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= Michel Thiollent A fungiio politica da pesquisa-agao é freqiientemente pensada como colocagéo de um instrumento de investigagiio e agao & disposigéio dos grupos e classes sociais populares. Segundo R. Franck, o principal objetivo da pesquisa-acao nao € apenas o entrosamento da pesquisa ¢ da ag&o, pois um tal entrosamento existe em muitas Pesquisas con- vencionais a servigo dos grupos dominantes na vida econémica politica. A principal questao ¢ a seguinte: “como a pesquisa (. poderia tornar-se Util & ago de simples cidadaos, organizag6es mili- tantes, populagdes desfavorecidas ¢ exploradas?’’ (Franck, 1981: 160-6). 46 Capitulo CONCEPGAO E ORGANIZACAO DA PESQUISA Vamos abordar uma série de temas e itens relacionados com os aspectos praticos da concepgao e da organizacio de uma pesquisa social orientada de acorda com os prineipios da pesquisa-agio. Tra- ta-se de apresentar um reteiro que, naturalmente, nado deye ser visto como sendo exaustivo ou coro o tinico possivel, Em cada situacdo os pesquisadores, juntos com os demais participantes, precisam rede- finir tudo o que eles podem fazer. Nosso “roteiro” é apenas um ponto de partida, © planejamento de uma _pesquisa-acio é muito flexivel. Contra- tiamente a outros tipos de pesquisa, nfo se segue uma série de fases rigidamente ordenadas. * Ha sempre um vaivém entre varias preo- cupagdes a serem adaptadas em fungéo das circunsténcias e da dind- mica interna do grupo de pesquisadores no seu relacionamento com a situagio investigada, A lista dos temas que apresentamos aqui segue parcialmente uma ordem seqiiencial no tempo: em primeiro lugar aparece a ‘fase exploratéria” e, no final, a “divulgagdo dos resultados”, Mas, na verdade, os temas intermedidrios nfo foram ordenados numa deter- minada seqtiéncia temporal, pois hd um constante vaivém entre as preocupacdés de organizar um semindrio, escolher um tema, colocar um problema, coletar dados, colocar outro problema, cotejar o saber formal dos especialistas com o saber informal dos “usuarios”, colocar * Todavia, varios autores partidérios da pesquisa participante tém proposto seqiiéncias e fases bem definidas. Ver artigos de M. Gajardo'e G. Le Boterl em C. R, Brandao (Org.), Repensando a pesquisa participante, Sic Paulo, Brasiliense, 1984, p, 15-50 e p. 51-81, 47 outro problema, mudar de tema, elaborar um plano de agao, divulgar resultados, etc. Todas essas tarefas nfo sio consideradas como “fases’’, Em geral, quando os planejadores de pesquisa elaboram a priori uma divisfio em fnses, cles sempre tém de infringir a ordem em funcao dos problemas imprevistos que aparecem em seguida. Preferimos apre- sentar o ponto de partida eo ponto de chegada, sabendo que, no interyalo, haverd uma multiplicidade de caminhes a serem escolhidos em funcio das circunstancias, I, A FASE EXPLORATORIA A fase exploratéria consiste em descobrir o campo de pesquisa, os Interessados e suas expectativas ¢ estabelecer um primeito levan- tamento (ou “diagnéstico”) da situacio, dos problemas prioritarios e de eventuais agdes. Nesta fase também aparecem muitos problemas praticos que s&o relacionados com a constituicio da equipe de pes- quisadores e com a “cobertura” institucional e financeira que sera dada a pesquisa. Devido & grande diversidade das situagdes ¢ & sua imprevisibili- dade, € impossivel enunciarmos regras precisas para organizar os es- tudos da fase exploratéria. 86 daremos algumas indicagGes, Um dos pontos de partida consiste na disponibilidade de pesqui- sadores e na sua efetiva capacidade de trabalhar de acordo com o espirito da pesquisa-acao, O passo seguinte consiste em apreciar_pros- pectivamente a viabilidade de uma intervengfo de tipo pesquisa-agao no meio considerado. Trata-se de detectar apoios ¢ resisténcias, con- yergéncias e divergéncias, posigdes ol tas € céticas, etc. Com o balango destes aspectos, o estudo de viabilidade permite aos pesqui- sadores tomarem a decisio e aceitarem o desafio da pesquisa sem criar falsas expectativas. Além do mais, é necessdrio conceber o lan- camento da pesquisa com a habilidade necessdria para sua_aceitacao por parte dos interessados e, eventualmente, das_instituigGes financia- doras, Uma vez resolvidos esses problemas — o que nem sempre & facil — a pesquisa poderé comegar. Nos seus primeiros contatos com os interessados, os pesquisa- dores tentam identificar as expectativas, os problemas da situacdo, as caracteristicas da populagio € outros aspectes que fazem parte do que é tradicionalmente chamado “diagnéstico”. Paralelamente a esses pri- meiros contatos, a equipe de pesquisa coleta todas as informagdes dispontyeis (documentagao, jornais, etc.), Em fungao da competéncia e do grau de envolvimento dos pes- quisadores com a linha da pesquisa-agdo, a equipe define sua ¢ tégia metodolégica e divide as tarefas conseqtientes: pesquisa ted: 48 Pesquisa de campo, planejamento de ages, etc, A divisa ig ; nejai . visio das nua é estanque e definitiva. Os pesquisadores participam Stat clas, porém as responsabilidades sao distribuidas em fungao das com- , também ¢ organizado, na fase inici ‘1 E ase treinamento complementar para os pesquisadores pean De acorda com 0 principio da participa condigdes da colaboraglio entre Pesumatoter oem a idos na situagao investigada, Qi 40 €SS8S pessoas ou pruy a nos sociais e culturais? A. teresses politicos estao ee Ja Participaram em experi is semelhantes? Com éxito ou ? Dentro da imaginagfio popular, como so representados os 5.6 possiveis soluge s? Que tipo de crenga esta interferindo? ntade cle participar? De que forma? Existe dificuldade de 880 Ou de expressia? Tais séio algumas perguntas inicials as Tespostas podem nortear a exploracia dos problemas de parti. cipacio dos potenciais interessados. Além disso, os pe ieaees costumam praticar um reconhecimento de Srea. Isto inclu Chee vacao visual, consulta de mapas_¢.organogramas € discussao direta com._fepresentantes direto: indi i a ‘implicadae, sl indiretos das yérias categorias socinis No que diz respeito & metodolo; ia de “dia, ico” i acrescentar algumas Precisdes, Embore seja Feat: ees rada a metodologia da pesquisa-agho, a metodologia de dlngnisatita possul outras origens (medicina, servico social, etc.) e tem sido o cebida de modo néo-participativo, estabelecendo uma dicotomia re quem estabelece o resultado do diagnéstico ¢ quem deve se Sabet #0 mesmo. No contexto médico, a terminologia dos métodos de dia : ndstico nfo Apresenta nogdes de carter Participativo e nao lace nogdes relacionadas com as potencialidades ¢ a iniciativa propria d Pacientes objeto do diagndstica, Saye No contexto do servigo social, os autores tém distineuj i néstico como “proceso” do diagnéstico e camo coe ne aa a petits acepeao, trata-se de um “processo de identificagao Jos_problemas de uma situagaio © deciséo de meios adequados para neontrar solugdes” (Vaisbisch, 1981). Na segunda, o diagnéstico é constituido pelas informagdes a partir das quais slo estabelecidas as er de agdo, Dentro do processo de diagnéstico, os membros da core pede exercer alguma forma de participacdo, mas, a nosso veka odas as prdticas do servico social permitem a patticipagtio « Sobretudo em contexto empresarial, muitos diagndsticos do servigo social sio elaboradas a reyeli si ee vella dos interessados (trabalhadores assa- 49 Outras criticas & concepgao do diagndstico foram formuladas, no contexto peculiar dos estudos rurais, por Ivandro da Costa Sales, José Augusto dos Santos Ferro e Maria Nelly Cavalcanti Carvalho (1984: 32:44), Os autores mostram que a concepcao dominante em matéria de diagnéstico falseia a realidade do pequeno produtor rural, que sempre é€ visto apenas como “carente”. Qo diagndstico sempre focaliza o que falta: educagao, recursos, ete. Nao sia cusergadas potencialidades dos produtores e do seu meio circundante. Ha tambe m1 o privilegiamento da percepgao dos produtores como individuos iso- jados em detrimento da sua apreensfio como grupos fazendo parte do processo da produgao coletiva, Os autores enfatizam que, em ma- teria de produgéo de conhecimento, o modo tradicional de diagnos- ticar exerce profundas distorgdes: 0 processo de conhecimento é te- duzido a uma coleta de dados na qual os produtores sHo meros informantes (Sales, Ferro e