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Capitulo Il FATO TiPICO ‘Sumiério - 1. Introdugéo; 2. Conduta; 2.1. Teoria Causalista; 22. Teoria Neokantista; 2.3, Teoria Finalista; 2.4. Teoria social da acéo; 25. Teorias funcionalistas; 25.1. Funcionalismo Teleol6- ico, Dualista, Moderado ou da Politica Criminal; 25.2. Funcionalismo Radical, Sistemico ou Monista; 26. Teoria da Acdo Significativa; 2.7. Caracteristicas ¢ elementos da conduta; 2.8. Causas de exclusdo da conduta; 28.1. Caso Fortuito ou de Forga Mafor; 282. tnvoluntatie- dade; 283. Coaggo fisica imesstvel (vis absoluta); 2.9. Formas de conduta; 29.1. Quanto 8 voluntariedade do agente; 29.1.1. Do crime doloso; 2.9.1.1.1 Espécies de dolo; 29.12. Do «rime culposo; 2.9.1.2.1. Espécies de culpa; 2.9.13 Do crime preterdoloso; 2.912. Erro de tipo; 2.9.2.1. Erto de tipo x Erro de proiblcao; 2.9.22. Ero de tipo: espécies; 29.23. Exo de tipo: ‘questdes complementares; 29.3. Quanto a0 modo de execusao; 2.93.1. Crime comissivo; 2932. Crime omissivo; 2933. Crime de conduta mista; 3. Resultado; 4, Nexo causal 4.1. Conceito; 4.2. Concausas; 4.3. teoria da imputacie objetiva; 43.1. CriacSo ou incremento de tum risco proibido; 4.3.2, Realizagdo do risco no resultado; 43.3. Resultado se encontra dentro do alcance do tipo; 4.4, Causalidade nos crimes omissivos; 5. ipicidade penal: 5.1. Evolucso da tipicidade penal; 52. Tipicidade conglobante; 5.3. Espécies de tipicidade formal: 5.4, penal: elementos e modalidades; 1. INTRODUCGAO. De acordo com o principio da exteriorizagao ou materializagao do fato, ao Direito Penal s6 interessam fatos humanos, pouco importando os acontecimentos da natureza dos quais nao participa o homem. Entretanto, nao sio todos os fatos humanos que ficam na mira do Direito Penal, mas somente aqueles indesejados pelo meio social, nao repro- vados de forma eficaz pelos demais ramos do Direito ¢ que provoquem relevante ¢ intole- ravel lesao ao bem juridico turelado. Havendo um fato humano, indesejado, consistente numa conduta causadora de um resultado, ajustando-se a um tipo penal, deixa de ser um simples fato ¢ passa a ser um fato tipicamente penal (fato tipico). Fato tipico, portant, pode ser conceituado como agéo ou omissio humana, antisso- cial que, norteada pelo principio da intervencao minima, consiste numa conduta produ- tora de um resultado que se subsume ao modelo de conduta proibida pelo Direito Penal, seja crime ou contravengio penal. Do seu conceit extraimos seus elemento: nexo causal, resultado e tipicidade. conduta, 2. CONDUTA YW) A conduta, como acabamos de apresentar, é um dos elementos do fato tipico, e, uma vex ausente, néo se pode falar em crime (nullum crimen sine conducta). Mas o que vem a ser, efetivamente, conduta? Eis aqui uma das mais candentes discusses que percorreu (¢ ainda percorre) 0 Di reito Penal. [MANUAL DE OIREITO PENAL - Parte Geral ~ Rogério Sanches Cunha 2.1. Teoria Causalista A teoria causalista (ou teoria causal naturalista, teoria classica, teoria naturalis- tica ou teoria mecanicista), idealizada por Franz von Liszt, Ernst von Beling ¢ Gustav Radbruch, surge no inicio do século XIX e faz parte de um panorama cientifico mar- cado pelos ideais positivistas que, no Ambito cientifico, representavam a valorizacéo do método cmpregado pelas ciéncias naturais, reinando as leis da causalidade (relacio de causa-efeito). O mundo deveria ser explicado através da experimentagio dos fendmenos, sem espaco para abstragées. Como bem lembram Juan FERRE Ouive, Micuet, Nusez Paz, WILLIAM Terra DE OLtverra e ALEXIS Couto Dé BRIT “O auge do positivismo nas ciéncias penais foi provocado por uma tise de acontecimentos que se sucederam na Europa em meados do século XIX. As transformagées politicas, a Revolugio Industrial e-em geral a efervescéncia social da época, intensificaram mudan- «as nas diversas ordens da vida. Fomentaram-se 0s estudos cienti- ficos, porque se confiava na ciéncia como uma espécie de cébua de salvagio que permitiria a0 ser humano evoluir superando todas as suas peniitias, Mas 0 ponto de partida foi justamente reapresentar © conceito de ciéncia, reservando-o para aquelas parcelas