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Aa Po oe JULES BOUCHER sk SUMUBOLIGA, IMLACOMIGA, Segundo as regras da simbélica esotérica e tradicional Pensamento ‘A SIMBOLICA MACONICA Jules Boucher Considerado um classico da literatura mag6nica, esta obra de Jules Boucher mostra que a Franco-Magonaria é uma socie- dade inicidtica cujo objetivo consiste, unicamente, em ajudar o homem e em dar-lhe acesso & Iniciagaéo, ao Conhecimento, de que, mais do que nunca, ele tem necessidade para conti- nuar a edificagaéo de seu Templo interior — isto é, para des- cobrir o seu “Eu” oculto — e para continuar a edificagao de seu Templo exterior — isto é, para preparar o advento de uma sociedade mais humana e mais esclarecida. O autor, magom exemplar, colaborador de varias revistas mac6nicas e autor de importantes obras sobre as ciéncias se- cretas, defende a opiniao de que os tao propalados segredos da Maconaria devem ser partilhados com os profanos. Segundo ele, com esse conhecimento, a Magonaria passard a ser enca- rada em sua verdadeira esséncia: a de uma associagao que ionais de ensinamentos o de conserva bem vivas certas formas tradi icidticos e que se baseia num tinico principi completa tolerancia em relagao a todas as correntes reli; e politicas existentes, por se situar acima e fora das rivalidades que as opdem entre si. ISBN 8S5-315-0625-5 EDITORA PENSAMENTO | 9"788531"506253) JULES BOUCHER (J.B.) A SIMBOLICA MACONICA OU A ARTE REAL REEDITADA E CORRIGIDA DE ACORDO COM AS REGRAS DA SIMBOLICA ESOTERICA E TRADICIONAL Hustrada com 125 figuras e XI pranchas por LuYs Ranur Traducao de FREDERICO OZANAM PESSOA DE BARROS EDITORA PENSAMENTO Sao Paulo Titulo do original: La Symbolique Magonnique Copyright © Dervy-Livres, Paris, 1948, 1979. Edigao (0 primeiro mimero& esquerda indica a edicdo. ou reedigio, desta Ano thre A primeira dezena d dirita indica 0 ano em que esta 7-B-9-10-11-12-13-14 glo om wooded publicoda, 00-01-02-03-04-05-06 Direitos reservados EDITORA PENSAMENTO LTDA. Rua Dr. Mario Vicente, 374 — 04270-000 — Sao Paulo, SP Fone: 272-1399 — Fax: 272-4770 E-mail: pensamento@cultrix.com.br http://www. pensamento-cultrix.com.br. Impresso em nossas oficinas grdficas. SUMARIO PREFACIO INTRODUGAO I. S{MBOLOS E SIMBOLISMO II. FORMA PARTICULAR DA INICIACGAO MAGONICA. Ill. VALOR TRADICIONAL E MISTICO DA INICIACAO MACONICA CAPITULO I OS INSTRUMENTOS ESQUADRO E COMPASSO MALHO E CINZEL PERPENDICULAR E NIVEL AREGUA E A ALAVANCA ATROLHA . QUADROS DE RECAPITULAGAO DO SIMBOLISMO DOS UTENSILIOS Aurore CAPITULO II O APRENDIZ 1, OGABINETE DE REFLEXAO O pio ea bilha de dgua O enxofre, o sal e o mercirio A bandeirola: “Vigilancia ¢ Perseveranga”” Os ossos, a caveira, a foice ¢ a ampulheta V.LT.R.1.0.L.(0) As trés perguntas O testamento - OS METAIS . PREPARACAO FISICA DO RECIPIENDARIO . AVENDA . AS TRES VIAGENS E OS QUATRO ELEMENTOS Saber, querer, ousar ¢ calar-se Nota sobre o tetramorfo 6. ATACA E A BEBIDA AMARGA Nota a respeito da “Tdbua de Esmeralda” Nota sobre a “‘cor verde” 7. OJURAMENTO wnen oy 14 1s 19 27 32. 35 37 38 44 44 46 47 48 48 48 49 50 52 56 60 61 65 67 68 68 8. AESPADA FLAMEJANTE 72 O arco de ago 15 9. OS TRES PONTOS 15 As abreviaturas 11 O alfabeto magénico 719 Os anagramas 81 10. AERA MACONICA 81 CAPITULO III A OFICINA 1, O TEMPLOE A LOJA 97 Os templos na Antiguidade 99 | A Loja de Sdo Jodo 100 ! 2. A ABOBADA ESTRELADA 102 3. O DELTA LUMINOSO E OS TRIANGULOS 104 4. O QUADRADO OBLONGO 110 5. OS TRES PILARES: SABEDORIA, FORGA E BELEZA 113 Nota sobre as Sephiroth 117 6. OS OFICIAIS E SEUS LUGARES 118 7. ACIRCULAGAO NO TEMPLO 125 8. OS CANDELABROS 129 9. AS FUMIGACOES 132 10. OLIVRO SOBRE O ALTAR 134 CAPITULO IV } © QUADRO DO APRENDIZ 1. O TEMPLO DE SALOMAO E AS DUAS COLUNAS 149 O Templo 149 | As duas colunas 152 Sachin e Boaz, os nomes das duas colunas 156 O lugar das colunas 156 As cores das colunas 158 2. AS ROMAS, OS LIRIOS E AS CORRENTES 160 As romas 160 Os lirios 161 As correntes 163 3. OS TRES DEGRAUS 164 4. O PISO MOSAICO 165 Nota sobre 0 jogo de xadrez 167 5. AS TRES JANELAS 171 » 2. 3. . APEDRA BRUTA, A PEDRA CUBICA E A PEDRA CUBICA. PONTIAGUDA A pedra bruta A pedra ciibica A pedra cibica pontiaguda Nota sobre os dados dos antigos Nota a respeito do “Machado” . ABORDA DENTADA E A CADEIA DE UNIAO . APRANCHA DE TRACAR Nota sobre os quadrados mégicos . AS DUAS LUMINARIAS: 0 SOL E A LUA . A PORTA DO TEMPLO CAPITULO V OS RITOS MACONICOS . OS RITOS E AS OBEDIENCIAS O Grande Oriente da Franga A Grande Loja da Franca A Grande Loja Mista: “O Direito Humano” A Grande Loja Nacional Independente . A HIERARQUIA Os graus do Escocismo e as cores . A REGULARIDADE MAGONICA . DEUS, O GRANDE ARQUITETO DO UNIVERSO CAPITULO VI O COMPANHEIRO . AS CORPORAC OES OBREIRAS E SEUS DIFERENTES RITOS As cores das corporagGes obreiras O bastdo dos companheiros Os brincos O “Tour de France” Estado atual das corporagées obreiras “Sumario das praticas impias, sacrflegas e supersticiosas que sdo executadas pelos companheiros seleiros, sapateiros, canteiros, cutelei- ros e chapeleiros, quando recebem os chamados Companheiros do Dever. OGRAU DE COMPANHEIRO A ESTRELA FLAMEJANTE O “Ankh” egipcio O nimero de ouro 173 173 174 179 182 183 185 190 190 192 196 205 205 206 207 207 208 212 215 217 223 226 226 227 227 227 230 235 239 240 242 aeons eperayesene opeere . ALETRA “G” A letra “E” do Templo de Delfos . O “QUADRO” DO COMPANHEIRO. CAPITULO VII O MESTRE . A ARTE REAL A LENDA DE HIRAM. A ACACIA A CAMARA DO MEIO HIRAM RESSUSCITA O “CHAPEU” DOS MESTRES OS “FILHOS DA VIOVA” . O“QUADRO” DO MESTRE . OGRAU DO MESTRE IDEAL CAPITULO VIII OS “ADORNOS” DO MACOM . OAVENTAL OS CORDOES AS JOIAS . AS LUVAS BRANCAS CAPITULO IX AS ATITUDES E OS GESTOS . AS MARCHAS OS SINAIS OS TOQUES AS ACOLADAS AS BATERIAS . ACADEIA DE UNIAO. CAPITULO X AS PALAVRAS . AS DIVISAS . AS ACLAMAGOES Liberdade, Eqilidade, Amizade 253 258 260 268 271 282 289 293 295 296 300 304 311 321 328 330 335 342 349 351 352 355 364 365 366 5. PALAVRAS SAGRADAS E PALAVRAS DE PASSE, 4, DICIONARIO DAS PALAVRAS SAGRADAS E DAS PALAVRAS DE PASSE APENDICE LENDA DOS TRES MAGOS QUE VISITARAM A GRANDE ABOBADA E DESCOBRIRAM O CENTRO DA IDEIA INDICES INDICE DOS AUTORES CITADOS E DE SUAS OBRAS. {NDICE DAS ILUSTRAGOES INDICE DAS PRANCHAS 369 370 379 385 395 400 PREFACIO Parece-me oportuno publicar um compéndio do Simbolismo Ma¢énico que, por um lado, seja util aos Magons e, por outro, seja acessivel aos profanos. As obras dos Léo Taxil, Paul Rosen, Marques-Riviére e de tutti quanti esforgaram-se por caluniar a Ordem MagOnica e conseguiram fixar no espirito do publico uma espécie de cliché que estd muito longe da verdade. Para os autores catélicos, a Magonaria continua a ser a “‘Sinagoga de Sata” e devemos ser gratos por ndo acusarem ainda os Magons de praticarem a evocagdo do anjo decaido! Para outros, a Magonaria é uma “‘maffia” que alimenta perigosos projetos politicos e ndo recua diante do assassinato, se isso for do interesse de seus designios. Para outros, ainda, a Maconaria ndo passa de uma cooperativa, uma “sociedade de socorros mutuos”. Os anti-semitas afirmam que ela é um instrumento nas mios de Israel, enquanto Max Doumic sustenta que ela é 0 6rgdo do imperialismo anglo- saxdo. Essas opinides diversas e contraditorias sdo todas igualmente falsas. A Franco-Magonaria é uma associagdo que guarda bem vivas certas formas tradicionais dos ensinamentos secretos inicidticos. O que nela domi- na € o princtpio de Tolerdncia: tolerancia em relagao as doutrinas religiosas € politicas, pois ela estd acima e fora das rivalidades que as dividem. A Maconaria abre o caminho a Iniciagdo — isto é, ao Conhecimento — € seus simbolos ddo ao Macom a possibilidade de acesso a ela. Na verdade, pode ocorrer que certos homens, depois de terem sido ados, continuem profanos; mas tais excegdes ndo devem fazer perder de vista o cardter transcendente da Magonaria. Tentamos divulgar e restabelecer o simbolismo magénico. Nao ini 9 pretendemos, de modo algum, dar uma interpretagdo definitiva e nisso ndv empenhamos nada a nao ser nossa responsabilidade. Nao se encontrard aqui 0 reflexo da doutrina desta ou daquela Obediéncia, mas apenas a opinido de um Macom de boa fé. Se nosso trabalho, agindo como um fermento, suscitar outros estudos, que 0 corrijam ou que o completem, ficaremos felizes com isso, e teremos entdo o sentimento de ter escrito uma obra util. Os Macons talvez nos critiquem por termos entregue nossos “‘segredos” aos profanos. Que eles se tranqiiilizem. Tais pretensos segredos j4 foram muitas vezes revelados, e aqueles que se divertiam com nossas “momices” serdo obrigados, se lerem este livro, a mudar de opinido. JB. INTRODUCGAO I. SIMBOLOS E SIMBOLISMO A palavra “simbolo” vem do grego sumbolon, sinal de reconheci- mento formado pelas duas metades de um objeto quebrado que tornam a se juntar; por extensdo, essa palavra significa uma representacdo analégica relacionada com 0 objeto considerado. A propésito, é bom fazer aqui uma distin¢4o entre as palavras alegoria, emblema e simbolo. A alegoria (do grego, allégoria) pode ser traduzida literalmente pelas palavras “falar” e ‘‘outro”, isto é “falar de outro modo”. Podemos citar como exemplos de alegorias 0 apdlogo (apo, sobre, e logos, discurso) uma alegoria moral e a paribola (parabolé, compara¢do) uma alegoria religiosa. O emblema (do latim emblema, omamento que se usa) é a represen- tacdo simples de uma idéia. O boi, por exemplo, é considerado o emblema da forga. O simbolo é mais amplo, mais extenso, e sua compreensdo relaciona- se intimamente com os conhecimentos j4 adquiridos por quem o estuda'. O padre Auber”, examinando o simbolo em sua aplicagdo especial a Sagrada Escritura, distingue quatro sentidos que podem estar ligados ao simbolo em geral: o sentido literal, 0 alegérico, o moral ou tropolégico e, enfim, 0 anagogico. O sentido tropolégico (tropos, mudanga; logos, discurso: mudar 0 tumo da conversa) distingue-se do sentido anagdgico (ana, no alto; ago, conduzir: elevar o espirito as coisas do alto) por ter o primeiro um sentido moral e o segundo um sentido mistico. O padre Auber, examinando o simbolo na aplicagao que dele faz a imaginacdo na interpretacdo simbélica faz as seguintes adverténcias: 11 19) Jamais usar o sentido acomodaticio® como algo dado por autores sagrados, mas como uma simples apropria¢do, feita por nds, da linguagem divina ao assunto que estamos tratando. 29) Nao alterar em nada, sob pre- texto algum, o sentido literal ou espiritual, que s6 poderia ser explicado pela Igreja e de acordo com a defini¢do do Concilio de Trento. 39) Enfim, sO usar interpretagdes acomodaticias quando ndo reprovadas pelos escritos dos doutores e dos mestres autorizados’ . O padre Bertaud®, por sua vez, pede que se respeitem as duas regras seguintes: 19) Que a coisa estudada comporte realmente um simbolismo. 29) Que, logo que nos encontremos diante de algo que de fato comporte um simbolismo, nos conformemos, para encontrar seu verdadeiro signifi- cado, com as regras da simbolica as quais tal coisa esta ligada e as quais o autor se sujeitou em sua composi¢do. Tais limitagdes no foram observadas, muito pelo contrario, pelos autores religiosos. Huysmans, em seu livro A Catedral, observa “que os simbolistas no se limitaram a converter em cursos de catecismo tratados de botanica, de mineralogia, de hist6ria natural, e de outras ciéncias; alguns, entre os quais Sio Militdo, acabaram aplicando seu processo de interpre- taco a tudo o que encontravam: uma citara transformou-se, para eles, no peito dos homens devotos; os membros do corpo humano se metamorfo- searam em emblemas: assim, a cabega significava 0 Cristo; os cabelos, os santos; 0 nariz, a discri¢do; as narinas, o espirito de fé; 0 olho, a contem- plagdo; a boca, a tentacdo; a saliva, a suavidade da vida interior; as orelhas, a obediéncia; os bragos, o amor de Jesus, etc.;e esses escritores estenderam seu estilo de exegese aos objetos mais usuais, aos utensilios, até aos instru- mentos que se encontravam ao alcance de qualquer um®”. Sdo precisamente os abusos do simbolismo que, desvalorizando-o, causaram a sua rejeicdo. Contudo, seu uso, de acordo com as regras tradi- cionais, parecer ser o Unico meio de explicar o inefavel. “O simbolo, diz Jean C..M. Travers’, é como um sensivel, com consisténcia propria, mas através do qual se pode perceber uma relagao de significagdo. Antes de significar, ele j4 possui, em seu poder, sua natureza propria. Ele se apresenta primeiro como um ser conhecido por ele mesmo, depois apenas como um ser que tem uma relacdo de significagdo em outro termo.” O mesmo autor cita estas palavras de Brunetiére: “O simbolo é imagem, é pensamento... Ele nos faz captar, entre o mundo e nés, algumas dessas afinidades secretas e dessas leis obscuras que podem muito bem ir além do alcance da ciéncia, mas que nem por isso s4o menos certas. Todo simbolo é, nesse sentido, uma espécie de revelacdo®”’. 12 O simbolismo é, com efeito, uma verdadeira ciéncia que tem suas regras precisas e cujos principios emanam do mundo dos Arquéticos”. Na Magonaria, o simbolo é constante e latente em todas as suas partes. E preciso, portanto, penetrar pacientemente seu significado. Somente pelo estudo dos simbolos é que se pode chegar ao esote- rismo"’. Apenas considerando 0 exoterismo dos simbolos, isto é, interpre- tando-os num sentido quase literal, é que chegaremos a julgar os Ritos fora de uso ou cafdos em desuso. Damos aqui uma explica¢do e uma interpretagdo do simbolismo mago- nico; mas ndo podemos ter a pretensdo de possuir a qualidade de “‘Iniciado”. Dirfamos até que € preciso desconfiar prudentemente de todo individuo que se gaba ou se vangloria de ser um “Iniciado”, ou, em outras palavras, de ser o unico a estar de posse do Conhecimento e da Verdade. “Iniciado” (de initium, comego) quer dizer simplesmente ‘‘colocado no caminho”, e 0 Magom sincero sabe, mesmo quando se tornou Compa- nheiro e Mestre, que ele continua a ser um Aprendiz. Henry Thiriet, lamentando a negligéncia na qual alguns deixavam o estudo do simbolismo, escrevia: “Ndo consigo entender, a ndo ser como uma enfermidade do espirito, que se possa negar seja o valor, seja a necessi- dade do simbolismo em nossa Ordem. Os que se obstinam nessa atitude ndo percebem que est%o negando, ao mesmo tempo, o cardter filosdfico’! da Franco-Maconaria e que, desse modo, privam-na de sua virtude essencial!?”. O estudo aprofundado dos simbolos e, sobretudo, dos simbolos magonicos pode levar muito longe. Nesta terra, tudo é simbolo; as proprias palavras, na realidade, ndo passam de simbolos das idéias. Na vida corrente, s4o muitos os simbolos de deferéncia, de amizade, de alegria, de luto, etc. O homem que satida tirando o chapéu ou inclinando a cabega simboliza com isso a deferéncia que ele quer manifestar 4 pessoa saudada; 0 aperto de mao — que se transformou numa cortesia banal — é um simbolo de afetividade, de cordialidade, de devotamento, de lealdade; sua recusa é simbolo de inimizade. O brinde é um simbolo de amizade e de espe- ranga em alguém ou em alguma coisa. Por que levantar a mao direita por ocasiao de um juramento sendo para simbolizar a sinceridade? O anel de casamento nao simboliza, acaso, a alianga indefectivel que deve unir os esposos? etc. Todo mundo compreende esses simbolos simples e banalizados. Mas existem outros simbolos menos freqiientes, mais ocultos: filoséficos, teligiosos, inicidticos. As vezes, sua casca é dura de ser quebrada, mas a semente, uma vez libertada, mostra-se tanto mais deliciosa! 13 II. FORMA PARTICULAR DA INICIACAO MACGONICA Cada “‘iniciagdo” tem suas formas particulares e a Iniciag&o Magonica, derivada das iniciagdes operativas e das associagGes de obreiros liga-se, por um lado, a arte de construir, e, por outro, com o mito de Hiram, aos “‘misté- tios antigos”. Certos autores, mais imaginosos do que criticos, afirmaram, sem provas vdlidas, que a Magonaria era a continuagdo da Ordem dos Templarios; outros disseram que ela havia sido instituida pela misteriosa Fraternidade dos Rosa-Cruzes (Fama Fraternitas); outros ainda quiseram fazer remontar sua origem a tempos imemoriais; alguns chegaram até Adao, por eles trans- formado no primeiro franco-macgom ! Existe certo parentesco entre os simbolos e os ritos magGnicos e os das associagdes de obreiros. Esses ultimos, por certo, sfo os primeiros, mas ndo se pode fixar, a ndo ser aproximadamente, a época em que a Franco- Magonaria, de operativa, tornou-se especulativa. Voltaremos a este assunto ao tratar das “‘associagdes de obreiros”’. A “Arte de construir” o Templo ideal: eis 0 objetivo proposto pela Maconaria. Esse Templo é, primeiro, o Homem, e, depois a Sociedade. Na iniciagdo magénica, o profano, ao “receber a luz”, torma-se aprendiz-magom; seu trabalho essencial consiste em “desbastar a pedra bruta” e para isso bastam-lhe dois utensilios: 0 Cinzel e o Malho. Quando sua habilidade se tiver desenvolvido, ele se tornard “companheiro” e aprenderd o uso de novos instrumentos. Mais tarde, terd acesso ao grau de “Mestre”, que lhe dard o direito e o dever de ensinar a Ciéncia Mag6nica aos Aprendizes e aos Companheiros. Nos dois primeiros graus, 0 Magom age sobre si mesmo: de “Pedra Bruta” ele se torna “Pedra Cubica” e pode, entdo, integrar-se em seu lugar no edificio, ou melhor, no Templo ideal. Esse trabalho é de realizagdo mais ou menos demorada; algumas pessoas jamais conseguirdo “desbastar a Pedra Bruta”, ndo por falta de capacidade, mas justamente porque ndo sentem necessidade disso. Estes, embora iniciados ritualmente, nado chegaram a receber verdadeiramente a luz. E sobre esses ““Magons”, que ndo so magons, que o publico forma seu julgamento e, por isso, a Franco-Magonaria, cuja verdadeira grandeza é desconhecida, é caluniada. A forma particular da Iniciagdo magonica é expressa pelos simbolos 14 do Esquadro e do Compasso, cujo simbolismo examinaremos adiante. Ragon, Oswald Wirth, Plantageneta, Bédarride, Marius Lepage, Mme. A. Gédalge, Ed. Gloton e muitos outros autores se esforgaram para fazer yoltar ao primeiro lugar o estudo do simbolismo magénico. Eles nos indi- caram o caminho e se, as vezes, nds os criticamos, nao desprezamos seus esforgos reais e os servicos por eles prestados 4 Magonaria. Ill. VALOR TRADICIONAL E MISTICO DA INICIACAO MACONICA A Iniciagdo Magonica é completa em si mesma, quando o Macom, depois de ter galgado sucessivamente os degraus do Aprendiz ¢ do Compa- nheiro, chega ao grau de Mestre. Mas o iniciado deve poder romper a casca mental, isto é, fugir do racionalismo esterilizante, para atingir a transcendéncia; somente depois de romper essa casca é que se torna possivel o acesso a verdadeira iniciagdo. Todos os simbolos abrem portas, sob a condigdo de ndo nos atermos apenas — como geralmente acontece — as definigdes morais. Sdo muitos os que se declaram “racionalistas” e que qualificam de “simbolistas” — com uma nuanga pejorativa — aqueles que tomaram cons- ciéncia do valor inicidtico da Maconaria. Convém analisar 0 vocdbulo “racionalismo” e examinar os limites por ele impostos. O racionalista (de ratio, razdo) recusa-se a levar em consi- deragdo tudo o que vai além dos limites de seu entendimento. Sua concep- ¢4o e seu conhecimento do mundo arriscam-se, por isso, a ser consideravel- mente amesquinhados, 4 medida de sua inteligéncia e de seu saber. E essa posi¢do intelectual prova ser realmente lamentavel. Tal atitude de limitagdo, para ser ldgica, suporia uma vasta cultura; desse modo, o racionalista comum 86 pode confiar naqueles que professam sua fé — pois existe uma fé — e que considera mais “‘sdbios” do que ele préprio. Ele pode, portanto, ater-se as leis fisicas e psicolégicas conhecidas e deve rejeitar — como manchado de erro — tudo o que vai além dessas leis. Estranho amesquinhamento de sua concep¢do do Universo! O racionalista faz alarde de ser “‘cientifico” e de que ndo passa de um “cientista”; ele admite que a “Ciéncia” faz conhecer as coisas tais como elas S40, que ela resolve todos os problemas e que ela basta para satisfazer todos 15 os desejos da inteligéncia humana. Para admitir um fato, a ciéncia exige que ele possa ser repetido 4 vontade; ela exige também que ele se enquadre em suas leis gerais. Ora, existe uma série de fendmenos que nao satisfaz essas condig6es e cuja realidade ndo é, absolutamente, objetiva. O racionalista fixa-se em sua concepcdo e dela faz um dogma, agindo assim como um fandtico, exatamente como os fiéis de ndo importa que religido, de nfo importa qual Igreja, para os quais ndo existe salvacdo fora dos dados teolégicos que lhes sdo préprios. A Ciéncia ndo passa de uma crenga que se apdia em hipoteses conti- nuamente renovadas; é inutil e ilusério pedir a ela o que ela ndo pode dar: o conhecimento espiritual. “O conhecimento ou a inteligéncia do divino, diz Jamblique (De mysteriis, Il, 11), ndo basta para unir os fiéis a Deus; se assim fosse os filé- sofos, por suas especulagées, realizariam a unifo com os deuses. E a execu- go perfeita e superior a inteligéncia de atos inefaveis, é a fora inexplicdvel dos simbolos que fomece o conhecimento das coisas divinas.” Ora, a Franco-Maconaria é uma verdadeira escola de iniciagao e nao, como a julgam comumente, uma associagdo fraterna com finalidades mais ou menos politicas. A iniciagdo, tal como a concebiam as antigas “Sociedades de Misté- tios” e tal como a praticam ainda as seitas mais ou menos evoluidas da Africa negra ou da Asia misteriosa, a iniciagdo ‘‘abre portas” até entdo proibidas ao recipienddrio. Além do mais, a transmissdo ininterrupta dos “poderes” integra o impetrante ao Egrégoro’* do grupo e o faz participar, apesar dele, da vida m{stica e profunda da prépria esséncia dos simbolos. Essa “iniciagdo” verdadeira é Una no tempo, no espago, nos ritos, embora os costumes sociais ou étnicos daqueles que a praticam sejam diferentes. A Iniciagdo Magonica toma palpdvel essa Unidade do Conheci- mento através das seitas e dos ritos. Sera possivel provar a filiagdo magénica inicidtica mediante fatos precisos? Serd possivel afirmar que essa filiagdo é inexistente? René Guénon é muito categérico a respeito: “Nao existem mais no mundo ocidental organiza¢Ges inicidticas capazes de reivindicar para si uma filiagdo tradicional auténtica sendo as Associagdes de Obreiros e a Mago- naria’*”, Contudo, ele nao fornece nenhum argumento, a ndo ser especula- tivo, para apoiar sua tese. Albert Lantoine, 0 erudito historiador da Magonaria, pouco suspeito de misticismo, diz a respeito da influéncia dos Rosa-Cruzes sobre a Mago- naria: “Para nos hd mais do que pontos de contacto: hd uma interpenetragdo 16 que fez da velha magonaria uma nova franco-magonaria. Alids, nfo podemos explicar por outro modo todo esse simbolismo mistico... Portanto — e esse ponto é extremamente importante para os decifradores de simbolos — nds yeriamos af a explicagdo muito natural, muito simples desse ritualismo que, em lugar de se ter transmitido por sucessivas associagdes misteriosas, teria sido implantado por inovadores curiosos de reminiscéncias inicidticas'*”. Seja como for, assim como o movimento se prova caminhando, a Maconaria prova seu valor inicidtico com todo esse aparato simbdlico que ela conserva e de que se utiliza. NOTAS A INTRODUCAO 1, A esse respeito, é dificil compreender a explicagdo dada pelo dicionario Larousse: “‘O simbolo é constante, o emblema é varidvel. O stmbolo é tido como de origem divina ou desconhecida; 0 emblema é inventado por alguém. O sim- bolo tem, com o objeto a que estd ligado, uma analogia facil de ser captada: assim, a tartaruga ¢ o simbolo da lentiddo; 0 emblema, pelo contrdrio, exige muitas vezes um esforco de inteligéncia para ser compreendido, porque, em geral, ele associa varias idéias diferentes: assim, uma pomba, fazendo seu ninho num capacete, é o emblema da paz que se segue & guerra. Existe aqui uma confusdo manifesta entre as palavras emblema e stmbolo; 0 que se diz de um reporta-se ao outro. 2. Histoire et théorie du symbolisme religieux, 1884, t. I, p. 50. 3. Chama-se acomodaticio o sentido simbélico dado tarde demais e acidentalmente a.um texto que ndo foi feito com vistas a essa aplicagio. 4. Op. cit. p. 55. 5. Etudes de symbolisme dans le culte de la Vierge, 1947, p. 11 ¢ segs. 6. Plon, 1928, pp. 386-387. 1. Valeur sociale de 1a liturgie d'aprés saint Thomas d'Aquin, 1946, p. 125. 8. Op. cit., p.127. 9. Arquétipo, do grego arché e tupos, protétipo ideal das coisas, idéia que serve de modelo com relagdo a outras. 10. Esoterismo opée-se a Exoterismo; podemos traduzir livremente esses dois termos por ensino secreto e ensino piblico. Hoje, alids de forma abusiva, a ten- déncia é fazer da palavra esoterismo sinénimo de ocultismo. 11. Dirfamos “inicidtico”. 12. Esquisse d’une Doctrine Positive de la Franc-Magonnerie, 1927, p. 64. 17 14. 15. Egrégoros (do grego egrégorein, vigiar) ; essa palavra designa, no Livro de Henoch, 0s anjos que haviam jurado vigiar sobre o monte Hermon e se traduz por os vigi- lantes. Chama-se de “egrégoro” uma entidade, um ser coletivo saido de uma assembléia. Cada Loja tem o seu egrégoro: cada Obediéncia tem o seu e a reu- nido de todos esses egrégoros forma a grande Egrégora Macénica. (Pensamos que © costume de escrever egrégoro com dois g é errado e ndo tem nada a ver com a etimologia.) Apercus sur Initiation, 1946, p. 103. La Franc-Magonnerie chez Elle, 1925, p. 92. OS INSTRUMENTOS 1, ESQUADRO E COMPASSO No simbolismo magénico, esses dois instrumentos' estdo sempre associados. O Esquadro (do latim exquadra e exquadrare, esquadrar) é um instrumento, diz Ragon*, “‘cuja propriedade é tomar os corpos quadrados; com ele seria impossi- vel fazer um corpo redondo. O Esquadro, pendurado no corddo do Veneravel, signi- fica que a vontade de um chefe de Loja sé pode ter um sentido, o dos estatutos da Ordem, e que ela sO deve agir de uma maneira: a do bem”. Sem duvida por assondncia, da-se geralmente ao Esquadro o sentido de eqiiidade. O Esquadro é formado pela reunido da horizontal e da vertical (fig. 1). Para Oswald Wirth®, ele simboliza o equilibrio resultante da unido do ativo com 0 passivo. Contudo, a dissimetria do Esquadro vai contra essa maneira de ver; oO Tau grego (fig. 2) corresponderia melhor a essa defini¢ado. O equilibrio é um estado estdtico; ora, o Esquadro, por sua falta de simetria — se supusermos seus bra¢os desiguais ou, Fig. 1. O Esquadro. Fig. 2. O Tau grego. ainda, se o fizermos repousar sobre um de seus lados — traduz, pelo contra- tio, um sentido ativo, dinamico. Oswald Wirth observa também* que a Cruz e 0 Quadrado podem ser considerados como formados por dois ou quatro Esquadros de bracos desiguais, que seriam reunidos por seus vértices ou por suas extremidades (fig. 3a e 3b). L ~ Fig. 3a. A Cruz formada por dois Esquadros Jean Kotska, em Lucifer oe Lae Fig. 3b. O Quadrado formado por quatro Esquadros. démasqué®, exclama, animado por uma extraordindria firia antimag6nica: “Sim, verdadeiramente o Esquadro é a sills les Fig. 4. Gammadia, Cruz formada por quatro Esquadros. bandeira do rei dos infernos que avanga. E o demonfaco Esquadro! E a Cruz quebrada, porque o Esquadro é a quarta parte da Cruz. Essa sigla infernal fala muito claro por si mesmo. Nos quatro pontos cardeais o deménio planta os quatro fragmentos da Cruz do Senhor que ele desmembrou (fig. 4). Eis 0 que quer dizer o famoso emblema da retiddo!” E interessante notar que na astrologia © Angulo de 90° (o Esquadro), entre dois planetas, chamado ‘“‘quadrado” ou “‘qua- dratura”, é€ considerado maléfico. O Esquadro refere-se, com efeito, a “‘Matéria” que ele simboliza, que ele retifica e ordena. A organizagao do Caos, do Tohu-Bohu nfo é feita sem dificul- dades, sem mal. E, por outro lado, o “quadrado” astrolégico, por mais “dissonante” que seja, estd longe de ter sempre um alcance maléfico; muitas vezes ele indica superatividade, uma ruptura de equilfbrio. 20 Num sentido, o Esquadro representa a ac¢éo do Homem sobre a Matéria; noutro sentido, representa a ago do Homem sobre si mesmo. Como esté ligado a Matéria, o Esquadro é passivo, enquanto o Com- asso, designando o Espirito, é ativo, como veremos adiante. O Venerdvel usa o Esquadro como uma joia pendurada em seu cord4o (fig. 5); nesse Esquadro, os dois bra- gos ndo sao iguais, estéo numa rela¢do de trés por quatro, como os dois lados do trian- gulo retangulo dos pi- tagéricos. Em_ geral, ele é adornado em seu anverso, o que implica um sentido bem definido. So- bre o peito do Venerdvel, o braco mais longo fica do lado direito; assinala-se assim a preponderancia do afivo (lado direito) sobre o passivo (lado esquerdo). A jéia dos Venerd- veis honordrios (anti- gos Venerdveis) é se- melhante, mas tem algo mais: pendurado entre os dois bragos do Esquadro, est a demonstragdo do teo- rema de Pitagoras® (fig. 6). Este simboli- za nitidamente a cién- cia magOnica que aque- le que o usa deve possuir. Porque o papel do Veneravel é criar Macons perfeitos é que ele usa 0 Esquadro, sinal de retiddo e instrumento indispensdvel para transformar a Pedra bruta em hexaedro perfeito (Pedra cubica). Os Macons, convenientemente formados, estardo depois aptos a parti- cipar da construgao do Templo ideal de que eles proprios serdo as pedras perfeitas. Eles serao assim, ao mesmo tempo, passivos e ativos, constitufdos € constituintes. Fig. 5. Esquadro do Venerdvel. Fig. 6. Esquadro do Venerdvel de Honra. 21 Observaremos, ainda, que o Esquadro é 0 gamma grego, de que fala- temos ao tratar da letra G (fig. 7). As cruzes, formadas de quatro “gamma” (fig. 4) eram chamadas de gammadiae e figuravam outrora nas vestes e ornamentos eclesiasticos. Na simbolica pitagdrica, o Esquadro é 0 signo do “gnomo””. Citaremos como exemplos, os gnomos formados pelos nimeros impares 3, 5, 7, etc., que resultam sucessivamente da seqiiéncia dos quadrados. Os gnomos podem ser triangulares, quadrados, pentagonais, hexagonais, etc., reportando-se entao aos nimeros de igual nome. Para o nosso estudo, basta lembrar que o tipo do gnomo é o Esquadro. Tais sdo os sentidos gerais do Esquadro, cujo Fig. 7. simbolismo nao tivemos, em absoluto, a pretenso Gamma grego. de ter esgotado® (fig. 8). * «oo O Compasso® é, por certo, um dos instrumentos que o homem inven- tou depois de ele ter adquirido a nogdo de circulo. O compasso serve ndo s6 para tragar circulos como também para tomar e transferir medidas". Ele se compée essencialmente de dois bragos articulados e ligados por um eixo (fig. 11). “Com o Compasso, diz Ragon'', descrevem- GG se circulos cujo centro ele WW AA indica Beane Se Ly |_| como os raios e o diame- JJ v tro. Intelectualmente, o La ele Compasso é a imagem do | ZB pensamento nos diversos circulos que ele percorre; © afastamento de seus bragos e sua aproximacdo representam os diferentes modos do raciocinio que, de acordo com as circunstancias, devem ser abun- dantes e amplos, ou precisos e estreitos, mas sempre claros e persuasivos.” Wirth, por sua vez, nota que o Compasso “dé a sensagdo de um infi- nito-tempo limitado no espago”. Para Wirth, o Compasso é 0 simbolo do Relativo, Wirth acrescenta que 0 Compasso, “lembrando uma figura humana, Fig. 8. Gnomos quadrados. 22 tem uma cabega e dois bragos, que se afastam 4 vontade. Em seu mais amplo afastamento, eles medem o dominio que o génio humano pode atingir, 0 conhecido, além do qual se estende a imensiddo misteriosa do inexplorado, provisoriamente incognoscivel'?””. Enfim, Gédalge'? explica que “o circulo centrado pelo ponto é a primeira figura que se pode tragar com a ajuda de um Compasso; essa figura, diz ela, é o emblema solar por exceléncia. Ela com- bina o Circulo (infinito) com o ponto (simbolo do inicio de toda manifesta- go)”. E Gédalge acrescenta: “‘o absoluto e o Relativo estdo, portanto, representa- dos pela agdo do Compasso, que é tam- bém a figura da dualidade (bragos) e da unido (a cabega do Compasso)”’. Fig. 9. Pentagrama. O Esquadro é um instrumento fixo enquanto o Compasso é um instru- mento mével. Portanto, em relagdo ao Esquadro, passivo, o Compasso é€ ativo. Na figura do Traité de l’Azoth, de Basile Valentin (fig. 12), é 0 brago direito que segura o Compasso, enquanto o esquerdo segura o Esquadro. Essa obra data de 1659; isto é, é anterior a data admitida como o da criagdo da Franco- Maconaria, data arbitrariamente fixada no ano de 1717'*. Fig. 10. Por suas pontas, 0 Compasso indica O VAU O RESCH __ sua ascendéncia sobre a matéria, enquanto hebraico hebraico —_ afastamento de seus bragos é inferior a 180° Chegando a esse afastamento, ele se toma uma linha reta e ndo tem mais nenhuma possibilidade efetiva. O Compasso, no grau de Mestre, deve ser aberto a 45°, isto é, a metade de um Angulo reto, a metade do angulo formado pelo Esquadro. Nesse grau de abertura, o Compasso é estavel e ndo corre 0 risco de se abrir 23 inopinadamente durante o tragado. E por isso que 0 simbolo do Compasso tem uma abertura de 60°, na joia do 59 grau (Rito Escocés) e uma abertura de 90° nas joias dos graus 149 e 189; enfim, encontramo-lo ainda associado ao Esquadro no grau 290"°. Fig. 11. © Compasso. Se admitirmos que a abertura do Compasso indica as possibilidades do “Conhecimento”, a abertura de 45° refe- re-se a0 89, a de 60° ao 69 e ade 90° a 1/4. A Magonaria, limitando a abertura do Compasso ao maximo de 90° indica, por esse modo, os limites que o homem ndo seria capaz de ultrapassar. O angulo de 90° reproduz o Esquadro. Ora, o Esquadro, como sabemos, é o simbolo da Matéria; o Compasso é 0 simbolo do Espirito e de seu poder sobre a Matéria. Aberto a 45°, o Compasso indica que a Matéria ndo esté completamente domi- nada, enquanto que a abertura a 90° tealiza integralmente o equilibrio entre as duas forgas; o Compasso transfor- ma-se num “Esquadro justo”. Por ora, nos limitaremos apenas ao simbolismo dos trés primeiros graus da Magonaria — graus primordiais e perfeitos — nos quais 0 Compasso € aberto a 45°. Na Loja, o Compasso e o Esquadro sfo colocados sobre o Altar'® de trés modos diferentes: No 19 grau, o Esquadro é colocado em cima do Compasso (fig. 16). No 29 grau, o Esquadro é entre- cruzado com o Compasso (fig. 17). No 39 grau, o Esquadro é colocado debaixo do Compasso (fig. 18). Plantageneta, falando dessa “antiga tradigfo”, diz'7: “No grau de Aprendiz, o Esquadro cobre os dois bragos do Com- passo, indicando que nesse grau ndo se pode exigir mais do neOfito além de sinceridade e confianga, conseqiiéncias naturais da eqiidade e da Fig. 12. O “Rebis" de Basile Valentin. setiddo; no grau de Companheiro, um brago do Compasso cobre o Esquadro, 0 que nos permite considerar que o Misto nZo cumpre sua tarefa as cegas e que a moral do simbolo é sinceridade e discernimento; no grau de Mestre, enfim, o Esquadro aparece debaixo do Compasso, 0 que nos permite esta- belecer como divisa do 39 grau discernimento e justica’”’. Fig. 13. Fig. 14. Fig. 15. Os setores do conhecimento. Como a maioria dos autores magOnicos, Plantageneta, propositada- mente ou nio, ndo se eleva até 0 absoluto dos simbolos; ele agarra-se a seu sentido moral, \imitando assim, vergonhosamente, as possibilidades meta- fisicas do simbolismo. O Compasso simboliza, repetimo-lo, o Espirito, e o Esquadro, a Maté- tia. Por conseqiiéncia, podemos dizer: no 19 grau, a Matéria domina o Espirito; no 29 grau, essas duas forgas se equilibram; enfim, no 39 grau, o Espirito sobrevoa a Matériae a transcende. Nao nos esquecamos de que o compasso aberto apenas a 45° indica que o dominio do Espirito sobre a Matéria é relativo. O Esquadro e o Compasso entrecruzados podem, em certo sentido, telacionar-se com o Selo de Salomao'®; mas este é uma figura fechada, enquanto que a nossa sigla é aberta, pois é formada por dois angulos e nao por dois triangulos (fig. 19), evocando assim, uma idéia do Infinito. Oe ok ok Fig. 16. O Esquadro Fig. 17. O Compasso eo Fig. 18. O Compasso sobre sobre 0 Compasso. Esquadro entrecruzados. o Esquadro. 25 O Espirito e a Matéria — esses dois “incognosciveis” — também séo representados por dois X ligados (fig. 20). Fig. 19. O Esquadro e 0 Compasso Fig. 20. “Selo de Salomao”. Os dois X ligados. E curioso e interessante comparar nosso simbolo com o imaginado pelos Sulpicianos no século XVII, que é, diz Mons. Barbier de Montault’®, “um M que sobrepde a um A, dando o nome de Maria, enquanto os dois tragos laterais encimados por um ponto formam as inioiais de Jesus e de José. A Sagrada Familia est4 toda aqui (fig. 21).” Alguns autores léem a palavra sagrada hindu “AUM” no monograma da Virgem, ® mas nds deixamos a eles a responsabilidade dessa interpretagio”°, No grau de Mestre, e mais geralmente por toda a Maconaria, o Compasso deve ser colocado em cima do Esquadro, e nao entrecruzado com ele. Podemos achar mais _ Fig. 21. O monograma da Vir- decorativa essa ultima posi¢do, mas 0 gosto gem e da Sagrada Familia, pelo decor no deve levar-nos a um contra-senso ou, pelo menos, a um sentido afastado da significacdo real do simbolo. Todavia, na Loja do Aprendiz —grau ao qual os trabalhos sao abertos mais freqiientemente — seria conveniente nao omitir essa colocagio do Esquadro sobre o Compasso. Observaremos, ainda, que o Compasso é utilizado por ocasiao dos titos de iniciagfo ao 19 grau. No momento em que pronuncia 0 juramento que o liga 4 Magonaria, o Recipienddrio apdia sobre o peito uma das pontas do Compasso que ele segura com a mao esquerda, o que Ragon explica do seguinte modo: “A ponta do Compasso sobre o peito nu, sede da cons- ciéncia, deve lembrar-lhe a vida passada, durante a qual seus objetivos e iniciativas nem sempre talvez se tenham regrado por esse simbolo de exa- tiddo que, dai por diante, deverd dirigir seus pensamentos e suas agGes””. Ora, nesse grau, o Recipiendario é tido como alguém que simbolica- 26 mente, ainda ignora o uso do Compasso; este, representando o Espirito, quer significar que, acima do sentimento (do coragdo) convém colocar, no a 1azdo, seca e fria, mas antes o Espirito inicidtico em toda a sua trans- Fig. 22. O Pentagrama no ‘Compasso e no Esquadro. 2. MALHO E CINZEL cendéncia. O raio definido pelo Compasso nio vai do centro para a periferia mas, ao contrd- rio, vai da periferia para terminar no cen- tro e “penetra” o Recipiendario”*. Podemos também “‘ver’’ o Pentagrama na associa¢éo do Esquadro e do Compas- so (fig. 22). Esse “signo” dinémico — se levarmos em conta os comentdrios que fizemos de seus constituintes — fala bas- tante por si mesmo, e no é preciso insis- tir mais nisso”?. Esses dois instrumentos, o Malho e o Cinzel, servem para o desbasta- mento da Pedra bruta. No plano analdgico, eles estao relacionados parti- cularmente com o grau de Aprendiz. O Malho é também a insignia essen- cial do Venerdvel e dos dois Vigilantes da Loja; deve, portanto, ser estudado tam- bém em fungdo dessa atribuigao. O Malho™ e o Cinzel”* represen- tam, como o Compasso e o Esquadro, 0 Ativo e o Passivo, “O Malho, diz Ragon,?6 emblema do trabalho e da forca material, ajuda a derrubar os obstdculos e a superar as difi- Fig. 23. O Malho e 0 Cinzel. culdades. O Cinzel € 0 emblema da escultura, da arquitetura e das belas- artes: seu uso seria quase nulo sem o concurso do Malho. Do ponto de vista intelectual, eles concorrem para um mesmo objetivo; porque o Malho, emblema da légica, sem a qual ndo podemos raciocinar corretamente, e que nfo pode ser dispensada por nenhuma ciéncia, precisa do Cinzel, que é a 27 imagem da causticidade dos argumentos com os quais conseguimos destruir os sofismas do erro; de onde resulta que esses simbolos representam as belas- artes e varias profissdes industriais; e a légica, elementos proprios para tomar o homem independente.” “O Malho, diz por sua vez Plantageneta?’, é o simbolo da inteligéncia que age € persevera, que dirige o pensamento e anima a meditagdo daquele que, no siléncio de sua consciéncia, procura a verdade. Visto sob esse angulo, ele é insepardvel do Cinzel, que representa o discemimento, sem cuja inter- ven¢do qualquer esforgo seria inttil, sendo perigoso.” A mediocridade dos comentarios de Ragon e de Plantageneta é por demais evidente e ndo pode deixar de ser percebida por quem quer que seja. Esses dois autores ndo sentiram tudo o que esses simbolos podiam conter dentro de si. Oswald Wirth é mais claro e se aproxima mais da verdade quando diz”®: “Dois instrumentos sdo insepardveis (para talhar a Pedra bruta). O primeiro representa as solugdes aprisionadas em nosso espirito: é o Cinzel de aco, que é aplicado sobre a Pedra, seguro pela mao esquerda, lado passivo, que corresponde 4 receptividade intelectual, ao discernimento especulativo. O outro representa a vontade que executa: é o Malho, insignia do comando, que a mAo direita, o lado ativo, brande, e estd relacionado com a energia que age e com a determinagao moral, cujo resultado é a realizagdo pratica”. Mais adiante, Oswald Wirth entrevé uma origem germanica para o Malho; com efeito, Wirth escreve: “A importancia que atribuimos ao Malho poderia estar ligada ao deus Donar, uma espécie de Jupiter tonante, de que todo chefe de familia se: tornava sacer- a dote no interior de sua casa, onde os Se” Titos familiares s6 se realizavam com a ajuda de um Martelo”®?”