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Biografando ou historiografando o samba?

*
Lena Benzecry

1.Introdução:

Este artigo está apoiado em alicerces construídos ao longo do curso de mestrado em Memória
Social da Unirio. A dissertação defendida, Das rodas de samba às redes do samba:
mediações e parcerias que promoveram o gênero musical à sociedade de consumo,1 teve
como objetivo investigar a importância das parcerias entre os músicos do povo e da elite
carioca no processo de legitimação do samba e, por conseguinte, na penetração do ritmo na
indústria cultural e nos meios de comunicação de massa.
Para alcançar esse objetivo, foi feito um recorte temporal referente à primeira metade do
século XX e foram estudadas as trajetórias de vida de cinco personagens da história do samba.
São eles: o compositor e pianista conhecido popularmente como Sinhô, o Rei do Samba; o
cantor Mario Reis, um revolucionário do modo de cantar brasileiro e inspirador do estilo
bossanovista; Francisco Alves, cantor reconhecido pelo timbre potente, o tino para a escolha
de repertório e a vocação empresarial que trouxe o samba para o mundo do show business;
Ismael Silva, compositor que se destacou entre os sambistas do Estácio de Sá, reconhecidos
historicamente por inventarem o samba marcado; e Noel Rosa, cuja vasta criação musical
imprimiu um novo padrão de qualidade textual aos sambas.
A metodologia utilizada foi inspirada na Micro-História e no Método Biográfico em Pesquisa
Qualitativa. A primeira refere-se à vertente da história voltada para o indivíduo comum e seus
micro-universos. Não mais destinada ao estudo das grandes estruturas e modos de controle,
dos grandes conflitos e heróis, esta vertente deu voz às situações particulares que revelam a
maneira como os indivíduos produzem o mundo social em que vivem (CHARTIER, 1994). O
Método Biográfico em Pesquisa Qualitativa, por sua vez, preconiza que “cada vida pode ser
vista como sendo, ao mesmo tempo, singular e universal, expressão da história pessoal e
social, representativa de seu tempo, seu lugar, seu grupo” (GOLDENBERG, 1997, p.36).
Ao longo do processo de recolhimento de dados e fontes, as narrativas biográficas ganharam
valor inestimável, devido à grande oferta no mercado editorial e, principalmente, à qualidade
informacional que possuem. Especificamente sobre o universo do samba, pôde-se perceber

* Mestre pelo Programa de Memória Social da Unirio, bolsista Capes entre 2006-2008.
1
Orientada pelas professoras Lucia Maria Alves Ferreira e Diana de Souza Pinto, em consonância com os
interesses da linha de pesquisa de Memória e Linguagem.
2

um crescimento galopante dessas narrativas em todos os meios de comunicação,2 conforme


apontam diversos estudos sobre o tema (HERSCHMANN e PEREIRA, 2003). Nesse
contexto, biografias, autobiografias, alguns escritos pessoais e o que denominei de
“reportagens de cunho memorialístico” compuseram o corpus da pesquisa.
A fundamentação teórica da pesquisa foi baseada no confrontamento de duas correntes de
pensamento: a primeira coloca em suspeição o uso de histórias de vida no universo
acadêmico, por não acreditar, por exemplo, que uma vida possa ser resumida em uma
narrativa, representada por Bourdieu (1986); a outra, representada por Schmidt (2000),
considera que houve uma mudança na forma de se conceber as narrativas biográficas, onde,
por exemplo, o caráter apologético deu lugar ao caráter historiográfico. Corroborando com
esta corrente, outros autores se mostraram fundamentais: Gilberto Velho (2003), para quem o
boom biográfico está associado à necessidade de se atribuir sentido às experiências
individuais na sociedade moderno-contemporânea; Contardo Calligaris (1998), que relaciona
os “atos biográficos” com o desejo do homem contemporâneo de sobreviver na memória do
outro, numa sociedade globalizada, marcada pela efemeridade; e Ângela de Castro Gomes
(2004), cuja produção bibliográfica evoca, dentre outras questões, o potencial das narrativas
biográficas como fonte de reconstituição das relações sociais, destacando não apenas as
biografias e autobiografias, mas também: os diários, os cadernos de memórias e as
correspondências.
Apesar da expansão alcançada pelo conceito de “narrativa biográfica”, de acordo com os
autores supracitados, o aporte teórico da pesquisa abrangeu com maior ênfase questões
referentes às biografias, em detrimento de outros tipos de narrativas. Em virtude disso, veio à
tona a necessidade de dar voz aos produtores do corpus que estava sendo colocado em
questão e, por isso, foram também incorporadas à pesquisa entrevistas com alguns biógrafos
3
do mundo do samba .
Com base nos recursos e metodologias utilizados pelos entrevistados para recompor uma
história de vida, uma época, um tempo, foi possível conhecer o processo de produção
biográfica. Ao dar voz a esses autores, pude desenvolver algumas reflexões acerca dos
diversos papéis desempenhados pelo biógrafo contemporâneo e sobre a aproximação entre o
gênero biográfico e a história do samba. Na ocasião, ao serem analisadas sob a égide da