de conhe- cimento que servissem a0 progresso da humanidade. Desce ponto de vista, provalcciam as mateméticas ¢ as cigncias naturais, porque exam exatas € podiam ser observadas pelos sentidos”™. Nesse contexto, também o direito deve atender & exatiddo das cigncias naturais, re- sultando na concepcao clissica de conduta, tida como mero processo causal destituido de finalidade (querer interno). Trata-se de um movimento corporal voluntério que produz uma modificagao no mundo exterior perceptive pelos sentidos". A vontade, na perspectiva causalista, é composta de um aspecto externo, 0 movi mento corporal do agente, e de um aspecto interno, vontade de fazer ou néo fazer (con- teiido final da agio). A agio seria, portanto, composta de vontade, movimento corporal 20. Ob. cit. p. 131 24. Decorre da visio causalista (observar conduta apenas pelos sentidos) a distingdo feita entre tipos normais e tipos anormais. Os tipos normais seriam aqueles compostos estritamente de elementos objetivos, percebidos pelos sentidos. Por sua vez, 0s tipos anormais seriam todas aquelas normas penais que exigissem valoracio, porque compostas de elementos normativos ¢/ou subjetivos. Tais tipos, nao mais percebidos apenas pelos sentidos, justificam seu o nome: anormais. O homicidio, por exemplo, seria um tipo normal: “Iatar alguém” (art. 121 do CP). Os dados constantes desta norma so apreensiveis pelos sentidos humanos, J a falsidade ideoldgica seria um tipo anormal: “Omitir, em documento publico ou particular, declaragdo que dele devia constar [...] com o fim de prejudicar direito, criar obrigagao ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”. (art. 299, CP). As expresses “documento” e “com o fim de” so, respectivamente, elemento normativo subjetivo, porque demandam valoracéo do intérprete no intuito de compreender o seu significa- do. Néo podemos esquecer que 0 causalista construiv sua teoria com base nas ciéncias naturais, confiando na observagao (e ndo valora;io). PARTE? - TEORIA GERALDO CRIME Cap. + FATOTIPICO ¢ resultado, porém a vontade nao esté relacionada & finalidade do agente, elemento ana- lisado somente na culpabilidade. Equa y Agee Processo interno da vontade (sem finalidade); movimento HA oo ; eg es >| corporal que exterloriza a vontade; resultado dessa atua- fata eR) i g30. | Aeae dotosa ou culpo-s ,,$8.(culpabllidade) Contetido da vontade AnifBat, Bono, partidério da teoria causalista, deixa clara as premissas sobre as quais se funda esta corrente: “A ago pode definir-se como um comportamento humano volun- titio que produz uma mocificagio no mundo exterior. [...] Mas a vontade que consticui elemento do conceito é apenas aqucla neces- sitia para fazer do compertamento um ato proprio do agente, isto 6 um acontecer que tem gor impulso causal um processo interno volitivo ¢ nao simples ato r=flexo, Nao importa qual seja 0 contei- do ou 0 alcance dese. vontade, sob 0 ponto de vista normativo. Se cla é eficaz para fazer 0 agente responsdvel, se ¢ ilicita, se o agente tem consciéncia dessa ilicitude, esses jé séo problemas da culpabili- dade. A sua vontade, insuf.ciente para fundamentar a culpabilida- de, basta para constit.tir ¢ elemento subjetivo da agio””. Para a teoria causalista, 0 conceito analitico de crime é composto por trés partes: fato tipico, ancijuridicidade ¢ culpabilidade. E, portanto, tripartite. Com efeito, é somente no terceiro substrato do crime que se deve analisar, segundo causalismo, 0 dolo ou culpa. A culpabilidade, conceituada como vinculo psiquico entre 0 autor ¢ © resultado, seria composta de dois elementos: a imputabilidade e a culpabilidade dolosa ou a culpabilidade culposa. ‘J& que a culpabilidade é 0 elemento valorativo do conceito de crime causalista, o dolo sere denominado de dolo normative (em oposi¢a0 aos finalistas, que adotaréo 0 dolo natural). + Conduta (sem finalidade) + Resultado + Nexo causal ‘+ Formal presenca ou nao de | * Imputabilidade causa excludente + Dolo ou culpa (finalidade) + Tipicidade Diversas sao as criticas tecides ac causalismo: (i) Ao conceituar agio como mov:mento humano causador de uma modificagéo no mundo exterior, esta teoria néo explica