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STRAUB~HUILLET
Retrospectiva dos filmes de Centro Cultural Banco do Brasil
Jean-Marie Straub e Danièle Huillet janeiro de 2012
Rio de Janeiro 3–15 janeiro
Brasília 10–22 janeiro
São Paulo 17–29 janeiro
12-00050 CDD-791.430944
Autobiografia 16
Filme e narrativa:
respostas a uma enquete 19
Feroz
(sobre Carl Th. Dreyer) 24
O noivo,
a atriz e o cafetão 27
Apresentação de Othon 31
Straub-Huillet:
o menor planeta do mundo 235
Diário de filmagem Alain Bergala
de Moisés e Arão 123
de Gregory Woods, Glauber Rocha e os Straub:
com anotações diálogo de exilados 243
de Danièle Huillet Mateus Araújo Silva
Apresentação
O que viram os primeiros que viram? Com que ouvidos se escutaram as primeiras
vozes? Em que noite nasceu o ruído? O que é isso de amar
os homens? A visão do movimento produz felicidade? A terra,
é de alguém? Cavalo, atleta, pássaro? Quem está lá, por detrás dos nomes?
1968
O noivo, a atriz e o cafetão
Der Bräutigam, die Komödiantin und der Zuhälter
República Federal da Alemanha, 23 min; incluindo uma versão reduzida e dirigida por
35 mm, preto e branco, janela 1/1,37. ele (Action-Theater, Munique, 1968) da peça
[Créditos: letras brancas sobre um plano de Krankheit der Jugend (Doença da Juventude)
grafites (“stupid old Germany / hate it over here de Ferdinand Bruckner; e três poemas de Juan
I hope I can go soon Patricia 1. 3. 68”)]. [velha de la Cruz traduzidos ao alemão por Jean-
estúpida Alemanha odeio esse lugar espero Marie Straub. Música: Johann Sebastian Bach
poder ir logo Patricia 1.3.1968]. [Com] Irm (Cantata BWV 11, “Du Tag, wenn wirst du sein…
Hermann [Désirée], Kristin Peterson [Irene], Komm, stelle dich doch ein”). Montagem:
Hanna Schygulla [Lucy], Peter Raben [Alt/ Huillet e Straub. Filmagem: meia jornada no
Willy], Rudol Waldemar Brem [Petrell]; James teatro (Munique), 1º abril 1968; quatro dias
Powell [James]; Lilith Ungerer [Marie/Lilith], em Munique, maio 1968. Material: uma câmera
Rainer W. Fassbinder [Freder/o cafetão]; Der Arri Blimp 300, um Nagra. Negativo Kodak
Bräutigam, die Komodiantin und der Zuhalter XXXX e XX (7 000 m). Comprimento final: 630
de Jean-Marie Straub; [Imagem:] Klaus m. Custo: 17 500 marcos alemães. Legendagem
Schilling, Hubs Hagen, [som:] Peter Lutz, Klaus em francês (adaptação Danièle Huillet), e em
Eckelt [sequência teatral], Herbert Linder; inglês com B. Eisenschitz. Primeira represen-
[Técnica:] Herbert Meier, Reina Pust, Dietmar tação: Mannheim Filmewoche, 10 out. 1968
Müller, Bernward Wember, Jan Bodenham; (Inglaterra: London Film Festival, 28 nov. 1969;
[Textos:] Juan da la Cruz, Ferdinand Bruckner, EUA: 23 fev. 1969).
Helmut Färber; [Produção:] Danièle Huillet
e Klaus Hellwig, Janus Film und Fernsehen
[Frankfurt]. Decupagem: Jean-Marie Straub,
1969
Os olhos não querem sempre se fechar ou talvez um
dia Roma se permita fazer sua escolha (Othon)
Les Yeux ne veulent pas em tout temps se fermer ou Peut-être qu’un
jour Rome se permettra de choisir à son tour (Othon)
Itália-França, 88 min; 16 mm (ampliado em Lauricella, Camille: Olimpia Carlisi, Vinius:
seguida para 35 mm), cor, janela 1/1,37. Anthony Pensabeme, Lacus: Jubarite Semaran
[Créditos iniciais, letras brancas sobre [Jean-Marie Straub], Martian: Jean-Claude
fundo preto:] Les yeux ne veulent pas en Biette, Albin: Leo Mingrone, Albiane: Gianna
tout temps se fermer; ou Peut-être qu’un jour Mingrone, Flavie: Marilù Parolini, Atticus:
Rome se permettra de choisir à son tour; a Edoardo de Gregorio, Rutile: Sergio Rossi [1º
partir de Othon de Pierre Corneille; Filme de soldado: Sebastian Schadhauser, 2º soldado:
Jean-Marie Straub e Danièle Huillet; assistidos Jacques Fillion] Revelação e copiagem: Luciano
por Leo Mingrone, Anna Raboni, Sebastian Vittori. Ce film est dédié au très grand nombre
Schadhauser, Italo Pastorino, Elias Chaju1a; de ceux nés dans la langue française, qui n’ont
Penteados Todero Guerrino; Fotografia Ugo jamais eu le privilège de faire connaissance
Piccone, Renato Berta; Som Louis Hochet, avec l’œuvre de Corneille; e à Alberto Moravia
Lucien Moreau; Produção Janus-Film Klaus et Laura Beti qui m’ont obtenu l’autorisation
Hellwig. [Créditos finais corridos, letras de le tourner sur le Mont Palatin et dans les
brancas sobre fundo preto:] Othon: Adriano jardins de la villa Doria-Pamphilj, à Rome.
Aprà, Plautine: Anne Brumagne, Galba: Ennio J.M.S. [Este filme é dedicado a todos aqueles
nascidos na língua francesa que nunca tive- Rapallo, 4 jan.1970 (Alemanha: Mannheim,
ram o privilégio de conhecer a obra de Filmwoche, 8 out.1970). Primeira exibição
Corneille; e a Alberto Moravia e Laura Betti na televisão: 26 jan. 1971 (ZDF), seguida de
que me obtiveram a autorização para filmá-lo uma discussão entre J.-M. Straub, Ulrich
sobre o Monte Palatino e nos jardins da vila Gregor, Ivan Nagel, Karsten Peters, Rudolph
Doria-Pamphilj, em Roma.] Filmagem: quatro Ganz. Versão ampliada para 35mm por Les
semanas em Roma, agosto-set. 1969. Material: Archives du film de C.N.C. projetada pela
uma Éclair Coutant, quatro objetivas, um primeira vez na Cinemateca Francesa em 7
Nagra. Negativo Eastman 7254 (13 920 m), janeiro 1999. A peça de Corneille data de
ampliado para 35 mm. Comprimento final: 1664; H. Linder publicou a tradução por conta
2 244 m. Custo: 170 000 marcos alemães. própria em York em 1974 — primeira tradução
Legendado em alemão por J.-M. Straub e Herbert em alemão da tragédia.
Linder. Primeira apresentação: Festival de
1972
Lições de História
Geschichtsunterricht
Itália, República Federal da Alemanha, 85 min; Comprimento final: 961 m. Custo: 65 mil marcos
16 mm, cor, janela 1/1,33. [Créditos, em alemães. Legendagem: em francês (Danièle
letras pretas sobre fundo branco, em Huillet); em italiano com Adriano Aprà, Leo
alemão:] trecho do fragmento de romance e Gianna Mingrone; em inglês com Misha
DIE GESCHÄFTE DES HERRN JULIUS CAESAR. Donat; em holandês com Frans van de Staak
de Bertolt Brecht. GESCHICHTSUNTERRICHT; (1972). Primeira apresentação: sessão parti-
filme de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet; cular, Mannheim, Filmewoche, 10 out. 1972.
Renato Berta, Emilio Besteti — imagem; Primeiras exibições na televisão: 20 mai 1974
Jeti Grigioni — som; Leo Mingrone, Sebastian (ARD), 16 mai 1976 (HR III).
Schadhauser, Benedikt Zulauf — assistentes.
[Créditos finais corridos, idem:] Gottfried
Bold, o banqueiro; Johann Unterpertinger,
o camponês; Henri Ludwigg, o advogado;
Carl Vaillant, o escritor; Benedikt Zulauf,
o jovem; Cores de Luciano Vittori. Música:
Johann Sebastian Bach (trecho da Matthäus-
Passion BWV 244). Decupagem, montagem:
Straub-Huillet. Filmagem: três semanas em
Roma, Frascati, Terenten (Alto-Aldige), na
Ilha de Elba, junho-julho 1972. Material: uma
Éclair-Coutant, quatro objetivas, um zoom e
um Nagra. Negativo Eastman 7254 (7 560 m).
1972
Introdução a “Música de acompanhamento para uma cena
de cinema” de Arnold Schoenberg
Einleitung zu Arnold Schoenbergs Begleitmusik zu einer Lichtspielscene
República Federal da Alemanha, 15 min; outubro 1972. Material: uma Éclair 60,
16 mm, cor e preto e branco, janela 1/1,33. um Nagra. Negativo Eastman 7254 (Roma),
[Sem créditos inciais; créditos finais em letras inversível Agfa-Gevaert preto e branco e
brancas sobre fundo vermelho:] Einleitung zu cor (Baden-Baden). Custo: 7 500 marcos
Arnold Schoenbergs Begleitmusik zu einer alemães. Legendagem: em francês (Danièle
Lichtspielscene; de Jean-Marie Straub com Huillet); em inglês com Misha Donat; em ita-
Günter Peter Straschek, Danièle Huillet e liano com G. e L. Mingrone e S. Schadhauser
Peter Nestler; Fotografia Renato Berta, Horst (1972). Primeira apresentação: Festival de
Bever, Iluminação Karl Heinz Granek; Som Jeti curtas-metragens de Oberhausen, 9 de abril
Grigioni, Harald Lill, Mixagem Adriano Taloni; 1973. Primeiras exibições na televisão: 29
Produção Straub-Huillet sob encomenda de de março 1975 (HR III/WDR III/NDR III), 30 de
Südwestfunk [terceiro programa da televisão março 1975 (S 3).
de Baden-Baden]; Cor de Luciano Vittori.
Textos de Arnold Schoenberg (cartas à Wassily
Kandinsky, 20 de abril e 4 de maio 1923) e de
Bertolt Brecht (discurso no Congresso
Internacional dos Intelectuais contra o Fascis-
mo, Paris, 1935). Música: Arnold Schoenberg,
Begleitmusik zu einer Lichtspielscene,
opus 34, 1929–1930. Montagem: Huillet e
Straub. Filmagem: um dia em Roma e um em
Baden-Baden (estúdios de televisão, junho e
1974
Moisés e Arão
Moses und Aron
Áustria/Itália/República Federal da Alemanha, Csapó; o jovem, Roger Lucas; outro homem,
105 min; 35 mm (2 planos filmados em 16 mm), Richard Salter; Sacerdote, Werner Mann;
cor, janela 1/1,37. [Créditos: letras pretas Efraimita, Ladislav Illavsky; Doente, Friedl
sobre fundo branco] uma produção da Rádio Obrowsky; Coro da Rádio austríaca;
austríaca e da A.R.D. (incluindo Berlim- Preparação Gottfried Preinfalk; Orquestra
Ocidental) sob condução da Rádio de Hessen. sinfônica da Rádio austríaca; Som: Louis
realizado pela Janus-Film&Fernsehen com Hochet, Ernst Neuspiel, Georges Vaglio,
financiamento de Straub-Huillet, da R.A.I., Jeti Grigioni; Imagem: Ugo Piccone, Saverio
da O.R.T.F. e da Taurus-Film em coprodução Diamanti, Gianni Canfarelli, Renato Berta;
germano-francesa da Janus Film&Fernsehen Técnica: Francesco Ragusa, Alvaro Nannicini,
com a NEF Diffusion. Direção de produção, Gianfranco Baldacci; Assistentes: Paolo
Direção, Montagem: Danièle Huillet, Jean-Marie Benvenuti, Hans-Peter Böffgen, Leo Mingrone,
Straub (Legendagem L.T.C. Cinétitres Tradução: Basti Schadhauser, Gabriele Soncini, Harald
Danièle Huillet) Direção musical: Michael Vogel, Gregory Woods; Figurinos “Cantini”:
Gielen; Assistência: Bernard Rubenstein. [ma- Renata Morroni, Augusta Morelli, Mariateresa
nuscrito em vermelho sobre fundo branco:] Stefanelli; Penteados: Guerrino Todero;
A Holger Meins J.-M.S. D.H. [letras brancas Sapatos: Ernesto Pompei; Coreografia: Jochen
sobre fundo preto:] Moisés e Arão. Ópera Ulrich; Bailarinos: Helmut Baumann, Jürg
em três atos de Arnold Schoenberg. Edição Burth, Nick Farrant, Wolfgang Kegler, Michael
B. Schott’s Söhne. [Créditos finais: letras Molnar; Laboratório: Luciano Vittori. A ópera
brancas sobre fundo preto:] Moisés, Günther de Arnold Schoenberg Moses und Aron foi
Reich; Aaron, Louis Devos; a jovem, Eva escrita principalmente entre 7 de maio 1930
(Berlim) e 18 de março 1932 (Barcelona). Beaulieu (planos em Luxor), uma câmera
Ficou inacabada (pelo 3º ato). Decupagem Mitchell B.N.C. 300 Blimp, dois Nagra IV e um
datada: Berlim, fins de 1959 — Roma, início Nagra III. Inversível cor Kodak 16 mm (Luxor);
de 1970. Antes dos créditos: fragmento de e negativo Eastmancolor 5254 (35 mm, cores).
uma página da tradução da Bíblia por Lutero Custo: 720 mil marcos alemães + aporte (or-
(1523): Êxodo, 32, 25–28. Filmagem: 2 planos questra e coro em Viena) da Rádio austríaca
em Luxor (Egito) em maio 1973 (planos 42 (ORF): cerca de 600 mil marcos alemães.
e 43: panorâmicas sobre o vale do Nilo), em Legendagem: em francês por Danièle Huillet;
16 mm; gravação da orquestra em Viena, 6 em inglês com Gregory Woods e Misha Donat;
semanas; no anfiteatro de Alba Fucense em italiano; em holandês com Frans van de
(Abruzos, Itália) e no lago Matese (último Staak (1974–75). Primeira apresentação: “Film
plano, ato III) em agosto-setembro de 1974, international” de Roterdã, fevereiro 1975.
5 semanas. Material: uma câmera 16 mm
1976
Fortini/Cani
Itália, 83 min; 16 mm, cor, janela 1/1,33. San Terenzo, Vinca, San Leonardo/Frigido,
[Créditos:] [Dissensi 5] Franco Fortini / I Cani Bergiola (Alpes Apuanos); Florença;
del Sinai / De Donato / Editore [plano do livro] Milão; Roma. Película: negativo Eastman
Filme de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet. Color 7247 (16 mm). Legendas: em francês
com Franco Lattes [Franco Fortini], Luciana por D. Huillet; em alemão com Manfred
Nissim, Adriano Aprà. [Créditos finais:] Blank e Andrea Spingler; em inglês com
Nagra: Jeti Grigioni. Câmera Éclair-Coutant: Misha Donat (1976). Primeira apresentação:
Renato Berta, Emilio Besteti. Assistentes: Leo Festival de Pesaro, 19 de setembro 1976;
Mingrone, Gabriele Soncini, Gregory Woods, na França: 2º Salon du Cinéma (Festival
Bernard Mangiante. Produção: Straub-Huillet. Cinématographique International de Paris),
Este filme é conhecido pelo título Fortini/ novembro 1976.
Cani, que não aparece no filme, este último
começando por um plano da capa do livro
de Fortini I Cani del Sinaï (Os Cães do Sinai)
(1967). Montagem: Straub-Huillet. Produção:
Straub-Huillet, Televisão italiana canal 2
(R.A.I. II, Roma), Sunchild Productions,
Institut de l’Audiovisuel (Paris), New Yorker
Films, Artificial Eye (Londres). Custo: 22
milhões liras (150 mil francos). Filmagem:
3 semanas (junho 1976) em Cotoncello (ilha
de Elba); Marzabatto, Sant’Anna di Stazzerma,
1977
Toda revolução é um lance de dados
Toute révolution est un coup de dés
França, 10 min; 35 mm, cor, janela 1/1,37. Montagem, produção: Danièle Huillet e
[Créditos, letras brancas sobre fundo preto:] Jean-Marie Straub. Filmagem: dois dias no
Toda revolução é um lance de dados. (Jules cemitério Père-Lachaise, Paris, 9 e 10 de maio
Michelet); [cartela manuscrita multicor sobre 1977. Material: uma Arriflex 120, um Nagra.
fundo branco:] *para Frans van de Staak, Legendagem: em alemão com Manfred Blank,
Jean Narboni, Jacques Rivette, e muitos Andrea Spingler e Helmut Färber; em inglês
outros. J.-M.S. maio 77 [Créditos finais, letras com Misha Donat; em italiano (1977).
brancas sobre fundo preto:] Fotografia Willy
Lubtchansky, Dominique Chapuis; Som Louis
Hochet, Alain Donavy; [Reprodução da página
de títulos, letras negras sobre fundo branco:]
POÈME UN COUP DE DÉS JAMAIS N’ABOLIRA
LE HASARD por STEPHANE MALLARMÉ;
[Fotografia do poeta posando à sua mesa,
em seguida letras brancas sobre negro:]
(re)citantes Helmut Färber, Michel Delahaye,
Georges Goldfayn, Danièle Huillet; Manfred
Blank, Marilù Parolini, Aksar Khaled, Andrea
Spingler, Dominique Villain. O nome do
realizador não aparece a não ser sob a forma
das iniciais abaixo da dedicatória;
o de Huillet somente como (re)citante.
1978
Da nuvem à resistência
Dalla nube alla resistenza
Itália, 105 min; 35 mm, cor, janela 1/1,37. anuncia a segunda parte (plano 91), em
[Créditos: letras pretas sobre fundo branco] seguida um plano introdutório, o plano 93
L’INSTITUT NATIONAL DE L’AUDIOVISUEL são créditos corridos:] O BASTARDO Mauro
apresenta (em francês; o resto dos créditos Monni; NUTO Carmelo Lacorte; CINTO Mario
são em italiano:] uma produção de Danièle di Mattia; O VALINO Luigi Giordanello; O
Huillet e Jean-Marie Straub com a RAI-TV, Rete CAVALIERE Paolo Cinanni; OS DO BAR Maria
2, a JANUS Film & Fernsehen, e ARTIFICIAL Eugenia T., Alberto Signeto, Paolo Pederzolli,
EYE [letras brancas sobre fundo preto:] Ugo Bertone, Gianni Canfarelli, Domenico
DALLA NUBE ALLA RESISTENZA. Textos Carrosso, Sandro Signeto, Antonio Mingrone;
de Cesare Pavese: DIALOGHI CON LEUCÒ O PÁROCO Gianni Toti. [Créditos finais: letras
[Diálogos com Leucó], Einaudi 1947; LA LUNA pretas sobre fundo branco:] Música dirigida
E I FALÒ [A Lua e as Fogueiras], Einaudi 1950. por Gustav Leonhardt. Som: Louis Hochet,
[letras pretas sobre fundo branco:] Primeira Georges Vaglio. Report: FONO RETE. Fotografia:
parte [cartelas no início de cada diálogo:]. Saverio Diamanti, Gianni Canfarelli. Revelação
1 A NUVEM Olimpia Carlisi IXÍON Guido e copiagem: LUCIANO VITTORI. Eletricistas:
Lombardi. 2 HIPÉLOCO Gino Felici SARPÉDON Francesco Ragusa. Maquinista: Gianfranco
Lori Pelosini. 3 ÉDIPO Walter Pardini Baldacci. Assistentes: Leo Mingrone, Isaline
TIRÉSIAS Ennio Lauricella. 4 PRIMEIRO Panchaud, Manfred Blank, Rotraud Kühn,
CAÇADOR Andrea Bacci SEGUNDO CAÇADOR Vincent Nordon, Stéphanie de Mareuil, Paolo
Lori Cavallini. 5 LITIERSES Francesco Ragusa Pederzolli. Cabeleireira: Silvana Todero.
HÉRCULES Fiorangelo Pucci. 6 PAI Dolando Figurinos CANTINI. Sapatos POMPEI. [manus-
Bernardini FILHO Andrea Filippi. [cartela crito azul sobre fundo branco:] * em memória
de Yvonne sem a qual não haveria Straub-
Filmes J.-M. S. Música: Andante da “Sonata
sopr’ il soggeto reale, trio” da Oferenda
Musical, BWV 1079, de J.-S. Bach, dirigida por
Gustav Leonhardt.Filmagem: cinco semanas
em Maremme, Monte Pisano, em Tripalle
perto de Pisa, em Les Langhe (Piemonte),
junho-julho 1978. Custo: 200 mil marcos
alemães. Legendagem: em francês (Danièle
Huillet), em inglês com M. Donat, em alemão
com A. Spingler, em holandês com F. van
de Staak (1978). Primeira apresentação:
Festival de Cannes, seção “Un certain regard”,
maio 1979.
1980–81
Cedo demais/tarde demais
Zu Früh/Zu Spät; Trop tôt/trop tard; Too Early/Too Late; Troppo presto/troppo tardi
França-Egito, 100 min; 16 mm, cor, janela trecho de Question paysanne en France et
1/1,33. [Créditos, letras brancas sobre fundo Allemagne [Questão camponesa na França e
preto, som de sinos e pássaros:] ZU FRÜH/ZU na Alemanha] (Paris, Éd. sociales, 1956) de
SPÄT, TROP TÔT/TROP TARD, TOO EARLY/ F. Engels (“Die Bauernfrage in Frankreich und
TOO LATE, TROPPO PRESTO/TROPPO TARDI; Deustchland”, Die Neue Zeit, 1894–95); pos-
A: Friedrich Engels; [Decupagem, realização, fácio de Lutte de classes em Égypte de 1945 à
montagem, produção:] Danièle Huillet, Jean- 1968 (Paris, F. Maspero, 1969) de M. Hussein.
Marie Straub; [Fotografia:] Willy Lubtchansky, Quatro bandas sonoras existentes: em alemão,
Caroline Champetier; [Som:] Louis Hochet, em francês, em inglês e em italiano. D. Huillet
Manfred Blank; [Assistentes:] Radovan Tadic, narra a primeira parte em todas as versões;
Vincent Nordon, Leo Mingrone, Isaline Bhagat el Nadi o da segunda parte em francês
Panchaud. [Créditos iniciais da segunda e inglês, Gérard Samaan em alemão e em ita-
parte, Música A. Schoenberg:] B: Mahmud liano. Filmagem: primeira parte: duas semanas
Hussein; [Decupagem, realização, montagem, na França, junho 1980; segunda parte: três
produção:] Danièle Huillet, Jean-Marie Straub; semanas no Egito, maio 1981. Custo: 400 mil
[Voz:] Bahgat el Nadi, Gérard Samaan; [Som:] francos. Lançamento na França: fevereiro 1982.
Louis Hochet, Manfred Blank; [Fotografia:]
Robert Alazraki, Marguerite Perlado;
[Assistentes:] Mustafa Darwish, Magda Wassef,
Gaber Abdel-Ghani, Bahgat Mostafa. [Não há
créditos finais.] Textos: Cartas de Friedrich
Engels à Karl Kautsky (20 fevereiro 1889);
1982
En rachâchant
Itália, 40 min; vídeo, cor e preto e branco, janela DALLA NUBE ALLA RESISTENZA. Cesare Pavese,
1/1,37. [Créditos, cartelas manuscritas em 1948–50. Straub-Huillet, 1978. Último diálogo
preto sobre fundo branco:] Proposta in quattro (“Pai e filho”) da primeira parte de Dalla nube
parti di Danièle Huillet e Jean-Marie Straub. alla Resistenza (planos 73 a 90). Danièle Huillet.
1. ACCAPARAMEMTE DI GRANO. D. W. Griffith, Jean-Marie Straub. FINE 1985. Montagem em
1909. A Corner in Wheat — de David Wark Griffith vídeo (realizada por Jean-Marie Straub segundo
(EUA, Biograph Co., 1909, 14 min), em sua inte- o catálogo da Viennale 2004) para o programa
gralidade (Créditos inclusos); 2. de MOSES UND de Enrico Ghezzi, La Magnifica ossessione,
ARON. Arnold Schoenberg, 1932. Straub-Huillet, transmitido na R.A.I. 3 durante 40 horas, de 25 a
1974. Planos 39 a 43 de Moïse e Aaron — fim do 26 de dezembro de 1985. Também é encontrado
1º ato (Arão derramando sangue depois água sob o título Montaggio in quattro movimenti
do cantil; e as duas panorâmicas sobre o vale per “La Magnifica ossessione” (notadamente no
do Nilo com o canto do coro); 3. de FORTINI/ programa da retrospectiva integral do Festival
CANI. Franco Fortini,1967. Straub-Huillet, 1976. de Turim de 2001), e com o subtítulo “Blut und
Planos 14 a 24 de Fortini/Cani- sequência Bodem” (“Sangue e solo”) no catálogo da retros-
chamada “dos Apuanos” (panorâmicas sobre pectiva integral da Viennale 2004. [Este filme
diversos lugares), enquadrada pela narração de não será exibido na presente retrospectiva]
F. Fortini, com um plano final dele lendo; 4. de
1986
A morte de Empédocles ou Quando a terra voltar a brilhar verde para ti
Der Tod des Empedokles; oder: wenn dann der Erde Grün von neuem euch erglanz
República Federal da Alemanha, 132 min; 35 Andreas von Rauch, Pausanias: Vladimiro
mm, cor, janela 1/1,37. [Créditos em alemão- Baratta; Panthea: Martina Baratta, Delia: Ute
letras pretas sobre fundo branco:] uma Cremer; Hermokrates: Howard Vernon, Kritias:
coprodução franco-alemã de Janus-Film com William Berger; os três cidadãos: Federico
Les Films du Losange; em cofinanciamento Hecker, Peter Boom, Giorgio Baratta; os três es-
com a Televisão de Hessen, o Hamburger cravos: Georg Bintrup, Achille Brunini, Manfred
Filmeforderung, a FFA e o CNC; [Letras brancas Esser; o camponês: Peter Kammerer; revelação
sobre fundo preto:] A Morte de Empédocles. e copiagem: Luciano Vittori; marcação de luz:
[Letras pretas sobre fundo branco:] Trauerspiel Sergio Lustri. Essas informações foram reuni-
em dois atos de Friedrich Hölderlin 1798. das a partir de uma cópia da primeira versão
[Letras brancas sobre fundo preto:] ou: Quando do filme. Há quatro versões diferentes — quatro
a terra voltar a brilhar verde para ti; Filme de montagens (por Huillet e Straub) e mixagens de
Danièle Huillet e Jean-Marie Straub 1986; Texto tomadas diferentes dos mesmos planos. O ne-
editado em colaboração com D. E. Sattler (Ed. gativo (Eastman 35mm cor) foi sempre revelado
Roter Stern); Som Louis Hochet, Georges Vaglio, no Luciano Vittori (Roma); a mixagem sempre
Alessandro Zannon; Câmera Renato Berta, Jean- efetuada com Louis Hochet na Éclair, Épinay
Paul Toraille, Giovanni Canfarelli; Assistentes sur Seine. Primeira versão: montada em Roma,
Michael Esser, Hans Hurch, Leo Mingrone, fim do verão 1986; marcação de luz, copiagem
Roberto Pali, Cesare Candelotti; Figurinos e depósito no Vittori. Comprimento final: 3
Giovanna del Chiappa “costumi d’arte”, 629m. Cópia apresentada em Berlim. Letras dos
Penteados Guerrino Todero. [Créditos finais, créditos alinhadas à direita. (Versão chamada
letras pretas sobre fundo branco:] Empedokles: “do lagarto”.) Segunda versão: montada em
seguida à primeira, em Roma, no outono de quatro filmes é de 132 min (a primeira versão)
1986; marcação de luz, copiagem e depósito na e 127 min. O filme é baseado na primeira versão
LTC, Saint-Cloud, França. Comprimento final: (1798) do Trauerspiel de Hölderlin, deixado
3 618 m. Créditos em francês. Cópias legenda- inacabado. O texto foi editado por Huillet e
das em francês por Danièle Huillet, em inglês Straub em colaboração com D. E. Sattler, autor
com Barton Byg, e em italiano com Domenico de edição de obras completas de Hölderlin
Carosso e Vladimiro Baratta. (Versão “de publicada por Roter Stern em Frankfurt (1976–),
Paris”.) Terceira versão: montada na Filmhaus chamada “Frankfurter Ausgabe”. Decupagem:
da Friedensalle de Hamburgo, durante um se- Jean-Marie Straub. Música: Johann Sebastian
minário com estudantes, março 1987; marcação Bach (trecho de uma suíte para violino solo).
de luz, copiagem e depósito no laboratório Filmagem: oito semanas, em um parque na
Geyer-Werke de Hamburgo. Comprimento província de Ragusa (sul da Sicília), e nas
final: 3 601m. Letras do créditos alinhadas à encostas do Etna, fins de maio a fins de julho de
esquerda. (versão “do galo”.) Uma quarta versão 1986. Custo: 800 mil marcos alemães. Primeira
foi ainda montada, em 1987… A duração dos apresentação: Festival de Berlim de 1987.
1988
Pecado negro
Schwarze Sünde
República Federal da Alemanha, 42 min; 135 (trecho do último movimento, “Der schwer
35mm, cor, janela 1/1,37. [Pré- créditos: gefaDte EntschlufD- “A decisão dificilmente to-
duas esculturas de Ernst Barlach: Mutter mada”), pelo Quatuor Busch (Londres, 1935).
Erde (Terra mãe) e Der Racher (O Vingador). Filmagem: três semanas, nas encostas do Etna
[Créditos:] NOIR PÉCHÉ de Jean-Marie Straub, (a 1 900 m de altitude), fim julho e agosto de
Danièle Huillet; Texto de Friedrich Hölderlin; 1988. Custo: 300 mil marcos alemães. Existem
Fotografia: William Lubtchansky, Christophe igualmente quatro versões deste filme. A
Pollock, Gianni Canfarelli; Som: Louis Hochet, segunda versão foi legendada em francês por
Sandro Zanon, Pierre Donnadieu; Assistentes: Danièle Huillet, e em italiano com Domemico
Francesco Ragusa, Michael Esser, Hans Hurch, Carosso (1988). Primeira apresentação: Cannes,
Leo Mingrone, Roberto Pali, Arnold Schmidt; maio de 1989.