2
No último triênio, contamos com sucessos de público e crítica como o filme Cartola, música para os olhos, de
Lírio Ferreira e Hilton Lacerda; os livros sobre Clara Nunes, guerreira da utopia e Carmen – uma biografia,
escritos respectivamente por Vagner Fernandes e Ruy Castro; e a reedição da série de programas televisivos
Ensaio, nos quais personagens como os sambistas Zé Keti, Adoniram Barbosa e Roberto Ribeiro foram tema.
3
Carlos Didier (Noel Rosa e Orestes Barbosa); Luís Antônio Giron (Mario Reis) e Sérgio Cabral (Pixinguinha,
Almirante, Ari Barroso, entre outras).
3

Memória Social, as entrevistas permitiram enxergar aqueles biógrafos como catalisadores de


memórias esparsas. Mais que isso, como mediadores entre as memórias referentes aos
personagens do samba e a sua inscrição na historiografia do gênero. Afinal, de que outras
fontes dispomos, além das narrativas de vida, para conhecer a história do samba?

2.Com a palavra, os biógrafos do samba:

Alguns pontos comuns foram observados ao longo das entrevistas. Entre eles, destaco
primeiramente o fato de todos os entrevistados terem se declarado preocupados em
contextualizar a época vivida pelos seus biografados, na hora de reconstituir suas histórias de
vida. O jornalista Sérgio Cabral, por exemplo, ao ser questionado sobre o porquê de ter
escolhido o gênero biográfico para se especializar, respondeu:
– Primeiro, porque eu tenho a pretensão, e pretensão é a palavra adequada, de
escrever a história da música popular brasileira através de seus personagens. E
depois, porque gosto muito de estar em contato com essas pessoas. (...) Em minha
opinião, a música brasileira são eles. Além disso, a biografia permite falar sobre a
época, falar sobre as coisas que existiam, como eram as emissoras de rádio... O
livro do Almirante4, por exemplo, pode ser uma pequena história do rádio, mas tá
ali, uma história do rádio.

Apesar de distante dos debates acadêmicos sobre a micro-história, Cabral abordou naquele
momento a possibilidade de se conhecer uma história maior – a da música popular brasileira –
a partir das histórias de vida de seus personagens; mais especificamente, de se falar sobre uma
determinada época – a do nascimento do rádio – a partir da trajetória de Almirante. Em outro
momento da entrevista, ao ser questionado se, após tantas experiências, já havia encontrado
uma fórmula para o desenvolvimento de biografias, revelou:
– Na verdade, o que eu sou é repórter. Então eu uso o que eu aprendi na
reportagem. O que eu quero saber das pessoas? O que eu devo fazer pra descobrir,
para conhecer melhor aquela pessoa... Até o ponto de poder escrever sobre ela! Eu
vou falar com amigos, pessoas que a conheceram. Vou procurar documentos, vou
colher jornais, enfim, vou às fontes que vão me ajudar a conhecer melhor o
biografado.

No livro No tempo do Almirante, mencionado pelo autor, a trajetória de vida do


personagem central é narrada em paralelo com a história do rádio e da música popular
brasileira e nos fornece uma fonte de relevante consulta histórica. Conforme exemplificado no
trecho a seguir:
O jovem Henrique5 ainda era estudante, quando foi testemunha de uma
experiência histórica: a primeira transmissão de rádio realizada no Brasil, no dia

4
No tempo de Almirante – Uma história do Rádio e da MPB, Ed. Lumiar e Chediak Arte &Comunicação, 2ª
edição (revista e ampliada), 2005, Rio de Janeiro.
5
Henrique Foreis é o nome do radialista que se consagrou como Almirante.
4

7 de setembro de 1922, durante inauguração da Exposição do Centenário da


Independência (...) Foi um acontecimento que causou uma impressão muito forte.
(...) No dia da inauguração houve desfile de préstitos das grandes sociedades
carnavalescas (...)
Um telefone alto-falante irradiou, no recinto da exposição, a palavra do
presidente da República Epitácio Pessoa, além de óperas transmitidas diretamente
do Teatro Municipal e do Teatro Lírico. Aqueles primeiros ouvintes de rádio do
Brasil foram contemplados, ainda, com várias conferências, destacando-se a do
médico e professor José Paranhos Fontenelle, sobre higiene (...) (CABRAL, 2005:
21-23). [Grifo meu].

Como é possível perceber, Cabral expande a sua narrativa para além das homenagens ao
biografado e com um texto repleto de dados históricos, nos serve de exemplo sobre os
avanços qualitativos da narrativa biográfica. Note-se a inserção do biografado no contexto da
história do veículo que o consagrou profissionalmente. Cabral pontua as condições técnicas da
primeira transmissão de rádio no Brasil; traduz para o leitor o clima da cidade com o
acontecimento, ao mencionar o desfile de préstitos; e indica o conteúdo da transmissão
(discurso presidencial, óperas e conferências educativas). Assim como ele, Carlos Didier, co-
autor, ao lado do jornalista João Máximo, do livro Noel Rosa, uma biografia (1990), trouxe
importantes contribuições para a pesquisa realizada. O livro produzido pelos autores foi a
terceira biografia já escrita sobre o Poeta da Vila. Em virtude disso, se preocuparam em trazer
a público informações ainda não divulgadas sobre o biografado.
– Acordamos que só escreveríamos a biografia se encontrássemos, pelo menos,
50% de informações inéditas sobre Noel. (...) Começamos relendo tudo o que havia
sido publicado sobre Noel Rosa: os dois livros de Jacy Pacheco e o de Almirante.
(...) Em fevereiro (de 1981), encontramos e entrevistamos Ceci. Veio à tona o
triângulo amoroso Noel Rosa-Ceci-Mário Lago. Dois meses depois, não havia
dúvidas sobre o ineditismo da pesquisa. Aliás, estimo que encontramos uns 70, 80%
de informações novas sobre Noel. Até porque, a infância e adolescência não
haviam sido exploradas por Almirante e Jacy6. E nós dedicamos muitos capítulos
do livro para falar do Noel de antes de Com que roupa? (...) Nós começamos pelos
antepassados de Noel. [Grifo meu].

A declaração de Didier refere-se à importância da qualidade da informação para o biógrafo.


Mais do que falar sobre Noel Rosa, importava aos autores um diferencial sobre o qual falar.
Isto é, uma biografia de cunho apologético a Noel poderia ser feita a qualquer momento, mas
uma narrativa com requintes de conteúdo era o que interessava.
Sob o ponto de vista metodológico, Didier informou que, por não possuírem uma
referência específica, os autores optaram por criar sua própria fórmula:
– (...) uma das primeiras perguntas que nos fizemos foi: "Existe um
método para biografias?". Eu corri atrás, ele [João Máximo] também.

6
O Almirante mencionado por Didier é o mesmo biografado por Cabral. Ao longo de sua vida, Henrique Foreis
atuou como cantor, pandeirista, radialista, pesquisador e biógrafo. O outro é Jacy Pacheco, poeta, bancário e
primo de Noel Rosa, autor do livro: Noel Rosa e sua época, Ed. G.A. Penna, 1955, Rio de Janeiro.
5

Nadda. Engenheeiro de prod dução que so ou, comprei o livro Mettodologia daa
Pesqquisa Científ
ífica, João trrouxe a expeeriência delee de excelentte jornalista.
Misturamos tuddo e tocamoss o bonde. Bolei um gráf áfico com doois eixos. Noo
eixo
o x nós com meçamos a enumerar
e oss tópicos daa vida de Noel
N a seremm
pesqquisados e n no eixo y asa fontes on nde iríamos buscar as informações
i s
sobrre aqueles ttópicos. (...)E
E saímos emm busca desssas fontes. (...)o
( gráficoo
ficava assim. PPor exemplo: tópico sob bre a infânccia como alluno do Sãoo
Bento. Quem pooderia falar sobre este assunto?
a Íammos lá e marrcávamos oss
proffessores quee ainda estavvam vivos, co olegas de turrma de Noell etc. Tópicoo
Noeel no rádioo, marcávam mos, por exemplo,
e Siilvio Caldass. E assim m
suceessivamente. Dessa form ma o gráfico servia tambéém para deffinir a pautaa
das entrevistas. Sabíamos qu ue assunto trratar com caada fonte. [Grifo meu].

Abaiixo, apresennto uma sim


mulação do ggráfico desccrito pelo en
ntrevistado:

Figura 1: Representaçãão gráfica do método


m de pessquisa adotadoo por
MÁX XIMO e DIDIE ER em Noel Rosa,
R uma biog grafia (1990)..

O deepoimento de Didier indica a reelevância das


d fontes orais
o para a pesquisa biográfica..
tornoou-se uma espécie de pergunta-cchave para os autores a questão: Quem pod
deria falarr
sobrre tal assunto?

De conversaa em conveersa se tece uma rede


2.1 D
Recoolher o deppoimento dee quem connviveu com
m o biografaado é conddição sine qua
q non noo
proceesso de preeparação dee uma biogrrafia. Estarr em contatto com as ppessoas quee estiveram
m
preseentes, tantoo em momeentos imporrtantes, quaanto corriqu
ueiros da vvida dos peersonagens,,
pessooas que sejaam capazes de descreveer o temperramento, as idiossincraasias ou, sim
mplesmente,,
que ppossam infoormar a marrca do cigarrro, a comid
da ou o tipo
o de roupa ppreferidos, é vital paraa
o proocesso criattivo do bió
ógrafo. São dessas memórias quee os biógraffos se alim
mentam paraa
merggulhar na vida do biogrrafado e dessse mergulh
ho, só emerg
ge com o livvro pronto, se
s tanto!
Didieer e Máxim
mo foram meticulosos
m nas entrev
vistas e pro
ocuravam ab
absorver o máximo
m dee
pecuuliaridades sobre
s Noel.
6

– (...)Fomos ao Colégio São Bento, à Biblioteca Nacional, ao MIS e às pessoas que


ainda podiam falar sobre Noel. Nesse ponto, aliás, a biografia foi muito feliz,
porque pudemos entrevistar Cartola e Mario Reis , pouco antes de morrerem. (...)
Para Silvio Caldas, selecionamos os tópicos Teatro, Zona do Mangue, Lamartine
Babo, Chico Alves, Erastóstenes Frazão e João Petra de Barros. Para Braguinha,
doença e morte, Bando de Tangarás, Cinema e o próprio João de Barro. Algumas
das fontes são também tópicos. Para Aracy de Almeida, Cinema, Chico Alves e
Aracy de Almeida. Para o tópico Zona do Mangue, além de Silvio Caldas, Newton
Teixeira, Jota Efegê, Zé Pretinho. Para Cinema, além de Braguinha e Aracy de
Almeida, Alex Vianny, Joel de Almeida, Humberto Mauro, Embrafilme e No Tempo
de Noel Rosa7. Para Bando de Tangarás, além de Braguinha, No Tempo de Noel
Rosa que traz o depoimento de Almirante.

