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156 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA Topénimos indigenas dos séculos 16 e 17 na costa cearense TH. POMPEU SOBRINHO A toponimia indigena antiga da costa do Ceard oferece interessante feigao historica, somente superada quando se considera em conjunto a to- ponimia geral, que compreende aspecto muito mais variado e elucidativo. Esta, realmente, consta de nomes portuguéses, francéses, espanhois, it: lianos, asidticos e amerincolas, de procedéncias diversas. ‘As denominagées locais surgiram, alteraram-se ou desapareceram, fo- ram uma ot mais vezes substituidas por outras de igual ou diversa origem, uma ordem detetminada, sob 0 estimulo de circunstancias mais ott menos bem conhecidas. Dai o revelarem elas, nesse dinamismo histo dios de que se nao tinha ainda conhecimento, confirmar situarem e esclarecerem outros até agora mal apontarlos pel cronistas. Mesmo dentro do setor puramente indigena, muito mais estreito, a to- ponimia das nossas costas comporta surpresas histéricas relativamente importantes ¢ quase sempre muito curiosas, Sumariamente desejan apontar algumas, salientando as mais importantes, mas seri o desenvolyi- mento que a matéria comporta e merece. * + ox Os vellios topénimos indigenas da costa do Ceara, considerada lo delta do rio Parnaiba @ foz do rio Apodi, podem ser enquadrados dentro de varios periodos on ciclos com significagio propria, e regular caracteriz: cao. Uma classificago desta natureza serve para destacar melhor os acon- cimentos histricos relacionados com éles e despertar correlagies, ittita vez, sobremaneira interessantes. Cumpre cbservar que nao consideramos, aqui, a atual costa do Ceara, mas uma costa cearense histérica, imediatamente anterior aos seus dois Ultimos retraimentos, um definitive e regular no extremo norte, ¢ outro nia ainda de todo sancionado e€ irregular no extremo leste. Poderiamos considerar esta costa com a extensio que apresentava anteriormente. cs barra do rio Parnaiba a ponta dos Trés Irmfos, no Rio Grande do Norie, porque, ao tempo das primitivas capitanias, eram éstes os Himites cla mente assinalados nos velhos mapas seiscentistas. como se vé nomeada REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 157 mente nos de Matth. Seutterum, no de irei Gioseppe di S. Teresa que € dle 1698, e ainda em outros mais modernos, tal como no de N. de Fer, “geographe de sa Majesté Catolique”, que foi publicado em 1717. Teria- mos entao de quase duplicar 0 nosso estudo, feito com a pressa que se exigiu para ser publicado na “Revista do Instituto do Cearé”, correspon dente a0 ano de 1945. . * + O primeiro ciclo abrange o largo periodo que do descobrimento (Fe- vereiro de 1500) estende-se até 1574. Caracteriza-se pela auséncia abso- juta de nomes indigenas, Este fato indica positivamente que durante trés quartos de século as relagdes entre estrangeiros e natives eram pouco frequentes, escassas e mais ou menos fugazes, porventura, geralmente ina- mistosas. Na maioria das vezes os navegantes que perlustraram os nossos mares passavam ao largo, evitando tanto quanto possivel desembarcar em qualquer parts. Mas, se o faziam, iam com muitas cautelas para evitar en- contro com os indios, tides por cruéis, antropdfagos e muito valentes. Quando resolviam descer 4s praias é que a isto os impelia a necessidade de descanso, se 10 a de fazer aguadas, recolher lenha; e em-alguns lugares entregar-se a 1endosas e faceis pescarias, com que abasteciam as despensas de bordo. O segundo ciclo compreende'o iltimo quartel do XVI século, ou mais precisamente o periodo de 1570 a 1604. Caracteriza-se pelo aparecimento dos primeiros topénimos indigenas, de que apenas dois foram registados e chegaram até presente: Mucuripe, aplicado a uma enseada e a uma ponta de terra, e Jaguaribe, designando um rio. ste escasso registo revela que as relagbes entre nativos e estrangeiros eram ainda pouco frequentes, mas ja nao tAo dificeis e perigosas, e seguramente mais demoradas e estaveis. Corresponde 2 frequentes viagens de aventureiros de Pernambuco e Pa- raiba que vinham recolher ou comprar aos indios ambar-gris. Vé-se que os dois pontos mais importantes para um tal escambo eram o Jaguaribe, largo trecho da costa tendo por centro a barra do rio déste nome, e a re- giao do Mucuripe. Além dos portuguéses e mamelucos que vinham de Per- nambuco e Paraiba, apareciam aventureiros que do reino vinham fazer resgate clandestino e no raras vezes saltear os pobres indios, preando-os para escrayos; e desta maneira acirravam ainda mais a justa animosidade dos indigenas. Andavam pelas nossas costas também flibusteiros francé- ses, bem mais habeis nas suas relagées com os nativos, cja amizade e confianca sabiam captar. Entretanto, no deixaram na toponimia vesti- gios destas visitas pefigosas, mas certamente lucrativas, Enquanto os Iu- itanos preferiram explorar as costas ao sul do Mucuripe, os gauléses, ja visando ao Maranhao, procuravam as regides do norte, tratando com os tremembés das praias e os tabajaras da serra da Ibiapaba, © terceiro ciclo vai de 1604 a 1636 e se caracteriza pelo aparecimento de copiosa nomenclatura indigena, especialmente de origem tupi. Isto revela uma notivel aproximacdo dos consquistadores com os indios e a 158 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA reduce destes aos seus servigos ¢ necessidades. As relagdes, assim mais estreitas e mais -frequentes entre nativos e portuguéses, naturalmente re- dundaram em detrimento do comércio francés edo progressivo afastamento déstes estrangeiros. Corresponde realmente éste periodo 4s primeiras ten- tativas de exploracio e ocupacio das terras pelos colonizadores europeus, concretizadas: nas frustradas expedigées de Pero Coelho, na catequese dos jesuitas, Padres Francisco’ Pinto e Luis. Figueira, no estabelecimento e nas primeiras lavras de Martim Soares Moreno nas margens do rio Ceara, perto do mar. A grande preponderancia dos nomes de origem tupi sobre os de procedéncia tapuia, deixa bem claro que os invasores se entendiam melhor com aquele povo. E isto era natural porque éles nas suas entradas, se faziam acompanhar de numerosos indios tupis, ja catequizados em Per- nambuco e Paraiba, por meio dos quais captavam 2 amizade ou a confianea dos que iam encontrando pelo caminho. Déste modo, conquanto os tupis nao fossem os principais habitantes das nossas costas e praias, especialmente senhoreadas ot percorridas pelos tapuias, vitimas prediletas da cupidez dos invasores, € portanto deles mais arredios, os nomes impostos aos acidentes geograficos, aos rios e serras, is pontas e enseadas, aos lugares € praias eram tomados aos potiguaras sobretudo, € um pouco aos tabajaras. Tais gircunstancias explicam por que, nesse periodo, o trecho da costa ao sul de Mucuripe se erigou de topénimos tupis, os quais dali para o norte ra- reavam progressivamente, E’ que os tapuias tremembés, notaveis pela sua valentia, conseguiram manter-se por muito tempo nas praias, especial- mente ao norte da barra do rio Cura, Foram também estas praias os ilti- mos redutos dos francéses no Ceari: Pelos estudrios dos rios, como o do Camucim, os gauléses entravam em terra, conquistando com habilidade a boa vontade dos tremembés e dos tabajaras da serra da Ibiapada que, vi- vendo em boa camaradagem com os seus vizinhos do mar, frequentavam as costas setentrionais do Ceara onde se abasteciam de pescado. Surgem desde 0 coméco déste periodo os nomes de Camucim, Aca- racn, Iguape, Propid, Paripuera, Upanema, Mossoré, etc. oriundos do idioma tupi, e Tutoia (Ototoi), Ceard, de proveniéncia tapuia. O quarto ciclo ocupa todo 0 tempo da dominagio holandesa no Ceara, de 1636 a 1654, Caracteriza-se pela proliferacio dos nomes indigenas re- gistados a moda flamenga. encontradicos por toda a costa, de norte a sul Rste fato mostva que os holandéses percorriam todo o litoral e praias con’ o@ animo de bem conhecer o valor econémico das diversas regides, mas es- pecialmente, a procura de boas salinas. E’ désse tempo o caracteristica aspecto morfolégico dos topénimos indigenas abundantemente registados nos ntumerosos mapas batavos: Ipaxin (Upanema), Mondakug (Mundai), Ussnapaba (Ibiapaba), Marajatk (Marajat), Tipoig (Tupuit), Mon- dnig (Mudubin), etc. Outro fato interessante, proprio desse periodo, & que se registaram muitos topénimos tapuias, alguns dos quais substituindo nomes tupis ou portuguéses dos ciclos anteriores, Coroniba (nome tremembé) substituiu Acaracti; Curubu (tremembé) substituiu Tarairig ou Trairi, etc. Isto mostra que os holandéses, muito mais do que os portuguéses, se interessa- ram pela amizade dos tapuias, especialmente pela dos tremembés, por cujas praias se ia uo Maranhao. N§o s6 éstes tapuias, ao norte, como os tarai- REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 159 ris, ao sul, mereceram os seus cuidados, especialmente depois que a guar- nigéo flamenga do Ceara fora sacrificada pelos indios rebelados contra a mau tratamento que receberam dos primeiros invasores. Finalmente; 0 quinto ciclo deve ser enquadrado no espaco de tempo «que vai de 1554 (defeccdo holandesa) a 1700. Corresponde ao inicio mais ‘ou menos fectmdo da colonizaco protuguésa, Caracteriza-se pelo apareci- mento de pequenos nticleos demograficos estaveis ao longo da costa, sobre- tudo abrigados nos estuirios dos rios. Estas povoagées inicipientes rece- biam ordindriamente o nome do rio a cuja margem se instalavam (Ca- mucin, Acaracu, Ciopé, Pecém, Trairi, etc.). Algumas porém adotavam nomes igualmente indigenas mas relacionados com qualquer outra circuns tancia geografica ou humana local, geralmente muito sugestiva (Aracati Reberibe, Aquiraz, Parangaba, Paupina, Caucaia, Jeriquaquara, Parnaiba, Thiapaba, Mossoré, etc.) * e+ No estudo individual dos topdnimos antigos, registamo-los conforme:a sua grafia presentemente usual; para os que desaparaceram, a que tinham nessa ocasiao. Apés brevissima indicagado geografica, apenas suficiente para a boa inteligencia da significagao de cada um, e sumario escorse histérico, tentamos oferecer uma interpretagio etimolégica, tao resumida- mente quanto possivel, recorrendo 4 andlise j4 feita pelos nossos mais aba- lizados tupinélogos. Sémente quando, segundo o nosso proprio modo de enearar 0 caso, no concordamos com o eritério désses ilustres linguistas, aventuramos a nossa tentativa de discriminagio etimolégica, depois de ex- pormos as razées que nos pareceram assds ponderosas para justificar 0 divércio de opiniio. As dificuldades que estudos desta natureza acarretam s4o por vezes insuperdveis em vista dos nossos parcos conhecimentos das linguas tapttias dos varios grupos Hngio-culturais que percorriam as costas nordestinas, nos dois primeiros séculos do descobrimento. Sabemos que os tupis no XVI século j4 ocupavam trechos da chapada norte da Ibiapaba, frequen- tavam eventualmente as costas norte do Ceara e porventura as do delta do rio Parnaiba, em boa amizade com os tremenbés; verdadeiros habi- tantes destas paragens. Na nossa opinido, éstes indigenas dominavam toda @ costa das margens do rio Curu ao Maranhio. No sabemos ainda se os indios da nagio Anacé e os Wanacés, que habitavam os sertSes mais chegados as-costas do norte, e por vezes visita- vam as praias que se estendiam do rio Acarati ao rio Ceara, eram real- mente pertencentes ao grupo tarairiti, Estes, porém, que compreendiam as numerosas tribos dos paiacus, Genipapos, Canindés, Jandoins, Sucurus, Quitaritis, etc., e provavelmente a dos Jaguaribaras e Jaguaruanas:e pou- cas outras que campeavam pelas proximidades do litoral, ao sl do rio Ceara, ¢ frequentavam assiduamente as respectivas praias, viviam numa précaria camaradagem com os potiguaras do Rio Grande, da Paraiba e Pernambuco. Ao sul do rio Ceara, o mimero de topdnimos tapuias é muito reduzido na costa; quase que desapareceram além do Potengi (rio Grande). 160 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA As denominacées locais em lingua tremembé ¢ tarairid so atualmente indicifraveis por caréncia de conhecimentos. Da dos tremembés sémente possuimos alguns topénimos mais ou menos deturpados, colhidos na cost que fica entre o rio Curu e o Maranhao; e da dos tarairitis conhecemos uum pouco mais, porém, muitissimo ainda falta para que nos aventuremos a qualquer analise etimoldgica dos topdnimos registados, * +o» ACARAU — Geog. Rio, coroas ou baixos marinhos, costa, muni pio e cidade dc norte do Estado. O rio Acarai ¢ 0 maior do Ceara depoi: do Jaguaribe. Desigua no mar, entre as pontas do Itapagé e Jeriquaquara, formando um pequeno delta, em frente do qual se estende o grande banco ‘ou coroas do mesmo nome, onde o mar ¢ extremamente piscoso. Hist. — O topdnimo primitivamente aplicava-se 4 barra do rio ou as coroas fronteiras, sob a forma de: Acarac ou de Acaragus, como escre~ viam alguns cronistas. Sémente em 1879, em virtude de disposicio legis- lativa. da Provincia, passou 4 forma atual, considerada de melhor eufonia. © mais antigo registo do nome encontra-se na “Jornada do Mara- nhdo”, quando o seu autor, Diogo de Campos Moreno, referindo-se a costa, frente da qual velejava a armada de Jerénimo de Albuquerque, no dia 29 de Setembro de 1614, diz ter reconhecido a “terra do Acaraci e seus parceis que a uma légua do mar no davam mais que duas bragas e meia de agua”. Bstes emparcelados e a barra do rio eram desde muitos anos antes bem conhecidos dos nautas que frequentavam as nossas costas. No mapa de Pedro Reinel, em 1516, figura a foz do rio Acarati com o nome de “b. dos parces” (barra dos parcéis). Anteriormente, embora sem designacao, aparece esta barra bem evidente nos mapas de Cantino (1502) e de Cané- rio (1505). Ela também parace ter sido observada por Pinzén ou Lepe, em 1300, pois podemos facilmente identifica-la, a leste da saliente ponta de Jeriquaquara, no célebre mapa de Juan de la Cosa, 0 mapa pioneiro do continente americano. Na carta de Gaspar Viegas (1534), 0 melhor confeccionado na primeira metade do XVI século, est a costa do Acaraa, com a denominacao de “tra de pesearia” (terra de pescaria), no meio da qual se abre a foz de-um rio. Em 1574, no conhecido “mapa das capita- nias”, o rio Acaraii tem a denominagio de “r. Grande”, e 0 cronista Gabriel Soares na sua “Noticia do Brasil”, em 1587, The di o nome de “rio da Cruz”, confundindo-o com o rio Camucim. A posicio geografica consignada por Soares, porém, nao permite davidas sbre a identificacéo. Os grandes parcéis da costa, tornando-a sobremodo estimada pela abndancia de peixe, também contribuiram para nomear 0 rio e.as costas proximas. Nos excelentes mapas de Vaz Dourado (1580) chama-se “rio das Baixas”. O peixe e as consequentes pescarias ainda influiram na topo- nimia Jocal, como se observa no mapa do inglés J. Rotz (1542), onde se regista a “har de pees” (barra dos peixes) e a “terra de pescaria”. Igual- mente, no mapa de Diogo Homem (1558) est4 a “tierra da pescaria”. © nome ACARACU surgi no coméco do XVII século e no mais de- sapareceu, porém modificou-se para Acarat. Aplicado ao rio e aos baixos, REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 161 passou a uma povoagio de pescadores que se formou no estudrio a_uma légua do mar, a margem direita, primitivamente conhecida por “Barra do Acaraca”.” A povoagdo evoluin, passou a vila e atualmente ¢ a im- portante cidade do- Acarat. Convém nao esquecer que no coméco da segunda metade do XVII sé- culo, o rio Acaract foi geralmente conhecido, pela denominacdo tapuia de Conoribo, provavelmente de origem tremembé. Mas, j4 no ultimo quartel daquele século, esta expressio desaparecera, definitivamente substituida pelo nome tupi, agora alterado para Acarat. Etim. — A primeira tentativa de interpretagdo do vocdbulo devemos uo botanico Von Martius que, na sua obra “Clossaria Linguaram Brisili- ensium”, em 1863, diz tartar-se da contragdo de palavra tupi acard, isto é, aca, chifre, corno e hy, agua. “Pisces Acaré” ou corno