de maneira adequada os crimes omissivos, bem como os delitos sem resultado (formais ¢ de mera conduta); 22. Ob. cit, p. 296299. (MANUAL DE DIREITO PENAL - Parte Geral - Rogério Sanches Cunha (eo) (ii) Nao hé como negar a presenga de elementos normativos e/ou subjetivos no tipo penal ‘Ao fazer a andlise do dolo ¢ culpa no momento da culpabilidade, néo hd como distinguit, apenas pelos sentidos, a lesio corporal da tentativa de homicidio, j4 que a finalidade do agente nao é analisada quando da pesquisa da conduta. O comportamento de quem quer ferir é, para os sentidos, 0 mesmo de cuem quer matar e ndo consegue. (iv) E inadmissivel imaginar a agéo humana como um ato de vontade sem finalida- de. Toda agao humana é dirigida a um fim, existindo sempre uma relacio psiquica entre conduta ¢ resultado; Crime E ato voluntério contrério ao direito, culpavel e sancionado com uma pena. Estrutura do | ¢t6 tipico + Antijuridicidade + Culpabiicade crime A aco integra 0 fate tipico e é definida como movimento corporal voluntério Fato Tipico | que causa modificag3o no mundo exterior. E elemento objetivo, no admitindo qualquer valoraca0 Elemento objetivo. € a conduta tipica sotre a qual nao incide nenhuma causa de Antijuridicidade | «.sficacdo (valoragie objetiva de um fato natural) Elemento subjetivo. Constituida por dolo 2 culpa (suas espécies), além da imputa- Culpabilidade | siidade (culpabilidade psicologica ~ valoracao psicotégica do autor do fato) Desconsidera que toda aco humana e dirigida a uma finalidade; nao explica de Criticas | maneira adequada os crimes omissivos, formais e de mera conduta; desconsidera 95 elementos normativos e 0s elementos subjetivos do tipo} 2.2. Teoria Neokantista A teoria neokantista tem base causalista (por isso é também denominada de teoria causal-valorativa) ¢ foi desenvolvida nas primeiras décadas do século XX. ‘Tendo como maior expoente Edmund Mezger, fundamenta-se numa visio neoclassica marcada pela superacio do positivismo (o que nio significa a sua negagio) através da introdugéo da racionalizagao no método. Trazemos a baila, mais uma ver, as ligoes de Juan Ferré Ouvé, Micuet, Nunez Paz, WituiaM Terra DE OLtveirA ¢ ALexts Couto DE Brito: “O positivismo juridico havia realizadc uma mudanca metodo- légica muito importante para poder ser considerado cientifico. © modelo LISZT-BELING implicou na aparigéo do causalismo naturalista: 0 delito estruturava-se sobre uma a¢éo ou movimento corporal que produ. uma modificagio no mundo exterior percep- tivel pelos sentidos. A partir deste ponco constrdi-se um sistema de responsabilidade penal aplicando-se um método similar ao das citncias naturais ou exatas, Estas ideias séo objeto de uma forte critica por parte do neokantismo. Pergunta-se se € possivel apreciar toda a realidade com ajuda do método das cigncias naturais. A resposta PARTE? + TEORIA GERAL.OO CRIME Cap.tt + FATOTIPICO € negativa, porque as ciéncias naturais somente permitem explicar parcialmente a realida- de: aquilo que igualmente se repete. Todavia, nao explicam os tracos que fazem relevantes um objeto em sua individualidade. Por esse motivo, junto as ciéncias cientifico-naturais, devem existir outras: as ciéncias do espitito, conceito que compreende as ciéncias da cultura, ¢ entre elas, o direito. Essas ciéncias confrontam os dados da realidade com os valores da comunidade. No direito existiria uma referéncia permanente ao mundo dos valores, j4 que se recorre ao valor Justiga. Isto marca as diferencas entre as ciéncias do set (naturais ¢ exatas) e do dever ser (cultura, direito)”™. Deste modo, a teoria neokantista representa a substituico dos valores experimenta- listas, proprio das ciéncias naturais, pelos valores metafisicos, ou seja, pela valoracéo dos fendmenos (método axiolégico). Trata-se de um rompimento com o monismo metodolé- gico do positivismo, que acreditava que todas as ciéncias deveriam ser analisadas através de uma mesma forma de observacio (a forma causal). A teoria neokantista nao altera a estrutura do conceito analitico de crime, com- preendendo-o, também, como fato tipico, antijuridico ¢ culpavel. A conduta permanece sendo elemento do fato