Produção: Straub-Huillet com Dominique Païni
e as Rádios de Hamburgo [NDR], Colônia
[WDR], Berlim [RIAS], Baden-Baden [SWF],
e a Televisão (canal 3) de Colônia [WDR III].
[Créditos finais:] Empédocles: Andreas von
Rauch, Pausanias: Vladimir Baratta, Manès:
Howard Vernon, A Mulher: Danièle Huillet. O
texto é o da segunda versão (1799) de Der Tod
des Empedokles, editado como para o filme
anterior por Huillet e Straub com D. E. Sattler.
Música: Ludwig van Beethoven, Quatuor op.
1989
Cézanne
Cézanne. Dialogue avec Joachim Gasquet
França, 51 min; 35 mm, cor, janela 1/1,37. Texto: trecho de: “Ce qu’il m’a dit…”, “diá-
[Créditos, letras pretas sobre fundo branco:] logos” entre Cézanne e J. Gasquet, Capítulo
Cézanne; diálogo com Joachim Gasquet (Les do livro de Joachim Gasquet, Cézanne, Paris,
éditions Berheim-Jeune); [Letras brancas Les Éditions Bernheim Jeune, 1921, nova ed.,
sobre fundo preto:] Filme de Danièle Huillet 1926. Aparece uma bobina inteira de Madame
e Jean-Marie Straub; Fotografia Henri Alekan; Bovary (Jean Renoir, a partir de G. Flaubert,
Iluminação Louis Cochet, Assistente Hopi França, 1933, 3.200 m), centrée autour
Lebel; Câmera Stefan Zimmer, Michael Esser, des “Comices agricoles”; assim como dois
MOVIECAM de CINECAM, Argenteuil; Som excertos da Morte de Empédocles e diversos
Louis Hochet, Georges Vaglio. [Créditos documentos (fotos de Cézanne de Mauricio
finais, letras brancas sobre fundo preto:] Denis, quadros de Cézanne).Os enunciados
agradecemos as edições Gallimard pelo trecho atribuídos a Cézanne são ditos por Danièle
do filme de Jean Renoir, MADAME BOVARY; Huillet, os de Joachim Gasquet por Jean-
Monsieur Antoine Salomon pelas fotografias Marie Straub; mesma coisa para a versão
de Paul Cézanne; e Virginie Herlbin por haver alemã de (1989). Filmagem: três semanas em
provocado esse filme; As obras de Cézanne Paris, Londres, Edimburgo, Basileia, Ascona,
que filmamos encontram-se nos seguintes a montanha Sainte-Victoire, em setembro-
museus: NATIONAL GALLERY, Londres, -outubro 1989. Custo: 900 mil francos. Filme
MUSÉE D’ORSAY, Paris, NATIONAL GALLERY recusado por seu comandatário, o Musée
OF SCOTLAND, Edimburgo; KUMSTMUSEUM, d’Orsay. Primeira apresentação: Club Publicis
Basel, PETIT PALAIS, Paris, COURTAULD (Paris), em 3 de abril 1990, alguns dias depois
INSTITUTE GALLERIES, TATE GALLERY, uma transmissão na televisão por La Sept.
Londres, CABINE DES DESSINS do Museu do Duas versões (duas montagens de negativo,
Louvre; Produção/Copyright 1989 MUSÉE duas mixagens): uma francesa (51’), e uma
D’ORSAY, S.E.P.T., DIAGONALE, Straub-Huillet. alemã (63’).
1992
A Antígona de Sófocles, na tradução de Hölderlin,
tal como foi adaptada à cena por Brecht
Die Antigone des Sophokles nach der Hölderlinschem Übertragung
für die Bühne bearbeite von Brecht 1948 (Suhrkamp Verlag) (Antigone)
Alemanha, 100 min; 35 mm, cor, janela a criança: Mario di Mattia; o Mensageiro:
1/1,37. [Créditos:] il Teatro di Segesta. [Em Michael König, a serva-mensageira: Libgart
alemão, letras pretas sobre fundo branco:] Schwarz; Costumi d’ Arte Ruggero Peruzzi,
Die Antigone des Sophokles nach der Penteados: Guerrino Todero, Sapatos:
Hölderlinschen Übertragung für die Bühne Pompei; Som: Louis Hochet, Georges Vaglio,
bearbeite von Brecht 1948 (Suhrkamp Sandro Zanon; Câmera: Nicolas Eprendre,
Verlag); Filme de Danièle Huillet e Jean-Marie Irina e William Lubtchansky; Negativo Kodak
Straub 1991; Assistentes: Michael Esser, Hans 5245, [laboratório:] Geyer-Werke Berlin,
Hurch, Francesco Ragusa, Daniele Rossi, [câmera:] Movie-Cam de Cine-Light; Música
YuJung Nam; Olivier Moeckli, Stephan Settele, de Bernd Alois Zimmermann dirigida por
Stefan Ofner, Marco Zappone, Ernaldo Data; Michael Gielen. [Créditos finais:] La mémoire
Coprodução Regina Ziegler (Filmproduktion, de / ‘humanité pour les soufrances subies
Berlim), Martine Marignac (Pierre Grise est étonnamment courte. Son imagination
Productions, Paris), Hessicher Rundfunk pour les souffrances à venir est presque
[Televisão de Hessen], Straub Huillet; Direção moindre encore. / C’est cete insensibilité que
de produção Danièle Huillet com Hartmut nous avons à combattre. / Car l’humanité est
Köhler, Rosalie Lecan; Antígona: Astrid menacées par des guerres, vis-à-vis desquel-
Ofner, Ismene: Ursula Ofner; Os anciãos: les celles passées sont comme de misérables
Hans Diehl, Kurt Radeke, Michael Maassem, essais, e elles viendront sans aucun doute, si
Rainer Philippi; Creonte: Werner Rehm; à ceux qui tout publiquememt les préparent,
o guarda: Lars Studer, Hémon: Stephan on ne coupe pas les mains. / Bertolt Brecht
Wolf-Schönburg, Tirésias: Albert Heterle, (1952). [A memória da humanidade para os
sofrimentos passados é espantosamente alemão por Fr. Hölderlin (1800–1803) da tra-
curta. Sua imaginação para os sofrimentos gédia de Sófocles, Antigone (441 A.C.) — sem
por vir é quase menor ainda./É essa insensi- o prólogo de Brecht. A peça foi representada
bilidade que temos que combater./ Porque no palco da Schaubühne de Berlim (primeira
a humanidade é ameaçada por guerras, que em 3 de maio 1991), depois para uma única
comparadas com as que se passaram são representação em de 14 agosto no Teatro de
ensaios, e elas virão sem dúvida alguma, se Segesta. Música: trecho de Die Soldatem de B.
àqueles que publicamente as preparam, não A. Zimmermann. Filmagem: cinco semanas no
se lhes corta as mãos./][Manuscrito:] *merci, Teatro antigo de Segeste (Sicília), verão 1991.
merci à Marco Müller e Jean-Luc Godard. Custo: 3 000 mil francos. Há duas versões do
[pequenas letras brancas sobre fundo preto:] filme (duas montagens, a partir de tomadas
realizado também com o apoio do Berliner diferentes dos mesmos planos). A segunda
Filmflerderung, do Filmförderungsanstalt, e foi legendada em francês por Danièle Huillet.
do C.N.C. Texto: Versão retrabalhada para a Primeira apresentação: Festival de Berlim,
cena por B. Brecht em 1948 da tradução em fevereiro 1992.
1994
Lorena!
Lothringen!
França, 21 min; 35 mm, cor, janela 1/1,37. de Emmanuelle Straub (Colette Baudoche)
[Créditos, letras pretas sobre fundo bran- e o relato da avó narrados por D. Dosdat
co:] LOTHRINGEN! [Letras brancas sobre são legendados. Filmado em Lorena, em
fundo preto:] filme de Danièle Huillet e Jean- junho 1994. Primeira apresentação: Festival
Marie Straub; trecho do romance COLETTE de Locarno 1994, Cinemateca Francesa,
BAUDOCHE de Maurice Barrès; Música de dezembro 1994. Exibição na televisão: Arte,
Franz Joseph Haydn AMADEUS QUARTET. 12 de janeiro de 1995.
[Créditos finais:] Emmanuelle Straub;
Narração em francês por André Warynski e
Dominique Dosdat, em alemão por J.-M.S.;
Som Louis Hochet, Georges Vaglio, Mixagem
EURO STUDIOS; Imagem Christophe Pollock,
Emmanuelle Collinot; Câmera GOLDEN
PANAFOX G II, Objetivas PRIMO, Negativo
EASTMAN 5248, Laboratório L.T.C.; Produção
SAARLÄNDISCHER RUNDFUMK (Peter
Brugger), Straub-Huillet, PIERRE GRISE
(Martine Marignac). Texto: trecho de Colette
Baudoche. Histoire d’uma jeune fille de Metz,
Paris, F. Jeune, 1909. Na versão alemã, J.-M.
Straub realiza parte da narração pronuncia-
da em francês por A. Warynski; as réplicas
1996
De hoje para amanhã
Von Heute auf Morgen
Alemanha, 62 min; 35 mm, preto e branco, Cabeleileira: Jutta Braun; Assistentes (música):
janela 1/1,37. [Plano antes dos créditos: Till Drömann, David CLeoman; Assistentes
panorâmica sobre a orquestra, o cenário, (filme): Rosalie Ocan, Jean-Charles Fitoussi,
a sala. Créditos em alemão, letras pretas Arnaud Maille; Produção: Straub-Huillet; Pierre
sobre fundo branco:] Von heute auf morgen. Grise (Martine Marignac); Em coprodução com
Opéra em um ato de Arnold Schoenberg; a Rádio de Hessen; Diemar Schings, Leo Karl
Sob a Direção de Michael Gielen; Libreto Gerhartz, Hans-Peter Baden; Dedicado à Helga
Max Blond 1929; [Plano de um muro com o Gielen, Dieter Reifarth, André e Dominique
graffiti “Wo liegt euer Lacheln begraben?! ” Warynski. Legendado em francês por Danièle
(“Onde jaz teu sorriso? !”)] Filme de Danièle Huillet. Lançamento na França: em coprogra-
Huillet e Jean-Marie Straub 1996; Cenografia mação com Lothringen!, 12 de fevereiro 1997.
Max Schoendorff, J.-M. S. & D.H.; Câmera
William Lubtchansky; Irina Lubtchansky,
Marion Befve; Iluminação Jim Howe, Barry
Davis, Andreas Niels Michel; Som Louis
Hochet; Georges Vaglio, Sandro Zanon,
Klaus Barm; Charly Morell, Hans-Bernhard
Bäzing, Björn Rosenberg. [Créditos finais:]
Orquestra Sinfônica da Rádio de Frankfurt;
Ele: Richard Salter, Ela: Christine Whittlesey;
A criança: Annabelle Hahn; a amiga: Claudia
Barainsky, o cantor: Ryszard Karczykowski;
1998
Sicília!
Sicilia!
Itália, 66 min; 35 mm, preto e branco, janela CINÉMATOGRAPHIE; ALlA FILM Enzo
1/1,37. [Créditos iniciais (em francês): Porcelli, ISTITUTO LUCE; pré-aquisição ARD
manuscrito sobre fundo branco:] *Pour le Degeo, HESSISCHER RUNDFUNK Dietmar
ouistiti et en souvenir de Barnabé, le chat. Schings, SAARLÄNDISCHER RUNDFUNK,
J.-M. S. [Para o mico e em lembrança de WESTDEUTSCHER RUNDFUNK; obrigada,
Barnabé, o gato] [Letras brancas sobre fundo obrigada à Salvatore Scollo, Barbara Ulrich,
preto:] SICILIA! filme de Danièle Huillet e Jean- Dominique e André; Gabriella Taddei,
Marie Straub 1998; assistentes: Arnaud Maille, Anna Barzacchini, Paolo Bernardini, Dario
Jean-Charles Fitoussi, Romano Guelfi, Andreas Marconcini, Marcello Landi e sua mulher;
Teuchert; fotografia: William Lubtchansky; Piero Spila, Francesco Grillini, e aos de ferro-
Irina Lubtchansky, Marion Befve, LTC, Saint- viários Messina e Siracusa; Constelações,
Cloud; iluminação Jim Howe, Olivier Cazzitti; diálogos do romance CONVERSAZIONE IN
som Jean-Pierre Dorey, Jacques Balley; mixa- SICILIA de Elio Vittorini 1937–38. [Foto de Elio
gem Louis Hochet, SONODI, Épinay-sur-Seine. Vittorini] Música: Ludwig van Beethoven,
[Créditos finais:] Gianni Buscarino [Ele], trechos do Quatuor op. 132. O texto foi
Vittorio Vigneri [O amolador]; Angela Nugara interpretado pelos atores, e sob direção de
[Ela]; Carmelo Maddio [O homem], Angela D. Huillet e J.-M. Straub, no palco do Teatro
Dorantini [Sua mulher]; Simone Nucatola Francesco Bartolo, Buti, abril 1998. Primeira
[A outra], Ignazio Trombello [O um]; apresentação do filme: Festival de Cannes,
Giovanni Interlandi [O grande Lombardo], seção “Un certain regard”, 20 maio 1999.
Giuseppe Bontà [O que vem da Catânia], Lançamento na França: 15 setembro 1999.
Mario Baschieri [O velhinho]; Produção O filme existe em três versões.
STRAUB-HUILLET; Coprodução franco-
-italiana PIERRE GRISE PRODUÇÕES Martine
Marignac, CENTRE NATIONAL DE LA
2001
Operários, camponeses
Operai, contadini
Itália / França, 123 min; 35 mm, cor, janela CAPRICCI FILMS TEATRO COMUMALE
1/1,37, Som DTS (gravado em mono). FRANCESCO DI BARTOLO (Buti) STUDIO
[Créditos, em francês: letras pretas sobre NATIONAL DES ARTS CONTEMPORAINS
fundo branco:] OPERAI, CONTADINI / (Le Fresnoy) SAARLÄNDISCHER RUNDFUNK,
OUVRIERS, PAYSANS / ARBEITER, BAUERN / SÜDWEST RUNDFUNK, WEST DEUTSCHER
[estrela vermelha] personagens, constelações RUNDFUNK, Werner Dütsch [letras brancas
e Texto de Elio Vittorini [letras brancas sobre fundo preto:] Mixagem: Jean-Pierre
sobre fundo preto:] filme de Danièle Huillet Laforce, JACKSON, DTS STÉRÉO [Som
e Jean-Marie Straub. [imagem:] Renato gravado em mono] Marcação de luz: Marcel
Berta, Jean-Paul Toraille [Marion Befve]. Mazoyer, L.T.C. Saint Cloud Tradução e
[som:] Jean-Pierre Dore, Dimitri Haule. legendas: Danièle Huillet Legendagem: L.V.T.
[assistentes:] Romano Guelfi, Jean-Charles Música: Aria Doeto da cantata BWV 125 de
Fitoussi, Arnaud Maille. [créditos finais: letras Johann Sebastian Bach. O texto é a quase
brancas sobre fundo preto:] [Atores:] Angela totalidade (fora trechos descritivos…)
Nugara [Viúva Biliotti], Giacinto Di Pascoli dos capítulos XLIV a XLVII do romance Le
[Cattarin], Giampaolo Cassarino [Pompeo Donne di Messina, 1ª ed. em volume 1949,
Manera], Emrico Achilli [Cataldo Chiesa], 2ª ed. parcial reescrita 1964, Versão trad. em
Angela Dorantini [Elvira la Farina], Martina francês sob o título Les Femmes de Messine,
Gionfriddo [Carmela Graziadei], Andrea 1967. Interpretado sob a direção de Huillet e
Baldocci [Fischio], Gabriella Taddei [Giralda Straub no palco do Teatro Francesco Bartolo,
Adorno], Vittorio Vigneri [Spine], Aldo Buti, junho 2000. Primeira projeção: Quinzena
Fruttuosi [Ventura “ Faccia Cattiva”],Rosalba dos Realizadores do Festival de Cannes
Curatola [Siracusa], Enrico Pelosini [Toma], (“filme recusado pelo comitê de seleção
“il… SERACINO” (Marcello Landi) Produção: oficial do Festival de Cannes 2001” segundo
STRAUB-HUILLET Martine Marignac PIERRE J.-M. Straub), maio 2001. Lançamento comercial
GRISE PRODUÇÕES Charlotte Vincent na França: setembro 2001.
2001 2001
Il Viandante Le rémouleur
Itália/França, 5 min; 35 mm, preto e branco, Itália / França, 7 min; 35 mm, preto e branco,
janela 1/1,37. [Cartela de créditos, manuscrito janela 1/1,37. [Cartela de Créditos, manus-
preto sobre fundo branco:] Jean-Marie crito preto sobre fundo branco:] Jean-Marie
Straub, Danièle Huillet, IL VIANDANTE Straub, Danièle Huillet, LE RÉMOULEUR,
(LE CHEMINEAU), Angela Nugara, Gianni Gianni Buscarino, Vittorio Vigneri. Estes dois
Buscarino, *pour Danièle! [Este filme não será filmes são novas montagens de passagens
exibido na presente retrospectiva.] Sicília! Projeção no Torino Film Festival, no-
vembro de 2001. [Este filme não será exibido
na presente retrospectiva]
2002 2002
O retorno do filho pródigo HUMILHADOS que nada feito ou
Il Ritorno del Figlio Prodigo tocado por eles, saído de suas mãos,
não resultasse isento do direito de
Itália/França/Alemanha, 29 min; 35 mm, cor, algum estrangeiro (OPERÁRIOS,
janela 1/1,37, som Dolby mono. Nova monta- CAMPONESES — sequência e fim)
gem dos planos 40 a 46 e 63 a 66 de Operários, UMILIATI che niente difatto o
camponeses, acerca do personagem de Spine.
toccata da loro, di uscito dalle
mani loro, risultasse esente dai
diritto di qualche estraneo (OPERAI,
CONTADIN! — seguito e fine)
Itália/França/ Alemanha, 7 min; 35 mm, cor, Dolando Bernardini, ator deste útlimo
janela 1/1,37, som Dolby mono. [Realização:] filme, cantar a capella algumas estrofes da
Danièle Huillet, Jean-Marie Straub; [Imagem:] Gerusalemme liberata de Torquato Tasso, que
Renato Berta, Jean-Paul Toraille, Mario ele sabe de cor. Seguido de uma nova tomada
Befve; [Som:] Jean-Pierre Dore, Dimitri Haule, do último plano de Operários, camponeses.
Jean-Pierre Laforce. Filme realizado durante a [Este filme não será exibido na presente
filmagem de Umiliati. Três planos mostrando retrospectiva]
2004
Uma visita ao Louvre
Une visite au Louvre
França, 48 min (1ª Versão), 47 min (2ª Versão); Fresnoy. Distribuição: Pierre Grise. Participação
35 mm, cor, janela l/1,37, Som Dolby mono. no financiamento: La Fondation de France
Realização Danièle Huillet e Jean-Marie Straub. (“Initiatives d’artistes”, 25 mil euros). À ocasião
Voz: Julie Koltaï. Texto: trecho de: “Ce qu’il m’a do lançamento em Paris, duas versões do filme
dit… ”, “diálogos” entre Cézanne e J. Gasquet, foram projetadas sucessivamente a cada sessão.
capítulo do livro de Joachim Gasquet, A 1ª versão começa pela cartela “Foi Dominique
Cézanne, Paris, Les Éditions Bernheim Jeune, Païni do Louvre que provocou este filme em
1921. Imagem: William Lubtchansky, Renato 1990”, com letra de J.-M. Straub e termina com
Berta. Som: Jean-Pierre Dore, Jean-Pierre “Obrigado a François Albera, François Hers, Catia
Laforce. Produção: Straub-Huillet, ATOPIC, Le Riccaboni”. Lançamento na França: 17 março 2004.
2006
Esses encontros com eles
Quei loro incontri
Itália/França, 68 min; 35 mm, cor, janela 2. Grazia Orsi — Romano Guelfi; 3. Angela
1/1,37, Som Dolby SRD mono. [Créditos, em Dorantini — Enrico Achilli; 4. Giovanni
francês, correndo após uma cartela para Daddi — Dario Marconcini; 5. Andrea
regulagem de projeção na janela l/1.37:] Bacci — Andrea Baldocci. Archipel, L.T.C.
Regione Toscana, Provincia di Pisa, Teatro Saint-Cloud. Pierre Grise Distribution.
comumale do [sic] Buti; “ IL SERACINO” Música: Beethoven, extraída do Quatuor n° 11,
Marcello Landi; Martine Marignac PIERRE Op. 59. — Tocado em uma mise em scène de
GRISE PRODUÇÕES; CENTRE NATIONAL DE Danièle Huillet e Jean-Marie Straub no Teatro
LA CINEMATOGRAPHIE; LE FRESNOY STUDIO Francesco Bartolo, Buti, de 20 a 23 maio de
NATIONAL DES ARTS CONTEMPORAINS 005. Lançamento francês: 18 outubro 2006.
Frédéric Papon, Christian Châtel, Jean- Prêmio Marguerite-Duras 2007.
René Lorand, Blandine Tourneux; Produção
Straub-Huillet; [Imagem:] Renato Berta,
Jean-Paul Toraille, Marion Befve; [Som:]
Jean-Pierre Dore, Dimitri Haule, Jean-Pierre
Laforce; [Assistentes:] Kamel Belaïd, Arnaud
Maille, Giulio Bursi, Maurizio Buquicchio;
QUEl LORO INCONTRI ces rencontres
avec eux; Os cinco últimos diálogos de
DIÁLOGOS COM LEUCÒ de Cesare Pavese;
filme de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub;
[Elenco:] 1. Angela Nugara- Vittorio Vigneri;
2006
EUROPA 2005 27 octobre (Cinétract)
França/Itália, 2010, HD, Cor, 18’. O último Buquicchio; Giuglio Bursi. Música Edgar
canto do Paraíso da Divina Comédia de Dante Varèse “Déserts” THEATRE DES CHAMPS-
Alighieri. Créditos iniciais: (letras brancas ELYSEES 2 dezembro 1954. Créditos finais:
sobre cartela preta). primeira versão. Dante. (letras brancas sobre cartela preta). Produção
O SOMMA LUCE. Por Giorgio Passerone. Filme STRAUB-HUILLET; Martine Marignac; PIERRE
de Jean-Marie Straub. Renato Berta; Jean-Paul GRISE PRODUCTIONS; Cyrille Bordonzotti
Toraille; Arnaud Dommerc; Franck Ciochetti. Andrea Bacci TEATRO COMUNALE DI
Jean-Pierre Duret; Catherine Quesemand; BUTI Frédéric Papon LE FRESNOY STUDIO
Jean-Pierre Laforce. Florent Le Duc; Baptiste NATIONAL DES ARTS CONTEMPORAINS.
Evrard; Blandine. Tourneux; Cyrille Lauwerier.
Barbara Ulrich. Romano Guelfi; Maurizio
2011 2011
O inconsolável Chacais e árabes
L’Inconsolable Schakale und Araber (*)
França, HD, Cor, 15’. A partir de Diálogos com Suíça, HD, Cor, 11’. Baseado no conto
Leucò, o filme é uma reflexão sobre o mito homônimo de Kafka. Créditos inicias: (fundo
de Orfeu. Créditos iniciais: (letras brancas branco e letras pretas). primeira versão;
sobre cartela preta). L’INCONSOLABLE. straub. huillet. films; Belva GmbH. apresenta.
primeira versão. filme de Jean-Marie Straub. SCHAKALE UND ARABER de Franz Kafka.
Cesare Pavese. Giovanna Daddi, Andrea Bacci, György Kurtag. Wiederum, wiederum, weit
Renato Berta, Christophe Clavert, Dimitri verbannt, weit verbannt. Berge, Wüste, weites
Haulet, Julien Gonzalez, Barbara Ulrich, Land glit es zu durchwandern. Créditos finais:
Arnaud Dommerc Giulio Bursi, Maurizio (fundo branco e letras pretas). Barbara
Buquicchio, Romano Guelfi Créditos finais: Ulrich; Giorgio Passerone; Jubarite Semaran
(letras brancas sobre cartela preta) música: Christoph Clavert; Jean-Marc Degardin;
Robert Schumann. montagem: Catherine Arnaud Dommerc. Jerome Ayasse; Jean-Pierre
Quesemand. mixagem: Jean-Pierre Laforce. Laforce; Gaël Blondet. Jean-Marie Straub.
Les Fées PRODUCTIONS; Sandrine Pillon;
Lucie Portehaut; Florence Hugues. TEATRO
COMUNALE DI BUTI. LA FÉMIS; Marc Nicolas;
Frédéric Papon; Delphine Dumont; Gaël
Blondet. STRAUB–HUILLET; Belva GmbH.
Les Fées Productions 2011; visa nº 126 666.
2011
Um herdeiro
Un Héritier
França/Coreia do Sul, 2011, HD, Cor, 20’. e Hubert Bangraz MAISON FORESTIERE DE
A partir de Au service de l’Allemagne, livro de RATSAMHAUSEN, à família Schreiber
Maurice Barrès. Créditos inicias: (cartela preta e aos funcionários do DOMAINE DU MOULIN
com letras brancas). Un Héritier. segunda D’OTTROTT. STRAUB-HUILLET; Belva GmbH.
versão. filme de Jean-Marie Straub. Maurice Les Fées Productions 2011; visa nº 127 278
Barres; Barbara Ulrich. Joseph Rottner;
Jubarite Semaran [Jean-Marie Straub]. Renato
Berta; Cristophe Clavert. Dimitri Haulet;
Julien Gonzalez. Arnaud Dommerc. Maurizio
Buquicchio; Grégoire Letouvet. Créditos finais:
(cartela preta com letras brancas). Montagem:
Catherine Quesemand. Mixagem: Jean-Pierre
Laforce. Les Fées PRODUCTIONS; Sandrine
Pillon; Lucie Portehaut; Florence Hugues.
com a participação do CENTRE NATIONAL DE
LA CINEMATOGRAPHIE e da REGION ALSACE.
JEONJU DIGITAL PROJECT 2011. LA FEMIS;
Marc Nicolas; Frédéric Papon; Delphine
Dumont; Gaël Blondet. merci, merci à Sylvie
Filmes sobre Jean-Marie Straub e Danièle Huillet
1983 1984
Jean-Marie Straub und Wie will ich lustig lachen.
Danièle Huillet bei der Arbeit Straub/Huillet un ihr
an einem film nach Franz Kafka’s Film “Klassenverhältnisse”
Romanfragment “Amerika” Como eu vou rir feliz —
Jean-Marie Straub e Danièle Huillet Danièle Huillet e Jean-Marie Straub
trabalhando num filme sobre e seu filme Relações de classes
um fragmento de Amerika, romance
inacabado de Franz Kafka
República Federal da Alemanha, 16mm, Cor,
República Federal da Alemanha, 16mm, 42’. Direção: Manfred Blank. Manfred Blank.
Cor, 26’. Direção: Harun Faröcki. Faröcki documenta ensaios e filmagens de Relações
documenta ensaios e filmagens de Relações de classes, filme no qual atuou.
de classes, filme no qual atuou.
2001 2009
Où gît votre sourire, enfuoi? Les Avatars de la mort d’Empédocle
Onde jaz o teu sorriso? Os avatares da morte de Empédocles
França/ Portugal, 35mm, Cor, 104’. Direção: França, Digibeta, Cor, 53’. Direção: Jean-Paul
Pedro Costa. A convite do canal francês Toraille. Mais de 20 anos depois de A morte
de televisão Arte, Pedro Costa registra de Empédocles, Straub convida Toraille,
o processo de montagem da terceira versão que fez a câmera do filme, a montar o material
de Sicília!. registrado por este durante as filmagens.
2010
Dites moi quelque choise
Digam-me alguma coisa
França, Digibeta, Cor, 94’. Direção: Philipe
Lafosse. Registro de conversas de Jean-Marie
Straub com o público após projeções de
alguns de seus filmes na sala Reflet-Médicis
em Paris, outono/inverno de 2007–2008.
Texto decupado e marcado para a realização de Cézanne, 1989. A cada etapa dos ensaios Jean-Marie Straub
utiliza uma nova cor.
Gente, animais, objetos, etc para encontrar para Moisés e Arão.
O texto de Elio Vittorini decupado, escrito à máquina e diagramado por Danièle Huillet,
marcado por Jean-Marie Straub para a realização do filme Sicília!.
Trabalho sobre o texto para Lorena!
Versão manuscrita de roteiro de Relações de classes.
Primeira página de uma versão de roteiro de Relações de classes escrita à máquina com marcações manuscritas.
Escritos de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet
2
M = M1
abril de 1964
Como, com base na sátira de Böll, forjei uma arma nua para os muitos
que não são nem “militaristas” nem “antimilitaristas” (o antimilitarismo,
como o riso, é um narcótico para os privilegiados) e para quem — como
os amantes do western — tem olhos e ouvidos para aquilo que meu velho
mestre Robert Bresson chama de matière cinématographique, a distribui-
dora Atlas, seus supostos conselheiros artísticos e alguns outros que
exercem papéis de intelectuais (inclusive de esquerdas) se sentam diante
de Machorka-Muff como quem espera um filme pornô, e, em vez disso,
mostra-se-lhes uma Vênus de mármore!
Além disso, M.-M. está dedicada ao autor de A resistível ascensão de
Arturo Ui e ao de The Rise and Fall of Legs Diamond, e se constrói sobre a
equação M = M2.
1. [Original sem título], manuscrito de Jean-Marie de 1963. Publicado como carta ao diretor
da Filmkritik em abril de 1964. A presente versão parte da tradução espanhola publicada em
Manuel Asín (ed.). Jean-Marie Straub y Danièle Huillet — Escritos. Intermedio, fevereiro de 2011.
Traduzido por Ernesto Gougain e Fernanda Taddei.
2. “Militar”= “Mörder” / “Militar” = “Assassino” [Nota de Manuel Asín].
3
O Bachfilm1/2
novembro de 1966
balho é certamente algo que tem a ver com o cinematógrafo. Nisso con-
siste justamente — eu detesto a palavra, mas digamo-la entre aspas — o
“suspense” do filme. Cada trecho de música que nós mostramos será
realmente executado diante da câmera, captado em som direto3 e — com
uma quase exceção — filmado num único plano. O núcleo do que será
mostrado em cada trecho musical será, a cada vez, como fazemos essa
música. Pode acontecer que ele seja introduzido por uma partitura, um
manuscrito ou um texto impresso original. Depois, nos intervalos, haverá
sequências, não cenas, nem episódios — nós suprimimos cada vez mais,
até que não tenhamos mais nem cenas, nem episódios —, mas apenas o
que Stockhausen chamaria de “pontos”4. Tudo o que será mostrado fora
das execuções musicais serão “pontos” da vida de Bach.