Agua; dando a corrugio de Acaré goassti, acara grande, em Acaragi, donde acaract. Depois do sAbio alemao, veio a contribuigao do nosso primeiro etimo- logista indigena, frei Francisco dos Prazeres Maranho, em 1867, que in tomo 8, da Rev. do Instituto Histérico e Geografico do Rio de Janciro, explica: Acuracé — Acara.cé, roga ou quinta dos acaras. Mais tarde, o romancista cearense José de Alencar, nas notas do seu célebre romance Tracema, diz: Acard, garga e cé, buraco; rio ou ninho das gracas. Se- guiu-se, entio, o tupindlogo ¢ historiador Dr. Paulino Nogueira que ju- gou imprestiveis as etimologias de Martius e de Alencar, por isto que “nem o rio tem peixes grandes nem de cornos, nem cé significa buraco”. Inspitado no frade citado, propde: Acard, ¢ cé, quinta ou rocado, isto é, quinta das gargas. Observa, porém, que com a atual grafia 0 vocdbulo significa “rio das garcas” de Acard, garca e hw, agua, rio. (Vocabulario Indigena. ix Rev. Inst. Ceara, 1888). Teodoro Sampaio oferece a seguinte interpretagio: Acaré.y, donde acara.hu que, pela forte aspiragéo do ultimo elemento, deu acara.c#, rio dos acaras, Nao nos parecem isentas de reparo todas estas andlises, mesmo a do eminente tpindlogo nacional. Os indios em todos os casos andlogos nao seguiam o modo de composicéo acima adotado. Realmente temos Gerermit. Maracanaé, Jacana% Curiai, ete. e nao Geraracti, Maracanact, Jagana- cil, etc. Em vista disto, in Rev. do Inst. do Ceara, tomo XLVII, aventu- ramos esta outra interpretagio: Acaré, garca e ct, bebida, certa bebida indigena muito estimada pelos tupis. Fntretanto, agora nos parece prefe- rivel supor que Acard, nome genérico de pequenos peixes que orlinaria- mente apresentam espinhos ou aciileos no corpo, esta Tigado a esta cir cunstancia organica. Jorge Marcgrave, em 1648, tratando dos peixes do nordeste brasileiro, referiu-se a um certo acard, possivelmente o atual As- irowotus ocellatus (Agass.) que tem 15 espinhos no dorso. ‘Também des- creveu o velho naturalista flamengo o acard preto, ou acarauna, armado de “agudissimo ferr’o”, Pensa o ictidlogo Paiva Carvalho que se trataria de um .4eanthurus, género de peixes especialmente caracterizados por pos- suirem cauda armada de forte espinho mével. Ora, 0 vocabulo tupi acard contém o elemento acd que significa cas- cudo, escamoso-arranhento, enrugado e ainda corno, chifre, galho, ponta, espora, espor (de aves) como nos ensina o “Dicionario Brasiliano-Por- 162 REVISTA DO INSI1rUTU DO CEARA tugués” que 6 de 1795. Por outro lado, cit pode vir de guaba, passando successivamente pelas ctapas gua, git, ct, ¢ traduz a nog&o de comer ou beber. Portanto, acara.cii pode significar: o lugar onde os acaras comem ow bebem; 0 comedouro de acaris. Covém porém nao esquecer que os pei- xinhos que trazem o nome de acard sfo muito comtuns em todos os nossos, rios, estuirios e lagoas, onde encontram iarta alimentagio. Nestas condi- bes nio é muito provavel que tais circunstancias impressionassem os indios ao ponto de dai tirarem um toponimo, especialmente para a barra de um. dos mais caudalosos do nosso Estado; mas, os baixos ou coréas que muma grande extensao conirontam com a barra poderiam justificalo ple- namente por isto que, sem diivida, os indios conheciam a piscosidade das coroas ¢ sabiam que os peixes ali se acumulayam pelo fato de ser farta a alimentagao, mercé da calma e serenidade das aguas. Referindo-se éstes haixos, escreve Colatino Marques, no seu “Roteiro da Costa do Norte do Brasil mar nfo arrebenta sobre este emparcelado, nem forma cape- los como acontece no Albardio, na costa do Rio Grande do Sul”. A pro- verbial piscosidade do lugar, conhecida desde 0 coméco do século XVI. porvém do fato déstes emparcelados constituirem um verdadeiro come- douro de peixes. Esta interpretacio parece mitito sugestiva malgrado ser estranho que peixe tio vulgar, pequeno e por toda parte encontradico merecesse a honra de provocar tio importantes topénimos. Dai, 0 por que ainda deve- mos fazer algumas observagdes que se enquadram no caso. Sabemos que Acard servia ainda para designar a uossa ela garca branca, ou garca real, natavel pela sva elegancia. I a Casmerodius albus egretia (Cmelin), ov siniplesmente Ardea egreta. Marcgrave a observou ¢ descreveu sob o nome de Guiratinga (ave branca); ¢, porém, mais conhecida vulgarmente por acaratinga ou somente acard. O naturalista Goeldi diz que ela é muito comum por toda parte onde ha superficies de Agua um tanto considerdveis. No Ceara existe esta ave, particularmente abundante nas lagoas do litoral, nas gamboas € mangais dos estuirios dos maiores rios, onde encontra farta alimentagdo. Sabe-se de longa data que cla vive em bandos copiosos no estuério do rio Camucim, Aracati-agu e particularmente nos alagamares do delta do rio Acarau, onde os cacadores ja fizeram terrivel dezimacio. estimulados pelo elevado preco que as delicadas egreties destas ardeas alcangaram nos mereados de Fortaleza. ‘Tais consideragées nos levam a outra interpretagio do vocabulo: Acard. garca branca e ci, de guaba, participio nominal do verbo 1, comer ou beber. Bste verbo tem os dois participios, o ativo guara, 0 comeder ou bebedor. € guaba, 0 comedouro ou bebedouro, ou também o que se come ou se bebe, a comida ou a bebida. Nao € pois descabido admitir que Acaraci signi- fique, também, o lugar onde comem as garcas, o comedoure das garcas, natural aluséo 4 abundancia de alimento que tais aves encontram nos ala- gados, nos alagamares e mangais do rio. Assim, pois, Acarat, alteragio de acaracti, tanto pode ser “comedouro de acaris (peixe), como comedouro de garcas. Conquanto nao nos parega enquadrar-se no caso, julgamos conve- niente lembraz ainda outra plausivel interpretagio. Os potiguaras percor- riam as costas da Paraiba, Rio Grande e pelas do Ceara perambulavam a caga do ambar-gris que iam vender aos seus amigos francéses, e mais tarde REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 163 aos portuguéses. Maregrave que os observou descreve uma bebida fer- mentada que ees usavam e chamavam cauicaracii, preparada com a man- dioca mansa “aipi macacheira”, depois de bem mastigada pelas mulheres yelhas da tribo. Ao suco resultante desta operacdo denominavam caract © qual diluido em agua aquecido em fogo lento e depois decantado, consti tuia um licor muito apreciado, Est claro que promitivamente o tubérculo de que se serviam os indios para o preparo de caracti seria a dioscorea card, ow outro com éste tome, pois a expresso quer dizer bebida de caré. Ao que parece, mais tarde, por qualqaer circunstancia, 4 palavra passou a designar, como se pode ver em Batista Caetano e no Padre Roiz Montoya, vinho de raizes, naturalmente de qualquer raiz, inclusive a da exforbidcea macacheira. © padre que referimos, in seu vocabulério, apenso a “Arte de ta Lengua Guarani”, diz: Card, rayz conocida, comestible. E, logo adiante: Caracé vino de rayz, como de batatas y mandioca, ete. Ja no tempo de Montoya, o caract podia ser preparado tanto com cara, como batata ou macacheira, e certamente com qualquer outro tubérculo que as velhas pudessem mastigar sem risco de envenamento. Certamente, os indi- genas do Acaraii cultivavam a mandioca no litoral e faziam, para as suas festas frequentes, 0 cauiz; mas, que relacdes se poderiam encontrar entre esta bebida e a barra ou os parcéis que Jhe tomaram o nome? Pare finalizar, desejamos ainda indicar a interpretagao dada a esta palavra pelo dr. Joao Mendes de Almeida que a encontrou aplicada a um tibeirio do municipio de Iguape, em $. Paulo: Acarahi vem de Aqué- ira-ail; por contragdo, Ac’-ar’-aii “pouco corrente”. Agud, correr, levado 40 participio com a particula dra, corredor, corrente. A diccdo para signi- ficar defeito, mA vontade. A primeira parte desta andlise mostra-se st- ceptivel de severa critica. ACUMA — E’ o nome que se di ao rio Jua no mapa de Johannis van Keulen (1682) ¢ noutros de confeccio holandesa do XVII século. Nos mapas de Albernaz esti Asumame ou Asumeme, porém, no que. existe apenso ao livre “Rezo do Estado do Brasil”, que € 0 mais antigo que re- gista 0 topdnimo, lé-se Acuceme. Evidentemente 0 vocdbulo é de origem tapuia, provavelmente tarairid. APECUI — Geog. Lagar tos salgados do rio Acarafi, 4 margem es- querda do estudrio. Hist. Q topdnimo apareceu no fim do XVIT sécula, mas somente foi registado na carta de sesmaria passada em 1706, em favor do Capitio Ro- drigues de Castro Araujo. Etim. Apé.cui, literalmente areia do caminho, ou caminho arenoso, alias, como € muito comum no litoral cearense. APODI — Geog. Rio e serra (chapada) no extremo teste do Ceara; municipio e cidade no vizinho estado do Rio Grande do Norte. Esta cha- pada é um planalto de modesta altura que se eleva entre o curso do rio que tem o mesmo nome, no rio Grande, e o do rio Jaguaribe, no Ceara. © pé da encosta déste lado aproxima-se muito do leito inferior do Jagua- ribe. Talvez por isto, a chapada j4 foi conhecida por “serra do Jagua- ride”, Lm alguns mapas quinhentistas, a extremidade norte, e morros dela destacados por erosdo, trazem o nome de “serra de Sio Miguel”, deno- 164 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA minagio também aplicada ao rio, O trecho déste, da barra ao lugar Pau- Infincado, devia-ser, como fora durante muitos anos, a extrema entre o5 estados do Ceara e Rio Grande. Neste trecho ¢.no seguinte, até um pouco a montante da cidade de Mossoré, comumente, toma a denominaga’o di cidade. Nos mapas seiscentistas, 0 rio Apodi traz 0 nome de panent, palavra geralmente deturpada em Panema, Ipauim, etc. Etim. Nos documentos antigos, 0 vocabulo se reduz a podi, topdnime também atribuido a uma serra séca no sul do Ceara (Assaré). Podi talvez possa ser alteragdo de poti.i. Poti em tupi significa maos pontudas e serve para designar © pequeno crustéceo — camarao, tio abun- dante nos estudrios dos rios nordestinos, Assim explicada, a palavra ter’ sido, com certa propriedade, aplicada inicialmente, ao rio, passando depois serra. Teodoro Sampaio lembra que Afodi significa cousa firme, altura uni- da; e neste caso, seria top6nimo bem aplicado 4 chapada. Nao da o ilus- tre tupindlogo a analise do térmo que é simples: afd, raiz, base, fundacao, e di, alteragao de #i (adjetivo), levantado, erguido, alto. Poderia ser ainda: poti, residuo, borra, feses, dejectos, o produto da cousa que se desfaz ou se desmancha; entio, apoti, e por natural detur- pacio apadi, designaria a elevacio que se desmancha em areia, produto da ativa erosio que se verifica nas encostas da chapada. A serra, geralmente formada de arenito pouco coerente, est& sujeita a um processo de erosto que ,por ser bastante ativo, teria impressionado os tupis, dando-thes a no- go de que se desfaz. AQUIRAZ — Geog. Nome do primeiro municipio criado no Ceari (1699) ¢ de uma velha cidade situada a 3 quilémetros do mar, na margent direita do rio Pacoti. Dista desta capital 30 quilémetros ¢ goza de exce- lente clima. ‘Hist. A primeira referéncia a éste nome encontramos sob a forma de Baiquirés em documento de 1681, aplicado a uma lagoa que desaguava no tio Pacoti. O sitio que Estéviio de Moura fundou perto do desaguadouro da lagoa, 4 margem daquele rio, em terras da sesmaria que Ihe foi concedida em 1681, tomou a denominacio de Aquiraz, palavra derivada de Baigui Poucos anos depois, Moura vendeu o sitio a Manuel da Fonseca Leitio, que © fez préspero e de tal jeito povoado que ja no iltimo ano do século, nele fora criado vila. Esta somente foi instalada no ano seguinte, mas nio 14, e sim no lugar do forte, onde é agora esta Capital. Em 1713, a vila foi transferida para o Aquiraz definitivamente. Etim. Para Paulino Nogueira, que se deparou com a velha grafia de Agoakird, num texto latino do padre John Breiver, escrito em 1789, significa — Agua pouco adiante”. Explica: Agoa, corrugio de ig, agua, iki, vizinho, perto, pouco € yra, adiante. Retomando a grafia baikirds, atribuida a uma lagoa, somos levado a supor que ba ¢ alteragio de ipd, lagoa, iguiré, Agua vicosa, fértil. produti donde, “lagoa de agua fertilizante”, talvez pelo limo rico de adubos das suas margens. ‘Teodoro Sampaio, porém, da esta interpretagio: Aquira.d, isto é ca- rogo grande de fruta, cousa pouco expressiva. Inspirou-se Sampaio em REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 165 Batista Caetano que escreve: aquira, brotado, crescido, grande, ¢ ar, nas- cer; graos grandes, Como se mostrou, a palavra comporta interpretagio tupi, mas nada impede que seja ela de origem tapuia, cousa muito dificil de verificar. ARACATI — Geog. Municipio e cidade no extremo oriental do Ceara. ‘A cidade esta situada 4 margem direita do rio Jaguaribe, a 15 quilémetros do mar. Hist, Tomou éste nome a antiga povoagio de “Santa Cruz do Porto dos Barcos”, formada no lugar “Cruz das almas”. ‘Aracati é 0 nome tradicional da brisa vespertina que diriamente, no vero, sopra do mar para o interior da terra. Perlongando o amplo e chato vale do rio Jaguaribe, na -estagio séca do ano, atinge o vale do rio Sal- gado, ainda com relativa velocidade. O vento aracati é muito conhecido dos sertanejos, por que quando alcanga qualquer localidade do sert&io faz baixar a temperatura, trazendo uma sensagio de bem estar, muito aprecia- da. Pensavam os indios que a brisa bonangosa originava-se na barra do rio Jaguaribe. Dai a legitima suposigio de que a primitiva “Cruz das Almas”, poveado formado perto da barra, receben 0 nome de Aracati. Deve-o a sua posigao e a morfologia do vale. Etim, Martius explica: ara, tempo e catti bom, bonangoso;Paulino No- gueira adota esta opiniao, mas Teodoro Sampaio observa: ara.caty 6 0 vento de maresia, o ar impregnado de mau cheiro. Nao devemos deixar de lembrar que: ara é 0 nome que os tupis davam ao tempo, ao mundo, ao espaco, a claridade; contém evidentemente 0 verbo ar, nascer, ¢levar-se, vir, ocorrer, cait, Donde aracanga, o dia limpo ou 0 tempo seco, 9 verdo (B. Caetano). Caté é 0 adjetivo bom, bem, muito, bastante, Portante, aracati ou aracatu pode ser tanto tempo bom, como ar agra- davel ou saudavel, refrescante, e ainda “ar muito”, vento impetuoso, vento muito. Esta accepedo, que nao foi jamais indicada, parece digna de aprego, por isto que o vento aracati, apos o meio dia, no rigor do verao, quando percorre as conhecidas varzeas do baixo Jaguaribe, torna-se impetuoso e levanta na su passagem enormes rolos de poeira escura que seguem para © sul, invadindo as vivendas e povoagdes, como buledes sufocantes, Um tal cardter, proprio das varzeas de Russas e suas vizinhaneas, tende a mo- derar a proporgio que se afasta, ¢ desaparece de todo ao deixar as plani- ceis poeirentas do baixo Jaguaribe. Entio, 0 aracati, ao contrario, torna-se refrescante ¢ é esperado com ansiedade pelos sertancjos do vale médio (Ted, Iguati, Carias, Sio Ma- teus, ete. Jana cidade de Jaguaribe tem perdido a quase totalidade das poei- ras das vargeas e se vai tornando agradavel. ARACATL-ACU Geog. — Rio que irriga certo trecho do norte do Ceara, e despeja na enseada dos Patos, a leste da ponta do Ttapagé. Hist. O topdnimo vem do coméco do XVII século, Figura na descri- cao da costa feita em 1628 pelo holandés Kilian de Resenlaer, sob a forma de Aracatyhug, ¢ no relatério de Jean de Laet, em 1640, com a grafia Ara catiguivast. No mapa de Hondius (1636), esta sob a forma Aracatiuasa; € nos de Blaew (1649) ¢ Loon (1654) Aracatew. Mas, a primeira teferén 166 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA cia encontra-se na relagao do padre Figueira que ¢ de 1607, onde se regista Aracategi. No mapa de Albernaz, o rio Aracati-acu tem o nome tremembé. de Catifim. Etim, As formas primitivas Aracategi e Aracaten significam simples~ mente: rio Aracati, A grafia atual vem de 1640, quando Lact escreve. Aracatigiass rio grande Aracati; certamente, j em oposicfio ao sew vizi- aho © rio peaueno Aracati (Aracati-mirim). ARACATI MIRIM — Geog. Pequeno rio que corre paralelamente aa Aracati agi e despeja no oceano 18 quilémetros a oeste da barra déste. Hist. No mapa de Blaeu, em 1649, apareceu o topénimo sob a forma de Orecatu-mirim, e no fim do século, no de Santa Teresa, com a_mesmiat singular grafia: Orecatumirim, Em alguns documentos antigos, éste rio traz o nome de Mondao, expressio que lembra mundati. Entretanto, 0 rio que hoje se chama Mundati era denominado entio Mondaituba, facilmente identifieado por ficar a leste de Pernambuco (Pernambuquinho) e 0 trace vepresentativa do seu curso passar pela extremidade leste da serra da Uri- buretama, No mapa de Albernaz de 1666, esti com o nome de Aquimondao. Quando, em 1690, comegow a regido a povoar-se, j4 eram correntes as_expressdes e grafias aracatiacu ¢ ardcatimirim, atribuidas aos dois ri Etim. No interessante mapa de van Keulen (1682), ao lado oriental da barra do rio Acarai, ali chamado Conoribo, esti um largo estudrio de- nominada Mondao, o qual recebe dois rios, uma a oeste, 0 “r. Croo” e outro a leste. o “R. Aracat”. Bste deve ser identificado com 0 rio Arc- cati-mirim. Na descricéo da costa, Resenlaer (1628) chama-o Para- iyhug, isto é, rio do lagamar, ‘Tal seria a primeira denominago do curso digua que passon em seguida a Mondao, Mondo, ou como esta em Alber- naz Aquimondio. Finatmente, surgi 0 topnimo atual sob as formas Ore- catumirim e a que tem atualmente. A expressio mondao ou monddo parace alteragio de mondat ou mundai, nome de outro rio proximo que os ma- pas seiscentistas registavam sob as formas de Modoitatuba, Pondakug, Mondayta e Mondahug (Ver Mundait). AQUAMAMUNE — Grapo das serras que Martim Soares Moreno chamava serra do Ceara. — (Ver Dequemamune). ARIAMA — (Ver Dequemamune). CAJUAIS — Ponta de terra, banco e antigo sitio, atualmente povoa- cdo, na praia da costa do municipio do Aracati. Hist. O nome foi registado em 1705, na data de sesmaria concedida a Hieronime da Silva, mas éste mesmo documento faz referencia a outro mais antigo que anteriormente o teria mencionado. Etim. Cajii é a alteragio de acaji ou acaiii, fruto do cajuciro (Ana- cadium ocidentale. 1). Acaiutiba € 0 cajual, vocdbulo hibrido de que ca- juais &0 plural. CAMAMUNE — (Ver Dequemamune). CAMEMBE — Geog. Nome dado pelos indios a certa porcdo de ter- ras do municipio de Caucaia, perto da lagoa do Gererail REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 167 Hist. Baste topénimo apareceu no requerimento em que o Capitdo Fi- lipe Coelho. de Morais, um dos -primeiros povoadores do Ceara, em 1680, pede ao Capitio-mor Sebastido de $a, Ihe mande passar “Carta de data ale sesmaria de dez légoas de terra do Camembe. ..” Etim, Alteragio de caa, mato, ¢ membe, fraco, enfezado, raquitico; {terra de) mato raquitico. CAMUCIM — Geog. Rio, porto, municipio e cidade no extremo norte dlo Ceara. O nome aplicou-se primitivamente ao estuario do rio Curiau, Hist, Do estudrio referido 0, nome passou para a aldeia e povoacio que se formon 4 matgem esquerda, um pouco ao sul das célebres barreiras vermelias, ja assinaladas por Gabriel Soares no ultimo quartel do XVI século. A. primeira denominagio do rio foi Crus (rio da Cruz), ou rio dos s Bracos”, particularmente estimada pelos gauléses, que por 1 anda- vam e traficavam com indios. Cras € topénimo antiguissimo; encontra- mo-lo jA no vetusto mapa do Egerton n.° 2803, sob a forma de “R de cro- ce”, em 1510, Desde entéo, passou a ser registado por numerosos mapas quinhentistas. A expressiio “Tres Bragos”, que se vé nos mapas francé- ses de Descaliers, Le Festu e outros, bem como no portugnés.de Vaz Dou- vado, desapareceu antes do fim do primeiro século; a de Cruz porém, em- hora menos irequente, subsistiu pa centuria seiscentista, ao lado dos topd- nimos “Rio de S. Francisco” e “rio Camucim”. Possivelmente, o nome de S. Francisco nao foi inicialmente atribuide ao rio Camucim. Crémo-lo procedente do vizinho estabelecimento ou arraial, constituido efemeramente va enseada de Jeriquaquara, ao tempo em que ali estacionou a armada de Terénimo de Albuquerque, antes de investir contra os franeéses do Mara- nko. No dia 4 de Outubro de 1614, estava a referida armada ancorada na enseada mencionada, e por ser o dia dedicado pela igreja ao entio beato Francisco de Assiz, féz 0 Capito celebrar a primeira missa festiva qne se disse naquelas paragens, missa solene a que todos os expediciondrics ussistiram. O arraial ficou conhecido pelo nome do futuro santo, e como teve vida curtissima, porquanto ao partir a esquadra foi literalmente des- truido, o nome restou na meméria dos indios e brancos que por 14 ficaram, indo coniundiz-se com o do lugar habitado nas margens do Camucir Assim se explica por que H, Hondius e Loon escrevem nos seus mapas, respectivamente de 1636 e 1654, “R Camucipe 0 $ Francisco”, Bste to- Pénimo persistiu, a par do de Camucim, durante todo o periodo seiscentista pois ainda 0 encontramos no mapa de Santa Teresa, em 1698, Desta duplicidade de nomes para umm mesmo rio resultou certa con- fusio entre os cartégrafos coevos que chegaram por vezes a transferir 0 nome de Cruz para 0 rio Acaraé (Seutters) e mesmo para o Aracati-mi> rim (van Keulen). Camucim & palavra, pela primeira vez encontrada em correlagdo com a expedigio de Pero Coelho, que pelas suas imediagdes chegou em 1604; recolheu-a frei Vicente do Salvador, consignando-a na sua Historia do Brasil. Variando na sua grafia, persistin até o presente, fixando-se sob a forma definitiva de Camucim. Etim, Na “Jornada do Maranhao”, Diogo de Campos escreve Ca- mori, mas provavelmente € éero de cépia, pois, pouco antes (1-3-613), em 168 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA carta ao rei, Diogo de Menezes registava a grafia Camosi. Nos mapas ho- Fandéses do XVII século, de ordinario, esta Camocipe ou Camucipi, com a pospositiva locativa pé, significando “no Camoci”. Kilian de Resenlaer em 1628 escreve Camocy. O cartdgrafo portugués Albernaz em 1666, quando nao emptega o topinimo Cruz, regista Cemocim, Gaspar de Sousa, em carta ao rei (1614), grafa Camuct. ‘Sobre a cxpresséo nao ha. portanto dividas. Segundo Teodoro Sam- paio, é uma alteracio da palavra tupi Cambuch{, que Batista Caetano diz significar 0 vaso de gua, pote ow cantaro, tina, etc. Parece-nos mais concentanea a interpretagio de Barbosa Rodrigue Camocim de camotim, pote, pela troca por eufonia do t pelo c. Poderia ainda ser: Ca, de caa, mato, végetagdo, mais mocim, altera- Gao de mocem, estender, estendido ott aherto; mato aberto, vegetacao rala. parecendo porém que aquela explicagio € mais razoavel, CARACU — Antiga forma do topénimo Acaraii (vide éste). CATIFIM — Nome que os tapuizs tremembés davam ao rio Araca- ti-agu (vide). Hist. © topdnimo foi registado em 1666 por Jodo Teixeira Alber- naz, num dos seus mapas da costa do nordeste. Etim. Sendo 0 vocabulo de origem tremembé, cuja lingua é quase inteiramente desconhecida, torna-se impossivel tentar qualquer inter- pretacdo. CATU — Rio pequeno no municipio de Aquiraz. Desigua no mar entre a foz do Pacoti e a enseada do Iguape. Hist. O toponimo foi inicialmente registado em 1683, numa peticiu de concessio de terras assinada por diversos, na qual dizem: que tendo noticia “que entre o Rio Charo e Pacoti esta um Rio que Chamam Catu...” Com esta forma conservou-se até os nossos dias. Etim. Em tupi, caté significa bom; parece, pois, que 08 indios, como nos casos andlogos, diriam, referindo-se ao rio: Icaft, Agua do rio bom, fertil, de boa agua, etc. CAUCAIA — Geog. Antiga aldeia e missdo de indios. potiguaras, de onde se originou a atual cidade e respective municipio, contiguo ao desta Capital. Hist. O nome Caucaia aplicou-se de principio a uma aldeia e mi situada a poucos quilémetros a oeste do forte de N. S. Soure. Quase cem anos mais tarde, em 1943, j4 sob a categoria de cidad retornou 4 primitiva denominagao. O topénimo vem do XVII século, pois em 1694, conéorme informagio do mestre de campo patlista Manuel de Mo- rais Navarro, existiam no Cearé (regido em térno daquele iorte) 6 al- deias, cujos nome menciona. Entre elas estava a de Caucaia. Etim. Paulino Nogueira aceita a velha interpretagio dada pelo go- vernador Barba Alardo: caa, mato e caf, queimado. Mas, a verdadeira ex- Plicago do topénimo foi dada por Teodoro Sampaio: caa, mato, e ocaic, que se queima; a queimada. . REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 169 CAUIPE — Geog. Lagoa litoranea, rio, distrito do municipio de Caucaia e vi O rio desagua no mar a W da ponta de Paracumbuca. Hist. Achamos a palavra em 1636 figurando no mapa de H. Hondius, sob a forma de Canigui, Mais tarde, Laet registou, grafando-a Carigui, Na data de sesmaria de Teodésio Camelo (1707) esta escrito Couhipe. Etim. Para Teodoro Sampaio vem de caui ou cauin, derivado de acayi..y, Agua ou sumo do caja, com que os indios fabricavam 0 seu vinho predileto. Dai, Cauipe significar “no vinho de caja” ou “donde vem o vinho de caja”. Esta etimologia, a nosso ver, pede reparos, por isto que, em lugares ‘onde nunca existiu caju, como nas terras onde viviam os guaranis, os id- dios tinham 0 vocdbulo, significande apenas vinho ou bebida fermentada. Segundo Montoya, era cdgui; agora escrevem caguy ¢ dizem abati cagity, vinho de milho. Entre os araucanos (Chile) ha 0 termo cahkuin, bebedeira, embria- guez, etc. Batista Caetano pensa que cagui (expressio guarani), vinho ou bebi- da fermentada, corresponde ao tupi caxi, com a significagio de “farinha die erva”, 0 que nlio nos parece bem razoavel. Julgamos, no caso que exa- minamos, que cauipe, pode ser: caagui ou caawi e pe, no sub-ervoredo, na mata baixa que cresce por baixo da mais alta. CAURON — Nome tapuia, provavelmente tremembé, atribuido ao atual rioCurn. Nos mapas de Blaeu (1649), de Loon (1654) e poucos outros do século XVII, esté “R Curn o Kaaron” (Ver Cura). CEARA — Geog. Rio, antiga aldeia, capitania, depois provincia e atualmente importante estado da Unio brasileira. Priniitivamente o topé- nimo foi aplicado ao rio que ainda o conserva e desigua no mar, 8 quilé- metros a oeste desta Capital. Hist. O nome Cearé, déste estado, surgiu no comégo do XVII século. Supomos com boas razées que chegou 4 Paraiba ou a Pernambuco com Pero Coelho, ao voltar vitorioso da serra da Tbiapaba com os seus prisio- neiros francéses ¢ indigenas, certamente em principios do ano de 1605 ‘ou talvez um pouco antes, pois, como se sabe, noticias dessa primeira expe- digao de Coelho e das tropelias de Soromenho no Jaguaribe j4 se tinham divulgado na cidade da Bahia, em Margo désse ano, Quando 0 Capitio regressava da sua’excursao 4 serra da Ibiapaba, depois de 6 meses de guer- ra, portanto em Julho ou Agosto de 1604, resolveu, ao passar pelo Ceara, fundar nas margens do ria, um arraial, protegido por um fortim que se chamou de §. Tiago. Denominou a povoagio de Nova-Lisboa, certo de fazer dela a capital do imenso territério que supunha haver consquistado, a sta Nova-Lusitania. O pequeno nucleo demografico, 0 primeito que se formou neste estado, tomou ao coméco certo desenvolvimento, aa ponto de levar um dos seus moradores, Martim Soares Moreno, a escrever na sua célebre “Relacio do Ceara” que “aquelle sitio donde ja era feita uma Cidade em muito bom sitio onde eu tenho agora uma fortaleza”. Isto escrevia Moreno 14 anos mais tarde, quando também lastimava a efémera vida daquela esperangosa iniciativa. Despovoado sob a pressio dos nati- yos maltratados pelos portuguéses, s6 em 1611 se repovoou com o retér- 170 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA no do jovem soldado de Coelho, com um clérigo ¢ apenas 6 compa- triotas. Parece certo que Pero Coelho colheu o nome désse lugar ou do rio na sua ida para a Ibiapaba, pois, diz o ilustre cronista coevo que registou © sucesso: “... foram todos (os da expedicio) marchando até o Syaré ‘onde, depois de alguns dias de descango por cansa da gente miuda, tor- naram a marchar”... Provavelmente, j& antes de atingir a expedicao éste pouso, sabia-the o Capitio o nome, por ouvi-lo dos indios do Jaguaribe que © acompanhavam. Nada indica que Coelho ou alguem da ‘sua com- panhia, ao partir da Paraiba em Julho de 1603, tivesse noticia da palavra Ceara, aplicada ao nosso rio ou a qualquer lugar por aqui. Isto parece tanto mais certo quanto se verifica que nenhuma referéncia existe no regi- mento que the entregou Diogo Botelho em Janeiro. Podemos admitir que o Ceara, que logo depois seria o grande, ainda era desconhecido nos centros civilizados de entao, e consequentemente também do chefe da ex- pedigao. Em 1598, terminadas as obras do forte dos Reis Magos, no Rio Grande, 0 posto mais avangado para a conquista do litoral em rumo do norte, foi confiado a Jeronimo de Aibuquerque. Imediatamente tratou © comandante de fazer pazes duradouras com os potiguaras que domina- vam as praias, da Paraiba ao Ceara, praias também frequentadas assidua- mente pelos tapuias tariritis. Esta providéncia era sem divida a mais bem indicada e mesmo indispensavel para que fosse possivel prosseguir com éxito a conquista da costa. Celebradas estas em Julho de 1599, comegou-se logo a formar uma povoagio 4 sombra protetora da fortaleza ¢ a penetra- cio em seu térno. Nao tardou que se fizesse conhecido um pequeno e muito fértil rio que desigua no mar, cérca de 8 quilémetros ao norte daquela povoagio, chamado pelos indigenas Ceard. sta circunstancia leva a suposig&éo de que o Ceara do Rio Grande (hoje Ceara-mirim) sé foi conhecido 4 ou 5 anos antes do nosso. Reforcam a crenga de que o topdnime tio-grandense nado emigrou para © norte, as curiosas referéncias ao lugar, constantes do pormenorizado re- Jato da expedigio de Pero Coelho feito por frei Vicente do Salvador e, sobretudo, 0 modo como o Pe. Luis Figueira trata do lugar e do rio, no seu regresso da Ibiapaba. Rte ilustre jesuita escreveu o documento mais antigo que até o presente se conhece reiativo a historia colonial do Ceara, a sua interessantissima “Relacdo do Maranhio”, que traz a data de 26 dé Maio de 1608. Quando Figueira voitava da infeliz missio da Ibiapaba, onde perdera o set santo companheiro, Pe. Francisco Pinto, sacrificado pelos indios tocarijis, demorou-se algum tempo na aldeia do chefe indi- gena Cobra Azul, perto do mar. Ao resolver continuar a sua viagem de regresso, diz: “... 0 inverno era passado, madei recado a hua aldea a. estava no rio do CEARA 25 ou 30 legoas mais para ca pera o joagoari- be...” Alguns dias depois, o padre chegou a essa aldeia “... que esti junto ao rio Ceara, 25 legoas alem de jagoaribe”, Os indios dela ha- viam preparado uma agradavel recepgio ao héspede, para quem ti- nham construido uma casinha “muy bonita de pindoha”, Anota Figueira: “A estes indios do CEARA cévidey, e tinha j4 dantes cévidado q. viessem para a ygreja”. Bste j4 dantes devia ter sido por ocasiio da passagem dos dois jesui- REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 171 tas em demanda da serra, em dias de Fevereiro de 1607, quando ainda Pero Coelho se arrastava pelas praias indéspitas do Grande, na sua dolo- rosa perigrinacao para regressar 4 Paraiba. Porém, além de Figueira e Martim Soares Moreno, 0 testemunho de ‘outro contemporaneo 0 cronista Diogo de Campos Moreno, tio de Martim, é preciso indicio para estear o assérto. Observa o Sargento-mor do Es- tado do Brasil, is “Jornada do Maranhio”, composta em 1615, referin- do-se a Pero Coetho, na sua primeira viagem: “,.,e assim marchou até © Jaguaribe, donde no SIARA ajuntou a si todos aquéles Indios morado- res, com os quais por necessidade da comida, e por passar avante foi até a grande serra de Buapava”, Em resumo, 0 topénimo rio-grandense deve ter sido divulgado na po- voagio que se formou sob a protegéo do forte dos Reis Magos, logo que ‘© rio, 4 que nomecu, foi descoberto € se tornou capaz de ser explorado, sen- sivelmente, em 1599; e, possivelmente, déste tempo data o seu primeira registo. O nosso apafecen em 1603, colhido pelos expediciondrios de Pero Coelho, mas sémente foi registado, ao menos definitivamente, em 1608, pelo Pe. Luis Figneira. - Nada induz supor que a gente de Coelho tivesse Jevaco do Rio Grande, mas que fora, ali, aonde ainda hoje esta, en- contrado. Dapois de Figueira (1608), que grafou o topdnimo como se faz presen- temente, tem éste variado o seu modo de escrever, porém nao substancial- nent A ietra inicial que ora € C ora S nao importa em nenhuma alteragio fonética; a vogal que compée a primeira silaba, escreve-se ora como ¢, ora como i? e taramente como y, também nfo concorre para importante modificagio no modo de pronunciar a palavra. © Pe. Figueira registou Cearé em 1608; em 1613, numa proviséo de Jerdnimo de Albuquerque, referente a Martim Soares, esta Seara. Gaspar de Sousa, em carta ao rei, Manuel Goncalves, regeifeiro de Leca. num roteiro que compés da “Jornada para a conquista do Maranh’o, como pi- Joto da armada do Capitao-mor Alexandre de Moura, escrevem Seard. Tsto em 1615, ano em que o jestita Manuel Gomes, em carta ao seu Pro- vincial, regista Ceard, justamente como fazia Figueira, e nds atualmente, com 0 respectivo acento, Em 1618, Martim Soares Moreno grafava Seara e seu tio, 0 Sargento-mor Diogo de Campos, Siara. Na cartografia sei centista, encontra-se comumente Sigra, algumas vezes Searé e raramente Syara. No século seguinte aparece geralmente Siara, mas j4 no comégo do século XVIIT é corrente a forma Ciaré. Etim, Nenhuma outra palayra indigena tem sido mais exaustiva- mente submetida a andlise etimoldgica do que CEARA, A todas porén tem resistido com incrivel tenacidade, negando-se a desvendar o segredo da sua misteriosa signi ficagio. Os nossos mais conspicuos estudiosos das linguas americanas publi- caram os resultados de suas cogitacdes em busca de uma solucio razodvel, mas o que de certo se h& apurado é que todo o trabalho neste sentido ainda ndo se revelou satisfatério. Continuamos na ignorancia do que queriam os indios dizer quando pronunciavam o vocdbulo, Sémente muito por alto examinaremos as mais prestigiosas etimoto- gias até 0 presente propostas desde Aires do Casal em sua “Corograf! 17Z REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA Brasilica”. Deixaremos de lado as que nos parecem mais diyorciadas dos principios linguisticos, Verifica-se pelo exame de dezenas de exemplares déste topénimo, cons- tantes de documentos seiscentistas, que todas as formas griificas com que se apresenta no passam das seguintes: Ceara, Seara, Ciara, Cyara, Siara; algumas vezes com o acento, mas, geralmente sem éle. Fizemos j& notar que se a grafia mudava, a fonetica da palavra conservava-se inalterada ow sensivelmente constante, pois nio parece haver diferenca bem perceptivel na pronuncia da sitaba injcial, escrita com (e) ou com (i). O primeiro homem de. letras que se sentiu espicagado com a signifi- cago da palavra indigena CEARA, ao que supomos, foi Aires do Casal, que afirmou querer dizer “canto de jandaia”. © ilustre cronista colonial forneceu inspiragao a muitos outros curiosos que se ocuparam com a eti- mologia da enigmitica expressio, a comecar pelo Senador Pompeu, sem pre muito preocupado com as cousas da sua provincia, Diz éste: “signi- fica canto de jandaia, papagaio pequeno, grasnador, muito conhecido nesta provincia”. Sem ter absoluta confianga nesta interpretacdo, observa ainda ‘qne, segundo outros, provém de “Stia, caga, que os Portuguéses encontra- vio em quantidade naquelles arredores”. Cumpre objetar que Siia, ndo é caga em tupi, e nem pode ser alteracdo de Séo, ou Cod ou ainda Zod. Ou- tro que abragou a sugestéo de Casal foi o ilustre romancista ¢ indiandlogo José de Alencar, que a tem como verdadeira, visto como:semo, cantar forte, clamar,.e ard, pequena ave ou periquito, dio a Ceara a significacio de canto de jandaia (Iracema). O sdbio glotélogo do “Instituto do Ceara”, Dr. Martinz de Aguiar, aceita esta variante que, com pouca diferenga, tam- . bém foi abracada pelo Bardo de Studart, para quem Ce.ard quer dizer grito de papagaio. Von Martius, em 1863, limita-se a referir que Ceara ou Ciara é 0 nome de um papagaio; versio por outros igualmente aceita, como Mons. Pi- zarro, Milliet de Saint Adolphe e 0 abalisado tupindlogo Dr. Teodoro Sampaio que explica: ci de cii, casta de papagaios (Montoya) e a termina- ho aré que nao tem ai outro valor que nao o de confirmar a significado do radical cif; donde: Ciaré ou Ceard, certa casta de papagaios ¢ nao canto de jandai: Partindo da versio divulgada pelo Senador Pompeu, que atribui a Cearé a significagio de caga que por aqui abundaria, explica Paulino No- sicira: €06, séo ou sux, caca, ara, tempo, e 4, terminagio que indica re- forco de convicgio, como querendo dizer : “verdadeiro tempo de caca”. An- tonio Bezerra, numa das suas versdes, filia-se a esta corrente interpre- pretativa, Joao Brigido julga que Ciaré vem de ciri, género de cancer, e ard, claro, branco, alvacento; donde “caranguejo branco”, 0 que se apropria- ria 4 impressionante abundancia de graussé (caranguejo branco) das nos- sas praias. Devemos observar que as interpretagdes baseadas no falar on cantar de Psittacus, trazem graves dificuldades. Realmente, falar ou dizer, em tupi, no é cé ou ce, mas sim é@ ou é que na composicao pode dar /2, r8, hé, qué (Batista Caetano), e nunca ce, Ce ou cema é fluir, donde iracé ou iracema, mel fluir, fluéncia de mel, Os que recorrem a Co ou stia caga, nio se devencilham de mais REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 173, sérias dificuldades, pois qtte nfo se sabe onde encontram apoio para ex- plicar a transformacao de ¢éo ou cut (que alids nao & caca, mas sim 0 co- mer) em ce ou ci. Quanto a ci, ciri, e ard, branco nfo se encontra arri- mo na observacio dos fatos lingitisticos relatives 4 matéria. Ara e nio ard € que significa claro dia, ¢ nio branco que em tupi é tings, por vezes na composigao contraido em ting, tim, 1. Todos os esforges feitos para expicar a palavra Ceard pela lingua tup! ou guarani tém resultado nulos. Dai a justa suposigao de que sua ori- gem seja outra, Esta divida surgin no espivito de Capistrano de Abreu que recorreut 4 Hagua cariri e acreditou dela tirar as raizes do vocabulo. Como veremos, isto no € possivel, Na revista “A Quinzena”, em 1887, bio historiador contende com o ilustre Dr. Paulino Nogueira a res” peito da origen do nome ceard. Diz aquele: 1.° — auie as explicagdes da- Gas até entio sdbre a.origem do veneravel nome Cearé eram t4o contra~ ditérias entve si que; 2.* — seria talvez conveniente sair da “lingua ge- ral” (qupi) ¢ precurar lugar entre as chamadas Iinguas tapuias. Recorte entfio ao cariri porque, como diz, “em nossa provincia domt- naram” éstes indigenas. Observa que: em cariri, 0 nome de agua é dsie (com d poco sensivel € 0 w soando™ 4 francésa, aproximadamente como o paviicipio passado do verbo savoir). Afirma que este elemento (dau) é visivel na formagio de siard, sitid, siupe. Prosseguindo, anota que em cariri cra & verde, e habilmente insinua que a palavra Ceara bem po- ceria vir de dzu era, devendo significar “Agua verde”. Para reforcar a sua hipétese afirma que os caritis eram originarié- mente povoadores do nosso litoral. Pattling Nogueira, na sua contradita, achou conveniente e oportuno re- ferir: 1." — que siupé é térmo tupi; 2° — sitié é palavra portuguesa detur- pada; 3° — que os cariris eram povo do sertio e repugnava aceitar a ideia «ie que tivessem dado denominagao a pontos do litoral; 4." — que, finalmen- te, 0 nome Ceard, imposto por Pero Coelho e seus companheiros potiguaras 6, consequentemente, tupi. Meticulosas investigagdes nestes setores da linguistica brasileira indi- gena mostram porém que: 1.°— ao contrario do que julgava Capistrano, os cariris nfo dominavam 6 nosso litoral, mas apenas zonas restritas do sul da provincia, sendo certo que nio desciam, pelo menos no territério do Ceara e do Rio Grande do Norte, ao litoral; 2” — entre a regio do extremo sul do Ceara, onde habitavam os ca- riris, e as praias ou litoral vivia um pove diverso, multo numeroso, os farai- itis, ocupando vastissimo territério que ininterruptamente ia do Piaul 4 Bahia, e subdividido em um grande niimero de tribos de falar e costumes idénticos ou muito semelhantes ; 3° —- Cearé nao & nome que fora imposto por Pero Coetho ou sets companheiros potiguaras, nem a0 rio, nem a qualquer lugar; é nome que, como mostramos, éles agui encontraram: 4.°— a palavra Ceard nao é de origem tupi, mas, como j4 vinha Ca- pistrano de presumir, tapuia. ‘Também sio de origem tapitia as palavras Sitié, Quixadd, Quixeramobim, Banabuid, Quivelou, etc., © finalmente 5° — na lingua cariri, 0 nome agua é, de fato, dau, mas o seu # niio soa 4 francésas e ainda: 174 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 6° — Verde (ou amarelo), em cariri, é erd e nfo era. Neste idioma existe a palavra erd (oxitona), significando morada em geral e, por ex- tenso, casa. Ora, mesmo que na passagem do cariri para o falar portugués co- lonial o @ final desse d, como ocorren algumas vezes no tupi (parand deu parand, eira.pud ou irapud deu irapud, etc.), n&o seria isto possivel no caso em vista, pois no cariri nao se podem fazer de dzw as diegies dzi, si, si porque o # de ds nfo soa como o seu homénimo francés. Mas, mesmo admitindo que isto acontecesse, isto é, que Ciard proce- desse de dsu-erd, nunca poderia significar “Agua verde”. Forcando as cousas, significaria “casa verde”, que se nio poderia aplicar ao caso. Realmente, na lingua cariri, existe uma curiosa singularidade: certos adjetivos, inclusive os qualificativos de céres, quando concordam com de- terminados substantivos, levam necessariamente uma particula que a éles se liga intimamente, Ora, no caso que nos ocupa presentemente, crd (ver- de), referindo-se 20 substantico dat (Agua), nome de Tiquido, devia trazer a si agregada a particula cru, e entdo dirtamos: dei cru er& ou dzucruera, Agua verde como também teriamos: dst cruyé agua grande dai cruné, Agua clara. ¢ assim por diante. Compreende-se agora que se nio permite aceitar a sugestio de Ca- pistrano de Abreu para explicar pelo cariri o nome de Ceara. Ha que procurar outras fontes dentro do enorme setor das linguas tapuias. Sabemos que os tupis nos tempos precoloniais nao habitavam #s costas do nordeste, especialmente 0 trecho ao norte da ponta do Caleanhar. E" certo que no decorter do XVII século os potiguaras pervagavam as praias do Rio Grande e do Ceara, para além daquele limite, e com frequéncia iam ao rio Jaguatibe e mais raramente até 0 Mucuripe. As nossas costas eram senhoreadas pot tapuias. Ao norte, ao que parece, do rio Curu para adiante, dominavam os tremembés, que se estendiam pelas costas do Ma- ranhao e chegavam provavelmente ds do Para. Ao sul do Curu, os tre- membés andavam eventualmente; era éste o dominio de outros tapuias, de que, certamente, os mais importantes pertenciam ao grande grupo linguo-cultural dos tarairidis. Temos a impresso que tais indigenas nao eram muito afeigoados a essas praias, que somente as percorriam even- tualmente, ao contrario do que acontecia com os tremembés, que residiam permanentemente nas praias do norte ¢ delas nado se afastavam em tempo algum. Estas circunstancias nos induzem a supor que os topénimos tapuias das costas ao norte do rio Curu sio de origem tremembé, e que o3 que encontramos ao sul daquele limite sio provavelmente tarairits. Sem divida no se pode excluir a hipétese de um ou outro provir de origem diversa, Porque ndo sabemos se certas tribos encontradas pelas imediacies do Tito- ral, como a dos anacés, uanacés, ete. eram realmente tarairitis ou perten- ciam_a outro grupo linguo-cultural diferente, ainda nao definido. Esta porém exatamente verificado que varias tribos tarairitts habi- REVISTA DO-INSTITUTO DO CEARA 175 tavam varzeas do Jaguaribe, do Apodi e do Agu, e que frequentemente desciam 4s praias, especialmente quando os cajuciros frutificavam. Estas praias so as que se estendem do rio Cura ao rio Potengi. Com a conquista de Pernambuco ¢ da Paraiba, os tupis, refluindo das suas costas, foram ocupar o litoral mais ao norte, tornando-se, por sua vez, mais assiduos nas costas, foram ocupar 0 litoral mais ao norte, tornando-se por sua vez, mais assiduos nas costas cearenses, onde acabaram por se instalar, Somos assim levados 4 hipdtese muito verossimil de que o toponimo Ceara € proveniente do falar tarairid; que foram os indigenas déste im- portante grupo que batizaram os dois rios, 0 do Rio Grande e o déste estado, e isto em época remota, bem antes da invasdo estrangeira. ‘Nestas condigées, como muito pouco sabemos da lingua tarairid e longe estamos do suficiente para que, com os elementos dela colhidos até © pre- sente, possames ensaiar qualquer tentativa de analise etimolégica, parece impossivel conhecer, ao menos por enquanto, a significagio do voca- Into. Cearé, CHORO — Geog. Rio que desigua no mar a 68 quilémetros a SE desta pital, Hist. © topdnimo surgia em 1628 na descrigio da costa nordestina deixada peio holandés K. Resenlaer, sob a forma de Waychoro; mas, i4 na carta de sesmaria, concedida em’ 1691 ao Capitio Domingos Francisco Chaves e seus companheiros, esta “Rio Chord”. Na de Silvério Pereira, que € de 1704, regista-se: “na ribeira do zoro”. Nem sempre éste rio conservou ou teve tal designacéo. Os potigua- ras deram-Ihe mais de um nome da sua lingua. Nos mapas de H. Hondius (1636) ¢ de Laet (1640) encontra-se a designacio de Propea. No mapa portugués de Albernaz (1666), 0 rio chama-se Paranduba por Seutteram reproduzido na sua interessante carta. Na “Rezo do Estado do Brasil que é do coméco do século, lé-se Parioduba. Além dos nomes tupis referidos, encontramos ainda o de Guararapug, na carta de Santa Teresa ¢ o de Lapanason, na de Blaew, atribuides a0 Chord. O trecho de costa compreendido entre a barra do rio Jaguaribe ¢ a ponta do Tguape sempre foi mal representado nos mapas antigos, tanto nos do XVI sécilo como nos da seguinte centiria, embora sejam os seis- centistas bem mais detalhados. Isto deu lugar a algumas interessantes confusdes cartograficas relativamente aos topénimos nele compreendidos. Assim 9 nome Propea que ordinariamente € aplicado’ao rio Chord, em alguns mapas aparece deslocado, de modo a parecer atribuido ao rio Pacati. Etim. © vocdbulo Chord, se realmente nao é de origem onomatopeica, ece ter pela estrutura marcado parentesco com lingua nao tupi, pro- vavelmente !arairit, A expressio Wuychoro, encontrada em Resenlaer, que diz té-ta colhido diretamente dos conhecidos indios Paraipaba, Pedro Poti e outros tupis, na baia da Traigio em 1628, sugere uma alteracho de “vio Choré”. Entretanto, Teodoro Sampaio, inspirado em Martius, refere que Choré significa rio correntoso, impetuoso (que © seu regime no litoral nao justifiea) om rio ruidoso, relacionando o caso com o nome da inambu Crapturus cariegatus que os tupis.também chamavam choraré e o vulgo chorarZo e chororé, O botanico alemio diz: Choré, Soré (Ceard, Rio) — 176 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA Cororog, chororom, murmurar, Fluvis fluctisonus. O Dr. Paulino No- gueira acha que se trata da alteracio de uma voz onomatopeica, cioro- von, murmutar. TLembra entretanto que existe uma pequena ave com o nome de ckord-chord, dando com isto a entender que déste nome porleria derivar 0 topénimo. Nao seria descabido, em vista desta imprecisao, lem- brar que Chord tem ainda a possibilidade de provir da expresso tupi so7d ou sorog, romper-se ott rasgar-se, rasgado, rompido, roto, dilaceraco, ow talvez com mais verossimilhanga da expressio onomatopeica, do es- toque linguistico tupi, chororon (tororon), manar, fluir, horborinhar. COCO ~ Geog. Nome de um pequeno rio que desigua no mar a este da ponta do Meeuripe, no municipio desta Capital. Hist. A palacra Coc6, aplicada a ésse rio, aparecen sob a forma ce cacit, to mapa de Toon, em 1684, e figura, j4 no fim daauele século, om a forma Koko, no de Santa Teresa, Em 1682, na carta de sesmaria con- cedida a0 alferes Antonio Pessoa de Aratijo, consta o nome do rio com a atual grafia: Cocd. Convent lembrar que & da serra de onde ilui. Etim. Cocé poeria ser 0 nome da linguagem popular com qe se designa cetta forma de penteado usado pelas mulheres. Os cabeles lon gos entrangados ou torcidos longitudinalmerite, ¢ depois enrolatos cocie~ armente no alto da eabega, formam o que chama cocé. Se assim fora, o topdnimo nfo teria origem indigena. ‘Todavia, a palavra aieta estrutura americanista que, além do mais, jus tifica o seu antigo registo ¢ a aplicacio a um curso digua e nfo a un morro( pois 0 cocs constitu’ elevaco que de algum modo lembra um pe- queno monte plantado nas cabecas femeninas). Outra presuncio arrima esta hopétese: varios topénimos do interior déste estado, ainda hoje subsistentes nas zonas outrora habitadas pelos indios tarairits, contém o mesmo radical ou todos os elementos mérficos da palavra, como Cocode, Cocateno, Cococi, ete. Isto nos leva a admitir a origem indigena e tapuia do topdaimo, por- ventura tarairid, ‘Tanto mais provavel quanto sabemos agora, mercé de interessante documento (carta de sesmaria concedida em 1683, a Jodo Pinto Correia e outros) em que se regista terem os concessiondrios dado presentes aos indios gendahina, para acomoda-tos. Perambulavam éstes tapuias pela alta ribeira do rio Cocé e pelas suas vizinhancas. Ora 08 ja- diins (ou gendahinas, como escreve Joo Pinto) eram tarairitis. fe rio também teve o nome de Pacaluba, ti lo CONORIBO — Ver Curujone. CURIAU — Geog. Rio no norte do Ceara, cujo estudrio e grande ex- tensio do curso, médio trazem o nome de Cartucim, ‘Hist. Av que presumimos o toponimo surgiv no fim do século XVII. mas s6 foi repistado em 1705, na data de sesmaria concedida ao Teneute Manuel Dias de Carvalho e Félix Coelho, sob a forma de Corualin. Mais tarde, veio a prevalecer 2 grafia Coreaht ou Corea, ainda hoje vulga Etim. Esta titima grafia, bem como a primeira, podem ser conside- radas como alteragio de Curié.1i, Agua ou rio dos curids. Curid é 0 nome REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 177 que os tupis davam a uma pequena ave, a dmpelio cincta ou Cotinga cern- Jea, da familia dos.Formicaroides. Cumpre nao esquecer ainda que ha no norte e centro do Brasil uma palmeira que Martius batizou por ditalea spectabifis, vulgarmente chamada Curud. Expressio que poderia também ter dado curvi e Curia, rio da palmeira cures. Esta anilise nio oferece porém a consisténcia da primeira. Isto, entretanto, no nos parece muito concentaneo, porque, se tal fora certo, o indio teria naturalmente preferido dizer Curubay ou Curuy ou ainda Curwpard. HB’ verdade que temos a palavra Paracuru, topénimo relativamente moderno, aplicado 4 enseada dentro da qual desagua 0 nosso rio, Mas, cumpre anotar que paracurn é j& uma formagdo Iéxica arquite- tada sob a influéncia do falar portugués. Quer dizer — rio Curu, ¢ no seixo ou torrdes do rio, como teria sido 0 pensamento do potiguara que tivesse engendrado o nome. Por outto lado, ha probabilidades positivas-de que o nome seja tapuia, certamente tremembé. De fato, apresenta marcado parentesco com outros homes ot topdnimos proprios désses indios costeiros: Curubor ow Curn- bust, Conoribo ou Curunibo, etc. Consideragdes de ordem geografica reforcam a hipétese da origem tremembé do topénimo Curu, Era éste rio o limite sul da costa privativa dos tremembés antes da invasio dos exploradores portuguéses e das in- cursées potiguaras 4 procura de ambar, mercadoria de escambo muito estimada, CURU — Geog. Importante rio que drena grande trecho do sertio central do Ceara e despeja no mar, 80 quilémetros ao NO desta Capital. Hist. Trata-se de um antiguissimo topdnimo, ao que supomos, pela primeira vez registado na “Jornada do Maranhio” de Diogo de. Campos Moreno, em 1615. Mais tarde, foi colhido por K. Resenlaer de indios tupis, eserevendo-o ja com a sua forma atual (1628). Desde entio, aparece em grande mi- muro de mapas .ceiscentistas, a contar do que tem por autor FH. Hondius (1636). No meado do século, Blaew e Loon fizeram anotar nos seus mapas que o rio Cur tinha também a denominagdo tapuia de Kauron. Este rio teve, desde o seu descobrimento em 1500, por V. Pinzén varios nomes. O primeiro foithe dado pelo descobridor espanhol — “rio Negro”. Em 1621, no fivro ““Rezdo do Estado do Brasil” traz o apelido de “rio Doce”, ¢ em alguns mapas seiscentistas é chamado de “rio Para”. Aihernaz, no seu mapa de 1666, The consigna ¢ denominagio de “tia Fermoso”. Provavelmente porque a stia foz esti a muito pequena distanciz. da do rio S40 Gongalo, antigamente chamado Ciopé, alguns mapas antiges confundem os dois cursos dagua, fazendo figurar sémente um deles, ora com o nome de Curn, ora com o de Ciopé. Vé-se isto, por exemplo, no mapa de Keulen (1682), onde o atual Curu traz o nome ce “r, Siebba” (rio Siopé). Etim. A palavra Curu tem feigdo tupi, e nesta lingua significa seixo, cascalio gro:so, pedrinhas e até fragmentos, pedacinhos, torrées. Encerra, pois, 0 mesmo radical do vocabulo curuba, empola, sarna (expressao agora vulgar ma linguagem popular nordestina). ‘Teriamos entio: rio dos seixes ow Tio dos torrées. Ainda convém lembrar aqui que existe uma curcubi- 178 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA tacea chamala curuba, a que se referiu o velho naturalista holandés Maregrave. Poder-se-ia admitir que Curu derivasse de curuba, alusio a possivel abundancia de gerim# de leife nas primeiras lavras agricolas feitas nas coroas aluviais do rio. CURUJUNE — Geog. Antigo nome do rio Acarait, Hist. A primeira referéncia a éste topdnimo encontra-se no velho mapa anexo ao livro “Rezo do Estado do Brasil”, que € de 1621. Depois, aparece no “‘Regimento de Pilotos e Roteiros, de Mariz Carneiro, publi- cado em 1655. Diz Carneiro que o rio Curnjune desagua por das barras numa costa que corre a “loeste e a 4 do Noroeste” e é “muy rasa”, ii- cando dessa barra “8 legoas a loeste hum monte redondo muito alto, e antes que a elle chegues, verds huas barreiras vermelhas... Deste monte para a banda de T,oeste esta hua enseada. ... e chama-se esta enseada Je- rucuaquara”. Ora, com tais indicacées tica muito claro que o Curujine nio pode ser outro rio sendio o atual Acara No mapa do “Rezao do Brasil”, a grafia é Corinibom; no de Alhernaz (1666) € Coruybe e no de outra edigéo déste mesmo autor ¢ Core- nibo. Van Keulen, em 1698, escreve Conoribo. Curujune ou Curuiune, sem divida, foi expressio colhida por estran- geiros da boca dos indios tremembés que habitavam entdo as costas norte do Ceara. Anteriormente, as expedig6es portuguesas que perlustraram aquelas regiées ou delas se aproximaram (Pero Coelho, 1603/08, Jesuitas Francisco Pinto e Luis Figueira, 1607/08, Jeronimo de Albuquerque. ¢ outras) se faziam acompanhar de numerosos indios tupis (potiguaras principalmente) no s6 na qualidade de guerreiros, mas também: como men- tores das cousas da terra nova e dos seus desconhecidos habitantes, os ta- puias. Estas expedigdes nfo conseguiram estabelecer relagées suficien- temente estreitas com os tapuias locais, sobretudo com os que viviam ao longo das praias. Por éste motivo, os expedicionarios sémente recolhe- ram topénimos tupis, ordinariamente sugeridos pelos seus companheiros indigenas conforme as impressées que recebiam ao contacto com os novos lugares. Déste modo, a “serra dos Corvos”, referida por Figueira, é a Uruburctama dos tupis; 0 “rio ou comedouro das gargas” é 0 rio Aca- ract; 0 “tio Gos potes” é 0 Camucim; o “buraco das tartarugas” é a Je- riquaquara, ete. Os acidentes, assim nomeados, porém, ja tinham uma denominagao tapuia dada, pelos habitantes locais, tremembés, anacés, uanacés, jagua- ruanas, ete. Até ha poucos anos nada sabiamos disto; hoje conhecemos al- guns déstes topénimos tapuias, registados depois do que o foram os cor- respondentes tupis, quando os indios de fala travada, como diziam os ve- lhos cronistas, entraram em relagdes mais intimas com os invasores etro- peus ou seus descendentes. Vejamos alguns exemplos curiosos: Acaratt era o Curuitme ou Curinibom dos tremembés, Uruburetama, era a Uxn- bub dos anacés (?); 0 rio Trairi era o Curubu dos tremenbés; 0 ria Paré era o Curt ou Cauron também dos tremembés; 0 rio Jud era o Assu- mame dos tarairitis (7) a serra de Marangué (Maranguape) era a Ua- ‘mamune, proventura déstes iiltimos, etc. Poucas excepgdes tem esta re- gra; e elas se axplicam facilmente por isto que os topdnimos respectivos REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 179 foram colhidos diretamente, desde o comégo, dos tapuias, nas relagdes menos breves que os primeiros invasores tiveram com tais indios. Como exemplo, podemos citar os topdnimos Ceard, Cocé, Pecém, etc. Etim. © nome Curujune dado ao rio Acaracu pelos indigenas locais, a pesar de te: uma feicdo tupi, (Curu.i.una, rio dos seixos pretos, ou dos torrées pretos} deve ser, ao que fundadamente supomos, tapuia, e muito provavelmente tremembé. Efetivamente, quando os navegantes ou explo- radores das costas norte do Ceard colheram dos nativos éste nome ¢ o registaram (1621), ja o rio tinha uma denominacio tupi, apanhada ante- riormente (1614). ‘As formas Corinibom, Coronibo, Coruybe, Conorybo podem ser re- duzidas 4 déste verbete (Curujune). Sabe-se que slo frequentes nas linguas sul-americanas as seguintes permutas de sons (que bastariam para expli- car aquela variedade de formas): 7, »; 0, u; a, 0; 6, %, m,n Vé-se sem dificuldade que entre as formas Coronibo, ou Corinibom e Curujune estio as intermediarias Curuybe e Conorybo. No ha porém elementos linguiticos conhecidos para que se procurem etimologias de vocabulos tremembés, DEQUEAMAMENE -~ Geog. Serras altas, visiveis do mar, entre Iguape € Mucuripe. So as atuais serras que circundam, 4 distancia de 4a 6 léguas, a cidade de Fortaleza, com os nomes de serras do Camara, Arara ou Jud, Maranguape, Aratanha e Guiaiba. Hist. “Bste curioso topénimo aparece nos mapas seiscentistas e outros documentos histéricos do mesmo século, substituindo 0 que, nos mapas quinhentistas, era registado por “monte de Li”, ou “monte Deli”, algu- mas vezes grafado ely, eli, o qual subsistiu até o coméco da seguinte centit- tia, por isto que ainda o encontramos no mapa do Wytfiet, de 1611. Li & nome industanico, importado por marinheiros do coméco do século XVI. As formas Deli Delli sio apenas a justaposigao da particula prepositiva de ao nome. ste fendmeno de aglutinagio nao é isolado na nossa to- ponimia. Antes que se tivesse feito o registo déste topdnimo, aquelas serras tiveram outras denominagées. A mais antiga parece ser a de Sao Vi- cente, constante do mapa de Joio Ruysch (1608); outra, é a do Eggerton n.* 2803, de 1610: “montena verde”. Em alguns mapas do meado do XVIT século, falta o topdnimo, sendo © acidente simplesmente assinalado pelo nome serras, se ndo pela simples referéncia: ponta ou cabo das serras. Ponta ou cabo que mio existia de fato, mas aos navegantes, a certa distancia, parecia bem patente existir no ponto da costa onde o referido cordao de serras vinha morrer na praia, 4 margem do oceano. - Os nautas que passavam ao largo nfo percebiam a costa baixa que ficava abaixo do horizonte, mas notavam no seio das Aguas a extremidade da serra que, como um promontério escuro ou preto, devido a vegetagio da montanha, se projetava mar a dentro. Em alguns documentos antigos e outros relativamente recentes, éste grupo de montes tem o nome de “serras do Ceara”, certamente porque balisavam o pérto do Ceara (Fortaleza). O mais antigo registo do topdnimo em estudo est no titulo do mapa conhecido como de autoria de Pero Coelho, provavelmente anterior a 1612, 180 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA organizado, ao que parece, para registar os resultados da primeira expedi- gio exploradora das costas cearenses em 1603/08. O titulo referido reza: “Descricao do verdadeiro descobrimento da nova conquista do Rio Jaguaribe. Serra de Ariama, muibuapaba e ponaré ¢ céfins do Marankio que iez o Capitio-mor Pero Coelho de Sousa de ordem de Diogo Botelho, governador e Capitao geral do estado do Brasil des do anno de 1603 té o de 1608, com todos os seus portos, barras, serras e trios cd suas nascensas”. A expressio nova conguista deixa supor que o mapa fora organizado pauce tempo apds o regresso de Coelho em 1608. Deve ser, pois, de 1609 ou 1610, © topdnimo em apréco esta sob a forma muito contracta de Ariana. Em 1612, Diogo de Menezes, em carta ao rei, escreve Agiamanune, e logo de pois, em 1614; no “Exame de Pilotos”, Manuel de Figueiredo regista a forma Camamune. Em 1655, Mariz Carneiro no seu "Regimento de Pi- lotos”, consigna: “serras (que) se chandio Dequeamamene, as quais v0 botando pella terra dentro, e ficam sobre Igoape ¢ Macoripe”. Albern em 1666 regista “serra de Gemame” e Joao Blaeu, um pouco antes, o fizera com a forma de Aquemamune, quase como 37 anos antes escrevers Diogo de Menezes. No fim désse séctlo, j4 0 topdnimo havia deseriado de todos os documentos que conhecemos, substituido por “Serras do Ceara”, serra de Marangué, serra de Pacatuba, serra de Guaiba. Etim. © toponimo apresenta-se com as seguintes formas, que vamos dispor na ordem em que apareceram: riama, Pero Coelho, 1610 (7); Aquenamunc, Diogo de Menezes, 1612; Camamune, Figueiredo, 1614: Dequeamanicnc, Mariz, 1655: e, finalmente, Gememe, Albernaz, 1666. Observa-se 4 primeira vista que Ariama parece sémente ter remotas afinidades com as demais. Dentre estas, cumpre anotar que a pentltima comega por nin de, que nada mais é do que a preposigio portuguesa, incar- porada 4 palavra tapuia. Tanto esta preposigio como 0 artigo 0, por vezes, eram aglutinados ao topénimo indigena; encontra-se: Ochoré, Oparé, etc. Deli, Deaquemamune. ete. Podemos aventar a hipdtese de que a palavra nao alterada fosse real- mente a segainte: AWAMAMUNE. Isto, porque: 1.°) 0 coméco do vo- cabulo, ague e equea podem ser reduzido a gua e, seguidamente a dgxa wd ¢ nd, mercé de um fendmeno bem conhecido de fonética; mas, gud pode dar também cd, e de eque se passa sem dificuldades para gié, gud, ge. Consequentemente, AWA ot WA poderiam alterar-se no falar portugués colonial, ou dos tupis, em agua, aque, ca ou ge. 2°) nem mais dificil explicar como passar de WA ou AWA a ari, arfa da forma mais antiga ariama. 3.") quanto 4 segunda parte da palavra, nenhuma dificuldade pode ser aventada para obstar a transformagio de mamune, em snaniene ou memame, mame ou mesmo simplesmente +a. De qualquer maneira, porém, a analise etimolégica do vecdbulo tapuia & impossivel com os atuais conkecimentos que atualmente posstiimos da lingua tremembé, ou de qualquer outca nao tupi da costa cearense. ESTAJU ~ Geog. Monte na costa do municipio do Acarait, que ce pode identificar com o atual morro do Sargento. Hist. A mica referéncia a este topdnimo, desde muito desaparecido. encontra-se no “Regimento de Pilotos” de Mariz Carneiro, que é de 1655. A identificagio acima é relativamente facil, pois, diz Carneiro: “partindo REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 181 do Pernambuco (Pernambuquitiho) corre a terra ¢ Loeste até huns arreci ‘fes... que serao duas légoas do porto (Pernambuco)... ¢ tem por conhe- a lim iteito redondo e escalvado (certamente 0 morro dos Patos). @ veras logo (dali) hum monte fermoso, que se chama Estajt. Etim. O nome, evidentemente nao sendo tupi, tetn etimologia desco- mhecida GEMAME — Nome tapuia das antigas “serras do Ceara”. Ver De- qucammamene, GOAHL — Geog. Tagar e varzeas & margem do estuadrio do rio chord, perto do mar. Hist. OQ nome foi primitivamente aplicado 4s varzeas do rio Chord, abertas logo a inontante das dunas. A Ele se refere a carta de sesmaria concedida em 1680 a Estévao Velho de Moura, onde se encontra a grafia Goyahi. Dex anos depois, aparece o topéninimo na data de sesmaria lograda por Manuel Rodrigues Bulhées, com a forma Goahi: “.., da varge da Goahi do fim della para baixo do rio Chord...” Bete topdnimo ainda existe, designando um sitio. Etim. Goahi é alteragdo de de Gud.y, a Agua em seio, a enseada, diz Teodoro Sampaio, Notemos porém que uma tal idéia seria ordinaria- mente expressa pelo indio de modo diferente: Igudé, donde Iguape, na enseada, na agua em seio. Como Gué significa nao sémente seio, mas tudo quanto apresenta pronunciada curyatura, bacia, baixada, vale, etc. poderiamos admitir que Goaht queira dizer, agua da baixada, alusao as éguas que se acumulam ou se estagnam em certas depressdes das varzeas ¢ ccontribuem para formar extensos atoleiros, ipus, pogos, etc. GUAIUBA — Geog. Serra ligada 4 da Aratanha, riacho afluente «lo rio Pacoti e vila do municipio de Pacatuba, Hist. Surgiu o topdnimo na carta de Sesmaria concedida em 1682 a0 sargento Jorge Martins, sob a forma da Gaiba, atribuido a uma serra Atialmente, apresenta a forma Guaitibe, depois de ter passado pela de Guaiba. Etim. Guatiba & 0 nome de um peixe do mar, que nio pode ter ne- nhuma relagio com a serra, conquanto esta seja avistada do mar, fincando dele distantes cérca de 5 leguas, Guaitiba, no caso presente, deve ser in- terpretada :Gid.i.uba, literalmente “vale Agua muita”, isto & vaies ferteis de Agua, como seriam os da serra, GUASAPUINA — Geog. Nome dado em certo periodo do século XVII ao riacho Tapuid que desigua no mar entre as barras dos rios Ca- mucim e Timonha. Hist. Registado em 1649 por Blaew, no sea mapa, foi depois repetide no de van Keulen, em 1682, sob a forma de Guaspuina, no de Seutterum €, finalmente, no de Santa Teresa, em 1698, Desapareceu completamente no século XVIII. Etim. Se 6 dicgGo tupi, como parece, pode ser interpretada: Gué.ta- fuli.va (ha, va), isto € literalmente: enseada do rio do tapuii parecida, ‘ow seja: enseada que parece ser a do tio do tapuia. IBIAPABA — Geog. Serra em cuja chapada passa a linha diviséria 182 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA entre os estados do Piaui e Ceara. A sua extremidade setentrional, que fica a 35 quilémetros da praia, é visivel do mar. Hist, —- Esta ponta da serra, pelo fato de ser avistada do mar, foi bem cedo observada pelos navegantes. Ao que parece, como outras serras nas mesmas condicies, entre o cabo de S. Roque e 0 rio Parnaiba, partici- pou do nome de S. Vicente tio vulgar no primeiro quartel do século XVI. topdnimo porém 6 apareceu no comego do século seguinte. Figura em primeira mao na “Relagao do Maranhdo”, do Pe. Luis Figueira, escrita em 1608; ¢ logo no ano imediato encontra-se na “Relag&o anual das cousas ue fizeram os pes. da Companhia de Jesus nas Indias, no anno de 1606 a 1607”, escrita pelo Pe. Fernao Guerreiro. No mapa conhecido como de autoria de Pero Coelho, que deve ter sido organizado em 1610 aproxima~ damente, esti registado com a esquesita grafia de Muibuapaba. Gaspar de Sousa, emi 1634, no Regimento dado ao Sargento-mér Diogo de Campos Moreno, que foi a conquista do Maranhéo, gtafa Buapaua; e éste ilustre Sargento, por sua vez, escreven em 1615 Buapave. Os padres francéses que estiveram no Maranho e escreveram a historia dessa conquista gra- fam: o Pe, Claude d’Abbeville Ybouyapap (Ybuiapap) e 0 Pe. Yvo d'Evreux Vouapap. Frei Vicente do Salvador, na sua Histéria do Brasil (1627), adota a grafia Boafabba e alguns anos mais tarde Matias Beck regista U’puapaba. Dai por diante, os documentos portugéses, embora sem grafia uniforme, dei- xam, alids como se depreende também do que vimos de relatar das grafias primitivas ou mais antigas, bem patente que a verdadeira forma do topd- nimo, no falar colonial, é a que usou o pe. Luis Figueira, abalisado tupi logo: Ybiapaba; ou de acérdo com a ortografia moderna, a que j4 empre- gava o pe. Antonio Vieira Ibiapaba. Etim. A interpretagao da palavra tupi /biapaba, conquanto relativa- mente simples, deu Iugar a algumas controvérsias. O primeira que se interessow pela etimologia do vocabulo foi o P. Vieira em 1655. Na “Re- lagio da Misséo da Serra de Ibiapaba” explica: “Ibiapaba, que na lingua dos naturais quer dizer terra talhada”. Frei Francisco dos Prazeres Ma- ranhao propunha analoga interpretacéo, sacada da andlise seguinte: Thi.apaba, terra cortada. Martius, com menos propriedade diz: iby terra, habe tudo; terreno descoberto, omne terra. O governador da Capitania do Ceara (1814), Luis Barba Alardo de Menezes, julgava que [biapaba devia ser deturpacio de Ibetwipava, “que quer dizer acabou-se a serra, porque a dita villa (Vigosa) fica quasi na sua extremidade”; Pensava certamente o Governador em Jbyiyra, serra e paba, acabado, findo, Para o Senador Pompeu (1860), Ibiapaba é “fim da terra”, também de acérdo com Alardo. Paulino Nogueira, por sua yez, segue a opiniio de Vieira ea de frei Maranhao “terra cortada”. Teodoro Sampaio faz a anilise seguinte: Ybid.paba, a estancia de terra alta ou chapada; o escarpado ott alcantilado, Sémente em parte concordamos com Sampaio. Temos Ybid, que dew ibid, terra alta, epaba, findar, terminar, chegar ao fim. Portanto, 0 fim cia terra alta. Clara alusio a impressionante escarpa da serra que, como ura xigantesco paredio de rocha, em alguns lugares com mais de 700 metros de altura, se estende por muitas leguas, interrompendo de repente a cha- pada, Ali acaba a terra alta (ibiatZ) e comega a terra baixa (ibii). REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 183 IGARASSU — Geog. Assim se chama o canal mais oriental do delta do rio Parnaiba. Mede 32 quilémetros de extensdo e recebe o riacho Por- tinho. fiste riacho e a parte inferior do canal eram até 1880 a divisa ter ritoria! entre os estados do Ceara e Piaui. Hist. © topénimo foi registado sob a forma de Iguaresu, em 1636, no mapa de H. Hondius. Cam a grafia de Iguarasu aparece um varios mapas seiscentistas, inclusive no de Santa Teresa, em 1698. Mais tarde, aparece a forma Hyguaracu (mapa de Silva Paulet, 1817). Na data de sesmaria concedida ao coronel Domingos Ferreira Veras, em 1761, esta com a grafia Igaract, que julgamos ser a verdadeira. © canal, suposto rio, chamou-se algumas vézes de Paramiry (Alber- naz, 1666); entio, o rio Parnaiba denominava-se Pareguassi (Loon, 1654) ow Parasu, alteragio de Paract (Albernaz), rio grande. Etim, Iquaracgu ou Iguarassu € alteragio de Igara, canoa e agt, grande; a canoa grande ou barco. IGUAPE — Geog. Enseada, ponta e morro no municipio de Aquiraz. Hist. Primitivamente a enseada do Iguape denominou-se “golfo de Sao Tucas”, como esti em muitos mapas quinhentistas. Desde o coméco do século XVII, porém, traz a sua atual designagao in ”, de Diogo de Campos Moreno, quando relata a entrada da armada de Jeronimo de Albuquerque, que ia libertar 0 Maranho, “na grande ba- hia do Iguape, vespera do nascimento de Nossa Senhora, hum Domingo (7 de Setembro de 1614), 4s dez horas do dia”. A jornada do Mara- nhao foi escrita em 1615, mas, certamente o nome teria sido colhido dos indios potiguaras alguns anos antes. Poderia ter sido no decurso da ex- pedicao de Pero Coelho (1603/1607), entretanto o historiador desta con- quista, frei Vicente do Salvador, no o menciona. Poderia provir dos indios que iam com os jestitas a serra da Thiapaba (1607/1608), mas Figueira na sua “Relagio do Maranhao” nao 0 consigna. Q que porém nao sofre contestagao € que Martim Soares Moreno desde a sua primeira tentativa de exploragio nas margens do estuario do rio Ceara, iniciada em 1611, j4 conhecia_o lugar com a denominacao indigena, por isto que. na sua “Reragio do Ceard, escrita em 1618, referiu-se a @es, como catisas quase familiares. Nas suas vizinhancas, era o lugar objeto de constante fiscalizagio e cuidados: “Dali (rio Ceara) a barlavento est4 outra ensea- da chamada Yguape que tambem era repouzo de estrangeiros”. Na relagfio de lugares da costa cearense colhida em 1628, na baia da ‘Traicio dos indios conhecedores das praias nordestinas, K. Resenlaer inclui a “praia de Ugnaguassu” que nao & outra que o trecho de litoral onde se abre a “enseada grande”, a qual corresponde exatamente a do Tquape. Nos mapas de Biaew. (1649) e Albernaz (1666), bem como no Regimento de Pilotos (Mariz Carneiro, 1685), 0 topénimo afeta a forma atual, 0 que mostra a sua propried: Etim. Iguape significa: “na enseada”; de Igué, a enseada, e pe, pos- positiva de locacao. Uguaguassn quer dizer “enseada grande”, de Igud, enseata e guassii, grande. Este qualificativo parece revelar que, entio, a enseada do Iguape era considerada como das mais importantes do Ceara. 184 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA IPANEMA — Geog. Nome por que foi conhecido. durante 0 sécule XVII 0 atual rio Apodi oa Mossoré (ver Apodi). Hist. A primeira referéncia a éste topénimo esta, ao que sxpomos, no livro “Rezo do Estado do Brazil” que é de 1621. Afeta a forma Opa- nema, com 0 artigo o portugués; refere-se a0 rio. Na relacko Resenlaer a grafia é Wupanem e nos mapas de Hondius, Laet e outros da mesma época escreve-se: Upanenra, mins, e noutros Hupanema e ainda em alguns ¥panin. No séeulo XVIT, com o melhor conhecimento do curso médio ¢ su perior do rio, éste nome fot sendo substituido pelo de Mossoré ou Apodi, reservando-se ele (Ipanema) para um importante afluente. Etim. Como se vé em Teodoro Sampaio, ¥.panema, de ¥pand é sim plesmente “Agua ruim, ou imprestével”, ITAPOBA — Geog. EF’ 0 primitivo nome do atual rio Maranguapi- tho, o primeiro ¢ mais importante afluente do rio Ceara. Hist. © topénimo vem do tempo da ocupagdo holandesa do Ceara. Figura no diario ¢ no mapa de Matias Beck (1649), com a ortografia deste verbete. Etim. Ita, pedra, e poba, alt. de puba, podre, fraca, friavel, que se desmancha: pedra podre ou friavel. Rio de pedras iridveis. ITAREMA — Geog. Assim chamavam os indios, sob 0 dominio ho~ andés, a atual serra da Taquara, contraforte selentrional da serra de Ma ranguape, onde os flamengos capitaneados por Matis Beck, fizeram unre frustrada’ exploragio de prata. Hist. © topénimo apareceu nos relatérios ¢ cartas do chefe holandés referido, particularmente no seu conhecido “Diario” (1649). Etim. De [td, pedra e rema, alteragao de nema on nem, feder, exalai mau cheiro; pedra que exala mau cheiro, pedra fedorenta. E? alusi pirite arsenical, mineral associado com alguma prata, que os holandéses extraiam daquela serra. Este mineral, ao ser percutido ou manipulado pe- los mineiros, deixava desprender o mau cheiro caracteristico do sulieto de arsénio. JAGUARIBE — Geog. Denominagio aplicada desde 0 século XVI ao maior rio do Ceard. A sua foz no mar é assinalada pela ponta do Ma- ceid, onde existe um farol, guia dos navegantes para o porto do Aracati. que j foi o mais importante da antiga capitania. ‘Hist, Surgiu o topénimo na segunda metade do século XVI, e vem registado no célebre mapa das “Capitanias”, que Jaime Cortezio autorizadamente diz ser de 1574, ¢ de autoria de Luis Teixeira, pai do notivel cartégrafo lusitaao Joao Teixeira Albernaz, Este importante do- cumento representa toda a costa oriental da América meridional, da fox clo Aimazonas pata o sul, Foi desenhado obedecendo a uma escala grafic de 100 téguas. O que the dé particular interesse é a divisio das capitani 2 © meridiano tordesilhano, limite ocidental de todas aquelas circunseri- ces ideiais. A costa dé Ceara, téda compreendida na capitania de Joio de Barros, figura com grandes defeitos e omissdes, Nao ha referéncias 4s capitanias REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 185 de Cardoso de Barros ¢ Ferndo Alvares que também interescavam o ter- ritério cearense; de certo, porque, ao tempo da confeccio do mapa ji aytéles concessiondrios haviam desistido da real dadiva, mas Jofio de Bar- yos, € scus filhos teimavam ainda na emprésa. © trecho de costa compre~ entiido entre a foz dio rio S. Miguel (Apodi) e a foz do Rio Grande (Par natha), isto é, a costa do Ceara, mede 110 Iéguas da eseala do mapa. O‘trago qe devia representar o nosso rio Jaguaribe foi omitido, mas » nome, escrito em Hnha sinuosa, como se acompanhasse um traco tortoso ¢ imaginirio, estd grafado sob a forma “R de Suaguarine”. ‘A identificagao € facil porque a foz déste curso digua, esbocada no inapa, esta justamente entre a fonta dos fumos e 0 C Corso, evidentemente us pontas do Maceié ¢ Grossa. Tais acidentes sio caracteristicos importan- tes nos documentos cartogrificos quinhentistas. ‘Alguns anos depois, em 1587, 0 topénimo foi referido na “Noticia do Brasil” de Gabriel Soares, sob a forma mais regular de Jaguaricv (Fdigiv de Varnhagem). Soares, que foi senhor de engenho em Jagua- rife, na Bahia, lugar de onde partiu a sua célebre bandeira para o inte- rior do continente, refere-se a tm outro rio do mesmo nome na Paraiba. No século seguinte, o topénimo divalgou-se mais ou menos deturpado, ‘e figura em quase todos os mapas seiscentistas e documentos relacionados coma regiio onde se abre 0 estuirio do rio. Os mais antigos registos do nome naquela centiria so encontrados: 1.) na “Relagio do Maranhdo”. eserita em 1608 pelo Pe, Luis Figueira, eximio conhecedor da Tingua Geral (Tupi) o companheiro de Pe. Francisco Pinto na primeira missio da serra da Ibiapina (1607/08) ; 2°) na “Relacio do Cearé” de Martin Son- res Moreno, exerita em 1618, que contém a descrigio das atividades do seu autor no Ceara desde 1604, em companhia de Pero Coelho; 3.°) na “Jornala do Marankio” escrita em 1615 por Diogo de Campos Moreno. tio de Martim; e, finalmente, 4°) na carta de Diogo de Menezes, escrita da Bahia, em 1 de marco de 1612, ao rei de Portugal. Figueira escrevia Jagoaribe, Martim Yaguaribe, Menezes ¢ 0 Sargen- to-mor, Jaguaribe, como atualmente. Ett, A forma mais antiga Suaguarine, reduz-se facilmente 4 atual Faguaribe. Nao era 1aro outrora escrever-se Sud, Chud por Yud ou Jud, na pas- sagem de térmos indigenas para o portugués colonial. Ainda hoje é comum escrever-se Chud em vez de Jud com referéncia a conhecida ponta que no ltoral do Distrito Federal tem esta denominacio. © mesmo ocorre com 2 palavra Chucurn (nome de indios nordestinos), comumente escrita Chacuru e Zucuru, Yucura, etc. © vocdbulo Jaguaribe evidentemente & de origem tupi: Jaguar.i.be no rio das ongas, o jaguar désses indigenas. JEPEO — Geog, Nome dado no fim do XVII século e coméco do seguinte ao riacho, que primitivamente os indios chamavam Marajait e atualmente se denomina Pajetz. Nasce nos taboleiros, atravessa trecho desta capital e desigua no mar, em frente da alfandega. Hist, Este toponimo foi encontrado no mapa do Capito-mor Mauue! Francés, confeccionado em 1726. Trata-se do segundo documento carto- grafico da embrionaria cidade de Fortaleza. A sua enorme legenda é muito 186 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA elucidativa: “Villa nova da Fortaleza de Nossa Senhora da Assumpssio da Capitania do Cearé Grande que $. Magde que Deus guarde foi cervide mandar criat”. Descoberto pelo stbio jesuita, Pe. Serafim Leite, nos ar- quivos de Lisboa, que o fez publicar na sua grande obra “Historia da Companhia de Jesus no Brasil, [II volume”, constitue precioso docunento para os fastos desta Capital. O riacho Jape fora, ao tempo da octpacao holandésa, chamado Mu- rajad (Marajik), mas agora tem 0 nome dePajed, como referimos. Etim. Japé, de iabé, 0 alto ou elevacéo modesta, € 1, riacho; riacho do alto, que vem do alto do taboleiro, JERERAG — Geog. Lagoa no mumicipio de Caucaia, Hist. Encontramos éste nome inicialmente na carta de sesmaria con- cedida em 1680 ao Capitao Filipe Coelho de Morais, um dos primeiros po- voadores do Ceara. A grafia Gererahu era corrente até bem poucos anos € ja figura naquele documento. Etim. De Yeré ou yerebe, 0 que gira, volve, roda; a roda, o moinho, a carreta (B. Caetano) e ra% ou ratiba, falsa ou falsamente (advérbio © que gira ou roda falsamente. Talvez alusdo a algum redomoinho que, arrebatando com desusada intensidade a agua da lagoa, fé-la girar por um instante to ar, logo desfazendo-se a pequena tromba, Tais redomoi- nhos, comuns no sertéo, sio pouco frenquentes no litoral. Poderia com alguma propriedade ser também: alteragio de Yrere, um pequeno Dendrocygna, muito comum nas lagoas do Nordeste, ¢ ravi, falso: donde, o pseudo ireré, pseudo ou falso por que existe outro um pouco maior, JERIQUAQUARA — Geog. Promontério, enseada e povoagio na costa do municipio do Acaraa, E’ o ponto mais saliente do litoral cea- rense, o de mais fraca latitude. Hist. © topdnimo foi registado no coméco do século VII, mas, pro- vavelmente ja existia desde o fim do precedente. O Regefeiro de Leca, piloto da armada que levou de Pernambuco ao Maranhao o Capitao-mor Alexandre de Moura, no ano de 1615, no seu “Roteiro”, refere-se a para- gem de Gericoacoara, e a0 parcel dos acaraqus. No ano anterior, em carta a0 Rei, 0 Governador Gaspar de Sousa, escreve Jaracoara e Diogo de Cam- pos tta “Jornada do Maranhio” (1615) grafa Jeruguaguare. Registam ainda éste toponimo tupi, na primeira metade do século , Bento Maciel Parente, num memorial de 1626, sob a forma Jurucoaquara; Kilian Resen- laer, em 1628, que fala na praia de Juracaagnara. Nos mapas quinhen- tistas, ordinariamente prefere-se o nome portugués de “Buraco das Tar- tarugas”. O cartégrafo Albernaz regista Juroquaguara ¢ escreve ao lado “Agulheiro das tartarugas”, Atualmente, a versio portuguesa desapareceu ¢ sémente a tupi domina. Etim. Jericuacuara ou como ordinariamente se escreve Jeriquaquara é expressio tupi que Teodoro Sampaio interpreta; Furncua, tartaruga ¢ quara, buraco, reftigio ou esconderijo. Portanto, “refiigio de tartarugas”. Malgrado a expressiva significagdo do nome indigena, os nossos tupind- logos nio se tinham posto de acérdo antes de Sampaio. A. Bezerra (apud. P. Nogueira} diz’ no jornal “Constituicdo” de 31 de maio de 1885, “bu- raco de aves variadas”, de jeru ou ajeru ave, papagaio, gui, variada e REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 187 coara buraco, Martius, por sua vez, explica: “enseada da varzea dos pa- pagaios”, de jerd papagaio, cud varzea e coara enseada (sic). JOSARI — Geog. Nome, provavelmente tremembé, aplicado durante certo espaco de tempo, no século XVII, ao atual rio Timonia ou mais pro- yaveimente ao seu confluente Ubatuba. Hist. Encontra-se sob a forma acima nos mapas de Blaeu, Loon, Seutterum © Keulen, ¢ sob a forma de Sesara no de Santa Teresa (1698), JUA — Geo. Rio, lagoa costeira e serra no muncipio de Caucaia O rio deségua no mar a 9 mithas a noroeste desta Capital, no lugar cha- amado Barra Nova. Hist. O topdnimo apareceu escrito na data de sesmaria concedid: em 1682, a Francisco Dias de Carvatho e outros, pelo Capitao-mor Se- bastido de Sa. Entdo afeta a forma de Jod e é atribuido exclusivamente uo rio, Ainda hoje, éste pequeno rio, que ja teve a denominagio tapuia de ‘Asumame (wide), conserva o nome tupi. Etim. Jui é 0 fruto da arvore juazeiro (Ziziphus juazeiro, M.). Segundo Teodoro Sampaio, o vocébulo compoe-se de a, fruta, mais ¥i espinho e d, colhida, Batista Caetano acha que significa simplesmente fruto de espinho; yu de nhu, espinho e & frato. JURITIANHA — Geog. Pequeno rio e povoagio no municipio do Acarai, aquele despeja no mar entre a ponta do Itapagé e a barra do rio Acarati. Hist, Bste nome surgiu, ao que stpomos, no velho mapa de H. Hon- dius, emt 1636, sob a forma de Girutinhaja; foi algum tempo depois repetido no de Laet com idéntica grafia. Figura em alguns documentos territoriais do XVIIT século, como numa data de sesmaria concedida em 1735, onde se escreve Juritianga, . Etim. Parece fora de divida que a palavra encerra na sta compo- sigio o elemento juriti, que Gabriel Soares eserevia sob a forma juruti, © outros juriti, juritt ¢ ierati, Juriti € 0 columbide Peristera frontalis, muito comum no Nordeste, no litoral como no sertao. Podemos supor que Juritianha seja: jurifi, alteragio de juruti_c avha, de tanha ou sanha, dente, bico; portanto, bico de juriti, significagio que parece carecer de boa expresséo. Em documento antigo, como vimos, encontra-se a grafia Jurifianga que comporta a seguinte andlise: Juriti e anga, vulto, alma, aparicgo © também sombra, abrigo, o que levaria a significacio de alma ou fantasma de juriti; porventura ligado a algum mito indigena, Como n&o nos parece ainda suficientemente satisfatoria esta interpretagio, podemos aventar uma outra; onga, aleracio de yanga, verbo aparecer, ajuntar, coligir; ajuntamento de juritis ou ainda abrigo de juritis, possivelmente alusio 4s moitas a euja sombra vivem estas ele- gantes ¢ timidas columbides. No documento mais antigo, acima referido, que regista o topénimo, est a grafia Girutinhaja, ou como se escreveria modernamente Jirutinhaia, que parece militar em favor da primeira interpretagio: bico de juriti, MARAJAITUBA — Geog. Monte 4 margem esquerda do riacho Marajaii, o atual Pajed que rega trechos desta Capital. Sabre éste morro, 188 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA perto da foz do referido riacho, os holandéses de Matias Beck, em 1649, construiram 0 forte de Schoonenborch, fundamento da nossa fortaleza de Nossa Senhora da Assuncio. Hist. Qo topdnimo esta registado no “Diario” de Matias Beck ¢ ne seu mapa, o primeiro que se levantou desta cidade, quando era ainda aquéle baluarte a mais importante edificagio do ineipiente arraial, Antes de comegar a construgio do forte, Beck com os seus soldados esteve acampado no monte € nas suas imediagies. Desembarcara com a sua gente no Mucuripe nos dias 5 ¢ 6 de Abril de 1649, e logo no segtinte saiu_a procura de um sitio conveniente para assentar os quarteis, O Jocal escolhido foi sdbre “um oiteiro chamado Marajaitiba, a0 sopé do qual corre tm belo rio de Agua doce” (Beck, Diario, tradugao de Alfredo de Carvalho). Lastimou 0 chefe flamengo nfo ter achado posic¢io mais adequada para edificar a sua fortaleza, Construida esta, e os armazens cobertos com tela transportaca do velho fortim do rio Ceara, que Soares Moreno 37 anos antes ergueira com 0 nome de Sao Sebastido, nas ruinas da Nov Lisboa de Pero Coellio, julgaram-se os batavos bem instalados para lev: vem a cabo as suas prospecgées de minas de prata. O morro perdeu éste nome, ¢ nenhum outro jamais Ihe foi aplicado Etim. Marajatiba € alteragio da composicio tupi: Marajd, espécie de coco, o fruto da palmeira maraiay, porventura a nossa modesta Atalew hinmilis, e 0 sufixo tyba ou tuba, (como é mais corrente) que indica abun. dancia. Portanto, marajaituba quer dizer “abundancia de babio”. Certa~ mente, no morro devia vegetar muitas tougas de catolé, entio em plena copiosa frutificacdo. MARAJAT ou MARAJAIK como escreviam os holandéses, a quem devemos ‘o registo do vocdbulo, é 0 nome que os tupis do comégo do XVII século davam ao riacho Pajett, que também j4 se denomirara Ja- pew (vide), Hist. Provavelmente éste riacho tinha anteriormente uma_denomi nage tapuia que, com a chegada e dominagio dos tupis da tribo poti- surara, fora substituido pelo de Marajat. Matias Beck encontrou éste to ponimo e€ © registow. Mais tarde, por motivo desconhecido, os tupis mudaram ainda uma vez o nome do riacho paraJaperi, que.também nao logrou longa existéncia visto como o yiacho desde o XVILI século tomou o nome de Pajei. Exim. Marajaik, ou como descreveriam os portuguéses Murajaig alteracio de maraid, fruto da palmeira Atalea humilis, ¢ ig ou ik, do ¥ gutural dos tupis, agua ou riacho: riacho dos catolés. Esta palmeira, que cresce em toucas mais ou menos espessas, é ainda hoje muito abundante no litoral do municipio de Fortaleza. MARANDAG ou MARANAC — Geog. Ao que parece, antiga denominacio tupi do rioTimonia, ow talvez do rio Ubatuba, Pode tam- hem ser nome aplicado somente ao esttdrio comum daqucles rios. O to- ponimo foi empregado por H. Hondias em 1636, no seu mapa, sob a forma Maraadakug. Ao lado da barra deste rio, desigua um outro que Hodius chamou Pemona (talvez Temona), mas como esta no mapa REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 189 ecupa a posigio do rio Ubatuba, demonstrando que houve engano da parte do cartégrafo. Hist. Este topdnimo nfo teve longa vida, desapareceu dos mapas que, entretanto, n3o raramente registavam o Timonia (vide). Elim. Marandat & alteracéo de parand.i ou marana.i; agua ou rio semelhante a mar. Isto faz supor que, realmente, o nome se aplicava ao largo estuirio comum aos dois rios Timénia e Ubatuba. MARANGUAPE — Geog. Serra, rio e municipio contiguo ao desta Capital. A serra, muito visivel do mar, é balisa para os navegantes que demandam porto de Fortaleza. ‘Hist. A mais velha mengio do nome Maranguape esti, como julgo, na relagio de Kilian Resenlaer, escrita na baia da Traigdo, em 1628. As- sim se exprime Kilian: “A 3 lieues de Ciara se trouve la mantagne Bora- guaba qui renferme une mine d’argent...”. Matias Beck em 1649 escreve o topdnimo: Maraguoaba e Mariz Car- neiro em 1655 Moroagua. Bem cedo porém tomou a forma moderna de Maranguape ou Maragoape. Durante o século XVI, chamou-se “Monte de Li”; nome de origem industanica. No comégo da centtiria seguinte. Martim Soares Moreno referindo-se & serra de Maranguape € As outras que ficam proximas, ¢ de longe, do mar especialmente, parecem unidas, formando uma sé montanha com muitos picos, di-The o nome de “serras do Ceara”; denominagao que depois se tornou vulgar para designar o conjunto das serras que se per- cebem do mar, A éste conjunto os tapuias chamavam Atamamune. Encon- tramos confirmacio de que os primeiros povoadores, bem como os nautas, destas costas julgavam que o grupo das chamadas “serras do Ceara” formavam um corpo timico, uma montanha ericada de cumes, Efetiva- mente, na data de sesmaria que, em 1685, o Governador e Capitio Geral do Estado do Brasil, Antonio de Sousa de Menezes, concedeu a Domin- gos Rodrigues Correia e outros companheiros, lé-se: “...elles tem des- cuberto na Capitania do Ceara Grande hua sorte de terra aqual comesa da testada dos ultimos provides do Rio Chord pella Tharga que fica para a parte das serras que vio continuas athe o Rio Siupé que chamam actual- mente O Gentio Pacatuba e Maranguape e as mais anexas...” Etim. As antigas grafias do topénimo oferecem marcado interesse para elucidar a sua verdadeira interpretagdo, que nao é to facil como parece 4 primeira vista. Martius propés uma curiosa andlise: mara, ar- yore, angaf de nenhuma maneira, e guape comer; érzore que de nenhuma maneira se come (!) Nao menos fantasiosa é a de José de Alencar: 2 abreviatura de moramonhang, fazer guerra, guerrear, e coaube, sabedor} guerreiro ou sabedor da guerra. Por sua vez, Paulino Nogueira julga que Maranguape significa — arvore de comer, ou de fruto que se come: de mara, arvore e€ guabe, comer. Para ‘Teodoro Sampaio seria: marangud de mard.gudé a baixada ou vale da batalha, e pe; donde, finalmente. — no vale da batalha, Nas datas de sesmaria do ultimo quartel do XVII século, quando o territério em tdrno do Forte comegou a se povoar, como naquela de que fizemos mencfio, ¢ na que o Capitdo-mor Sebastizo de S4, em 1682, con- cedeu ao Capitéo Filipe Coelho de Morais e Hieronimo Coelho, assisten- 190 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA. tes na fortaleza do Ceara, escreve-se respectivamente Muranguape @ Marangoape. Noutras bem mais modernas (século XVIII) encontra-se também a grafia correta, ainda agora usada. Baseando-se nela é que os nossos tupindlogos, inclusive os que foram aqui invocados, fizeram os seus estudos etimoldgicos. Como nao estamos inteiramente de acérdo com tais interpretagdes, devemos ‘observar que a palavra ja era muito vulgar no litoral do Ceara, do Rio Grande e até no da Paraiba, naturalmente entre os indios poti- guaras, Foram elementos representativos desse povo que informaram na baia da Traigéo a Kilian Resenlaer sébre os nomes de varios acidentes geograficos das costas nordestinas, inclusive as do Ceard; € desta infor- macio consta 0 toponimo em apreco. E” possifvel, e mesmo bem provavel, que éle ja existisse antes da ex- pedicio de Pero Coelho (1603/1607), pois, 3 anos antes Jan Bautista Syens, de Amsterdio chegou ao porto do Mucuripe , onde desembarcou no dia 21 de Novembro e logo seguiu para 0 interior, com dois marinhei- ros e alguns indios, a procura de umas pedras verdes, de que houvera ti0- ticia encontrar-se por estas paragens. Colhera tais informes do indi Cayone, no Rio Grande do Norte. Syens com seus companheitos marcharam em rumo das montanlas no dia 23, passaram em uma grande aldeia de tupis e foram pernoitar nou- tra menor, ao pé da serra, Assim escreve no seu “Diario”: “.. .plus prés de la pierre et du Roi du pays. Celui-ci nous fit conduire, le Jend main, 4 la pierre, que se trouvait au sommet d’une montagne trés elevée toute couverte de bois”. ‘A montanha, sem nenhtma divida é a serra de Maranguape, em cujo cimo se tem realmente encontrado 4gua-marinha, incrustada en veieiros brancos de pegmatita, como descreve 0 aventureiro: “Arrivés att sommet, nous y torvames um rocher trés éévé de grande dimension tout a l’entour de pierre de taille branche ot qu’on pourrait appeller pierre albatre blanc... Arrivé en haut je decouvris enfin la pierre, qui se trouvait enclavée dans une masse dure de pierre pereille au jasp. La pierre étail trés verte, comme {’émeraud. Mais comme de n‘avais pas outils pour cases la pierre de taille je dus renoncer 4 l’emporter”. Possuimos, em nossa colecio mineratogica do Ceara, uma pequena a- mostra de agua-marinka encravada num bloco de pegmatita, proveniente de um pico desta serra. Importa reter as indicacdes de Syens quanto 4 mata que cobria a montanha. Os pequenos vales, abertos entre os contrafortes da serra, sio dotades de um solo de aluviéo muito fértil e himido, mercé dos regatos perenes que descem das encostas. fiste terreno, agora especialmente cul- tivado com cana de acuear, devia ser outrora coberto de espessa floresta dridtica, com grandes e impressionantes Arvores, O porte da mata ati certamente avultava e despertava justa admiragio comparado com a ve- getagio de caatinga ot de carrasco dos terretios circunjacentes. O contras- te berrante nao podia deixar de exaltar e tornar admiraveis as madeiras, as 4rvores, a vegetagao Iuxuriosa daqueles vales ou baixadas dos sopés da encosta. Voltando ao assunto relative 4 antiquidade provavel do topdnimo, & possivel, em vista do que vimos de relatar quanto 4 visita do holandés, REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 191 admitir que a gente de Coelho, instalada ali perto no arraial de Nova Lisboa e abrigada 4 sombra do seu fortim, tivesse colhido dos indios tupis © nome da serra. O malogrado aventureiro empenhou-se no triste afi de cativar os nativos, e certamente os atacou traigoeiramente, onde os podia prear. Nao € de duvidar tenha Coelho procurado surpreender as aldeias que ficavam na base da montanha. Mas, sem diivida, o faria, como era habituat, com a técnica desleal da surpresa e do embuste, com todo © resguardo para garantir 0 éxito e previnir baixas nos assaltantes. Este sistema amoral nio comportava batathas ou combates, ndo passava de massacre e aprisionamento de nativos surpreendidos ou enganados imise- ravelmente. Muitos caiam mortos, ‘varios eram aprisionados e alguns consegaiam fugir, sem que se‘desenvolvesse nenhuma acdo digna de ter o nome de batafha, malgrado o natural instinto de defesa, que a tatica dos conguistadores anulava ou tornava quase inoperante. Nesta expedicio, n&o se registaram outras vitimas em combates além das que constam dos assaltos na serra da Ibiapaba; se ocorressem, teriam sido consignadas nas cronicas € noticias dos seus feitos e reveses. Isto nos induz a nfo exis- tincia de batalhas nos férteis e umbrosos vales da serra de Maranguape, ao tempo em que por estas paragens Coelho cativava indios. Mas, como o topénimo € tupi, e nas proximidades da montanha acampavam hordas ‘lesse povo, sempre muito propenso a nomear com propriedade os aci- ‘lentes geograficos, ao seu alcance, cremos que teria éle dado & serra uma expressiva denominacio, possivelmente relacionada com aquilo que tivesse de mais impressionante, as florestas dos seus pequenos vales, magnificos campos de cage para as tribos estacionadas nas vizinhancas. Ora, se a serra j& entdo tinha um nome, éste devia com todas as probabilidades ser 6 de Maraagud, justamente atribuido aos referidos vales, a “serra dos vales cobertos de grandes drvores”. Tais consideragdes sugerem naturalmente uma modificagio nas in- terpretacées seferidas. Iembraremos, como mais concentanea, a seguinte: niara, como € muito frequente, alteracio de ymyra, madeira, pau, grupo de arvores, floresta, mata, e gud ou guaba baixada, vale, seio; portanto, vale ot baixada das madeiras ou das matas. Alusdo natural aquefes vales ¢€ baixadas cobertos de belas florestas, que circundam a montanha. Ainda uma observacio se impde. Vé-se claramente que as interpretagdes mais interessantes que mencionamos, como a de Teodoro Sampaio (a haixada ow vale da butatha), basea-se na nazalizacéo da palavra marangud, que se nio atende ma que propomos, Verifica-se, entretanto, que nas expres- sdes antigas nfo ha nazalizacio: Boraguaba Resenlaer; Maraguabe, Peck; Morogua, Mariz. A nasal yeio depois, com a queda da silaba final ba ow wa. MERUOCA — Geog. No interior das terras, em frente 4 barra do rio Acarait (Acaracti), eleva-se uma serra que atualmente tem o nome de Mucuripc ou do Curral Grande.. Esta serra que se avista do mar e serve de balisa aos navegantes que pretendem entrar naquela barra, cha- mava-se no meado do século XVII, Meruoca. Nao deve ser confundida com outra, déste mesmo nome, distante do litoral ¢ perto da cidade de Sobral, vio visivel do mar. i92 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA Hist. © topdnimo foi tevelado por Albernaz rio seu mapa de 1666. sob a forma de Merioqua. Nao logrou alcancar 0 século seguinte. Etim, Nos documentos antigos encontra-se nfo raras vezes Acari qus por Acaractis, qué por cé. Merioqua, pois, deve set Merioca ou Me- ruoca, de meru mosce (doméstica on selvagem), e oca, casa, residéncia. ninho, refagio ou o que cobre; donde refiigio das moscas, mosqueiro. MODEITUBA ~~ Nome por que também foi conhecide 0 atual rio Mundai (vide). MONDAO — Aparece éste nome em alguns dos mapas de Albernaz. no de van Keulen, ¢ outros do XVII século, para designar o atual rio Aracati-mirim, ou talvez um suposto estidrio, comum a éste rio e 20 Aracati-acu. © topénimo tem sido grafado diversamente: Mondio por Albernaz, Mondau por Keulen, mondao por Diogo Campos, ete... Todas porém sio formas que se reduzem a Mondad ou Munda (vide). MUCURIPE — Geog. Enseada, ponta e vila do municipio de Fortaleza. Hist. ¥? 0 mais antigo topénimo indigena do Ceara. Pela primeira vez apareceu no mapa das Capitanias em 1574, sob a forma de Macoric. Em 1597, 0s flibusteiros holandéses Hendrich Hendricksen Cap ¢ Claes Adriassen Cluyt, colheram de um indio chamado Caionen a expressao Moccourn (Mocuri) que escreveram 4 moda francesa, No século seguinte, as praias do Ceara foram visitadas com muito mais frequéncia, néo tanto por navegantes clandestinos, mas por nautas portuguéses, pescadores de ambar e expedicionarios que procuravam unt caminho seguro para a libertacio do Maranhio, a exploracio das afama- das terras da serra da Ibiapaba e das minas de prata e ouro que se diziam existir naquela serra ena de Maranguape. Receberam também os primeiros povoadores que se instalavam especialmente nas margens do estuario do rio Ceara, nas adjacéncias do Forte, de onde iam aos poucos espalhando-se pelos terrenos da costa, onde os nativos eram convertidos 4 fé caté- fica ow subjugados, catequisados ou ligados aos colonos por pactos de paz mais ou menos precarios. Isto ocorreu sobretudo depois da deieccio holandésa. Rstes conseguiram senhorear-se da costa cearense e procura- ram extender o set dominio para o interior, preocupados com prospeccdes de minas, depois de instalados nas margens do riacho Marajai, sob © amparo de forte de Schoonnenborch. Os registos seiscentistas do nome Mucuripe, pois, deviam ser numero- s08; porém sémente os mais antigos interessam ao caso vertente. Os pri- meiros registos sto de origem protuguésa. Martim Soares Moreno, que perlustrara a regido em 1604 com Pero Coelho residira na Nova-Lisboa até 1607, ali hem perto da enseada, e tornara 4 barra do Ceara em 1611. no firme propésito de desenvolver uma regular exploracio do lugar ¢ guardar as costas proximas das incursdes francesas, com incontestavel au- toridade, por isto que falava a lingua dos tupis, escreve Macaripe, como se vé na sta “Relacio do Ceara” que é de 1618. Sousa Deca, que estacionou algum tempo na Jeriquaquara, regista em 1614 0 nome sob a forma de Macoripe na sua “Breve Relacio da Jornada do Maranhio”, Nomapa REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 193 que se atribui geralmente a Pero Coelho, provavelmente organizado entre 1608 e 1610 por Diogo de Campos Moreno (Studart), esta Macurip:, tal como uo livro “Rezio do Estado do Brasil” déste mesmo autor (Studart), que é de 1621. No “Exame de Pilotos”, feito em 1614 por Manuel de Figueiredo, lé-se Moncuripe. Na “Jornada do Maranhio” de Diogo de Campos (1615) esta Mucuripe. Frei Vicente do Salvador. cronista da expedigio de Pero Coelho, grafa Macoripe, em 1627. Os ho- Jandéses nos seus mapas, relatos de viagens, informagées, ete., nao tém orto- grafia uniforme. Jan Bautista Svens, no “Jornal de Viagem”, escreve, em 1600, Mockeroe num lugar, e, noutro 4 francesa Moccourn (Mocuri). Outro Hamengo, louvando-se na informagéo de indios, entre muitos nomes das costas nordestinas grafa em 1628, também ao jeito francés, Moccourw. Este curioso viajante ¢ 0 conhecido Sr. Kilian Resenlaer. Ainda outros, M. Hondins e J. Laet, escrevem Macuripe, aquéle em 1636 ¢ éste em 1640 Matias Beck, que viveu alguns meses no riacho Marajai (Pajet), ¢ lancou os fundamentos desta cidade, depois de haver com a sta gente desembarca- dona baia que chamou de Mucuriba, reepete varias vézes esta grafia no seu “Diirio”, escrito dia a dia, de 18.de Marco de 1649 a 9 de Setembro do, mesmo ano. Entretonto, 0 Conselho Supremo da Companhia das fu- dias, em carta de 1638, comunicando aos Diretores da Companhia 0 resul- tudo da expedigio de George Gartsman ao Ceara, usa a grafia Marcoripe. Depois da retirada dos holandéses do Brasil, quando a costa cearense passou a receber a visita assidua de nautas e autoridades portuguésas, como preparative para o inicio da colonizac&o, comecada com a segunda metade da centiiria, 0s registos de topénimos constam de escritos oficiais, vobretudo das interessantes cartas de sesmaria concedidas aos povoadores, ¢ de diversos mapas de cartégrafos lusitanos, alguns de origem holandésa e bem raros de outra origem. O “Regimento de Pilotos” de Mariz Car- neiro, de 1655, regista o topénimo sob a forma de Macoripe; o cartograio Abernaz, em 1666. Macuripe; na catta de sesmaria concedida em 1680 a Manuel Lopes Calreira esta Mocuripe; no mapa de Santa Tereza, de 1698, Mucuriba, Nos documentos do séeulo seguinte (XVIII), a grafia do toponimo varia menos. A silaba inicial ma quase desaparece, substituida por #0 € menos frequentemente por mx. Os daclos colliides procedem especialmente das datas de sesmaria, Os dois mais antigos sio de 1721; uma concessio feita a José Correia Peralta e outra a José Tavares Cabral. Na primeira se eseréve Mucuripe © na segunda Mocoripe. © terceiro documento é a data de sesmaria concedida em 1748 a José Nunes da Silva, e nela se regista Mucuripe. Consta da “Carta do Cyaré Grande da ponta do Mocuripe athé Jacarecanga”, de 1745, de autor des- conhecido, existente na Porte do Tombo, em Lisboa, a forma que se vé na legenda (Mocuripe). Finalmente, 0 cronista Bernardo Pereira de Ber- redo, nos seus “Anuais Historicos do Estado do Maranhio” esereve Mou- curt (1* edigdo, 1749), sob infiuéneia francesa, No decurso do XIX século, o mimero de documentos que registam © topdnime j4 é bastante grande, Consideraremos, etttretanto, os que sio anteriores a 1890, tendo, consequentemente mais de meio século. Moco- ripe esta: 1.” na “Planta do Porto”, 1802: 2.°, no “Prospecto da Villa de Fortaleza de Nossa Senhora d’Asstmpgio”, mandado tirar em 1811, pela 194 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA Governador Barba Alardo de Menezes; 3.°, na “Carta Topogrifica da Capitania do Sear4”, mandada Jevantar em 1812 pelo mesmo Governa- r; 4°, numa descriggo da costa do cabo de S. Roque até o Ceara, de . data e autor desconhecidos, oferecida 20 Instituto Histérico do Rio de Ja- neiro, em 1844, pelo Tenente-Coronel Ricardo Gomes Jardim; e, final- mente, 5.", no “Roteiro da Costa do Norte do Brasil” de Colatino Mar- ques de Sousa, publicado em 1883. Mocuripe 4 grafia que se encontra: 1" no mapa da enseada déste nome, levantada pelo Capito do Corpo de Engenheiros, Jodo Bloem, em 1825; 2°, na “plano do ancoradonro do Mocutipe na Provincia do Ceara” levantado pelo Guarda-Marinha J. C. illobel, e publicado no Rio de Janeiro em 1854; 3°, nas cartas hidro- graficas ‘de E. Mouchez de 1861 ¢ 1867 e, finalmente, 4°, numa carta da marinha norte-americana, de 1886. Mucuripe est escrito: 1.°, aum plano de ancowradouro naquela ensest da, levantado e desenhado pelo Guarda-Marinha Guillobel e publicado 1 Rio de Janeiro em 1864; 2°, na carta hidrogrfica organizada com as ob servagées de Vital de Oliveira, feita de 1857 a 1859 e dados de Mouchez devidamente retificado : 3°, na planta do porto e no relatério do engenheir: inglés John Hawkshaw, de 1875. Resumindo, temos colecionado as seguintes grifias do topénimo, toda correspondentes ao periodo histirico: No século XVT: 1 — Macorie — Mapa das Capitanias 1574 2 -— Macorive — Gabriel Soares .. 1587 3 — Mocuri — Hendrickssen e Cluyt 1597 No século XVII; 4 — Mocuri — Syens . . 1600 5 — Macaripe — Sousa Deca . 1614 6 — Macoripe — Sousa Deca . 1614 7 — Moneuripe — Iexame de Pilotos (Figueiredo)... 1614 9 — Macoripe — Soares Moreno... . 1618 8 — Mucuripe — Jornada do Maranhio 1615 10 — Macuripe — Razdo do Estado do Brasil 162i 11 — Mocoripe — Frei Vicente do Salvador . 1627 senlaer . . 1628 13 — Macuripe — H. Hondius 1636 14 — Marcoripe — Conselho das Indias . 1638 15 — Macuripe — Laet 1640 16 — Mucuriba — Matias Beck | 1649 17 — Mongoribe —~ Loon . 1654 18 — Macoripe — Mariz Carneiro... . 1655 19 — Macuripe — Albernaz.... . 1666 20 — Mocuripe — Sesmaria de Calreira 1680 21 — Mocuripe — Santa Teresa 1698 No sécwlo XVII: 22 — Mucuripe — Sesmaria de Peralta... .. REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 195 23 — Mocuripe — Sesmaria de Tavares . . 1724 24 -— Mocuripe — Carta do Cyara Grande . 1745 25 — Mocuripe — Sesmaria de Silva . 1748 26 — Mocurt — Berredo...... .. 1749 No século XIX> 27 —- Mocoripe — Planta do Porto... . 28 — Mocoripe — Prospecto de Alardo . . 29 — Mocoripe — Barba Alardo . 1812 30 — Macoripe — Paulet . 1817 31 — Mocoripe — Schwarzma 1831 32 — Mocuripe — Bloem.... . 1825 33 — Macoripe — Sshwarzmann ¢ Nardius 1831 34 — Mocoripe — Jardim . 1844 35 — Mocuripe —“Guillobel | 1854 36 —- Mocuripe — Mouchez .. . . 1861 37 — Mucuripe — Guillobel - 1864 38 — Mocuripe — Mouchez . 1867 39 — Mucuripe — Mouchez e Vital. 1857 40 — Mucuripe — Hawkshau.... . 1875 41 — Mocuripe —Colatino . . 1863 42 — Mocuripe — Marinha Americana » 1886 Nesta longa lista, verifiea-se que 0 topénimo, desde que surgity se tem escrito obedecendo a trés formas principais: 1" — Macori ou Macuri; 22 — Mocori ou Mocuri; e, 3° — Mucuri uo Mucori, caracterizadas pela silaba inicial, respectivamente, ma, mo, mt. Etim, A interpretac&o etimolégica de Mucuripe, nome evidentemente de origem tupi, aplicado primitivamente a uma enseada, e depois a uma ponta ¢ a uma serra, tio se tem sevelado tao facil como poderia parecer & primeira vista, do simples aspecto do vocabulo. No primeito séeulo (XVI), encontramos 2 formas em ma e uma em moa; no segundo (XVII), nima relagéo de 18, acharios 9 em ma, 7 em mio, @ apenas 2 em mu; no seguinte (XVIII) coligimos, nenhuma em ma, 4 em moe 1 em mu; eno século proximo passado temos 2 em ma, 11 em moe 3 em mn. O quadro seguinte, permite melhor apreciar esta distribuigéo: Formas Séc.XVI_ Sée.XVU Séc,XVUE_ Séc.XIX —— Totais Ma 2 9 0 2 13 Mo 1 7 4 rte 23 Mu 0 2 1 3 6 Totais 3 18 5 16 42 Donde : (ma... 11 (ma. Soma dos 2 pos. séculos ( mo -8 soma dos 2 tltimos ( mo. 2 (ma. (mu. 196 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA ‘Vé-se que primitivamente as formas em ma predominavam seguindo-se as em mo e as em mu, depois, quando a regio se povooa mais intensamen- te com elementos nao indigenas, as formas em mo predominaram,, segui- das respectivamente das em mie mia. Cumpre observar que no segund's século, quando a influéncia tupi foi mais acentuada dominavam aa formas em ma com a percentagem de 50% sdbre o total. No conjumto. verifi- ca-se que: Formas em ma, percentagem.........4.. 30,9 2” no ines S42 ” ” ome ” be reeeeeeees 14 ‘A predominancia das formas em ma nos dois primeiros séculos, segui- das das em mo e por tltimo das em mw, concita-nos a examinar mais deti- damente aquelas, por serem mais antigas ¢ entio muito mais frequentes, devem oferecer particular interésse. As formas em mu, atualmente exciu- sivas, de ha um século para tras nunca predominaram; e mesmo no con- junto apresentam a mais modesta contribuigdo do quadro, Nem mesmo nos dois altimos séculos elas lograram posicio realmente saliente. Este resultado de ordem estatistica deixa supor que a forma real capaz de trazer questo alguma luz, é a primeira; e que a atual resulta de uma. alteragdo evidente. Comegaremos o nosso estudo pela forma agora vulgar —- MU- CURIPE. A sua anilise etimologica seria facil: mucura.y. pe; no rio ou aguadas das mucuras. Mucura é na regio amazénica ¢ no Maranhao o Didelphis que no sul € no centro-sul do Brasil se chama gambd; € no centro-costeiro e nordeste do pais sarigué, € mais modernamente, nesta ultima parte, cassaco. Mesmo no Maranhio, éste nome nao era exclusivamente dominante, de vez que lé, pelo menos antigamente, o vocabulo sarigué ou sariguei apa- recia frequentemente com a mesma significagao e estendia 0 seu uso ainda bem adiante, onde ja Pinzén a encontrou em 1500. Marcgrave em 1646 colheu no Nordeste nao sé a forma sarigueya, como também as seguintes: sarigoy e tajibi. Esta ultima, apenas usada por algumas pessoas, foi observada por Rugendas no Brasil central (1835). "Talvez nfo seja de origem tupi. O vocdbulo sarigueya tem grande drea de dispersio geogrifica. Felix de Azara (1801) estudow-a no Paraguai, onde diz ter encontrado 6 espécies de didelphis; mas 4 tipica atribui o nome indigena de micura, que nos parece corresponder a de mucura am zonense. De qualquer maneira, ndo sendo a regio do Mucuripe primi vamente habitada por tupis, 0 nome ali chegou por importagio, provavel- mente com os proprios indios désse grupo que pela costa ceareese vinham colher ambar ¢ por ela se foram estabelecendo na tiltima metade do XVI século. E’ muito pouco provavel que os tupis que vihnam do sul empre- gassem a palavra mucura, uma vez que sarigud ou sarigueya era o seu designntivo de cassaco. A hipdtese de que o topdnimo tivesse chegado do norte do Brasil é improvavel porque os primeiros tupis que vieram para o Ceara provinham do sul, eram potiguaras ou tabajaras, Também a hipdtese de que houvesse chegado do Maranh’o, porventura com indios que acompanhavam navegantes quinhentistas, nico se coaduna com a cir- REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA_197 cunstancia da navegacdo naquela época. Em navios, sabe-se disto com toda a seguranga, quem entio perlustrava as nossas costas, o fazia de sul para o norte e nunea no sentido inverso. Portanto, se algum bareo trazia a bordo indios, eram éles de Pernambuco ou da Paraiba. Estas consideragSes nos levam a repudiar a andlise etimoldgica acima referida. ‘Teremes de considerar a forma Mocori de que Mocuri ou son- cori sao simples e evidentes deturpagdes. Para Mocoripe teriamos de acérdo com Teodoro Sampaio: mocé.r.y.pe; ma agua ou rio dos mocés. Mocé 6 0 conhecido roedor Cavia ruprestis, muito comum em todo o Nor-

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