Carvalho, 1984; 35). Encontramos no artigo citado uma grande quantidade de outras observacGes muito pertinentes para criticar a concepeao tradicional do diagndstico € desenvolver uma “perspectiva de aprendizagem da participacio” ¢ uma forma de colaboracio ativa entre os saberes dos produtores, dos técnicos e dos académicos, Além da Area da pesquisa tural, esta pers- pectiva nos parece sugestiva ¢ aplicdyel, com adaptagdes, em muitas outras Areas. Voltando & caracterizagio da fase exploratdéria da pesquisa, na qual a metodologia dos diagnésticos precisa ser reequacionada, pode- mos considerar que, apds_o levantamento de todas as informagoes iniciais, os _pesquisadores ¢ participantes estabelecem os. principais objetivos da pesquisa, Os objetivos dizem respeito aos_problemas considerados como_prioritarios, ao_campo. de observagao,. aos_atores ©.a0 tipo de agao que estarao focalizados no processo de investigacaio, 2. O TEMA DA PESQUISA tema da pesquisa é a designacgao do problema pratica e da frea beeen emer abordados. Por exemplo, podemos imaginar uma pesquisa sobre o tema: os acidentes de trabalho na indtstria metalirgica. Este tema & imediatamente associado fo pr blema prdtico: como reduzir os acidentes? O tema pode ser definido em termos concretos como relacionado a um campo bem delimitado, por exemplo, os acidentes com prensas na companhia X, ou, ao con- trério, ser definido de modo mais conceitual: estrutura de riscos huma relagio homem-mdéquina. De modo geral, o tema deve ser seis de modo simples e sugerir os problemas € 0 enfoque que serio a clonados. Na pesquisa-agio, a concretizagao do tema e seu desdo- 50 bramento em problemas a serem detalhadamente pesquisados so realizados a partir de um processo de discussio com os participantes, E Gtil que a definigao seja a mais precisa possivel, isto é, sem ambi- Sitidades, tanto no que se refere a delimitago empirica, quanto no que remete a delimitacdo conceitual, Uma vez definido, o tema é utilizado como “chave" de identi- ficagao.e de selegio.de dreas de conhecimento disponivel em ciéncias Sociais ¢ outras disciplinas relevantes. No exemplo anterior, elemen- tos de conhecimento serio localizados nas areas de psicologia indus- trial, tecnologia, ergonomia, direito trabalhista, etc, A formulagao do tema pode set desctitiva: as condigGes de tra- batho na industria téxtil, Também existe uma formulagao de cardter normativo: como melhorar as condigdes de trabalho na indtistria téxtil, Embora muitas vezes seja precaria a distingéo entre o que é descritivo © 0 que € normativo, parece-nos necessdrio té-la em mente na hora de definir a temdtica de uma pesquisa-acZo. A acdo é obrigatoria- mente orientada em fungdo de uma norma, No caso, a “‘melhoria” sempre supde um “ideal” em comparacéo ao qual a situacao real deveria ser transformada. A “melhoria” 6 definida em termos rela- tivas, marcando a diferenga entre o que € ¢ o que desejamos que seja. Na pesquisa-acio, o cardter Nnormatiyo das propastas é explici- tamente teconhecida. As normas ou critérios das transformacdes ima- ginadas séo progressivamente definidas, Na pratica, as normas de aco do lugar, algumas vezes, a negociagGes entre as diversas categorias de participantes, Em_geral o tema € escolhido em funcao de um certo tipo de compromisse entre a equipe de pesquisadores ¢ os elementos ativos da. situagio_a ser investigada, Em certos casos, o tema & de antemao determinado pela natureza e pela urgéncia do problema encontrado na situagao. Por exemplo: nos casos de uma remogio de favela ou de uma campanha popular para construir escolas. Em outros casos, o tema emerge progressivamente das discussdes exploratdrias entre pes- quisadores e elementos ativos da situag&o. Quando um primeiro tema se revelar invidvel a curto prazo, Por exemplo, por motivo de dema- siada complexidade ou de despreparo da equipe, é bom delimitar um tema que esteja ao alcance dentro de um prazo razodvel, levando em conta a condigdes concretas de atuacdo dos diversos grupos impli- cados, Muitos: autores consideram que sio apenas as populacdes que determinam o tema. Outros dizem que ha sempre uma adequacio a ser estabelecida entre as expectativas da populagio ¢ as da equipe de pesquisadores. A nosso ver, deve haver entendimento. Um tema que nao interessar & populacio nao podera ser tratado de modo parti- 51 cipativo, Um tema que nfo interessar aos pesquisadores nfo seré levado a sério ¢ eles nfo desempenharfo um papel eficiente, © acordo entre participantes e entre pesquisadores e partici: pantes deve ser procurado. Quando houver conflitos d# interesses, a escolha do tema podera se revelar delicada. Quando possivel, o con- senso € ideal. No amadurecimento do tema em discussdes preliminares, a equipe de pesquisadores desempenha um papel ativo, Freqtientemente, o tema € solicitado pelos atores da situagdo, As vezes, sendo mal colocado o problema pratico relacionado com o tema inicial, os pesquisadores precisam deslocar um pouco a perspectiva por meio de discussfio. No entanto, deve-se deixar bem claro que o tema © as questées prdticas a serem tratadas devem ser absoluta- mente endossadas pelos participantes, pois nao poderiam participar numa pesquisa sobre temas distantes de suas preocupagdes. Junto com as pessoas que solicitaram a pesquisa, os pesquisa- dores elucidam a natureza ¢ as dimensées dos problemas designados pelo tema, Tais problemas tém que ser definidos de modo bastante prético e claro acs olhos de todos os participantes, porque a pes- quisa sera organizada em torno da busca de solugdes, : Uma yez selecionados o tema e os problemas iniciais, os pes- quisadores poderéo enquadré-los num marco referencial mais amplo, de natureza tedrica, Por exemplo, no caso de um estudo de acdo junto a.uma populacao dita “‘marginalizada”, os pesquisadores pro- curam dominar a discussAo acerca da problemdtica da ‘“‘marginali- dade social” ¢, inclusive, das criticas a que estd submetida no contexto atual das ciéncias sociais, De acordo com o que precede, entre os diversos quadros tedricos disponfveis um marco especifico ¢ escolhido para nortear a pesquisa e, principalmente, atribuir relevancia a certas categorias de dados a partir das quais seréo esbocadas as interpretacdes ¢ equacionadas as possiveis “‘solugGes”, B claro que, nesse processo, os pesquisadores nao podem aprender tudo o que precisam apenas no contato com as populagGes. Precisam de uma formagZo anterior, a mais completa possivel, para estarem em condigio de definir a problemdtica adz- quada ao desenrolar da pratica de pesquisa. Nesta fase, a pesquisa bibliografica é necessdria, E possfvel, também, recorrer ao saber de diversos especialistas dos assuntos implicados, desde que tenham inte- resse em colaborar no projeto, Quando os pesquisadores tém os objetiyos de pesquisa bem defi- nidos, podem ptogredir no conhecimento tedrico sem deixar de lado a resolugao dos problemas prdéticos sem a qual a pesquisa-aciio nao faria sentido e nao haveria participagdo. O estudo se desenrola para- 52 lelamente ao acompanhamento da acio e dela depende a manutengao do interesse dos participantes, Nesta concepeao, a pesquisa nao é limitada aos aspectos praticos. Nao se trata de simples ago pela agao. A mediacdo tedrico-conceitual permanece operando em todas as_fases de desenvolvimento do projeto, 3. A COLOCACAO DOS PROBLEMAS _ Na fase inicial de uma pesquisa — seja qual for a sua estratégia, ativa ou nao —, junto com a definic&o dos temas e objetivas preci- samos dar atengao a colocagaa dos principsis problemas a partir dos investigagao sera desencadeada. Noutras palavras, trata-se de uma problematica na qual o tema escolhido adquira sentido, Em termos gerais, uma problemética pode ser considerada como a colocagZo dos problemas que se pretende resolver dentro de um certo campo tedrico e pratico. Um mesmo tema (ou assunta) pode ser enquadrado em problemédticas diferentes, Pot exemplo, problemas de satide podem ser inseridos numa problematica de medicina ou numa problematica social ou politica. A colocacao dos problemas é feita em universos diferentes, A problemdtica ¢ a modo de colocacao do problema de acordo com o marco tedrico-conceitual adotado. Na pesquisa cientifica, 0 problema ideal pode remeter a cons- tataco de um fato real que nao seja adequadamente explicado