You are on page 1of 59

(P-518)

CORRIDA PARA
A MORTE

Autor
H. G. FRANCIS

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Os calendários do planeta Terra registram os meados
do mês de novembro do ano 3.441, Faz quase um ano que a
catástrofe se abateu sobre quase todos os seres inteligentes
da Galáxia.
Ainda não existe nenhuma perspectiva concreta de
impedir o “Enxame” de prosseguir em seu voo através da
Galáxia ou anular a manipulação da constante 5D por ele
levada a efeito, que provoca o retardamento da inteligência
da maior parte dos seres vivos.
Mas Perry Rhodan e seus companheiros que
permaneceram imunes, entre os quais estão Atlan, Gucky e
muitos velhos conhecidos, fazem tudo para desvendar o
segredo do “Enxame”. Contando com o apoio da nave-
capitânia de Reginald Bell, a Intersolar, o Administrador-
Geral e sua nave, a Good Hope II, permanecem quase
ininterruptamente nas proximidades do “Enxame” para
colher informações e realizar pesquisas.
É bem verdade que no momento o cruzador de Perry
Rhodan está relativamente longe do “Enxame”, uma vez que
o pedido de socorro do imortal tornou necessária uma
imediata mudança de rota seguida de várias etapas lineares.
Mas depois da ação da Good Hope II no planeta
artificial Peregrino Beta — durante a qual o imortal foi salvo
de uma situação sem saída e os que o salvaram receberam em
retribuição uma informação valiosa — o cruzador de Perry
Rhodan está regressando em direção ao “Enxame”.
Durante o voo há um contato surpreendente — e os
terrenos são informados a respeito da Corrida para a
Morte...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — O Administrador-Geral que recebe um
hóspede a bordo da Good Hope II.
Tracs Potchyban — Mestre de armamentos de Hitchera Pearl.
Sal Almong — Um velho amigo do mestre de armamentos.
Tocha Tchchars — Um “novo professor”.
Af Atramo — Prefeito de Roseata.
Ana Atramo — Filha do prefeito.
1

“São de muitas espécies os seres humanos, os


irmãos, que se encontra no mundo! E como são eles?
Há um, irmãos, culpado, que não reconhece segundo a
verdade que 'em mim está a culpa', e há outro, irmãos,
culpado, que reconhece conforme a verdade que 'em
mim está a culpa...'
“Um homem, irmãos, que é culpado e não
reconhece conforme a verdade que 'em mim está a
culpa' é considerado o pior dos dois que têm a mesma
culpa. E um homem, irmãos, que é culpado e reconhece
conforme a verdade que 'em mim está a culpa' é
considerado o melhor dos dois que têm a mesma culpa.”

Sariputta, no diálogo com Moggallana a respeito


do problema da culpa.

***
O Tenente-Coronel Tracs Potchyban parou depois que saiu debaixo das árvores e
pôde olhar para a cidade que se estendia lá embaixo. Roseata já não era a imagem da paz
perfeita, como fora há cerca de um ano. Algumas casas tinham desabado ou tinham sido
queimadas. Parecia uma cidade abandonada há muito tempo.
Os lábios do homem crisparam-se. Seus olhos escureceram
Roseata fora fundada exatamente há 32 anos. Logo se transformara no centro do
continente. E agora?
Depois de saltar por cima do regato, o homem seguiu pelo caminho que levava às
primeiras casas. Suas roupas pareciam velhas e puídas. Um farrapo de couro mal curtido
cobria seus quadris. Em seu cinto estavam pendurados alguns laços de arame, do tipo
usado por aqueles que caçavam com armadilhas. Alguns objetos angulosos desenhavam-
se sob a camisa furada. Os pés descalços estavam surpreendentemente limpos. Não
combinavam muito bem com um homem que passara muito tempo na selva — ou queria
dar a impressão de que passara.
O homem passou por um trator enferrujado com o reator quebrado e alcançou as
primeiras casas. Ao lado do pedestal destruído de um pequeno transmissor viam-se dois
homens adultos deitados na poeira da rua, brincando com pedras coloridas. Levantaram
os olhos quando a sombra do homem caiu sobre eles, mas logo viraram o rosto para outro
lado.
— Olá, Sam, ei, Mac — cumprimentou Potchyban.
A única resposta ao cumprimento foi um murmúrio.
— Potchy — gritou um deles de repente.
Levantou e quis dizer alguma coisa, mas quando o montador de armadilhas se virou
para ele, baixou a cabeça e ficou calado.
Potchyban franziu a testa. Estava preocupado. Imaginara que havia algo de errado
em Roseata. Foi por isso que veio. Mas até então não se preocupara muito. De repente
teve medo de entrar numa armadilha. Seguiu adiante devagar. Ficou cada vez mais
atento. Olhava constantemente para os lados.
As casas de plástico pareciam abandonadas. Líquens cresciam no material
indestrutível. Ninguém se preocupava com isso. Havia alguns homens trabalhando ao
lado daquilo que já fora uma ferraria. As máquinas-ferramenta automáticas,
positronicamente controladas, estavam paradas. Nenhum dos homens fora capaz de pô-
las a funcionar de novo, mesmo nos casos em que o reator que as abastecia não tinha
falhado. Já não sabiam que botões deviam apertar para ativar o programa escolhido.
Roseata estava sem energia. Os homens tentavam consertar um simples patinete, um
brinquedo de crianças. Mas parecia que não sabiam como montar as peças.
Será que representavam um perigo?
O Tenente-Coronel sacudiu a cabeça de forma quase imperceptível. Eram homens
inofensivos, nem um pouco agressivos, que só tinham perdido a inteligência. Levantaram
os olhos à sua aproximação. Alguns deles riram discretamente, mas acabaram virando a
cabeça como os outros e voltando à ferraria.
O sol frio de outubro produzia sombras compridas. A chuva encharcara o chão e
lavara os cristais vermelhos. O capim que crescia nos jardins à frente das casas formava
um contraste marcante com a areia avermelhada. De vez em quando viam-se latas de
conserva jogadas na sujeira. Alguém as jogara fora, apesar de ele ter insistido
constantemente com os homens e as mulheres de Roseata para que não fizessem isso.
Parecia que seus conselhos tinham sido esquecidos. Será que a influência de seus
inimigos aumentara tanto?
Quando chegou ao centro da cidade, o homem parou. Junto ao chafariz que ficava
no meio da praça os habitantes tinham construído uma pirâmide com latas de conserva.
Era uma provocação bem clara. Ao lado da pirâmide estavam espalhados os destroços de
um robô.
Potchyban passou a mão pelo rosto. Seus dedos acompanharam a cicatriz que se
estendia do canto da boca até a orelha. Seu corpo grande entesou-se ligeiramente e a mão
baixou sobre o cinto como se procurasse apoio. O homem apalpou a arma energética
achatada escondida sob o couro.
A praça jazia calmamente à frente dele. As casas que se erguiam em volta pareciam
desabitadas. Do outro lado da praça via-se uma carroça com dois cheps atrelados à sua
frente. Estavam quase dormindo, com as cabeças caídas. Na cerca que ficava atrás da
carroça estavam sentados dois gaviões vermelhos. As cabeças estavam escondidas sob as
penas. Só se viam os olhos vermelhos. Pela sua postura via-se que não tinham intenções
agressivas.
O que era feito dos habitantes de Roseata? Afinal, a cidade tinha três mil habitantes
e ele só vira sete ou oito. Sabia que não podiam afastar-se muito da cidade. Pelo
contrário. Eram obrigados a ficar o mais perto possível. Depois que os representantes da
espécie Homo superior tinham aparecido em Hitchera Pearl e destruído tudo aquilo que
para eles representava uma técnica agressiva, os colonos do planeta corriam um perigo
grave. Quando a constante gravitacional da Galáxia sofreu uma modificação de 852
megakalups, os colonos transformaram-se em débeis mentais. De repente perderam a
capacidade de cuidar de si.
O Tenente-Coronel Tracs Potchyban percebera muito depressa que era a única
pessoa em Hitchera Pearl que não tinha sido atingida pelo processo. Depois disso passara
a fazer tudo que estivera ao seu alcance para prover as necessidades de seus habitantes.
Retirara as pessoas indefesas das grandes fazendas e centros de produção para reuni-las
nas cidades e aldeias, onde podia cuidar delas. Instalara um total de nove centros de
abastecimento em sete continentes.
Potchyban seguiu devagar em direção ao chafariz. Ficou de olho nas casas, mas não
descobriu nenhum sinal de emboscada.
Voltou a sorrir.
O Homo superior falhara em toda a linha. A tentativa de criar com a ajuda dos
débeis mentais uma economia puramente agrícola sem equipamentos técnicos fracassara.
As culturas de cereais semeadas na primavera ainda não tinham crescido como deviam.
Não chegariam à maturação, pois já tinham aparecido os primeiros sinais do inverno. As
nuvens eram baixas e escuras e corriam depressa pelo céu.