O biógrafo Luís Antônio Giron, que viveu a experiência de biografar o cantor Mario Reis,
também trouxe importantes contribuições para este trabalho. Seu depoimento colaborou para
enriquecer a teoria sobre a preocupação dos biógrafos em desvelar os grupos sociais aos quais
os biografados pertenciam e sobre o processo de desenvolvimento da pesquisa e de caça às
fontes, Giron afirmou:
– (...) Qual é a questão aí do Mario Reis “sociológico”, vamos dizer assim. Ele é o
primeiro grã-fino, o primeiro cidadão de classe alta a gravar samba com o seu
nome. Antes você não tinha isso. (...) Ele foi o primeiro a cantar samba, a rigor, em
1939, no Teatro Municipal com o show Joujous e Balangandans. Ali ele já tinha
feito a elevação do samba, como queria o Sinhô, aos salões (...).
Foram cinco anos desde a idealização até a realização. (...) Eu tinha trabalhos já
realizados que foram incorporados, tive a sorte de entrevistar Aracy de Almeida,
Silvio Caldas. Silvio Caldas, aliás, é um dos cantores lançados por Sinhô. Ele me
contou que Sinhô, por ter aquele problema de tuberculose, tinha um fôlego curto,
por isso que ele cantava daquele jeito. E se você for observar uma gravação do
Silvio Caldas você verá que é de fôlego curto, ao estilo do Sinhô.

Para Cabral, biografar, recriando o universo vivido pelo personagem é possível graças ao
depoimento de quem conviveu com ele:
– Eu me lembro quando eu escrevi sobre a Elisete, a Elisete era muito pobre, muito
humilde e, no início da carreira dela, ela vivia no meio dos caras, daqueles
compositores mais humildes da Pça. Tiradentes... que era Bucy Moreira, é...
Grande Otelo, Wilson Baptista e outros, J. Piedade e tal... Raul Marques... Então,
como a Elisete freqüentava aquele mundo, eu resolvi escrever no livro, como eram
as vidas desses caras. O que era oferecido a esses caras... baseado, em quê? Em
depoimentos que eles me deram. Isso me permitiu falar da pensão de corda. Você
sabe o que é pensão de corda? Esses caras todos e até Nelson Cavaquinho, de vez
em quando, iam dormir lá. A pensão de corda é o seguinte: uma pensão que ficava
perto da Central do Brasil, na Senador Pompeu, se não me engano, que era uma
sala grande. O sujeito botava uma corda na diagonal. Ao lado, botava um banco. O
sujeito chegava lá, sentava no banco, encostava na corda e dormia... De manhã, o
cara soltava a corda para acordar todo mundo, porque tinha que preparar a pensão
pro almoço.

A caça às fontes se traduz para Cabral como uma experiência emocionante e até mesmo
neurótica:

7
Note-se que entre diversas fontes orais, Didier destacou ainda: a Embrafilme e o livro “No tempo de Noel
Rosa”, biografia escrita por Almirante. O personagem que mais tarde seria biografado por Sérgio Cabral.
7

– (...) É uma alegria e eu gosto dessa emoção de conviver. Na verdade, a gente fica
meio neurótico. Só pensa naquilo. Eu disse isso uma vez, numa palestra, com o Ruy
Castro. E o Ruy completou com uma coisa que realmente é verdade. Ele disse: - O
biógrafo pensa que vai se apoderar da alma do biografado, mas é exatamente o
contrário que acontece.

Ao parafrasear o colega Ruy Castro, Cabral mencionou outra rede de relações sociais
fundamental na constituição da historiografia do samba: a dos próprios biógrafos. Deixando
claro que é preciso que os biógrafos “visitem” uns aos outros e, desse modo, busquem as
lacunas a serem preenchidas na trajetória de vida de seus personagens, tal como Máximo e
Didier buscaram fazer quando se aventuraram a escrever a terceira biografia sobre Noel Rosa.
É relevante notarmos que enquanto certos personagens do mundo do samba são tão
rememorados, a ponto de já terem sido tema de três biografias, outros sequer recebem um
perfil no jornal por ocasião de seus centenários ou fato parecido. Elenco, portanto, algumas
questões a serem trabalhadas pelos pesquisadores interessados em contribuir com a
historiografia do samba: quem são os sambistas que estão no hall dos biografados e por
quê? Por que algumas histórias de vida são legitimadas e outras apagadas? Quais os
efeitos desse apagamento na constituição da historiografia do samba? Quais os efeitos
dos discursos produzidos pelos biógrafos do samba no imaginário coletivo, considerando
que se trata de um símbolo da identidade cultural brasileira?
8

4. Referências bibliográficas

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Lumiar e Chediak Arte &Comunicação, 2ª edição (revista e ampliada), 2005.

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