Abrams, 180), p52.

You might also like