tipico, porém mais abrangente, aparecendo no como ago, mas comportamento, englobando a omissdo. Também se deve a esta teoria a admissibilidade de valoracao na tipicidade, motivo pelo qual os tipos penais compostos de elementos nao objetivos nao séo mais vistos como “anormais”. No ambito da antijuridicidade, antes vista como elemento meramente formal, ha uansfonuayées. onde nao houver leséo de interesse alguin, nay haverd antijuridicidade, Em outras palavras, a antijuridicidade tem um aspecto material. Por sua vez, a culpabilidade foi bastante enriquecida pelos neoclissicos. Com 0 autor alemao Reihnart Frank, erigiu-se a teoria psicolégico-normativa, segundo a qual dolo ¢ culpa nio séo espécies de culpabilidade, mas sim elementos auténomos deste substrato, 20 lado da imputabilidade e da exigibilidade de conduta diversa. Por sua vez, 0 dolo teria como elemento a consciéncia atual da ilicitude (dolo normative). Com essa estruturagéo, a culpabilidade é compreendida nio apenas como um vinculo entre o agente ¢ o resulta- do, mas também como um juizo de reprovacao ou censurabilidade. De forma sintética, analisa JUAREZ CiRINO Dos SANTOS qu “A desintegracio do sistema eldsico do fato punivel do modelo cau- sal de aco originou o atual sistema neo-cléssico de fato punivel, um produto da reorganizacao teleoldgica do modelo causal de agio segundos fins e ualores do direito penal: 0 conceito de agao deixa de ser apenas naturalisra para set, também, normutivo, redefinindo como comportamento humano voluntdrio; a tipicidade perde a natu- reza de livre-de-valor para incluir elementos normativos, como docu- mento, motivo torpe etc., ¢ elementos subjetives, como a intengio de apropriacéo, no furto € até mesmo o dolo, na tentativa; a anti- juridicidade indica nao apenas infragio formal da norma juridica, 23. Ob. cit. p.139 [re MANUAL DE DIREITO PENAL ~ Parte Geral - Rogério Sanches Cunha mas o significado material de dano social, admitindo graduagao do injusto conforme o valor lesionado; a culpabilidade, sensivel a juizos de valor, se estrutura como conceito psicolégico-normativo, com a reprovacio do autor pela formagio de vontade contréria a0 dever: somente comportamentos reprovaveis podem ser atribuidos 4 cul- pabilidade do autor”. ‘© Aspecto material: danosidade social Conduta (sem finalidade) Resultado * Nexo causal + Imputabilidade © Exigibilidade de conduta di- versa * Dolo (elemento: consciéncia atual da ilicitude) + Culpa Tipicidade Embora represente uma evolucao & teoria causalista, a teoria neokantista, justamente por se basear naquela para a construsio de seus pressupostos, foi criticada por (i) ser contraditéria 20 reconhecer elementos normativos ¢ subjetivos do tipo; (ii) permanecer considerando dolo e culpa como elementos da culpabilidade. Grime | Adota 0 conceito de delito do naturalismo, agregando ao tipo dados valorativos. Estrutitta 49/1) cto tipico + Antijuridicidade + Culpabilidade crime Fato ‘Ao invés de aco, prefere-se comportamento (abrangendo omisso), no mais Tipleo __| neutra, expressando uma valoracéo negativa da lei igindo danosi fal (antijuridic z Antiluriscidade | 2¢%2 d€ Ser puramente formal, exgindo danosidade socal (antjuridiidade ma terial) : Deixa de ser psicolégica e passa a ser psicoldgica-normativa (dela faz parte a exi: Culpabilidade.. | gibilidade de conduta diversa). Passa a ser também juizo de censura, Partindo de conceitos naturalistas, ficou contraditéria quando reconheceu ele- Criticas mentos normativos e subjetivos no tipo. 2.3. Teoria Finalista A teoria finalista ou final representa verdadeira evolucao na andlise da conduta e dos elementos do crime. Criada por Hans Wetzet em meados do século XX (1930-1960), a teoria finalista concebe a conduta como comportamento humano voluntario psiquicamente dirigido aum fim. A finalidade, portanco, é a nota distintiva entre esta teoria ¢ as que the ante- cedem. E ela que transformard a acéo num ato de vontade com contetido, ao partir da 24, A moderna teoria do fato punivel. Curitiba: Forum, 2004, p. 13-14. Cap.» FATOTIPICO premissa de que coda condura é otientada por um querer. Supera-se, com esta nosio, a “cegucira” do