Quais seriam os planos do Homo superior? Será que montara uma armadilha para
atraí-lo à cidade?
O Tenente-Coronel Potchyban parou à frente do robô destruído. De longe tinha-se a
impressão de que a máquina explodira de dentro para fora. Mas naquele momento
Potchyban viu que fora destruída com uma arma energética.
De repente uma porta foi aberta violentamente.
O oficial virou-se abruptamente. Pôs a mão no cinto.
— Tracs! — gritou a moça loura que saiu correndo no jardim. — Corra! Depressa!
Querem matá-lo. Por favor, Tracs!
O Tenente-Coronel ficou paralisado.
De repente Ana voltara a ser como antes. Seus olhos brilhavam. Mas seu rosto
trazia a marca do medo, não do tipo de medo demonstrado por uma pessoa com o nível
de inteligência rebaixado. Era diferente. Potchyban não seria capaz de dizer em quê.
Percebeu que alguma coisa mudara.
— Tracs — gritou a moça quando viu que ele continuava imóvel.
Neste momento ouviu um ruído.
Virou-se o mais depressa que pôde — e descobriu que perdera. O alerta viera tarde.
Um planador antigravitacional aproximou-se em alta velocidade. Dois homens
inclinaram-se para fora da cabine transparente cuja cobertura fora aberta. Seguravam
armas energéticas pesadas nas curvas dos cotovelos. Os campos de irradiação
tremeluzentes mostravam que estavam
preparados para atirar. Potchyban ainda teria
tempo de pegar a arma, mas alguma coisa o fez
hesitar. As roupas dos homens pareciam
relaxadas e esfarrapadas.
Débeis mentais viajando num planador? E
usando armas energéticas?
Por que não atiravam?
Potchyban acompanhou os acontecimentos
como se visse tudo através de olhos estranhos.
Teve a impressão de que via um filme que não
lhe interessava. A cena parecia desenvolver-se
em câmera lenta.
O planador veio em sua direção. Os
homens faziam pontaria para ele, mas não
atiravam. Procuravam desesperadamente o
acionador, dando a impressão de que era a
primeira vez que tinham as armas nas mãos. Um dos dois encontrou a alavanca. Mexeu
nela. Um raio energético subiu às nuvens.
Tracs Potchyban atirou-se para o lado. O planador passou perto dele e colidiu com
toda força com uma das casas de madeira. Parecia que neste momento o outro homem
descobriu como lidar com a arma. Atirou para dentro do veículo, fazendo-o explodir.
A onda provocada pelo deslocamento do ar passou ruidosamente por cima do
Tenente-Coronel. Lascas de madeiras, pedaços de plantas e utensílios domésticos foram
arremessados para longe. Quando o barulho acabou, choveu de novo. Dentro de instantes
a casa em chamas ficou envolta numa neblina.
Potchyban levantou de um salto e correu para junto de Ana. A moça estava deitada
no chão, inconsciente. O tenente-coronel pegou-a nos braços e carregou-a para a casa.
Af Atramo estava parado na porta, fitando-o com uma expressão sombria.
Afastou-se devagar para dar passagem ao caçador com a moça. Potchyban colocou
Ana numa cama e olhou para trás. Atramo ainda estava parado na porta. O antigo prefeito
de Roseata passou a mão pelo rosto. Parecia confuso. Sacudiu a cabeça.
— Que aconteceu, Tracs? — perguntou.
Tracs Potchyban certificou-se de que Ana não estava ferida. Já estava recuperando
os sentidos.
— O que aconteceu? É o que eu gostaria de saber de você, velho. — O tenente-
coronel foi para perto do homem grisalho e colocou as mãos sobre seus ombros. Olhou
fixamente nos seus olhos. Af Atramo parecia muito perturbado. — Por que resolveram
atirar em mim?
— Nós, Tracs? Ninguém de nós queria atirar em você. Os homens que estavam na
máquina diabólica são novos professores.
Potchyban virou-se abruptamente e saiu. A praça estava cheia de gente. Nervosos,
os habitantes de Roseata cercavam a casa destruída. Deixaram que o Tenente-Coronel
chegasse perto dos destroços.
— Estão mortos, Potchy — disse Almong, um homem louro de cerca de trinta anos.
Almong segurou o braço do oficial. — O que está acontecendo? Que houve? Parece que
os novos professores esqueceram de repente como devem lidar com seus veículos
diabólicos.
— Venha comigo, Sal — disse Potchyban.
Os dois voltaram à casa do prefeito. Ana já se recuperara. Estava sentada sobre a
cama.
Af Atramo colocou um colete de couro. Estava com frio.
— Parece que estávamos todos dormindo, Tracs — disse. — Parece que muita coisa
mudou em Roseata. Que máquina estranha era esta na qual os novos professores
viajavam pelo ar? O que estavam segurando nas mãos? Por que queriam matar você?
O Tenente-Coronel Potchyban pediu a Ana que lhe servisse um copo de vinho tinto.
Sentou junto à mesa e bebeu. Mais uma vez os dois se entreolharam. Sal Almong estava
sentado num banco mais afastado. Girava um botão do televisor, mas não conseguiu ligá-
lo por falta de energia. Puxou o aparelho para o lado e verificou se estava ligado à rede.
Sacudiu a cabeça sem compreender nada. Franziu a testa. Potchyban viu que se esforçava
para pôr os pensamentos em ordem, mas não conseguia. Finalmente dirigiu-se ao oficial.
— Tracs — disse com a língua pesada. — Esqueci como se liga isto. Você ainda se
lembra?
Tracs Potchyban sentiu-se abalado. Fazia quase um ano que ninguém lhe fazia uma
pergunta como esta. Será que o intelecto dos colonos de Hitchera Pearl, que fora
submetido a uma influência artificial, finalmente voltava a clarear?
— Nossa comida acabou, Tracs — disse Atramo. — O que podemos fazer? Os
novos professores prometeram que o solo nos dará tudo de que precisamos, mas os
cereais ainda não cresceram. Não colheremos nada. Depois que os professores mataram o
mensageiro de ferro, não recebemos mais suprimentos de fora. Eu os preveni. Disse o que
aconteceria se matassem o mensageiro de ferro, mas eles não quiseram ouvir-me.
Atiraram o raio sobre ele.
O prefeito foi para perto de Potchyban e sentou à sua frente. Segurou suas mãos
num gesto de súplica.
— Tracs, você sempre nos deu conselhos. Não deixe de ajudar-nos desta vez. Que
devemos fazer?
De repente Tracs Potchyban sorriu.
— Você nem imagina como estou alegre, Af.
Atramo levantou de um salto. Parecia estupefato.
— Você está alegre?
— Venha, Af. Sente. Você me interpretou mal. Estou alegre porque vocês começam
a acordar. De repente voltam a compreender as coisas.
— Você está enganado — respondeu Sal Almong, que se aproximava lerdamente da
mesa e também sentou. — Não compreendemos absolutamente nada. Ainda ontem tudo
era bem simples para mim. Eu... o que fiz mesmo ontem? Não me lembro.
— Você estava sentado no meio da rua, brincando com as pedrinhas.
Almong sorriu. Sacudiu a cabeça.
— Pois é, Tracs. Sonhei com algo parecido. Mas o que fiz mesmo?
Potchyban suspirou. Seria difícil explicar a essa gente o que tinha acontecido.
— Prestem atenção — principiou. — Há dois dias pousou uma espaçonave em
Hitchera Pearl. Está ao sul de Rose. É do tamanho de uma montanha. Sua ponta, que é
parecida com o chapéu de um cogumelo, chega até as nuvens. Dessa nave sai alguma
coisa que modifica os habitantes deste planeta.
— Você fala uma língua estranha, Tracs — observou Atramo. — Até hoje via em
você apenas um homem que mantinha excelentes relações com o homem de ferro. Toda
vez que precisávamos de alguma coisa falávamos com você. Quando queríamos falar
com você e você não estava por perto, pedíamos ao homem de ferro que o chamasse. Ele
sempre atendeu. Quando os novos professores mataram o homem de ferro, ele pediu
ajuda a você. Isto nós compreendemos. Mas agora você nos fala de coisas que não
compreendo. Lembro-me vagamente de que existem coisas chamadas de espaçonaves.
Mas como você soube que a nave estranha nos influencia e modifica?
— Muito bem, amigos — disse Potchyban. — Há cerca de onze meses aconteceu
uma coisa entre as estrelas que modificou vocês. Não posso explicar agora, porque é
muito complicado. O espírito de vocês ficou embotado. De repente esqueceram tudo que
tinham aprendido. Ficaram indefesos como crianças, e alguém teve de cuidar de vocês.
— O homem de ferro — observou Atramo.