pelo conhecimento disponivel. Um outro tipo de problema remete is ambi- glidades internas existentes nas explicagGes anteriormente produzidas © Porqué dessas situagdes eonstitui o problema inicial, isto 6 0 ponte de partida interrogativo da investigagfio. Notamos, de Passagem, que na classica formulacao de um problema, sao relacionados pelo menos dois elementos. O problema diz respeito & relacdo entre um elemento real ¢ um elemento explicativo inadequado ou A relagdo entre dois elementos explicativos concorrentes do mesmo fato. Se houvesse apenas um elemento no seria um problema, mas apenas um tema, Em pesquisa social aplicada, e em Particular no caso da pesqui- sa-agéo,.os problemas colocados sao inicialmente de ordem. pritica. Trata-se de procurar solugdes Para se chegar a alcancar um objetivo ar uma possivel transformacio dentro da situagfo observada, Na sua formulacdo, um problema desta natureza € colocado da se- guinte forma; a) andlise e delimitagio da situagio inicial; b) delineamento da situagao final, em fungfio de critérios de de- sejabilidade ¢ de factibilidade; 53 identificagio de todos os problemas a serem resalyidos para permitir a passagem de (a) a (b); d) planejamento das agdes correspondentes; e) exectigho e avaliagdo das agGes. Este tipo de colocacfo de problemas praticas em contexto social € também encontrado em contextos técnicos. Certos autores chegam a caracterizé-lo como tipico do modo de raciocinio tecnoldgico. Seja como for, consideramos que a colocagio de problemas em termos de passagem de uma situagao inicial para uma situacao final é diferente da colocagdo de problemas em metodologia comparativa, na qual se trata de investigat as analogias ou as diferengas entre duas situa- gOes reais, diferenciadas apenas no tempo ou no espago. No caso da passagem de uma situacao inicial para uma situagao final, trata-se de projetar uma situagao desejada de acordo com objetivos definides ¢ os meéios ou solugdes que tornam possivel a realizagfo desta situa- cfc. No caso comparative, € sobretudo uma questéo de observagao, constatagao, descrigao e comparagio das analogias, semelhangas ou diferencas existentes entre duas situagdes reais. © problema de transformagiio colocado coma passagem de uma situacdo inicial para uma situagio final (ou desejada) & definido em fungfio da estratégia ou dos interesses dos atores. O que exige que a8 normay ou eritériay sejam constantemente evidenciades, tanto na busca de solugdes quanto na selegic de solugdes a partir das quais serio desencadeadas determinadis agdes, Nao é a partir de simples levaritumentos descritivos que uma agio pode ser encaminhada. Ha todo um trabalho sobre a normatividade, muitas vezes negado como ial, que @ preciso equacionar no plano metodoldgico. De acordo com o anterior, é claro que, para que haja realmente necessidude de uma pesquisa, os problemas colocados nfo devem ser triviain, Se coletar trés Ou quatro informagGes bastasse para resolver um problema do dia-adia ou para tomar uma decisao rotineira na vida de uma associagdo nao precisarfamos desencadear um processo de investigagiio © aglo. Na fase de colocagio dos problemas ¢ neces- trio testur ou discutir a relevancia cientifica e pratica do que esta sendo pesquisado. Assim, é possivel redirecionar a pesquisa ou até tomar a decisio de suspendé-la, ¢) 4, O LUGAR DA TEORIA Por ter uma vocagéo de pesquisa pritica, a pesquisa-agio ¢ freqiientemente vista como uma concepgao_empirista da pesquisa social na qual nao hayeria muitas implicagGes tedricas. Bastaria o “bom senso" dos pesquisadores ¢ a sabedoria popular dos partici- 54 pantes na identificagdo de problemas concretos e na busca de salugdes, No entanto, como j4 foi mencionado anteriormente, existem casos nos quais a preocupacao tedrica ocupa um espago mais impor tante_entre.as diferentes preocupacdes dos pesquisadores. Isto ocorre em particular quando os problemas tratados ndo sao “evidentes” no inicio e dio lugar a diversas problematicas socioldgicas ou outras, Assim, por exemplo, nfo nos parece possivel encaminhar uma pes- quisa-a¢ao com participagio de migrantes sem se ter uma visio clara do quadro de interpretagio dos fendmencs migratérios, No contexto organizacional, nao é possivel desenvolyer uma pesquisa independen- temente de um quadro tedrico de natureza sociolégica, tecnoldgica ou politica. No contexto das comunicagdes, nio parece vidvel uma pesquisa sobre a recepcao das mensagens par parte de determinadas categorias de “ptiblico” se nao houver uma teoria dos meios de comunicacao, . De modo geral, podemos considerar que o_projeto de pesquisa- sacko precisa ser articulado dentro de uma problemética com um quadro de referéncia teérica adaptado aos diferentes setores: edu- . cacao, organizagao, comunicacao, snide, trabalho, moradia, yida ‘po- litica © sindical, lazer, etc. O papel da teoria consiste em gerar idéias, hipéteses ou diretrizes para orlentar a pesquisa ¢ as. interpretagdes, No plano da organizagao pritica da pesquisa, os pesquisadores devem ficar atentos para que a discussfio tedrica nao desestimule ¢ nao afete os patticipantes que nao dispdem de uma formac&o tedrica. Certos elementos tedricos deverfio ser adaptados e “traduzidos” em linguagem comum para perm um certo nivel de compreensio, Além disso, quando a discusséo. tedrica for incompativel com o nivel de entendimento dos participantes, pode-se prever a organiza- cao de grupos de estudos separados do semindrio central, cujas con- clusGes serao encaminhadas @ discutidas em termos mais acessiveis. A concep¢ao da relagfo entre pesquisa-aciio e teoria sociolégica nao é de cardter “forgado”, o que quer dizer que n@o se devem construir “grandes” teorias apenas na base das informacées “alean- gadas e coletivamente interpretadas no processo de pesquisa local, _ A construgo de uma teoria nao depende apenas da informa: go colhida por intermédio de técnicas empiricas, A informacao cir- Cunstanciada que € trazida ao-semindrio é interpretada A luz de uma -teoria, E claro que, se a informagao obtida de modo confidvel chegar a pér em divida certos elementas de uma teoria conhecida, 6 pro- blema deverd ser objeto de estudos aprofundados por parte dos pesquisadores, que procurarfio outros tipos de explicacio a serem cotejados com as informagdes obtidas em novas situagGes empiricas. 33: 5, HIPOTESES Como fol sugerido na discussio acerca das formas de raciocinio e de argumentagio no seio da pesquisa social, 0 uso de um prove: dimento hipotético nfo esta excluido, sé que de maneira suatlza a Apresentaremos aqui alguns aspectos desta concepgio ao nivel da prition, ole ipdtese & simplesmente definida como suposigio formu- Jade eee: a repels de possfveis salucGes a um Broblema colocudo na pesquisa, principalmente ao nivel observacional. a existem hipsteses teéricas, mas aqui abordamos a questao sol te tudo em matéria de observagao e de agao. A hipétese desempen an importante papel_na organizacio da pesquisa: @ partir si sua ate mulacio, o pesquisador identifica as_informagGes neces: bat a : a_dispersa0, focaliza _determinados segmentes do campo de obser- vagao, seleciona_os dados, ete, : Ao se negar a utilizar hipéteses, inclusive sob a Seine de aie trizes sem uma necessdria mensuragio precisa, um pesquisador socia se expoe ao risco de produzir matérias confusas, A formulagdo de hipéteses pertinentes depende de uma grande variedade de fatores: a problemética tedrica na qual se movem 08 pesquisadores, o quadro de referéncia cultural Gor pactlotpantony os insights imprevisiveis surgidos na pratica ou na discussiio gone as analogias detectadas entre o problema sob cbservagao e outro: problemas antericrmente encontrados, etc. Mesmo quando ndo se pretende trabalhar com Mipsieics rele cionands varldveis quantificdveis, é preciso observar muitos cuidados na sua formulagdo. A hipdtese, ou a diretriz, deve ser formulada em termes claros e concisos, sem ambigitidade gramatical e designar os ybjetos em questdo a respeito dos quais seja poss{vel fornecer proves conretas ou_argumentos convineentes, _ favordvels ou ndo. ie ponto, precisamos evitar a falta de especificidade das ptenlfes “a tadas no processo investigativo, pois termos demasiadamente gi a permitem “englobar’’ qualquer observagao fatual, como no caso do raciocinio magico ou dos hordscopos. No contexto que nos interessa, a formulagdo da hipstese nfo ¢ necessariamente de forma causal entre os elementos ou vaRerElt eon, siderados, No se trata de querer mostrar que X determina Y, Para fins descritivos, a hipétese qualitativa & utilizada para organizar a pesquisa em torno de possiyeis conexSes ou implicagées DECSEDAE, amas suficientemente precisas para se estabelecer que X tem algo a yer com Y na situagdo considerada, 56 Além do plano descritivo, a hipétese, sob forma de diretriz, € igualmente utilizada no plano normative no que toca a orientacio da ago, com aspectos estratégicos e titicos, Trata-se de hipéteses sobre o modo de aleangar determinados objetivos, sobre “63 _meios de_tornar a acao mais eficiente e sobre a avaliagaa dos possiyeis efeitos, desejados ou nao, A formulagao deste tipo de hipéteses supde que critérios (ou normas de decisio, ago e avaliacdo) estejam clara- mente definidos ¢ evidenciados entre Os pesquisadores ¢ participan- tes. A verificacdo de tais hipdteses se dé exclusivamente na pratica. A justeza da hipdtese acerca de uma norma passa pelo éxito da agio ou por uma constatagdo dos efeitos diretos ou indiretos dentro da situagéo em transformacao, Tanto no plano descritivo como no normativo, as hipdéteses ou diretrizes sao sempre modificdveis ou substituiveis em fungéo das informagSes coletadas ou dos argumentos discutidos entre pesqui- sadores © participantes. Além disso, lembramos que, no planejamento de uma pesquisa, nao sé encontra apenas uma hipétese e sim uma série de hipéteses articuladas em rede na qual diversas sub-hipéteses contribuem para sustentar uma hipdtese principal, Em outros casos se encontra uma polarizagéo de duas hipéteses excludentes. Em fungéo das hipéteses ou diretrizes escolhidas, os pesqui- sadores participantes sabem quais sio as informacdes que sGo necessdrias eas téenicas de coleta a serem ulilizadas, Na pesquisa- “aga, recorre-se a técnicas de coleta de grupo ¢ aos mais diversos procedimentos, inclusive questionarios e entrevistas, que freqiiente- mente sao yistos com alguma suspeita por serem os. instrumentos prediletos da pesquisa convencional, Mediante um controle metodo- légico adequado, essas técnicas sd0, no’ entanto, utllizadas como instrumentos de captacdo auxiliar, Na sua concepeio do chamado- “inquérito conscientizante" (cm Humbert ¢ J, Merlo utilizam explicitamente o esquema de formu- lagio de hipéteses e de comprovagae por meio de indicadores e de respostas a questiondrios (Humbert, 1978: Merlo, 1982), Este esquema consiste na definigao de um tema Para cada um dos grupos de pes- quisa. O tema remete a um “objeto-problema” especifico a ser pes- quisado. Por exemplo, o tema da nao-rentabilidade das pequenas propriedades rurais, considerado pelos autores na Franga, pode ser estudada em fungdo do “objeto-problema” constituido pelo. sistema de: crédito rural. ©. abjeto €_analisado a partir de uma selegaa de hipoteses, Uma_hipétese € definida como “tentativa de resposta ope- rativa A questao contida no objeto’. As hipdteses sio selecionadas em fungdo da possibilidade de comprovacio e de sua pertinéncia 57 com relagao & acfio, Cada hipdétese é verificada a_partir de indica- dores definidos como ‘elementos obserydveis ¢ mensurdveis esco- ihides em. fungfio de sia capacidade de verificacio da hipdtese”’, No exemplo considerado, os indicadores sio os critérios de atribui- gio de crédito aos pequenos produtores, A informagao necessdria para cada indicador é levantada por meio de diferentes instrumentos de pesquisa, entre os quais as técnicas de questiondrio e de entre- vistas sfio as mais conhecidas. Os dados levantades so computados de modo a mostrar a hipdtese que tem maior sustentagio empfrica. Os resultados da pes- quisa sio, em seguida, amplamente divulgados no seio da populagao. 6, SEMINARIO A partir do momento em que os pesquisadores e os interes- sados na pesquisa estao de acordo sobre os objetivos e os problemas a serem examinados, comeca a constituicdo dos grupos que irfo con— duzir_a_investigagio eo conjunto do processo, A técnica principal, ao redor da qual as outras pravitam, é a do ‘‘semindrio™. O semindrio central retine_os_principais membros da equipe de_pesquisadores _¢ membros_significativos dos. grupos implicades no_problema sob observagio, O papel do semindrio consiste em exa- minar, discutir e tomar decisGes acerca do. processo de investigagZo. O semindério desempenha também a fungao de coordenar as ativi- dades dos grupos-“‘satélites” (grupos de estudos especializados, gru- pos de observacao, informantes, consultores, etc.). Os grupos de observacio so constitufdos por pesquisadores e por participantes comuns que podem chegar a desempenhar a fungao de pesquisador. Os grupos de observagio podem recorrer a diversas técnicas de pesquisa individual ou coletiva, O semindrio centraliza todas as informagdes coletadas e discute as interpretagGes, Suas. reunides dio lugar a ‘“‘atas”, Com as informages reunidas, e_dentro.da_perspec- tiva teérica adotada, o.semindrio elabora diretrizes de pesquisa (hipd- teses) e diretrizes de aco submetidas.& aprovagdo dos interessados, que_serfio.testadas na pratica dos atores considerados. As acdes real- mente desencadeadas sio objeto de permanente acompanhamento ¢ de avaliagées periddicas. A partir do conjunto de informacao pro- cessada, o seminario produz material. Parte deste material € de natu- reza “tedrica’’ (andlise conceitual, etc.), outra parte é de natureza empirica (levantamentos, andlise da situagao, etc.), Outra parte ainda, as vezes elaborada com colaboradores externos, € material de divulgag&o, de natureza diddtica ou informativa, destinado ao con- junto da populagio implicada nos problemas abordades. 58 Resumindo algum: ‘incipai: indri Gece gumas das principais tarefas do semindtio, in- 1, Definiro tema e¢ equacionar ' i pesquisa foi solicitada, SEUREOOAE C2 Steblemag peta os: ayglsca 2. Elaborar a problemdtica na qual © as correspondentes hipdteses de pom aay Se 3. Constituir os grupos d ij ii net suas ait Srupos de esiudos ¢ equipes de pesquisa. Coorde- 4. Centralizar as inf is i owe. #8 Informacoes provenientes das diversas fontes 5, Elaborar as interpretagdes. 6. Buscar solugdes e defi retrizes de_apao. 7. Acompanhar ¢ avaliar as ages, e Divulgar os_resultados pelos canais apropriados. entto do funcionamento normal do i 5 2 semindrio, Pesquisadores. (Ortsman, 1978: 230) consiste em: fale 1. Colocar 4 disposigéio dos ici i Colocar &_disposigac participantes os conhecimentos cd ordem tedrica ou pratica para facilitar a discussio dos pie _2, Elaborar as atas das reunides, elaborar os registros de infor- magao coletada e os relatérios de sintese, ‘ 3, Em estreita cola ragao com os demai: § Lal o emais particlpantes, con- cate €aplicar, no desenvolvimento do Pprojeto, modatidades i 4. Participar numa reflexdo global i , a aa para eventuais peneraliza- yGes_e discussion dos resultados no quadro mais aS ee clencias_sociais ou de outras disciplinas implicadas no problema, © trabalho em semindrio exige algun: 1 mentares. Quanto constitui¢io ae Diverter e 2 cuidado na designacdo dos membros ¢ de suas atribuigGes. Quando a pesquisa ¢ financiada: por uma coletividade homogénea, nao ha muitos problemas: 0 semindrio conteré os principais pesquisadores € os membros da coletividade que forem julgados mais aptos para tratar os problemas considerados, Em geral so lideres lage Quando o semindrio é organizado em meio heterogéneo, as. questdes da Tepresentaciio das diversas partes podem se tornar dolore Em pets sao oles por meio de negociagdes. No contexto mili- fea cre selegao. dos membros é principalmente de ordem polftica. v0s 08 -Caso8, 0s pesquisadores devem promover a maior “trans- os como condigao da continuidade da pesquisa, : ,_,Vulra precaugao diz respeito aa acesso A i ai i cipais assuntos debatidos em cada sessio sao Soe 59 analisados em seguida, As atas e relatérios sfo concebi- ees de modo adequado a uma facil consulta por parte de qualquer participante. Em certas sittagoes conflitivas, para ied possiveis manipulagdes, certas informagGes devem ser ene ve jos otganizadores da pesquisa. A difusio de informa¢ao é objeto de um acordo entre diversas partes implicadas na pesquisa. Uma tiltima exigéncia esté relacionada com o preparo dos: pes- auisadores ¢ dos participantes. O que parece muito simples, mas na prética néa o é Para aplicarem técnicas de pesquisa e de tra- balho em grupos, dentro da proposta de pesquisa-agio, € neces- sirio um certo preparo diddtico, Otganizar um seminirio de bee quisa n&o consiste apenas em reunir algumas pessoas ao recor de uma mesa, © trabalho deve ser metodicamente organizado, sch pena de n&o funcionar, Nao basta deixar falar aquelas que falam muito. E preciso, em cada instante, procurar informagGes pertinentes rela- cionadas com o assunto focalizado, Ha espago para toda uma apren- dizagem de estudo coletiva a ser desenvolvida nas situagdes de pes: quisa. A real aprendizagem das técnicas do trabalho de pesquisa ¢ muito importante. Sem ela, os belos discursos sobre teoria ¢ pra- tica permanecem inoperantes. Devida ao uso de procedimentos argumentativos nas sesses do semindrio, vale a pena acrescentarmos uma observagao sobre a par- ticipagao efetiva dos diversos tipos de interlocutores. De acordo com a teoria geral da argumentagio, a presenca fisiea dos Bee deliberantes ou nao, exerce um efeito argumentative sobre © que est: sendo discutido ¢ sobre as eventuais conelus6es (Perelman, 1976: 154 ss), Dando um exemplo, podemos imaginar que mira uma sessio de estudo sobre a fome os atgumentos apresentados por famintos de verdade exerceriam um efeito seletivo muito mais ee vincente do que qualquer leitura de dados numéricos dos anne estatisticos oficiais. O efeito argumentative ligado & presenga fisica doz interlocutores ou testemunhas é bem conhecido dos pie advogados nos tribunais. Nas sessGes do semindrio de posquise nga esses efeitos também existem. No entanto, os pesquisa ne eran ficar atentos a possfyeis envolvimentos emocionais de Spun I participantes, suscetfveis de fazer perder aos demais o sentido da objetividade. 7, CAMPO DE OBSERVACAO, AMOSTRAGEM E REPRESENTATIVIDADE QUALITATIVA imitaga ric: ual se A delimitagdo do campo de observacdo empirica, no q ; aplica o tema da pesquisa, é objeto de discussio entre os interessa: 60 dos € os pesquisadores. Uma _pesquisa-agio pode abranger uma co- munidade geograficamente concentrada (favela) ou espalhada (cam- poneses). Em alguns casos, a delimitacéo empitica € relacionada cor um_quadro de atuagdo, como no caso de uma instltuicéo, univer- sidade, etc, Quando © tamanho do campo delimitado é muito grande, co- loca-se a questo da amostragem e da Trepresentatividade, A necessidade de construir amostras para a observacio de uma Parte representativa do conjunto da populagio considerada na pes- quisa-agio & assunto controvertido, Existem varias posigdes: a) A_primeita exclui_a pesquisa por amostra. Scus partiddrios consideram que, para exercer um efeito conscientizador ¢ de mobi- lizagio em torno de uma agao coletiva, a pesquisa deve abranger ® conjunto da populacdo que seré consultada sob forma de questio- nfrios ou de discussdes em arupos, Tal postura é vidvel quando a papulacio é de tamanho limitado, Quando se trata de milhares de Pessoas, seria preciso prever um esquema organizativo dotado de muitos pesquisadores e os problemas de controle da execugdo da pesquisa se tornariam rapidamente complicados, Numa pesquisa in. terna sobre os problemas universitérios, que foi organizada na PUC de Campinas, os organizadores conseguiram desenvolyer uma pes- quisa-agio, sem amostra, abrangendo quase a totalidade dos 18 mil alunos em 1982. No caso particular de uma universidade, é factfyel controlar a coleta de dados a partir das divisoes Ja existentes: facul- dades, departamentos, turmas, ete., recorrendo a Tepresentantes de cada unidade. Numa populacdo mais difusa, no compartimentada, a coleta serla muito mais complicada do que no contexto universitario, Acreditamos que a posicgo de exaustividade é yaélida no caso de uma populagao de dimensao compativel com a carga de trabalho dos _pesquisadores, A solugiio do problema deve levar também em considerago a facilidade de acesso as pessoas da populacdo e suas condigdes de participacio. Por exemplo, € mais facil estabelecer con- tatos de pesquisa com 10 mil alunos de uma universidade do que com 10 mil trabalhadores de uma regiio suburbana, b) Uma segunda posicao consiste em recomendar o uso da amos- tragem. De acordo com a concepefo da sondagem, a pesquisa é efetuada deniro de um Pequeno ntimero de unidades (pessoas ou outras) que é estatisticamente tepresentativo do conjunto da popu- lagdo. A determinacao do tamanho da amostra, o controle de sua tepresentatividade ¢ 0 célculo da confiabilidade sao. realizados a partir de regras estatisticas. Na concepsao da pesquisa-agio, este Procedimento apresenta o inconveniente de nfo permitir efeitos de conscientizago. As unidades sao escolhidas aleatoriamente ¢. sio 61 mantidas em isolamento. De fato, se acontecer alguma forma de conscigntizagao entre os individuos de uma amosira, isto normal- mente nao incide sobre a populagao global. Os partiddrios da pes- quisa-agiio resolvem este problema por meio da difusio de infor- mages: a grande maioria da papulagao sabe que uma pesquisa é wealizada por meio de informagdes em diversos canais de comuni- cacao formais ou informais, As acSes sio também divulgadas e dao lugar a operagGes de popularizacao, c) Uma terceira posigfio consiste na valorizacio de critérios de representatiyidade qualitativa. Na pratica da pesquisa social, a re- de _dos grupos investigados se dA por critérios quanti- ragem estaticamente controlada) ¢ por critérios quali- tativos. (interpretativa ou argumentativamente controlados). Mesmo em pesquisa convencional, ao planejarem amostras de pessoas a serem entrevistadas com alguma profundidade, os pesquisadores costumam recorrer as chamadas “am s_intencionais". Trata-se de um_pe- queno ntimero de pessoas que sfo escolhidas intencionalmente em fungao da relevincia que clas apresentam em_relagéo a um deter- minado assunto, Este principio é sistematicamente aplicado no caso da pesquisa-agao. Pessoas ou grupos sfo escolhidos em funcao de sua_representatividade social dentro da situago considerada, E claro que isto infringe o principio da aleatoriedade que, em geral, é considerada como condic&o da objetividade. De acordo com este principio, todas as unidades da populacao tém a mesma proba- bilidade de ser escolhidas, A priori, a informagiio gerada por cada unidade investigada possui a mesma relevancia, No caso diferente, © princfpio de intencionalidade é adequado no contexto da pesquisa social com énfase nos aspectos qualitativos, onde todas as unidades nfo séo consideradas como equivalentes, ou de relevancia igual. Existe, neste caso, um tratamento qualitativo da interpretaggo do material captado em unidades qualitativamente representativas do conjunto do universo e de mado diferenciado em fung&o das carac- teristicas do problema investigado. Na pesquisa-agao a, representati- vidade das pessoas ¢ dos grupos significativos ¢ julgada e a escolha é-decidida ao nivel do semindrio. central, a partir do consenso dos pesquisadores ¢ participantes. Na aplicagao do principio de intencionalidade, podem ocorrer distorgGes relacionadas com as preferéncias individuais, mas estas so controladas e “corrigidas” por meio da discusséo ¢ a partir de comparagSes entre as observagdes obtidas em umidades significativa- mente diferentes. A questéo da representatividade. qualitativa pode ser exempli- ficada no contexto sécio-politico da agio operaria, A pesquisa tra- 62 dicional por sondagem levaria em conta umé amostra de trabalha- dores escolhidos aleatoriamente em fichdrios de empregos ou a partir de uma selegio de locais de moradia. Qualquer trabalhador teria mais ou. menos a mesma probabilidade de ser entrevistado, Por sua vez, numa pesquisa com amostra intencional, seriam selecionados trabalhadores ou grupos de trabalhadores que sao conhecidas como Clementes atiyos do movimento sindical ou politico, A sua represen- tatividade seria significativa das tendéncias favordveis ou contrarias a deterininados objetivos em discusséio. A informacho que esses tra- balhadores siio capazes de transmitir é muito mais tica que a que se pode alcancar por meio de questiondrios comuns. E claro que a informagéo obtida nao é generalizdvel no nivel do conjunto da popu- lagio, mas hd substaneia necessdria & pereepedo da dinfiimica