O filme será realmente o oposto do que li ontem em um painel do
Theatiner Filmkunst a propósito do filme sobre Wilhelm Friedemann
Bach5 e de que tomei nota: “Sua música e aquela de seu pai dão ao filme
uma abundância de picos musicais impressionantes”. Meu maior temor
com o Bachfilm até o momento era justamente que a música criasse
picos no filme: ela deve permanecer no mesmo plano que o resto. Por
um lado, eu escolhi a música de tal forma que tenhamos um exemplo
de cada gênero — um coro de entrada, um concerto de instrumentos, um
trecho de órgão, um trecho de cravo, um minueto etc. — e também de
cada período criativo — inclusive aquele anterior a 1720, quando começa
a cronologia do filme, período totalmente clássico, totalmente linear, e
que pode até mesmo ser tido como um tipo de retrocesso! Por outro lado,
“dialeticamente”, nós escolhemos a música, porém, unicamente em fun-
ção do ritmo do filme. Eu sei exatamente em qual lugar eu preciso de uma
superfície plana — e ali eu não escolhi uma música que teria colocado
essa superfície plana, que era necessária, em perigo. A adequação entre
o trecho escolhido e o ritmo do filme deve ser, a cada instante, total em
sua construção. Fora isso, eu sei que posso encadear diretamente um
tal trecho de música com tal outro, e que num outro local uma lacuna é
necessária, uma sequência sem música, um “ponto da vida”.
3. “Captado em som direto”: os trechos que nós não mostramos, mas deixamos ouvir, tal como
o largo da sonata em trio para órgão, o dueto soprano-baixo sobre o céu, o excerto da última
fuga de “A arte da fuga”, o coral para órgão de “Perante ao teu trono, eu me apresento Senhor”,
foram tocados para o filme em órgão ou cravo, ou regidos, por Gustav Leonhardt [N. D.H.].
4. De música pontilhista: termo utilizado por Karlheinz Stockhausen para se referir a obras com-
postas por partículas separadas e dispersas, não subordinadas a uma estrutura tonal. [N.T.]
5. Primeiro filho de Johann Sebastian Bach. [N.T.]
O Bachfilm 6
igreja em que a mesma disposição no espaço seja repetida; esse espaço frequentemente estreito
tinha também como consequência, na época barroca, que os músicos tocassem e permaneces-
sem de pé… [N.D.H].
11. “Figurinos, perucas, óculos…”: sempre exatos ou possíveis (as gravuras, os quadros da
época, mas também anteriores, dão uma liberdade que empalidece de raiva todos os “figurinis-
tas” bitolados!). E as imensas janelas brancas das tribunas da igreja não são anacrônicas, mas
tais como gostaria a tradição luterana! Nada de vitrais coloridos, se havia algum, os luteranos
removeram… [N.D.H.]
O Bachfilm 10
1. Publicado pela primeira vez em italiano (traduzido de um original francês) na revista Cinema
& Film, n.1, inverno 1966–1967, numa versão mais longa, e republicado por Adriano Aprà em
versão revista, sem a primeira e a última seções, mas com novos parágrafos finais, sob o título
“Presentazione di Non riconciliati” em J.-M. Straub e D. Huillet, Testi cinematografici, op. cit.,
p. 58–63. Foi esta versão revista que traduzimos aqui. Traduzido do italiano por José Eduardo
Marco Pessoa e Mateus Araújo Silva. [N.T.].
2. Na peça de Bertolt Brecht Santa Joana dos Matadouros [Die heilige Johanna der Schlachthöfe],
escrita em 1929–31. [N.T.]
3. Heinrich Böll, Billard um halbzehn (1959). [N.T.]
4. Sequências de repertório: 1914–1918, partida para a guerra, e 1944–1945, ruínas de Monte
Cassino.
5. Em 1933, foram executados em Colônia — decapitados com o machado — seis jovens comunis-
tas, dos quais o mais novo não tinha ainda vinte anos. Naquela época, o chicote de arame era
usado como instrumento de tortura.
Apresentação de Não reconciliados 12
uma infâmia’. Não dizia mais nada, apenas e sempre essa frase, até que
um dia seu filho disse: ‘Eu não aguento mais, é contra a minha honra’. Car-
regaram a velha mulher, trancaram-na em um asilo, declararam-na louca
para salvar-lhe a vida e, em vez disso, causaram-lhe a morte. Deram-lhe
uma injeção.”
A posição de Não reconciliados é, portanto, mais ou menos aquela de
um homem do século XX! na sociedade da época do Kaiser Guilherme II
(ela não lhe reserva nenhum lugar, como não cessam de lembrá-lo): 1) Na
defunta indústria cinematográfica: nenhum produtor (procurei em vão
algum por três anos e meio e acabei eu mesmo produzindo o filme com
o dinheiro de vinte e cinco amigos que nunca se comprometeram com a
indústria cinematográfica); nenhum distribuidor (eu mesmo distribuo o
filme7: para começar, consegui lançá-lo neste inverno por três semanas
num pequeno gueto de arte, do qual o expulsaram justamente quando
o grande público poderia ter começado a vê-lo, e depois ele foi exibido
por uma semana em Colônia, uma em Bonn, e de novo três dias em Mu-
nique num outro cinema: 737 pessoas, nem o bastante, nem demais, e se
devia, então, retirar imediatamente o filme de cartaz; esse filme não tem
o direito a um sucesso comercial, ele ameaçaria a indústria; além disso,
levando em conta o que ele exprime, é melhor que o mínimo de gente
o veja, não é um filme de grande público, e essa é também a opinião do
editor do romance que, depois de tentar em vão obter a destruição do
negativo, resolveu lançar o filme, desde que eu me comprometesse, no
contrato, a não mostrá-lo na televisão, que estava interessada). A recusa
de um prêmio de roteiro, antes das filmagens, a recusa de um prêmio de
qualidade após as filmagens — quando uma democracia e uma indústria
que tivessem o senso de seus interesses… (basta ver aquilo que os ame-
ricanos deixam circular, Os nus e os mortos8, por exemplo); 2) No jovem
cinema oficial é a mesma coisa, estamos construindo aqui uma nouvelle
vague sob medida, e temo que ela não produza senão clichês estéticos
e morais. No entanto, os três longas que já existem têm a bênção de dis-
tribuidores reconhecidos e também da crítica autorizada e dos poderes
9. Despedida de ontem [Abschied von Gestern] (Alexander Kluge, 1966), visto recentemente, é
realmente o primeiro dos cinco longas-metragens do jovem cinema alemão lançados depois
de Não reconciliados. Alexander Kluge é o único que dá prova de senso moral — e portanto de
senso político e estético — e que tem o senso da provocação [Nota de Adriano Aprà tirada de
uma carta posterior de Straub].
Escritos de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet 15
10. Ponto de encontro anual, na Itália, das principais figuras dos cinemas novos espalhados pelo
mundo, bem como da crítica mais afinada com suas propostas. [N.T.]
16
Autobiografia1
inverno de 1966 e 1967
1. Publicada inicialmente (numa tradução italiana de um original francês) em Cinema & film, n.1,
inverno 1966–67, p. 76–78, como uma primeira seção de um texto maior intitulado “Premessa
a Nicht Versohnt”, e republicada em separado no volume de J.-M. Straub e D. Huillet, Testi
Cinematografici (a cura di Adriano Aprà), Roma, Editori Riuniti, 1992, p. 49–54. Traduzido do
italiano por José Eduardo Marco Pessoa e Mateus Araújo Silva [N.T.]
2. Em Metz, na Lorena. [N.T.]
3. “E se eu tivesse cem filhos, eles teriam cem cavalos. Para logo abandonar o Sargentoe o
Exército”, versos do poema de Verlaine “Puero Debetur Reverentia”, incluído no volume
Invectives (1896). [N.T.]
Escritos de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet 17
devido a uma ação racista feita pela polícia contra os argelinos de Metz e
arredores. De 1950–51 a 1954–55 dirigi um cineclube em Metz com 200–
700 sócios, onde exibíamos filmes de Antonioni, Bresson, Buñuel, Capra,
Chaplin, Cocteau, Dassin, Eisenstein, Lloyd, Méliès, Mizoguchi, Murnau,
Ophüls, Pabst, Pagliero, Pudovkin, Renoir, Rossellini, Rouquier, De Santis,
De Sica, Sjöberg, Sjöström, Vigo, Visconti, Welles e Wilder apresentados
por Agel, Bazin, Doniol-Valcroze, Quéval, Truffaut, d’Yvoire etc., e, ao
mesmo tempo, frequentei as Universidades de Strasburgo (1951–52) e de
Nancy (1952–53 e 1953–54).
Em novembro de 1954, cheguei a Paris com o projeto de um filme
biográfico de longa-metragem sobre Johann Sebastian Bach; a revolução
argelina; o encontro com a minha esposa…
Acompanhei a realização de alguns filmes como A torre de Nesle
(1955), de Abel Gance, French Cancan (1954) e Elena e os homens (1956),
de Jean Renoir, Le coup du berger (1956), de Jacques Rivette, Um conde-
nado à morte escapou (1956), de Robert Bresson e Uma vida (1958), de
Alexandre Astruc.4
Em 1958, mudei-me para a Alemanha. Primeiro, em viagem por dois
anos, buscando material para o filme sobre Bach. Depois, em 1963, lá
filmei Machorka-Muff (“Muito barulho por nada… O filme condena o re-
armamento da Alemanha”, escreveu o jornal Die Zeit). Em 1965, filmei
Não reconciliados (“feio como pode ser um filme verdadeiramente feio”,
escreveu o Die Zeit). Em 1965–66, voltei ao projeto de Crônica de Anna
Magdalena Bach.
De que maneira esse filme deve ser uma continuação dos dois prece-
dentes (Não reconciliados e Machorka-Muff)? Já em 1959, um dramaturgo
alemão [Waldemar Kuri] tinha falado do roteiro nestes termos com um
produtor alemão: “… as faculdades perceptivas do espectador são postas
duramente à prova pela ação paralela entre as imagens, a música (muito
refinada) e a narração. Além disso, a imagem, a música e as palavras se
fundem com grande virtuosismo, mas seguem linhas autônomas; na evo-
cação cênica dos episódios da vida de Bach, as exigências emotivas são
secundárias em relação à listagem dos ‘fatos’ (isso não elimina os aconte-
cimentos que podem provocar potencialmente uma reação emotiva, mas
essas cenas são ‘neutralizadas’); o elemento visual não representa o fator
4. Títulos originais: La Tour de Nesle, French Cancan, Eléna et les hommes, Un condamné à mort
s’est échappé; Une vie. [N.T.]
Autobiografia 18
5. Os Straub acabariam realizando este projeto em 1974, à diferença dos outros mencionados
aqui. [N.T.]
6. Peça teatral escrita por Brecht em 1930. [N.T.]
7. Peças teatrais escritas por Peter Weiss em 1964 e 1965, respectivamente. [N.T.]
8. Hipérion é uma figura da mitologia grega (um dos doze titãs filhos de Urano e Gea) à qual
Hölderlin consagrou um romance, fonte provável dessa fala aludida por Straub. [N.T.]
9. Títulos originais: Germania anno Zero (Roberto Rossellini, 1948); La Paura (Rossellini, 1954);
La joven ou The Young one (Luis Buñuel, 1960); The Southerner (Jean Renoir, 1945). [N.T.]
19
1. Estas respostas de Straub foram publicadas em francês junto com as de vários outros cole-
gas na seção “Questões aos cineastas” de um número especial dos Cahiers du cinéma (n.185,
dezembro de 1966) sobre “Filme e romance: problemas da narrativa”, nas pp. 123–4. Assim
como em sua tradução italiana muito bem anotada, incluída no volume Jean-Marie Straub &
Danièle Huillet, Testi Cinematografici (Roma: Editori Riuniti, 1992, pp. 139–142), alternamos aqui
as questões dos Cahiers com as respostas correspondentes de Straub, e usamos algumas das
notas de Adriano Aprà. Traduzido do francês por Mateus Araújo Silva.
2. Alusão à frase sempre citada de Jean Cocteau segundo a qual o cinema filma “la mort au
travail”. [N.T.]
Filme e narrativa: respostas a uma enquete 20
CdC: Você considera que o cinema, tendo retomado por sua conta
as conquistas da narrativa romanesca clássica, influenciou,
por isso (precipitando sua urgência), uma necessária renovação
do romance?
JMS: Sim, talvez. Talvez também tenha sido o cinema que inven-
tou o “nouveau roman”: foi ele quem inventou o brechtismo
(Chaplin, Hawks, Mizoguchi, e sobretudo Ford, o mais brechtiano),
se é que não foram os gregos, ou Corneille ou, segundo o próprio
Brecht, Shakespeare.
9. Alusão ao verso inicial do poema LXXVI (“Spleen”) das Flores do mal de Baudelaire: “Tenho mais
lembranças do que se tivesse mil anos” [“J’ai plus de souvenirs que si j’avais mille ans”]. [N.T.]
23
1. Nota breve publicada originalmente em francês, sem título, no cabeçalho que abria a seção
“Testemunhos” de um longo dossiê consagrado a Ernst Lubitsch pelos Cahiers du cinéma (n.198,
fevereiro de 1968, p. 21), e republicada em Bernard Eisenschitz et Jean Narboni (Dir.), Ernst
Lubitsch, Paris: Cahiers du cinéma / Cinémathèque Française, 1985, p. 107 (ilustrada com fotogra-
mas de Relações de classes, 1983, de Straub e Huillet, e de filmes de Lubitsch e Hitchcock). Mais
tarde, foi traduzida em italiano em Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, Testi Cinematografici, a
cura di Adriano Aprà, Roma, Editori Riuniti, 1992, p. 231. Traduzido do francês por Mateus de
Araújo Silva.
2. Die Augen der Mumie Ma.
3. O tigre do Bengali (Der Tiger von Eschnapur), 1959, de Fritz Lang, primeira parte do díptico
de aventura indiana completado por O túmulo hindu [Das indische Grabmal] lançado por Lang
no mesmo ano. [N.T.]
4. Le carrosse d’or (Jean Renoir, 1953). [N.T.]
5. Em Der Stolz der Firma [O orgulho da firma, Carl Wilhelm, 1914], Lubitsch foi só ator. [N.T.]
6. Lady Windermere’s Fan (Lubitsch, 1925).
24
Feroz1
(sobre Carl Th. Dreyer)
1968
O que admiro particularmente nos filmes de Dreyer que pude ver ou rever
nestes últimos anos é sua ferocidade em relação ao mundo burguês: à
sua justiça (O presidente [1918–9], também uma das mais surpreendentes
construções narrativas que eu conheço e um dos filmes mais griffithianos,
logo um dos mais bonitos), à sua vaidade (sentimentos e cenários: Mikael,
1924), à sua intolerância (Dias de ira, [1943], impressionante por sua vio-
lência e por sua dialética), à sua hipocrisia angelical (“Ela morreu… Ela
não está mais aqui. Ela está no céu…”, diz o pai em A palavra [1954–5], e
o filho responde: “Sim, mas também amei seu corpo…”) e a seu purita-
nismo (Gertrud2 [1964], por isso tão bem acolhido pelos parisienses dos
Champs Elysées3).
De resto, O vampiro4 (“Aqui não tem nem criança nem cachorro”)
segue sendo, para mim, desde o dia em que, treze anos atrás, vi-o na Rua
d’Ulm5, o mais sonoro de todos os filmes. E em 1933, Dreyer lançava este
apelo que, à exceção de [Gianni] Amico e Bertolucci, os cineastas italia-
nos fariam bem em finalmente ouvir: “Se nos esforçamos para criar um
espaço realista, é preciso fazer o mesmo com o som. Enquanto escrevo
estas linhas, ouço ao longe os sinos que tocam, percebo o barulho do ele-
vador, o tilintar distante de um bonde, o relógio da Prefeitura, uma porta
que bate… Todos esses sons existiriam também se as paredes do meu
quarto, em vez de verem um homem trabalhando, fossem testemunhas de
uma cena tocante ou dramática, em contraponto ao qual eles ganhariam
6. Carl Th. Dreyer, trechos do artigo “Le vrai cinéma parlé” (publicado originalmente em
Politiken, 19/11/1933), citados por JMS na sua tradução francesa publicada nos Cahiers du
cinéma , n.127, janeiro de 1962 (cf. p. 30). Agora em Carl Th. Dreyer, Réflexions sur mon métier
(Paris: Cahiers du cinéma , 1983, p. 41). [N.T.]
7. No original, “trop entreprenant”. [N.T.]
Feroz 26
Sua realidade remodelada deve sempre continuar sendo algo que o públi-
co possa reconhecer e no qual possa crer. É importante que as primeiras
etapas rumo à abstração sejam transpostas com tato e discrição. Não se
deve chocar as pessoas, mas guiá-las devagar por novos caminhos”8.
“Cada assunto implica uma certa via (voz?). É para isso que se deve
atentar. E devemos encontrar a possibilidade de exprimir tantas vias
(vozes?) quantas pudermos. É muito perigoso limitar-se a uma certa
forma, a um certo estilo. […] Isto é algo que eu realmente tentei fazer:
encontrar um estilo que só seja válido para um único filme, para este
ambiente, esta ação, este personagem, este assunto”9.
“No cinema, não se pode fazer o papel de um judeu, é preciso ser um”10.
Dreyer não pôde, no fim das contas, realizar um filme em cores (ele
pensou nisso por mais de 20 anos) nem seu filme sobre Cristo (sublime
revolta contra o Estado e as origens do antissemitismo), isso nos lembra
que vivemos numa sociedade que não vale um peido de rã.
8. Carl Th. Dreyer, trechos do artigo “Réflexions sur mon métier” (resultante de uma confe-
rência proferida no Festival de Edimburgo, em 1955, e publicada originalmente em Politiken,
30/8/1955), citados por JMS na sua tradução francesa publicada nos Cahiers du cinéma , n.65,
dezembro de 1955 (cf., respectivamente, pp. 12, 13 e 16). Agora em Carl Th. Dreyer, Réflexions
sur mon métier (Ed. cit., que toma emprestado ao artigo o seu título inicial), sob o novo título
“Imagination et couleur”, pp. 94, 95 e 99, respectivamente. [N.T.]
9. “Entre ciel et terre”, entrevista de Dreyer a Michel Delahaye, Cahiers du cinéma , n.170, set.
1965, p. 23 (Agora em Réflexions sur mon métier, ed. cit., p. 122). [N.T.]
10. “Le vrai cinéma parlé”, art. cit., Cahiers du cinéma , n.127, jan. 1962, p. 30 (agora em Réflexions
sur mon métier, ed. cit., p. 40). [N.T.]
27
Caro Doutor,
Os vinte milhões de espectadores italianos, a indústria cultural ou
a cultura de massas são um mito totalitário, ao qual recuso me sacrificar
dublando Othon. Não creio na massa, creio nos indivíduos, nas classes
sociais e nas minorias (que, como diz Lênin, serão maiorias amanhã).
Segundo Pierre Schaeffer, da televisão francesa, “de saída, é preciso
considerar o espectador um homem responsável e inteligente. Hoje, todo
mundo faz o contrário. Decidiu-se de forma definitiva que havia um espec-
tador banal, o qual precisamos neutralizar mediante a distração. É a técnica
americana do rating. Em Nova York, oito dias após o lançamento de uma
transmissão, sonda-se o público. Se a transmissão não obtém o coeficiente
desejado, é direta e simplesmente eliminada. São as grandes cifras que mar-
cam as leis. E esse absurdo está a ponto de cruzar o Atlântico. Quanto mais
televisores há, mais se quer falar para todos de uma só vez. Mas o contrário
que é o verdadeiro. Quanto mais televisores houver, mais é preciso diversi-
ficar os tipos de público. O objetivo não é, portanto, a anestesia!”.
Não apenas na França, na Alemanha, na Holanda, na Suíça, mas tam-
bém na maior parte dos países da América do Sul, as pessoas estão acos-
tumadas a ver os filmes em língua estrangeira. Os italianos são realmente
o povo mais subdesenvolvido do mundo?
Jorge Luís Borges escreve: “Os que defendem a dublagem justificarão
(talvez) que as objeções que se podem opor a ela podem opor-se também
a qualquer outro exemplo de tradução. Esse argumento ignora, ou evita,
o defeito central: o arbitrário enxerto de uma outra voz e de uma outra
língua. A voz de Hepburn ou de Garbo não é contingente; é um dos atribu-
tos que as definem para o mundo. Vale recordar também que a mímica do
inglês não é a do espanhol.
Jean Marie-Straub
P.S. (2): “Nossos companheiros não devem crer que algo que eles não
entendem é absolutamente incompreensível também para as massas.”
(Mao Tsé-Tung)
5.O filme, comprado pela Rai, jamais foi ao ar [nota de Manuel Asín na edição espanhola].
31
Apresentação de Othon1
verão e outono de 1970
1
Othon: tragédia de Pierre Corneille, apresentada pela primeira vez na
corte, em Fontainebleau, em 3 de agosto de 1664. Nos séculos seguintes,
Othon teve pouca sorte. Entre 1682 e 1708, foi apresentada 30 vezes na
Comédie Française, e a partir de então nunca mais.
Corneille apreciava muito esta tragédia: “Se meus amigos não me en-
ganam, esta tragédia iguala ou supera as minhas melhores obras. Muitas
opiniões ilustres e sólidas foram declaradas a seu favor; e se ouso unir
a minha a elas, direi que encontrarão certa precisão na conduta e um
pouco de sensatez no raciocínio. Quanto aos versos, não se viu antes
versos meus nos quais eu tivesse trabalhado com mais esmero. O argu-
mento foi tomado do historiador latino Tácito, que inicia suas Histórias2
com esta; e ainda não levei ao palco nenhuma história na qual tenha sido
mais fiel e emprestado maior invenção…”
Othon tem grandes virtudes, mas é essencialmente um homem da
corte, e, sob Nero, teve que submeter-se a ele e seguir seus vícios. Uma vez
livre, pôde seguir livremente seu próprio caráter. Na tragédia de Corneille,
ele é muito apaixonado por Plautine; na História, havia prometido ao pai da
menina, o Cônsul Vinius, que se casaria com ela se conseguisse que Galba
o elegesse como seu sucessor; e como se viu, o imperador sem sua obra…
“Não quis ir mais longe do que a história; e posso dizer que ainda não
se viu uma tragédia na qual se proponham tantos matrimônios sem que
nenhum deles seja concretizado. São intrigas de salão que se destroem
reciprocamente”, diz Corneille.
2
Inniga, de Machorka-Muff, era o amour fou prostituído, Johanna, de Não
reconciliados, era o amour fou sacrificado. Anna Magdalena Bach era o
amour fou interrompido pela morte, Lilith, de O noivo, a atriz e o cafetão,
o amor fou rebelde e utópico. Camila é o amour fou rechaçado e que grita
nas ruínas (“talvez um dia Roma se permita”).
Inniga, Johanna e Anna Magdalena eram a Alemanha; Lilith é o tercei-
ro-mundo, e Camila, o nosso planeta.
33
Caro Andi, você me pede uma página onde declarássemos qual foi a
nossa “intenção” ao fazer este filme, ou o que queríamos “exprimir” com
ele. Foi sempre difícil para nós, como você sabe, dizer algo parecido
sobre todos os nossos filmes, e quase sempre recusamos fazê-lo. No
caso deste filme (Cedo demais, tarde demais), porém, a impossibilidade
é ainda maior, pois até agora não existe um filme nosso em que tudo
seja tão “aberto”, tão livre, a fim de que os próprios espectadores (e
nós dois como os primeiros espectadores) estabeleçam relações, nexos,
“conexões” e aprendam a decifrar, ligar, “interpretar” a realidade, ou me-
lhor, as realidades! Além disso, não se trata de uma “ficção”, mas do que
se chama de “documentário”, embora esta forma de documentar seja,
creio, nova (mas com antecedentes: por exemplo, A saída dos operá-
rios das fábricas Lumière2), — nenhuma narrativa “coercitiva”, nenhum
intérprete — narram-se lutas, revoltas, fracassos, derrotas, atrasos ou
antecipações, estatísticas, mostra-se história, topografia, geografia,
geologia, luz, luzes, ventos e nuvens, terra (transformada e cultivada
pelos homens), traços — apagados ou ainda visíveis — e céu (muito céu);
procura-se encontrar o ponto de vista justo (o mais justo), a altura justa,
a proporção justa entre o céu e a terra, na maneira em que se podem
fazer panorâmicas, sem ter de modificar a linha do horizonte, mesmo
de 360 graus.
São mostrados muitos teatros da opressão, da rebelião, escutam-se
os rumores do presente, narra-se a história das classes sociais da França
1.Carta (escrita originalmente em alemão) a um amigo distribuidor (Andi Engel, do “Artificial
Eye”, Londres), que facilitou a compra de Cedo demais, tarde demais pela ARD (Televisão alemã,
primeiro canal). Publicada originalmente numa tradução italiana da própria Danièle Huillet, sob
o título “Como corrigere la nostalgia”, em Filmcritica, n.322 (fevereiro-março de 1982, pp. 71–72),
com base na qual foi feita a presente tradução em português. Traduzido do italiano por José
Eduardo Marco Pessoa e Mateus Araújo Silva.
2. La sortie des Usines Lumière (1895), de Louis Lumière. [N.T.]
Como “corrigir” a nostalgia 34
Kautsky, que agradou muito a Straub — era também uma forma de “corri-
gir” a nostalgia e ligar-se a Paris e ao país.
Depois filmamos Fortini/cani (1976), que contém o esboço deste Cedo
demais, tarde demais: a longa sequência nos Alpes Apuanos e em Marza-
botto (resistência e massacre). Depois, com um pouco de trabalho, tudo
se combinou, reuniu e estruturou — assim como é agora…
Concepção de um filme1
11 de março de 1988
Esses dois aqui estavam sentados (retornaremos à cena em que eles esta-
vam sentados). Aquele (Empédocles) levantou-se primeiro e disse: “Nein!
Ich sollt es night aussprechen” (“não, eu não devia formular isso”); “Hei-
lige Natur, verachtet had ich dich” (“natureza sagrada, eu te desprezei”);
“und mich allein zum Hern gesezt” (“e eu, eu me coloquei como mestre”);
“ein übermüttiger Barbar!” (“um bárbaro orgulhoso… presunçoso”). Ele
fica lá, de pé, fazendo seu discurso, e corta a cabeça ao se levantar. O
jovem levanta-se em seguida, faz uma pequena reverência, assim, e diz:
“ja wohl”. E ele diz: “não, não, você é o único a ter descoberto as leis da
Escritos de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet 41
natureza, ninguém as conhece como você etc. É por isso que só você
pode pronunciar essas palavras imprudentes e considerar-se um deus”.
E de repente, o outro não o escuta mais e diz: “Siehe! Was ist das? Her-
mokrates der Priester” (“eis Hermócrates, o padre”, o segundo à direita);
“Kritias, das Archon” (“Crítias, o arconte”, o primeiro à esquerda) e “ein
Hauffe Volks” (“um bocado de gente”); “was suchen sie bei mir?” (“o que
eles querem comigo?”). Dizendo isso, dá um passo à frente, dois passos
e meio, assim, e fica ali. O jovem o segue e o vemos dar seus
passos na direção da câmera.
Era evidente que aquela linha não deveria jamais ser ultrapassada com a
câmera. Isso porque, se a tivéssemos ultrapassado para filmar o que tal-
vez se passasse entre Empédocles e os três, teríamos problemas, já que
aqueles (os dois da esquerda) falavam às vezes em off, então estariam
falando de um lugar que não existia mais, de um espaço off, que não seria
mais respeitado, que não seria mais o espaço. O espaço ainda teria sido
respeitado no que diz respeito ao que se passava entre esse homem aqui
(Empédocles) e aquele lá (Hermócrates), mas a partir do momento em
que já estivéssemos do outro lado da linha do olhar, Empédocles olharia
para além da câmera (para a esquerda) e isso não interessava. Não ultra-
passar essa linha era uma regra do jogo.
Concepção de um filme 42
um e um
um um
dois ou dois
três
ou os cinco
Era necessário, então, encontrar uma posição que permitisse filmar essas
relações processuais, entre acusados e acusadores, de um ponto de vista
que se situasse nessa região, abaixo dessa linha de olhar, sem jamais ir
além. Então procuramos. Acontece que encontramos esse ponto quase
sobre a linha em questão, só um pouquinho mais perto dos dois do que
Escritos de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet 43
JMS: Sim… bem… Ozu faz isso… Esses planos, em que isolamos Crítias
e Empédocles, por exemplo, ou Hermócrates e Empédocles, são frequen-
temente planos com 75 ou até mesmo com 100, que são objetivas prati-
camente nunca utilizadas nos filmes anteriores. Ao contrário, no Kafka
(Relações de classes), utilizamos a 16, que nunca havíamos utilizado nos
outros filmes. Ali, ao ar livre, num filme rodado de dia sob o sol siciliano,
mesmo quando a luz estava muito variável e voluntariosa, as partes fora
de foco, mesmo com a 100, não me incomodavam fotograficamente: não
destruíam o que víamos atrás das pessoas. Então já era isso; no entanto,
para nós era como se as pessoas já estivessem desfocadas, sem que a re-
Concepção de um filme 48
3. Jogo de palavras com o termo flou, usado para designar tanto a ausência de foco quanto o
caráter nebuloso da realidade. [N.E.]
Escritos de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet 49
Ideologia e Estética
David Wark Griffith, flor da burguesia dos Estados do Sul (EUA).
Estética e Ideologia
Os filmes de Griffith contém tanto o cinema brechtiano (isto é, não Os
carrascos também morrem2 nem Kuhle Wampe3, mas Civil War4, ponto
culminante do trabalho de John Ford) quanto o cinema marxista (isto
é, Rua da Vergonha5, ponto final do trabalho de Kenji Mizoguchi), tanto o
trabalho de Eisenstein quanto o de Vertov.
Autofilmografia1
1999
2º projeto em 58–59?:
MOSES UND ARON (1974)3
O resto?…is silent!
Cordialmente,
J.-M.
3. ZU FRÜH / ZU SPÄT
TROP TÔT / TROP TARD
TROPPO PRESTO / TROPPO TARDI8 provocado por Werner Dütsch
(3º canal de Colônia), que sonhava com alguns filmes feitos, como
LA JETÉE, com fotografias fixas.
Sonho jamais realizado, exceto nosso filme, convertido em movimento.
5. I / II / III / IV
Montagem em vídeo de uma hora aproximadamente em quatro
movimentos, realizado por Enrico Ghezzi, seu programa de
TV non-stop de fim de ano: “LA MAGNIFICA OSSESSIONE”.
Transmitido em 25 ou 26 (?) de dezembro ao meio-dia, depois de um
documentário de Pasolini na Africa e antes de IL MESSIA de Rossellini.
Que mais?!…
Beijos aos dois,
J.-M.
Material de imprensa de
O retorno do filho pródigo — Humilhados1
2003
As mulheres de Messina
Em toda a Itália liberada, os sobreviventes da guerra de 1944 começaram
suas idas e vindas em busca de um passado ou de um futuro…
Cansados da errância, um grupo de homens e mulheres que perde-
ram tudo na tempestade decide se estabelecer num povoado em ruínas,
situado na montanha entre Modena e Bolonha. Eles se propõem a restau-
rar esses escombros e refazer sua vida, imitando as mulheres de Messi-
na, que, segundo Vittorini, reconstruíram sua cidade aniquilada por um
terremoto. Sua história se parece em todos os aspectos com a epopeia
do homem originário percorrendo a longa estrada que leva da natureza
à História.
Esse romance aparece pela primeira vez na Itália em 1949, mas sofre
importantes ajustes, e, na versão definitiva, publicada em 1964, encontra-
mos todos os temas do grande romancista morto em 1966.
que virá, quando toda a magia da new (and old) economy se esfumar.
Portanto, eu lhes agradeço e muito cordialmente lhes mando um abraço.
Peter Kammerer
Hölderlin e Marx
Marx partiu do aparente pessimismo de Hölderlin para afirmar sua
grande confiança. Tomando como ponto de partida uma posição quase
existencialista, uma filosofia quase desesperada, ele consegue desdobrar
sobre toda a terra uma bandeira onde se lê “Emancipação do homem”.
Isso sem nunca renegar o pessimismo de Hölderlin e quiçá integrando-o à
sua visão como um tônico indispensável que todos deveriam beber, uma
cicuta às avessas.
Elio Vittorini
Setembro de 1946
57
1. Documento distribuído à ocasião do lançamento do filme Esses encontros com eles, composto
pelos textos aqui publicados, um frame do filme e informações técnicas. Traduzido do francês
por Paloma Vidal.
Material de imprensa de Esses encontros com eles 58
Como? Com:
– atores (4 mulheres e 6 homens) que viveram um ano com seu
texto, domesticaram-no; tornaram-no sensível e sensual;
– Renato Berta, um velho amigo, desde Othon em Roma, em 1969, na
câmera;
– Jean-Pierre Duret, um bom cúmplice, que substituiu Louis Hochet
desde Sicília!.
Onde:
Em um lugar, o Monte Pisano, isolado entre o mar, Pisa e os Alpes Apuanos,
de modo que:
No mesmo dia ele escreve sua última carta a sua irmã, que se encon-
tra em Serralunga. Maria era muito religiosa:
Cesare.
Dado que estamos falando do meu amor pelos Alpes em Cabo Passe-
ro, te direi apenas que, como Cortez, eu queimei meus navios. Não
sei se eu encontrarei o tesouro de Montezuma, mas sei que sobre
o planalto de Tenochtitlan sacrifícios humanos são feitos. Eu não
pensava mais nessas coisas há muitos anos. Eu escrevia. Agora eu
não escrevo mais! Com a mesma obstinação, com a mesma vontade
estoica dos Langhe, farei minha viagem ao reino dos mortos. Se
você quer saber quem eu sou atualmente, releia “a fera selvagem”
em Diálogos com Leucó: como sempre, eu previ tudo há cinco anos.
Quanto menos você falar dessa história com “as pessoas” mais eu te
serei agradecido. Mas poderei ainda? Você sabe o que deverá fazer.
Adeus para sempre
Teu Cesare.
Cesare Pavese
Cesare Pavese nasceu nos Langhe (Piemonte), em 9 de setembro de 1908.
Estudou em Turim, defendendo uma tese sobre Walt Whitman e, por
volta de 1930, começou a escrever poemas. Ele viveu mais ou menos bem
ensinado e traduzindo escritores anglo-saxãos, colaborou com a revista
La Cultura e frequentou o meio turinense de intelectuais antifascistas.
Começou a trabalhar na editora Einaudi antes de ser enviado em rele-
gação à Calábria entre 1935 e 1937. Durante a guerra, escondeu-se nas
colinas piemontesas e em seguida deu continuidade às suas atividades
de editor, escritor e poeta. Pôs fim aos seus dias em Turim, no dia 26 de
agosto de 1950.
Sua obra foi inteiramente traduzida pelas Edições Gallimard: Avant
que le coq chante, Le Bel été, Le Métier de vivre (Journal), Dialogues avec
Leucò, La Lune et les feux precedido de La Plage, Le Camarade, Poésie (Tra-
vailler fatigue, La Mort viendra et elle aura tes yeux), Lettres (1924–1950),
Nuit de fête e autres récits seguido de Grand feu, Salut Massino, Littérature
et société seguido de Le Mythe.2
2. No Brasil temos publicados apenas Diálogos com Leucó (Cosac Naify, 2001), Trabalhar cansa
(Cosac Naify, 2009), e o já citado diário, Ofício de viver (Bertrand Brasil, 1994).
62
1
Veio cedo demais para a nossa morte — e tarde demais na nossa vida.
De qualquer forma agradeço a Marco Müller2 por sua coragem. Mas
o que espero disso? Nada. Nada? Sim, uma pequena vingança. A vingan-
ça “contra as intrigas da Corte”, como dizem em A carruagem de ouro3.
Contra tantos rufiões.
Ou ainda:
“Pois bem. Se antigamente bastava uma fogueira para fazer chover,
queimar nela um vagabundo para salvar a colheita; quantas casas
de patrões é necessário incendiar, quantos matar nas ruas e nas
praças antes que o mundo volte a ser justo e nós possamos dizer a
nossa palavra?”
1. Estas três mensagens de Straub foram lidas no Festival de Veneza de 2006, na coletiva de
imprensa do filme Quei loro incontri, por Giovanna Daddi, intérprete do quarto dos cinco últimos
Diálogos de Leucò (Cesare Pavese) que compõem o filme, e diretora com Dario Marconcini do
Teatro de Buti, que acolheu os Straub para seus quatro últimos espetáculos teatrais que acaba-
ram se tornando filmes. O Júri desse Festival atribuiu aos Straub um prêmio especial pela inova-
ção na linguagem. Este texto foi traduzido em francês pela revista Cinéma, n.12, outono de 2006,
pp. 204–5. Traduzido do italiano por José Eduardo Marco Pessoa e Mateus Araújo Silva. [N.T.]
2. Diretor da Mostra de Veneza desde 2004. [N.T.]
3. Le Carrosse d’Or, 1953, de Jean Renoir. [N.T.]
4. Ao citá-la, Straub modifica ligeiramente essa passagem de La luna e i falò, de Cesare Pavese,
uma das fontes do filme Da nuvem à resistência (1978). Cf. Pavese, La luna e i falò, cap. IV.
Torino: Einaudi, 2000, p. 17. Na trad. brasileira de Liliana Laganá, A lua e as fogueiras (São Paulo:
Berlendis & Vertecchia, 2002), p. 33. [N.T.]
Escritos de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet 63
Pavese faz dizer ao bastardo: “Outro dia eu passei pela Mora. Não
existe mais o pinheiro do portão”. Nuto responde: “Nicoletto, o
administrador, mandou cortá-lo, aquele ignorante… Ele o fez
porque os mendigos paravam à sua sombra para pedir esmolas:
você entende?”5
Saudações!
Jean-Marie Straub.
2
Estive:
1. Na Mostra de Veneza (como jornalista) em 1954; eu escolhi escre-
ver sobre três filmes:
O intendente Sansho, de Kenji Mizoguchi; O rio e a morte, de Luis
Buñuel; Janela indiscreta, de Alfred Hitchcock7. Nenhum prêmio!
2. Na Mostra (seção de curtas-metragens) em 1963 com meu primei-
ro filme Machorka-Muff (1962). Nenhum prêmio.
3. Na Mostra de 1966 com Não Reconciliados (1965). Projeção paga
por Godard!
4. Na Mostra [de 1968] com Crônica de Anna Magdalena Bach!
5. Em Veneza para uma retrospectiva (em 1975?) (desejada por
Gambetti) de todos os nossos filmes até Moisés e Arão inclusive.
6. Na Mostra de Arte Cinematográfica [de 2006], com Esses encontros
com eles para um Leão rugidor.
5. C. Pavese, La luna e i falò, cap. XIII, ed. cit., p. 59 (e p. 83 da trad. bras. cit.). [N.T.]
6. Essa passagem de Pavese também era um pouco diferente. Cf. La luna e i falò, ed. cit., cap. XVI,
p. 75 (e trad. bras. cit., p. 96). [N.T.]
7. O intendente Sansho (Sansho dayu, 1954); O rio e a norte (El río y la muerte, 1955); Janela
indiscreta (Rear Window, 1954). [N.E.]
Três mensagens à 63ª Mostra de Veneza 64
3
Por outro lado, eu não poderia festejar em um festival onde existe tanta
polícia pública e privada à procura de um terrorista — o terrorista sou eu,
e lhes digo, parafraseando Franco Fortini: enquanto existir o capitalismo
imperialista americano, o número de terroristas no mundo nunca será
suficiente.
Entrevistas
66
1. Essa entrevista foi realizada em Paris, no dia 19 de março de 2001, a pedido do Centre Georges-
Pompidou para figurar em uma publicação dedicada ao tema “Cinema e política” (série de filmes
de 1968 e depois, filmes militantes, cine-tracts, etc., mesa redonda com as revistas que foram
ligadas a esse período — Cahiers du cinéma, Cinéthique, Filmkritik, Cinema e film… — previsto
para junho-julho de 2001). A responsável por essa manifestação foi Sylvie Astrik. No entanto, a
responsável pelo ciclo e a direção da BPI do Centre Pompidou (então Gérald Grunberg) exigiram
cortes de muitas ordens no texto da entrevista. Particularmente no tocante às críticas a J-L.
Comolli e Dario Fo e em cima da aproximação estabelecida entre o extermínio industrial de
animais e o genocídio judeu. Jean-Marie Straub e Danièle Huillet recusaram toda censura sobre
suas declarações, que foram relidas e assumidas. O texto foi então recusado pela instituição
que o havia solicitado. Jacques Rancière renunciou a participar da publicação assim como
Jean-André Fieschi, mas um livro apareceu sob os cuidados da BPI com o título Cinéma et
politique. 1956–1970. Les années Pop, com contribuições de Jean Narboni, Jean-Louis Comolli e
Gérard Leblanc. A entrevista encontrou espaço na revista Hors Champ de agosto de 2001, que
a pôs à venda durante o Festival de Locarno. Ela suscitou uma série de rumores a propósito do
“antissemitismo” dos Straub que emergiu brevemente em um artigo assinado por Olivier Séguret
no Libération, ao qual o jornal recusou o “direito de resposta”. As cartas (assinadas por Louis
Seguin, Anne-Marie Faux e François Albera) apareceram no número 7 da Hors Champ (outono-
-inverno 2001–2). [N.O.] A tradução ao português foi feita por Bolívar Torres.
2. Fury, 1936.
Entrevistas 67
DH: É, porque Eisenstein não era tão burro assim. Mas, ainda
assim, deve haver uma outra maneira de se fazer as coisas do
que empurrar as pessoas a se revoltarem e agirem forjando a
realidade para fazê-las acreditar que é absolutamente necessário
se precipitar nessa direção.
JMS: Eisler não se fazia estas perguntas, ele sabia muito bem,
tanto que diz em suas entrevistas com Bunge que sua música era
colocada sob o alqueire, do outro lado do muro. Ele teve a chance
de viver em uma outra sociedade, mas aconteceu-lhe por razões
ideológicas o que acontecia a Schoenberg por razões menos
abertamente ideológicas.
JMS: As querelas dos anos vinte não são tão graves. São querelas
de amizade. Eisler recusou a “música sábia” de seu mestre e Scho-
enberg aconselhava Eisler a fazer mais música e menos política.
Ele disse algumas coisas mais ásperas — em sua carta a Kandinsky
por exemplo —, que tiramos do nosso filme.
Mas Schoenberg flertava também com os socialistas de Viena,
como Kafka. Aliás, Benjamin disse um dia a Brecht que o grande
escritor socialista era Kafka e que ele era um escritor católico.
Não é uma ideia boba a partir do momento em que deixamos de
ver com desprezo a expressão “escritor católico”.
JMS: Porque, como dizia Brecht, a raiva deixa nossa voz rouca.
“Nós não tínhamos escolha, mas saiba que nossa voz ficou rouca”.
Contudo, se temos o direito de deixar nossa voz rouca, não temos
o direito de fazer o mesmo às pessoas que já a tem por outras
razões… E, principalmente, não temos o direito de fazê-los acre-
ditar que se aplicamos tal ou tal receita ao sair do cinema, tudo
ficará melhor, etc. “Como é simples, olha só! Por que não tínhamos
pensado antes…” Como diz Delahaye, sempre tem os bons atrás
da câmera e os malvados em frente a ela.
13. Tradicional personagem do carnaval de Paris, recuperado de forma pejorativa pelo presi-
dente De Gaulle durante as manifestações de maio de 1968. [N.T.]
Cinema [e] política 76
JMS: Talvez não seja diretamente político, mas sou fascinado pelo
fato de que Cézanne é completamente realista. Vejo embaixo da mi-
nha casa pessoas que jogam cartas há vinte anos e que, socialmente,
não são exatamente as mesmas, estão de jeans, tem uns moleques
e outros que são ex-metalúrgicos, mas quando eu observo os caras
de pé, sentados, os gestos, é alucinante ver como Cézanne é realista.
Acontece que os filmes políticos começam com o realismo. O rea-
lismo que consiste, como diria Brecht, a começar com o particular
e, uma vez bem enraizado no particular, só então se elevar ao geral.
Ele diz: “a coisa única, abotoada/ligada, com o geral”.
Na nossa biografia pessoal — nossa “carreira” que tem pro-
gressos gigantescos, já que não conseguimos nem mais dinheiro
com o CNC!… —, tudo é irregular, a cronologia dos filmes não é a
dos projetos: Crônica de Anna Magdalena Bach deveria ter sido o
primeiro e Moisés e Arão o segundo, mas isso se passou de outra
forma. Machorka-Muff nunca deveria ter sido o primeiro.
Fazer filmes politicamente também é fazer o que dizia Cocte-
au: “Aquilo que te reprovam, cultive-o, é você mesmo”. Fizemos
camadas com cimento, duas demãos de tinta, etc, por seis meses,
ficamos impressionados pela consciência profissional que isso
implica. A burguesia que, em seu trabalho, é incapaz de ter
consciência profissional, ao ver isso deveria rir diante de tanta
ingenuidade, ou então procurar seu confessor e pedir perdão.
Só há um crime imperdoável no Evangelho, é o crime contra o
espírito. E, bom, há muito tempo que a sociedade em que a gente
vive não apenas o permite mas o pratica e o cultiva diariamente!
16. Substituto, em alemão. Normalmente usado em outras línguas com sentido de simulacro
(o substituto é de qualidade inferior ao substituído). [N.T.]
Cinema [e] política 82
17. Provavelmente se referia a Operários, camponeses, cuja estreia ocorreu pouco depois desta
entrevista na Quinzena dos Realizadores. [N.E.]
18. Relações de classes.
Entrevistas 83
JMS: Ah, bom, você conhece isso melhor que eu. Mas é certo
que o escritor está condenado a ser um indivíduo na sociedade
em que se vive, a capitalista, e não somente nela. Nessa outra
tentativa do outro lado do muro, a sociedade das democracias
ditas populares foi apesar de tudo uma sociedade em que o artista
estava condenado a ser um indivíduo, mesmo que ele sonhasse
em não ser um. Se ele não fosse um indivíduo, não poderia ser um
artista. De fato, essa mesma sociedade condenou Lênin a ser cada
vez mais um indivíduo, foi isso que ele disse quando falou que
19. Introdução a “Música de acompanhamento para uma cena de cinema” de Arnold Schoenberg.
Cinema [e] política 84
JMS: Isso queria dizer: você deveria ter adicionado uma narração,
colocado um pouco mais ou um pouco menos, e uma narração
que comentasse politicamente a situação. No começo ele disse:
“Você deveria ter feito”, e depois, no segundo terço “Não, não, há
razão de não fazer o que eu teria feito”, e no terceiro terço: “Não!
Não! Ainda sou eu que estou certo…”
Eu não disse nada, era um pouco tímido e não tinha muita
vontade de brincar. Eu o olhei e perguntei-lhe com um pálido
sorriso: “Então o que é que você queria que eu fizesse, colocasse
no fim “Tudo é política?” E ele me disse: “Está vendo, isso talvez
fosse suficiente”.
Ora, já há um filme que termina com “Tudo é graça”, e como
eu jamais teria feito Crônica se não existisse Diário de um pároco
Cinema [e] política 86
DH: Don’t be clever for the sake of being clever é uma pequena peça
de Glenn Gould que escutamos esta manhã.
JMS: Quando Lang, esse meio judeu vienense, depois dos anos
de silêncio, depois de ter passado para o outro lado do Atlântico,
tentando assimilar a cultura americana, a realidade americana
como era capaz de fazê-lo, com doses de paciência cotidiana, de
dicionários e pesquisas, quando ele faz Fúria, bem, não se tem
a impressão de um senhor que quer se mostrar, mas tem-se a
impressão da irrupção de x anos de experiência, de trabalho, de
descobertas. Quando Chaplin fez Um rei em Nova York, ele não
estava querendo aparecer. Quando o autor de Durutti faz Durutti,
vemos o resultado. Torna-se debilidade mental, deficienza. Então,
qual é o sentido?
Há tanta estupidez no mundo, que fazer um filme político
consiste em pelo menos não fazer mais uma. Há mesmo momentos
em que nós teríamos podido dizer que se deve trabalhar sufi-
cientemente para se chegar a fazer algo que não seja pernicioso,
porque tudo o que se vende às pessoas, tudo que se lhes conta é
pernicioso. Primeiro o trabalho se faz sobre si mesmo, é preciso
evitar a autoindulgência, então, a chamada originalidade.
JMS: A maneira como você diz tem um ar bem lisonjeiro, mas não
se deve crer que é sistemático e consciente, é uma coisa que vem
lentamente. Trata-se de ajudar as pessoas a sonhar com alguma
23. Os olhos não querem sempre se fechar ou Talvez um dia Roma se permita fazer sua escolha
(Othon).
24. École nationale des ponts et chaussées, a mais antiga escola de Engenharia Civil do mundo,
localizada no subúrbio de Paris. [N.E.]
Cinema [e] política 88
mundo”, não é gente do mundo deles. Aumont disse: isso que eles
contam “não é interessante”. Não são pessoas interessantes. Para
nós, é com esses que fazemos cultura popular e é difícil porque
são pessoas que trabalham, que têm um outro trabalho, e por
conseguinte, se isso funciona, é porque eles têm vontade, vontade
de descobrir outra coisa. Mas por outro lado, eles chegam aos
ensaios às seis horas da tarde esgotados e não é fácil. Mas, para
isso, eles trazem soluções que pessoa alguma do belo mundo teria
imaginado, porque não estão presos ao pré-fabricado.
DH: Caçador!!!
JMS: Esse “safado” disse isso porque nunca chegou perto da caça…
27. Boudu salvo das águas (Boudu sauvé des eaux, de Jean Renoir, 1932).
Cinema [e] política 90
Sons e imagens
A arte da ilusão
JMS: Um filme musical não tem outra saída a não ser gravar, ao
mesmo tempo, os sons e as imagens. Quando se vê músicos tra-
balhando diante da câmera e produzindo sons, não tem nenhum
sentido substituir os sons que vemos por outros sons.
DH: O que não quer dizer que a música de Bach seja fria.
JMS: Isto é para nós uma história antiga. O cinema parece ser a
arte do espaço. Na realidade, é a arte do tempo. Trabalha-se com
blocos espaciais para construir uma realidade temporal. E a arte
que trabalha mais com o tempo é a música.
JMS: Nós pudemos nos limitar a esta quantia, porque não existem
salários para pagar vedetes. Todo o dinheiro serviu ao filme. O
maestro da orquestra, por seis semanas em Viena, quatro semanas
em Abruzos e uma semana de mixagem, recebeu 7 milhões e meio
de liras. Todos os técnicos foram pagos de acordo com a tarifa
sindical.
1. Publicação original: “Conversation avec Danièle Huillet et Jean Marie Straub”. ça cinéma, 1°
ano, 2° Estado, outubro de 1973, pp. 18–29. Esta versão francesa, que traduzimos aqui, já era
uma tradução feita pela própria Danièle Huillet de uma entrevista dos Straub a Wilhelm Roth
e Günther Pflaum, concedida em Manheim, em 12/10/1972, e publicada primeiro em alemão na
revista Filmkritik, n.194, fevereiro de 1973. Segundo o editor da revista francesa, V. Nordon, a
tradução de Huillet buscou a fidelidade máxima ao registro falado da conversa, depois que
os Straub descartaram uma tradução mais “literária” proposta pelos franceses. Procuramos
manter aquela fidelidade almejada pelos Straub, limitando-nos a acrescentar aqui e ali, entre
colchetes, uma ou outra palavra em frases que de outro modo pareceriam truncadas. Traduzido
do francês por Íris de Araújo Silva e Mateus Araújo Silva.
Sobre Lições de História 106
Você leu agora pela primeira vez o romance de Brecht2 e viu logo
que ele é um tema para Roma, ou já o conhecia antes?
Não os vemos mais, eles são cada vez mais recalcados pelo
trânsito, se quisermos simbolizar: cada vez mais recalcados pela
sociedade capitalista. À parte o fato de que em todo caso não os
2. Die Geschäfte des Herrn Julius Caesar, romance de Bertolt Brecht escrito em 1937–39 durante
seu exílio na Dinamarca, publicado postumamente em 1957 na Alemanha e traduzido no Brasil
por Irene Aron (Os negócios do Sr. Júlio César, Rio de Janeiro: Rocco, 1986). [N.T.]
3. Nesta conversa como em outros lugares, Straub se refere ao seu filme Crônica de Anna
Magdalena Bach como “Bach-filme”, que aparece com hífen em certos textos, e sem hífen nou-
tros. [N. T.]
Entrevistas 107
A do primeiro passeio inteiro é de três para um, pois ele foi inter-
rompido uma vez. A dos outros é de dois para um.
É assim, não se sabe de onde o motorista vem nem para onde vai.
Aí as relações são livres. Pode-se pensar que no primeiro passeio
ele parte da estátua no pedestal, mergulha na cidade e vai pela
primeira vez à casa do banqueiro. Em seguida vem a segunda
pessoa no filme, é o camponês. Aí, não há passeio de carro, por-
que só se pode chegar lá [na casa dele] a pé. É no vale de Fortezza,
depois de Brunico. Depois vem de novo um passeio de carro,
pois chegamos logo na casa do advogado, que está no terraço.
Podemos então supor que [no passeio que precede esta cena] ele
estava indo à casa do advogado. Depois, vem o poeta, mas esse
está sentado à beira do mar, na sua ilha. É em Elba, lado norte.
É também um travelling, mas aí estamos num barco, e vemos o
zoom sobre a casa. Depois vem o terceiro passeio e, em seguida,
de novo o banqueiro. Entretanto, na realidade, ele não vai de
modo algum à casa do banqueiro, ele faz viagens de descoberta.
4. O processo de Joana d'Arc (Le procés de Jeanne D'Arc, de Robert Bresson, 1963). [N.T.]
Sobre Lições de História 110
Não, isso não. Os blocos, tais como estão, foram fixados por nós.
E a forma pela qual os textos são ditos finalmente no filme, isso
discutimos e fizemos com cada um, sempre. Primeiro, nós dois
ouvíamos (e é importante também que sejamos dois), depois
discutíamos entre nós e novamente com o ator que dizia o texto.
E quando ele criava uma cesura aqui ou ali… primeiro lia, dizía-
mos que ali talvez ficasse bom, aqui um traço, ali dois traços, aco-
lá mais longo, depois de novo corrigíamos, apagávamos, sempre
só a lápis. E depois, quando acentuações escapavam, e há muitas,
embora não sejam dramáticas, então sempre dizíamos: assim está
bom, mas aquela talvez ainda se deva deslocar, pois no curso da
última frase perdeu-se essa palavra, que é uma palavra-chave ou
uma frase, e assim por diante. Depois corrigimos, voltamos atrás
etc. Deixando sempre as coisas tomarem forma lentamente.
Em contradição com isso, no [caso do] camponês: aí também
participamos de todos os ensaios, menos do último, que o rapaz
do filme, Benedikt Zulauf, antes de vir a Roma, logo antes do início
da filmagem, fez sozinho com o camponês. E nós trabalhamos
com o camponês pela outra ponta, isto é, ele primeiro leu o texto
como todos os outros, mas depois transpôs o texto para suas
próprias palavras, reescreveu, improvisou. Com suas próprias
experiências, o que ele tinha compreendido (devo dizer, muito),
até acrescentando coisas.
5. Referência ao soldado que protagoniza a peça de Bertolt Brecht, Schweyk na Segunda Guerra
Mundial (Schweyk im zweiten Weltkrieg), escrita em 1943 a partir do romance tcheco As aven-
turas do valente soldado Schweyk durante a guerra mundial (1920–23), de Jaroslav Hasek, que
Brecht já ajudara a adaptar para o grupo teatral de Piscator em 1927–28. [N. T.].
Sobre Lições de História 114
Não.
220 graus…
Quer dizer que para as cenas com diálogos havia uma decupagem?
Sim.
Quantos fotogramas?
Sim, certamente.
Entre 5 e 32 vezes.
Qual tomada você escolhe das 32, existe ainda um critério para isso?
Sim, isto sim. Mas pode variar. Aconteceu duas ou três vezes de
acharmos já na filmagem que uma tomada era a melhor e depois
percebermos na moviola que uma outra era melhor. Não só
escutamos enquanto filmamos, como também Danièle reescuta
sozinha enquanto eu preparo o plano seguinte. Ela fica sentada
num canto com o engenheiro do som, e eles escutam juntos o
plano que acabamos de filmar.
Essas pessoas não são orgulhosas de que tais textos saiam de sua
boca? O trabalho intensivo de que você falou se nota pouco. É um
verdadeiro prazer que existe ali.
Um diário de trabalho1
Gregory Woods
1. Publicado em francês junto às notas de Danièle Huillet na revista Cahiers du cinéma nº260/261,
edição de outubro/novembro de 1975. Em dezembro do mesmo ano, foi republicado em inglês
também acompanhado das notas de Huillet na primeira edição da revista ENTHUSIASM, fundada
pelo distribuidor alemão Andi Engel, cujos números subsequentes só apareceram em 2000 e
2001. Tradução de Alice Furtado realizada a partir da versão francesa supracitada..
Anotações de Danièle Huillet
fazer café, Renata junta suas coisas e nós deixamos a Via Tiburtina para
a rodovia em direção ao leste, no auge do verão de Roma, em direção
aos Abruzos. Após uma hora e meia, chegamos diante do Monte Velino,
2487 metros de altitude, que marca a entrada da antiga região da Marsica.
Nos dirigindo ao sul, chegamos a Avezzano, 30 mil habitantes, o atual
centro regional, onde Danièle reservou quartos para a equipe e para os
atores. Em um desses seis hotéis nós paramos para descarregar Renata
e tomar em seguida a estrada de oito quilômetros que leva ao norte de
Alba Fucense. No caminho encontramos J.-M. e Georg e vamos juntos até
o paese (vilarejo) que é habitado atualmente por uma comunidade de
165 camponeses. J.-M. para para pegar as chaves da igreja e para cumpri-
mentar as pessoas que ele conheceu ao longo de suas visitas desde 1969.
Uma estrada poeirenta conduz desde a única rua até a basílica romana do
século XII, San Pietro. É neste edifício de pedra, restaurado em 1957 após
sua destruição em um terremoto, em 1915, que custou a vida à centenas
de aldeões, que nós descarregamos aquilo que deve ser utilizado no an-
fiteatro abaixo. Danièle nos mostra como colocar os acessórios na cripta
sob o altar, as malas de figurino no coro e na abside, disponibilizados para
os figurinos e a troca de roupa, e as caixas de negativo sobre os degraus
do púlpito de mármore. A igreja é fechada a chave e nós marcamos uma
reunião para depois do almoço no anfiteatro.
O anfiteatro é um espaço de 100 metros por 79 metros cavado na co-
lina sobre o topo da qual se encontra San Pietro, no antigo local de um
templo a Apolo. Sua arena oval mede 64 metros por 37 metros. Depois de
viajar 11 mil quilômetros na Itália em 1969, os Straub decidiram que este
lugar seria aquele que eles utilizariam para filmar a ópera de Schoenberg,
Moses und Aron. Isso ocorrera dez anos após sua primeira decisão de fazer
um filme baseado na ópera. J.-M. vira pela primeira vez Moses und Aron
na ópera de Berlim, em 1959, dois anos após a primeira encenação da
obra em Zurique e oito anos após a morte do compositor. Ele telefonou a
Danièle, que veio de Paris para vê-la, e eles decidiram realizar um filme com
a ópera. A decupagem em alemão que eles fizeram é datada: Berlim, fim
de 1959 — Roma, início de 1970. Quando nos encontramos no anfiteatro à
tarde, Straub trabalhava estabelecendo os eixos principais que iriam divi-
dir a arena pelas forças opostas que vão se encontrar no primeiro ato. Nós
passamos também um tempo limpando a arena dos cacos de vidro e pon-
tas de cigarro, tributo turístico à antiguidade. Georg Brintrup parte para
Roma para habitar o apartamento dos Straub, onde ele cuidará de Misti,
Anotações de Danièle Huillet
domingo, 18 de agosto
A trupe chega às 9h30 e começa a trabalhar para marcar as posições dos
solistas e do coro. J.-M. está de pé sobre uma torreta (andaime) monta-
da sobre o eixo principal no centro do anfiteatro e nos pede para nos
colocarmos em posição para delimitar as linhas do coro. Há seis filei-
ras correspondendo à divisão em soprani, mezzo-soprani, alti, tenores,
barítonos e baixos. As extremidades desse trapézio são marcadas com
grandes pregos cujas cabeças são enroladas por fita adesiva colorida. O
coro se posicionará diante do portão norte da arena, que tem na pedra
a inscrição comemorando a doação do anfiteatro por Q. Naevius Sutoris
Macer à sua cidade natal. Macer, prefeito do pretório2 sob Tibério e, como
tal, predecessor nesse posto do Lacus interpretado por Jubarite Sematan
no Othon de Straub, que foi obrigado por Nero a se suicidar após uma
carreira de uma crueldade impiedosa, que é narrada nos Anais de Tácito.