— O robô cumpriu minhas ordens, Af — respondeu Potchyban. — Podia falar com
ele a qualquer momento, estivesse onde estivesse. Por isso ele podia chamar-me sempre
para perto de vocês. Em Oyster, que é o grande continente ao leste, existe uma base da
Frota Solar. Providenciei para que ela os abastecesse de alimentos.
Sal Almong esfregou a testa. Parecia que estava com dor de cabeça.
— Quase não me lembro das coisas de que você está falando — disse.
Ana, que era a filha do prefeito, apoiou-se no braço do pai. Sorriu para Potchyban e
acenou com a cabeça. Parecia que se lembrava de alguma coisa.
— Fez tudo isso sozinho? — perguntou. — Nos outros continentes não existem
colonos? Não devemos estar sozinhos em Hitchera Pearl.
— Em Oyster vivem 20.000 colonos, em Gray sete mil, em Yellow oito mil, em
Rose três mil e em Red quatro mil — respondeu Potchyban. — Blue e White são
desabitados. São frios e hostis à vida.
— Você cuidou de todos eles?
— Cuidei, Sal — respondeu o oficial. — Não foi tão difícil como você talvez
imagine. Pude contar com a ajuda dos robôs. Na base existem mantimentos que dão para
abastecer-nos por alguns anos. As coisas só se tornaram difíceis depois que o Homo
superior apareceu em Hitchera Pearl.
— Você se refere aos novos professores? — perguntou Sal Almong.
O homem desajeitado abriu a camisa e esfregou o peito musculoso. Parecia sentir
calor, embora a temperatura do lado de fora tivesse baixado para cerca de quinze graus
centígrados e a calefação da casa não estivesse funcionando.
— Viviam nos dizendo que não devemos aceitar as latas. Garantiam que se
comêssemos o que o robô trouxesse poderíamos morrer. Mas não tenho a menor dúvida
de que teríamos morrido há muito tempo se tivéssemos confiado exclusivamente nos
professores. Neste ano o solo não produzirá nada. Devemos ter cometido algum erro, pois
antes colhíamos boas safras.
Potchyban sorriu amargurado. Voltou a passar as pontas dos dedos pela cicatriz que
trazia do lado esquerdo da face. Os superiores tinham causado estragos incríveis.
Convencidos de que qualquer técnica acabaria levando à agressão, tentaram levar os
camponeses a regredir às formas rudimentares de cultura do solo. Mas sua experiência
estava condenada ao fracasso, porque entendiam pouco de agricultura. Estas pessoas que
sem dúvida eram inteligentes não eram capazes de reconhecer o defeito básico que havia
em seu raciocínio. De tão convencido que estavam do acerto de sua teoria e filosofia,
perderam o contato com a realidade.
— O que foi que os novos professores fizeram? — perguntou o prefeito. — Eles o
impediram de fazer alguma coisa.
— Nos últimos meses tentavam constantemente fazer a mesma coisa que quiseram
fazer hoje. Praticaram atentados contra minha pessoa. Tentaram conquistar a base para
destruí-la.
— Quer dizer que sabiam que você mora na base?
Potchyban sacudiu a cabeça.
— Não, Af, eles não sabiam. Só desconfiavam. Souberam de vocês que eu tinha
algo a ver com os fornecimentos de conservas e dali tiraram suas conclusões.
— Quer dizer que você não é um caçador? — perguntou Atramo.
— É claro que não, Atramo — respondeu Potchyban. — Os superiores obrigaram-
me a usar este disfarce. Se tivesse aparecido em meu uniforme, não teria dez minutos de
vida. Eles me matariam imediatamente.
— É estranho — observou Af Atramo. — Eles vivem pregando a paz e condenam
todas as formas de agressão, mas atacam você e querem matá-lo.
Um homem entrou na sala.
— Potchy — disse. Potchyban reconheceu nele um dos homens que vira brincar
com pedras coloridas na entrada da cidade. Mas naquele momento parecia bem sensato.
— Alguma coisa aconteceu com os novos professores. Eles se comportam de uma forma
estranha.
Tracs Potchyban levantou e foi até a porta. Olhou para fora. Havia um planador
suspenso no ar perto do chafariz. Na máquina voadora estava sentado um homem de
toga, facilmente identificável como um Homo superior. Parecia inseguro remexendo no
painel de controle e dando a impressão de que não sabia mais como dirigir o veículo.
Potchyban saiu da casa e foi em direção ao planador. Ficou de olho no Homo
superior. Quanto mais se aproximava, mais claro era o quadro.
O Homo superior fitou-o com uma expressão confusa. De forma alguma dava a
impressão de ser um débil mental, mas não parecia ter a grande inteligência de antes.
Notou imediatamente a presença do oficial. Encarou-o.
— O senhor é Potchy — disse. — Tracs Potchy, o caçador.
— Isso mesmo — respondeu Potchyban. — E o senhor é um professor.
— De fato.
O Homo superior recostou-se na poltrona. Parecia ter dificuldade em encontrar as
palavras. Olhou nervosamente para os habitantes de Roseata, que estavam atrás de suas
costas. Para Potchyban parecia um homem no meio de um grupo elegante que de repente
descobre que não está adequadamente trajado. Sorriu e apoiou as mãos na porta lateral do
planador enquanto olhava pela janela aberta.
— Há algo de errado com esta coisa? — perguntou.
O Homo superior mordeu os lábios. Passou os olhos pelo painel. De repente parecia
lembrar-se. Pôs as mãos nas chaves certas, colocou os dedos nos botões adequados e
apertou-os depois de hesitar um pouco. O planador começou a movimentar-se, passou
entre a multidão que recuava, em direção à casa destruída, mas acabou fazendo uma
curva para o oeste e desapareceu em velocidade reduzida.
Sal Almong pigarreou.
— É estranho — disse com a voz pesada que era uma das suas características. —
Tive a impressão de que o professor não sabia mais dirigir essa máquina infernal.
— Acho que você estava enganado, Sal.
O jovem sacudiu obstinadamente a cabeça.
— Tenho a impressão de que nas últimas horas minha cabeça clareou um pouco —
retrucou. — Mas também tenho a impressão de que com os professores aconteceu
exatamente o contrário.
— Eles lhe parecem menos inteligentes porque você sabe pensar um pouco melhor
— disse Potchyban.
Sorriu, enquanto observava atentamente o amigo. Não se enganara. O processo de
deterioração mental sofrera uma reversão. Os habitantes de Roseata estavam se
recuperando. Já se notava um progresso considerável, apesar de faltar muito para que
fosse atingido o mesmo nível de inteligência que havia antes.
Seguindo uma súbita intuição, Potchyban perguntou:
— Quer acompanhar-me, Sal?
— Para onde, Tracs?
— Sim, para onde? — repetiu Af Atramo. — Também gostaria de ir com você.
— Precisam de você aqui, Af — disse Potchyban. — Tem de cuidar da cidade. Sal
já foi engenheiro de reatores. No momento não pode fazer muita coisa aqui.
— Você vive contando histórias que ninguém compreende — afirmou Almong. —
Bem, para mim é indiferente. Irei com você.
***
Caminharam pela floresta durante uma hora e aproximavam-se cada vez mais da
costa do continente. Os dois homens só trocavam algumas palavras sem importância, mas
Potchyban percebeu que a curiosidade do amigo crescia cada vez mais. Será que Sal
Almong se lembrava da atividade que costumava desempenhar antes, quando viajava
constantemente para cuidar da manutenção dos reatores atômicos nos cinco continentes
habitados de Hitchera Pearl? Fora muitas vezes à base para arranjar peças sobressalentes.
Foi assim que se tinham conhecido e tornado amigos.
Depois de uma hora atravessaram uma grota. Também atravessaram um regato e
entraram numa caverna rochosa cuja entrada estava quase completamente encoberta por
trepadeiras. Sal Almong parou surpreso. Havia um grande planador antigravitacional
estacionado na caverna. Potchyban mandou abrir a cobertura transparente, despiu-se e
colocou as vestes que pusera sobre o assento. Dali a pouco apareceu à frente de Almong
num uniforme azul-marinho. Alguns distintivos metálicos brilhavam sobre seu ombro
direito. Um cinto marrom se estendia em tomo de seu corpo na altura dos quadris. O
oficial prendeu ao cinto uma arma energética, enfiando-a no coldre. Em seguida acenou
com a cabeça para Sal Almong e sorriu.
— Está lembrado, Sal? — perguntou.
O amigo sacudiu a cabeça.
— Sei que você ainda é o mesmo — respondeu. — Também sei que não tenho nada
a temer de você. Mas para mim você se tomou um estranho.
— Entre.
O Tenente-Coronel largou no chão os farrapos que usara no seu papel de caçador e
sentou atrás do volante. Sal Almong hesitou antes de ocupar o assento a seu lado. Ficou
um pouco tenso quando os motores começaram a funcionar e o planador começou a subir
para sair da caverna. As trepadeiras abriram-se. O veículo acelerou e subiu num ângulo
de noventa graus. Dali a instantes estavam centenas de metros acima da rocha. Sal
Almong contemplou fascinado os recifes nos quais se quebravam as ondas do oceano. O
vento não era muito forte, mas as ondas eram bem altas e se quebravam em espuma em
meio às rochas bizarras junto à margem.
