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RESPONSABILIDADE JURÍDICA
RESUMO
Um dos maiores problemas enfrentados pela sociedade atual é a violência. A escola vivencia o problema de
várias formas, envolvendo alunos, professores e funcionários. Uma das formas de violência do cotidiano
escolar é o bullying, que é caracterizado através de comportamentos agressivos e que tem gerado no corpo
docente um sentimento de impotência, medo e insegurança que afeta a pessoa do professor. Entre as
conseqüências do bullying, além de afetar o processo pedagógico de ensino e aprendizagem, gera
conseqüências psíquicas, com reflexos na esfera cível, envolvendo os pais e as instituições de ensino, no que
tange à responsabilidade civil.
PALAVRAS-CHAVES: violência escolar – bullying – responsabilidade civil
ABSTRACT
One of the biggest problems facing society today is violence. The school experiences the problem in several
ways, involving students, faculty and staff. One form of violence is the daily school bullying, which is
characterized by aggressive behavior and that the faculty has generated a feeling of powerlessness, fear and
insecurity that affects the person of the teacher. Among the consequences of bullying, affect the educational
process of teaching and learning, generates psychological consequences, reflected in the civil sphere,
involving parents and educational institutions, with regard to liability.
Introdução
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 2812
II) Bullying na relação aluno-professor
O bullying é uma expressão em inglês e vem do verbo to bully que significa tratar de
forma grosseira, desumana e bully que se refere a uma pessoa grosseira, autoritária que ataca os mais
fracos (HIRIGOYEN, 2002: 78-79).
Diversos estudiosos denominam o fenômeno bullying de mobbing ou de assédio moral.
Todavia, como bem se posicionou a estudiosa do assunto, a psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen,
as expressões podem ter afinidades, porém, não se confundem. Nesse sentido, apresenta em sua obra
“Mal-Estar no Trabalho-Redefinindo o Assédio Moral”, as seguintes distinções:
-O mobbing se refere a perseguições coletivas ou à violência das organizações, podendo eclodir em
violência física;
-O assédio moral se refere a agressões sutis, de natureza psicológica ou moral, cuja perseguição ou
agressão moral, dificilmente, são provadas;
-Já o bullying é mais amplo, refere-se a simples chacotas, piadas até abuso sexual e violência física;
manifesta-se através de ofensas individuais e não organizacional como nos outros dois casos.
(HIRIGOYEN, 2002: 85).
Feitas essas considerações, podemos definir bullying como sendo um comportamento
abusivo e agressivo, manifestado através de gestos, palavras, atitudes, comportamentos ou qualquer
outro meio, de forma intencional e repetitiva, que atenta contra a dignidade e integridade física e psíquica
de uma pessoa, causando-lhe medo, insegurança, dor, angústia e sofrimento, engendrando,
conseqüentemente, doenças psíquicas e físicas (psicossomáticas), desordem pessoal e profissional, além
de refletir na qualidade e finalidade do processo educativo, bem como na sociedade e na saúde pública.
O bullying na relação aluno-professor é denominado bullying ascendente, ou seja, parte
de baixo para cima, quando o aluno ignora a autoridade do professor e age com instinto de perversidade,
ou até mesmo identifica ato de insegurança e/ou inexperiência do professor, e procura desestabilizá-lo
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e/ou excluí-lo da organização de ensino. A má qualidade do ensino, o tráfico na escola, professores mal
preparados e autoritários, professor que possui atributo pessoal que o diferencia de outros, como idade,
doença, etc, também conduz ao bullying ascendente.
O bullying pode ser confundido com uma simples brincadeira de criança ou fruto do
amadurecimento do jovem, mas, na verdade, o bullying deriva de fatores estruturais, culturais e
comportamentais, podendo nascer de uma simples brincadeira ou até mesmo de um comportamento
esporádico, evoluindo para a eclosão da violência escola através de agressão física ou violência psíquica ou
moral repetitiva e nem sempre declarada, hodiernamente, denominada de violência simbólica, que atinge a
dignidade e integridade física-psíquica da vítima.