do movimento. Além disso, para se ter uma visio mais completa, pode- se contrabalancar a representagiio dos elementos mais “avancados” por um estudo particular sobre os elementos tidos como “‘atrasados” na diniimica do fenémeno estudado. Tais elementos sao igualmente selecionados por meio de amostra intencional Como jd notamos em outra oportunidade (Thiollent, 1980 b: 63-79), © critério de representatividade dos grupos investigados nfo € necessariamente quantitative. & importante, dentro de certos “Dae rametros” quantitativos, levar em conta a tepresentatividade sécio- ~politica de grupos ou de opiniGes que sio minoritérios em: termos numéricos, mas expressivos de uma situagéo em termos ideolégicos e politicos. A representatividade expressiva pressupGe critérios de avaliacéo politica no seio da conjuntura. A importancia social dos grupos “mais avangados” € maior do que seu peso numérico no conjunto da populacao. As idéias de uma minoria podem se tornar expressivamente mais relevantes do que a aparente “auséneia” de idéias, ou opinides, da maioria. Seu peso significativo nao se limita a uma questio de freqiiéncia observacional. Por isso as pesquisas baseadas em amostras estatisticamente representativas tém tendéncia a dar uma visdo bastante “‘conformista’ da realidade; seus critérios so falsamente igualitérios quando postulam que cada indiyiduo yale por um e que cada opiniao é equivalente a qualquer outra. Os cti- térios numéricos podem chegar a fazer desaparecer as minorias. A nosso ver, a representatividade expressiva (ou qualitativa) é dada por uma avaliagao da relevincia politica dos grupos e das idéias que veiculam dentro de uma certa conjuntura ou movimento. Trata-se de chegar a uma representacdo de ordem cognitiva, sociolégica e politicamente fundamentada, com possivel controle ou retificagio de suas distorgdes no decorrer da investigagiio. 63 8. COLETA DE DADOS A coleta de dados ¢ efetuada por grupos de cbeeryagig.o pes dores sob controle do semindrio central, As principais senicas \das sao a entrevista coletiva nos. locais de ana os ae ee balho e a entrevista individual aplicada de modo _apro} uapados Sa locais de investigacdo ¢ os indivfduos ou grupos sio psec i ee fungio do plano de amostragem com controle cata ico es oo critérios intencionais (veja item anterior), Ao lado esas téc! es também_s&o_utilizdveis questionarios conyencionais que a ate cdveis em maior escala. No que diz respeito A informagao j csi tente, diversas _técnicas documentais permitem resgatar & oe -contetido de arquiyos ou de jornais. Alguns pesquisadores shun também a técnicas antropoldgicas: obseryacio participants, is : de campo, historias de vida, etc, Alguns autores recomen om conic de_grupo, tals como o sociodrama, Sani Pa Sea i a situagdes sociais que vive os Bi i sf situapSes cians pelas relacdes de desigualdade: eeypregata! patti mulher/marido, etc. Nessa reprodugio simbélica sy ingore formas de expresso cultural préprias aos grupos consi = : j uais forem as técnicas utilizadas, 98 grupos de obser- wee de pesquisadores e de participantes Som a0 euram a informacao que é julgada necessdria para o an ane ae pesquisa, respondendo a solicitagdes do semindrio central, ee que os grupos podem fornecer outras informag6es sane Hie © previstas, o que permite aumentar a riqueza das descricdes. Quando ¢ necessdria, existe uma divisio do trabalho sate 98 diversos grupos de observacao, Assim dentro de uma popu! eee dada, um grupo pode observar assuntos relacionados com a sailde, outro. com a habitagao, etc. Em cada grupo de observagao, te ee bros da coletividade e¢ pesquisadores profissionais. Os meml ros da coletividade, ou pelo menos alguns deles, chegam a exercer funeies de pesquisador. Para isto é organizado um treinamento especifico e adaptado ao contexto cultural considerado. Todas as informagdes coletadas pelos diversos grupos de obser- vaciio @ pesquisadores de campo sfo transferidas ao semindrio cen- tral, onde so discutidas, analisadas, interpretadas, etc. : rt i istas, questiondrios ou de Na concepcio de roteiros de entrevis i Ot. outros instrumentos de coleta de ae a Soaring ai ibuido aos el E sempre se coloca a_quest8o di papel attibut : patives associados a obtengao de informacao esclarecida. por parte dos respondentes, Consideramos que tais elementos nao vine orien tar as respostas em fungado das expectativas dos pesquisadores ¢ sim 64 descondicionar as pessoas Para que n&o respondam apenas com “faci- lidade", isto é, como se a sua fesposta fosse um simples reflexo de senso comum ou dos efeitos do condicionamento pelos meios de comunicacdo de massa, As “explicagGes” sto sugeridas gos Tespon- dentes para que tenham um papel ative na inyestigacdo, As “expli- cagées”’ consistem em sugerir comparagGes ou outros tipos. de. racio- cinios_nao-conclusives que permitam aos respondentes uma reflexdo individual ou coletiva a _respeite dos fatos observados & cuja inter- pretacdo_¢ objeto de questionamento, Esses aspectos explicativos podem estar relacionadas com o objetivo de conscientizacdo ¢ serem ampliados numa fase posterior, pela divulgasao. dos resultados, Con- sideramos que o efeito de “explicagao” contido na fase propria- mente inyestigatoria constitui uma importante caracteristica metodo: légica nos dispositivos de observacdo-questionamento, Um outro problema freqiientemente dis € opinativas da populagdo, Na Pesquisa-acio nem sempre sio apli- cados questiondrios codificados, pois, quando a populagio é de pe- quena dimens@o ¢ sua estruturagdo em grupos permite a fAcil reali- zagfo de discussdes, é possivel obter informagées principalmente de modo coletivo, sem administracio de questiondrlos individuais, No enlanto, quando a populagdo ampla e¢ o objetivo da descrigdo da andlise da informacdo é bem definido e detalhade, a questio- ndtio geralmente € indispensdvel. Os principios gerais da elaboragio de questiondrios ¢ formu. lérics convencionais sio titeis Para que os pesquisadores possam dominar os aspectos técnicos da concepcao, da formulagao e da cadificagao. No contexto Particular da pesquisa-agdo, os questiond- tios obedecem a algumas das tegras dos questiondrios comuns (cla- teza das perguntas, perguntas fechadas, escolha miultipla, perguntas abertas, ete,), Todavia, ha algumas diferencas. Na _pesquisa-agio o questiondrio nao ¢ suficiente em si mesmo. Ele traz_informagdes sobre 0 universo considerado que sero analisadas e discutidas em reunides ¢ seminarios com a Participagao dé pessoas representativas, © processamento estatistico das Tespostas, com computadores ou nao, nunca é suficiente. O processamento adequado sempre requer uma fungdo argumentativa dando relevo © contetido social ag interpre- tagdes, Internamente, a concepgao do questiondrio é intimamente rela- cionada com o tema & os problemas que forem levantados nas dis- cussOes Iniciais ¢ com as hipéteses ou diretrizes correspondentes, A fermulagao do questiondrio dé lugar a discussdes com diversos tipos 65 de participantes, com os entrevistadores e os pesquisadores extraidos do meio social investigado. Antes de ser aplicado em grande escala, ds pessoas selecionadas na amostra ou intencionalmente, o questio- nario é testado ao nivel de um pequeno niimero de pessoas repre- sentalivas, o que permite melhorar a formulag&io ¢ tirar algumas ambigtiidades de linguagem, 9. APRENDIZAGEM Na pesquisa-acdo, uma capacidade de aptendizapem é associnda a0. processo de investigacdo, Isto pode ser pensado no contexto das pesquisas em educacio, comunicacao, organizagao ou outras. O fato de assoviar pesquisa-agio ¢ aprendizagem sem diivida possui maior relevancia na pesquisa educacional, nas é também vélido nos outros Casos. As pesquisas em educagio, comunicacao ¢ organizagaio (zoom: panham as agdes de educar, comunicar e organizar. Os “atores"’ sem. pre tém de gerar, utilizar informagées ¢ também orientar a agio, tomar decisGes, etc. Isto faz parte tanto da atividade Planejada quanto da atividade cotidiana ¢ nfio pode deixar de ser diretamente obser- vado na pesquisa-agio. As agdes investigadas envolvem_ producio e circulagio de informacio, elucidagio ¢ tomada de decisies,.