Tracs Potchyban fez o planador descrever uma curva aberta e tomou a direção sul.
Não disse uma palavra quando o veículo sobrevoou o mar em alta velocidade, mas
observava atentamente o homem sentado a seu lado. No lugar em que se encontravam a
costa fazia uma grande curva para o oeste, mas mais ao sul voltava a avançar para o leste.
Lá adiante, na extremidade da costa rochosa, uma figura gigantesca subia até as nuvens,
um cogumelo cinza-pálido de um tamanho incrível.
Sal Almong pôs a mão em seu braço.
— Que é isso, Tracs? — perguntou.
— Uma espaçonave — respondeu Potchyban. — Pousou há dois dias. Parece que
depois disso alguma coisa mudou em Hitchera Pearl.
Sal Almong pôs a mão na cabeça.
— Acha que a nave tem alguma coisa a ver conosco? — Sal fitou Potchyban e seus
olhos se arregalaram. — Por que você não sofre a mesma influência, Tracs? É igual aos
novos professores?
— Quer saber se eu sou um Homo superior? — Potchyban sacudiu a cabeça
enquanto as pontas dos dedos apalpavam mais uma vez a cicatriz do lado esquerdo da
face. — Não, Sal. Sou mentalmente estável. Em mim os raios não fazem efeito. Acho que
é por causa do ferimento de tiro.
O Tenente-Coronel Potchyban fez descer o planador antigravitacional, fazendo-o
voar junto às ondas. Aproximou-se da costa. À medida que diminuía a distância que os
separava da nave-cogumelo, o quadro se tomava cada vez mais impressionante. Sal
Almong agarrou-se ao assento. Parecia que tinha medo.
Quando chegaram à costa, Potchyban fez pousar o planador em chão firme. Desceu.
Almong foi atrás dele. Atravessaram uma colina coberta de capim e aproximaram-se da
espaçonave. Subia a cinco mil metros de altura e dava a impressão de que ia desabar sob
o peso do gigantesco chapéu de cogumelo. A cobertura tinha sete quilômetros de
diâmetro na base, parecendo que ia esmagar o talo, que na raiz ainda tinha seus dois mil
metros de diâmetro.
Os dois pararam entre algumas árvores e olharam para o cogumelo. Sal Almong
começou a tremer. Depois de algum tempo praguejou.
— Não existe nada com que possamos esmagar este monstro? — perguntou com a
voz rouca. — Não há nenhuma arma que possamos apontar contra isso para obrigá-lo a
abandonar nosso mundo?
Almong sacudiu Potchyban pelos ombros.
— Tracs — disse. — Você nos deu conservas para manter-nos vivos. Se ainda
existem seres humanos em Hitchera Pearl é porque você os abasteceu de alimentos. Está
na hora de nos dar armas, de entregar-nos alguma coisa com que possamos mandar este
monstro para o inferno. Eu sei que você pode dar-nos as armas de que precisamos.
Tracs Potchyban sacudiu a cabeça. De repente parecia velho e cansado.
— Você não sabe coisa alguma — respondeu. — Se soubesse, não faria pedidos tão
absurdos.
Sal Almong virou-se e apertou a testa contra a casca de uma árvore. Seus ombros
tremiam.
— Você fez muito por nós, Tracs — disse. — Não nos traia numa hora destas.
Continue a ajudar-nos.
Quando virou o rosto de novo estava com os olhos cheios de lágrimas. Tracs
Potchyban esquivou-se ao seu olhar. Baixou a cabeça. Lembrou-se dos últimos meses,
quando a desgraça desabou de repente sobre o planeta. Assistira impotente à destruição
repentina de uma cultura florescente, vira homens e mulheres transformar-se em crianças,
depois que tinham trabalhado durante três anos pelo desenvolvimento desse mundo.
Lembrou-se de como estava Ana quando se encontrara com ela certa manhã. Na
noite anterior fora uma moça muito inteligente, que vivia procurando discussões sobre
assuntos espirituais com ele. Mas na manhã seguinte era uma criança com um
vocabulário de cinquenta palavras no máximo. Ele não tivera coragem de deixá-la só
enquanto saíra desesperadamente à procura de outros colonos. Primeiro pensara que fosse
alguma doença mental, mas depois se encontrara com grande número de homens e
mulheres e tivera de aceitar o fato de estar sozinho entre quarenta e dois mil colonos que
se tinham transformado em débeis mentais.
Trabalhara dia e noite para abastecer essa gente. Já não sabia o que era ter descanso.
As pessoas se comportavam que nem crianças que tinham de ser vigiadas
constantemente. Não podiam fazer nada sem sua ajuda. Ele lhes tivera de mostrar como
abrir uma lata de conserva, como preparar alimentos. Distribuíra robôs pelos continentes,
mas apesar disso tivera de prestar ajuda ininterruptamente, principalmente no que dizia
respeito à assistência médica. Não sabia exatamente quantos partos tivera de fazer porque
as mulheres de repente passaram a ter medo dos robôs e recusar seu auxílio.
Mas sempre dera um jeito de cumprir suas tarefas. Isto fora possível porque os
reatores atômicos continuavam a fornecer energia e mantinham as residências
funcionando.
Mas de repente os superiores apareceram em Hitchera Pearl e a situação piorou
ainda mais. Vieram num tempo em que ele pensara que a situação já estivesse sob
controle. Logo iniciaram o processo de reeducação dos colonos, para transformá-los em
pessoas ligadas à natureza. Uma das primeiras coisas que fizeram foi desligar ou destruir
os reatores atômicos.
Dali em diante a situação dos colonos piorou constantemente, embora Potchyban
usasse todos os recursos técnicos da base para ajudá-los e não tivesse mais um minuto de
descanso. Não podia mostrar-se mais como era; teve de assumir o papel insuspeito de um
caçador para ser deixado em paz. Mas de algumas semanas para cá os superiores davam a
impressão de que não acreditavam mais que também fora atingido pelo processo de
deterioração mental. Tentavam constantemente matá-lo ou segui-lo quando se dirigia à
base.
Mas apesar de tudo conseguira manter vivos os colonos e defender a base. A
situação ainda não se tornara desesperadora, mas além de tudo a nave-cogumelo acabara
de mudar. Era mais uma mudança.
— Tracs — cochichou Sal Almong em tom de súplica. — Não nos abandone numa
situação destas. Dê-nos o que precisamos para destruir ou expulsar isso aí. Por favor,
Tracs.
Potchyban encarou o amigo. Sentiu como estava exausto e até que ponto os últimos
meses tinham desgastado suas energias. Sem dúvida chegaria o momento em que
precisaria descansar para não desabar sob o peso da responsabilidade. Não podia
continuar assim para sempre.
Virou-se e olhou para a espaçonave dos alienígenas.
Não sabia o que fazer.
2

15 de novembro de 3.441.
Chegaram ainda mais perto do cogumelo. Potchyban pôde ver perfeitamente a
mudança havida nos últimos dois dias. Do talo saíam inúmeros cabos presos no chão para
dar firmeza à nave. Algumas aberturas circulares tinham surgido na face inferior do
chapéu do cogumelo.
Brilhavam num vermelho vivo. Pelos cálculos de Potchyban cada uma delas devia
ter pelo menos seiscentos metros de diâmetro.
Sal Almong estava deitado no chão ao lado do oficial. Ficaram escondidos entre
algumas rochas, no topo de uma colina. Almong cravou os dedos no braço de Potchyban
ao ver armas energéticas saírem das aberturas vermelhas, atirarem em algumas rochas
perto do cogumelo e transformá-las em lava incandescente. O chão em volta da
espaçonave tinha sido quase completamente aplainado desde que o oficial estivera lá pela
última vez.
— Que coisa estranha — murmurou Potchyban. — Quando estive aqui pela última
vez a área estava cheia de figuras estranhas. Mas agora está tudo vazio. Parece que se
recolheram à nave.
— Como eram essas figuras? — perguntou Sal Almong.
— Dei-lhes o nome de conversores absolutos — respondeu o oficial e levantou-se
para afastar-se com o companheiro. Parecia muito pensativo. Depois que tinham dado
alguns passos, virou o rosto e olhou para o cogumelo. Semicerrou os olhos e sacudiu a
cabeça, perplexo. — Não compreendo nada.
Sal Almong teve de apressar-se para acompanhar Potchyban quando ele voltou ao
planador. Subiu hesitante no assento ao lado dele.
— Que pretende fazer, Tracs?
— Vamos à base.
O planador decolou e seguiu para o leste. Rose desapareceu rapidamente atrás deles.