. Existe um deus, Sucellos®, prova- velmente de origem céltica, cujo atributo essencial é um Malho enorme. O nome desse deus parece ‘‘aquele que bate bem” ‘ou “‘aquele que tem um bom martelo”*!. Fig. 25. O signo de Jupiter Sabe-se também que o deus escan- © 0 relampago. dinavo Thér, o deus do raio, munia-se de um martelo. Thér é uma contragdo 29 de Thonar (v. all. Donar) e quer dizer Trovdo. Thér era tido como um deus benfazejo, protetor e amigo dos agricultores, pois atribuia-se & tempestade uma influéncia salutar sobre a fertilidade da terra®”. Sucellos e Thér podem ser comparados ao Zeus grego (0 Jupiter dos latinos) cujo signo hieroglifico é o ziguezague do relampago (fig. 25). A forma do Malho é a de um Tau grego. Costuma ser feito de buxo, madeira escolhida por causa de sua dureza. O padre Corblet observa que 0 buxo é o simbolo da firmeza e da perseveranca® . Fazem-se também malhos de marfim, para serem oferecidos aos Veneraveis em certas circunstancias. O marfim simboliza, geralmente, a pureza™, Muitas vezes os Malhos magénicos sdo pintados de preto e se asseme- lham, assim, ao ébano. Contudo o ébano — madeira fragil — nunca foi usado para fazer instrumentos®’. Por que no usar simplesmente martelos de buxo e deixar essa madeira em sua cor natural? Por ocasido da abertura dos Trabalhos de uma Loja, os dois Vigilantes circulam armados com o Malho. Este deve ser segurado com a mao direita e carregado sobre 0 ombro esquerdo, Nessa posigao, os vigilantes fazem “o sinal do Esquadro”. E um erro segurar 0 Martelo com a mao esquerda e apoid-lo no ombro esquerdo e fazer ao mesmo tempo o “‘sinal do aprendiz” com a mao direita®®. Observaremos que, na Loja, os Immaos devem colocar-se sucessiva- mente na Ordem, a medida que o Vigilante passa na frente deles, e ndo todos juntos, como comumente se faz. Os Irmos, nesse momento, devem estar voltados para o “Oriente” — para o Veneravel — e desse modo nao podem ver o sinal feito por alguém que esteja atras deles. Essa tradigdo permite identificar imediatamente qualquer profano que se tenha imiscufdo na assembléia, e com seu Malho, empunhado com a 30 mio direita, o Vigilante, se 0 julgasse util, poderia infligir-lhe imediatamente uma sangdo severa. E evidente que hoje isso nao passa de uma tradigdo; mas esta deveria ser integralmente respeitada. Se os Vigilantes se colocam eles préprios na Ordem do Aprendiz, eles mostram © sinal que deve ser feito e sua caminhada é absolutamente inutil. Do mesmo modo, se todos os Irm@os se colocam simultaneamente na Ordem, é evidente que um profano imitara facilmente o seu gesto. E por alteragGes desse tipo que os ritos, nado sendo mais observados, se transformaram em v4os simulacros. O Malho simboliza a vontade ativa do Aprendiz. Ndo é uma massa metilica, pesada e brutal, pois a vontade nao deve ser nem obstinagdo, nem teimosia: ela deve ser apenas firme e perseverante. Mas 0 homem nao pode agir diretamente sobre a Matéria; 0 Cinzel servira, entdo, de intermedidrio. Este deverd ser amolado freqiientemente: isto é, devera rever continuamente os conhecimentos adquiridos; ndo deixd-los embotar. Esses “‘conhecimentos adquiridos” (com o cinzel empunhado pela esquerda) devem ser usados, de outro modo a intelectualidade se torna passiva (cinzel em desuso). O Malho age de forma descontinua. Isso mostra que o esforgo nado pode ser perseguido sem interrupgdo e, por outro lado, que uma pressdo continua sobre o Cinzel tirar-lhe-ia toda a sua precisio. Achamos que, com o que dissemos, deixamos entrever suficiente- mente o simbolismo do Malho e do Cinzel. Entre as m4os do Venerdvel e dos dois Vigilantes, o Malho significa 0 seu poder. Serve para provocar ondas sonoras ritmicas®”. Observemos aqui que 0s dignitdrios sdo recebidos na Loja “‘ao bater dos Malhos”; isto é, sio dados golpes de martelo, sucessiva e alternativamente, pelo Veneravel, pelo primeiro e pelo segundo Vigilantes. Esse “ruido” monétono e regular realiza entao o “‘siléncio integral” pois abafa qualquer som adventicio. 31 3. PERPENDICULAR E NIVEL A Perpendicular® e 0 Nivel®? dao, respectivamente, a Vertical e a Horizontal. Encontramos ainda ai 0 Ativo e o Passivo, as duas polaridades universais, uma de movimento e de agdo e outra de inércia e de repouso; 0 Rajas e 0 Tamas dos hindus; os dois “opostos”, cujo jogo recfproco condiciona a vida do Universo, as alternancias da expiragdo e da inspiraggdo de Brahma, as duas sexualidades que fazem a vida. Fig. 26. A perpendicular. Fig. 27. O nivel. A Perpendicular é 0 fio de prumo, Na Magonaria, ele é representado fixado no centro de um arco de abébada. O Nivel do macom é um triangulo em cujo 4pice est4 amarrado um fio de prumo. Preferimos a designagdo “tradicional” de perpendicular a de fio de prumo. O Nivel, no simbolismo magénico, deve ser formado por um esquadro justo, isto é, um esquadro cujo Angulo, no dpice, deve ser de 90°. A Perpendicular é 0 atributo do segundo Vigilante, ao passo que o Nivel é 0 atributo do primeiro. Ragon explica que “o Mivel simboliza a igualdade social, base do direito natural; e que a Perpendicular significa que o Magom deve possuir uma retiddo de julgamento que nenhuma ligacdo de interesse ou de paren- tesco seja capaz de perturbar®”. Para Plantageneta*! “O Nivel é o simbolo da igualdade original; mas ele ndo implica, em nenhum sentido, o “‘nivelamento” dos valores: ele nos lembra que é preciso considerar todas as coisas com igual serenidade”’. Wirth, enfim, vé* na “forma do Nivel a evocagdo do signo alquimico 32 do Enxofre®, substancia cuja combustdo mantém o Fogo central de todo foco de atividade. O Primeiro Vigilante, diz ele, é 0 guardiao desse ardor Jaborioso, que ele estimula apenas percebe qualquer diminui¢do de inten- sidade”. E acrescenta: “O segundo Vigilante con- trasta com 0 primeiro por sua docura. Ele com- preende tudo e sabe desculpar o que é desculpd- vel. Constrangido a confessar um erro, 0 iniciante dirige-se a ele com confianga, adivinhando que qualquer erro pode ser reparado sob a égide da Perpendicular. Esse instramento determina a ver- tical, que incita 0 espfrito a descer e a subir. Aprofundando, descobrimos nossos préprios de- feitos e nos elevamos acima da platitude geral, desculpando os defeitos alheios”. Citaremos ainda Gédalge que, falando a respeito do Fio de Prumo, diz™: “Ele é o em- blema da busca —em profundidade — da verdade, do aprumo, do equilfbrio; ele parece mostrar 0 Fig. 28. O enxofre. caminho que leva 4 ‘Camara do Meio’. Com o Nivel e o Esquadro, ele permite a construcdo correta das muralhas do Templo. Pode-se ver a ‘Per- pendicular’, diz ela, esculpida debaixo do olho divino e acima do Demiurgo, Operdrio Ferreiro, Arquiteto dos deuses, Viswakarma, no Templo subter- réneo de Ellora (India). A primeira vista, podemos ser confundidos ao ver a Perpendicular (a Vertical, simbolo ativo) como um atributo do segundo Vigilante, e o Nivel (a Horizontal, simbolo passivo) como um atributo do primeiro Vigi- lante. Na realidade, o Nivel indica a Horizontal, mas ele proprio esté munido da Vertical: a Perpendicular. O Nivel é, portanto, um instrumento mais completo do que a Perpendicular sozinha, e este é o motivo pelo qual ele € a insignia do primeiro Vigilante, 0 tnico qualificado para tomar o lugar do Venerdvel em caso de auséncia deste. O Nivel nao é apenas a Horizontal, mas ainda a Cruz, reunido da Vertical com a Horizontal. 33 A Perpendicular da a direcdo do centro da Terra, enquanto 0 Nivel da a linha reta em Esquadro em relagdo a um ponto dado com a Perpendicular, A Perpendicular é 0 simbolo da profundidade do Conhecimento e de sua retiddo; ela previne qualquer desvio obliquo; 0 Nivel mostra que o Conhecimento deve relacionar-se com o “plano terrestre”, 0 tinico capaz de interessar diretamente a criatura humana. E partindo de fiadas sélidas e bem assentadas que o Macgom pode e deve trabalhar com vistas 4 propria elevacdo espiritual. Quanto A “Igualdade”, entidade abstrata, 4 qual ainda se quer ligar o Nivel, a Natureza inteira mostra que isso ndo passa de uma mistificagdo. Os homens no sao iguais nem fisica, nem intelectualmente. Nas citagdes que fizemos, Ragon fala em “igualdade social”, mas Plantageneta diz “que a igualdade ndo implica num nivelamento de valores”. Esse dltimo autor sentia muito bem o que havia de absurdo nessa nogdo demasiado absoluta de “igualdade”. Encontramos af ainda essa limitagao “moral” que se quer impor aos simbolos mag6nicos. Precisamos enxergar mais longe e mais alto. A moral é sempre relativa e particular; ela varia de acordo com os lugares, as épocas, os agrupamentos. O Conhecimento, proporcionado pela Iniciag4, que deve, na nossa opinido, tomar o lugar da moral, tende para o Absoluto. Pascal escreveu: “‘A verdadeira moral zomba da moral”. A Magonaria nao é uma escola de moral. Os verdadeiros Iniciados manifestam-se no plano profano e no na qualidade de Macons, mas por um comportamento que, de algum modo, é uma “reverberacdo”. Quando o Aprendiz se torna Companheiro, diz-se que ele passa da Perpendicular para o Nivel, isto é, que, tendo aprofundado suficientemente os elementos do Conhecimento, ele se torna capaz de visualizar estes em suas relag¢des com 0 Mundo, com o Cosmos. Essas relagGes sao indicadas pelo Triangulo** que constitui a armadura do Nivel. 34 4, A REGUA E A ALAVANCA A importancia do simbolismo da Régua é mais particularmente subli- nhado no Rito Escocés, onde ela é encontrada em trés das viagens do Reci- piendario, candidato ao grau de Companheiro. HA diferencas notaveis, entre os diferentes Ritos, a respeito da atribui- go dos Utensilios nas cinco viagens que a inicia¢do ao 29 grau comporta. Eis 0 quadro comparativo: | VIAGENS | RITO ESCOCES | RITOFRANCES | DIREITO HUMANO Primeira Malho Malho Malho Cinzel Cinzel Cinzel Segunda Régua Esquadro Esquadro Compasso Compasso Compasso Terceira Régua Régua Régua Alavanca Alavanca Nivel Quarta Régua Nivel Compasso Esquadro Livro%® Quinta Mios livres Trolha Mios livres A concordancia entre esses diversos Ritos s6 existe na primeira viagem, com o Malho e o Cinzel. Ragon, em seu Rituel du Compagnon, segue o Rito Escocés; Wirth faz 0 mesmo em seu Livre du Compagnon e nfo assinala as divergéncias dos Ritos Escocés e Francés. Parece, alids, que reina certa confusdo na iniciag@o ao grau de Compa- nheiro. Para o Rito Escocés, a Régua € que deve ser o atributo essencial do Companheiro. “A Régua, diz Ragon*” simboliza o aperfeigoamento; sem régua, a inddstria seria uma aventura, as artes seriam defeituosas, as ciéncias sé Ofereceriam sistemas incoerentes, a légica seria caprichosa e desordenada, a legislagdo seria arbitraria e opressiva, a misica seria discordante, a filosofia nao passaria de uma obscura metafisica e as ciéncias perderiam sua lucidez.” Gédalge define a Régua de seguinte modo® : “Simbolo da retiddo, do método da lei. O deus egipcio Phtah empunha uma régua com a qual mede a cheia do Nilo. O proprio Phtah é representado pelo Nilémetro e a Régua 35 aparece na m4o de um dos dois assistentes de Viswakarma (altar das grutas de Ellora, India). Na Maconaria, a Régua é bordada no avental do Experto, junto com o olho divino e a espada. O Aprendiz carrega-a ao ombro esquer- do quando se apresenta na Loja dos Companheiros. Unida ao Compasso, ela permite que se tracem todas as figuras da geometria; além do mais, podemos consideré-la como um simbolo do infinito (a reta sem comego nem fim); por ultimo, ela é sobretudo um simbolo da Moralidade e do Dever de que o Franco-Macom jamais se deve afastar”’. Com efeito, o Aprendiz apresenta-se com uma Régua lisa que carrega no ombro esquerdo (lado passivo); ao se tornar Companheiro, ele deveria carregar uma Régua graduada sobre 0 ombro direito (lado ativo). A Régua graduada esta dividida em vinte e quatro seg6es, ¢ é entao designada pelo nome de “‘Régua de vinte e quatro polegadas”’. Essas vinte e quatro divis6es estio relacionadas com as vinte e quatro horas do dia, que devem ser todas convenientemente empregadas. A Régua e o Esquadro permitem que se tracem apenas figuras retili- neas; a Régua e o Compasso, como Gédalge afirmou acima, criam a possibili- dade de construir quase todas as figuras geométricas. No Ritual de iniciagdo ao grau de Companheiro, parece que a teoria foi confundida com a pratica. Antes de construir um ediffcio, é preciso tracar-lhe os planos, e a iniciagdo ao segundo grau deveria, no nosso enten- der, ser conduzida da seguinte maneira: Na primeira viagem: Malho e Cinzel, lembrando ao Recipienddrio o seu aprendizado. Para o simbolismo do Malho e do Cinzel, seguimos os rituais geralmente em uso; mas Plantageneta observa? que o Malhoe o Cinzel ndo parecem pertencer ao grau do Aprendiz sendo na Franga e que, em qualquer outro lugar, o instrumento que estd ligado ao desbastamento da Pedra bruta € o buril, uma espécie de martelo com ponta, usado efetiva- mente pelos canteiros. Na segunda viagem: Régua e Compasso, simbolizando os conheci- mentos geométricos indispensdveis para 0 tragado dos planos dos edificios. Na terceira viagem: Régua, Nivel, Perpendicular e Alavanca, instrumen- tos necessdrios para colocar corretamente no lugar as pedras da constru¢ao. Na quarta viagem: Régua e Esquadro, instrumentos com que se veri- fica o trabalho realizado. Na quinta viagem: a Trolha, que da acabamento 4 obra. Assim, todos os Instrumentos simbdlicos retomariam seus lugares, seriam apresentados numa sucessdo légica e a iniciagdo ao segundo grau tomaria um sentido que deixou de possuir. 36 O Ritual do segundo grau deveria ser modificado; seria preciso fazer desaparecer sua incoeréncia e “primarismo”® . Terminadas as cinco viagens, entregar-se-ia ao Companheiro a Régua graduada, para simbolizar a medida e a precisfo que devem norted-lo em tudo. A Régua e a Alavanca sao andlogas, pois so formadas essencialmente pela linha reta. A Régua est ligada ao Espirito e a Alavanca & Matéria, A Alavanca, como o Cinzel, é um intermedidrio “passivo”. Ela sé se tora “ativa” pela forga daquele que a utiliza; por si mesmo, ela é “‘inerte”. Ela esta ligada, portanto, ao Conhecimento, que s6 se torna “‘inicidtico” quando aquele que o possui é, ele proprio, inicidvel, isto é, capaz de “com- preender”. A Alavanca transforma-se entdo na Forga fecunda... e perigosa, e esse é o motivo pelo qual essa Forga s6 se deve exteriorizar quando contro- lada pela Régua, o Nivel e a Perpendicular® . 5. A TROLHA Wirth, adepto das analogias morfologicas faceis, observa’? que a Trotha®* , 4 qual se di habitualmente uma forma triangular, corresponde ao ideograma alquimico do Enxofre™. No entanto, ele escreve: “Esse instru- mento serve para amassar a argamassa destinada a realizar a unidade quando as se cimentam as pedras do edificio. A SS Trolha retine, ela realiza a fusao, ela uni- fica. E portanto, essencialmente, o em- blema dos sentimentos de benevoléncia esclarecida, de fraternidade universal e de muita tolerancia, distintivos do ver- dadeiro Macom”’. “A Trotha, diz Plantageneta®®, é 0 simbolo do amor fraterno, que deve unir todos os Magons e que é 0 tinico cimento que os operdrios podem usar para a edificagdéo do Templo. Enquanto o Companheiro, mesmo Fig. 29. A trolha. 37 consciencioso, assfduo, zeloso, nado se aperceber disso sua obra nao estd acabada e ele nfo é digno de nenhum aumento de salério.” O Rito Francés, judiciosamente, ligou a Trolha a quinta viagem da iniciagdo ao grau de Companheiro, porque, com efeito, nunca podemos dar um trabalho como completamente terminado. E lamentavel que o Rito Escocés ndo possua esse simbolo em seu Ritual. Acrescentemos, ainda, que a expressdo “passar a Trolha” significa esquecer as injurias e as injusti¢as. 6. QUADROS DE RECAPITULAGAO DO SIMBOLISMO DOS UTENSILIOS Examinamos sumariamente os Utensflios em suas relag¢des com o simbolismo magénico. Resumimos de propésito: nossos comentarios em beneficio da clareza. A seguir, damos trés quadros que permitirdo que se tenha uma visdo de conjunto. I. Os utenstlios ativos e passivos ATIVOS PASSIVOS (Espirito) (Matéria) Compasso Esquadro Malho Cinzel Perpendicular Nivel Régua Alavanca Neutro Trolha 38 II. Sentidos gerais dos utenstlios UTENSILIOS SIGNIFICADO Medida na pesquisa. Retiddo na ago. Vontade na aplicacao. Discernimento na investigagdo. Profundidade na observacdo. Precisdo na execugao. Poder da vontade. Benevoléncia para com todos. Uso correto dos conhecimentos. IIL. Atributos dos trés graus e dos oficiais ATRIBUTOS DE GRAU GRAU Esquadro. ... . ins Venerivel. Esquadro sobre Compasso...... « Aprendiz. Esquadro cruzado com Compasso. . . Companheiro. Compasso sobre Esquadro . Mestre. Venerdvel. Malho. Primeiro Vigilante. Segundo Vigilante. Porpendiilars.) 2 532bahhbe tn abS sees Segundo Vigilante. Nivel yt Sate otic Rds Ria ate SAAN fe Primeiro Vigilante. Régua (com 0 olho eaespada)............. Experto. 39 NOTAS AO CAPITULO I 40 Palavra derivada do latim utensilia, utensilio, de uti, servir. Cours philosophique et interprétatif des Initiations anciennes et modernes. Edition sacrée, Nancy , 5842, p. 136. Le livre de l'Apprenti, 1931, p. 171-172. Le Symbolisme hermétique, 1931, p.37. 1895, p. 220. Jean Kotska ¢ 0 pseudénimo de Jules Doinel, que foi Macom e Patriarca da Igreja Gnéstica. Nessa obra, parece que ele se converteu de repente ao catolicismo; nela ele dd prova de um antimagonismo t4o pouco inteligente quanto o que é encontrado comumente por af. Sabemos que o teorema de Pitégoras consiste em demonstrar que o quadrado da hipotenusa de um tridngulo retingulo € igual 4 soma dos quadrados dos dois lados. Gnomon é uma palavra grega que tem sentidos muito diferentes. Como substan- tivo, significa: regulador ou régua, agulha do quadrante solar ou o préprio qua- drante. Como adjetivo, quer dizer: que conhece, que compreende. Notar-se-d que a palavra quadrante, que vem precisamente de quadrans, qua- drado, forma comum dos quadrantes solares, designa atualmente 0 crrculo graduado dos relégios, de bolso ou de parede. PARVUS, num artigo da revista Initiation (set. 1894, p. 256), intitulado: “Sobre © simbolismo do Esquadro na Franco-Maconaria”, pe na boca de Ragon o seguinte: “que o Pentagrama pode ser considerado como o misterioso e quin- tuplo esquadro”. Em nenhum lugar, na obra de Ragon, encontramos semelhante afirmacdo. Um exame, mesmo superficial, mostra a falsidade dessa alegagdo (fig. 9). Alids, 0 mesmo autor escreve: “Que ¢ o Esquadro, sendo uma dupla cruz?” Melhor seria dizer que a Cruz, como vimos, é que poderia ser um duplo Esquadro! E esse artigo era uma tese para a admissfo ao grau de bacharel na Ordem Kabbalistica da Rosa-Cruz (essa ordem, criada ¢ presidida por Stanislas de Guaita e da qual Papus era secretdrio geral, conferia trés graus com os titulos de bacharel, de licenciado e de doutor em Kabbala). Parvus, ainda, liga 0 Esquadro 4 letra hebraica vav. Ora, é evidente, conside- rando 0 alfabeto hebraico, que a letra resch seria mais adequada (fig. 10). Citamos esse exemplo porque ¢ tipico no tocante ds interpretagGes realmente ilégicas e fantasistas que certos autores podem dar do simbolismo magénico. E verdade que ndo poderfamos impor limites 4 exegese simbélica. Contudo, é prudente que nos apeguemos a um sentido légico e que nao nos afastemos dele. Caso contrario, acabaremos, forgosamente, nas elucubragdes que fazem com que os espiritos “légicos” rejeitem, e com razdo, qualquer dissertagdo sobre © simbolismo, Do latim compassare, medir com 0 passo; 0 verbo compassar e seu derivado compassamento, muito pouco usados, significam “tomar medidas com exa- ti 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 21. 22. 23. 24, 2s. 26. 27. 28. 29. © instrumento denominado calibrador seria mais corretamente designado pelo nome de “compasso de corredica”. Rituel du Grade de Compagnon, 1860, p. 21. Les mystéres de l'art royal, 1932, p. 172. Dictionnaire Rhéa, 1921, art. “Compas”. WIRTH refere-se a essa gravura no Symbolisme hermétique, op. cit., p. 99. Basile Valentin, adepto cuja personalidade continua misteriosa, situase, no tempo, no século XIV ou XV. Ver infra, cap. V, “os Ritos Macénicos”. O Altar é uma espécie de mesa colocada diante do “quadro” do Venerdvel. Causeries initiatiques pour le travail em chambre de Compagnon, 1929, p. 124-125. Estrela de seis pontas formada por dois triangulos equildteros entrecruzados. Ver cap. VI, 3, “A Estrela Flamejante”. Traité d'iconographie chrétienne, 1890, t. Il, p. 127. Ver a respeito: De l'Architecture naturelle ou Rapport de Petrus Tatemarianus sur l’établissement d’aprés les principes du Tantrisme, du Taoisme, du Pythago- risme et de la Cabale, d'une “Régle d'Or” servant d la réalisation des Lois de Harmonie universelle et contribuant @ l'accomplissement du Grand Oeuvre, In-f9 gd-jésus, Paris 1948. Essa obra é de um interesse imenso. Trata-se, verdadeiramente, de uma obra “colossal”. Cuidadosamente editada pelo doutor Alexandre Rouhier (Editions Véga), que respeitou a regra de ouro nos minimos detalhes da realizag4o — for- mato, composi¢ao, nuimero de exemplares, etc. — esse “monumento” projeta uma nova luz sobre arcanos antigos e sagrados. Cours philosophique et interprétatif des Initiations anciennes et modernes, 1841, p. 104. Notar que a Edition sacrée, Nancy, 5842, é um extrato desta e se refere apenas ao grau de Aprendiz. O simbolismo da “penetragdo” € um daqueles cujo valor metafisico e mistico é certamente dos mais altos; mas, como nao constitui um simbolismo essencial- mente mag6nico, ndo falaremos a esse respeito nesta obra. Ver infra, cap. VI, 3, “A Estrela Flamejante”. Malho, (em francés maillet, da antiga palavra francesa mail) massa, martelo, derivada do latim malleus, com o mesmo sentido. Cinzel do latim cisellus, derivado alterado do latim coesellus, de coedere, cortar. Cours philosophique, 1841, op. cit., p. 132. Causeries en Chambre de Compagnons, op. cit., p. 123. Le livre du Compagnon, 1931, p.36. p. 148. Le livre du Compagnon, op. cit. 41 30. 31. 32. 33, 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47, 48. 49. 50. 42 Pronunciar Sukellos. G. DOTTIN, La religion des Celtes, 1904, p. 22. F,G. BERGMANN, La fascination de Gulfi, 1871, p. 253. Padre CORBLET, Vocabulaire des symboles, 1877, p. 22. Contudo, em Homero, o Chifre ¢ comparado ao marfim. Os sonhos veridicos passam pela porta de Chifre, enquanto os sonhos mentirosos passam pela porta de Marfim. Ocorre af uma inversfo em relacdo ao simbolismo geralmente admi- tido, O chifre, quando de pouca espessura, é transliicido, enquanto que o mar- fim sempre é opaco; talvez devamos ver af a razdo das atribuig6es feitas por Homero. O Chifre é 0 simbolo do poder e do dominio. Encontram-se “bastdes de comando”, vestigios pré-histéricos, feitos de chifre de rena. Os Malhos de honra nfo perderiam, portanto, nada de seu valor se fossem feitos desse material. O Marfim também é um simbolo de forga. O trono do rei Salomdo era feito de ouro e de marfim: poder material e poder espiritual. Sabese que o ébano era tido como algo que preservava do medo. Com essa madeira faziam-se principalmente bergos, para preservar as criangas do “‘medo excessivo”. Colocar-se na “Ordem do Aprendiz” é o mesmo,que se colocar no lugar relativo a esse grau. Ver o cap. IX, 2, “Os Signos”. Ver cap. IX, 6, “As Baterias”. Do latim perpendiculum, raiz pendere, pendurar. Faz-se derivar essa palavra do latim libellum, mas nao se explica a mudanga do Tinicial em n, E interessante notar, sem dar a isso maior importancia, que a neve, que nivela tudo, tem como raiz nix, nivis, Rituel de l’Apprenti Magon, 1860, p. 68. Causeries en Chambre de Compagnons, p. 126. Le livre du Compagnon, p. 164. Os trés “principios” constituintes dos metais, na alquimia, so: 0 Enxofre, 0 Mercirio e o Sal. Esses “principio” ndo sfo os corpos comumente designados por esses nomes. O Enxofre é masculino e ativo; o Merctirio, feminino e passivo. Dict, Rhéa, art. “Fil plomb”. Ver o cap. III, 3, “O Delta Luminoso e os Tridngulos”. Esse livro & o Réglement de l'Obédience. Cours philosophique, 1841, p.133. Dict. Rhéa, p. 133. Causeries en Chambre de Compagnons, p. 122. Ver o cap. VI, 2, “O Grau de Companheiro”. Si. 52. 53. 54. 55. Sabe-se que existem trés modalidades de Alavanca, de acordo com a posigo do ponto de apoio. Lembremos que, numa Alavanca, considerase: 19) a Forga; 29) a Resisténcia; 3°) 0 Ponto de Apoio. O Ponto de Apoio pode encontrar-se entre a Forga e a Resisténcia: € a Alavanca do primeiro tipo; a Resisténcia situada entre 0 Ponto de Apoio e a Forca constitui a alavanca do segundo tipo; enfim, a Forca colocada entre o Ponto de Apoio e a Resisténcia forma a alavan- ca do terceirc tipo. Esse terndrio deve ser levado em consideracdo nfo s6 do ponto de vista “fisico”, mas ainda do duplo ponto de vista metafisico e inicid- tico. Le livre du Compagnon, p. 140. Trotha, do latim trulla, com o mesmo sentido. Contudo, o Enxofre, por seu “rigor”, nfo parece corresponder ao simbolo da Trolha. Alids, vimos acima, que Wirth fazia corresponder o Enxofre ao Nivel. Causeries en Loge de Compagnons, p. 126. 43 II O APRENDIZ 1, O GABINETE DE REFLEXAO' Antes de sua iniciagéo, o profano é introduzido no Gabinete ou Camara de Reflexdo, Trata-se de uma espécie de reduto, pintado interior- mente de preto, no qual sfo colocados: Ossos, um Crénio humano; uma pequena mesa, um tamborete e uma escrivaninha; sobre a mesa, pdo, uma bilha de dgua, uma taga de sal e uma outra contendo Enxofre; nas paredes figuram sentengas como estas: “Se a curiosidade te trouxe, vai embora!”” “Se tua alma sentiu medo, nao vas adiante!’” “Se perseverares, serds purificado pelos Elementos, sairés do abismo das Trevas, verds a Luz!” Desenhos simbélicos oram as paredes; um Galo encimando uma bandeirola com as palavras “Vigilancia e Perseveranga”, uma Foice, uma Ampulheta, a palavra “Vitrfolo” ou “Vitriolum”. A iluminagado é forne- cida por uma lanterna ou por um archote. E nesse “‘calabougo” que o profano deve responder por escrito as perguntas que lhe so feitas e redigir seu “testamento”. Vamos examinar cada um desses pontos em particular. O Pao e a Bilha de Agua “O Pao e a Bilha de dgua, diz Gédalge?, parecem comparar o Gabinete de Reflexdo a um in-pace onde o profano deve se recolher, mas é também a imagem do Ovo no qual o germe se desenvolve e, por conseqiiéncia, o Pao e a Agua sfo os emblemas da simplicidade que dever4 orientar a vida do 44 Prancha I. Os Simbolos do Gabinete de Reflexao. futuro iniciado; enfim, o PAo é feito de trigo, cujo simbolismo esta intima- mente ligado ao de Isis e de Deméter e que, em muitas religides, representou e ainda representa a propria carne do Deus sacrificado. O Pao e a Agua simbolizam os alimentos do corpo e do espirito: o alimento material e o espiritual, necessdrios ao homem.” 45 Oswald Wirth, no mesmo sentido, escreve? : “O Pao e a Agua consti- tuem a reserva alimentar que, no fruto e no ovo, serve para alimentar o germe em vias de desenvolvimento”. O Pao e a Agua encontram-se 14 para lembrar que o alimento do corpo é indispensdvel, mas que ele nao deve ser 0 objetivo da vida. Notaremos que, na Escritura, o profeta Elias, o fundador mitico da Ordem eremitica dos Carmelos — cujo nome significa “a forga de Deus” — adormecido sob uma drvore, recebe de um anjo um Pao e Agua e que, tendo comido, subiu o monte Oreb. O profano também recebe, simbolicamente, as forgas que lhe serdo necessdrias para suportar as provas a que serd subme- tido. A dgua geralmente é considerada o elemento indispensdvel 4 vida e o deus Sucellos, de que falamos hd pouco, segura numa mo a olla, 0 vaso que contém Agua; 0 contetido é figurado pelo continente (fig. 24). O Pao, feito de trigo, simboliza a forga moral e o alimento espiritual*. O Enxofre, o Sal e o Mercurio Os trés princfpios herméticos figuram no Gabinete de Reflexdo. O Enxofre, simbolo do Espirito, e o Sal, simbolo da Sabedoria e da Ciéncia, cada um numa taga; 0 Mercurio, sob a forma do Galo, atributo de Hermes. Os trés princfpios Enxofre, Merctirio e Sal dos herméticos encontra- vam-se, segundo eles, em todos os corpos: o Enxofre, principio masculino; o Mercurio, princfpio feminino; o Sai, principio neutro. Fazendo queimar madeira verde, por exemplo, 0 vapor aquoso era o Mercurio; o dleo inflamdvel, o Enxofre; as cinzas, o Sal. No ovo, o Merctrio era a clara; o Enxofre, a gema; e o Sal, a casca. Num metal,-o Enxofre era a alma, 0 “fixo”, e o Merctrio, o corpo, o “volatil”. O Enxofre dava ao metal suas propriedades quimicas e o Mer- curio suas propriedades fisicas. Nés dizemos “era”, “‘dava’, etc., porque se trata de antigas teorias; no éntanto, essés dados, apesar de todos os progressos da Ciéncia, nada per- deram de seu valor. Essas denominag6es singulares de Enxofre, Merctirio e Sal aplicam-se, repetimo-lo, a “princfpios” e nao a corpos quimicos deter- minados. O Enxofre simboliza o ardor e o Sal, pelo contrario, a ponderagao. Esses dois princfpios af estdo para mostrar ao impetrante que ele ndo deve carecer de entusiasmo, mas deve saber moderé-lo. 46 O Mercurio figura sob a forma do Galo; trata-se de um simbolo de ousadia e de vigilancia. Entre os antigos, era comum o pensamento de que 0 Galo nfo temia coisa alguma, nem mesmo 0 ledo. Ora, no simbolismo, o lego e 0 Sol sdo constantemente relacionados com o Ouro. “Essa ave, diz Fulcanelli*, que anuncia o nascer do dia e da luz, a aurora, exprime uma das qualidades do azougue secreto. Este é 0 motivo pelo qual o Galo, arauto do Sol, era consagrado ao deus Mercirio e aparece nas torres das igrejas.”” O costume de encimar as cruzes das torres das igrejas por um Galo foi geral em Franga, durante a Idade Média; existia também na Italia, pelo menos no século XIII. “‘O Galo, diz Kreuzer®, lembra Sao Pedro e a Peni- téncia; em segundo lugar, ele lembra as assembléias dos primeiros fiéis que se reuniam ao primeiro canto do Galo; em terceiro lugar, ele recomenda a vigilancia aos leigos.” E verdadeiramente curioso e singular que nenhum autor antimagom tenha ainda observado que os Franco-Magons colocam “‘diabolicamente” o Galo nas criptas, enquanto a Igreja 0 coloca no ponto mais alto de seus edificios! Contudo, haveria af material para uma glosa que, nfo sendo nem sutil nem muito inteligente, nem por isso deixaria de ser menos fortemente apreciada por uma clientela especial. Na Magonaria, 0 Galo anuncia a Luz que o Recipiendario vai receber. Ele é 0 signo exotérico dessa Luz. A Bandeirola: “Vigilancia e Perseveranca”’ Essa bandeirola € comparada por Gédalge a “‘Estola Mistica” ou “Nems”, um dos emblemas da Abdbada Celeste. Encontramos esse simbolo na arca da alianga (0 arco-{ris da Biblia), nos cintos ou estolas de Afrodite, de Iris, de Deméter, etc.’. A bandeirola, com sua inscrigdo, é um filactério®. E assim que séo denominadas, em arqueologia, as bandeirolas enroladas em suas extremi- dades e ornadas de legendas. As duas palavras “Vigilancia e Perseveranga” podem ser traduzidas, se levarmos em conta sua etimologia, por “Velar severamente”. Elas indicam ao futuro Macgom que desde agora ele deve ser atento € escrutar os diversos sentidos que os simbolos podem oferecer, mas cujo entendimento ele s6 conseguird por inteiro com uma paciente perseve- Tanga. 47 Os Ossos, a Caveira, a Foice e a Ampulheta Todos esses simbolos, emblemas dos Trapistas, referem-se a Satumo e, conseqiientemente, ao Chumbo, como metal. Eles emblematizam a morte do “profano” que vai renascer para a vida espiritual: transmutagdo do chumbo vil em ouro. Nao se trata, em absoluto, de assustar o “profano”, mas de lhe ensinar a se despojar do “‘velho homem” para se preparar para um novo nascimento. Quando ele sair desse “timulo” (que representa a “‘putrefagdo” alquimica), estaré apto a comegar 0 ciclo das transmutagGes. V.ILT.RIO.L(O) As letras dessa palavra “VITRIOL(O)”, atribuidas como divisa dos antigos Rosa-Cruzes, significam: “Visita Interiora Terrae, Rectificandoque, Invenies Occultum Lapi- dem.” (Visita o interior da Terra e, retificando, encontrards a Pedra Oculta.) Trata-se de um convite 4 procura do Ego profundo, que nada mais é do que a propria alma humana, no siléncio e na meditagao. As vezes, escreve-se VITRIOLUM, traduzindo-se as duas tltimas letras por Veram Medicinam, a verdadeira medicina’ . Todo o simbolismo do Gabinete de Reflexao esta relacionado com 0 Hermetismo. Trata-se da primeira fase da Grande Obra: a da “Putrefagdo”, realizada n4o apenas no Ovo filos6fico artificialmente criado pelo homem, mas pela Natureza operante, no casulo da crisdlida adormecida, a /yse'® de onde saira a maravilhosa borboleta. As Trés Perguntas Em outras épocas, as trés perguntas feitas ao profano eram as seguin- tes: “O que é que o homem deve a Deus?”, “‘O que é que o homem deve a si mesmo?”, “O que é que o homem deve aos outros?””"" . A Maconaria, ao se modernizar, suprimiu de qualquer modo, na nossa 48 opinido, a pergunta acerca do dever para com Deus e a substituiu por uma outra, mais limitativa, acerca do dever para com a Patria. Essa supresso esse acréscimo constituem um duplo erro. Sendo Universal, ou melhor, Ecuménica, isto é, espalhada por toda a terra, a Magonaria ndo tem que se preocupar com “Patrias”. A patria do Macom é toda a Terra e ndo apenas 0 lugar em que ele nasceu ou a coletividade na qual ele se desenvolveu. Quanto a Deus — é preciso ter coragem para dizé-lo — a Maconaria, ao ceder a essa hipocrisia terminologica que corrompe e desvaloriza a inteli- gencia humana, substituiu-o pela expresso: “O Grande Arquiteto do Universo”! O homem deve sua existéncia a Deus. Deve, por isso, render-lhe 0 culto de latria?'® O Franco-Macom, deixando isso aos que se julgam dignos de fazé-lo, afirma, com Louis Claude de Saint-Martin'*, que o homem é 0 yerdadeiro Templo e que ele possui em si mesmo os flabelos, o sacrificador, os perfumes e as oferendas, o altar e 0 fogo. Nao devemos confundir Ritos e Cultos. Os Ritos sdo necessdrios, ndo sO para criar um ambiente particular, mas agem por uma espécie de impreg- nagdo do subconsciente, ao qual eles déo uma forga e uma eficiéncia reais. O homem deve a si mesmo, e antes de qualquer coisa, ser sincero, Isso é mais dificil do que parece a primeira vista. O homem se compraz em se revestir de diversas personalidades: como um ator de miltiplos papéis, sua atitude é diferente no tratamento de cada pessoa com quem ele se encontra ou com quem convive. Para alguns, a simplicidade n@o é mais possivel; eles vivem num mundo artificial, de sua inteira criagdo. A sinceridade que ~ implicitamente — é exigida do Recipiendario obriga-o a mostrar-se tal como ele é'5 constitui até, digamo-lo, uma das condigGes primordiais que tornardo valida ou nao a sua Iniciagao. Parece facil responder a terceira pergunta: “Que é que o homem deve aos outros?” Contudo, o altrufsmo inclufdo nesta pergunta é de uma aplica- ¢Go bastante delicada. Sem diivida, o Macgom tem deveres precisos para consigo proprio, mas ele tem outros, e mais imperiosos, para com os demais. Ele deve saber manejar a Trolha com conhecimento de causa e isso ndo é uma tarefa faci]. Ele deve ser “benevolente” sem por isso ir até a fraqueza, que desculpa indistintamente todas as faltas. O Testamento Ragon, em seu Rituel de l’Apprenti Macon, nao menciona o Testa- Mento; ele enumera apenas as trés perguntas. 49 Plantageneta considera que a redagdo das respostas as trés perguntas constitui o Testamento; Wirth diz o mesmo no Livre de l’Apprenti. Contudo, as formulas entregues aos “profanos” pedem o “Testa- mento” depois das trés perguntas. Trata-se, entdo, de uma inovacdo moderna? Achamos que n4o. O futuro iniciado vai morrer para a vida profana; parece, portanto, muito natural que se lhe pega para “fazer o seu Testamento”. Todavia, devemos explicar que se trata de um Testamento filosdfico; é muito comum os profanos optarem pela redacdo de um testamento puramente “civil”. “Testar” (do latim testari) é propriamente “testemunhar”. O profano deve portanto festemunhar por escrito suas inteng6es filoséficas. Ele contrai, assim, uma espécie de obriga¢ao prévia. Seria conveniente, alids, pedir ao profano que copie, ao mesmo tempo, a formula de seu juramento. E esse juramento escrito que, mais tarde, deveria ser queimado'®. 2. OS METAIS Ao sair do Gabinete de Reflexdo, o “profano” é “‘despojado de seus metais”; isto é, pede-se que ele entregue ao Irm4o que o serve tudo o que possui sobre si, como dinheiro em moeda ou papel, jdias ou objetos metilicos. Gédalge, numa explicagdo simplista e terra-a-terra diz'’: “E para liberar o Recipiendario que ele é despojado de seus metais. E para ensinar- lhe que tudo se paga neste mundo e que nao se pode esperar receber sem dar”. Gédalge acrescenta: ‘‘O despojamento dos metais simboliza, ainda, o abandono ao apego das idéias preconcebidas. O ‘profano’ deve esforgar-se para pensar por si mesmo e ndo se manter excessivamente apegado aos pensamentos que lhe haviam parecido os mais agradaveis até entao”. Na Maconaria, a expresso “Metais” possui os dois sentidos: 0 proprio e o figurado. No segundo sentido, significa o abandono voluntario de toda paixdo no momento de entrar na Loja. No que respeita ao sentido proprio, citaremos Leadbeater’? : “O candidato se vé despojado de todos os seus metais porque estes podem impedir a circulagdo das correntes (magnéticas). Sempre se deu uma 50 importancia capital a esta parte da preparagao. A esse respeito, a vigilancia dos Oficiais, na Magonaria mista, deveria ser até superior 4 que se julga necessdria na Magonaria masculina, porque, com a complicagao das roupas femininas, uma infra¢do ao regulamento pode passar despercebida mais facilmente. A maioria dos alfinetes para cabelos devem, bem entendido, ser absolutamente proibidos; a mesma precaucdo aplica-se aos grampos e a diversos tipos de bot6es e ligas. Nossos irm4os hindus devem tomar cuidado com os bordados de seus dhotis e com os dos saris das mulheres. Ouvimos mulheres formulando objegSes sentimentais em relagdo a tirar as aliangas, e penso que na India encontram-se as vezes dificuldades semelhantes a propdsito dos braceletes e de outros omamentos. “Conhecemos, continua ele, o caso de um homem que, por inadver- téncia, conservou durante toda a ceriménia um amuleto ou medalha de ouro cosida ao forro de sua roupa. Lembro-me de que, ao fim da cerim6nia, alguém se lembrou desse detalhe, e a cerim6nia, naturalmente, teve de ser repetida desde o comego. “Nao é preciso dizer que se deve cuidar igualmente de tirar éculos pince-nez. Explicaram-nos que 0 ouro ou a prata colocadas por um den- tista ndo apresentam nenhum inconveniente, porque ja fazem parte da pessoa. “No que respeita ao motivo dessa proibigao rigorosa, de acordo com alguns autores, é o sentimento de que os metais, até certo ponto, sdo impuros, e essa opinido remonta, provavelmente, ao fim da idade da pedra, quando sé era permitido o uso de uma faca de pedra para oferecer sacri- ficios ou realizar o rito da circuncisao.” Pode-se, é verdade, considerar de dois modos a Iniciagdo magénica, seja do ponto de vista hermético, seja do ponto de vista m4gico. No primeiro caso, 0 “profano” deve ser puro porque representa a Prima materia, a “matéria-prima dos Sabios”; no segundo caso, o “‘profano” deve ser puro magicamente, isto é, que nada deve poder atrapalhar os influxos no meio dos quais ele se vera colocado. Na tradigdo oculta, alquimica e astrolégica, cada um dos sete metais”® correspondia a um planeta e, a cada um destes, podemos fazer corresponder um dos sete pecados capitais: 51 Ouro . Sol. . Orgulho. Prata . Lua. ... Preguica. Ferro . Marte... Célera. Merciirio . . . Merciirio . Inveja. Estanho ... Jépiter . . Gula. Cobre... . Vénus. . . Luxtiria. Chumbo . . . Saturno. . Avareza. Essa 6, portanto, a perfeigdo “simbélica” que é exigida do Recipien- dério® no momento em que ele vai receber a Iniciagdo. Ele é convidado a dominar todas as suas paixGes, em particular as da posse, a do poder, a da vaidade, etc., paix6es que sdo inerentes, em graus diversos, a0 homem comum, Retirar os “‘metais-moedas” do aspirante é 0 mesmo que tirar dele o maior corruptor das consciéncias” ; é provar materialmente a renuincia aos bens materiais; é mostrar que a verdadeira “‘libertagdo” s6 se pode realizar pela ascensfo rumo ao Espirito; é igualmente dar provas da “‘simplicidade” e da “nudez” de que fala o Evangelho. Além do mais, tira-se do Recipienddrio, pelo mesmo gesto, as armas que ele poderia levar consigo, armas defensivas ou ofensivas, que traduzem © apego e a luta no mundo profano. O despojamento dos metais corresponde a Pedra bruta que se vai dar ao novel Iniciado. Ele é recolocado “simbolicamente” no estado natural suprimindo-se o “metal”, que’ caracteriza precisamente a “civilizagdo” e tudo o que ela comporta de artificial. 3. PREPARAGAO FISICA DO RECIPIENDARIO Depois de ter privado o Recipienddrio de seus “‘metais”, ele é despo- jado de uma parte de suas roupas. Ele se apresenta do seguinte modo: Brago e peito esquerdos descobertos, Perna e joelho direitos desnudos, Pé esquerdo descalgo. Plantageneta pensa” “que os pormenores dessa ‘toalete’ ndo s6 so proprios para dar ao Recipiendario a impressdo desapradavel de que ele é 52 diminufdo em sua dignidade humana, mas ainda que assim ridiculamente ataviado ele deve parecer grotesco”. Ele diz, sem por certo ter compreen- dido o antiquissimo simbolismo dessa pseudodesvalorizagao, que, “levando em conta a mentalidade moderna, seria melhor renunciar a esse costume, que corre 0 risco de diminuir o real valor inicidtico da cerimOnia de recepgao””. Para Oswald Wirth, mais simbolista e mais profundamente inicidtico, “a regido do coragdo é posta a descoberto como alusdo a absoluta sinceri- dade do Recipiendério; a nudez do joelho pretende que, ao dobré-lo, ele entre diretamente em contacto com um solo sagrado, que ele pisa, por sua vez, com o pé descalgo”. “Mas por que, diz ainda Wirth’, o outro pé continua calgado? Seré indispensdvel executar mancando os primeiros passos que levam a Iniciag¢do? Paira um mistério sobre 0 rito do pé descalgo, Sem a perda de uma de suas sandalias, Jasdo nao teria empreendido a conquista do Tosio de Ouro”’.” Wirth continua: “Eliphas Lévi sugere que a preparacdo fisica do Recipiendario ensina-lhe a levar em conta a alternancia das ag6es mdgicas. A toda corrente positiva intencionalmente desencadeada corresponde uma contracorrente negativa oculta; quando o profano se langa na agdo, ele muitas vezes despreza a reagdo fatal que prevé o iniciado. HA muito que meditar sobre esses assuntos”. Oswald Wirth ndo precisa bem o seu pensamento e deixa o estudioso entregue as suas meditacdes! Gédalge explica essa preparagdo fisica do Recipiendério por um simbolismo astrolégico” ; ela estabelece uma relagdo entre as partes desco- bertas do corpo e os signos do Zodiaco””: “As partes do corpo do Recipienddrio postas a nu: garganta, ombro, brago esquerdo, cora¢ao, joelho e perna direita, pé esquerdo, ou seja: Touro, Gémeos (lado passivo), Ledo, Capricérnio e Aquario (lado ativo), e, enfim, Peixes, constituem uma aplicacdo do Zod{aco fisiolégico. “Touro € o simbolo do trabalho, da perseveranga e do desinteresse; é também o emblema da obediéncia e da forga, e 0 significado desse signo é confirmado pelo devotamento ao Servigo e pelo Amor fraterno represen- tados por Peixes (aqui, do lado passivo). Pelo contrario, os dois primeiros signos: Capricérnio e Aquario (joelho e pema) estéo em atividade (lado direito); eles representam, astrologicamente, o Servigo Universal. O Ledo (coragdo) encontra sua manifestacdo no Amor perfeito, criador da Harmonia universal. Enfim, por seu lado intelectual, o signo dos Gémeos vem comple- tar 0 conjunto desses simbolos e formar um contrapeso para os signos de Servigo. E a razdo equilibrando a sensibilidade. 53 “Notar-se-4, acrescenta Gédalge, a presenca de seis planetas nos signos estudados: Vénus, a Lua (Touro, garganta), Mercurio (Gémeos, ombro), o Sol (Ledo, coragdo), Saturno (Capricérnio, joelho, Aquério, perna), Jépiter, Vénus (Peixes, pés). Pode-se observar a dupla presenga de Vénus — simbolo da atragao e do amor universal — e a auséncia de Marte — simbolo da forga bruta e da violéncia.” Em seu trabalho, Gédalge parece levar em conta os planetas ao mesmo tempo em sua casa e em ascendéncia. Se aceitamos as correspondéncias Zodiacais indicadas por ele, podemos, por nossa vez, tragar 0 quadro seguinte: VENUE. ese Lua exaltada. « Merctirio,...... Corago Sol... Joelho . Saturno. . Marte exaltado. Saturno. . oe Jipiter.... 0... Vénus exaltada. Constatamos entdo a presenga dos sete planetas com a dupla presenga de Vénuse de Saturno; e Marte nao sé estd presente como estd em ascendéncia! No que queiramos rejeitar o simbolismo astrolégico, porque todos os simbolismos se sobrepdem; contudo, convém tomar cuidado com as inter- pretagGes por meio das quais o autor exige que os simbolos se ““enquadrem” em sua tese. De uma forma geral, o simbolismo da preparacao fisica é interpretado da seguinte forma: 19) O coragdo descoberto, em sinal de sinceridade e de franqueza. 29) O joelho direito desnudo para marcar os sentimentos de humil- dade que devem ser os do Iniciado. 39) O pé esquerdo descalgo, em sinal de respeito. Ora, essa preparagdo fisica do Recipienddrio apresenta um cardter inibidor, isto é, de reteng@o, que convém assinalar. 19) A atengdo do Recipienddrio é atrafda para o coragdo, conside- rado como sede da afetividade. Ensina-se-lhe com isso que ele deveré tomar cuidado com os arroubos sentimentais, aos quais cedem muito facilmente a maioria dos homens. 54 29) O joelho direito é aquele que se pde em terra na genuflexdo, isto €,no ato de submissdo a alguém. Desse modo, estando descoberto, o joelho toma-se particularmente sensivel e isso incita o Recipienddrio a realizar a genuflexdo com circunspec¢do. 39) O pé esquerdo é descalgado e sabemos que, de acordo com a expressdo popular, toda “‘caminhada decidida” é feita comegando-se com 0 pé esquerdo™*. Neste caso, a partida estd longe de ser assegurada; o pé esquerdo, descal¢o, entrava a caminhada e o Recipiendario é obrigado a se apoiar solidamente no pé direito, lado ativo: preponderancia da “razao” sobre o “‘sentimentalismo”. Contrariamente a opinido de Plantageneta, acima citado, a “toalete”, que ele considera ‘“‘degradante”, deveria ser cuidadosamente observada. O Rito Francés suprimiu a preparacdo fisica, ¢ isso é uma concessdo “‘profana” que pode abrir caminho para outras concessdes; estas poderiam mesmo chegar até a supressdo de todo o Ritual, provocando a perda completa do caréter inicidtico da Magonaria. A preparagdo do Recipienddrio comporta, além do mais, uma Corda, em forma de n6 corredi¢o, passada ao redor do pescogo. Essa corda simbo- liza tudo o que ainda prende o profano ao mundo de que ele est saindo. Oswald Wirth assinala?? que: ‘Na Magonaria anglo-saxOnica, 0 postu- lante ao grau de Companheiro apresenta-se ao contrdrio do Aprendiz: lado direito do peito descoberto, joelho esquerdo desnudo e pé direito descalgo. Essa simetria, diz Wirth, é fruto da mais arbitrdria fantasia. Além do mais, © proprio Mestre apresenta-se com o torso inteiramente nu e as duas pernas descobertas. Por outro lado, a Corda é enrolada duas vezes ao redor do brago direito do Companheiro e trés vezes ao redor da cintura do Mestre. Os mais antigos Rituais franceses ndo fazem meng4o alguma dessas particu- laridades, que parecem ser uma ‘adaptacdo’ especial para os anglo-saxdes”. Isso, no nosso modo de ver, é o mesmo que rejeitar depressa demais © que nao se compreende. Mas como essas “‘particularidades” ndo existem na Magonaria francesa, ndo iremos examind-las aqui. 5S 4. AVENDA A preparacdo do Recipienddrio comporta, além do mais, uma Venda que lhe cobre os olhos. Essa Venda the é tirada quando ele “recebe a Luz”. O desatamento da Venda concretiza o “choque i fico” que o Ini- cidvel deve sentir. Seria lamentavel que a Venda simbdlica continuasse ainda, apos ser tirada, sobre os olhos espirituais do insondavel. Vendados os olhos, acentua-se a acuidade dos outros sentidos; o ouvido, sobretudo, se desenvolve. A Maconaria quer significar com isso que © profano, se ndo sabe ver, esté demasiado atento aos ruidos do mundo e as palavras dos outros. Além do mais, tendo entdo necessidade de um guia, ele agarra sem pensar o primeiro que aparece; assim so marcadas as concepgdes filos6ficas de todas as ordens que resultam, ndo de uma livre escolha, mas do meio social no qual o profano estd colocado. A iniciagdo leva 4 Iluminagdo, Nao devemos temer 0 uso desse termo, apesar do sentido pejorativo que comumente lhe é€ atribuido. Jluminado quer dizer “esclarecido por uma luz espiritual”, e ndo mais ou menos dese- quilibrado. F precisamente a JIuminagdo que a Iniciagao Magénica leva e € esse © rumo tomado por todas as formas de iniciag&o, sejam elas rituais ou nao. O simbolismo da Venda, que parece tio elementar, é um dos mais profundos de toda a Maconaria, Os “‘lobinhos”**, os filhos de Macons, sdo admitidos as provas com a cabeca coberta com um véu negro transparente porque, para eles, a Mago- naria jd € conhecida em parte e eles nado vém diretamente do mundo profano. 5. AS TRES VIAGENS E OS QUATRO ELEMENTOS “Segundo o rito antigo, diz Ragon*", o aspirante viajava pelos subter- raneos e nao pelo templo. No fim de suas caminhadas, ele encontrava a seguinte inscrigado: “Quem quer que tenha feito essas viagens, sozinho e sem medo, seré purificado pelo fogo, pela agua e pelo ar e, tendo podido vencer 0 terror da morte, com a alma preparada para receber a luz, terd o direito de sair do seio da terra e de ser admitido a revelagdo dos grandes mistérios.” 56 , “Ble tinha o direito de voltar sobre seus passos, se lhe faltasse coragem para ir mais longe.” Ragon nao dé referéncia da inscrigdo por ele citada, 0 que é lamen- tavel. Pode-se admitir que a iniciagdo aos mistérios da antiguidade compor- tava viagens e provas; mas, apesar da numerosa literatura relativa a esses “mistérios”, temos muito poucas informagées a esse respeito. Devemos lamentar as fabulagdes ridiculas as quais se entregaram autores que descrevem com muitos pormenores uma pretensa “iniciagdo egipcia”, a cujo respeito, na realidade, nada sabemos de preciso e cujas raras representa¢des iconograficas nos representam algumas cenas apenas’?, Nao faremos portanto, nenhuma comparagao precisa entre a iniciagao magOnica e a iniciagao aos mistérios antigos. Contudo, a filiagao é incontes- tavel e € facil seguir seus vestigios naquilo que sabemos dos mistérios de Baco, de Mitra, de Ceres, de Cibele (ou da “Boa Deusa”). Podemos constatar certa analogia, embora se em outros tempos as provas eram “‘fisicas” e “reais”, na Magonaria modema elas sdo puramente simbdlicas. Os mais antigos Rituais mag6nicos levam em conta a purificagdo pelos quatro elementos: provavel resfduo de uma simbolizacdo totémica do desen- volvimento da Vida, com a ajuda e através dessas entidades elementares primordiais. O primeiro elemento é a Terra, 0 dominio subterraneo onde se desen- volvem os germes e as sementes. Ela é representada pelo Gabinete de Refle- xo onde estd encerrado o Recipienddrio. A primeira viagem refere-se ao Ar, a segunda A Agua, a terceira ao Fogo. Ragon, a esse respeito, dé a seguinte explicagdo™: “As trés viagens simbolizam as viagens feitas pelos antigos fildsofos, fundadores de mistérios, para adquirir novos conhecimentos. O ntmero trés indica os lugares em que as ciéncias foram cultivadas primitivamente; os sdbios de todos os paises viajavam até eles para estudd-los. Esses lugares eram a Pérsia, a Fenicia e 0 Egito. As purificagdes que acompanham tais viagens lembram que o homem nunca é suficientemente puro para chegar ao templo da filosofia”. E indtil sublinhar aqui como Ragon, com seus comentarios, ndo sé nao d4 nenhuma explicagao valida, mas ainda pode falsear a opinido dos nedfitos. Eis, de acordo com Wirth™ , o simbolismo dessas trés viagens: “A primeira viagem é 0 emblema da vida humana. O tumulto das Paixes, o choque de interesses diversos, a dificuldade dos empreendimentos, Os obstaculos que os concorrentes interessados em nos prejudicar e sempre dispostos a nos desencorajar multiplicam sob nossos passos, tudo isso é 57 figurado pela irregularidade do caminho que o Recipienddrio percorreu e pelo ruido que se fez a seu redor. “Para devolver ao Recipiendério sua seguranga, submetem-no a purifi- cagdo pela Agua. Trata-se de uma espécie de batismo filos6fico, que lava de toda impureza... Ao rufdo ensurdecedor da primeira viagem seguiu-se um tinido de armas, emblema dos combates que o homem constantemente é forgado a travar. “Para contemplar a Rainha dos Infernos, isto é, a verdade que se esconde dentro dele mesmo, o Iniciado deve saltar um triplice cinturdo de fogo. E a prova do Fogo... O Iniciado permanece no meio das chamas (paixGes ambientes) sem ser queimado, mas ele se deixa penetrar pelo calor benfazejo que dele emana.” Os comentarios dos autores magOnicos, sempre inclinados para um “moralismo” assaz benigno, quase que n4o variam. Acrescentemos que, aos quatro elementos, costuma-se fazer corres- ponder os quatro perfodos da vida humana: infancia, adolescéncia, idade madura e velhice. Poderfamos ainda fazé-los corresponder aos quatro pon- tos cardeais, 4s quatro estagdes, as quatro idades do Mundo: idade do ouro, da prata, do bronze e do ferro, etc. Todas essas comparagGes s4o bastante banais e quase ndo ajudam para a compreens4o dos simbolos**. Os escritores Magons enganam-se em suas explicagGes porque nao evitam a grave causa de confusdo que consiste em se querer explicar uma pela outra a filosofia, a religido e a iniciagéo. Se é possivel confrontar e comparar entre si as filosofias, as religides, as iniciagdes, em contrapartida € impossivel explicar a filosofia pela religido, ou a iniciagdo pela filosofia. Seus planos de pensamento ndo sdo os mesmos, sua linguagem é€ diferente e, em conseqiiéncia, o resultado de tais tentativas leva a uma total incoeréncia. As filosofias falam a razdo; as religides tocam 0 cora¢ao; a iniciagdo excita a parte espiritual do ser e permite o acesso 4 mais elevada compreen- so metafisica do sentido da vida. Pode-se admitir — sem grandes dificuldades — que 0 homem se com- pde ndo sé de um corpo e de uma alma, mas de quatro partes distintas, as quais daremos seus nomes latinos: Spiritus, Animus, Mens, Corpus, A cada uma dessas partes faremos corresponder um dos elementos na seguinte ordem: Fogo, Agua, Ar, Terra. Poderemos ent4o montar o quadro analégico completo colocando em correspondéncia a Iniciagao, a Religido, a Filosofia e a Vida material: 58 SPIRITUS (Espirito)......... INICIACAO ANIMUS (Alma) . . RELIGIAO MENS (Mente) ... . 2 FILOSOFIA CORPUS (Corpo)..........- VIDA MATERIAL Encontram-se de novo aqui os dados da astrologia tradicional: ao elemento Fogo corresponde o ardor e o entusiasmo; o elemento Agua, a sensibilidade e a emotividade; ao elemento Ar, a intelectualidade; ao ele- mento Terra, a materialidade**, Sabe-se que a maioria das religides conferem a seus adeptos sua primeira inicia¢do por um “‘batismo de dgua” purificador. Lemos, no Evangelho de Sao Jodo; “Vi 0 Espirito descer do céu como uma pomba, e ele pairou sobre ele. E eu ndo o conhecia; mas aquele que me mandou batizar com a dgua me havia dito: ‘Aquele sobre o qual vires o Espi- rito descer e pairar sobre ele, é ele que deve batizar com o Espirito Santo’ (I, 32, 33)”. A Magonaria ndo impde nenhum dogma religioso ou filos6fico. Nisso ela se mostra conseqiiente com as mais antigas inicia¢des. Pouco lhe impor- tam as religides ¢ as filosofias, ja que ela se situa além e fora delas. Na Iniciagdo magonica, o Recipienddrio primeiro sai da Terra. Em seguida, sucessivamente, ele é purificado pelo Ar, pela Agua e pelo Fogo. Ele se alforria, por etapas, da Vida material, da Filosofia e da Religido e, chega, enfim, a Jniciagdo pura. O Rito Francés submete o Recipienddrio a uma triplice purificagdo pela Agua; a uma dupla purificagdo pelo Ar e a uma wnica purificacdo pelo Fogo. Ele parece dar assim, implicitamente, 0 numero quatro ao elemento Terra e realizar a “Tetractys” pitagorica. ° Fogo A Tetractys, que nado se deve confundir o Oo Ar com o nimero quatro, é a série dos quatro © 0 Oo Agua primeiros numeros cuja soma é igual a dez. © 0 0 oO Terra Entre os pitagdricos, ela tinham um cardter sagrado, atestado pela férmula: “Eu o juro Por aquele que revelou a nossa alma Tetractys que tem em si a fonte e a taiz da eterna natureza”. Considerada em si mesma, a Tetractys, pelos nuimeros que a compdem, Tesume todos os ensinamentos relativos ao mundo criado: 1, Espirito criador. 2. Matéria. 59 3. Unido do Espirito e da Matéria. 4. Forma criada. Na realidade, o Recipienddrio nao realiza trés, mas quatro viagens. A primeira é aquela que o leva do Gabinete de Reflexao 4 porta do Templo. Ao chegar a essa porta, ele, virtualmente, nasceu duas vezes. Ao sair do Templo, estard ele verdadeiramente de posse desse novo nascimento simbé- lico? SO o Recipienddrio é capaz de responder a essa pergunta, porque s6 ele é capaz de “querer” sinceramente que isso ocorra. Que ele se lembre entdo da divisa inscrita, nas Iniciagdes antigas, sobre o pedestal de gra- nito que sustentava a Esfinge tetramorfa>” , de garras de Ledo, asas de Aguia, corpo de Touro e rosto de Homem, divi- sa que deve ser — como Fig. 30a. A Esfinge tetramorfa (perfil). foi, outrora, para os perfeitos Iniciados: os verdadeiros alquimistas e os grandes Rosa-Cruzes do século XVII — a divisa perfeita do Magom: Saber, Querer, Ousar e Calar-se Saber com inteligéncia (Homem); Querer com ardor (Ledo); Ousar com audacia (Aguia); Calar-se com forga (Touro). S6 por um ato absoluto e entusiasmado de sua vontade é que o pro- fano de ontem se transformard num “nascido duas vezes”, isto é, o Espirito pelo qual uma nova Vida ir desenrolar os pomposos ciclos de seus esplen- dores espirituais, Serd preciso, entéo, uma grande simplicidade. Lembremo-nos das palavras de Jesus, referidas por Sdo Mateus (XVIII, 1 a 6): “Na verdade eu vos digo que, se ndo mudardes e nao vos tornardes como criangas nao entrareis no reino dos céus. Aquele que se fizer humilde como esta crianga é o maior no reino dos céus.” Oswaldo Wirth, com muita propriedade, diz a respeito da Iniciagdo magonica: “As provas mag6nicas, tais como sao realizadas dentro das Lojas, podem parecer ridiculas aos profanos, como todos os atos simbdlicos 60 considerados apenas em sua exterioridade. Por pobre que possa ser sua dramatizagado material, elas fazem alusdo, em seu esoterismo, aos mistérios mais formidaveis da tradi¢do inicidtica. Quem se submete a elas em espirito em verdade torna-se um verdadeiro Iniciado. Quanto Aquele que as evita, continua profano, a despeito de todos os conhecimentos de que ele se possa gabar™”. Nota Sobre o Tetramorfo O Tetramorfo (do grego tetra, quatro, e morphé, forma) é comumente chamado de “Esfinge” (grego, sphigx, animal fabuloso), Encontramo-lo diversas vezes na Biblia: Ezequiel descreve assim sua visio: “Vi a semelhanga de quatro seres vivos. Cada um tinha quatro faces e quatro asas, Eis qual era a semelhanga de suas faces: uma face de homem na frente, uma face de /edo 4 direita, uma face de touro 4 esquerda e uma face de dguia em todos os quatro (cap. I, 5-14)”. Sao Joao, no Apocalipse, descreve quatro animais diferentes: “Diante do Trono, hé como um mar semelhante ao cristal; e diante do Trono e ao redor do Trono, quatro animais cheios de olhos na frente e atrés. O primeiro animal assemelha-se a um Ledo, 0 segundo a um jovem Touro, o terceiro tem como que 0 rosto de um Homem, o quarto assemelha-se a uma Aguia que voa (cap. IV, 6 a 8)”. Na Biblia do cénego Crampon (Novo Testamento, 1939, p. 311), encontra-se a seguinte nota: “Os quatro animais (literalmente seres anima- dos, no sentido mais amplo da palavra) constituem a representagdo ideal de toda a criagdo viva. Eles apresentam a semelhanga dos quatro seres vivos que, com direito, podem ser considerados como os que ocupam os primeiros lugares neste mundo”. O doutor Paul Carton (La Science occulte et les Sciences occultes, 1935, p. 85) explica do seguinte modo o simbolismo do Tetramorfo: “Os flancos do Touro representam a matéria corp6rea, a nutricdo abdominal, a linfa, a inércia da Agua, a virtude do dominio com seu contrda- tio, 0 vicio da sensualidade, numa palavra, o temperamento linfatico, “As asas da Aguia representam a forga vital, a nutrigdo tordcica, 0 sangue, a mobilidade do Ar, o sentimento com seus exageros passionais, numa palavra, o temperamento sangiiineo. “A cabega do Homem representa o espirito imaterial com a sede 61 do pensamento, do saber terrestre, a Terra, numa palavra, o temperamento Nervoso, “As garras e os membros do Ledo representam o Fogo que devora, 0 vigor ativo e a energia unificadora que pde em acdo 0s instintos e as resolu- ges voluntdrias, com mais ou menos intensidade, numa palavra, o tempera- mento bilioso. “A Sabedoria antiga, diz ele, havia tirado do enigma da Esfinge as quatro regras fundamentais da conduta humana: saber com a inteligéncia do cérebro humano; querer com o vigor do ledo; ousar ou elevar-se com a forga audaciosa das asas da dguia; calar-se com a forga maciga e concen- trada do touro.” O doutor Paul Carton faz corresponder a0 Ledo o Fogo, a Aguia o Ar, 0 que estd conforme com a tradi¢do; mas ele atribui a Agua ao Touro e a Terra ao Homem, enquanto que, astrologicamente, a Terra é o elemento do Touro, Eliphas Lévi (Os Mistérios da Cabala, 1920, p. 23) dd as correspon- déncias seguintes: AGUIA : o Ar,a inteligéncia, o espirito, a alma. HOMEM : a Agua, conhecimento, a vida, a luz. LEAO :_ 0 Fogo,a forga, a agZo, o movimento. TOURO : a Terra, o trabalho, a resisténcia, a forma. Esse autor segue os dados correntes relativos 4s correspondéncias da Aguia, do Ledo e do Touro, e é necessariamente obrigado a atribuir o ele- mento Agua ao Homem, sendo 0 tinico elemento que resta. Contudo, o doutor Paul Carton parece ter raz4o, se nos reportar- mos a Félix Lajard (Recherches sur le Cul- te public et les Mysté- res de Mithra en Orient et en Occident, 1867) que escreve, a respeito do segundo grau, o grau de Bromius ou Touro: “Seria preciso encon- trar um animal que, por sua constitui¢do, seus costumes e todas as condigdes de existéncia, pudesse exprimir a idéia que se ligava ao estado da alma aliada Fig. 30b. A Esfinge Tetramorfa (frente). 62 ao principio umido. Por que razao esses padres tao sdbios deram preferéncia ao Tourp? E o que eu ignoro. Todas as minhas pesquisas, a esse respeito, nao tiveram outro resultado além do de constatar a auséncia ou a falta de documentos que teriam podido me ajudar a resolver esse problema. Mas, se examinarmos com atengao a constitui¢ao e os costumes do Touro, reconhe- ceremos sem esforgo que, depois dos animais aqudticos e dos animais anfibios, esse quadripede oferece todas as condicdes necessdrias para exprimir as idéias que os antigos atribufam ao principio umido (p. 181).” Para apoiar sua tese, Félix Lajard transcreve, em seguida, um trecho de suas Recherches sur Vénus: “Primeira criatura safda das maos de um Deus criador do mundo, o Touro, simbolo de vida, é chamado por um nome que significa ao mesmo tempo vida e touro. Como conseqiiéncia imediata de uma doutrina que ensinava que os primeiros seres vivos haviam nascido na dgua, ele é, ao mesmo tempo, 0 simbolo do principio umido, do poder passivo da geragdo ou do sexo feminino. Mas seu papel nao se limita a isso: é o representante simbdlico da Lua e dessa grande matriz césmica na qual se supunha que os ferouhers, isto é, as idéias tipicas, emanadas da inteligéncia de um Deus supremo, eterno e invisivel, haviam sido revestidas de uma forma material ou sensfvel” (p. 182). Santo Ireneu, em seu Traité contre les Hérésies, foi o primeiro a rela- cionar os quatro “animais” com os quatro Evangelistas: © Homem com Sao Mateus; O Ledo com So Marcos; 0 Touro com Sao Lucas; A Aguia com Sao Joao. A iconografia crist? sempre fez uso desse simbolismo. Explica-se a escolha dessas atribuigdes pelas razOes seguintes: O Homem ou o Anjo representa Gabriel anunciando a encarnagdo do Salvador na humanidade, fato que é narrado, mais especialmente, por Mateus. A Aguia indica a sublime elevagdo da narragao de Sado Joao, O Leao de Sdo Marcos é uma alusdo ao deserto, onde, desde seu Primeiro capitulo, vemos o Precursor pregar a peniténcia e o batismo de Cristo. 63 O Boi ou Touro lembra, em sua qualidade de vitima escolhida para os principais sacrificios da antiga Lei, o sacerdécio, cujas fungdes sdo desempe- nhadas por Zacarias, no primeiro capitulo de Sao Lucas, quando ele € adver- tido pelo Anjo acerca do nascimento de Jodo Batista. Os quatro “‘Animais” dispostos em toro de Cristo devem ocupar, cada um, um lugar determinado: O Anjo deve ocupar a direita, ao lado da cabeca de Cristo; a Aguia deve ficar 4 esquerda; nos pés, na mesma ordem, o Ledo e o Touro (padre Auber, Hist, du Symbolisme religieux, t. IV, p. 112-113). Dupuis, numa longa dissertagdo (Origine de tous les Cultes ou Religion universelle, 1835, t. VIII, p. 164 a 196), procura estabelecer que os quatro animais do Apocalipse correspondiam a quatro dos signos do zodjiaco, “Os quatro signos fixos, ou centros, eram, diz ele, o ledo, o boi ou touro celeste, o homem do aqudrio ou o escorpido, substitufdo pela bri- Ihante estrela do abutre, espécie de dguia, a lira que sobe com esse signo e que determina sua ascensdo. “O céu estd apoiado sobre quatro signos que correspondem 4s quatro divisdes do contorno do céu, a saber: o meio do céu, 0 crepisculo, a parte inferior do céu e o oriente, que formam uma espécie de cruz cujo ponto mais alto esté situado no Zénite, o pé no Nadir, estendendo-se os dois bragos para o Oriente e o Ocidente. Portanto, fazendo a volta do céu, a partir do ponto mais alto, encontramos a quatro distancias iguais ou a seis horas uma da outra quatro figuras que sdo as do ledo, a do boi, a de um homem e a da 4guia, ou os quatro animais celestes que dividem em quatro partes iguais o contorno do céu e 0 zodiaco.” As pesquisas de Dupuis, que vé em todas as fabulas uma origem astrondmica ou astrolégica, ndo nos devem fazer esquecer que se tal sentido muitas vezes é incontestdvel, nado é menos verdade que tradigdes e lendas tém outros significados, ao mesmo tempo mais sutis e mais elevados, que cabe a nds descobrir. 64 Ly 6. ATACA E A BEBIDA AMARGA Por ocasido da Iniciagao ao primeiro grau, o Recipienddrio recebe uma Taga na qual se colocou uma bebida que, doce a principio, torna-se amarga depois, para voltar a ser doce no final. Ragon, dirigindo-se ao novel Iniciado, depois da cerimOnia, diz-lhe o seguinte” : “Irmo, a bebida que lhe foi dada é, por seu amargor, um * emblema dos males da vida e dos obstdculos que precedem 4 Iniciagao ou a descoberta da verdade. Que ela seja para vocé uma bebida do Lethes ou do olyido no que respeita as falsas mdximas que aprendeu junto aos profanos. A segunda bebida é pura; vocé a achou mais doce. Que ela seja uma bebida de Mnemosina ou da memoria, para as ligdes que iré receber da sabedoria”. Wirth, pelo contrdrio, exprime-se assim™ ; “Acabrunhado pela amar- gura, o justo é tentado a desesperar e corre 0 risco de sucumbir, esmagado pela ingratiddo dos homens. Mas essa prova ndo poderia surpreender o Iniciado. Longe de se deixar abater e de rejeitar o célice fatidico, ele deve agarré-lo, decidido a esvazid-lo até o fim, E entdo que o licor acre e ardente se transforma numa bebida reconfortante. O Iniciado bebe as dguas do Letes. Esquece as injurias, ndo sente mais suas penas e, persistindo em sua abnegacdo, encontra, em meio aos tormentos da vida, toda a sua serenidade de espirito”. Esses dois autores estao em desacordo no que concerne 4 atribuigao da bebida doce ou amarga as dguas do rio Letes*, Para Ragon, a bebida do Letes é amarga; para Wirth, é doce. Se essa analogia pode ser admitida, € preciso dar razdo a Wirth contra Ragon; é evidente que se conserva muito melhor a lembrancga de uma bebida amarga (Mnemosina) que a de uma bebida insfpida (Letes). Na ceriménia da Iniciagdo magénica, trés fases caracterizam a bebida. Essas trés fases deveriam ser as seguintes: 19 Instpida, é a vida do profano na qual o Espirito ndo foi despertado. 29 Amarga, a vida do Iniciado, daquele que procura, daquele que é atormentado pelo desejo de “conhecer”. 39 Doce, a vida do Adepto*”, daquele que, enfim, chegou a sereni- dade que a verdadeira Iniciagdo pode proporcionar*?. Assim, simbolicamente, o Recipiendario seria instruido a respeito das trés fases da Iniciagao pela absorgdo das trés bebidas. E preciso lamentar aqui a pobreza das explicagdes dos rituais e a identidade material que se 65 atribui a primeira e 4 terceira bebida, que nada mais é do que d4gua, muito simplesmente* . A bebida estd ligada ao Cilice e o Cilice simbdlico é encontrado em muitas lendas mitoldgicas e, particularmente, nas lendas célticas chamadas do “Ciclo de Artus”, A lenda do Graal é muito conhecida: O Graal, Greal, ou Gral, etc., € um vaso que serviu a Cristo quando ele celebrou a ultima Ceia, e foi nesse mesmo vaso que José de Arimatéia recolheu o precioso sangue que corria de suas chagas. Esse vaso era feito de uma nica pedra preciosa, uma enorme esmeralda*® ; ele possufa propriedades maravilhosas. Levado & Bretanha por José de Arimatéia, perdeu-se depois e sua busca constitui 0 ciclo dos roman- ces do Graal. “O Graal, diz Fulcanelli*®, é sem duvida o mistério mais elevado da cavalaria mistica e da Magonaria, que é uma degenerescéncia da cavalaria mistica; ele € o véu do Fogo criador, o Deus absconditus na palayra INRI, gravada sobre a cabeca de Jesus na cruz. Os egipcios também possuiam esse atributo: Serdpis muitas vezes é representado com o mesmo objeto sobre sua cabega, objeto que, nas margens do Nilo, chama-se Gardal. Era nesse Gardal que os sacerdotes conservavam o fogo material, do mesmo modo como as sacerdotizas nele conservavam 0 fogo celeste de Phtah. Ora, esse deus Fogo, esse deus Amor encarna-se eternamente em cada ser, jd que tudo © que existe no universo tem sua centelha vital. Ele é 0 Cordeiro imolado desde o comego do mundo, que a Igreja Catélica oferece a seus fiéis sob as espécies da Eucaristia fechada no Cibério, como o Sacramento do Amor. O cibdério, assim como o Graal e as crateras sagradas de todas as religides, representa 0 érgdo feminino da geragdo e corresponde ao vaso cosmogénico de Platdo, 4 taga de Hermes e de Salomao, a urna dos antigos mistérios. O Gardal dos egipcios é, portanto, a chave do Graal. Em suma, trata-se da mesma palavra. Com efeito, de deformacao em deformagao, Gardal tornou- se Graal. O sangue que ferve no célice sagrado é a fermentagdo ignea da vida ou do misto gerador. Nao poderiamos sendo deplorar a cegueira daqueles que se obstinariam em ver nesse simbolo, despojado de seus véus até a nudez, apenas uma profanagdo do divino, O Pao e o Vinho do Sacrificio mistico correspondem ao espirito ou ao fogo na matéria que, por sua uniao, produzem a vida.” Julius Evola, na revista Etudes Traditionnelles*” afirma: “Quem consi- dera na hist6ria do Graal apenas a lenda crist4, ou o folclore céltico pagdo, ou a criagdo poética de uma cavalaria sublimada, nao captard nessa literatura sendo 0 lado exterior, acidental e insignificante”. E acrescenta: “Na literatura 66 cavalheiresca, o Graal é, na verdade, um objeto sobrenatural, cujas virtudes principais s4o as seguintes: ele alimenta (dom de vida); ele ilumina (ilumina- ¢a0 espiritual); ele torna invencfvel”. A Taga utilizada na Maconaria deveria, portanto, ser feita de cristal ou de vidro de cor verde. Trata-se de um simbolo de transigdo entre o mundo profano e o mundo das realidades transcendentais. A bebida doce que ela contém em Ultimo lugar € a bebida divina que confere a imortali- dade, E a Amrita ou o Somd na {ndia védica; 0 Haoma da Pérsia; a Ambro- sia ou Néctar entre os gregos; 0 Oinos ou Vinho, que se encontra ao mesmo. tempo entre os gregos e os cristdos*, O rito do Calice é uma das ultimas preparagGes para a Iniciagao magé- nica. Iniciadores e Recipiendarios nem sempre compreendem todo o valor e 0 alto alcance inicidtico desse simbolo. Os comentarios dos rituais, neste caso como nos demais, tornam ins{pido o sentido real do simbolo. E imediatamente depois da realizagdo do rito do Célice que o Reci- pienddrio pronuncia seu juramento e que lhe é concedida a luz. Nota a Respeito da ‘‘Tabua de Esmeralda”’ O texto a respeito da Tdbua de Esmeralda, muito conhecida pelos discfpulos de Hermes, pode nao ser conhecido por alguns leitores. Eis, portanto, a versao mais exata dessas palavras célebres: “E verdade, sem mentira, certa e mui verdadeira; “O que estd embaixo é como o que esté no alto, e o que esta no alto & como o que est4 embaixo; por essas coisas se fazem os milagres de uma Unica coisa. E como todas as coisas sfo e provém do UM, pela mediacdo do UM, assim todas as coisas sfo nascidas dessa coisa inica por adaptacdo. “O Sol € seu pai; a Lua, a mae. O vento carregou-o em seu ventre. A terra é sua matriz e seu receptaculo. O Pai de tudo, o Télemo®? do mundo universal, est4 aqui. Sua forga ou poder continua inteiro, se se converte em terra. Separards a terra do fogo, o sutil do espesso, suavemente, com grande industria. Ele sobe da terra e desce do céu, e recebe a forga das coisas supe- tiores e das coisas inferiores. Terés por esse meio a gléria do mundo, e toda incerteza fugird de ti. “Ela é a forga, forte de toda forga, porque ela vencerd toda coisa sutil penetrard em toda coisa sdlida. Assim o mundo foi criado. Dessa forga Sairdo admirdveis adap tagGes, cujo meio é dado aqui. 67 “Este é 0 motivo pelo qual fui chamado de Hermes Trismegisto, por possuir as trés partes da filosofia universal. “O que eu disse da Obra solar estd completo.” A Tabua de Esmeralda esté reproduzida numa rocha, com tradugdo latina, numa das belas gravuras que ilustram 0 Amphitheatrum Sapientiae Aeternae, de Khunrath (1610)°°. Joannes Grasseus, sob o pseudénimo de Hortulanus, fez dela um Comentario, no século XV, traduzido por J. Giraud de Tournus, no Miroir d’Alquimie, Paris, Sevestre, 16135! Nota Sobre a “Cor Verde” A cor verde é a cor da esmeralda e, por conseqiléncia, a cor do Graal. Na linguagem popular, essa é a cor da esperanga. Contudo, muitas yezes 0 verde glauco foi considerado uma cor nefasta, e muitas pessoas ainda hoje tém medo de usar o verde que, dizem elas, lhes da azar. Na simbélica dos Elementos, 0 verde esta ligado 4 Agua; o vermelho, ao Fogo; 0 azul, ao Are o negro, a Terra. Nos trés reinos, 0 negro corresponde aos Minerais, 0 verde aos Vege- tais e o vermelho aos Animais. O verde é uma cor complementar do vermelho e, na Magia, é a cor atribufda ao plano “astral” ou intermediério entre o plano fisico e os planos superiores. O carater de “transi¢ao” da Taga é assim confirmado por sua cor que, além do mais, reporta-se 4 Agua. Se o verde é também a cor dos corpos em decomposi¢ao, ele é ao mesmo tempo, e pela mesma razdo, simbolo de regeneragdo, pois a Vida nasce da Morte. Nos contos populares, o verde era a cor das fadas e estas se magoavam, diz-se, quando alguém usava a sua cor. Na liturgia cat6lica, o verde é usado nos ornamentos sacerdotais do segundo ao sexto domingo depois da Epifania e em todos os domingos depois de Pentecostes; isto é, na expectativa, na esperanga das duas festas maiores: a Pascoa e 0 Natal. 7, OJURAMENTO Em cada um dos sucessivos graus aos quais o Macom é admitido ele 68 faz um novo juramento; mas o mais importante é 0 juramento solenemente proferido por ocasido da iniciagdo ao grau de aprendiz, momento em que 0 profano se torna Macom. Ele se compromete, entdo, duas vezes: uma primeira vez, ele pronuncia um juramento sobre a “‘taca das libagdes’ segunda vez, depois de se ter submetido as provas, ele articula o juramento definitivo. “Nao se trata de um juramento vulgar, diz Ragon*?, tal como é exi- gido no mundo profano; trata-se de um juramento antigo e sagrado. Ele € pronunciado sem constrangimento. Suas expressdes sdo enérgicas, pois quem presta esse juramento, ainda com os olhos cobertos por uma venda, est prestes a passar da barbdrie para a civilizagao. Nos antigos mistérios, acrescenta ele, impressionava-se com esse expediente o espirito do Iniciado, para obrigé-lo, por medo dos suplicios, a tomar a resolugdo de honrar seu juramento®.” O Juramento (em francés serment, do latim sacramentum, sagrado) é encontrado em todas as tradigGes humanas. Trata-se de uma afirmacgdo particular, de uma promessa solene. O juramento sempre deveria possuir trés partes: uma invocagdo, uma promessa, uma imprecagao. A invocagdo era um apelo, na maioria das vezes, 4 divindade, mas as vezes também as forgas do dem6nio, as entidades perigosas, como garantia do juramento. A promessa constitui 0 objeto do juramento. Enuncia-se 0 mais clara- mente possivel aquilo a que se quer comprometer. Enfim, a imprecagdo enumera 0 ou os castigos aos quais o Recipien- dario concorda em ser submetido caso ndo honre a promessa feita® . O Juramento compromete de forma definitiva aquele que o pronuncia, e nao é possivel voltar atras, sem se tornar perjuro, no compromisso contrafdo. Nao se deve confundir o Juramento com 0 Pacto, uma simples conven- ¢4o que pode ser rompida depois da inobservancia de uma de suas cldusulas ou denunciado em determinadas circunstancias, a menos que tenha sido teferendado por um juramento**. Os autores antimagons ndo deixaram de falar em pacto ao se referir ao juramento magdnico. Agindo assim, eles pretendem fazer com que 0 leitor chegue naturalmente a fazer a aproximag4o entre esse juramento e 0 Pacto diabdlico, “O Pacto, escreve o padre Ribet®®, termina com palavras dirigidas ao demdOnio ou pela aceitagdo de uma formula proposta pelo proprio dem6nio, seja porque ele aparece e oferece sua contribuigao, seja por que ele é invo- cado com esconjuros e promessas. 69 “Comumente, 0 compromisso ndo é apenas verbal: é escrito, e a vitima as vezes 0 assina com o proprio sangue. Na maior parte das vezes, a convengao é conclufda pelas instigagdes e entre as m@os de mdgicos que dao e recebem promessas em nome de Sata, antes que ele tenha se dignado aparecer ou antes que dé os ganhos de sua adesdo. Hoje em dia a iniciagdo é realizada na maioria das vezes nas sociedades secretas, mediante formulas execraveis que os chefes impdem aos adeptos, fazendo brilhar a seus olhos 0 atrativo da propriedade e dos prazeres temporais.”” Na realidade, o Juramento magénico é feito ou com a invocagao do Grande Arquiteto do Universo ou do Livro das Constituigdes; prometendo jamais revelar indevidamente os ritos mag6nicos; aceitando de antemao um castigo em caso de perjirio. Esse juramento é simples, solene, mas ndo tem nada de assustador. O padre Larudan, em seu livro Les Francs-Magons écrasés (Amsterd4, 1747), da o texto de um juramento magOnico que parece ter safdo inteirinho de sua imaginacao: “Eis a que me comprometo sob a pena a qual me sujeito, em caso de faltar 4 minha palavra; que é de ter os labios queimados com um ferro em brasa, a mao decepada, a lingua arrancada; que depois, numa loja qualquer dos franco-magons, durante toda a ceriménia da recep¢do dos irmdos servantes, que meu corpo inteiro seja pendurado, para vergonha eterna de minha perffdia e para terror dos demais; que ele seja queimado no fim da assembléia, e suas cinzas mandadas 4s principais lojas, a fim de que o res- tante dos irmdos as vejam e se apavorem, e que depois disso elas sejam lan- gadas ao vento e dispersadas; e que assim se conserve entre todos os irmaos uma lembranga terrivel de minha traicéo. O Deus, ajuda-me, e estes santissimos Evangelhos.” No grau de Aprendiz, o primeiro juramento é pronunciado segurando- se a taga com a mo esquerda e colocando-se a mao direita sobre 0 cora¢do. A taga, nesse momento, contém dgua pura e esses dois gestos simultaneos simbolizam a pureza e a sinceridade do Recipiendario. No segundo juramento, o impetrante apdia sobre 0 coragao a ponta de um compasso aberto, que ele segura com a mao esquerda, enquanto pousa a mo direita sobre 0 esquadro colocado em cima de uma espada. Falamos acima do simbolismo do Compasso. A mao direita sobre 0 70 , Esquadro simboliza a retidao e, sobre a Espada, corrobora a aceitagao do castigo por perjurio. No grau de Companheiro, o Recipienddrio pousa a mfo direita sobre Esquadro e Compasso entrecruzados. No grau de Mestre, o impetrante estende a mo direita sobre 0 Com- passo colocado sobre o Esquadro, que, por sua vez, esté colocado em cima de uma espada. No tornaremos a falar a respeito do que dissemos sobre esses diversos objetos: seu simbolismo, j4 descrito, explicita claramente o significado desses varios juramentos. Em geral, quando o Juramento é pronunciado, queima-se o “Testa- mento” do Recipiendario. Na realidade, trata-se do Juramento, escrito pela mao do impetrante, que deveria ser queimado, pois os escritos terrestres podem desaparecer, mas o que estd escrito no Invisivel perdura indefinida- mente. Pelo fogo, transfere-se o visivel para o Invisivel. Tal era 0 sentido dos holocaustos, dos sacrificios, oferecidos na antiguidade a divindade. Em suma, trata-se simplesmente da sublimagdo de um ato material num ato espiritual, a transferéncia desse ato de um plano fisico para um plano imaterial. O Juramento escrito, pronunciado e queimado realiza, de acordo com a simbélica classica, uma aco total pelos quatro elementos: O papel é matéria sdlida .. 0.2. eee ee eee eee a Terra, A tinta, liquida, é a Agua, A proniincia em voz alta ¢ feita pelo Ar, A combustdo, enfim, é feita pelo . . Fogo * x # Uma vez purificado pelos quatro Elementos, o Recipiendario torna-se apto, depois de ter pronunciado o Juramento nas formas j4 descritas, a teceber a Iniciagdo ma¢énica. As tradig6es ocultas se alteram e se tornam cada vez menos inteligi- veis nos Rituais 4 medida que aqueles que néo compreendem mais o seu sentido querem adapta-las 4 mentalidade geral de sua época. Essa decadéncia é sublinhada por René Guénon*” “A passagem do operativo para o especulativo, diz ele, bem longe 7 de constituir um ‘progresso’, como gostariam os modernos que n4o com- preendem a sua significagao, é exatamente o contrdrio do ponto de vista inicidtico; ela implica, ndo forgosamente, um desvio, mas pelo menos uma degenerescéncia no sentido de um enfraquecimento; e, como acabamos de dizer, esse enfraquecimento consiste na negligéncia e no esquecimento de tudo o que é realizagdo, porque nisso é que reside verdadeiramente 0 que é operativo, para no deixar sobreviver sendo um ponto de vista puramente tedrico da iniciagdo.” E evidente que a maioria dos Rituais de hoje, singularmente alterados, necessitariam de uma transformacdo total para lhes restituir sua grandeza e eficdcia®®. 8. A ESPADA FLAMEJANTE Lemos na Biblia: “O Senhor Deus mandou ‘Querubins’®? ao jardim das delicias, que faziam brilhar uma espada de fogo para fechar o caminho que levava a Arvore da Vida” (Génesis, III, 24). Os “Querubins” formam uma classe dos Anjos, cuja nomenclatura foi-nos fornecida pelo Pseudo-Dionisio, o Arepagita® . De acordo com a Escritura, os Querubins empunham uma espada de fogo. A “Espada flamejante” magénica é uma representagdo dessa espada dos guardides angélicos; esse é o motivo pelo qual se dé a sua lamina uma forma ondulada® , que concretiza o movi- mento ondulatério e vibratério da chama. “A Espada flamejante, diz Ragon®, é uma arma simbdlica que significa que a insubordinagdo, 0 vicio e o crime devem ser repelidos de nossos Templos.” Wirth, mais perto da verdade metafisica, escreve: “A Espada flamejante é 0 simbolo do Verbo, ou, em outras palavras, do Fig. 31. A espada flamejante. — pensamento ativo. Trata-se da unica arma do Iniciado, que nao poderia vencer sendo pela forga da idéia e pela forca que ela carrega em si mesma®*.”” 72 Marius Lepage, na revista Le Symbolisme, estudou longamente a Espada flamejante™. Para ele, a Espada se reveste de dois significados essenciais: 0 da criag4o, por intermédio do Verbo-Luz-Som, e o de purifi- cacao e de expiagdo sob as provagées do destino. Na Maconaria, a Espada flamejante serve para a consagracéo do Recipiendirio e, se os diversos Ritos variam no que diz respeito a alguns pontos de pormenor, a idéia essencial continua a mesma. Na maioria dos casos, o Venerdvel, segurando a espada com a mao esquerda, dirige a lamina sobre a cabeca do impetrante e aplica, sobre a lamina, trés golpes de martelo. Em outros casos, ele pousa a Espada, sucessivamente, sobre a cabega, o ombro esquerdo e o ombro direito, dando uma martelada de cada vez ou, ainda, trés. De acordo com Marius Lepage, pensamos que seria conveniente colocar a Espada sucessivamente sobre a cabega, o ombro esquerdo e o ombro direito, de acordo com as correspondéncias sephiréticas: Kether (Coroa); Binah (Inteligéncia); Hokhmah (Sabedoria)® . Nos ritos de recepcao da Cavalaria antiga, o ato que criava o Cavaleiro consistia em se bater trés vezes na nuca ou no ombro do mesmo com a lamina da espada, que era empunhada com a mao direita. Conta-se também que a “colée” era dada mediante a aplicacdo de trés golpes violentos com a mao na nuca, ato que nos espanta tanto por sua brutalidade como por suas graves conseqiiéncias fisioldgicas...e incontestavelmente propositais, que nao iremos explicar aqui. Basta-nos lembrar que a nuca, situada no alto da coluna verte- bral e na base do cérebro, € onde se localiza o bulbo que, de acordo com a fisiologia, seria o 6rgdo de relagdo entre a sensibilidade e o movimento. Assinalamos esse fato para mostrar que existe analogia, mas nado identidade, entre a consagragdo de um Cavaleiro e a de um Aprendiz magom. “A consagra¢do ritual de um novo Magom, diz Marius Lepage®, comega por estes termos: “Eu o crio...”. E, portanto, um ato criador, que procede de uma vontade, — a do Venerdvel que age em nome da Magonaria, — por intermédio de uma vibragdo sonora, — o golpe da espada. Uma criatura totalmente nova deve nascer, e o efeito dos eflivios que, saindo da Espada, o atravessam, deve constituir uma espécie de impregna¢do que penetrard definitivamente o Recipiendirio.” Esse autor é um daqueles, assaz raros, que souberam compreender © verdadeiro simbolismo do Ritual da consagragdo macénica. Infelizmente, Os que sdo encarregados de realizar esta cerimonia nem sempre se apercebem de sua considerdvel importancia. 73 E preciso também nao esquecer que o numero trés é 0 do grau do Aprendiz e que, se se coloca a Espada sobre a cabega do Recipiendario, convém bater trés vezes; mas se a Espada é colocada sobre a cabeca e os ombros, entdo seria preciso dar apenas um golpe de cada vez, e nao trés, porque entdo, na realidade, seriam dados nove golpes, e o numero nove, como veremos adiante, corresponde ao grau do Mestre. Alias, o Ritual publicado pelo Convento de Lausanne, em 1875, estabelece que “‘o Venerdvel da trés golpes iguais com seu martelo sobre a lamina da espada, pousando-a leyemente sobre a cabega do Recipienddrio”’. A Espada flamejante deve ser empunhada com a mdo esquerda (lado passivo) e o martelo com a mdo direita (lado ativo). Essa espada ndo é uma arma: é um instrumento de transmissio, e esse é o motivo pelo qual ela deve ser segurada com a mao esquerda™. A Espada flamejante s6 deveria ser utilizada para as consagracGes, reservando-se as espadas de lamina reta para as outras cerimOnias. Na Loja, a Espada sempre ¢ segurada com a mdo esquerda®* . Somente o Cobridor deve segurar a sua com a mao direita; com efeito, trata-se de um defensor encarregado de vigiar a porta do Templo, do qual ele deve afastar impiedosamente qualquer profano. ane Espadas so usadas duas vezes por ocasido da recep¢do ao primeiro grau®’: 14 Elas so utilizadas durante a segunda viagem do Recipienddrio para produzir os tinidos que simbolizam, diz 0 Ritual, os combates que o homem deve travar para triunfar das paixGes, as suas e as dos demais homens. Esse rufdo hostil é o da silva profunda e perigosa que o Iniciado deve atravessar. 28 No momento em que o Recipiendario “recebe a Luz”, todos os membros da Loja dirigem para ele a ponta de suas Espadas, levando assim sua ajuda ao ne6fito e canalizando em sua diregdo uma poderosa forga benéfica. Bem entendido, os antimagons nao deixaram de ver nesse gesto uma ameaga de morte contra o Iniciado que falhasse. “Ao ruido do Martelo, a venda cai, diz Jean Kotska” , — que, contudo, devia conhecer bem 0 significado desse rito — e o neOfito vé a sinagoga de Lucifer ameagando-o com o gladio vingador.” E verdade que o Ritual diz que as Espadas dirigidas para o Recipien- dario indicam, por um lado, a ajuda que ele pode esperar de seus Irmios e, por outro lado, o castigo ao qual ele se expde em caso de perjuro. Eis ai uma explicagdo toda exotérica, com a qual o Iniciado nao deve se contentar. 4 7 As Espadas magOnicas sao feitas com uma lamina estreita de dois s; seu punho é cruciforme e geralmente ornado com figuras simbélicas. Tais Espadas — é preciso ainda que se diga — nao tém nenhum poder homi- cida. Contudo, trata-se de instrumentos cuja virtude ndo se deve desco- nhecer. Sua presenga na Maconaria indica que a Iniciagdo transmitida é ativa, isto é, estd relacionada com a propria vontade do ne6fito, que deverd Jutar para ele proprio iniciar-se. O Arco de Ago O “Arco de Aco” é uma honra especial prestada aos dignitérios em certas ocasiSes. Os Magons, colocados em duas filas paralelas, cruzam suas espadas, empunhadas com a mao direita, de modo a formar um arco sob o qual passa aquele ao qual se presta essa honra. O sinal de ordem, entdo, excepcionalmente, é feito com a mao esquerda. Esse cerimonial, como se afirma, data do século XVIII. Quando Luis XVI entrou na Camara Municipal de Paris, a 17 de julho de 1789, os Magons presentes fizeram 0 Arco de Ago sobre a escadaria do monumento” . O simbolismo do Arco de Ago fala por si mesmo, e ndo é necessdrio insistir a respeito. Os magons mostram com esse gesto que colocam sua forga a servico daqueles que eles honram, e essa espécie de teto representa a protecdo que eles oferecem. A Espada é empunhada com a mAo esquerda porque, no caso, trata-se de uma acdo ffsica e nfo de uma transmisséo iniciatica, Essa ceriménia foi conservada, ou adotada, pelos militares nas ceri- ménias de casamento e constitui um rito de Khsatrias” . 9. OS TRES PONTOS Os trés pontos dispostos em triangulo s4o0 usados comumente na Maconaria como sinal de abreviagao. Esse é, sem diivida, 0 motivo pelo qual os Magons muitas vezes so designados pelo epiteto de “Irmdos Trés Pontos”. Esse epiteto que os antimacons consideram irénico e trocista, ndo o é; ele apenas confirma que os “trés pontos” sdo importantes na Mac¢o- naria, pois representam o Delta, ou Triangulo, de que falaremos adiante. 75 Ragon assinala que ‘‘a abreviacdo tripontuada s6 teve inicio depois da circular de 12 de agosto de 1774, dirigida as Lojas de sua correspon- déncia pelo Grande Oriente, para anunciar a tomada de posse de seu novo local? ”. F. Chapuis afirma, contrariando Ragon, que essa abreviacdo é anterior a 1773. “Com efeito, diz ele, no primeiro registro dos processos verbais da Loja ‘A Sinceridade’, no Oriente de Besan- gon, os trés pontos aparecem sob a seguinte ee e forma (fig. 32, c). Essa disposigdo é nitida- eeeee mente constatada no tragado das eleigdes 4 b ' d de 3 de dezembro de 1764.” Jean de Pavilly escreve”* : “‘Os trés pon- tos provém da Compagnonnage, [corpora- gGes de operdrios], onde eles parecem ter simbolizado o triangulo. Parecem também ser o simbolo do triquetro”. Este resulta, notadamente, de certas Tepresentacdes dos trés pontos sobre que se apdiam os triquetros ou, mais exatamente, cada uma das pernas de um triquetro que aparecem em certas obras de companheiros. Os trés pontos parecem ter sido apreciados muito especialmente pelo rito dos Companheiros da Liberdade (‘Companheiros da Liberdade’ ou do ‘Dever de Liberdade’)”””. A abreviagdo tripontuada nem sempre é disposta na forma de um triangulo que repousa sobre sua base. Ela também é encontrada sob as formas indicadas na figura 32, b, ce d. J.C. A. Fisch diz a esse respeito: ‘Seria o caso de afirmar, com bastante certeza, que a abreviatura macénica dos trés pontos nos vem da arte hierogli- fica egipcia, onde era praticada, e eis como: “Para marcar um niimero de vegetais idénticos ou da mesma espécie, os egipcios escreviam a letra inicial do nome genérico da planta e colocavam trés flores de lotus atrds dessa inicial. Eles também colocavam trés graos ou pontos atrés da inicial do nome de um mineral, e trés tragos ondulados atras da inicial do nome de um Iiquido. “Para bem compreender a Antiguidade e, notadamente, a histéria e os costumes dos antigos egipcios, ndo podemos ignorar que entre eles a religigo dominava a vida particular, e que todas as circunstancias da vida privada e publica, necessariamente, tinham uma ponta de religido, uma forma ou marca simbélica”. “Os trés pontos da abreviatura magGnica, diz Fisch, sdo uma imitagdo das trés flores de l6tus, dos trés graos ou pontos ou dos trés tragos ondu- lados™.” Fig. 32. Os trés pontos. 16 De uma carta de nosso amigo, o doutor Octave Béliard, a quem consultamos a esse respeito, extraimos as passagens seguintes: “Na verdade, a afirmagao de que os trés pontos magdnicos tém origem nos hieroglifos egipcios n@o passa de uma suposicdo. Pois o senhor escreve um I... (imo), um L.°. (loja) e os trés pontos constituem uma das marcas do plural em egipcio. “Mesmo na época classica formavam-se plurais acrescentando-se 0 determinativo da espécie repetido trés vezes. E esse, por exemplo, 0 caso das plantas (e dou esse exemplo para explicar as trés flores de que fala Fisch, que nfo sdo apenas o determinativo dos l6tus, mas 0 de todas as ervas e plantas em geral). “Para exprimir um nimero indefinido, varias coisas, um plural, os egipcios faziam-no usando a palavra ¢rés, Mas, para dizer trés, realmente trés, eles se expressavam de outro modo”. “E eu acrescento, a respeito dos trés tragos ondulados de que fala Fisch quando se trata de falar de um liquido: “Um traco ondulado ¢ a letra alfabética N. Trés tragos ondulados sao, efetivamente, 0 determinativo comum a todos os liquidos e a todas as idéias relacionadas com Iiquidos (puro, purificagdo, etc.). Penso que isso vem do fato de que as Aguas primordiais, as Aguas césmicas do comego do mundo chamavam-se NOU... e o plural de N. é N.OU.’ “Por ai o senhor vé, diz o doutor Béliard, como Fisch divaga quando diz: “Para indicar a pluraridade de uma coisa qualquer, ‘os egipcios dupli- cavam, triplicavam, quadruplicavam, etc., o signo ou hieroglifo inicial de acordo com a quantidade’”’. Eles no quadruplicavam: eles duplicavam, para o dual, e triplicavam, para o plural, os determinativos ou as vezes 0 nome inteiro, sobretudo quando feito de um unico ideograma. E nao a letra inicial, como os senhores fazem: II.*. para irmaos e LL.". para Lojas. Essa letra inicial, ou ideograma, signo alfabético ou signo silabico, no significaria coisa alguma. Em egipcio, uma letra inicial é, 4s vezes, uma palavra inteira, completa, com muitos significados diferentes, como MER, que quer dizer branco, amar, charrua, etc. E o determinativo colocado depois da palavra que especifica todo o seu sentido.” Nada temos a acrescentar a esta refutagdo das alegagGes erréneas de Fisch. As Abreviaturas As abreviaturas eram usadas em profusao entre os gregos e entre os 7 romanos. Entre estes ultimos, seu uso tornava os textos t4o pouco legiveis que o imperador Justiniano proscreveu-os. A sigia (do latim singulae) consistia numa Gnica letra para representar toda uma palavra, As abreviagées por contragao, tais como scs para sanctus, eps por episcopus, eram freqiientes na Franga durante a Idade Média; nesse caso, as letras eram encimadas por um trago horizontal. As abreviaturas por suspen- sdo consistiam na omissdo do fim das palavras. Também na Franga 0 abuso das abreviaturas foi tal que Felipe, o Belo, em 1304, publicou uma lei que as proibia nas atas juridicas” . Atualmente, o uso das abreviaturas esté por assim dizer codificado, e elas ndo apresentam nenhuma dificuldade™. Na Maconaria, as abreviaturas usadas sio do tipo por suspensdo ou apécope (de apo, fora de, e koptein, cortar). Por regra, elas sé deveriam ser usadas nas palavras do vocabuldrio magénico e jamais para as palavras profanas. Eis as principais: 1.°. Irmao. 1..C.". Irmfo carissimo. O.". Oriente. A.’.L.". Ano da Luz E.".M.", Era Magénica, (Anno Lucis). “.V.. Era vulgar. A Gléria do Grande Arquiteto do Universo. Seria, contudo, mais correto escrever assim: A G.".D.".G.".A.".D.".U.".: acrescentando-se os trés pontos apenas as letras iniciais das palavras abreviadas. Nos exemplos dados acima nao pode haver confus4o ou ambigiiidade; é suficiente a letra inicial. Nos demais casos escreve-se a primeira silaba da palavra e a primeira consoante da silaba seguinte: 78 Trabalho. Orad.*. Orador. . Companheiro. Secr.". Secretdrio. Fraternal. Vis.". Visitante. Venerdvel. Prof.” Profano. Vigilante. Para indicar o plural nas abreviagdes reduzidas a uma unica letra dobra-se essa letra: I1."., Inmios. IL." M.". Q.*., Imos muito queridos. RR.".LL."., Respeitaveis Lojas. N4o aprovamos o costume que consiste em repetir duas vezes, para o plural, uma palavra de varias letras abreviadas, como: Ofic.".Ofic.". para Oficinas. Ven.".Ven.". para Venerdveis. Nesse caso, basta a palavra escrita uma tunica vez. O contexto indicar4 se se trata ou nfo de um plural. Em sinal de respeito e em casos particulares, triplica-se a letra inicial: MMM.”.III.".IIL."., Mui Iustres Irmaos. Por outro lado, hd abreviagGes cujo significado convém conhecer: : Nao se esquecam das condecoragdes magénicas. 'Nés vos saudamos por todos os Naimeros pelos quais sois conhecidos. E..N..E.".S.".0.".A.".D..G.".0.".D.".F. do Grande Oriente da Franga. : Em Nome e sob os auspicios O Alfabeto Magénico O Alfabeto Mag6nico ja foi reproduzido tantas vezes que podemos Muito bem repeti-lo aqui. Eis a sua chave: 79 Fig. 33. Chave do alfabeto magénico, As letras so as seguintes: Fig. 34. O alfabeto magénico. Faltam as letras k, j, v e w; elas so substituidas por c, ie u. Muitas vezes, a palavra Loja é representada por um quadrado ou por um retangulo; essa figura nao é o plano da Loja, como se pensa comumente, mas a letra L, com a condigao de que nao se esquega de colocar um ponto em seu interior. Colocando-se trés pontos, nada se acrescenta a seu significado. Dois retingulos entrelagados significam Lojas. Ignora-se a origem desse alfabeto formado apenas com a ajuda de retdngu- los. Alguns pretenderam que esse alfabeto imitasse a forma das letras do alfabeto hebraico. Existem, na Magonaria, outros alfabetos, para os graus superiores ao terceiro grau, mas estes, por assim dizer, nunca sdo utilizados. Fig. 35. Hieroglifos de “Loja”. 80 ¥ Os Anagramas Os anagramas*! foram muito utilizados na Magonaria para a subscri- ¢fo da correspondéncia. Eis alguns exemplos: Senhor Ogrande Netorie . por Grande Oriente. Senhor Carpidie..... . ‘i por Loja Picar Biohor Shien cass oes sees ease por Loja Thémis. Freqiientemente, as palavras sagradas e as palavras de passe relacio- nadas com cada grau s4o transcritas sob a forma de anagrama. 10. A ERA MAGONICA Para datar de acordo com a Era Magonica, acrescenta-se quatro mil anos ao milésimo do ano da era vulgar. Isso para fazer remontar simboli- camente a origem da Maconaria 4 criagdo do mundo, de acordo com a tradigdo biblica. Winter escreve a esse respeito®? : “Um sdbio prelado anglicano, James Usher, nascido em Dublin em 1580 e enterrado em Westminster por ordem de Cromwell, que havia apreciado sua ciéncia, escreveu diversas obras, uma das quais, Annales veteris et novi Testamenti (1650-54), contém uma cronologia biblica célebre, que faz remontar a 4004 antes de Cristo a criagado do mundo. Entenda-se por isso a época em que comega uma histdria mais ou menos precisa do mundo (o Génesis). “E mais provavel que.os fundadores da Magonaria moderna tenham tomado essa cronologia como base da Era Magénica fazendo-a remontar assim, simbolicamente, a criagdo do mundo. Além do mais, a hierarquia de Anderson®* ajusta-se a essa cronologia, tio do gosto desse pastor-doutor. Deve-se acrescentar que a cronologia de Usher é feita de acordo com o texto hebraico. “Uma cronologia biblica cerca de cem anos mais recente é a de Etienne Hales, outro stdito britanico, naturalista e fisico, conego de Windsor e membro da Sociedade Real de Londres, que nasceu em 1677 no ducado de Kent e morreu em 1761. Ela faz remontar a criago do mundo ao ano 5411 antes da era vulgar. 81 “Pareceria que, quando os Franco-Macons adotaram a cronologia de Usher como base da Era Magénica, a de Hales ainda nao existia. Ndo pude encontrar a data do aparecimento desta ultima, mas ela é provavelmente posterior aos anos de 1721 e de 1723.” Observamos que, para datar de acordo com a Era Magénica, o més de mar¢o é o primeiro do ano e o més de fevereiro o ultimo. O més de margo corresponde ao signo do Cameiro, que é o primeiro do Zod{faco, e o més de fevereiro a Peixes, que é 0 ultimo signo™ . Assim, o dia 15 de fevereiro de 1947, de acordo com a Era Mag6nica, era o 159 dia do 129 més do ano de 5946 (E.".M.°.) e 0 dia 6 de margo de 1947 era 0 69 dia do 19 més do ano de 5947 (E.°.M.°.). O estudo do calenddrio € muito complexo. Sob Carlos Magno, o primeiro dia do ano estava fixado a 19 de margo. No século XII, a Igreja conseguiu que o ano comegasse no sdbado santo, vigilia de Pascoa, vigilia da ressurreigdo de Cristo. Isso fazia com que o mimero de dias de um ano variasse em razao da mobilidade da festa de Pascoa. Carlos IX, em 1564, mudou o comego do ano para 19 de janeiro, costume que conservamos até hoje. Contudo, na Franga, houve uma breve interrupgdo por ocasido do aparecimento do calenddrio republicano. A Conven¢ao Nacional votou, no dia 5 de outubro de 1793, um decreto estabelecendo que o ano come- garia no equinécio de outono, isto é, no dia 22 de setembro, a meia-noite. Esse dia foi escolhido de preferéncia ao do equinécio da primavera porque, precisamente, a proclamagdo da Republica Francesa ocorreu no dia 22 de setembro de 1792. Esse dia memordvel foi, portanto, chamado de 19 Vendimidrio do Ano I da Republica. O Calendirio Republicano ficou oficialmente em uso durante treze anos, até o dia 19 de janeiro de 1806; mas, na pratica, sua duragdo foi mais curta®’ . O fato de se acrescentar 4000 anos ao milésimo do ano em curso era para datar simbolicamente, como vimos, desde 0 come¢o do mundo. Isso 82 7 era 0 mesmo que afirmar uma liberdade religiosa total. Hoje a Magonaria abandonou esse costume e, na maioria das vezes, data seus atos de acordo com a era comum. Essa concessdo aos costumes profanos parece constituir um erro. As vezes, faz-se preceder as trés ultimas cifras do milésimo de um oito deitado, simbolo do infinito em matematica. Se a Magonaria adotasse o perfodo juliano de Joseph-Juste Scaliger® , ela se mostraria mais légica. Esse perfodo é de 7980 anos; ele é 0 produto dos nimeros 15, 19 e 28, que sfo respectivamente os da indicgdo romana (periodo de 15 anos), os do ciclo lunar ou nimero de ouro (periodo de 19 anos, depois dos quais a lua volta quase que ao mesmo lugar), e os do ciclo solar (periodo de 28 anos, depois dos quais os dias da semana caem nas mesmas datas dos meses). Scaliger descobriu que o ano de 4713 a.C. possuia a unidade por indicgdo romana, ciclo lunar e ciclo solar. Se procurarmos a concordancia dos anos 1 das diferentes eras, em fung4o do periodo juliano, encontramos: 963: ano 1 da era dos judeus. 3938: ano 1 da era das Olimpiadas. 3961: ano 1 da fundagdo de Roma (Varro). 10 1 da era de Nabonassar. : ano 1 da era crista®”. 10 1 da Heégira. ano 1 da Reptblica. O ano de 1948 é 0 ano 6661 do perfodo juliano (1948 + 4713) e desse novo milésimo podemos extrair facilmente as “misteriosas” indicacdes de nossos calendarios. O resto da divisdo de 6661 por 15 da a indicgdo romana: I; por 19, dé o numero de ouro do ciclo lunar: 11; por 28, da 0 ciclo solar: 25. Isso é valido, apesar da reforma gregoriana®®. Poderdo objetar, sem davida, que haveria af alguma dificuldade para encontrar a concordancia das datas com a era vulgar e se acrescentar 4714 anos 4 era comum. Essa dificuldade desapareceria se se tragasse uma tabela de concordancia nos anudrios magénicos: 83 1940 = 6653 1941 = 6654 1942 = 6655 1943 = 6656 1944 = 6657 1945 = 6658 1946 = 6659 1947 = 6660 1948 = 6661 1949 = 6662 Por outro lado, sabendo que a Era MagOnica comegaria atualmente por 66, bastaria diminuir 13 da segunda parte do milésimo para encontrar a era comum e, inversamente, acrescentar 13 4 era comum para encontrar a era magonica. O dia 4 de margo de 1950 seria 0 49 dia do 19 més do ano de 6663 (E...M.:.). O 109 dia do 69 més do ano de 6662 corresponderia ao 10 de agosto de 1949, Nao achamos que essa proposta seja aceita; no entanto, sentimos que esse modo de datar seria preferivel 4 adigao dos 4000 anos simbélicos — demasiado biblico, no nosso entender — e, sobretudo, ao uso da era vulgar nas moedas, nas atas e documenos mag6nicos. Se os 4000 anos simbélicos foram abandonados como uma complica- ¢4o inutil, os 4713 anos que preconizamos nao tém nenhuma chance de serem aceitos. 84 ¥ NOTAS AO CAPITULO II O APRENDIZ 10. Escrevemos “reflexdo” no singular, de acordo com G. PERSIGOUT, que explica que o profano, no Gabinete, no se entrega a reflexes, mas que faz uma refle- xdo, no sentido de “volta” sobre si mesmo, jd que estd prestes a nascer de novo. Ver a notivel obra desse autor: Le Cabinet de Réflexion, 1946, p. 19. Tratase de um trabalho consideravel, marcado por uma abundante erudigao. Manuel Interprétatif du Symbolisme Magonique. Premier Degré. Grade d’ Apprenti (s.4.): p. 15. Le Livre de l'Apprenti, 1931, p. 113. Supde-se que Cristo se serviu de pao ézimo (azumos, sem fermento) por ocasifo da Ceia, porque durante a pdscoa judia o pao fermentado era proibido. Parece que os primeiros cristdos, em seus dgapes, usaram indiferentemente pio dzimo ou fermentado. Até o século IX, 0 “‘pdo eucaristico” era, verossimilmente, 0 pio comum, do qual se diferenciava apenas pela consagragao. Faziam-se pequenos pies redondos, que nao eram to finos como as “héstias” de hoje e que eram divididos pelo padre para a comunhi O pao partido em comum ~ seja ele dzimo ou nao — é 0 simbolo real da “comunhdo”, isto é, do alimento espiritual tomado no mesmo e tnico lar. Encarada sob esse aspecto, a “comunh4o” atual representa um empobrecimento dos ritos primitivos. Les Demeures Philosophales et le Symbolisme Hermétique dans ses Rapports avec l’Art Sacré et l'Esotérisme du Grand Oeuvre, 1930, p. 166. Le Saint Sacrifice de La Messe Exposé Historiquement, t. 1, p. 290. Manuel du Premier Degré, p. 16. 0 Filactério (do grego phulaktérion, antidoto) era um pedago de pergaminho sobre o qual se escrevia alguma passagem da Escritura e que se amarrava no braco ou na testa. Os Filactérios transformaram-se depois em verdadeiros amu- letos. Vitriolo (vitreolus, vidroso) era, entre os antigos, o nome genérico dos sulfatos. Dizia-se vitriolo azul, em lugar de sulfato de cobre; vitriolo verde, em lugar de sulfato de ferro; vitrfolo branco, em lugar de sulfato de zinco. O icido sulfirico era chamado de ‘‘dleo de vitriolo” ou de “Acido vitridlico”; hoje em dia ainda as pessoas do povo chamam esse dcido de “vitriolo”, Dé-se também como etimo- logia desse nome vitri oleum, isto é, “leo de vidro”; alids, o dcido sulftirico con- centrado tem 0 aspecto de um Iiquido espesso e xaroposo. De lusis, decomposicdo, liquefacdo, mudanga de estado. Essa palavra entra na formagao de diversos substantivos, tais como: lysat, andlise, elotrdlise, etc. 85 8 12. 13. 14, 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 86 As trés perguntas que poderiam realmente esclarecer a respeito das concepgdes filoséficas do Recipiendario seriam evidentemente estas: De onde viemos? O que somos? Para onde vamos? — perguntas nas quais encontramos o terndrio: do, presente e futuro. Ver cap. V, 4. Opée-se 0 culto de Jatria (de latreia, culto por exceléncia) que sé é devido a Deus, ao culto de dulia (douleia, servidao) que é reservado aos anjos e aos santos. Tableau naturel des Rapports qui Existent en Dieu, !' Homme et I’Univers (1782). O “espelho” que é encontrado em certos Ritos, no estdgio do Gabinete de Refle- xfo (refletir no sentido da fisica), materializa a “reflexio” (no sentido de ‘pon- derar com madureza’). Ver, no cap. II, 7, “O Juramento”. Manuel du Premier Degré, pp. 22-23. Le Coté Occulte de la Franc-Magonnerie, 1930, p. 139 e segs. Leadbeater, a0 lado de estudos incontestavelmente curiosos, muitas vezes dd prova de uma ima- ginacdo exagerada. Adepto ferrenho da reencarnagdo e das sucessivas existéncias, no diz ele (p. 2) que tudo o que viu numa Loja lhe era familiar e lhe lembrava velhas recordagGes de seis mil anos atrds (!)? A Antiguidade refere-se a sete metais apenas, no por ignordncia dos demais, mas em relagdo com seus influxos planetarios. Ragon soube precisar o uso dos termos: aspirante, postulante, nedfito, etc. Ele diz (Cours Philosophiques, p. 80): “O aspirante ou postulante é aquele que pede para ser iniciado. A partir do momento em que a Loja consentiu em sua admisso ele é candidato. Aquele que, entre os romanos, aspirava a um cargo, a uma dignidade, vestia uma tunica branca (candida) de onde a palavra candidatus. Por extensdo, na Magonaria chama-se candidato aquele que aspira a uma dignidade ou a uma fungdo. Admi- tido as provas, 0 candidato tornase Recipienddrio; uma vez recebido, € um Neéfito (que nasceu de novo) ou Iniciado no grau que lhe é conferido.” Deve-se despojar o Recipiendirio de seu papel-moeda e de seu taldo de cheques? Sim, se se considerar que eles simbolizam o dinheiro em metal. Causeries en Loge d'Apprentis, pp. 51-52. Rabelais, no Quinto Livro, descreve 0 costume pitoresco de Pantirgio admitido 4 iniciagdo da Deusa Garrafa. Na obra De I’Archictecture naturelle, ja citada, encontramos a descri¢do dessa iniciago. Eis 0 texto de Rabelais que nos inte- ressa presentemente: “Ali, nossa ilustrissima Lanterna ordena que cada um fizesse daquela hera um chapéu albanés, para que com ele cobrisse toda a cabega. O que foi feito sem tardanga. — Debaixo desta parreira, disse entdo Pantagruel, nao teria podido passar outrora o Pontifice de Jupiter. — A razdo, disse a nossa preclara Lanterna, era mistica. Pois, passando por af, ele teria o vinho, isto é, as uvas sobre sua 24. 2. cabega, e pareceria estar como que martirizado e dominado pelo vinho, para significar que os Pontifices e todos os personagens que se entregam e se dedicam 4 contemplagao das coisas divinas devem manter 0 espirito em tranqililidade, longe de qualquer perturbagdo dos sentidos; a qual se manifesta mais na embria- guez do que em qualquer outra paixao seja ela qual for. “Mas, antes de lhe fazer esse chapéu albanés, a Lanterna havia mandado que eles ‘comessem trés vacimos por cabeca, colocassem pampanos em suas sanddlias ¢ empunhassem um ramo verde com a mdo esquerda’. “Quando, a seu pedido, Pantirgio foi conduzido até 0 ordculo da Divina Garrafa, a princesa Bacbuc, dama de honra da Garrafa e Pontifice de todos os mistérios, mandou-o ataviar de uma ‘forma grotesca’: “Vestiu-o, depois, com uma capa de aldedo, cobriu-o com uma bela touca branca, vestiu-o com um gorro de hipocraz, em cuja extremidade, em lugar de borla, colocou trés obeliscos, vestiuthe as mdos com duas braguilhas antigas, cingiu-o com trés cornamusas ligadas entre si, banhou-lhe por trés vezes a face na sobredita fonte, lancou-lhe, enfim, no rosto, um punhado de farinha, colocou trés penas de galo no lado direito do gorro hipocratico, fé4o dar nove voltas ao redor da fonte, fé4o dar trés belos pequenos saltos e cair sete vezes com © tra- seiro por terra, sempre pronunciando ndo sei que conjuragdes em lingua etrusca, e as vezes lendo num livro ritual, que era carregado junto a ela por uma de suas mistagogas.” A aparente fantasia do relato ndo deve enganar a respeito da profundidade de seu alcance, que é maior do que se poderia supor. Les Mystéres de V'Art Royal, p. 92. Eis a fabula de Jasdo, de acordo com P. DECHARME (Mythologie de la Gréce antique, p. 609, e segs.) “Em Tolcos, na Tessdlia, reinava Pélias, que, perfidamente, roubara o trono de seu irmao Eson. Este, temendo pela vida de seu filho Jasdo, confiou a crianga aos cuidados do Centauro Quiron que the deu, nas encostas do Pélion, a mesma educacdo forte e viril que havia dado ao jovem Aquiles. Contudo, Pélias, inquie- to e perturbado pelos remorsos, havia interrogado o ordculo a respeito da dura- cdo de seu poder. O deus respondeu-lhe que desconfiasse do homem de uma tunica sanddlia,” “De acordo com Pindaro, Jaso, com a idade de vinte anos, deixa o Centauro, seu mestre, e vai a Iolcos, onde entra com um pé descalgo. Ele se faz reconhecer pelo povo e, apoiando-se no texto do ordculo, reclama para si a realeza. Pélias promete ceder-lhe 0 trono, mas com uma condigdo: a de levar para Iolcos 0 Toso de Ouro do Carneiro, presenteado por Hermes a Néfele...” “De acordo com Apolodoro, Pélias estava oferecendo um sacrificio a Posei- don, certo dia, 4 beira-mar, quando vé Jasdo que, tendo atravessado a vau 0 leito do Anauros, havia perdido uma sandalia na torrente. Pélias, lembrando-se de re- pente das palavras do ordculo,aproxima-se do jovem: “Que farias, diz-lhe ele, se te fosse predito que deves morrer pela mo de um dos teus? — Eu o mandaria buscar 0 Toso de Ouro, responde Jasio, inspirado por Hera”. Pélias segue 0 seu conselho e se compromete a entregarthe o poder, caso ele realize a condiggo prescrita..."” 87 26. at: 28. 29. 30. 88 Manuel de l'Apprenti, op. cit., p. 27 ¢ segs. As correspondéncias tradicionais sdo as seguintes: Aries, — Cabega. Balanga, —_Rins. Touro, Pescogo. Escorpido, — Orgdos genitais. Gémeos, Bracos, Pulmées. Sagitério, Coxas. Cancer, Estdmago. Capricérnio, Joethos. Ledo, — Coragio. Aqudrio, — Pernas. Virgem, Ventre. Peixes, Pés. Eis, por outro lado, os planetas governantes de cada um dos signos zodiacais: Aries, — Marte. Balanga, Vénus. Touro, Vénus. Escorpiéo, Marte. Gémeos, Mercirio. Sagitdrio, Jupiter. Cancer, Lua. Capricérnio, Saturno. Ledo, Sol. Aqudrio, — Saturno. Virgem, Merciirio. Peixes, Jipiter. E preciso ainda notar que os planetas sfo ditos em ascendente em certos signos; isto é, que suas qualidades benéficas ou maléficas esto fortalecidas: Sol, emAries. Lua, em Touro. Vénus, em Peixes. Marte, em Capricérnio. Jupiter, em Cancer. Saturno, em Balanca. Os trés quadros acima ajudardo a compreender as explicagdes de Gédalge para os leitores ndo versados em astrologia. Ver infra, cap. 1X, 1, “As Mattchas”. Le Livre du Compagnon, p. 29 e seg. “Louveton ou louveteau, diz RAGON (Rituel d’adoption de jeunes Louvetons, p. 12), sfo denominagées de origem muito antiga, que significam “jovem lobo”, nome que, nos mistérios de [sis, era dado ao filho de um Iniciado, chamado chacal ou lobo, porque a mascara que ele usava, mesmo em publico, tinha a forma simbélica desse animal.” A esse respeito, Macrdbio diz que os antigos tinham percebido uma relagdo intima entre 0 lobo ¢ 0 Sol, que o Iniciado repre- sentava na ceriménia de sua recepgdo: “Com efeito, diziam eles, i aproximagao de um lobo, os rebanhos fogem e desaparecem, e até as constelagdes, que sdo rebanhos de estrelas, desaparecem diante da luz do Sol”. “Lux vem de luké, luz, lobo, chacal, que foi o emblema do Sol, cujo nascer, como o galo, ele anuncia com seus gritos. Esse € 0 motivo pelo qual 0 lobo era consagrado a Apolo, de onde seu nome de Apolo-Lucius.” 31. 32. 33. 34, 35. 36. Convém dizer [em francés] louveton e deixar a palavra louveteau para a Histéria Natural. Essa palavra apresenta-se com as seguintes variagdes: Lowton, lofton, loveton, loveson, etc. Tratase de formas mais ou menos anglicizadas. Cours philosophique (1841), op. cit., p.90. A obra de P. CRHISTIAN: Histoire de la Magie, du Monde Surnaturel et de la Fatalité 4 Travers les Temps et les Peuples, Paris, 1870, muito procurada e consi- derada pelos ocultistas, é uma obra de pura imaginagdo. As cenas da “iniciagao egipcia” so descritas minuciosamente; infelizmente, nenhum documento per- mite que as aceitemos como veridicas. Certos autores, Papus entre outros, pouco preocupados em verificar suas afirmagGes, seguiram docilmente a “histéria” de Christian. P. Christian € 0 pseudénimo de Christion Pitois, cérebre sobretudo, diz CAILLET, em sua Bibliographie des Sciences Psychiques et Occultes (1912), “por suas profundas pesquisas sobre a ciéncia dos Magos egipcios” (!). O doutor Octave Béliard, membro da Sociedade de Egiptologia, que consul- tamos a esse respeito, respondeu-nos a 19 de novembro de 1946: “Houve, sem diivida alguma, uma ciéncia esotérica no Egito e, portanto, uma iniciagdo. Podemos encontrar-the os vestigios nos monumentos e€ nos papiros, mas a interpretagdo desses vestigios sempre despertou fantasias muito imagi- nosas, sobretudo quando ainda ndo se sabia ler os escritos, embora tal perigo fosse menor depois que a egiptologia se tornou realmente uma ciéncia, isto é, hd cerca de um século. As autoridades em cujos depoimentos era costume apoiar-se eram gregas; com efeito, os pensadores gregos tinham o costume de ir ao Egito para se instrufrem, mas isso nos ultimos tempos, a partir do perfodo saita, quando muito, isto é, cerca de sete séculos antes de Cristo, quando o Egito histérico existia hd mais de dois milénios e jd estava em seu perfodo final. O que 0s gregos puderam ver e aprender ndo era uma tradi¢4o puramente egipcia, mas adulteradas pelas contribuigdes de outros povos, e eles ainda acrescentaram muito de seu. As religides da decadéncia e, conseqiientemente, seus segredos, so construgdes onde todo o mundo pés a mao. Seu contetido turyo favorecia, alids, 0 desenvolvimento de certo misticismo que causaria muito espanto nos sacerdotes dos periodos clissicos.” Rituel de U'Apprenti, 1860, p. 65. Le Livre de l’Apprenti, 1931, p. 120 e segs. Nossa intengdo, nesta obra, é preciso deixar isto bem claro, nfo ¢ explicar 0 Ritual mag6nico, mas o simbolismo magénico. Isso porque o profano sé poderd realmente ‘‘compreender” quando ele préprio tiver participado ativamente de uma iniciagdo magénica. Agindo assim, respeitamos 0 “segredo” magénico que alids, é incomunicavel. Na astrologia tradicional, as correspondéncias zodiacais com os Elementos so as seguintes: 89

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