O bullying se manifesta de várias formas:
-verbal: xingamentos, apelidos, insultos, insinuações;
-moral: atentado à honra, difamação, discriminação em razão do sexo, idade, opção sexual, deficiência física,
doença,etc;
-psicológico: perseguição, intimidação, chantagem, ameaça de morte, etc;
-físico: agressão através de empurrões, socos, chutes,etc;
-material: furto de material e pertences, dano a veículo; e
-virtual: divulgar imagens não autorizadas pelo professor, criar comunidades para depreciação da imagem do
professor, enviar mensagens invadindo a privacidade e intimidade do professor.
IV) O bullying como ato ilícito e violador da dignidade e dos direitos da personalidade
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constitucional, que protege a dignidade de toda pessoa e os direitos da personalidade de todo cidadão.
A conclusão lógica, em matéria de proteção jurídica, é que o bullying viola a dignidade e
os direitos da personalidade do professor , e, como sanção a esse grande mal que afeta a dignidade e
integridade psíquica e/ou física do professor é o dever de reparar o dano moral e material causados pelo
cometimento de um ato ilícito, por força do nosso ordenamento jurídico: Código Civil, arts. 186 e 927.
A reparação do dano gerado pela prática do bullying no ambiente escolar e em face ao
professor, merece consideração especial, haja vista que a violência ou agressividade poderá partir de uma
criança ou adolescente ou de uma pessoa adulta, maior de 18 anos, com a plena capacidade civil e penal.
No caso do ato agressivo praticado por criança ou adolescente (VIDE ECA:RODAPÉ:
conceito criança e adolescente), é de se destacar que se tratando de menor de 16 anos de idade, os pais
responderão pelo dano, sem prejuízo da responsabilidade do Estado ou da IE; quando o adolescente tiver
entre 16 e 18 anos de idade, responderá de forma solidária com os pais, e, no caso do agressor maior de
18 anos, responderá de forma independente e por ato próprio, conforme será abordado adiante, no item
V que trata da responsabilidade civil.
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preservação dos direitos da personalidade e, por conseguinte, com a preservação da dignidade humana da
pessoa.
Nesse compasso, quando o aluno xinga o professor, dirige-lhe palavra de baixo calão,
intimida-o, seja com ameaça de morte ou de outra forma, estará em cheio atingindo os direitos da
personalidade do professor, ou sejam, aqueles que integram a essência de toda pessoa, logo, constituem
direitos inerentes à pessoa humana e integram o rol dos direitos fundamentais de todo
cidadão.(ALKIMIN, 2008b: 50).
Os direitos da personalidade estão intimamente relacionados com o princípio da
dignidade humana, consagrado pela Constituição Federal como fundamento do Estado Democrático de
Direito, tendo recebido os direitos da personalidade atenção especial do legislador quando editou o
Código Civil de 2002 e que assim dispôs:
“Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são
intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
“Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e
reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”
Depreende-se que o legislador buscou proteger a dignidade e personalidade de toda e
qualquer pessoa, impondo a todos o dever de não lesar por ato concreto ou por simples ameaça a
personalidade e dignidade de outrem, sob pena de ter o violador que reparar o dano moral e material que
a agressão ou lesão gerar à personalidade de outrem. Reforçando esse dever de observância foi que o
legislador constituinte assim dispôs no art.5o., inciso X da CF/88 (trata dos Direitos e Garantias
Fundamentais):
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado
o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Na relação com o aluno, o professor desempenha um papel relevante e de destaque, pois
é o condutor e mediador do processo ensino-aprendizado, em cujo processo detém o poder e autoridade
sobre a pessoa do aluno, que, necessariamente, implica no respeito, consideração e dever de obediência,
sendo certo que numa situação de bullying perpretada pelo aluno o poder e autoridade do professor
ficam ameaçados e até mesmo suprimidos, prevalecendo o medo, a insegurança e a inversão de papéis e
valores na relação aluno-professor.
Para intimidar, rebaixar, humilhar o professor, o aluno através do bullying busca uma
forma de atingir a pessoa do professor e depreciá-lo publicamente, sendo mais comum no ambiente
escolar a violência psicológica ou moral com comentários depreciativos, preconceituosos e indecorosos,
além de gestos que revelam descaso e indiferença; o bullying pode ser praticado de forma insidiosa ou
declarada, e, em muitos casos, o aluno costuma se valer da internet como ferramenta ou instrumento de
agressão, praticando a denominada “cyberviolência” contra o professor, lançando comentários
pejorativos e injuriosos, fotos sem autorização e até montagem visuais com a caricatura do professor.
Não pairam dúvidas que qualquer tipo de violência (psicológica ou física), atinge em
cheio a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem do professor, além da sua integridade psíquica e
física, causando-lhe conseqüências danosas na esfera pessoal e profissional, com danos de natureza
psicológica que tendem a serem somatizados e desencadear danos físicos (distúrbios psicossomáticos),
como cefaléias, problemas digestivos, distúrbio hormonal, insônia, estresse, depressão, conduzindo ao
interesse pelo magistério[1].
O bullying como comportamento ilícito e antijurídico gera dano, ou seja, lesa, causa
prejuízos à vítima da agressão, cujo prejuízo ou dano, via de regra, é moral ou extrapatrimonial porque
fere a dignidade e personalidade da vítima- lesão à integridade física ou moral/psíquica- pois causa dor
sentimental, tristeza, angústia, revolta, enfim, sofrimento no foro íntimo da vítima, não sendo possível
aferir de forma certa e determina o valor do prejuízo moral/psíquico; além do dano material que se
caracteriza como sendo aquele que é matematicamente aferível, pois lesa patrimônio da vítima. Qualquer
que seja a natureza do dano (moral ou patrimonial) traz a correlata obrigação de reparar o mal causado.
A conseqüência imediata do bullying é o dano moral, ou seja, aquele que se traduz em
sofrimento humano em razão da lesão à dignidade e personalidade, cujo sofrimento não tem nenhuma
ligação com perda de patrimônio ou perda pecuniária, mas está relacionado à reputação da vítima, à
honra, à sua imagem e autoridade, ao pudor e amor-próprio, à saúde e integridade física e psíquica, bens
jurídicos que não possuem valor de mercado, todavia, valor subjetivo para cada indivíduo, posto que
relacionados a atributos pessoais e individuais com projeção na sociedade.
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A obrigação de indenizar é a conseqüência jurídica do ato ilícito, ficando os bens do
agressor sujeito à reparação do dano (prejuízo) causado. Segundo Maria Helena Diniz
(2004:794/796): “O ato ilícito (CC, arts. 186 e 187) é o praticado em desacordo com a ordem jurídica,
violando direito subjetivo individual. Causa dano a outrem, criando o dever de reparar tal prejuízo (CC,
art. 927).
Sabemos que a dignidade e personalidade do professor vítima do bullying não tem preço,
e não é a indenização ou pagamento de certa soma em dinheiro que vai resgatar a autoridade e os valores
atingidos pelo comportamento violento através do bullying, ou seja, a indenização por dano moral não
terá o condão de ressarcir os prejuízos morais sofridos pela vítima como ocorre quando se indeniza ou
repara um dano material/patrimonial.
É crível que a indenização pelo dano moral não visa ressarcir os prejuízos morais e
psíquicos, visa, na verdade, compensar toda dor, sofrimento íntimo e angústia que atingem a vítima da
violência, assim como visa proporcionar para o autor da violência uma perda patrimonial como forma de
punição pelo ato ilícito cometido, impedindo que pratique novamente a conduta ilícita e antijurídica.
REFERÊNCIAS
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 2818
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[1] O professor vitimado pelo bullying tende a desenvolver aquilo que os especialistas em medicina do trabalho denominam de
Síndrome de Burnout, doença ligada a condições de vida e de trabalho degradantes. Gera afastamento do professor por motivo de
doença ou até mesmo medo e insegurança, mudança de ambiente escolar que acaba gerando a denominada rotatividade no meio
escolar, o que significa prejuízo para o processo ensino-aprendizagem.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 2819