Começou a chover e uma bruma densa envolveu o cogumelo. Almong tiritava de frio,
embora o ambiente do planador fosse quente e acolhedor. Contemplou estupefato a costa
apareceu dali a pouco e examinou surpreso a bela paisagem que se estendia embaixo
deles. O continente parecia ainda mais belo que Rose. Montanhas baixas alternavam-se
com planícies cobertas de florestas ralas e alguns lagos. O outono colorira a folhagem e
Sal teve a impressão de que sobrevoavam um tapete multicor. Via constantemente
manadas de animais parecidos com antílopes e bandos de pássaros coloridos que fugiam
assustados quando o planador passava em cima deles. Raramente via uma povoação. As
casas das fazendas tinham sido abandonadas.
— Reuni todos os colonos ao norte e ao sul do Oyster — informou Potchyban. —
Foi o único meio que encontrei para abastecê-los. Fui obrigado a concentrá-los em certas
áreas para não perder o controle.
Sal Almong acenou com a cabeça.
— Você fez tudo para que continuássemos vivos — disse. — Agora finalmente tem
a oportunidade de dar um final feliz a seus esforços.
Potchyban fitou o amigo com uma expressão de surpresa.
— Que quer dizer com isso, Sal?
— Você disse que nós e os novos professores mudamos depois que o cogumelo
apareceu em Rose. Nossa inteligência foi influenciada.
— É verdade.
— Quer dizer que a causa da mudança é o cogumelo. Basta destruí-lo e voltaremos
a ser livres. Tudo voltará a ser como era há um ano.
Tracs Potchyban mordeu os lábios. Apontou para a frente.
— Olhe a base — disse.
Um campo energético erguia-se na planície que nem uma gigantesca campânula de
vidro. Subia até as nuvens. Atrás dele Almong distinguiu o oceano. A base fora instalada
na costa leste de um continente, da mesma forma que o cogumelo. O campo energético
permitia que se vissem muitos detalhes da base. Almong viu máquinas e armações
gigantescas. Alguns edifícios eram tão grandes que era quase impossível vê-los de uma
só vez.
Tracs Potchyban levou o planador diretamente para o campo energético. Quando
estavam a apenas alguns metros dele, uma fenda se formou de repente na estrutura
cintilante. O oficial fez o veículo passar por ela e desceu atrás de um edifício alongado.
Sal Almong continuou o assento.
Potchyban sorriu, inclinou-se para seu lado e encostou a mão nele.
— Então, Sal? Não vai descer?
— Tracs... isto é a base de que você me falou?
O oficial acenou com a cabeça. Almong parecia confuso. Estava com a testa coberta
de suor. Olhou em volta assustado.
— Pensei que fosse bem diferente. Menor e não tão estranha. Parece tão perigosa
quanto o cogumelo.
Tracs Potchyban riu.
— Há uma diferença. Isto aqui é uma ferramenta da Frota Solar. Logo, é nossa
ferramenta, não a dos desconhecidos.
Em seguida contornou o planador e ajudou Almong a descer.
— Há mais alguém aqui além de você, Tracs?
— Ninguém, Sal. Estou sozinho.
A informação de que um único homem pudesse ser dono de um conjunto gigantesco
como este não estava ao alcance da compreensão do engenheiro. Ele vivia sacudindo a
cabeça, enquanto Potchyban o levava a um dos edifícios. Sal parava constantemente para
olhar em volta. Parecia que as gigantescas máquinas e estruturas que se erguiam em torno
dele a centenas de metros de altura faziam aumentar seu medo.
— Não compreendo o que estou vendo, Tracs. Para que serve esta base?
— É um estaleiro de naves espaciais completamente automático, Sal. Aqui podem
ser reparadas as maiores naves da Frota Solar. — O rosto de Potchyban assumiu uma
expressão sombria. — Mas não deverão chegar mais naves. Nos últimos meses só ouvi
pedidos de socorro. Parece não haver mais ninguém capaz de dirigir uma nave.
Sal Almong parou. Olhou para o homem alto que estava a seu lado. O rosto de
traços marcantes retratava a estrutura mental desse homem.
— Quem é você, Tracs?
— Sou o mestre de armamentos, Sal.
— Quer dizer que é o chefe da base?
— Sou, sim.
— Se é assim, por que não usa o poder que tem para destruir o cogumelo e fazer
com que voltemos ao normal? Por que gasta suas energias abastecendo-nos de alimentos
e outras coisas de que precisamos em vez de arrancar o mal pela raiz e eliminar a causa
de nossa perda de inteligência?
***
Depois de atravessar um incrível mundo maravilhoso chegaram a uma sala à qual o
mestre de armamentos deu o nome de centro de vigilância. Sal Almong teve a impressão
de estar num mundo dos sonhos. Tudo que tinha encontrado no lugar parecia ter sido
feito para facilitar sua vida e tomá-la mais confortável. Quase não precisava andar — o
piso rolava com ele. Não precisava subir escadas, porque forças invisíveis o levavam para
onde queria.
Tracs Potchyban observara-o atentamente. Sal Almong percebera e esforçara-se
para não decepcionar o oficial. Mas este não parecia muito satisfeito.
Naquele momento estava sentado à frente de uma parede de imagem. Passou os
dedos rápida e ligeiramente sobre as teclas de um console de programação e as imagens
tridimensionais que apareciam à sua frente mudavam sem parar. Sal Almong preferiu
ficar calado para não decepcionar o amigo com perguntas capazes de revelar sua
ignorância, mas ficou atento no que estava acontecendo.
Justamente naquele momento a nave-cogumelo apareceu à sua frente, mas não era
como ele a vira há uma hora. Inúmeras figuras estranhas saíam de aberturas que ficavam
no pé do talo.
— São os conversores absolutos — explicou Potchyban, mas Almong não o
compreendeu.
Os desconhecidos possuíam um corpo cilíndrico com saliências e um número muito
elevado de braços e pernas. A pele morena escura tinha aspecto de couro; parecia muito
resistente. Almong ouviu vozes estridentes e enquanto os seres começavam a modificar o
cogumelo do lado de fora, teve a impressão de que chamavam alguém. Inclinou-se para
ouvir melhor, mas o mestre de armamentos já estava mudando o enfoque. Almong teve a
impressão de que ouvira algo parecido com Y’Xanthomonary. Parecia que o grito fora
repetido constantemente. Mas não tinha certeza.
As outras imagens que Potchyban contemplou pareciam ter sido tiradas num
momento diferente, pois em cada sequência os trabalhos pareciam ter avançado mais um
pouco. Finalmente os conversores absolutos voltaram para dentro do cogumelo.
Almong quis fazer uma pergunta, mas Potchyban já estava mudando o enfoque de
novo. Inclinou-se num gesto nervoso. Almong espantou-se ao ver que as imagens
voltavam para trás. Um disco achatado desceu das nuvens e encostou na face superior do
cogumelo. Voltou a desprender-se e saiu voando. Potchyban girou a poltrona e encarou
Almong sorrindo.
— Parece que alguns dos desconhecidos já saíram de Hitchera Pearl. A espaçonave
subiu no momento exato em que entrei em Roseata e os superiores tentaram um atentado
contra minha pessoa. Exatamente neste momento aconteceu alguma coisa, Sal.
O Tenente-Coronel levantou de um salto e andou junto ao painel de controle para
finalmente deixar-se cair em outra poltrona. Voltou a mexer nos controles. Almong foi
atrás dele. Viu que Potchyban estava sorrindo.
— A constante gravitacional da Galáxia foi modificada de novo, Sal — disse o
mestre de armamentos. — Os instrumentos indicam um desvio de 132,6583 milikalups.
— É o cogumelo que faz isso? — perguntou Almong. — E isso aconteceu mesmo
no momento exato em que você chegou a Roseata?
Potchyban confirmou com um aceno de cabeça. Colocou o braço sobre os ombros
do amigo que ainda parecia confuso e levou-o para fora. Foram aos aposentos
particulares do mestre de armamentos. Almong viu um robô colocando uma refeição
quente sobre a mesa. Parou, olhou para Potchyban e voltou a sacudir a cabeça.
— Quer dizer que você já tem a prova definitiva, Tracs — disse. — Por que diabo
ainda hesita?
— Venha, Sal. Coma alguma coisa. Depois falaremos sobre o resto.
***
— Pensei que iríamos conversar como pessoas sensatas — disse Sal Almong. —
Mas em vez disso você me coloca embaixo de uma coisa maluca e me faz mil perguntas
ainda mais loucas. O que significa tudo isso, Tracs?

O Tenente-Coronel Potchyban encarou o amigo e disse:


— Você vai sentir uma picada, Sal. Não será doída.