< outros aspectos supondo uma capacidade de aprendizagem, dos Palani Estes j possuem essa capacidade adquirida na atividade normal. Nas condigées peculiares da pesquisaagia, essa capacidade € apro- veitada e enriquecida em fungfo das exigéncias da agiio em torno da qual se desenrola a investigagao. Para designar o tipo de colaboragao que se estabelece entre Pe quisadores ¢ participantes do meio observado, é algumas vezes util zada a nogio de “estrutura de aprendizagem conjunta”. No contexto da pesquisa-agéo associada a uma forma de consultoria em _assuntos lécnicos, como no caso da andlise de sistemas de informagao, a es: trutura de aprendizagem conjunta retine os analistas e os usudrios na busca de solugdes apropriadas (Jobim Filho, 1979). De modo geral, as diversas categorias de Pesquisadores © parti- cipantes aprendem alguma coisa ao investigar ¢ discutir Boehels agdes eujos resultados oferecem novos ensinamentos. A aptendiza- gem dos participantes é€ facilitada pelas _contribuigdes dos pesqui- sadores e, eventualmente, pela colaboragao temporéria de especia- listas em assuntos técnicos cujo conhecimento for util ao grupo. Em alguns casos, a aprendizagem é sistematicamente organizada por meio de semindrios ou de grupo de estudes complementares e tam- bém pela divulgacdo de material diddtico, 66 Segundo ©, Ortsman (1978: 233), o papel dos especialistas que intervém consiste em facilitar a aprendizagem dos participantes de diferentes maneiras: pela restituigo de informacao, pelos modas de discussfo que conseguem promover, pelas modalidades de for- magao propostas e pelas negociacdes que estabelecem para evitar que certas partes implicadas na situacio nao sejam eliminadas da discussao, 10. SABER FORMAL/SABER INFORMAL Dentro da concepsaio da pesquisa-acdo, o estudo da relacdo. entre saber formal ¢ saber informal visa estabelecer (ou melhorar) a estru- tura_de comunicagao entre os dois universos culturais: 0 dos espe- cialistas e 0 dos interessados. Para simplificar, incluimos entre os especialistas os técnicos ¢ og pesquisadores. Em certos casos, quando. é grande a distancia entre técnicos ¢ Pesquisadores, o problema abran- 8¢ 0 relacionamento de trés universos, Eventualmente, o problema € mais complicado quando existem diversas categorias de populagio, diversas categorias de pesquisadores ¢ de outros especialistas envol- vidos no assunto, Para fins de exposigio diddtica, vamos reduzir o problema a uma_relagao entre saber formal dos especiallstas (dotado de certa capacidade de abstracio) e saber informal, baseado na experiéncia conereta dos participantes comuns. Deixamos de lado o fato de que Os especialistas também possuem saber informal © que os partici pantes “leigos’ tém, freqtientemente, alguma faculdade de emitir hipdteses ou de generalizar, Todavia, o fato é que existe o problema da diferenga dos dois universos, que se manifesta em dificuldades de compreensio mitua. De acordo com a postura tradicional, muitos pesquisadores con- sideram que, de um lado, os membros das classes populares nfo sabem nada, ndo tém cultura, nao tém educagao, nao dominam racio- cfnios abstratos, sé podem dar opinides e, por outro lado, os espe- cialistas sabem tudo e¢ nunea erram, Este tipo de postura unilateral € incompativel com a orientagio “alternativa” que se encontra na Pesquisa-acio (e pesquisa patticipante), .© participante comum conhece os problemas ¢ as situiagGes nas quais estd vivendo. Por exemplo, o pequeno produtor rural conhece varias exigéncias naturais ¢ econdmieas as quais cle costuma se subme- ter por experiéneia, De modo geral, quando existem condigdes para Sua expresso, o saber popular é rico, esponténeo, muito apropriado a situacGo local. Porém, sendo marcado por crengas tradicdes, é insuficiente para que as pessoas encarem répidas transformagées, 67 Por sua vez, o saber do especialista é sempre incompleto, nao se aplica satisfatoriamente a todas as situagGes, Para que isto acontega, © especialista precisa estabelecer alguma forma de comunicagao ¢ de intercompreensio com os agentes do saber popular. Na busca de solugdes aos problemas colocados, os pesquisado- res, especialistas e participantes devem chegar a um relacionamento adequado entre saber formal e saber informal, Tal relacionamento pode ser estudado, a nivel sofisticado, a partir de consideragoes de psicologia da cognicfo, psicologia social, sociolingiifstica, etc. Como a nossa preocupacdo é, aqui, de ordem mais pratica, vamos sugerir uma técnica bastante rudimentar que consiste em comparar a temd- tica do especialista e a do participante comum. Num primeiro momento os participantes sio levados a des- crever a situagio ou o problema que estio focalizando, com aspectos de conhecimento (busca de explicagdes) e¢ de agao (busca de solu- ges). A descricfo da lugar a uma lista de temas que sao ponderacos em fungaio da relevancia que Ihes € atribufda pelos participantes. Por sua vez, os especialistas estabelecem a stia propria temética relativa ao mesmo problema ou assunto, com indicagfio de sua ponderagao. Em seguida, as duas temdticas so comparadas, procurando-se mostrar zonas de compatibilidade e¢ de incompatibilidade, tanto ao nivel da listagem como no da ponderagio (ordem de prioridade), Na listagem, observa-se que existem diferengas lingiifsticas. E neces sério estabelecer correspondéncias “perfeitas’ ou “imperfeitas" entre a terminologia popular e a terminologia erudita. Para compreender as diferencas, é preciso esclarecer os pressu- postos de cada tema. Daremos um exemplo (retirado de um depoi- mento oral de um téenico da Pesagro, Campos, RJ) sumério relative A comparagaio das representagdes técnicas de pequenos produtores de arroz do norte fluminense com as representacGes dos técnicas (agrénomos). Entre os diferentes temas associados ao cultivo do arroz, aparece o da palha e de sua utilizagdo, uma vez colhidd o arroz, Na representacao do pequeno produtor, a melhor solugao con- siste em gueimar a palha antes de trabalhar a terra, Na representa- gio dos técnicos, a melhor solugio seria incorporar a palha ao solo. Procurando estabelecer os pressupostos desta divergéncia, estabele- ve-se que, na répresentagdo do produtor a questao é essencialmente mecdnica, pois a palha dificulta a técnica de aragio com tragao ani- mal que ele utiliza, O esforgo precisaria ser bem superior & forga do animal. Enquanto na representagdo do técnico o pressuposto & de natureza bioquimica, pois a decomposigio da palha no solo cria 68 matéria orgdnica fertilizante, Este exemplo sd mostra uma diver géncia acerca de um assunto técnico, _ A partir da comparagio das temdticas, é possivel constatar as divergéncias, como também as convergéncias, as diferengas de pon- deracao relacionadas com quaisquer aspectos da vida social, econd- mica ou politica, E de grande interesse igualmente estudar as dife- rengas de linguagem, destacando aquelas que sio obstaculos & inter- compreensao. Nao se trata apenas de fazer com que os participantes aceitem pontos de vista ou nogSes que nao pertenclam ao seu uni- verso de representagdes, Do contato com este (iltimo, os especia- listas podem alterar a sua propria representagio no sentido de enri- quecer, completar ou concretizar o contetido do que eles conheciam somente em termos gerais. , A técnica da comparacao das temdticas pode ser aplicada ao nivel de pequenos grupos de estudos com participacdo de pesqui- sadores e membros da populacdo considerada. Também ¢ possivel recorrer a questiondrios a serem aplicados a um maior nimero de pessoas, Ou a uma amostra representativa. © uso da téenica de comparagio nao resolve todos os prable- mas da relaco entre saber formal e saber informal, E apenas um ponto de partida que consiste em “mapear" os dois universos de representagaa e cm buscar meios de intercompreensio. Ii, PLANO DE ACAO _ Para corresponder ao conjunto dos seus objetivos, a pesquisa- -agio deve se concretizar em alguma forma de agho planejada, objeto de_andlise, deliberacao ¢ avaliagio. Contrariamente A opiniao de alguns pesquisadores, que utilizam a denominacdo “pesquisa-agao”” para designar qualquer tipo de “conversa” informal, ou “bate-papo”’ com pequenos grupos de trabalhadores ou moradores de um local, consideramos que a formulacéo de um plana de acio constitui uma exigéncia fundamental. Em geral, trata-se de uma_acdo na qual os principais participantes siio os membros da situagdo ou da organi- zaga0.sob observacéo. A discussao informal com pequenos grupos € sempre um passo necessirio, principalmente na fase exploratéria da pesquisa, mas nao chega a caracterizar o contetido da proposta metodolégica no seu conjunto, A elaboragio. do plano de agio consiste em definir com precisao: a) Quem sao os atores ou as unidades de intervengao? _ 6) Como se relacionam og atores e as instituigdes: convergén- cia, atritos, conflito aberto? 