causalismo, jé que o finalismo € nitidamente “vidente”®. Explica Jonce be Ficurirepo Dias: “A verdadeira ‘esséncia’ da acco humana foi encontrada por Welzel na verificagéo de que o homem dirige finalisticamente 0s processos causais naturais em diego a fins mentalmente antecipados, esco- thendo para o efeito os meias correspondentes: toda a acco hu- mana é assim supradeterminaséo final de um processo causal. Eis a natureza ontolégica da acco, a pattir da qual todo o sistema do facto punivel haveria de ser construido”®, Os finaliscas entendem o crime como fato tpico, antijuridico ¢ culpavel”. A grande mudanga estrutural se opera realmente na culpabilidade. De fato, dolo ¢ culpa migram para o fato tipico, o que rendeu criticas a0 finalismo — que teria “esvaziado” a culpabili- dade. Nesse contexto, assevera HELENO CLAUDIO FRAGOSO que: “A evolugio se processa no sentido de excluir da idéia de culpa elementos psicoldgicos, reduzindo-a a conccito normativo. Isso se faz com a transferéncia para o tipo ¢ 2 antijuridicidade de certos elementos subjetivos [...] e, sobretudo, com a observacéo de que na culpa cumpre distinguir a valoragio do objeto ¢ 0 objeto da valoracio (Graf zw Dehna). O dolo (destacado da consciéncia da ilicitude, que € momento normativo) integra a conduta tipica, ilicita, ou seja, integra 0 objeto valorado ¢ nao pertence 3 culpa bilidade.””* Ao migrar para 0 fato tipico, o dolo passa a ter dois elementos: consciéncia ¢ von- tade. O tipo, por sua vez, passa a ter duas dimensées: a dimensdo objetiva (conduta, resultado, nexo ¢ adequacio tipica) ¢ a dimens4o subjetiva, representada pelo dolo ou pela culpa. ‘Ao se destacar da consciéncia da ilicitude, alocada como elemento proprio na culpa~ bilidade, 0 dolo perde o seu elemento normativo. Por este motivo é que, no finalismo, 0 dolo é natural (despido de valoracao), ¢ o dolus bonus. Contrapée-se, portanto, & pers- pectiva causalista do dolo normativo, do dolus malus. 25. Dizia-se “cego” o causalismo perque a conduta, para esta corrente, nao enxerga nada ~ no se des- tina a um fim, 26. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal-Parte Geral Tomo |. So Paulo/Coimbra: Revista dos Tribu- nais/Coimbra Editora, 2007, p. 245. 27. No Brasil surge o finalismo bipartite (dissidente), ensinando que o crime é composto de apenas dois substratos: fato tipico e antijuridicidade. Para os dissidentes, a culpabilidade ndo compée o crime, apresentando-se como mero pressuposto de aplicag3o da pena, um julzo de censura. Vamos estu- dar melhor essa discussao no tema culpabilidade. 28. Ligdes de Direito Penal. Ob. cit., p. 240. MANUAL DE DIREITO PENAL ~ Dolo normative (dolus matus) Dolo natural (dolus bonus) » Consciéncia da conduta ® Vontade de praticar a conduta dirigi 63 a uma finalidade * Consciéncia atual da ilicitude * Vontade de praticar a conduta Localizagao no: concelto analitico: | * Culpabilidade » Fato tipico de crime As mudangas sofridas revelam a adogio, pelos finalistas, da teoria normativa pura da culpabilidade. A culpabilidade passa a representar me-amente um juizo de reprovacio, uma valoragio que se faz sobre a conduta tipica e ilicita do agente, cujos elementos seréo a imputabilidade, a consciéncia da ilicitude ¢ a cxigibilidade de conduta dive:sa. O finalismo é adotado pela maioria da doutrina brasileira, que entende ser a teoria adotada pelo Cédigo Penal”, Nao obstante, é também cbjeto de algumas criticas: (i) O finalismo concentrou sua teoria no desvalor da conduta, ignorando o desvalor do resultado. Gi) A teoria nao explica a contento 0 crime culpaso, pois nao se concebe a acio dirigida a um fim quando a resuiltada nariralistica é invahincério. Em contraponto, ar- gumenta-se que também a condura culposa ¢ orientada por uma finalidade, embora licita, decorrendo o resultado ilicito culposo dos meios eleitos pelo agente para alcangar aquela finalidade. Por isso, a reprovagio nao recai sobre a finalidade da conduta, mas sobre os meios de que o agente langou mao e que indiquem a -mprudéncia, a negligéncia ou a impericia. Buscando compatibilizar a teoria final aos crimes

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