Sal Almong estava deitado numa mesa de exame. Um capacete cobria sua cabeça,
só deixando de fora o rosto. Virando bastante os olhos, Sal Almong via a parte das
instalações cheias de instrumentos e mostradores junto às quais Potchyban estava
trabalhando. Sentiu alguma coisa penetrar em seu couro cabeludo. No mesmo instante
perdeu os sentidos. Mas teve a impressão de que só passara um minuto. Quando no
entanto percebeu que se encontrava numa sala diferente e estava sentado em outra
poltrona compreendeu que se enganara. O Tenente-Coronel estava sentado à sua frente
tomando uma xícara de café.
— Você parece satisfeito, Tracs — afirmou Almong contrariado. — Pois eu não
estou — caso esteja interessado em saber.
— É verdade, Sal — respondeu Potchyban. — Estou satisfeito. Tomei a liberdade
de fazer alguns testes com você. Os resultados foram animadores. Os efeitos da
modificação da constante gravitacional
diminuíram bastante. Sua capacidade de
compreensão teve um grande aumento;
corresponde mais ou menos à dos homens
do ano 1.800 do calendário terrano.
Sal Almong estava interessado.
Parecia não se sentir nem um pouco
ofendido com as palavras do mestre de
armamentos. Considerava seu estado atual
uma doença. Sentiu que estava
melhorando.
— O que você conclui disso, Tracs?
— perguntou.
— Vale a pena tentar — respondeu
Potchyban. — As impressões que colhi
confirmam que as chances não são más.
Faremos mais uma tentativa, Sal, se você
quiser.
— Que espécie de tentativa?
— Venha comigo.
Potchyban levantou e saiu caminhando para a porta, que se abriu à sua frente.
Atravessou-a. Almong, que tinha medo de que ela pudesse fechar-se imediatamente,
correu atrás do mestre de armamentos, Potchyban atravessou uma sala cheia de aparelhos
e saiu para um campo de pouso de planadores. Dirigiu-se a um veiculo estacionado e
pegou uma arma energética. Virou-se para o amigo segurando-a na mão.
— Quero que você cumpra uma tarefa fácil — disse e apontou para uma armação
que ficava encostada ao campo energético. — Ali há uma placa metálica. Mandei que um
robô a colocasse especialmente para você. Quero que acerte nela com esta arma.
Almong pegou o fuzil energético um tanto assustado. Ficou atento quando
Potchyban lhe explicou o funcionamento. Encostou a arma ao ombro, fez pontaria e
atirou. Um raio energético ofuscante saiu do campo de irradiação e atingiu a placa
metálica, transformando-a em esguichos incandescentes.
Almong assustou-se, mas não deixou cair a arma.
— Você aprende depressa, Sal — disse Potchyban.
Envolveu o amigo numa conversa e fez com que ele contasse o que tinha acontecido
em Roseata. Almong só guardava uma recordação incompleta dos acontecimentos dos
últimos dias, mas fez um grande esforço para que seu relato fosse o mais minucioso
possível. Nem percebeu que o Tenente-Coronel o estava testando desviando sua atenção
da arma.
Cerca de dez minutos depois Potchyban lhe pediu que desse mais um tiro. Almong
estava confuso. Transpirando, tentou concentrar-se no fuzil. Encostou-o várias vezes ao
ombro, mas não sabia muito bem o que fazer. Finalmente teve a impressão de lembrar-se
de tudo que o amigo lhe tinha dito. Fez pontaria e atirou.
Tracs Potchyban sorriu. O brilho de uma nova esperança surgiu em seus olhos.
Almong devolveu-lhe o fuzil energético num gesto que quase chegava a ser solene.
Olhou fixamente para ele. Potchyban acenou com a cabeça.
— Muito bem, Sal — disse. — Não podemos contar com qualquer ajuda de fora. Só
podemos contar com nossos próprios recursos. Tentaremos atacar o cogumelo.
— E vamos destruí-lo, Tracs. Com estas armas.
— Tomara, Sal.
***
A decisão fora tomada. Tracs Potchyban resolvera iniciar a luta contra a espaçonave
vinda de fora. Tinha certeza de que com a ajuda dos colonos seria capaz de destruí-la.
Deixou Sal Almong a sós com um robô, depois de dar ordem para que este
explicasse ao colono como dirigir um planador. Ele mesmo começou a elaborar o plano
de ataque contra o cogumelo e testá-lo com o auxílio dos computadores positrônicos.
Tinha um problema sobre o qual ainda não falara com Sal Almong, porque não podia
esperar que ele o compreendesse.
Pouco antes do início da catástrofe um ultracouraçado e quatro cruzadores pequenos
tinham sido submetidos a uma revisão geral e reparados pelas instalações automáticas.
Potchyban fora obrigado a entregar todas as armas pesadas. A base ficou praticamente
privada de todo poder. Normalmente isso não teria nenhuma importância, mas na
situação em que se encontravam as consequências foram funestas porque não chegavam
novas remessas.
Potchyban chegou à conclusão de que seria impossível fazer explodir o cogumelo
com as armas de que dispunham. O computador recomendou uma tática destrutiva que
afirmou ser a mais segura: fazer um corte no talo do cogumelo para fazer tombar a
espaçonave.
Potchyban saiu da sala e foi para um terraço. Aspirou o ar frio. O sol estava junto ao
horizonte. O Tenente-Coronel olhou instintivamente para o cronômetro que indicava o
dia 25 de novembro de 3.441, tempo terrano. Ele se perguntou como seria a Terra
naquele momento. Há meses não tinha contato com o planeta. Mas os pedidos de socorro
que chegavam de todas as partes da Galáxia provavam que a catástrofe não se restringira
a Hitchera Pearl. Esperara por muito tempo receber auxílio de fora, mas acabara ficando
só. Havia 24.313 anos-luz entre ele e a Terra e ele chegou a acreditar que era a única
pessoa entre os dois planetas tão parecidos que não tinha sido afetado pela modificação
da constante gravitacional.
O sol Ynakcho foi encoberto por uma camada de nuvens, mas sua luz filtrava por
cima de suas bordas à maneira de uma estrela.
O planeta era mesmo muito parecido com a Terra. Sua gravitação de 0,199 G
aproximava-se bastante daquela do planeta de origem. O tempo de rotação era de 25,01
horas e também o diâmetro de 11.916 quilômetros diferia pouco do da Terra.
Potchyban queria conservar o planeta para a Terra e pretendia defender os direitos
dos colonos que tinham criado seu próprio paraíso em décadas de trabalho duro.
Mas será que o poder de fogo que podia entregar aos colonos era mesmo suficiente
para destruir a espaçonave?
Potchyban respirava com dificuldade. Há pouco tudo parecia bem claro, mas agora
voltou a ter suas dúvidas se devia assumir tamanho risco.
Pela primeira vez desde o início da catástrofe desejou ter um companheiro com o
qual pudesse discutir a crise de igual para igual. Lamentou mais que nunca que apesar do
aumento de seu grau de inteligência ainda faltava mulo para Almong atingir o nível
anterior.
Parecia estar num mundo pacato, Como já acontecera tantas vezes, teve a impressão
de estar só neste mundo. Não haveria nada de errado nisso se realmente estivesse só.
Nesse caso não hesitaria — desde que houvesse alguma possibilidade de combater o
inimigo. A derrota provavelmente só causaria prejuízos materiais.
Potchyban ouviu passos se aproximando. Virou a cabeça. Um robô veio em sua
direção e informou que em Totchan, que era uma aldeia dos superiores, havia tumultos.
Parecia que os representantes da espécie Homo superior que viviam no planeta já não
estavam tão unidos.
***
Ana Atramo virou o rosto surpresa quando alguém lhe dirigiu a palavra.
— Tchehars — disse. — Que posso fazer pelo senhor?
— Venha comigo — ordenou o professor.
Tocha Tchehars usava um conjunto azul-pálido e cinto branco. Nesses trajes parecia
bem mais robusto que na manta parecida com uma toga que costumava usar. Um
cachecol protegia o pescoço contra o frio da noite.
— Quero avisar meu pai — respondeu a moça. — Depois irei com o senhor.
— Você me acompanhará imediatamente.
Ana obedeceu. Colocou no chão o balde com o qual ia tirar água do chafariz e foi
atrás do novo professor. Não tiveram de andar muito. Havia um planador à sua espera
atrás de uma casa, em uma das extremidades da praça. Ana sentou hesitante dentro do
veículo e contemplou espantada o professor enquanto ele manipulava os instrumentos.
Sorriu quando o aparelho saiu do chão e sobrevoou as casas de Roseata.
O voo não durou muito. Depois de atravessar o rio Alfa, que separava a cidade da
região norte, o professor pousou numa região acidentada. Ana viu algumas casas que de
fora eram iguais às de Roseata. Ficou surpresa ao perceber que os professores não viviam
melhor que os habitantes de Roseata.
— É ela — disse Tchehars a dois professores que se aproximaram.
Ana cumprimentou-os delicadamente. Não compreendeu quase nada do que os
homens diziam. Não lhe deram atenção e ela não se interessou pela conversa. Só
começou a interessar-se quando outros professores se juntaram ao grupo e começaram a
discutir apaixonadamente. Os homens, que costumavam mostrar-se tão pacatos, pareciam
cada vez mais agitados. Finalmente defrontaram-se de punhos erguidos. Tchehars ficou
no meio deles, tentando aplacar seus ânimos.
— Vocês acham que podemos ganhar alguma coisa brigando? — perguntou. —
Estamos de acordo num ponto. Para alcançar nosso objetivo neste planeta, temos de
eliminar a base. Se não conseguirmos atravessar o campo energético, haverá muitas
vítimas na semana que vem. Que significa uma vida humana se com ela podemos salvar
muitas outras? Resolvemos usar este truque e acho que devemos fazê-lo.
Tchehars acendeu um cigarro e tragou nervosamente a fumaça. Mas logo atirou-o
na grama. Ana apagou o cigarro com o pé.
— De qualquer maneira ninguém de nós deve correr qualquer perigo. Uma vida dos
nossos vale mais que cem dos agressivos.
A tensão diminuiu. De repente pareciam estar todos de acordo. Ana compreendeu o
que estava havendo. Os professores planejavam um ataque à base. Para ela essa palavra
estava ligada ao nome de Tracs Potchyban, o homem com o qual simpatizava tanto.
Queriam matá-lo — e para isso ela seria sacrificada.
Ana gritou. Virou-se abruptamente e saiu correndo. Não foi longe. Tocha Tchehars
fez pontaria com uma arma paralisante e atirou. A moça deu mais alguns passos
cambaleantes e caiu inconsciente.
— Pois é — disse satisfeito. — Com isto nossos problemas diminuem ainda mais.
Em seguida foi para perto de Ana e levantou-a para colocá-la no planador. Alguns
superiores aproximaram-se numa plataforma antigravitacional sobre a qual se via uma
cápsula metálica do tamanho de uma cabeça humana. Entregaram-na a Tchehars.
— Esta bomba tem um megaton de potência — explicou este. — Não é muito, mas
deve ser o suficiente para impossibilitar o funcionamento da base. Provavelmente será
danificada a tal ponto que os projetores do campo defensivo deixam de funcionar. O resto
será fácil.
Tchehars abriu a portinhola na popa do planador e colocou a cápsula. Ao mesmo
tempo ligou um detonador e acoplou-o ao conjunto da máquina voadora.
— A bomba explodirá no momento em que a velocidade do planador for reduzida
— disse o Homo superior. — Posso garantir que Potchyban não permitirá que sua
amiguinha colida em alta velocidade com o campo defensivo. Freará pouco antes ou
deixará o planador atravessá-lo e entrar na base onde irá parar. Seria o ideal. A base seria
destruída. E Potchyban seria eliminado.
— Isso se ele for mesmo o mestre de armamentos — objetou um dos superiores.
— Ele é — afirmou Tchehars em tom enfático.
Em seguida inclinou-se para dentro do planador através da capa transparente aberta
e apertou um botão. O aparelho subiu imediatamente e acelerou. Dentro de alguns
segundos desapareceu no horizonte.
— O planador chegará à base dentro de uma hora — disse Tchehars. — Com isso
alcançaremos um importante objetivo parcial para a pacificação do planeta.
3

16 de novembro de 3.441.
Af Atramo saiu correndo de casa. Estava nervoso. O robô acabara de chegar a
Roseata. O “homem de ferro” viera num planador de carga em cuja plataforma caberiam
muito bem cinquenta homens. Quando o prefeito chegou à praça, o robô estava
instalando uma área de projeção de dois metros de altura. Estava ocupado, mas
concordou em ouvir Af Atramo quando este começou a falar nervosamente.
— Os novos professores sequestraram minha filha — disse o prefeito. — Aqui
todos acreditam que querem usá-la para fazer mal a Tracs. Você deveria avisá-lo, homem
de ferro.
O robô desceu da plataforma de carga.
— Isso já foi feito — informou.
O prefeito e os outros colonos que se tinham reunido em torno do veículo não
ficaram nem um pouco surpresos. Estavam acostumados a ouvir respostas como esta do
robô, apesar de não compreenderem como ele podia transmitir as notícias tão depressa.
O robô pediu a Atramo que fizesse um relato minucioso e fez uma ligação direta
com a base. Deixou que o colono concluísse sua exposição.
— Está bem — disse depois que o prefeito acabou de falar.
— Providências serão tomadas.
— O que disse Tracs?
O robô não respondeu. Em vez disso voltou a subir na plataforma de carga do
planador. Dali a instantes a parede de projeção iluminou-se mostrando uma imagem em
três dimensões.
Espantados, os colonos viram uma espaçonave em forma de cogumelo descendo
numa paisagem rochosa. Também viram seres estranhos sair dele e trabalhar até que um
veículo menor saiu de sua ponta e desapareceu nas nuvens. Uma voz masculina que não
conheciam dava explicações de uma forma simples, de maneira que podiam ser
entendidas por todos.
A imagem mudou. A base apareceu na área de projeção. Todos já a tinham visto
pelo menos uma vez, mas ninguém se lembrava dela. Ficaram impressionados. Era tão
imponente quanto o cogumelo. A voz voltou a dar explicações. Falou sobre o arsenal
gigantesco guardado embaixo do campo energético. Armas de todos os tipos apareceram
na área de projeção até que um dos colonos exigiu em voz alta que elas lhes fossem
entregues.
O robô interrompeu a exposição. As áreas de projeção entraram nos boxes sobre o
planador. Homens e mulheres discutiam nervosamente até que o homem de ferro
levantou a voz.
— Na base encontra-se um homem que todos vocês conhecem — disse em voz tão
alta que foi ouvido em toda a cidade. — É Tracs Potchyban, o mestre de armamentos.
Tracs resolveu atacar a nave vinda de fora. Entregará uma arma a cada um que queira
ajudá-lo e lhe explicará como usá-la.
De repente apareceu outro planador entre as casas. Através das lâminas
transparentes estavam sentados dois homens. Usavam conjuntos-uniforme azuis com
estranhos bordados metálicos sobre os ombros. A cúpula transparente foi recolhida. Os
dois homens levantaram enquanto o veículo atravessava lentamente a multidão em
direção ao robô. Seguravam armas energéticas nas curvas dos cotovelos.
O robô ficou parado à frente de seu planador de carga, com os braços armados
apontando para o chão.
—Ninguém teria nenhuma vantagem se atirassem em mim — disse com a voz
retumbante. — Não sou o inimigo dos colonos. O verdadeiro inimigo está escondido na
nave-cogumelo. Além disso seria inútil destruir-me, pois isso não prejudicaria o trabalho
do mestre de armamentos.
Os dois superiores baixaram as armas. Parecia que tinham reconhecido que o robô
estava certo. De fato não ganhariam nada se o destruíssem.
— Não permitiremos que haja luta — disse um dos dois homens.
— Nesse caso — gritou Af Atramo com a voz zangada — vocês são nossos
inimigos da mesma forma que os seres que se encontram na nave-cogumelo. Se tentarem
impedir-nos também serão mortos.
Af abriu caminho entre a multidão e foi para a frente do planador. Estava pálido.
Suas mãos tremiam.
— Sempre confiamos nos novos professores — prosseguiu. — Mas não confiamos
mais. Sabemos que são traidores.
Af virou-se e ergueu os braços.
— Amigos — disse. — Vocês me conhecem muito bem. Sabem que podem confiar
em mim. Também conhecem Tracs Potchy. Sempre nos ajudou e esteve aqui quando
queríamos. Se ele nos chama agora não é para enganar-nos, mas para ajudar. Atenderei
ao seu chamado e lutarei contra o cogumelo. Quem quiser acompanhar-me que se
manifeste.
Os outros pediram a palavra nervosos. Gritavam todos ao mesmo tempo até que o
prefeito saltou para a plataforma de carga do planador e pediu silêncio. Olhou zangado
para os dois superiores sentados em seu planador. Viu que ainda estavam com as armas
energéticas em posição de tiro e esboçou um sorriso de desprezo. Se atirassem nele
naquele momento os outros veriam nisso mais um motivo para correr para a base e ajudar
Potchyban.
— Agora não! — disse Atramo depois que se fez silêncio. — Não decidam agora.
Pensem muito bem no que querem fazer. Amanhã de manhã voltaremos a reunir-nos e
pensaremos juntos num meio de chegar o mais depressa possível à base.
— Quanto a isso não há problema — informou o robô. — O mestre de armamentos
virá buscar todos aqueles que quiserem lutar com ele.
As máquinas do planador dos superiores uivaram. O veículo descreveu uma curva e
abandonou Roseata.
Af Atramo sorriu. Nunca gostara dos novos professores, mas agora os odiava. Se
não tivesse certeza de que Potchyban procuraria ajudar sua filha teria tentado matar os
dois.
***
Quando acordou, Ana não sabia onde estava. Mesmo depois de olhar pela janela e
ver a paisagem deslizando rapidamente embaixo dela ainda não se deu conta de que
realmente tinha acordado. Teve a impressão de que estava sonhando.
O sol já se tinha posto e era tão escuro que quase não enxergava nada. Por isso
levou algum tempo para compreender que realmente estava acordada. Entrou em pânico.
Era a primeira vez que estava num planador e não se teria atrevido a tocar um veículo
como este sem um robô por perto, Tinha muito medo de cometer um erro.
Ana agarrou-se no assento e concentrou-se ao máximo. Pelo menos desconfiava de
que os inúmeros aparelhos estranhos que via à sua frente tinham algo a ver com a direção
do planador, mas nem tentou compreender sua finalidade. Não acreditava que um dia
fosse capaz de controlar a máquina voadora.
— Tracs — gritou. — Por favor, Tracs, ajude-me.
Seus olhos se arregalaram quando viu uma coisa luminosa bem ao longe. Pensou
que fosse o sol que já estava nascendo de novo, mas depois que olhou para trás viu que
não era.
O planador aproximava-se com uma rapidez alucinante da estrutura semi-esférica
que parecia ficar cada vez mais alta à medida que chegava mais perto. Em seguida viu
edifícios e andaimes no interior da semi-esfera.
— É a base — cochichou. — Deve ser a base.
A moça cerrou os lábios, mas logo voltou a abri-los num grito de socorro.
— Tracs, ajude-me — gritou.
De repente uma pequena superfície quadrada iluminou-se à sua frente. A cabeça do
mestre de armamentos apareceu nela. Ana quis tocá-la com a mão, mas quando sentiu a
superfície de vidro compreendeu que era apenas uma imagem. Tracs Potchyban sorriu.
— Acalme-se, Ana — disse Tracs. — Conte o que os professores fizeram com
você.
Ana estava tão nervosa que Tracs não compreendeu uma palavra do que ela disse.
Mas a segunda tentativa de relatar o que tinha acontecido na aldeia dos superiores foi
mais bem-sucedida.
Ana ainda estava a uns dez quilômetros da base e aproximava-se dela muito
depressa.
— Diga o que devo fazer para parar o planador — gritou. — A única coisa que tem
de dizer é que botões devo apertar — ou não é?
O sorriso de Potchyban acentuou-se.
— Eu estava certo — disse. — A inteligência dos superiores está regredindo.
Antigamente eles não teriam montado uma armadilha tão grosseira.
— Não compreendo, Tracs — balbuciou Ana.
— Nem precisa. Espere. Já vou.
O quadrado voltou a escurecer. Ana ficou só de novo. Percebeu que tremia de medo
e nervosismo. Tentava convencer-se de que podia ficar tranquila porque Tracs certamente
sabia quais eram as intenções dos professores. Mas isso não a ajudou muito.
Ana só teve a atenção distraída quando de repente apareceu um planador grande a
seu lado e foi chegando cada vez mais perto. Vivia olhando para o veículo, enquanto o
campo defensivo continuava a crescer para o céu. Já sabia que entraria diretamente na
estrutura cintilante se Tracs não fizesse nada. Mas naquele momento o outro planador
colocava-se acima dela. Grandes quebra-ventos desceram, fazendo com que Ana tivesse a
impressão de que estava numa grande caverna. Levantou os olhos quando uma luz caiu
sobre ela.
Viu um quadrado iluminado, pelo qual entrou voando um robô. Tracs Potchyban
acenou com a mão para ela. Ana ergueu-se quando as mãos de aço se estenderam para
dentro da cúpula onde estava. Depois foi levantada violentamente. Potchyban segurou-a
para que ficasse fora de perigo. O robô seguiu imediatamente.
O mestre de armamentos encostou o pulso aos lábios e falou para dentro da pulseira.
Ana sentiu que de repente voavam mais depressa. O solavanco a fez balançar. Insegura,
seguiu Tracs por uma escada que subia. Voltou a ver a campânula cintilante. O planador
corria para ela.
Ana soltou um gritou, mas a parede brilhante abriu-se de repente. Atravessaram-na
e ficaram num lugar seguro. Tracs Potchyban abraçou-a sorrindo. Ana apoiou a cabeça
em seu ombro.
De repente parecia ser dia. Ana gritou. Olhou para o lado e cobriu o rosto com as
mãos para não ser ofuscada. As coisas que a cercavam pareciam ter perdido as cores por
causa da claridade. Seus ouvidos retumbavam. O planador estremeceu e ela pensou que
fosse cair.
Mas logo voltou a reinar o silêncio. A noite voltou a ficar escura como sempre fora.
— Que foi isso, Tracs? — perguntou a moça assustada.
— Uma lembrança dos superiores — respondeu Tracs com a voz calma. — Nada
mau. Quase conseguem colocar a bomba dentro da base.
Tracs segurou a mão de Ana e os dois saíram do planador. Ana viu que ao oeste
ainda havia um brilho vermelho no céu, mas não conseguiu distinguir mais nada porque
os edifícios altos impediam a visão.
— Primeiro vamos avisar seu pai de que você está fora de perigo — disse
Potchyban.
***
Sal Almong sorriu aliviado quando o mestre de armamentos chegou perto dele.
Fazia mais de duas horas que estava deitado na cama, esperando.
— Ainda bem que veio, Tracs — disse.
Potchyban levou-o para uma rampa sobre a qual havia um planador estacionado.
Dali Almong podia ver a paisagem. Parou espantado. No lugar em que um dia antes havia
lagos e florestas, onde se estendia uma paisagem exuberante, só se via um deserto negro.
Potchyban explicou em poucas palavras que tinha havido um ataque dos superiores à
base.
— Mas não vamos esquentar a cabeça com isso agora — disse. — Temos coisa
mais importante a fazer.
Entraram no planador. Potchyban partiu imediatamente.
— No início queria mandar instalar o acampamento da tropa bem à frente da base
— disse enquanto saíam da base e tomava a direção sul. — Mas isto já não é possível. A
área foi contaminada pela bomba.
Voaram junto à costa. Depois que tinham percorrido alguns quilômetros o Tenente-
Coronel fez o veículo pousar perto de um rio que atravessava uma grande planície.
Almong espantou-se ao ver um exército de robôs construindo alojamentos rudimentares.
Tinham trazido o material da base em grandes plataformas de carga.
Potchyban pousou junto a uma construção em forma de abóbada vigiada por vinte
robôs. Almong viu que todos eles carregavam armas energéticas.
— É o arsenal — disse o mestre de armamentos. — Mandei tomar certas
precauções para evitar eventuais ataques dos superiores.
— Você acha que os colonos virão?
— Os robôs que informaram todos os núcleos populacionais trouxeram notícias
positivas. Em quase todos os lugares os pseudo-superhomens tentaram estragar nossos
planos, mas suas ideias não encontraram muita receptividade. Todo mundo se afasta dos
superiores.
Passaram entre dois robôs que não tentaram impedi-los. Sal Almong acreditava que
se não fosse Potchyban dificilmente chegaria à entrada da cúpula. As portas abriram-se
automaticamente à sua frente. O colono estava quase acostumado a ver isso.
— Aqui estão guardadas armas para pelo menos dez mil homens — disse
Potchyban. Parou junto a uma prateleira e tirou uma arma energética pesada do suporte.
Entregou a arma a Almong sorrindo. — Então, Sal, ainda sabe lidar com isso?
Sal Almong compreendeu que estava sendo testado de novo.
— Talvez ainda não sejamos tão inteligentes como antes, mas aprendemos depressa.
— Já percebi, amigo. — Potchyban segurou o braço de Almong para levá-lo para
fora. — Mas gostaria de saber se você se lembra do que tentei ensinar-lhe ontem.
— Quer dizer que ainda não foi tomada a decisão final?
Saíram da cúpula. O mestre de armamentos apontou para uma placa de metal
colorida montada na desembocadura do rio.
— Vamos lá, Sal. Mostre o que sabe.
***
Na noite daquele dia voltaram os primeiros planadores espaciais de grande porte.
Estavam superlotados de seres humanos. Homens e mulheres estavam de pé lado a lado
nas plataformas destinadas ao transporte de cargas pesadas.
Tracs Potchyban, que esperava à frente da cúpula-arsenal ao lado de Sal Almong e
Ana Atramo, ficou surpreso em ver tantas mulheres entre os voluntários. Pelos seus
cálculos pelo menos dez por cento de mulheres e moças queriam participar da operação.
Os robôs fizeram o planador pousar perto da cúpula, onde os colonos de Potchyban
receberam os cumprimentos, para em seguida serem encaminhados aos alojamentos.
Constantemente chegavam robôs para dar informações ligeiras ao Tenente-Coronel.
— Quantos são, Tracs? — perguntou Ana.
— Até agora chegaram sete mil homens e mil e quinhentas mulheres — respondeu
o Tenente-Coronel. — Ainda esperamos quatro planadores. