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A Teoria do Caos e a Polícia Militar

Cel QCOPM Salvador Braulino SOBRINHO*

Resumo

Este artigo visa fazer uma abordagem sobre a Teoria do Caos, introduzindo o
conhecimento sobre o seu significado e contando um pouco da história dessa teoria que
vem sendo utilizada em várias áreas do conhecimento humano, como a matemática, a
física e a administração. Através da análise das idéias e conceitos constantes nessa
teoria, procura-se sua aplicabilidade nas atividades desenvolvidas pela Polícia Militar.

Introdução

O termo caos, assim traduzido para o português, é originado da palavra grega “cháos",
que significa vasto abismo ou fenda. É utilizada também como "origem" ou "abertura
originária de onde vem tudo", aludindo ao estado de matéria sem forma e espaço
infinito que existia antes do universo ordenado, suposto por visões cosmológico-
religiosas. Através dos romanos, passou a ter a conotação de desordem, contrariamente
ao “kósmos” ou ordem.

Nosso vernáculo incorporou seu sentido mais usual como uma idéia de desordem,
confusão.
O caos pode ser definido como sendo um processo complexo – qualitativo e não linear –
caracterizado pela aparente imprevisibilidade de comportamento e pela grande
sensibilidade a pequenas variações nas condições iniciais de um sistema dinâmico.

A maior parte dos fenômenos naturais são caóticos, assim como alguns feitos pelo
homem. O mar é um sistema caótico dirigido por uma quantidade finita de entradas
(vento, sol, massa da terra etc.), resultando em ondas que podem ser previstas no geral,
mas muito difícil de se prever detalhadamente. Exemplo de fenômeno natural caótico
feito pelo homem é o mercado financeiro mundial que por fora parece aleatório e
imprevisível, mas cada decisão é totalmente consciente e nada aleatória. Com os países
interligados pela Internet, formando um único mercado global governado por
transferências instantâneas de capital, pequenas oscilações localizadas podem se
propagar rapidamente pelos meios eletrônicos e causar sérias perturbações na economia
mundial.

Esse é o comportamento dos sistemas não-lineares, sistemas extremamente sensíveis às


condições iniciais, em que pequeníssimas alterações nas causas provocam extremas
variações nos efeitos. A maior parte das organizações (biológicas ou sociais) tem um
comportamento não-linear; são sistemas dinâmicos.

É nesse contexto que se encontra a Polícia Militar, instituição sesquicentenária,


composta por vários integrantes alocados numa série de cargos e funções, inseridos
numa estrutura complexa de comandos autônomos ou semi-autônomos, interligados a
um comando central, regidos por algumas normas desatualizadas, lidando com situações
as mais diversas da vida dos cidadãos, incluídos neste conceito o próprio público
interno. Resistindo às mudanças ao invés de absorvê-las para evoluir, essa organização
sobrevive em constante estado de desequilíbrio.

1. A Teoria do Caos

Desde o século XVI a ciência moderna ocidental começou a ser moldada a partir dos
trabalhos de Copérnico, Galileu, Kepler, Francis Bacon e Descartes, fazendo surgir uma
visão mecanicista, através da criação do método científico. O chamado racionalismo
científico foi legitimado por Isaac Newton, que através de suas leis do movimento, criou
uma realidade determinista governada por leis físicas e matemáticas, onde tudo era
certo, absoluto e imutável. O funcionamento do mundo passou a ser visto como o de um
relógio, através de movimentos lineares e precisos.

No final do Século XIX Henri Poincaré desafiou pela primeira vez esta visão
determinista dos sistemas, ao estudar o comportamento de três corpos celestes, descrito
por um sistema de equações diferenciais resultantes das Leis de Newton. O matemático
francês encontrou resultados estranhos: o sistema era impossível de resolver. Restava-
lhe analisar a sua evolução ao longo do tempo. Foi então que Poincaré desvendou os
comportamentos irregulares, não-periódicos e imprevisíveis deste sistema, numa
palavra: caóticos. Estava aberta a porta dos sistemas dinâmicos não-lineares.