Essas pedras jaziam sobre o solo em pedaços quando os Straub vieram
pela primeira vez há cinco anos, durante a sua procura por uma locação
para o filme, de um platô em uma região montanhosa ③. As descobertas
feitas durante escavações recentes permitiram aos arqueólogos datar a
construção desse anfiteatro, ao sul da então importante cidade de Alba
Fucense, em cerca de 40 anos após Jesus Cristo. Opondo-se ao coro, dian-
te da entrada sul, as posições de Moisés e Arão são marcadas por pregos.
De cada lado do coro as forças opostas do sacerdote e do homem, o rapaz
e a moça, são dispostas, o sacerdote a leste, à esquerda dos coristas, e os
três a oeste, à direita dos coristas, em direção ao lado da colina do anfite-
atro. Nós utilizamos o túnel cavado no chão sob a colina para armazenar
o equipamento não utilizado e para guardar nossos galões de água longe
do calor. À tarde Louis Hochet começa a testar o equipamento sonoro e a
acústica do anfiteatro ④.
tipo, isso só fará aumentar os problemas e Depois, quando da nossa terceira viagem a
destruir alguma coisa”. Após isso, eu não sei Viena, no inverno de 1973, com Louis Hochet
se ele dormiu tranquilo até o ano seguinte, que vinha de Paris para checar conosco as
mas nós, em todo caso, dormimos melhor! condições técnicas do estúdio de gravação,
discutir nossas exigências com os técnicos
⑤ vienenses, convencer o professor Preinfalk a
Não: somente um terço chega de avião, os permitir que seu coro cantasse em seis filei-
outros terços de carro, de Viena ou de ras e não quatro como era hábito desde
Salzburgo, com frequência acompanhados de 1934 — quatro fileiras, isso exigiria, para ser
mulher ou marido… Straub e eu estamos enquadrado, que nós filmássemos em cine-
preocupados, pois além de tudo tem-se os mascope! —, quando dessa viagem nós leva-
retornos após a Ferragosto, a festa de meados mos conosco, de Roma, cinco malas cheias
de agosto, a maior festa italiana… Na noite de com figurinos de todas as mulheres do coro,
domingo, irei dar muitas vezes a volta por que nós as fizemos provar em Viena, marcan-
todos os hotéis de Avezzano, para verificar se do os reparos a fazer, mudando a cor ou o
toda nossa gente chegou bem. Tudo se passa lenço quando não lhes caíam bem. Trazidos
bem, sem acidentes, sem atrasos. Para trazer de volta a Roma, faço eu mesma uma parte
toda essa tropa ao anfiteatro, nós alugamos dos reparos (aqueles que sei que serão mal
em Avezzano um grande ônibus e um peque- feitos ou não serão feitos pela casa que aluga
no, e juntamos a isso um dos dois Ford-Tran- os figurinos), depois nós devolvemos os figu-
sit, onde as poltronas foram recolocadas, rinos para que sejam limpos, etc. Quando
conduzido por Paolo Benvenuti. Como nós vamos a Viena para os ensaios e a gravação
não queríamos que eles viessem todos para o da música, em março, nós levamos uma se-
vilarejo com seus carros, o que já teria assus- gunda carga, mais pesada ainda: todos os
tado os camponeses e seus animais, habitua- figurinos dos homens, para o mesmo procedi-
dos a ver raros turistas apenas durante um mento. Nesse meio-tempo, tínhamos levado
mês ao ano. Para todos os técnicos que vêm uma escolha de figurinos possíveis aos solis-
de carro e aos poucos cantores do coro e tas durante nossos ensaios com eles (Moisés,
Arão, para quem nós fizemos exceção e per- Arão, homem, rapaz), ou então aproveitado
mitimos vir de carro, nós fizemos recomenda- suas passagens por Roma para um concerto
ções: prudência, lentidão, atenção aos ani- (sacerdote, moça) para que pudessem experi-
mais, sem barulho. Tudo se passaria sem mentá-los. O que permitiria aos figurinistas
sobressaltos, não haveria nenhuma galinha fazer em uma meia diária todos os últimos
sequer atropelada, e nossas relações com os preparativos para a véspera da filmagem.
habitantes do vilarejo permaneceriam nor- E por que, desde o início, nós queríamos
mais e calmas até a nossa partida. a Itália? Porque Schoenberg era vienense,
Quanto aos figurinos, nós os escolhemos sua música eminentemente europeia, mesmo
entre os 3 mil figurinos desse tipo da casa que ela tenha constantemente intuições de
Cantini (um dos setores da indústria italiana um realismo impressionante, que descobri-
que funciona normalmente melhor que no mos indo ao Oriente — na África (para nós, o
exterior — com a condição de evitar armadi- Egito), e porque nós queríamos então um
lhas decorativas preparadas pelo talento país europeu que fosse um ponto entre a
italiano; J.-M. detesta fazer figurinos novos, Europa e a África-Ásia. A Espanha e a Grécia,
nós preferimos muito mais escolher entre as nem pensar. E a Itália, além de sua geologia,
coisas que já existem), levados à nossa casa, sua geografia, seu clima, sua situação políti-
estendidos no chão, reunidos (cores dos ca, tinha a vantagem (?) de uma máquina
vestidos, túnicas, lenços, sapatos — entre eles industrial cinematográfica, que não funciona
e de acordo com as fichas de medida envia- em seu todo, mas na qual certos setores,
das pela representante do coro, Mme. Kapek), tendo-se muita energia, teimosia e tempo,
ligeiramente limpos, recosturados, passados. são utilizáveis, ainda.
Diário de filmagem de Moisés e Arão 131
segunda-feira, 19 de agosto
Os 66 membros do coro da O.R.F.3 começam a chegar. A maior parte deles
voou de Viena a Roma e chegará mais tarde hoje, mas alguns vieram com
seus carros ⑤. Na igreja, Renata e as duas outras figurinistas, Augusta e
Maria Teresa, passaram os figurinos e prepararam os lenços para a cabe-
ça e os sapatos para cada um deles. Os cantores experimentam seus figu-
rinos no espaço que Danièle arranjou para eles para isso. No anfiteatro,
Ugo Piccone, diretor de fotografia, trabalha com Saverio Diamanti, câme-
ra, e Gianni Canfarelli, assistente de câmera, na panorâmica para o plano
19 amanhã, fora da linha de microfones, que estão posicionados acima
dos solistas e no chão diante do coro. Hochet testa o som para os solis-
tas e posiciona os microfones com seu assistente Georges Vaglio. Ocorre
um ensaio de conjunto do plano 18 ⑥ com os três solistas. Ao fim, Gianni
guarda em suas malas as diferentes partes da câmera e os três macchinisti
(maquinistas) de Pisa, Cecco, Nanni e Nini ⑦, as levam de carro ao peque-
no hotel da cidade onde dormem e guardam a Mitchell após o trabalho. O
bezerro de ouro, Giustiniano ⑧, como os Straub o chamam, também fica
guardado lá até que comecemos a rodar as cenas de orgia do segundo ato.
um sistema eletrônico que permite, a cada suas duas orelhas, impedindo-o de ouvir o
vez que se transcreve o som, ter uma dura- que cantavam aqueles que ele dirigia.
ção invariável — portanto, uma duração defi- Enfim, fora da caminhonete, um terceiro
nitiva e um sincronismo garantido. Nagra, o Nagra IV de Jeti, gravava, grosseira-
c) Na filmagem, em agosto-setembro de mente mixados, para permitir um julgamento
1974, Louis tinha, em sua caminhonete-som, sobretudo sobre o sincronismo dos cantores
dois Nagras: um Nagra IV estéreo — ou seja, com a orquestra, retransmitidos do Nagra
de duas pistas sobre uma banda, o que lhe estéreo e do Nagra III, as duas bandas da
permitia gravar, por exemplo, o coro em uma orquestra e do som ao vivo (os cantores e os
pista e os solistas em outra, e ter também, ruídos). Era essa mixagem que escutava, com
mais tarde, na mixagem definitiva, uma pos- um fone na cabeça, o assistente de Gielen,
sibilidade suplementar para equilibrar as Bernard Rubenstein; nos casos de dúvida,
vozes. Esse Nagra estéreo, normalmente Gielen podia reescutar imediatamente essa
perfeito, como para todo filme onde se capta mixagem e julgar por si próprio, eventual-
som direto, primeiro: depois partia a câme- mente se corrigir. À noite, no hotel, após o
ra, fazia-se o tchiac [Claquete [N.T.]], que dava jantar e frequentemente até meia-noite, nós
o sinal sincronizado entre a imagem e o som escutávamos nesse Nagra as tomadas do dia,
direto gravado então pelo Nagra estéreo e Gielen, Straub, Jeti e eu (às vezes alguns can-
pela câmera; em seguida Louis dava início ao tores, quando ainda não estavam dormin-
segundo Nagra que havia em sua camionete, do…), para verificar uma última vez as esco-
um Nagra III (aquele que já havia servido à lhas feitas “no calor do momento” após a
gravação de Chronik na Alemanha!), em que filmagem. Além disso, a cada dia, após cada
passava uma das duas trilhas sobre a qual plano, eu escutava com Louis, na sua cami-
ele havia transcrito, em Viena, pilotado, nhonete, as tomadas retidas do som direto,
apenas a orquestra que correspondia ao para verificá-las, ter a certeza de que não
plano que se filmava. (A outra banda, exata- havia tido nenhum acidente que passaria
mente idêntica àquela, feita ao mesmo tem- despercebido e que talvez não ouvíramos à
po em Viena, nós a guardávamos zelosamen- noite, na banda “mixada” de Jeti.
te em nosso quarto de hotel em Avezzano e,
toda nova, é ela que nós transferimos em ⑩
seguida para o magnético 35mm perfurado Um provino, é 1 metro, 1,50 m de película
para ir à montagem.) Portanto, ele reprodu- que se roda após uma tomada, quando a
zia a orquestra do bloco correspondente ao consideramos boa, com o tchiac no quadro
plano que nós gravávamos, precedido por sobre o qual escreve-se provino e que serve
esses três “mil” (bip-bip-bip) que iniciavam a em seguida para o laboratório controlar a
trilha que rodava no Nagra estéreo: esses densidade do negativo antes de revelá-lo e
três bipes sendo o sinal sincronizado entre eventualmente fazer a marcação de luz antes
as duas bandas sonoras. Louis cortava ime- de retirar a tomada… Isso não tem nada a
diatamente após o terceiro bip, para evitar ver com standfotos4 ou publicity stills5. Duran-
que a orquestra não iniciasse também sobre te a filmagem, nós só deixamos serem feitas
a trilha do Nagra estéreo; ele só errou a mão fotos de trabalho; as fotos do filme, nós faze-
uma vez, em cerca de mil! É essa trilha do mos com que sejam feitas, uma vez termina-
Nagra III, evidentemente, que os solistas da a montagem de negativo e feita a primeira
escutavam por meio de uma escuta escondi- cópia, a partir de fotogramas escolhidos
da em uma de suas orelhas (a outra orelha entre as tomadas não utilizadas ou nas so-
servindo para se ouvir e para poder cantar), bras da montagem de negativo (início ou fim
o coro por meio de um pequeno alto-falante de um plano).
(em certos casos, dois) escondido no meio
deles ou fora de quadro ou abaixo do qua- 4. Fotos de cena. [N.T.]
dro, e Gielen por meio de um fone que cobria 5. Fotos de divulgação. [N.T.]
Diário de filmagem de Moisés e Arão 137
24 dura quase cinco minutos. J.-M. então cortou depois o compasso 565
da partitura e fez um plano separado pelos compassos 566 e 620. O tempo
torna-se ruim então após dez tomadas nós interrompemos para o almoço
e fazemos em seguida mais seis às 15 horas.
Plano 31 em leve plongée, próximo do sacerdote, perfil direito. Cecco
mantém uma tela de poliestireno branca direcionada para a sua figura,
para refletir o máximo possível a luz tardia da tarde. Werner Mann, ma-
jestoso na sua túnica sacerdotal preta e branca, adverte o coro contra o
entusiasmo dos coristas, após o milagre da serpente: “O teu cajado nos
coage, mas ele não coagirá o Faraó a nos libertar”. Em seguida, quando
nós descemos depois que o plano é gestorben, J.-M. prepara os planos do
dia seguinte. Gabriele e eu assumimos o lugar de Moisés e Arão. Os Straub
partem com o material filmado de hoje para o laboratório Luciano Vittori
em Roma, para ver os copiões do material que Gabriele já levou para lá
durante a semana.
nervoso, sobretudo nos dias de grande calor! boa, que ela segurava bem a água, o que era
Mas todos aguentaram: Gielen, que tinha verdade, nós o havíamos observado antes.
muito medo dessa filmagem, por razões téc- Jean-Marie se mostrava preocupado em se-
nicas (ninguém havia ainda tentado aquilo guida, durante horas, se perguntando se ele
que ele fez, com uma música tão difícil, que encontraria uma outra tão boa, se tinha sido
não está ainda introjetada nos nossos hábi- uma boa coisa tê-lo privado daquela… Um
tos culturais), mas também psicológicas, camponês de Luxor nos vendeu por 10 mil
contou no fim, nos disse sua mulher Helga, liras a sela de seu dromedário, tudo que lhe
que essas três semanas haviam sido as mais restava, já que ele tinha precisado vender o
felizes de sua vida, que ele havia descoberto dromedário alguns meses mais cedo, e não
o trabalho coletivo… sabia se teria algum dia dinheiro para com-
prar outro. Ali nosso amigo egípcio nos aju-
⑬ dou, porque ele sabia um pouco de francês
Nós estivemos no Egito uma primeira vez, no por ter trabalhado nas escavações com ar-
Natal de 1972, Jean-Marie e eu, sozinhos, sem queólogos franceses (que, em Luxor como
câmera nem máquina fotográfica… Roland em Alba Fucense, exceto que aqui os arqueó-
Delcour, que J.-M. havia conhecido como logos são belgas e os camponeses italianos,
correspondente do [Le] Monde em Bonn, contratam durante um ou dois meses campo-
estava então no Cairo, e nós fomos convida- neses para cavar, desenterrar; quando os
dos à sua casa — nós ficamos três semanas no arqueólogos não vêm, lá como aqui — 30 mil
Egito, a metade no Cairo, a outra metade a pessoas deixam os Abruzos a cada ano para
percorrer de trem, de barco, de avião, de ir procurar trabalho no Norte ou no exte-
carro e de bicicleta o interior egípcio ao lon- rior, — é uma catástrofe, porque é o desapa-
go do Nilo, do Cairo a Alexandria, para ver o recimento de uma fonte de dinheiro líquido,
delta, e do Cairo a Assuã passando por Luxor. este dinheiro líquido quase tão raro para os
Foi nesse momento que nós fixamos os luga- camponeses de Alba Fucense quanto para os
res onde gostaríamos de filmar (o único pla- de Luxor); ele nos ajudou também levando-
no previsto na decupagem foi então transfor- -nos à casa dos artesãos que moldam e pu-
mado em dois planos), que fizemos amizade lem, à mão, os cálices de alabastro que nós
em Luxor com o jovem camponês que, mais levamos e utilizamos para o vinho, à noite,
tarde, quando filmamos, nos acompanhou derramado do cantil, e para o sangue das
pela montanha ao lugar que nós escolhemos, moças (um crítico musical alemão que, espe-
permitindo-nos escapar das curiosidades… ramos nós, ouve melhor que vê, acreditou
Nós queríamos, não apenas encontrar o lugar ver, no momento em que o sacerdote derra-
(os lugares!) para filmar nosso plano, mas ma de um cálice de alabastro branco o san-
também ver como as pessoas vivem, os obje- gue no buraco do altar, uma taça de plásti-
tos, os gestos, os costumes — trazer os obje- co…). De um comerciante vendedor de água
tos que nos eram indispensáveis e que sabía- no Cairo nós compramos, por 2 mil liras, os
mos que, alugados em Roma com “especialis- cantis de pele de cabra negra com, ali tam-
tas”, sua feiura e falsidade saltariam aos bém, má consciência, porque se, para ele, era
olhos; a jarra de terra de onde Arão derrama muito dinheiro líquido no momento, o que
a água e o sangue, nós a compramos do guar- fez, em seguida, para continuar a vender sua
dião de um templo: ele nos pediu 250 liras, água com apenas os dois cantis que lhe resta-
apenas o que custava para comprar uma vam? Nós até teríamos, ali, renunciado a
nova! Em inglês, única língua que permite comprá-los e nos resignado a encomendá-los,
comunicar um pouco, se, como bons euro- novos, na Itália, se não tivéssemos visto que
peus, não falamos uma palavra de árabe, nós ao recusar-nos a comprá-los, após ele ter tido
o dissemos, ao dar a ele 400, que era uma a impressão de que eles nos interessavam, a
lembrança nossa para ele, este pouco dinhei- decepção seria muito grande… Nós pegamos
ro a mais; ele nos explicou que a sua jarra era os mais velhos, deixando para ele os mais
Diário de filmagem de Moisés e Arão 141
novos. Ele deve ter pensado que nós não não queríamos mentir. Tudo se passou sem
entendíamos realmente nada! contratempos, exceto pelo fato de que Jean-
A gentileza dos egípcios (aqueles que nós -Marie, que teve um pedaço de seu dedo cor-
vimos, pois não encontramos nenhum bur- tado por um removedor de neve, quando
guês: os burgueses egípcios, mesmo “amigos” fomos pegos por uma tempestade de neve em
dos Delcour, não vinham mais vê-los por Campotosto, no início de maio, indo rever o
medo de se comprometerem, e não é andando lago para tomar a decisão definitiva de filmar
a pé pelas ruas do Cairo, onde todos que não não em Campotosto mas sim no Matese, cir-
são pobres circulam de táxi, que vemos bur- culava de bicicleta nas estradas de Luxor,
gueses!) é imensa, mesmo nos bairros miserá- com sua mão esquerda no ar para evitar a dor
veis do Cairo, onde nenhum europeu nunca provocada pelo fluxo de sangue no dedo e
vai — exceto atravessando de táxi! — sob um sol já bem quente, enquanto estava
e onde eles tinham toda razão para querer bêbado de antibióticos; Ciccio, sua mulher
ver-nos longe, a começar pelo simples fato de Ombretta e eu atrás dele, pro caso de que ele
que não tínhamos o ar, nem Jean-Marie nem desmaiasse, porque os médicos italianos nos
eu, de subalimentados há séculos. Mas essa haviam dito que era muito perigoso andar
gentileza nos impressionava ainda mais que a sob o sol com antibióticos no corpo (?); e
descoberta, chegando ao Cairo de avião, de exceto pelo fato de que este mesmo Ciccio,
uma cidade quase como a Calcutá que nós que estava obstinado, apesar das nossas
vimos no único filme de Louis Malle [Calcutta, recomendações, como bom suíço ignorando
1969] que jamais nos interessou. No interior, a por que os nativos cobrem seus corpos dos
pobreza é com frequência extrema, ela se vê pés à cabeça, a filmar o plano na montanha de
também porque frequentemente as pessoas Luxor, durante três horas (nós o refizemos
são tão exploradas, cansadas, que não tomam uma dúzia de vezes, porque o movimento,
o menor cuidado com os seus animais, mas, com um tripé amador, era bem difícil, e tam-
apesar da esquistossomose, as colheitas uma bém a velocidade), com o torso nu, havia
após outra, sem repouso, que não dão lucros pego sol de tal forma que na noite seguinte
àqueles que as fazem mas aos seus explora- teve que dormir nu por causa do calor, e pe-
dores, há ainda uma aparência de equilíbrio gou uma espécie de broncopneumonia: os
de civilização agrária (as pessoas que vão ao três dias no Cairo, na volta, enquanto Ombret-
burgo pela manhã, ao amanhecer, vender ta visitava a cidade, ele os passou deitado no
legumes, frutas, animais, as culturas à beira hotel, entrou no avião doente e só foi se sen-
do rio, a engenhosidade artesanal, o inverso tir melhor ao pôr os pés em Roma!
da fadiga resultante da subalimentação que é
uma calma, uma lentidão, um tempo de vida ⑭
que é também, apesar de tudo, uma riqueza Eu iria com Leo, após alguns dias, ver o dito
que nós esquecemos); no Cairo por sua vez, proprietário, que é na verdade uma mulher,
com seus 7 milhões de habitantes em cresci- o homem que tinha vindo sendo apenas o
mento constante, é a miséria urbana, deses- seu administrador: ela não assume ter a
peradora, mesmo que se diga que é ali que se propriedade do anfiteatro, tendo sido de fato
trama a revolta. Após essa primeira viagem, expropriada pelas Belas Artes, mas do cami-
aquilo que nós ainda não havíamos decidido nho que desce ao anfiteatro, único caminho
claramente aconteceu: nós não iríamos a de acesso, o único que liga a estrada à igreja.
Israel após ter estado no Egito. Após algumas discussões, em que explica-
Em maio de 1973, nós retornamos, com mos que nós não somos os americanos (Hus-
Ciccio (Renato Berta) e uma câmera 16mm ton havia filmado os exteriores de seu A
Beaulieu e o inversível Kodak, para filmar Bíblia6 a cerca de 100 quilômetros dali, sobre
nossos dois planos — escondidos, porque nós
não podíamos pedir uma autorização dizendo 6. The Bible: In the Beginning… (EUA, 1966), de John
que se tratava de Moisés e Arão, e Huston.
Diário de filmagem de Moisés e Arão 143
a outra vertente dos Abruzos, e um rumor sido destruído na igreja, e feito a faxina nós
deve ter se produzido de que era possível mesmos, conscientemente, para que a velha
ganhar dinheiro com as filmagens de um não tivesse que fazê-lo, na igreja de cabo a
filme), mas que enfim, dado que utilizaría- rabo, a Soprintendenza se recusou a nos
mos este caminho para fazer passar a cami- devolver a caução sob pretexto de danos
nhonete do som, o carro de Gabriele, a cami- que, evidentemente, não nos foram precisa-
nhonete da câmera e um ou dois carros dos… Nós deixamos pra lá, muito ocupados,
privados, nós estávamos dispostos a uma tendo o filme terminado, com outros proble-
compensação, à condição de que fosse razo- mas, mas eu me pergunto até hoje que ope-
ável. Firmamos acordo por 60 mil liras em ração mafiosa se esconde ali atrás, e sobre-
duas parcelas, uma imediata, de 30 mil, e a tudo porque essa desonestidade e essas
segunda ao fim da filmagem. Ninguém tentou mentiras por um valor tão pequeno!
nos chantagear, exceto pelo pároco da igreja
que utilizamos para os figurinos, o material, ⑮
etc., e onde Gregory ou Hans-Peter dormem. Paolo havia, antes do início da filmagem,
Este queria nos convencer de que o fato de feito vir um homem com uma máquina vapo-
não poder celebrar casamentos em sua igre- rizadora que espalha inseticida, ao que pare-
ja (que não é a igreja do vilarejo, mas um ce antimoscas, e que as municipalidades
monumento “tombado”, onde as pessoas alugam às vezes. Mas Straub se recusa a
ricas ou esnobes vem se casar de tempos em repetir essa operação, que considera muito
tempos) durante cinco semanas o fazia per- perigosa: esses inseticidas, diz ele, são um
der 300 mil liras… Jean-Marie e eu fomos veneno violento, os animais podem vir a
vê-lo: ele terminaria por nos confessar que, comer a grama das encostas do anfiteatro e
certamente, não era tanto, mas que ele com- isso passa para o leite, etc. Eu não insisto
prou uma pequena casa para sua família (sua diante da sua opinião: nós combateríamos
irmã e seu cunhado e seus numerosos filhos) então as moscas com um produto do qual se
e ele, que ele deve pagar a prestações, e que servem os camponeses, que aplicamos com
ele pensou que um filme… se nós o pagásse- um lenço de papel, delicadamente, no corpo
mos 300 mil liras de uma vez isso cobriria os dos atores ou na haste ou na espuma dos
pagamentos! Acordamos por 100 mil liras, ali microfones…
também em duas parcelas, uma no início,
outra no fim da filmagem.
Pela permissão de filmar no anfiteatro, as
Belas Artes de Chieti foram muito corretas,
graças a um jovem intendente que depois foi
nomeado para Perugia: sem complicações,
autorização gratuita, porque, nos diz ele,
“em uma democracia esses lugares deveriam
estar gratuitamente a serviço do público, sob
a única condição de que não ocorra nenhuma
deterioração”
Por outro lado, a Soprintendenza ai Monu-
menti de Aquila foi — única exceção — bastan-
te incorreta: nós conseguimos autorização
para utilizar a igreja então, por meio de um
“aluguel” de 50 mil liras e uma “caução” de
100 mil que nos devia ser devolvida no fim
da filmagem. Quando pedimos a nossa
caução, após ter verificado, Straub e eu, que
nada, absolutamente nada, havia
Diário de filmagem de Moisés e Arão 145
⑯ ⑰
Nós devemos muito reconhecimento a Arão: Não, não em Alexandria: Alexandria é uma
certamente, se ele pegou frio, ele próprio é o cidade do Mediterrâneo, próxima a uma
culpado, porque, apesar dos nossos pedi- cidade italiana, mais pobre, mais populosa,
dos, ele se obstina, mal terminada uma toma- também com traços de arquitetura estilo
da, a se despir pela metade e ir se exercitar fascista. Esses tijolos, nós os vimos, e nós
para a seguinte na galeria que corre sob uma levamos um deles para a Cine-Ars (!) da
metade do anfiteatro e que é tão fria quanto Cinecittà, que devia fabricar nosso altar de
é quente do lado de fora: o resultado era poliestireno(que por pouco não tivemos:
previsível. Mas, nesse dia, ele sabia que nós felizmente nós o havíamos encomendado 18
filmaríamos o último plano com os 17 coris- meses antes da filmagem, porque com o es-
tas e ele, que, se nós conseguíssemos termi- touro da crise do petróleo, esse seu subpro-
nar esse plano nesse dia, teríamos com eles duto não era mais encontrado; e quando
apenas mais um plano sem Arão, nº 58, com começou a chegar novamente da América, o
os camponeses do vilarejo, e que nós poderí- preço havia quintuplicado!), nós os vimos à
amos então mandá-los de volta a Viena (os beira do Nilo, entre Assuã e Luxor, secar ao
coristas permaneceram ainda esperando em sol, como há milênios, uma pequena “fabri-
Avezzano, dois dias além do último dia de que” (usina) à beira de um vilarejo.
filmagem com eles, assim como os solistas e
Gielen, até que tivéssemos visto os copiões
no laboratório, para ter certeza de que eles
poderiam partir, que não tinha havido ne-
nhuma catástrofe no laboratório, nada a
refazer com eles).
Por outro lado, se nós não tivéssemos
conseguido terminar nesse dia com eles e
Arão, seria preciso esperar que ele pudesse
novamente cantar com nossos coristas e
pagá-los durante esse tempo: ele então fez
um grande esforço e, quando ninguém mais
acreditava que seria possível, aconteceu: a
última tomada inteira desse plano, a vigési-
ma, aquela que nós temos no filme, esse
momento em que Arão, “traído”, cede, é
também aquela em que sentimos mais o
esforço e a dificuldade do cantor. Essa “ad-
versidade” nos serviu, porque jamais tería-
mos obtido isso, nem pensado obter, essa
voz que vai falhar, sem essa doença e sem a
coragem e a vontade de Devos. À vigésima
tomada feita, o coro aplaudiu espontanea-
mente Arão: este queria tentar mais três
vezes, mas a cada vez sua voz falha, cada
vez mais rápido. Dessa vez, acabou, o leva-
mos ao hotel imediatamente. Gielen, Reich,
Straub e eu fazemos cara de preocupação,
pois sabemos que o risco que após esse
esforço ele não possa mais cantar durante
meses existe…
Diário de filmagem de Moisés e Arão 149
de me livrar desse dinheiro sem ter de trans- de noite o homem que corre queimando, esse
portá-lo comigo por mais tempo ou guardá-lo caminho parte do centro do depósito de lixo
no hotel). Eles ficam contentes, porque nós da cidade de Avezzano… A entrada desse
lhes havíamos dito que aquilo poderia durar caminho, que nós havíamos novamente visto
o dia inteiro, e eles terminaram em duas ho- e verificado três dias antes com Gabriele, nós
ras. Nós ficamos contentes, porque havíamos não a encontramos mais. Passando e repas-
dito a Friedl Obrowsky que, se tudo corresse sando, compreendemos afinal por que: lixos
bem, poderíamos talvez filmar com ela à foram despejados, restos de construção mais
tarde, que ela fosse então “afinar a voz” e precisamente, sobre a entrada do caminho…
ensaiar com Bernard de manhã; ela não veio Está tarde, os escritórios estão fechados, não
em vão, iríamos poder filmar. será possível encontrar quem quer que seja
da cidade para nos ajudar; e amanhã é domin-
⑳ go! Dispensamos Louis dizendo a ele que
Gregory provavelmente escreveu “Signor vamos avisar, que ele vá repousar; Cecco
Pancrazio” — Sigzech, é um nome das Mil e parte também para buscar Nanni, Nini e pás
uma noites! no vilarejo. Nós ficamos lá esperando até o
momento em que a cólera me atinge e em que
eu começo (“Veremos bem se os homens não
Não; era aquilo que estava previsto na decu- podem superar também isso”) a limpar os
pagem: na montanha, chegamos à conclusão escombros com as minhas mãos; ainda é dia,
de que era idiota, que melhor seria ver Moi- à noite não poderíamos fazer mais muita
sés desde a primeira nota, que sobe lenta- coisa. J.-M., Gabriele, Leo, Dietmar Schings
mente suas mãos no quadro: realizar um tal fazem o mesmo: Leo e eu até machucamos
movimento é difícil para um ator, por que um pouco as mãos com pedaços de ferro
cortar o seu início? E essa espécie de hesita- cortante. Ao fim de duas horas, Cecco ainda
ção, por que destruí-la? Então, o plano 10 não retornou com suas pás, mas nós limpa-
começa com a primeira nota da ópera. mos o suficiente para que os carros possam
passar; Gabriele, com seu 4 CV Renault novo
(que eu desconfio que ele tenha comprado no
O que Gregory não sabe, porque ele ficava de lugar do velho que ele tinha antes, para ter
guarda no anfiteatro, é que, após ter ensaiado certeza de não ter um carro que nos deixaria
com os três na câmera e os três maquinistas na mão no meio da filmagem, mas ele jamais
para o plano 60, um dos mais difíceis de mar- quis admiti-lo), passa e repassa para planifi-
car, nós fomos, com Cecco, Gabriele e Diet- car o terreno, arriscando destruir seu belo
mar Schings, que veio de Frankfurt para nos carro novo; um carro é feito para servir, diz
ver, e Leo, rever a entrada do caminho que é a ele… Quando Cecco, Nanni e Nini chegam, a
única via de acesso para chegar ao lugar noite já está escura, mas o trabalho pratica-
onde queríamos filmar com os cavalos. Ho- mente terminou: à luz dos faróis, eles cobrem
chet e Vaglio nos seguem, para aprender tam- os últimos buracos. Na manhã seguinte, nin-
bém onde fica a entrada do caminho para a guém do resto da equipe se dera conta de
manhã seguinte. É uma colina em frente à nada. Nós perguntamos a Dietmar o que ele
colina do anfiteatro, do outro lado da estrada. acha da profissão de cineasta-catador de lixo;
Uma estrada não asfaltada deixa para trás a que, quando lhe perguntarem o que ele viu
estrada asfaltada: é por onde passam, além da filmagem de M. e A. na sua volta à televi-
de alguns tratores, os caminhões de lixo que são de Frankfurt, ele conte a história desse
vão esvaziar seus lixos um pouco mais adian- fim de tarde.
te… Porque o caminho que leva dessa estra- Vamos nos lavar, comer, depois retorna-
da não asfaltada à pedreira que se encontra mos, J.-M. e eu, no carro de Gabriele, para
ao pé da colina onde queremos filmar amanhã examinar as posições da Lua no anfiteatro.
com os cavaleiros, mas também em seguida Há, de fato, muitas nuvens!
Diário de filmagem de Moisés e Arão 153
sábado, 31 de agosto
Nada a filmar hoje. Nós esperamos a recuperação de Devos. À tarde en-
saiamos o plano 60. À meia-noite os Straub vem ao anfiteatro para obser-
var a Lua para um plano mais tarde, mas há muitas nuvens .
diz que nós deveríamos aproveitar essa ocasião sem Hochet para fazer
muito barulho, gritando como eles fazem ordinariamente nos filmes ita-
lianos. Eles filmam 1400 pés. Uma duração de 20 minutos de negativo. Nós
arrumamos o material e eles se vão às 9 horas. O anfiteatro está banhado
de luar. O bezerro de ouro envolto em plástico parece uma noiva de véu.
Um gato atravessa correndo os arbustos.
a decupagem para J.-M., enquanto ele olha através do visor para julgar
a distância entre os dois. J.-M., que não sabe fechar um olho só, deve
utilizar uma mão para manter um olho fechado enquanto olha pelo mirino
(visor). Após o jantar no Carmelo, um bom restaurante não muito caro em
Avezzano, Leo e eu passamos pelo quarto dos Straub no hotel. A cada
noite, depois de comer, eles escutam com Jeti e Gielen as gravações do
dia para ter certeza de que o som e a música estão bons.
quarta-feira, 4 de setembro
Dia de repouso. Eu permaneço no anfiteatro. J.-M. e Danièle foram a Roma
para ver os copiões (giornalieri). Eles compram três caixas de película a
mais e bandas sonoras Agfa para o Nagra.
Só existe uma maneira de se conectar com o passado e a tradição:
recomeçar tudo do início, como se tudo aquilo que precedeu fosse
falso; tratar mais uma vez exatamente da essência das coisas,
em vez de se limitar a desenvolver a técnica (de execução) de um
material preexistente. (Arnold Schoenberg, Aphorismes,
Anecdotes, Sentences, 1932/49.)
Vaglio, na girafa, grava esse diálogo com um Slightly? De leve? Na primeira vez, Arão se
único micro (o Neumann U 87), fazendo uma volta para Moisés, não de leve mas de manei-
leve panorâmica de Moisés para Arão e de ra amparada, até ameaçadora, dizendo-lhe:
Arão para Moisés; eu me preocupo, porque “Som ache dich dem Volk verständlich, auf
Georges não sabe uma palavra de alemão, ihm angemessene Art” (Assim torne-se com-
ele não tem então pontos de referência para preensível ao povo, de maneira adaptada a
saber quando passar de um para o outro, e ele). Na segunda vez, no fim do plano, a últi-
um atraso mínimo de sua parte pode produ- ma vez em que vemos Arão no filme antes de
zir um fading detestável, que nos obrigaria a reencontrá-lo estendido no chão no terceiro
recomeçar uma tomada desse plano bastan- ato, Arão se vira violentamente para Moisés,
te longo e bastante difícil para os cantores o pulso fechado, dizendo-lhe: “Die auch nur
(sincronismo), mas também para Arão, que ein Bild, ein Teil des Gedankens sind” (Que
está ainda vocalmente cansado por sua do- são apenas uma imagem, uma parte da ideia.)
ença. Eu pergunto a Georges se eles está
bem seguro de si, ele me diz que vai dar cer-
to. Eu então não intervenho. E, de fato, ele
conseguiu realizar a cada tomada uma
gravação perfeita.
Diário de filmagem de Moisés e Arão 161
direito : “Como sempre: eu entendi a voz em mim”. Moisés (off): “Eu não
falei”. Arão: “Mas eu, no entanto, entendi”. As tábuas que Moisés carrega
são de mármore. Em um par está escrito um velho texto em hebraico do
Decálogo, gravado por um escultor sobre uma pedra do cemitério israelita
de Roma. Os três outros pares estão virgens. Elas são bastante pesadas, de
maneira que Nanni ajuda Günter a segurá-las entre as tomadas. Durante o
cestino, eu me pergunto se haverá uma tempestade como ocorre frequente-
mente à tarde. J.-M. diz: “O tempo, como a História, não se repete”.
14h30. Plano 76. Plano médio em plongée de Moisés que, com as tábu-
as em seu braço direito, se vira para Arão. “O imperecível / dizes, como
essas tábuas, perecível: / na linguagem da tua boca!”
16 horas. Plano 73. A câmera em leve contra-plongée e em close-up
sobre o bezerro de ouro. Moisés (off) diz: “Desaparece, / imagem da in-
capacidade de alcançar o ilimitado em uma imagem!”. Hochet grava em
som direto a voz de Moisés. Depois, durante o coro off e já gravado: “Todo
prazer, toda alegria, toda esperança se foram!”, e o bezerro desaparece por
uma abertura do diafragma.
terça-feira, 10 de setembro
Dia de repouso. Eu trabalho na tradução do ato III. Por volta das 18 horas,
cinco bailarinos do Neues Tranzforum de Colônia chegam para ver o anfi-
teatro e experimentar seus figurinos para amanhã. Começa a chover muito
forte durante duas horas. Todo mundo sobe para a igreja que está úmida e
pouco confortável. Nós deixamos lagos de água na arena. Danièle está pre-
ocupada, porque estava previsto que os bailarinos dançariam pela manhã.
Anotações de Danièle Huillet
Pelos desenhos de máscaras africanas nos Gabriele e Leo foram buscar nossos dois
quais ele se inspirou para pintar os rostos jovens no abatedouro, porque eles deviam
dos dançarinos. Nós havíamos estado, du- chegar com o caminhão frigorífico às 8 ho-
rante os doze meses que precederam a filma- ras, mas eu desconfio; e fiz bem, porque eles
gem, quatro vezes em Colônia, para marcar não estavam lá: Gabriele e Leo precisaram
as danças com Jochen Ulrich e seus bailari- buscá-los em Avezzano, eis por que eles
nos. Essas danças desagradaram particular- chegaram com uma hora de atraso. Quando
mente os críticos musicais alemães — sem os lembrei que vinte pessoas aguardavam a
dúvida porque eles são incapazes de reco- sua chegada, um dos dois me conta rápido a
nhecer pessoas que sabem fazer seu traba- história de um de seus amigos que teria mor-
lho quando este trabalho não é apresentado rido essa manhã, etc. História inteiramente
de maneira acadêmica. Jochen é o único que inventada, que me fez explodir de rir. A ver-
foi tratado tão mal quanto nós, o que nos dade é que, após a chuva dessa noite, eles
deixou penalizados por ele. O que me espan- pensaram que nós não filmaríamos essa
ta sempre é que a crítica burguesa se deixe manhã e permaneceram na cama!
provocar tão facilmente!
Esse imbecil que nos trouxe essa pobre co- Os quatro sacerdotes (Marco Melani, Adria-
bra não tinha a menor noção da psicologia no Aprà, Walter Grassi, Husam Aldin, M. Ali),
de seu animal. Cada vez que a cobra, após as quatro moças nuas (Marina, Silvia, Carla,
um momento de calma, estava a ponto de Gioia) e as quatro que carregam os facões e
fazer alguma coisa interessante, ele lhe dava os cálices (Pia, Leonora, Karin, Sidonie) são
um golpe na calda, o que tinha por conse- todos amigos ou amigos de amigos: J.-M. não
quência fazê-la partir no outro sentido. Ele a queria figurantes de cinema que, sobretudo
chamava, mas sem perceber que o som se na Itália, passam de filme em filme “nudista”,
repercutia pela elipse e que a cobra o ouvia mas pessoas que nós conhecemos e que não
na direção oposta àquela onde esse idiota se incomodem em se mostrar nu(a)s. E ele
queria fazê-la ir. A menos, como imaginava queria quatro moças nuas que não fossem
Saverio, que esse pobre animal tenha sido de esquálidas de acordo com a moda, mas sim
tal forma aterrorizado pelo seu “domador” garotas um pouco encorpadas como aquelas
que partiria sistematicamente no sentido que pintou Renoir nas suas cenas campes-
oposto ao ouvi-lo. Após um certo tempo, ele tres. Às quatro garotas ele pediu para esco-
nos propôs movimentá-la com um fio de lher o sacerdote que as beijaria; para algu-
nylon, dizendo que toda A Bíblia de Huston mas, tanto fazia. Outras preferiam àquele
(a arca de Noé) havia sido feita com fios de a outro.
nylon para os animais (ou de choques elétri- O mesmo para o casal no fim da noite:
cos nos leões para fazê-los se mexer). Quan- Enzo e Bianca vivem juntos, é um prazer para
do fomos, J.-M. e eu, discutir o contrato com eles fazer aquilo e para nós filmar com eles.
o sujeito que aluga esses animais às produ-
ções cinematográficas e que, ao que parece,
havia feito na televisão programas intitula-
dos “O amigo dos animais” (na África, etc.),
eu tinha dito a Jean-Marie que esse sujeito,
na verdade, detestava os animais. Eu não
havia me enganado.
Depois, ele nos propõe colocar a câmera
no outro sentido. É aí que Jean-Marie se en-
furece e diz a ele que não está filmando um
filme italiano. Naturalmente, o outro se vexa.
Ugo, Saverio, Gianni, Cecco intervêm e lhe
dizem que Jean-Marie tem razão, que ele não
sabe nada de seu animal. O outro quer discu-
tir, porque achava que não iremos querer
pagá-lo em seguida. Eu digo a ele que não se
preocupe, que pagarei o valor acordado, mas
que ele me faça o prazer de sair do anfiteatro
e ir esperar na igreja ou em outro lugar. Após
a sua partida, nós poderemos enfim filmar
tranquilamente com a nossa serpente, espe-
rar que ela queira fazer o que nós queremos
que ela faça. Sem barulhos, sem gritos, ela
começa a se mexer…
Diário de filmagem de Moisés e Arão 169
Três apenas, uma foi interrompida imediata- Cecco não se joga sobre uma espada no fil-
mente. Na montagem, nós mantivemos aque- me, ele se apunhala. E ele é magnífico, é o
le em que Gregory salta e vai quebrar a per- nosso maior ator: ele se mata com a arte e a
na, não apenas porque era finalmente a cultura que viu na maior parte das óperas
melhor, mas também porque nós pensáva- italianas (em Pisa, enquanto não trabalha
mos dever isso a Gregory! mais em um filme sequer desde que os estú-
dios da Tirrenia fecharam, ele é eletricista
no teatro-ópera, e conhece então uma profu-
são de representações). É ao mesmo tempo
engraçado e emocionante. Felizmente, por-
que é o último plano da noite, nós estamos
todos exaustos: alguns dormem sob as árvo-
res, Jean-Marie trabalha com a lucidez de um
sonâmbulo, eu não me sento para não correr
o risco de adormecer. O talento de Cecco
nos enche de energia novamente.
Diário de filmagem de Moisés e Arão 175
vel, colocamos fogo ali e ele começa a queimar enquanto corre durante
10 metros em frente à câmera. Ao final de sua corrida, ele se joga no chão
e é coberto por cobertores que apagam o fogo nas suas costas. Após seis
tomadas, gestorben, e nós juntamos tudo para ir ao castelo Orsini para o
plano 68. Levamos duas horas para montar e ligar os cabos e as luzes e
levar a câmera até o alto dos rochedos. Jeti, Leo, Paolo, Basti, Gabriele e
eu vestimos o figurino. Fazemos alguns saltos de treino. A câmera está em
contra-plongée embaixo à direita, dirigida em plano médio/semiconjunto
para a beira do rochedo. Fazemos uma primeira tomada. J.-M. diz que é
mais ou menos uma interpretação rotineira de um salto mortale. Quando
ficamos em fila diante do rochedo para fazer a segunda tomada, penso
nos pensamentos de um suicida diante da vida e da morte. Eles não são
estranhos. Quando chega a minha vez é difícil de enxergar à minha frente,
por causa da luz nos meus olhos, mas ao cair eu vejo Basti embaixo de
mim e me esquivo para tentar evitar de cair sobre ele. Ao tocar no chão,
sinto uma dor terrível no meu tornozelo esquerdo, que me faz cerrar os
dentes para manter silêncio até o fim da tomada. Meu tornozelo esquerdo
começa a inchar, então Harald Vogel, o assistente de produção, me leva ao
hospital em Avezzano. Após a minha partida eles fazem quatro tomadas
suplementares e depois começam a retransportar tudo até a entrada
sul do anfiteatro, perto da qual um homem, Cecco, se joga sobre uma
espada no plano 66. A câmera está em plano médio/semiconjunto sobre
o homem que está sentado sob uma árvore e cai sobre a sua espada.
domingo, 15 de setembro
Descanso para a equipe. Eu passo meu primeiro dia no hospital. As pesso-
as são muito amigáveis. O velho senhor conta suas lembranças da Etiópia
e os visitantes me falam de seus parentes nos Estados Unidos. Eu leio Red
Wind de Chandler, e tento dormir. À noite, a visita dos Straub.
terça-feira, 17 de setembro
Recolho as minhas coisas na igreja. Os Straub alugaram um quarto para mim
em seu hotel. Andar com a minha perna engessada é estranho mas indolor.
quarta-feira, 18 de setembro
8 horas. Nós deixamos Avezzano em uma caravana de três caminhonetes
e três carros para a viagem de 180 quilômetros para o Sul, ao lago Matese.
Chegamos por volta das 14h30. Encontramos todos no hotel onde passare-
mos a noite perto do lago. Depois descemos para ver o lugar na baía seca
do lago, onde filmaremos amanhã. No jantar, Günter Reich e Louis Devos
chegam. Estamos todos sentados em uma longa mesa para este último
jantar. Depois do jantar no bar, nós jogamos totó e fliperama e tocamos
todos os discos barulhentos de rock’n roll da jukebox.
sexta-feira, 20 de setembro
Paolo vai a Alba Fucense para buscar o resto do material. À noite nós co-
memos no Carmelo. Jean-Marie escreve na minha perna engessada: “Eu o
faria de novo, se tivesse de fazê-lo!” (Pierre Corneille.)
sábado, 21 de setembro
Os Straub vão a Alba Fucense para terminar de desproduzir e para dizer
adeus às pessoas do vilarejo que trabalharam com eles. Às 16 horas nós
deixamos Avezzano e partimos para Roma.
Escritos sobre a obra
181
essa é uma ideia absurda; a filosofia não é feita para refletir sobre qualquer
coisa. Ela não é feita para refletir sobre nenhuma outra coisa. Quero dizer,
tratando de filosofia como potência de “refletir sobre”, temos a impressão
que lhe damos muito, mas, na verdade, lhe tiramos tudo.
Porque ninguém precisa da filosofia para refletir. Quero dizer, as
únicas pessoas capazes, efetivamente, de refletir sobre o cinema, são os
cineastas, ou os críticos de cinema, ou, ainda, os amantes do cinema. Eles
não precisam, absolutamente, da filosofia para refletir sobre o cinema. A
ideia de que os matemáticos precisariam da filosofia para refletir sobre
as matemáticas é cômica. Se a filosofia tivesse que refletir sobre alguma
coisa, não teria nenhuma razão de existir. Se a filosofia existe é porque ela
possui seu próprio conteúdo. Podemos nos perguntar: qual é o conteúdo
da filosofia? É muito simples, a filosofia é uma disciplina tão criadora e
inventiva quanto qualquer outra. A filosofia é uma disciplina que consiste
em criar ou inventar conceitos. E os conceitos não existem, em plenitu-
de, em uma espécie de céu onde aguardam para serem colhidos por um
filósofo. É preciso fabricá-los. E é claro que eles não são fabricados assim,
de uma hora para outra. Não dizemos um belo dia: “Veja, quero fazer e
inventar tal conceito”. Assim como um pintor não diz: “Pronto, vou fazer
um quadro desse jeito”. É preciso que haja uma necessidade, tanto na
filosofia quanto em outras áreas; um cineasta não pode dizer: “vou fazer
tal filme”. É preciso que haja necessidade, senão não temos nada.
Acontece que essa necessidade, que é muito complexa, se é que ela
existe, faz com que um filósofo (e eu sei ao menos com o que ele se ocupa)
proponha-se a inventar e criar conceitos, e não a refletir, mesmo sobre o
cinema. Eu digo que faço filosofia, quer dizer, eu tento inventar conceitos.
Eu não me proponho a refletir sobre outras coisas. E vocês que fazem
cinema, o que vocês fazem? Eu proponho uma definição pueril, então atri-
buam-na a mim, existem com certeza outras e melhores. Eu direi apenas
que o que vocês inventam não são conceitos, isso não é assunto seu. Isso
que vocês inventam é o que poderíamos chamar de bloco de movimentos-
-duração. Quando se fabrica um bloco de movimentos-duração, pode ser
que se esteja fazendo cinema. Observem, não é uma questão de invocar
ou recusar uma história. Tudo tem uma história. A filosofia também conta
histórias. Ela conta histórias, histórias com conceitos. Acho que podemos
dizer que o cinema conta histórias com blocos de movimentos-duração.
Eu diria que a pintura inventa um outro tipo de bloco, que não é nem
um bloco de conceitos nem um bloco de movimentos-duração, mas supo-
Escritos sobre a obra 183
ser excelentes ideias em literatura. Mas elas não teriam, de maneira ne-
nhuma, o mesmo aspecto. Além disso, existem ideias em cinema que
só podem ser cinematográficas. Não adianta: mesmo quando se trata
de ideias em cinema que possam ter valor em romance, elas já estão
engajadas em um processo cinematográfico com o qual estão de início
comprometidas. E isso que digo é muito importante, porque é uma ma-
neira de colocar uma questão que me interessa: o que faz com que um
cineasta tenha, por exemplo, vontade de adaptar um romance? Me pa-
rece evidente que se ele tem vontade de adaptar um romance é porque
tem ideias em cinema que reverberam naquilo que o romance apresenta
como ideias em romance. E assim acontecem grandes encontros. E não
estou falando do cineasta que adapta um romance reconhecidamente
medíocre. Ele pode precisar de um romance medíocre e isso não impede
que o filme seja genial. Eu então coloco uma questão um pouco diferente:
e quando o romance é um grande romance e revela-se esta espécie de
afinidade em que alguém tem uma ideia em cinema que corresponde ao
que era a ideia em romance? Um dos casos mais belos é o de Kurosa-
wa. Por que Kurosawa encontra-se numa espécie de familiaridade com
Shakespeare e Dostoiévski? Por que é preciso um japonês familiarizado
com Shakespeare e Dostoiévski? É preciso dizer, porque, me parece… é
uma resposta entre mil outras possíveis e ela toca um pouco também na
filosofia, creio eu. Com os personagens de Dostoiévski acontecem, com
muita frequência, coisas bastante curiosas. Geralmente, são muito agita-
dos. Um personagem vai, desce a rua, assim, simplesmente, e diz: “Uma
tal, a mulher que amo, Tânia, me pede ajuda, eu vou, eu corro, eu corro,
sim, Tânia vai morrer se eu não for”. E ele desce a escada e encontra um
amigo, ou então ele vê um cão atropelado e esquece completamente.
Esquece, esquece completamente que Tânia o espera, à beira da morte.
Começa a falar, fala e cruza com outro amigo, vai tomar chá na casa do
amigo, e em seguida, subitamente, diz: “Tânia me espera, é preciso que
eu vá”. Mas o que querem dizer esses… hein? Aí está!
Em Dostoiévski, os personagens são constantemente tomados por
urgências, e ao mesmo tempo em que são tomados por urgências, que
são perguntas de vida ou de morte, sabem que existe uma pergunta ainda
mais urgente. Mas eles não sabem qual é, e isso os paralisa. Tudo se passa
como se na pior urgência — “Há fogo, há fogo, é preciso que eu vá” — eu
me dissesse: “Não, há algo mais urgente, algo mais urgente, e eu não vou
me mexer enquanto não o souber”. Isso é O idiota, é a fórmula de O idiota;
O que é o ato de criação? 186
sonham, e por que isso lhes diz respeito? Porque a partir do momento
em que há sonho do outro, há perigo. O sonho das pessoas é sempre
um sonho que devora, que ameaça nos engolir. É perigoso que os outros
sonhem. O sonho é uma terrível vontade de potência, e cada um de nós
é, mais ou menos, vítima do sonho dos outros. Mesmo quando se trata
da moça mais graciosa, ela é uma terrível devoradora, não por sua alma,
mas pelos seus sonhos. Desconfiem do sonho do outro, porque se vocês
forem apanhados no sonho do outro estão ferrados.
Cadáver
Bem, darei outro exemplo de ideia propriamente cinematográfica, da
famosa dissociação Ver/Falar em um cinema relativamente recente. To-
memos os casos mais conhecidos, seja Syberberg, Straub ou Marguerite
Duras, o que há de comum entre eles? Pergunto do que é propriamente
cinematográfico, dessa ideia cinematográfica… Fazer uma separação do
visual e do sonoro é… por que isso não pode ser feito no teatro, por quê?
Isso até pode ser feito no teatro, desde que o teatro disponha de meios
tomados do cinema. O que não é necessariamente mau. Mas é uma ideia
bem cinematográfica essa de assumir a separação do ver e do falar, do
visual e do sonoro. Isso responderia à ideia: o que é, por exemplo, ter
uma ideia cinematográfica? E todo mundo sabe em que isso consiste, e
eu diria assim: uma voz fala sobre alguma coisa e ao mesmo tempo outra
coisa nos é dada a ver. Enfim, aquilo de que se fala está sob aquilo que
se dá a ver. Esse terceiro ponto é muito importante. Vocês percebem que
esse é o momento em que o teatro não pode acompanhar o cinema. O tea-
tro poderia assumir as duas primeiras proposições. Nos falam de alguma
coisa e nos fazem ver outra. Mas que aquilo sobre o que se fala ponha-se
ao mesmo tempo sob aquilo que nos é dado a ver — e isso é indispensá-
vel, senão as duas primeiras operações não teriam nenhum sentido nem
interesse… Podemos dizer de outra maneira: a palavra ergue-se no ar ao
mesmo tempo que a terra que vemos afunda-se cada vez mais. Ao mesmo
tempo que essa palavra se ergue no ar, aquilo de que ela nos falava se
afunda na terra.
O que é isso que somente o cinema pode fazer? Não digo que ele
deva fazer, certo? Mesmo que isso tenha sido feito duas ou três vezes,
posso dizer simplesmente que foram grandes cineastas que tiveram essa
ideia. Não significa dizer que é isso que se deve ou não fazer. É preciso ter
O que é o ato de criação? 188
ideias, quaisquer que sejam elas. Essa é uma ideia cinematográfica, digo
que é prodigiosa porque assegura, no campo do cinema, uma verdadeira
transformação de elementos. Um ciclo de grandes elementos que faz com
que, repentinamente, o cinema tenha uma grande afinidade com a física
qualitativa de elementos. Isso gera uma espécie de transformação, o ar, a
terra, a água, o fogo, porque seria preciso acrescentar… mas não teríamos
tempo. Evidentemente descobriríamos o papel dos dois outros elementos.
Uma grande circulação de elementos no cinema. Dentre tudo que eu disse,
isso não elimina uma história, certo? A história existe sempre, mas o que
nos interessa é por que a história é realmente interessante. Precisamente
porque existe tudo isso por detrás e junto dela. Nesse ciclo que acabo
de definir rapidamente — a voz ergue-se ao mesmo tempo em que a coisa
da qual ela fala afunda-se sob a terra —, reconhecemos a maior parte dos
filmes dos Straub, este é o grande ciclo dos elementos na obra dos Straub.
O que vemos é unicamente a terra deserta, mas essa terra deserta parece
ter o peso do que está embaixo. E vocês me dirão: “Mas o que podemos
saber sobre o que está embaixo da terra?”. Bem, é justamente aquilo de
que a voz nos fala. E é como se a terra se arqueasse em razão daquilo que
a voz nos diz e que vem assentar-se sob a terra, à sua hora e ao seu lugar. E
se a terra e a voz nos falam de cadáveres, é toda a linhagem de cadáveres
que vem tomar lugar debaixo da terra, de modo que ao menor tremer do
vento sobre a terra deserta, sobre o espaço vazio que se tem sob os olhos,
ao menor buraco nessa terra, tudo isso ganhe sentido.
4. O Minitel foi um dos primeiros dispositivos acessíveis de ligação em rede. Lançado na França
em 1982 pela PTT (Postes, Télégraphes et Téléphones), era um aparelho de uso doméstico
que permitia aos usuários fazer compras online, reservas para trens, e acesso à cotação das
ações na bolsa de valores e à lista telefônica. Dispunha também de um chat que conectava seus
usuários. Ao longo dos anos 80, tentou-se implementar dispositivos semelhantes em outros
países, mas sem o mesmo sucesso. [N. E.]
Escritos sobre a obra 191
André Malraux
Qual é a relação entre a obra de arte e a comunicação? Nenhuma. A obra
de arte não é um instrumento de comunicação. A obra de arte não tem
nada a ver com a comunicação. A obra de arte não contém, estritamen-
te, a menor informação. Por outro lado, em compensação, existe uma
afinidade fundamental entre a obra de arte e o ato de resistência. Isto
sim. Tem algo a ver com a informação e a comunicação, a título de ato
de resistência. Qual é esta relação misteriosa entre uma obra de arte e
um ato de resistência? Os homens que resistem não têm tempo e nem, às
vezes, a cultura necessária para ter qualquer relação com a arte. Malraux
desenvolve um bom conceito filosófico e diz uma coisa muito simples
sobre a arte: “É a única coisa que resiste à morte”. Retorno ao meu tru-
que de sempre, ao início: o que se faz quando se faz filosofia? Inventa-se
conceitos. E eu acho que isso é a base de um belo conceito filosófico.
Reflitamos… então, o que resiste à morte? Bem, sem dúvida, é suficiente
ver uma estatueta de 3000 anos atrás para descobrir que a resposta de
Malraux é uma boa resposta. Então poderíamos dizer, do ponto de vista
que nos diz respeito, que a arte é aquilo que resiste, mesmo não sendo
a única coisa que resiste. Daí a relação tão estreita entre o ato de resis-
tência e a arte, a obra de arte. Nenhum ato de resistência é uma obra de
arte, ainda que de certa maneira o seja. Nenhuma obra de arte é um ato
de resistência e, no entanto, de certa maneira, o é.
Que maneira misteriosa, e aí talvez fosse necessário… não sei… talvez
fosse a uma outra reflexão, uma longa reflexão para… o que eu quero dizer,
se vocês me permitem voltar a questão: “O que é ter uma ideia em cinema?
Ou, o que é ter uma ideia cinematográfica?”. Quando lhes falo, por exemplo,
dos Straub, quando eles operam uma disjunção voz/sonora em tais condi-
ções que… Notem que a ideia é… Outros grandes autores tomaram essa
ideia de outro modo e eu acho que os Straub se posicionam da seguinte
forma: a voz se ergue, se ergue mais e mais, e aquilo de que ela nos fala
desce sob a terra nua, deserta, que a imagem visual estava nos mostran-
do, imagem visual que não tinha nenhuma relação direta com a imagem
sonora. Ora, qual é este ato de palavra que se ergue no ar enquanto seu
objeto enterra-se sob a terra? Resistência. Ato de resistência. E em toda
a obra dos Straub, o ato de palavra é um ato de resistência. De Moisés5
ao último Kafka6,… passando por, não cito na ordem, não sei a ordem,
por Não reconciliados até Bach7. Qual é o ato de palavra de Bach? É a sua
música. Não é ato de resistência abstrato, é ato de resistência, luta ativa
contra a separação do profano e do sagrado. E este ato de resistência na
música culmina num grito. Da mesma maneira que há um grito em Woyzek,
há um grito em Bach: “Fora, fora, saiam, não quero vê-los”. Isso é ato de
resistência. Então, quando os Straub põem em valor este grito, este grito
de Bach, ou quando põem em valor o grito da velha esquizofrênica, acho
que em Não reconciliados, tudo isso deve dar conta de um duplo aspecto,
me parece que o ato de resistência possui duas faces. Ele é humano e
também ato de arte. Somente o ato de resistência resiste à morte, seja sob
a forma de obra de arte, seja sob a forma de lutas dos homens.
1. Publicação original: “Premessa”. In: Jean-Marie Straub / Danièle Huillet. Testi Cinematografici.
A cura di Adriano Aprà. Roma: Editori Riuniti, 1992, pp. IX-XIII. Embora extraindo este texto do
volume que prefaciava, optamos por traduzi-lo, com o consentimento do autor, sem nenhuma
modificação. Traduzido do italiano por José Eduardo Marco Pessoa e Mateus Araújo Silva.
2. Krankheit der Jugend (1926), peça teatral de Ferdinand Bruckner. [N.T.].
Prefácio a um volume de Textos — Cinematográficos de Straub e Huillet 194
3. Aprà se referia nesta passagem ao livro de textos e filmes que ele prefaciava. [N.T.]
Escritos sobre a obra 195
1. “L’Enorme presence des morts”. Republicação integral do artigo publicado com o título “Là”
no número 275 (abril de 1977) da revista Cahiers du cinéma. In Les Chiens du Sinai — Fortini/Cani
(Paris: Dossiers Cahiers du cinéma, março 1979). Tradução de Bruno Carmelo.
2. Introdução a “Música de acompanhamento para uma cena de cinema” de Arnold Schoenberg,
de J.-M.S e DH.
A enorme presença dos mortos 198
Godard, jamais, e cada vez menos se fosse possível. Falsas questões que
eles deixam aos fundamentalistas do “específico”, aos quais eles respon-
dem: tudo que se lê, se anota, se respira, se canta, se dança, se cita, se
interpreta, se comunica por rádio ou televisão, se grava, pode virar filme,
contanto que se inscreva aqui. Mas aqui onde? Neste lugar que não é
nada mais do que o espaço de concentração-dispersão de tudo que pode
se escrever, anotar, respirar, cantar, citar etc. É por isso que, nos filmes
destes cineastas, tudo já está escrito e tudo é novo, nada é “original”,
“inventado” e entretanto nada preexiste ao ato de inscrição. O que dá
origem, no caso de Straub, a um paradoxo aparente: que uma das artes
mais elaboradas existentes possa ao mesmo tempo se expor inteiramente
aos acasos.
Tudo é possível, durante a filmagem, declara Straub. É neste sentido
que seu “respeitar o real”, sua insistência em “mostrar” o que não é metafí-
sico; o que se fornece ao olhar sempre mantém a impressão do gesto desig-
nador: indicador, punho ou coto, que determinam o aqui. Existe nos seus
filmes uma inalterabilidade mineral, mas também algo precário, como uma
transparência instável do ar, quase audível, durante os verões italianos.
Qual é o passo melhor executado com Fortini/Cani? Ele insere no
filme, junto com o livro (I Cani del Sinai), o autor deste livro. Nem Saint-
-Jean de La Croix, nem Bach, nem Anna Magdalena Bach, nem Brecht, nem
Schoenberg, nem Corneille estavam presentes pessoalmente nos outros
filmes, e não apenas por razões de morte, aliás. Straub explica que desta
vez o filme não teria sentido nenhum sem a presença de Franco Fortini,
que lê em pessoa os fragmentos do seu ensaio, ensaio que nós vemos,
aliás, no primeiro plano do filme. Eis uma escolha que permite compreen-
der melhor a estratégia do cineasta em relação ao escrito em que ele se
apoia, que permite não mais perguntar o que pode ser um filme extraído
de um escrito preexistente, nem mesmo o que ele extrai. Nós vemos, ao
contrário, que neste caso é a própria máquina fílmica que extrai o livro
para ela, e o autor junto, que os faz vir a ela, os absorve. De modo que
a questão sobre quem foi o primeiro, ou quem domina, entre o texto e a
imagem, e se um ilustra o outro, não tem mais sentido. Tanto o texto de
base quanto o seu autor estão inscritos no filme como partes, ao lado de
outras partes, nem antes nem depois (as paisagens, a música, os trechos
do jornal da R.A.I., as margens do Arno, a sinagoga de Florença, o jornal
de Fortini etc.). E mesmo inscritos em partes, já que aparece primeiro o
livro, depois a voz, depois as mãos de Fortini, e seu rosto apenas — isso é
A enorme presença dos mortos 202
9. Jean-Marie Straub realizou em 1977 um filme curto a partir do poema de Mallarmé, Toda
revolução é um lance de dados (Toute révolution est un coup de dés, 1977). [N.O.]
Escritos sobre a obra 203
10. In “Eros Energumène”, Édition du Seuil, coleção Tel Quel, p. 14. [N.O.]
11. Programas de televisão de Godard exibidos pela FR3 durante o verão de 1976. [N.O.]
A enorme presença dos mortos 204
12. In “Le Plaisir du texte”, Éditions du Seuil, coleção Tel Quel. [N.O.]
13. É assim que Deleuze e Guattari recomendam a leitura integral de Kafka, in “Kafka: pour une
littérature minéure”, Édition de Minuit, p. 31. [N.O.]
205
1. Publicação original: Anne Marie Faux (dir), Jean-Marie Straub — Danièle Huillet:
Conversations en archipel (Milano:Mazzotta-Paris:Cinématèque Française, 1999). Traduzido do
francês por Ana Siqueira.
2. Os dois foram de fato distribuídos juntos, figurando ambos num mesmo cartaz. [N.O.]
3. Hubert Damisch. Un souvernir d’enfance par Piero della Francesca (Paris: Seuil, La Librairie
du XXème siècle, 1997) p. 173. [N.O.] complementada pelo tradutor.
Straub, Hölderlin, Cézanne 206
em direção a uma decepção quase total que, se ela não é o suicídio, não é
menos uma espécie de enclausuramento; uma ascese, não desprovida de
humor, que abandona o mundo à sua ‘imbecil’ vontade de linchamento e a
seu retorno aos hábitos7”. Esse magnífico texto exprime “o encadeamento
desencadeado”, essa distribuição dialética de planos-sequência que se
sustentam juntos sem qualquer cola de pontuação e cujo reencadeamento
que resta a ser executado pelo espectador é, justamente, de acordo com
Deleuze, a leitura: “Ler, é reencadear em vez de encadear, é girar, revirar,
em vez de seguir do lado direito: uma nova analítica da imagem8”.
Mas o que vêm fazer esses fragmentos repentinos de Empédocles
num filme dedicado a Cézanne?
Houve, então, cinco filmagens de A morte de Empédocles, primeira
versão da tragédia de Hölderlin (1798), cada uma com 147 planos. As se-
quências de Empédocles que são integradas a Cézanne são as tomadas de
uma quinta filmagem.
O primeiro trecho de Empédocles inserido em Cézanne é dedicado
à luz: “Ó luz celeste, os humanos não me haviam ensinado — já desde
muito quando meu corpo lânguido não conseguia encontrar a toda viva
então eu me virava em tua direção…”. Esse trecho segue os propósitos de
Cézanne, que se interroga: “O acaso dos raios, a marcha, a infiltração, a
encarnação do sol através do mundo, que jamais o pintará, que o contará,
isso seria a história física do mundo, a psicologia da terra.”.
De certa forma, Hölderlin responde de antemão a Cézanne. É ali, igual-
mente, que reside a dialética straubiana: a resposta antecede a questão,
o que não constitui uma das menores negações dos princípios ortodoxos
do filme documentário.
O segundo trecho é de um plano que enquadra o vulcão Etna. Esse
trecho é precedido pelas seguintes palavras de Cézanne: “De pincelada
em pincelada, a terra reviveria. De tanto lavrar meu campo, uma bela pai-
sagem aí cresceria.”. O trecho termina com essas palavras de Empédocles:
“Então suba e brilhe mais um dia, são eles que há muito estão ausentes,
os vivos, os bons deuses”. E frutas de Cézanne acompanham imediata-
mente essas últimas palavras, segundo um princípio de aparição súbita
e violenta, a ponto de fisgar um pouco o fim do trecho de Empédocles.
Um sentimento de “inabilidade” da montagem é, assim, engendrado, uma
7. Pier Paolo Pasolini. L’Experience hérétique. (Paris: Ramsay poche cinéma, 1976, p. 131). [N.T.]
8. A Imagem-tempo, p. 291. [N.O.] complementada pelo tradutor.
Straub, Hölderlin, Cézanne 210
9. Meyer Schapiro. Style, artiste et société (Paris: Gallimard, 1982, p. 217). [N.O.] complementada
pelo tradutor.
Escritos sobre a obra 211
“esses blocos ardiam. Ainda há fogo neles…”. Ele falava também “da
sombra bebida por uma boca de fogo”. Os dois filmes são em definitivo
dedicados a duas montanhas que ardem, a Sainte Victoire, que Cézanne
apreende ainda em fusão, e o vulcão Etna, ainda em atividade. De fato,
a Sainte Victoire queima realmente em 1991. Todo seu contorno e seus
flancos são varridos por um imenso incêndio, que destrói toda a natureza
selvagem que a encobria. Em compensação, o Etna filmado pelos Straub
é um panorama verdejante para o cenário de Empédocles. Os Straub não
mostram a lava, nem as queimaduras do vulcão, e sim árvores, vento,
azul, o do céu: uma paisagem cézanniana. O subtítulo de A morte de
Empédocles é: “quando a terra voltar a brilhar verde para ti”.
“Dessa boa terra verde, meu olho não deve partir sem alegria”: não é
Cézanne que fala, e sim Empédocles…
A Sainte Victoire realmente queimada, representada no filme Cézan-
ne, deixa estupefato, apavora o espectador como um pecado humano,
um pecado muito negro, título do filme associado a Cézanne. Os dois
filmes conjugam esses estratos geológicos e essa lógica aérea de que fala
Deleuze a respeito dos filmes dos Straub, precisando, em 1985, portanto
bem antes da realização desse díptico montanhoso, que as qualidades
pictóricas e esculturais da imagem dos cineastas dependem de uma
potência geológica, tectônica, como nos rochedos de Cézanne12.
Enfim, esses dois filmes são frequentados pela sombra. Pecado negro
é varrido pelas nuvens que encarnam, com a palavra que sobe da terra
em direção ao céu, essa lógica aérea do cinema straubiano. Não há ne-
nhum plano do filme, composto de maneira geral por planos longos, que
não seja ameaçado pelo obscurecimento. Deliberadamente, os cineastas
integram em sua encenação essas variações de luz que inquietam o canto
hölderliano. Também Cézanne parava de pintar às dez da manhã, pois a
claridade diminuía…
Entre Cézanne e essa adaptação da terceira versão de A morte de
Empédocles, conhecida como Empédocles sobre o Etna, filmada em 32
planos, os Straub organizam, assim, uma tecedura, uma tecedura justa,
uma tecedura “seca”, como eu dizia anteriormente a respeito da mon-
tagem entre Hölderlin e Cézanne; uma tecedura poética e figurativa que
não pode tolerar nenhum espaço entre os dois filmes, nenhum vazio. A
associação entre os filmes é sutil, mas, ao mesmo tempo, de uma evidên-
Cinemeteorologia1
Serge Daney
20 de fevereiro de 1982
2. A obra de Mamoud Houssein, sem tradução em português, foi publicada originalmente como
“la lutte de classes en Egypte de 1945 a 1968”, (Paris, François Maspero, 1969). Uma 2a edição
foi lançada dois anos depois com o título “la lutte de classes en Egypte (1945 — 1970)”. (Paris,
François Maspero, 1971). [N.E.]
Cinemeteorologia 216
3. Títulos originais: Le Dama d’Ambara (Jean Rouch, 1974–1980); La Femme de l’aviateur (Eric
Rohmer, 1980); Le Pont du Nord (1981) de Jacques Rivette. [N.E.]
Escritos sobre a obra 217
Nós sabemos que nos filmes de Straub, o texto falado constitui o elemen-
to essencial. Ele mesmo o disse em entrevistas — e era preciso até agora
acreditar nele, porque nem o Bachfilm, no qual a narração se confrontava
fortemente às partituras tocadas e às durações invasivas, nem Não recon-
ciliados, no qual o acesso obrigatório a uma realidade relativamente reco-
nhecível e diretamente compreensível confrontava o texto aos seus ecos,
fora do filme, em nós, mas a uma distância muito pequena para permitir
a ascensão de um trânsito livre entre as camadas do passado registradas
no filme e a espessura móbil do presente, tinham como unidade de medi-
da um texto. Ora, desta vez a matéria do último filme de Straub, Os olhos
não querem sempre se fechar ou Talvez um dia Roma se permita fazer sua
escolha, não é nada mais do que o texto integral — e apenas ele — de uma
das últimas tragédias de Corneille: Othon.
As camadas do passado são mais do que nunca espaçadas e diver-
sificadas. Existe uma espécie de núcleo primeiro da Roma imperial — os
conflitos, os complôs — distante e pouco conhecida, de onde surge a
primeira história feita por Tácito sobre a luta pelo poder, que serve de
pesquisa, de medida e de interrogação a este Othon sobre o qual Cor-
neille alerta desta maneira ao leitor: “O tema é adaptado de Tácito, que
começa suas “histórias” por esta aqui; e não tem nenhuma delas que
eu tenha adaptado para o teatro com maior fidelidade, e à qual tenha
trazido maior invenção. Os caracteres dos personagens daqueles que
aqui faço falar são os mesmos que na obra deste incomparável autor, que
eu traduzi tanto quanto possível”, e adiante: “Eu não quis propor nada
além da história”.
Em que consistirá portanto, para Straub, adaptar ao presente este
texto intitulado Othon? Em escolher manter os diálogos alexandrinos de
Corneille com a maior diversidade possível de sotaques, talvez para fazer
1. “OTHON et Jean-Marie Straub” in Cahiers du cinéma, número 208, março 1970. Tradução de
Bruno Carmelo.
Othon e Jean-Marie Straub 220
ção pessoal que ele não poderia usar como movimento de identificação
ao personagem, como um elo originário de uma ideia interpretativa
necessariamente limitada (palavras tão sedutoras quanto âme [alma]
ou désastres [desastres] serão impiedosamente aparadas), mas que ele
deixaria escapar contra a sua vontade. Enfim, poderíamos temer a intru-
são de uma espontaneidade, de uma naturalidade, de uma profundidade
em busca de se expressar. Mas os obstáculos da memória, da tensão
nervosa (havia uma grande maioria de não atores; cabe ao espectador
descobrir, se ele puder, quem era ou não um ator profissional), da esta-
ção contínua do sol do fim de agosto, e acima de tudo da tensão rítmica
em manter custasse o que custasse as diferenças possíveis de uma lín-
gua para outra, impedem qualquer manifestação psicológica, qualquer
intervenção individualista decidida, para permitir aflorar unicamente
os acidentes rítmicos. O que se manifesta de fato nos atores deste filme
não é uma liberdade explosiva como por exemplo a de Marc’o em Les
idoles2 ou a de Chytilova em As pequenas margaridas3, é, ao contrário,
graças à repetição microcósmica metódica de uma estrutura repressiva,
uma estrutura livremente aceita como um trabalho pelos atores, a atu-
alização do que existe de mais profundo em cada pessoa — obviamente
não os flertes caros aos naturalistas e aos pós-neorrealistas — mas os
traços anônimos, múltiplos: olhares, quando determinada a sua direção,
diversamente distribuídos, hierarquia musical e tonal das palavras na
frase (o verso também constitui um obstáculo), tudo isso se opondo
à expressividade burguesa, traços portanto visíveis e audíveis do duo
liberdade-opressão, reconstituído neste caso a partir de elementos
relativos a uma cultura historicamente analisável (a nossa, hoje), mas
traços acima de tudo incômodos e indecifráveis, porque distantes de
ilustrar o texto de Corneille, de tornar o acesso ao mesmo mais fácil ou
de propor explicações e esclarecimentos de uma vez por todas, elas se
comparam ao mistério, distribuem-no por todas as partes, quebram a
lógica aprendida com o verso, e dissipam as balizas ao se imporem, sem
prevenir, ao texto.
Nós podemos fornecer informações complementares sobre o filme
de Straub e evocar o que se passa, citando esta relação de Flavie no
segundo ato:
O estranho tribunal1
Sobre O retorno do filho pródigo — Humilhados
Jacques Rancière
canto de luto, muito mais do que como uma acusação. Estes rios e estas
crateras que pertencem todos a um mestre, a voz deste estranho procu-
rador parece erguer por cima um véu à medida que sua palavra o solicita.
É como se a voz impessoal se desdobrasse em duas, como se no discurso
do astucioso manipulador de Vittorini viesse clandestinamente se insta-
lar a voz do poeta, a voz de um Hölderlin recém acordado de seu sono e
medindo o que se tornou o mundo e o seu sonho.
A voz dos partidários (ou “caçadores” na obra de Vittorini), por sua
vez, não tem forças para explicar às pessoas do vilarejo o que é a sua
comunidade: uma cooperativa que seria como todas as outras se não se
distinguisse das demais pela limitação de suas operações, pela velhice de
seu material e pela produtividade ridícula. Os escansões intensamente
articulados do texto, que Danièle Huillet dispôs em sequências rítmicas,
brincando assim com as “suspensões antirrítmicas” de Hölderlin, favore-
cidas pelos sotaques da língua italiana, ganham neste caso uma nova fun-
ção. No monólogo alucinado do “procurador”, elas contribuíam a subtrair
o mundo. Na retórica dos lenços vermelhos retornam a faca na ferida da
ironia. Se Carlos, o Calvo disse a lei sem idade do espaço, eles próprios são
os porta-vozes do tempo, a juventude do mundo. Elas podem se comuni-
car alegremente pelo jogo dialético sem ter que olhar as pessoas a quem
se dirigem, e que estão posicionadas como se estivessem às suas costas,
correndo a pé atrás do “trem da história”. Eles conhecem bem a República,
a lei do mercado e o boogie-woogie. São bons brechtianos, afinal.
Esta evocação de Brecht definitivamente não é a mesma dos reali-
zadores. Os caçadores repartirão, com o trem da história, sem terem
capturado o homem que eles buscavam, mas tendo alcançado um outro
objetivo: deslocar a comunidade. Os Straub ficam atrás, de pé, constatan-
do que o trem passou e se recusando a lhe reconhecer dar razão. A mão
estendida do velho camponês não se afrouxa. Num último plano, Siracusa,
a companheira do chefe, que não tem “mais nada a dizer” aos deserto-
res, permanece nos limites da casa fechada, a cabeça apoiada sobre os
braços, na mesma atitude da Derelitta de Botticelli. Mas um último grito,
um “Isso mesmo!”, que passa da resignação à derradeira afirmação, faz
com que ela relaxe os braços, enquanto a câmera desce num movimento
que enquadra, até a altura dos pés nus, o braço pendendo, com o punho
sempre fechado.
227
1967–19781
Franco Fortini
1. In “Les Chiens du Sinaï. [suivi de] Fortini Cani”. Paris: Albatros: Ed. de l’Etoile. Coleção: Ca
Cinéma, Cahiers du cinéma n. 13, 1979. Também publicado em Jean-Marie Straub et Danièle
Huillet/Conversations en archipel sob a direção de Anne-Marie Faux. Paris, 1999. Tradução de
Bruno Carmelo.
1967–1978 228
3. Quando, em Contocello, localizada na ilha de Elba onde eu li as páginas de I cani del Sinai,
Straub começou a filmar, o pequeno loureiro ainda não tinha florido. Straub sabia que ele iria
florescer a qualquer momento, e durante dois dias, ele o aguava com uma mangueira de borra-
cha; na manhã do terceiro dia, tinham nascido as primeiras flores vermelhas. [F.F.]
1967–1978 230
4. Marcel Proust, Le temps retrouvé, publicado no Brasil com o título O tempo redescoberto (Rio
de Janeiro, Globo, 1998). [N.E.]
Escritos sobre a obra 231
Outubro de 1978
Estudo para posicionamento da câmera para uma cena de Relações de classes
235
O ponto estratégico
Para Jean-Marie Straub, trata-se de achar para cada cena do filme — ou
seja, para cada cenário, cada espaço —, o ponto estratégico único, de
onde ele poderá, depois, filmar todos os planos da cena mudando somen-
te o eixo e a objetiva. “Os diretores, hoje em dia”, ele diz, “não se esmeram
em restituir a realidade de um espaço. Os câmeras enquadram plano a
plano e fazem enquadramentos que não são ligados a um espaço. É bem
mais fácil fazer pequenas correções, no plano a plano, do que encontrar
um único plano estratégico para a cena que se quer filmar.”
A posição e a altura únicas da câmera não são fáceis de se encontrar,
concretamente, mesmo que elas já estejam determinadas no papel. Na
verdade, J.M.S. chega na filmagem com um mapa do cenário, onde estão
desenhadas, plano a plano, todas as posições de câmera e os lugares
dos atores. A escolha das objetivas é decidida para cada plano, pois os
Straub já fizeram as visitas de locação, vários meses antes, com um visor
portátil. Na filmagem, segundo conta Caroline Champetier, “o trabalho
consiste em respeitar, de maneira mais inteligente, o espaço existente,
para realçar seus pontos fortes. É preciso não falsear as linhas. O pro-
blema não é simples quando se trata de filmar em cinco ou seis posições
diferentes um pequeno cômodo de poucos metros quadrados com dife-
rentes objetivas, dentre as quais a 18 ou a 16mm, que J.M.S. utiliza muito
nesse filme”.
Essa busca concreta do ponto estratégico pode durar duas ou três
horas. Uma vez o lugar da câmera determinado, Straub pode passar ainda
mais de uma hora para encontrar, milimetricamente, a altura da câme-
ra — tudo isso, claro, com os atores em seus lugares e já caracterizados.
Uma consequência direta desse imperativo do “ponto estratégico” é o
fato de que William Lubtchansky não constrói sua luz plano a plano, mas
1. “La plus petite planète du monde”, Cahiers du cinéma, n. 364, 1984, p. 28. Tradução de Pedro
Guimarãres.
Straub-Huillet: o menor planeta do mundo 236
de uma única vez, em cada espaço, para todos os planos que vão ser
rodados ali. Isto o obriga a instalar as luzes no teto, para que, no campo
visual, não seja visto nenhum tripé de refletor que incomode na hora da
mudança de ponto de vista.
Respeito ao som
O som de um plano, num filme de Straub, não se reduz absolutamente ao
som real e direto gravado durante a tomada. “Os Straub não dublam uma
palavra, nem acrescentam um som puro nem um som ambiente; nunca
utilizam uma frase dita em off para um outro plano. É preciso que o som
seja daquela tomada e somente ele. Não conheço outros diretores que
fazem isto”, diz Louis Hochet, que começou a gravar som no início do
cinema falado e colaborou com diversos cineastas em mais de 50 anos
de carreira. Sua colaboração com os Straub começou com Crônica de
Anna Magdalena Bach e hoje, que ele ultrapassou em muito a idade da
aposentadoria, é somente por eles que ele aceita retomar seu Nagra e
seus microfones. Porque, com eles, ele sente uma verdadeira exigência,
mas também um verdadeiro respeito pelo seu trabalho. “Para os Straub, a
gravação do som é de capital importância. Eles são terrivelmente exigen-
tes, mas também arrumam as coisas. Se há o menor barulho indesejável,
eles não hesitam em refazer a tomada.”
Como tudo acontece durante a filmagem, sem possibilidade de con-
serto na montagem ou na mixagem, Louis Hochet tenta colocar todos os
trunfos do seu lado, “sem deixar de lado a simplicidade na gravação”. Ele
também confia plenamente em seu microfonista, Georges Vaglio, com o
qual ele trabalha há alguns anos (“com ele, sei que o microfone estará
bem localizado”), e também em seu material. Depois de ter experimen-
tado a nova película de som Agfa, ele escolhe o antigo modelo da mesma
marca, que lhe parece de melhor qualidade (na nova, ele ouve pequenos
chiados). Nos microfones, ele continua fiel aos Neumann, que ele se lem-
bra ter sido o primeiro a utilizar numa época em que os engenheiros de
som os achavam muito “pequenos”.
A gravação do som será feita com um Nagra stereo e, na maioria das
vezes, com dois microfones, um fixo, no tripé, e outro colocado por cima,
o que lhe permite evitar sombras na hora do deslocamento dos atores.
Em algumas situações mais difíceis, ele é obrigado a utilizar um micro-
fone emissor, no qual ele mistura o som, durante a tomada, com o de um
Escritos sobre a obra 237
Era um negro que disse, divertindo-se: ‘Se disserem isso, vão perdê-las
mais uma vez’.”
Quanto a William Lubtchansky, que se declara um otimista nato e não
especialmente inquieto, teria sido por contaminação que ele recorreu,
nesse filme, à velha prática dos “planos de ensaios”, abandonados hoje
(verdade que o preto e branco o permitia mais facilmente), que consis-
tiam em fazer revelar no local da filmagem, por um assistente, Christophe
Pollock, algumas imagens de cada plano?
243
I
Como medir o aporte dos Straub ao cinema moderno? A maneira mais
direta seria determinar em quê, nas vias que eles escolheram, seus filmes
permitiram ao cinema ver, ouvir, interrogar e dizer o mundo mais e melhor
do que o cinema que os precedeu. A tarefa seria difícil, mas não ociosa.
Uma outra maneira de abordar sua herança, e de considerar os efeitos
de seu trabalho sobre o cinema mais exigente de seu tempo, seria detec-
tar o diálogo e as reações suscitados por seus filmes nos de seus colegas.
Não menos do que o primeiro, este dossiê também está para ser feito.
Num ensaio recente sobre Pedro Costa2, arrisquei uma hipótese
paradoxal, que resta provar, segundo a qual os cineastas portugueses
formariam, na Europa, o grupo cujo trabalho foi o mais marcado pelo
cinema dos Straub — que nunca filmaram porém em Portugal e foram
menos exibidos lá do que nos três países em que trabalharam (Alemanha,
Itália e França). De fato, o diálogo do melhor cinema português moderno
com os Straub deixou traços, desde os anos 70, em filmes de cineastas
tão diversos quanto António Reis e Margarida Cordeiro, João César Mon-
teiro3, Manoel de Oliveira (sobretudo em Amor de perdição, de 1978, mas
1. Publicado em francês, sob o título “Glauber Rocha et les Straub: dialogues de Rome”, num
dossiê sobre os Straub da revista Fusées (n.15, março de 2009, pp. 86–96) e na revista on-
-line Leucothéa, n.1, abril de 2009, pp. 123–140 (disponível em www.revue-leucothea.com/page.
php?id=10), este ensaio permanecia inédito no Brasil. Um pouco melhorada, a presente versão
é uma etapa intermediária, em progresso, do que deve virar um capítulo de um livro de cinema
comparado que preparo sobre os diálogos de Glauber com vários outros cineastas.
2. “Pedro Costa e sua poética da pobreza”, Devires, Vol. 5, n.1, jan.-jun. 2008, p. 43 (e n.30),
republicado em Daniel Ribeiro, Carla Maia e Patrícia Mourão (orgs.), O Cinema de Pedro Costa
(CCBB, 2010, pp. 111–134).
3. Já em 1969, Monteiro dizia amar Straub por correspondência e contava lhe mandar “umas
vitualhas”, antes de observar que “cada filme que o Straub consegue fazer, rompendo a bar-
reira econômica que o sistema lhe impõe, é uma vitória do chamado bloco aliado do cinema”
(“Auto-entrevista” de 1969 incluída no livro coletivo João César Monteiro, Lisboa, Cinemateca
Portuguesa, 2005, pp. 254–5). Segundo o testemunho de Vitor Silva Tavares, Straub é, sem dúvi-
da, o cineasta do qual Monteiro se sentia, ética e esteticamente, mais próximo — cf. “Rencontre
d’esprits libres”, em Fabrice Revault d’Allones (dir.), Pour João César Monteiro. Yellow Now,
2004, pp. 85–6).
Glauber Rocha e os Straub: diálogo de exilados 244
não só)4, João Botelho (em Tempos difíceis, de 1988) e Alberto Seixas
Santos (em Gestos e fragmentos, por exemplo, de 1980–82)5. Na virada
do milênio, Pedro Costa o retomou por conta própria e o levou a seu
ponto culminante numa série de filmes notáveis que remonta a No quarto
da Vanda (2000), passa por seu episódio sobre os Straub de 2001 para a
série “Cinéma, de notre temps”, que se tornou pouco depois Onde jaz o
teu sorriso?, e desemboca em dois filmes mais recentes, o longa Juventude
em marcha (2006) e o curta Tarrafal (2007).
Não conheço nenhuma pesquisa sobre a recepção e a eventual influ-
ência do trabalho dos Straub junto aos cineastas brasileiros, à comuni-
dade dos estudiosos e ao público cinéfilo do Brasil. Sabemos que vários
dos seus filmes foram vistos por aqui (embora de modo espaçado e in-
constante) em cinematecas, cine-clubes e mostras; que pelo menos uma
retrospectiva de seus filmes6 itinerou no Brasil — em 1972, com os cinco
primeiros filmes exibidos em sete capitais brasileiras pelo Instituto Goe-
the, que já teve em seu catálogo no Brasil cópia de um ou outro de seus
filmes alemães (hoje só lhe resta uma de Não Reconciliados em 16mm);
que Sicília! (1999) chegou a receber o prêmio especial da crítica na Mos-
tra Internacional de São Paulo de 1999, a ter uma pequena distribuição no
circuito comercial de algumas capitais em 2000 e a ser lançado em DVD,
sob o título de Gente da Sicília. E pouco mais que isso.
Por outro lado, referências e declarações de cineastas brasileiros
sobre os Straub nos permitem perceber o entusiasmo ou pelo menos a
viva reação que seus filmes despertaram em alguns de seus colegas daqui,
desde os anos 60. Encontros com Straub nos festivais europeus (Pesaro
1966, Berlim 1968) causaram uma impressão muito forte, por exemplo,
em Paulo Cesar Saraceni e Julio Bressane, que adoraram os primeiros
filmes do casal7.
4. Cf. Antoine de Baecque e Jacques Parsi, Conversations avec Manoel de Oliveira (Paris: Cahiers
du cinéma, 1996, pp. 91 e 161). Em Créer ensemble: la poétique de la collaboration dans le cinéma
de Manoel de Oliveira, (Sarrebruck: EUE, 2010, pp. 319–22), Pedro Maciel Guimarães assinala
e discute brevemente o diálogo dos filmes de Oliveira com os dos Straub, à luz do trabalho do
diretor de fotografia Renato Berta lá e cá.
5. Sobre a recepção dos Straub em Portugal e o interesse que eles inspiraram nos cineastas
portugueses, ver em Antonio Rodrigues (org.), Jean-Marie Straub / Danièle Huillet (Lisboa:
Cinemateca Portuguesa, 1998), as notas “Straub/Huillet em Portugal” (pp. 142–5) e os textos de
João Botelho e Seixas Santos (pp. 55–7 e 60–64).
6. Devo a Arthur Omar a informação e uma cópia do programa desta retrospectiva.
7. De lá para cá, outros cineastas também falaram deles. Penso, por exemplo, em Carlos
Reichenbach, que os tem em altíssima conta, e em Carlos Adriano, que acalentou com Bernardo
Escritos sobre a obra 245
Vorobow por anos a fio um projeto (não realizado) de retrospectiva dos Straub, aos quais
publicou em 2006 um elogio enfático (“O cinema como ato de dissidência”) na revista on-line
Trópico (disponível em http://pphp. uol.com.br/tropico/html/textos/2758,1.shl), evocando um
encontro com o casal em Paris e discutindo seu filme Quei loro incontri.
8. Incluída em Ismail Xavier (org.), O Cinema no Século (Rio de Janeiro: Imago, 1996, pp. 269–288).
9. Publicado primeiro em tradução italiana (“Cronaca di Anna Magdalena Bach”) em Roberto
Turigliatto e Simone Fina (a cura di), Julio Bressane (Torino: Lindau, 2003, pp. 67–8), depois em
português (“Jean-Marie Straub, a Crônica de Anna Magdalena Bach”) no seu livro Fotodrama
(Rio: Imago, 2005, pp. 7–15), aqui citado.
Glauber Rocha e os Straub: diálogo de exilados 246
10. As expressões entre aspas aparecem nas pp. 7–8, e preparam o desabafo mais frontal de
Jabor contra a influência de Straub: “Eu me lembro de um assistente de direção meu, super-
-culturalizado, me dizendo na época de Pindorama [1971]: Jabor, não pode cortar! Se cortar, a
cena acaba! Quer dizer, ‘montagem’ era de ‘direita’, porque Straub não cortava: a mulher saía
do quarto, caminhava pelo corredor, a câmera continuava no quarto e enquanto ela não abrisse
a porta da rua e ligasse o motor do carro a câmera não saía de cima da penteadeira. Eu não
tenho nada a ver com isso. Que é que eu tenho a ver com Straub, um alemão [sic] obsessivo,
que pegava a câmera e ia filmar as ondas que Bach olhava, quer dizer, atravessava a Alemanha
inteira para filmar na mesma praia onde Bach esteve olhando as ondas?” (p. 8).
11. Assim como não chegou a suscitar textos específicos dos nossos estudiosos de maior enver-
gadura, alguns dos quais são admiradores notórios do cinema deles (como Ismail Xavier e Lúcia
Nagib). Dentre os raros textos brasileiros sobre os Straub, afora resenhas ligeiras de Sicília! e
eventuais artigos em revistas eletrônicas, lembro o ensaio de Stella Senra comparando-os a Ozu
(“O homem de costas”, Folha de S. Paulo, 6/8/2000, Mais! n.443, pp. 30–1) e um capítulo da Tese
de Doutorado de Cristian Borges, Vers un cinéma en fuite: le puzzle, la mosaïque et le labyrinthe
comme clefs de composition filmique (Paris: Univ. de Paris III, 2007).
Escritos sobre a obra 247
II
Glauber conheceu o cinema dos Straub em 1967, ano em que viu Não
reconciliados na Europa. Ele ficou impressionado com o filme, a ponto de
12. Em seus textos e declarações, Glauber fala muito mais de Straub do que de Danièle Huillet,
que ele menciona vez por outra, nem sempre reconhecendo seu devido lugar no projeto de
cinema e nos filmes do casal. Os brasileiros tenderam aliás (e não foram os únicos) a designar
o cinema dos Straub por uma abreviação em que só Straub era citado. Falarei aqui do cinema
dos Straub, reparando a omissão sem discutir suas razões.
Glauber Rocha e os Straub: diálogo de exilados 248
13. Que eu saiba, Glauber nunca falou publicamente desta doação (assim como os Straub, que
receberam outras para terminarem seu filme), que só conhecemos pelo testemunho indireto,
num bônus do DVD de Terra em transe (Versátil / Tempo Glauber, 2006), de José Carlos Avellar,
a quem Straub teria contado toda a história no Festival de Berlim de 1968.
14. Cf. Glauber Rocha, Revolução do cinema novo (reed. CosacNaify 2004), pp. 167 e 181, e O
Século do Cinema (reed. CosacNaify 2006), pp. 239, 295 e 351. São estas reedições que estarei
citando daqui para a frente sob a forma abreviada RCN e SC.
15. Incluído depois em RCN, pp. 222–229.
16. Respectivamente em Cinemantics (Sidney University, n.4, june 1971), Filmcritica (n.317–8,
sett.-ott. 1981, pp. 448–51) e Cinéma / politique, série I (org. por Nicole Brenez e Edouard
Arnoldy), Bruxelles, Ed. Labor, 2005, em tradução republicada em Dominique Bax, Cyril Béghin
et Mateus Araujo Silva (Dir.), Glauber Rocha / Nelson Rodrigues (Bobigny, Magic Cinéma, 2005,
pp. 38–43).
Escritos sobre a obra 249
17. Era o terceiro convite a falar sobre a obra ou a figura de Glauber do qual Straub declinava. O
primeiro foi para o volume coletivo sobre Glauber citado na nota anterior, preparado por D. Bax,
C. Béghin e eu mesmo (e lançado em 2005 numa retrospectiva integral de Glauber em Bobigny);
o segundo, para um prefácio ou uma orelha da edição francesa de O Século do Cinema preparada
pela mesma equipe e lançada em 2006.
Glauber Rocha e os Straub: diálogo de exilados 250
18. Cf. SC, reed. 2006, Apêndice, pp. 345 e 351, respectivamente.
19. Glauber Rocha, Cartas ao mundo (org. Ivana Bentes), São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 306.
Glauber e Straub em Roma (Foto: Bruna Amico, 1969).
Fotografia gentilmente cedida pela associação des filmes et leurs sites
Glauber Rocha e os Straub: diálogo de exilados 252
Naquela altura, Glauber ainda não tinha visto a Crônica, cuja estreia
mundial teve lugar em 3/2/1968 no Festival de Utrecht. Ele veria o filme
entre abril de 1968 e abril de 1969, quando o qualifica de “obra-prima”
muito diferente de seu próprio cinema (entrevista a René Capriles e F.
Cárdenas de 27/4/1969, incluída em RCN, p. 181). Em seu segundo texto
mais frontal sobre Straub, de 4/4/1970, ele comenta os três primeiros
longas, Não reconciliados, Crônica e Othon, à guisa de apresentação de
Straub ao leitor da conversa na casa de Gianni Barcelloni (cuja transcri-
ção aparecerá em seguida):
20. E sabendo também a posição geralmente hostil da revista Positif em relação a Straub (da
qual Seguin é uma honrosa exceção)…
21. Em meu ensaio “Godard, Glauber e o Vento do Leste: alegoria de um (des)encontro” (Devires,
vol.4, n.1, jan-jun 2007, pp. 36–63), discuti esta polêmica e o sentido de sua representação numa
cena do Vent d’Est (Godard e Gorin, 1969).
Glauber Rocha e os Straub: diálogo de exilados 254
III
Como cineasta, Glauber se declarou várias vezes interessado, atento ou
mesmo influenciado pelo cinema dos Straub. Ele reconhece ter recebido
influência de Straub em Câncer (rodado em agosto de 1968, montado em
1972), O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969) e O Leão de
sete cabeças (Der Leone have sept cabeças, 1970): “Voltando ao Câncer. Eu
havia conversado muito com Straub em Berlim sobre o tema do plano-
-sequência e resolvi fazer experiências a partir daquelas que Straub está
fazendo” (“O transe da América Latina”, entrevista de 27/4/1969 incluída
em RCN, p. 181); “Antonio das Mortes [= O Dragão] é dialético: tem influên-
cia de La Chinoise e de Straub” (“América Nuestra”, julho de 1969, em RCN,
p. 167); “… eu te dizia que não queria mais ser o cineasta barroco, épico
etc. Meus últimos filmes são de ruptura comigo mesmo, te dizia também
que o Leão [Der Leone] era um filme não integrado, mas era preciso para
mim citar Godard, Straub, Brecht etc. para não esconder minhas obses-
sões, mas, ao mesmo tempo, penso que o Leão é um filme simples, primá-
rio, não culturalista, africano e africanista” (Carta a Michel Ciment do fim
de 1970, incluída em Cartas ao mundo, p. 372). Num texto escrito em Roma
em julho de 1969, e não publicado na época, sobre o projeto do filme
Escritos sobre a obra 255
América nuestra, que ele nunca realizará, Glauber indica (no fim de uma
lista bem heterogênea de elementos vindos de vários outros cineastas e
aparentemente almejados para o seu filme) seu desejo de introduzir no
filme “alguma coisa de Straub” (RCN, p. 162).
Sem saber precisamente a quais filmes dos Straub Glauber se refere
ao declarar suas influências, vejo bem, de minha parte, o interesse de uma
comparação do Câncer com O noivo, a atriz e o cafetão de Straub (que
Glauber não pôde ver antes de filmar seu longa em agosto de 1968, mas
deve ter visto antes de montá-lo em 1971–2)22, que já sugeri aliás ao incluí-
-los em sessões duplas numa mostra curada por mim em Belo Horizonte
em 201023, mas o universo do Dragão e de Der Leone me parece distante
dos Straub, tornando pouco operatório o exercício da comparação. Em
todo caso, o filme que julgo mais revelador do diálogo de Glauber com o
cinema dos Straub é no fim das contas não um daqueles que ele declarava
influenciado pelos colegas, mas um outro, Claro, que ele filmou em Roma
em 1975, na mesma condição de estrangeiro auto-exilado que os Straub.
A comparação parece fecunda tanto pelas questões comuns (o mesmo
desejo de explorar as conotações fornecidas pela geografia e a história
de Roma, e o mesmo recurso à figura histórica do Império Romano para
pensar o capitalismo contemporâneo) quanto pelas diferenças no trata-
mento estilístico.
Glauber não deixou quase nenhuma referência aos filmes romanos
dos Straub com os quais Claro dialoga. Afora a breve descrição já citada
acima na introdução à conversa de 1970 (cf. RCN, p. 224) e uma declaração
à qual voltarei, só encontrei uma referência pontual de Glauber a Othon
como um filme genial24, e um elogio vago, numa carta de Roma a João
Carlos Rodrigues de 18/1/1973: “O filme de P. C. Saraceni é ótimo e o último
de Straub” [último qual? Othon? Lições de História? Introdução…?] (Cartas
ao mundo, p. 450). Estranho à primeira vista, este silêncio deixa de sê-lo
22. Ao filmar Câncer e O dragão, Glauber conhecia de Straub Não reconciliados e talvez a Crônica
e Machorka-Muff (1963). Antes de filmar Der Leone em outubro-novembro de 1969 no Congo-
Brazzaville, ele deve ter visto na Europa O noivo… (lançado na Itália em 1969) e antes de
terminar sua montagem em Roma, ele pôde talvez ver Othon, terminado no fim de 1969 e exibido
em Rapallo em 4/1/1970.
23. Conjugada com um curso e intitulada “Glauber Rocha e o cinema moderno: alguns diálogos”,
a mostra foi acolhida pelo cine Humberto Mauro (de 25/6 a 14/7/2010) e exibiu dos Straub, além
de O noivo…, Lições de História (1972) e Introdução a “Música de acompanhamento etc (1972).
24. Num texto sobre Solanas de 25/2/1971, Glauber diz que Othon é genial por ter suscitado o
delírio de Jean Narboni em seu ensaio “La vicariance du pouvoir” (cf. RCN, p. 248).
Glauber Rocha e os Straub: diálogo de exilados 256
25. E que Straub julgava “o melhor filme político que já vi” na conversa romana de 1970 (cf. RCN,
p. 228). Segundo Danièle Huillet, Straub “diz que nunca teria feito Othon se não tivesse visto
La fièvre monte à El Pao” (Antonio Rodrigues (org), Jean-Marie Straub / Danièle Huillet, Op. cit.,
p. 99).
26. Cf. Alex Viany, O processo do cinema novo (Rio: Aeroplano, 1999, p. 358) e Caetano Veloso,
Verdade Tropical (S. Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 104).
27. Cf. “Jean Rouch e Glauber Rocha, de um transe a outro”, em Mateus Araújo Silva (org.), Jean
Rouch 2009: Retrospectivas e Colóquios no Brasil (Belo Horizonte: Balafon, 2010, esp. pp. 60–61).
Escritos sobre a obra 257
28. Da tendência de Glauber a integrar suas novas experiências ao seu próprio universo, há
outros exemplos, como sua declaração entusiástica de 1969 a um Jacques Rivette perplexo, se-
gundo a qual L’amour Fou (1968) era um filme tropicalista (cf. Sylvie Pierre, Glauber Rocha, Paris:
Cahiers du cinéma, 1987, p. 139, n.8 e “Glauber en exil”, em Glauber Rocha / Nelson Rodrigues,
op. cit. 2005, p. 14).
Glauber Rocha e os Straub: diálogo de exilados 258
29. As semelhanças de estrutura entre Claro e Umano non umano de Schiffano (que Glauber
conhecia e citava duas vezes em textos de 1976 — cf. SC, pp. 242 e 294) me saltaram aos olhos
quando vi tardiamente uma cópia restaurada deste último. Nunca discutidas por ninguém, elas
merecem um exame mais atento, que deixo para outra ocasião. Baste-me assinalar aqui o uso
por Schiffano do mesmo Carmelo Bene contracenando com outra atriz numa sequencia ficcional
de interior de apartamento, e a recorrência de planos de uma manifestação de operários numa
praça pública italiana, alternados com cenas de festas e com pequenos blocos ficcionais ou
performáticos, num arranjo que antecipa o de Claro, embora me pareça menos vigoroso.
Escritos sobre a obra 259
30. Sobre a relação de Glauber e Bene, cf. Noël Simsolo, “Les riguers du désordre” (em D. Bax et
al., Glauber Rocha / Nelson Rodrigues, op. cit., p. 91) e o fim de Maurício Cardoso e Mateus Araújo
Silva, “Glauber Rocha leitor de Shakespeare: da tragédia de Macbeth à farsa de Cabezas Cortadas”
(em Anabela Oliveira et al., Diálogos Lusófonos: Literatura e cinema. Vila Real, Portugal: Centro
de Estudos em Letras, 2008, pp. 174–75).
31. Respondendo a uma questão precisa sobre Straub e Bene, Glauber desconversa, reiterando
uma generalidade sem assumir as influências: “- Entrevistador: A propósito de Claro, o que você
pode nos dizer da nova linguagem que você adotou, na qual se sente a presença de Straub e
Carmelo Bene? — G. Rocha: Sou aberto ao intercâmbio com outros diretores, e aquilo que me
agrada cito como parte essencial do desenvolvimento linguístico” (Entrevista publicada no
programa do Festival de Taormina de 1975, e traduzido no catálogo Glauber por Glauber, Rio,
Embrafilme, 1985, p. 41).
32. Esta cena aparece aos 76’ de Claro, e seus diálogos são transcritos nas pp. 430–431 do volume
póstumo dos roteiros de Glauber (Roteiros do terceyro mundo, Rio, Alhambra / Embrafilme, 1985).
Glauber Rocha e os Straub: diálogo de exilados 260
33. Embora as sugestões de analogia entre o Império Romano e o presente pareçam um topos
frequente dos filmes históricos sobre Roma (desde o início do cinema, e no seio mesmo do
cinema industrial), retomado por outros cineastas modernos, como Miklos Jancso, que Glauber
admirava e que fez na mesma época dois filmes italianos sobre a antiguidade romana: La tecnica
e il rito (1971) et Roma rivuole Cesare (1973).
Escritos sobre a obra 261
viagem vai mais longe e mais fundo na visita estridente dos pedestres
Glauber e Juliet a uma favela romana, uma borgata digna de Pasolini,
para falar diretamente a seus habitantes pobres e desconcertados, que
a polícia estava ameaçando de expulsão. Se as viagens do personagem
straubiano apostavam num trajeto planejado com antecedência pelos
cineastas em território conhecido36, e configuravam um gesto cinema-
tográfico medido com o rigor habitual das suas escolhas, a incursão de
Glauber e Juliet é uma aventura em terreno desconhecido, atravessada
pela instabilidade de um gesto desmedido e insólito. Ela pode ser vista
como uma espécie de happening cívico de solidariedade para com os
habitantes ameaçados de expulsão, mas ao mesmo tempo como um exer-
cício de experimentação estilística: toda a segunda metade da sequência
se constrói por sobreimpressão de imagens daquela visita, numa textura
francamente experimental. Ao controle do motorista straubiano sobre
o carro (embreagem, freio, acelerador e volante) e seu entorno (do qual
está separado e protegido pela máquina), o descontrole total da situação
em que Glauber e Juliet se lançam, para se solidarizarem com os ameaça-
dos cuja reação não podem prever, e que os recebem com perplexidade,
encarando muito a câmera e revelando vez por outra certo incômodo.
Enfim, aos planos descontraídos de Straub e Huillet em seu aparta-
mento romano invocando Schoenberg e Brecht (ele fumando no terraço,
ela acarinhando o gato na cama), respondem os planos descontraídos,
mas ainda mais próximos do vivido, de Glauber e Juliet em apartamentos
romanos, fumando, falando, por vezes dançando, ouvindo música, rece-
bendo amigos etc. O filme de Glauber acentua a dimensão existencial de
suas aparições com Juliet, à diferença daquelas de Straub e Huillet, que
ancoravam em seu espaço doméstico uma discussão histórica bastante
circunstanciada sobre Schoenberg e Brecht face à ascensão do nazismo,
mas não revelavam nenhum ímpeto de auto-exposição.
Assim, um exame atento nos mostra que, apesar de reaparecerem
num universo estilístico muito diverso, as questões e as interrogações
presentes nos três filmes dos Straub estão sendo retomadas em Claro.
Neste, outros elementos vêm se integrar, mas tudo se reorganiza a partir
de parâmetros propriamente glauberianos — a oposição entre as intrigas
palacianas e o espaço do povo (presente em Terra em transe, Der Leone,
36. Ver a este respeito a conversa de 1972 dos cineastas com W. Roth e G. Pflaum sobre Lições
de História, publicada originalmente em Filmkritik (n.194, fev. 1973) e traduzida neste catálogo.
Escritos sobre a obra 263
François Albera (Genebra, 1948) Mateus Araújo Silva (Belo Horizonte, 1971)
Historiador, teórico e crítico de cinema. Doutor em Filosofia pela Univ. de Paris I
Professor de história e estética do cinema na (Sorbonne) e pela UFMG. Ensaísta, tradutor
Universidade de Lausanne. Especializou-se no e curador de cinema. Publicou ensaios sobre
cinema soviético dos anos 20-30 (sobretudo filosofia (Platão, Aristóteles, Descartes,
em Eisenstein, do qual é um dos mais eminen- Adorno) e sobre o cinema moderno (Glauber,
tes estudiosos vivos), no cinema francês dos Godard, Resnais, Fellini, Kluge, Paradjanov,
anos 20 e no cinema independente contempo- Oliveira, Bene, Akerman, Pedro Costa).
râneo. Autor de vasta produção bibliográfica, co-organizou os livros Glauber Rocha/Nelson
escreveu entre outros Eisenstein et le cons- Rodrigues (Magic Cinéma, 2005) e Jean Rouch:
tructivisme russe (L’âge d’homme, 1990; trad. Retrospectivas e Colóquios no Brasil (Balafon,
brasileira Cosac Naify, 2002) e L’avant-garde 2010). Estabeleceu e traduziu com Cyril
au cinéma (Armand Colin, 2005), e organizou Béghin a edição francesa de Glauber Rocha,
ou co-organizou entre outros Sergei Eisens- Le Siècle du Cinéma (Yellow Now, 2006),
tein, Cinématisme: cinéma et peinture (Com- e prefaciou a de Ismail Xavier, Glauber
plexe, 1980), Boris Barnet: écrits, documents, Rocha et l’esthétique de la faim (Harmathan,
études, filmographie (Festival de Locarno, 2008). É um dos editores da revista Devires
1985), Eisenstein, le mouvement de l’art (Cerf, (Cinema e Humanidades, UFMG).
1986), Lev Koulechov: l’art du cinéma et autres
écrits (L’âge d’Homme, 1994), Les formalistes Alain Bergala (Brignoles, 1943)
russes et le cinema (1996) e Cinema Beyond Crítico, ensaísta e cineasta francês, profes-
Film. Media Epistemology in the Modern Era. sor da Universidade de Paris III (Sorbonne
(Amsterdam Univ. Press, 2009). Sobre os Nouvelle) e da FEMIS. Colaborador por anos
Straub, escreveu mais de uma dúzia de textos, a fio dos Cahiers du cinéma, dos quais foi
e organizou o volume Hommage à Danièle redator-chefe. Escreveu muitos livros,
Huillet (Université de Lausanne, 2006). dentre os quais Voyage en Italie (Yellow Now,
1990), Nul mieux que Godard (Cahiers du
Adriano Aprà (Roma, 1940) cinéma, 1999), Abbas Kiarostami (Cahiers du
Ensaísta e professor de cinema (Università di cinéma, 2004), Monika (Yellow Now, 2005) e
Roma — Tor Vergata). Realizou alguns filmes, Godard au travail — les années 60 (Cahiers du
foi ator ocasional, diretor de diversos festi- cinéma, 2006). Organizou outros tantos,
vais e retrospectivas de cinema, e da Cineteca dentre os quais Pasolini cinéaste (Cahiers du
Nazionale. Colaborador de diversas revistas, cinéma, hors-série, 1981), Roberto Rossellini,
dentre as quais Filmcritica e Cinema e Film, Le cinéma révélé (Cahiers du cinéma, 1984) e
da qual foi cofundador e editor; escreveu e os dois volumes de Jean Luc-Godard par Jean
organizou vários livros, dentre os quais Per Luc-Godard (Cahiers du cinéma, 1985 e 1998,
non morire hollywoodiani (Reset, 1999), Stelle respectivamente).
& strisce. Viaggi nel cinema usa dal muto agli
anni ‘60 (Falsopiano, 2005), In viaggio con Jean-Claude Biette (Paris, 1942–2003)
Rossellini (Falsopiano, 2006). Realizou Olimpia Cineasta e crítico francês, colaborador dos
agli amici (1970), Rossellini visto da Rossellini Cahiers du cinéma a partir de 1964 e
(1992), Circo Fellini (2010) e All’ombra del cofundador da revista Trafic em 1991, da
conformista (2011). Foi protagonista de Othon qual foi coeditor até 2003. Foi assistente
(1969) de Straub & Huillet, sobre os quais de direção de Pier Paolo Pasolini e dos
escreveu bastante ao longo dos anos, e dos Straub. Dirigiu, entre 1961 e 2002, cerca de
quais organizou o volume italiano Testi cine- 15 filmes, dentre os quais Le théâtre des
matografici (Editori Riuniti, 1992). matières (1977), Loin de Manhattan (1982) e
Saltimbank (2002). É autor dos volumes do século XX; traduziu autores como Goethe,
Poétique des auteurs (Cahiers du cinéma, Proust e Brecht e escreveu, entre outros,
1988), Qu’est-ce qu’un cinéaste? (P.O.L., 2000) I cani del Sinai (De Donato, 1967), obra que
e Cinémanuel (P.O.L., 2001). Escreveu meia inspira o filme Fortini/Cani de Straub e
dúzia de artigos sobre os Straub, em cujo Huillet, além de ter colaborado em revistas
Othon interpretou o papel de Martian. nas quais escrevia Pier Paolo Pasolini.
No Brasil, seu livro Movimento Surrealista
Serge Daney (Paris, 1944–1992) foi publicado pela editora Presença em 1980.
Crítico de cinema, foi redator-chefe dos Foi professor de História da Crítica Literária
Cahiers du cinéma entre 1973 e 1981, colabo- na Universidade de Siena.
rador do jornal Liberátion durante a década
de 80 e fundador da revista Trafic em 1991. Jean Narboni (Orléansville, 1937)
Uma seleção de textos publicados nos Crítico de cinema, foi redator-chefe dos
Cahiers du cinéma no período de 1970 a 1982, Cahiers du cinéma entre 1969 e 1974, onde
entre os quais dois artigos dedicados à obra publicou inúmeros textos sobre os Straub.
de Straub-Huillet, foi reunida no livro La Em 1977 fundou a editora Cahiers du cinéma
rampe (Gallimard, Cahiers du cinéma, 1983), e coordenou suas publicações (entre as
publicado no Brasil em 2007 pela Editora quais La rampe, de Serge Daney e La cham-
Cosac Naify sob o título A rampa. Em 1986 bre claire, de Roland Barthes), bem como os
foi publicada uma coletânea de artigos números “Hors-série” até meados da década
de sua autoria no Libération sob o título de 1980. Autor, entre outros, de Pourquoi les
Ciné-Journal (Cahiers du cinéma). Seus escri- coiffeurs? Notes actuelles sur Le Dictateur
tos foram reunidos também nos volumes (Capricci, 2010); Cinéma et politique: 1956-
Devant la recrudescence des vols de sacs à 1970 (Bpi-Centre Pompidou) e Mikio Naruse,
main (Aléas, 1991) e Le salaire du Zappeur, Les temps incertains (Cahiers du cinéma,
(Ramsay, 1983/P.O.L, 1992). 2006). Foi professor do Departamento de
Cinema da Paris 8 e da FEMIS.
Gilles Deleuze (Paris, 1925–1995)
Filósofo, autor de diversos livros sobre o Dominique Païni (Paris, 1947)
legado de Kant, Bergson, Nietzsche, Spinoza Programador, curador, crítico, ensaísta e
e Foucault, ou sobre a psicanálise, a literatu- produtor de filmes. Colaborador de numero-
ra, o cinema e as artes visuais. Com o psica- sas revistas e publicações (Art Press, Cahiers
nalista Felix Guattari escreveu, entre outros, du cinéma, Cinémathèque, Cinéma, Trafic),
O anti-Édipo. Capitalismo e esquizofrenia dirigiu a Cinemateca Francesa entre 1991 e
(1973) e Mil platôs. Capitalismo e esquizofre- 2000 e foi curador do Centre Georges Pompi-
nia 2 (1980). Sobre cinema, publicou em 1983 dou entre 2000 e 2005. Autor, entre outros,
A imagem-movimento. Cinema 1 e em 1985 de Le cinéma, un art moderne (Cahiers du
A imagem-tempo. Cinema 2. Foi professor da cinéma, 1997), Hitchcock et l’art: coincidences
Universidade de Paris I (Sorbonne) e da fatales (Mazzotta, 2000), Le temps exposé:
Universidade de Paris VIII — Vincennes Le cinéma, de la salle au musée (Cahiers du
(atualmente Saint-Denis), da qual se tornou cinéma, 2002), L’attrait de l’ombre (Yellow
professor emérito em 1987. Now, 2007) e L’attrait des nuages (Yellow Now,
2010). Escreveu diversos ensaios sobre os
Franco Fortini (Florença, 1917–1994) Straub, dos quais coproduziu o filme Pecado
Poeta, tradutor, crítico literário e membro negro (1988) e co-organizou com Charles
da Resistência durante o regime fascista. Um Tesson o volume coletivo Jean-Marie Straub,
dos mais importantes intelectuais italianos Danièle Huillet (Antigone, 1990).
Sobre os debatedores
Realização
Apoio institucional
Centro Cultural Banco do Brasil
Organização
Aroeira
Concepção e curadoria
Produção de cópias
Patrocínio Vinheta
Ernesto Gougain
Fernanda Taddei
Produção executiva
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Coordenador de produção
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Lila Foster (SP)
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Organização do catálogo Agradecimentos
Ernesto Gougain, Fernanda Taddei, Mateus Adriano Aprà, Alain Bergala, Anke Hahn,
Araújo Silva, Patrícia Mourão e Pedro França Anna Schierse, Anne-Marie Faux, Associação
des filmes et leurs sites, Barbara Ulrich, Belva,
Tradução de textos Bénédicte Dumont, Benoît Turquety, Brigitte
Alice Furtado, Ana Siqueira, Bolívar Torres, Veyne, Bruno Safadi, Calac Nogueira, Carolina
Bruno Carmelo, Calac Nogueira, Ernesto Gou- Gougain, Cássio Starling Carlos, Christophe
gain, Fernanda Taddei, Íris Araújo Silva, José Calmels, Cinemateca Portuguesa, Cristian
Eduardo Marco Pessoa, Mateus Araújo Silva, Borges, Daniel Pech, Dominique Païni,
Paloma Vidal, Pedro Guimarães e Tatiana Eduardo Cerveira, Eliana Claudia de Otero
Monassa Ribeiro, Emilio Oliveira, Fabrice Marquat,
Films Sans Frontières, Gabriela Campos,
Revisão de textos Gustavo Beck, Harun Farocki, Ines Aisengart,
Marcos Alvarenga e Rachel Ades Jacques Aumont, Jacques Rancière, Jean
Narboni, Jean-Louis Raymond, Jean-Marie
Tradução de legendas Straub, Jean-Paul Toraille, João Gabriel
Íris Araújo Silva, Calac Nogueira, Camila Paixão, Joice Scavone, José Augusto Taddei,
Bechelany, Maria Leite Chiaretti, Mateus Kinemathek Le Bon Film, L’Agence du court
Araújo Silva e Tatiana Monassa métrage, Les Editions de Minuit, Les Films
du Losange, Libération, Lis Kogan, Manfred
Tradução de Othon, de Corneille, Blank, Michelle Pistolesi, Patrick Villacampa,
para legendas de Os olhos não querem Pedro Costa, Philippe Lafosse, Rachel Ades,
sempre se fechar ou Talvez um dia Roma Simon Koenig, Tatiana Monassa, Thiago Brito,
se permita fazer sua escolha Thomas Oehler e Thomas Petit
Mariana Reis Furst (coordenação),
Manuela Ribeiro Barbosa, Maria Cecília
Ribeiro Barbosa e Roberta Kelly Paiva