69 ¢) Quem toma as decisGes? d) Quais sia os objetivos (ou metas) tangiveis da agio © 08 critérios de sua ayaliagio? e) Como dar continuidade A ag&o, apesar das dificuldades, £) Como assegurar a participagio da populagio © incorporar suas sugestOes? g) Como controlar o conjunto do processo ¢ avaliar as resultados? Alguns autores tm mantido uma relativa confusao acerca do papel dos participantes ao darem a impressio de que o principal ator seria a préprio pesquisador. De acordo com a nossa campre- ensio do assunto, o principal ator é quem faz ou quem esté efeti- vamente interessado_na_acao, O pesquisador desempenha um papel auxiliar, ou de tipo “‘assessoramento", embora haja situagSes nas quais os pesquisadores precisam assumir maior envolvimento e res- ponsabilidade, em particular nas situagdes cercadas de obstaculos politicos ou outros. A definigfio da acho e a avaliacio das suas conseqiiéncias dio lugar a um tipo de discussio que chamamos “‘deliberagio”. Como foi visto no Capitulo I, a estrutura de raciocinio da pesquisa-agao apresenta aspectos argumentativos ou deliberativos, Tais aspectos existem na colocagao dos problemas, na interpretagao dos dados para fins comprobatérios e na definico das diretrizes de acéo. No que toca a este iltimo ponto, contrariamente a visio tradicional, as propostas de agdo ou as decisSes a serem tomadas dentro de uma ago preexistente nfo sao oblidas a partir de uma simples “leitura’ de dados. Nao ha neutralidade por parte dos pesquisadores e dos atores da situagio. A convicgio a que podem chegar acerca da neces- sidade ou da justeza de uma agio amadurece durante a deliberacdo no seio do semindrio ¢ dos outros grupos participantes da pesquisa. Na medida do possfvel, os resultados das deliberagdes sfc obtidos pol consenso, Quando os pontos dé vista sfio inconcilidveis, as diver- sas alternativas sio respeitadas e registradas para futura continuagaic da discussfio e, eventualmente, seré organizada uma implementacao comparativa, A acao corresponde ao que precisa ser feito (ou transformado) para realizar a solucio de um determinado problema, Dependendo do campo de atuacao e da problemdatica adotada, existem varios tipos de ago, ctja ténica pode ser educativa, comunicativa, técnica, poli- tica, cultural, ete. No caso particular da acéo técnica — como no da introdugao de uma nova técnica no campo ou do resgate de uma antiga técnica — é necessdério levar em conta o aspecto sdécio-cul- tural do seu contexto de uso. 70 As implicagées da ag&o aos niveis individuais ¢ coletivos devem ser explicitadas € avaliadas em termos realistas, evitando criar falsas expectativas entre os participantes no que diz respeito aos problemas da sociedade global. 12, DIVULGACAO EXTERNA Além do retorno da informacio aos grupes implicados, também € possivel, mediante acordo préyio dos participantes, divulgar a infor- macao extetnamente em diferentes setores interessados, A parte mais inovadora pode ser inserida na discusséo de trabalhos em ciéneias sociais ¢ divulgada nos canais apropriados: eonferéncias, con- gressos, etc. Para satisfazer as exigéncias de diyulgagiio ao nivel dos meios populares, o treinamento dos pesquisadores inclul téenicas de apre- sentagdo de resultados, téenicas de comunicagao por canais formais e informais, técnicas de organizacéo de debates ptiblicos, suportes audiovisuais, ete, A idéia de retorno da informagio sobre os resultados aos men bros da populagéio nfo é objeto de consenso entre diversos parti- darios da pesquisa-acio, Alguns acham que a pesquisa-agio (even- tualmente, pesquisa participante), por ter exigido uma forte parti- cipagao da populagdo nos seus mecanismos, ndo precisa restituir a informagaa. Esta jd estaria conhecida na hora da investigacio pro- priamente dita. Para outros partidétios desta ot ientagdo de pesquisa, 4 restituigao da informacio é necessdria justamente para permitir um efeito de “visio de conjunto” ou de “generalizacéo” que nfo seria possivel ao nivel da simples captagio. de informagio, A nosso ver,-antes do retorno ha todo um trabalho de inves- tigagao e de interpretagao dentro da problemdtica adotada e levando em conta a pesquisa com elementos “explicativos” e a discussio em grupos ¢ no semindrio central, Esse trabalho exerce um efeito de sintese de todas as informagées parciais coletadas e um efeito. de canvicgo entre os participantes. O retorno é importante para esten- der © conhecimento ¢ fortalecer a convicclo e nao deve ser visto como simples efeito de “propaganda”, Trata-se de fazer conhecer os resultados de uma pesquisa que, por sua vez, poderd gerar reagdes ¢ contribuir para a dinamica da tomada de consciéncia e, eventual: mente, sigerir o inicio de mais um ciclo de acho e de investigacao, Os canais de difusao correspondentes a0 retorno da informagao sio varidveis em fungfio das caracteristicas de cada situagio. EB possivel utilizar os canais criados na ocasido da pesquisa: grupos de obser- vacao, informantes, etc. A divulgacio dos resultados deve ser feita M1 de modo compattvel com o nivel de compreensao dos destinatérios, Deve-sc também prever meios ¢ canais que permitam que a popu- lagdo manifeste suas reagGes e eventuais sugest6es. No cate pale ticular da pesquisa-agio em comunicagio, quando se trata de pes quisa relacionada com a criago ou o funcionamento de um melo de comunicagio (jornal, radio, ctc.), é possivel aproveitar o préprio meio como instrumento de retorno da pesquisa. Em conclusio, parece-nos desejavel haver um retorno da infor- magao entre os participantes que converseram, perelperam,, Ives tigaram, agiram, etc, Este retorno visa promover_uma_visto_de sn. junto, E diffcil imaginar que um individue que esteja particlpan k “do processo tenha espontaneamente Aoesso ao conjunto. Os ena de divulgagao, sobretudo os informais, sfo_aproveitados para fo tee lecer a tomada de consciéneia do conjunto da populacao interessada (nfo limitada aos participantes efetivos). A tomada de consciéncia se desenyolve quando as pessoas descobrem que outras pessoas ou outros grupos vivem mais ou menos a mesma situagaa, 72 Capitulo 11 AREAS DE APLICACAO Em fungao de-sua orientagio pratiea, a pesquisa-acdo é voltada para diversificadas aplicagdes em diferentes freas de atuacao. Sem reduzirmos a necessidade de uma constante reflexio tedrica, pode- mos considerar que a Pesquisa-acao opera Principalmente como pes- quisa aplicada em suas freas prediletas que sio educacdo, comuni- cago social, servigo social, organizagao, tecnologia (em particular no meio rural) e préticas Ppoliticas © sindicais, Por enquanto, apre- sentatemos algumas indicacdes relacionadas com éssas dreas empiri- camente constituidas. Outras dreas poderiam eventualmente estar incluidas, tais como urbanismo e satide, mas ainda faltam informa- g6es sobre experiéncias oy tendéncias, No nosso levantamento das dreas de aplicacdo n&a pretendemos mostrar exemplos de “boa” ou de “m4” Pesquisa-acdo. Queremos evitar dar “lieSes" aos especialistas de cada drea, que, por defini- $80, sfo os mais qualificados para discutir e resolver og preblemas metodolégicos de suas atividades especificas. 86 queremos sugerir para a discussfo, numa répida “pincelada”, algumas informagdes e idéias sintéticas que estdo relacionadas com a aplicagdo da orien- tagdo de pesquisa-apo em cada uma das areas mencionadas. Além disso, observamas que em geral os pesquisadores das diversas areas se ignoram e desconhecem a pesquisa-agdo fora de sua sspecialidade. Pesquisadores envolvidos em praticas Ppoliticas acham fregiientemente estranho a fato de que a pesquisa-acdo seja também uma proposta metodoldgica para as reas organizacionais e tecno- Iégicas. A nosso ver, um certo “recuo” € necessério e um sobrevéo has diversas dreas nos permite apontar a diversidade, as divergéncias © as convergéncias que animam as Propostas de pesquisa-agdo. 75

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