No início dos anos 60 o matemático Edward Lorenz, recorrendo a um modelo de


equações diferenciais, imprimiu uma série de números representando temperatura, a
evolução da pressão, velocidade e direção do vento, tentando simular o clima no seu
computador. Ao voltar a examinar uma série de dados, reintroduzindo os valores
impressos, constatou que a nova seqüência de dados se afastava muito rapidamente
daquela que tinha obtido antes. Os resultados eram completamente diferentes porque
impressos com menos três casas decimais do que eram calculados.

No final dos anos 80 Mitchell Waldrop, pesquisador do laboratório norte-americano de


física nuclear de Los Alamos, apresentou um programa de computador no qual objetos
simulavam o comportamento de um bando de pássaros. O vôo dos pássaros em bando
sempre foi um mistério por ter um padrão variante e complexo de comportamento. Na
tela do computador foram distribuídos randomicamente objetos, que a partir de cada
ponto se reuniam para formar um bando, exatamente como na vida real. Eles se
juntavam, se afastavam e se reuniam novamente em formações que se alteravam
constantemente, sem que houvesse instrução no software que informasse como
deveriam se comportar coletivamente, tendo sido programados individualmente com
apenas três regras simples: manter um mínimo de distância um do outro, tentar voar à
mesma velocidade e tomar a dianteira quando estivessem em grande concentração.

Essas três regras podem ser consideradas os atratores, ou seja, o subconjunto do espaço
de fase de sistemas dissipativos para a qual tendem as trajetórias que partem de
determinada região.

Segundo Stacey apud Paiva (2001, p. 1), „... o Caos não significa desordem absoluta ou
perda completa de forma, mas que sistemas guiados por certos tipos de leis
perfeitamente ordenadas são capazes de se comportar de maneira aleatória e, desta
forma, completamente imprevisível no longo prazo, em um nível específico‟.
Esta é a Teoria do Caos: há ordem na desordem e desordem na ordem.

2. A era caórdica

Dee Hock, fundador e CEO Emérito da VISA International, em livro de sua autoria
intitulado Birth of the Chaordic Age (traduzido no Brasil como: Nascimento da Era
Caórdica), argumenta que o sucesso da Visa (22 mil bancos como membros, 750
milhões de clientes e 1,25 trilhões em transações anuais) advém de sua estrutura
"caórdica".

Caórdica é entendida como uma combinação de duas palavras: caos e ordem. Hock
criou o termo para descrever qualquer organização, sistema ou empresa que seja auto-
organizado, autogovernado, adaptável, não-linear, complexo e que combine
harmoniosamente tanto as características do caos quanto as da ordem.

O “Nascimento da Era Caórdica” é a fascinante história da criação da VISA e de como


pessoas e instituições de todas as línguas, culturas, sistemas monetários, raças e
tendências econômicas e políticas se juntaram numa organização não acionária, com
fins lucrativos, de um trilhão e duzentos e cinqüenta bilhões de dólares, na qual os
membros/proprietários interagem na mais intensa cooperação e na mais feroz
competição.

Em seu núcleo, a VISA é caórdica. Enquanto outras empresas de cartão de crédito são
propriedade de uma empresa ou alguns bancos, aquela organização é controlada pelos
milhares de bancos que também são seus clientes. Todos esses bancos cooperam
simultaneamente (honrando cartões emitidos por outros bancos e mantendo o sistema
VISA de câmbio) e também competem entre si (oferecendo taxas e anuidades
diferentes, por exemplo). O segredo do sucesso é essa mistura de ordem e caos.

3. Aplicabilidade da Teoria do Caos na Polícia Militar

Durante um evento científico ocorrido em Washington D. C. em 1972, Lorenz


apresentou um artigo intitulado “Previsibilidade: o bater de asas de uma borboleta no
Brasil desencadeia um tornado no Texas?”, criando a metáfora que ficou conhecida
como “Efeito Borboleta”, traduzida na idéia de que pequenas causas podem provocar
grandes efeitos, independentes do espaço e do tempo.

Especialistas ligados às ciências humanas, entretanto, identificam a influência do caos


em revoluções políticas, em transformações econômicas e na modificação de costumes e
regras morais, alertando para o fato de que o grito entusiasmado de um desconhecido na
multidão, disparado no milésimo de segundo apropriado, pode ser o último e vital
elemento necessário à deflagração de um conflito armado, ou mesmo que a foto de uma
artista nua, ou de um simples beijo, pode detonar irreversíveis processos de alteração na
maneira de um povo conceber o sexo e a intimidade.

Adaptando-se as leis da Teoria do Caos à Polícia Militar, podemos afirmar que esta é
uma organização caórdica, pela complexidade das diversas ações desempenhadas por
seus integrantes, traduzidas pela imprevisibilidade dos comportamentos individuais
durante as atividades de policiamento ostensivo, onde a interação entre os policiais e
entre estes e a população geram dinâmicas complexas, com sérios reflexos na eficiência
e eficácia do serviço prestado. Uma ação ou reação incorreta de um policial, ainda que
considerada de pouca expressão, poderá gerar grandes desgastes para a imagem
institucional, trazendo como conseqüência, dentre outras, o descrédito da população e a
diminuição da auto-estima de seus integrantes. Ao tentar fazer previsões sobre a
realidade, procurando fazer o sistema estável, a Organização Policial tem reduzido o
comportamento humano a modelos simplistas, culpando o ambiente por suas falhas. O
planejamento da gestão de pessoas e dos recursos financeiros e materiais, quando
realizado, é feito para longos períodos (normalmente o tempo de um governo),
esquecendo-se que de um ano para outro podem ocorrer mudanças no cenário previsto.

A busca pelo pensamento único, determinista e linear, como doutrina, não permite que a
diversidade de opiniões e abordagens crie novas visões para o enfrentamento dos
problemas. Na instituição policial a hierarquia exarcebada impede que policiais de
menor grau hierárquico opinem sobre determinados assuntos, apesar de se exigir deles
um maior discernimento no desempenho de suas atividades. O nível universitário dos
policiais presta-se muito mais como argumento de marketing do que como forma de
aproveitamento do homem. Para a Teoria do Caos, o foco deve estar na criação de
informação e não no seu processamento, gerindo a capacidade de mudar, em vez de
gerenciar as mudanças.

Segundo Ralph Stacey, professor de Administração da Hertford Business School e autor


de estudos sobre administração e teoria do caos, sistemas orgânicos complexos como
sociedades são adaptativos e “as regras mudam à luz das conseqüências do
comportamento que elas produzem.”

Como deve agir o policial com relação a certos comportamentos previstos como
contravenção há mais de cinco décadas e que atualmente já são socialmente aceitos?
Como atuar em situações de crise se em seu nível hierárquico foi-lhe ensinado muito
pouco sobre o comportamento (não-linear) humano e ele e os reféns precisam aguardar
os “poucos e privilegiados conhecedores” do assunto? E como se comportar diante de
uma discussão entre vizinhos onde sua presença foi solicitada? E se também ele estiver
com problemas emocionais, haverá como contê-lo?

As pessoas que formam as organizações não são autômatos regulados por leis simples.
O ensino precisa ser melhorado pela qualidade dos instrutores, pela adequada
metodologia a ser aplicada e pela atualização curricular dos cursos de formação e
aperfeiçoamento ministrados nos estabelecimentos de ensino, abordando assuntos de
inegável importância e aplicabilidade teórico-prática, principalmente àqueles que têm
mais tempo em contato com a população: Soldados e Graduados. O processo ensino-
aprendizagem deve provocar a incerteza, por meio da problematização, para instigar o
homem a pensar para agir, ao invés de agir sem pensar. A filosofia de polícia interativa
e o Programa de Erradicação da Drogas (PROERD) nas escolas são estratégias que
precisam ser implementadas de forma mais agressiva, suplementadas por outras
atividades que permitam interagir com a sociedade, a ponto de atuarmos como e onde
ela mais anseia.

Nunes (2003, p. 9), observa que: “À luz da Teoria do Caos os líderes são atratores
caóticos (essenciais) que põem a ordem no caos” e ainda “Os próprios processos e as
mudanças são atratores.” Por este raciocínio, verificamos a necessidade de capacitar o
efetivo policial, em todos os níveis, com as mais modernas técnicas de liderança, como
elemento facilitador, para um maior aproveitamento do êxito no trabalho cotidiano. As
mudanças na Organização servirão para estimular seus integrantes, na medida em que
estes forem informados sobre elas, objetivando o envolvimento de todos no processo.

Acreditando ser um sistema em equilíbrio, a Polícia Militar tem resistido a grandes


mudanças, inviabilizando projetos de desenvolvimento organizacional. É necessário
entender que, assim como no mundo físico, onde, para movimentar um corpo em
repouso, é necessária a aplicação de uma grande quantidade de energia, o mesmo pode
ser constatado para sistemas sociais. A resistência às mudanças tem gerado uma certa
estagnação, além de insatisfação, estas por vezes traduzidas em inúmeras ações judiciais
impetradas com o intuito de obter promoções, preteridas por uma legislação
ultrapassada que permite casuísmos. Apesar do dilema entre reduzir ou não os níveis
hierárquicos, o tema ainda não foi discutido de forma mais ampla, havendo uma
incompreensível morosidade da Corporação para sanar esse problema. O cliente interno
insatisfeito presta um mau serviço e deixa insatisfeito o cliente externo.

Conclusão

O conceito básico da Teoria do Caos é a impossibilidade de se fazer previsões de longo


prazo em sistemas dinâmicos (não-lineares), haja vista que estes são sensíveis às suas
condições iniciais. Além disso, ela propõe a possibilidade de reconhecer padrões
similares num número infinito de estados futuros, permitindo melhor análise da
realidade, fazendo com que o gestor entenda de forma diferente o que se passa com sua
organização, dando-lhe condições para agir corretamente.

É verdade que o futuro em curto prazo pode ser previsível e que requer formas racionais
e analíticas de controle; entretanto o futuro em longo prazo é desconhecido e
completamente imprevisível, tornando os modelos de planejamento de períodos muito
longos de pouco valor.

As Polícias Militares estão enfrentando um ambiente instável de mudanças na


sociedade, com reflexos internos, e precisam estudar os conceitos da Teoria do Caos,
visando sua aplicabilidade, para interagir com o meio interno e externo, procurando
comportar-se de maneira aberta e sensível ao seu meio ambiente.

Pequenas mudanças nas condições iniciais de trabalho do policiamento podem levar a


grandes mudanças no resultado esperado. Esta dependência às condições iniciais
significa que erros na interpretação de dados, não importa quão pequeno sejam, são
extremamente importantes e não podem ser desprezados. O planejamento necessita ser
realizado através do estudo do ambiente externo e de seus diversos cenários, levando em
consideração as tendências do período e não para prazos muito longos.

A sugestão para lidar com essa nova realidade é ter um comportamento criativo e
inovador em vez de reativo ou pró-ativo, procurando desenvolver e usar novos padrões
para o emprego futuro da Corporação, renovando os referenciais de pensamento e
interpretação da realidade, pela mudança dos paradigmas.

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* O Coronel SOBRINHO possui o Curso Superior de Polícia e é aluno do curso de


Administração, na Universidade Federal de Sergipe.

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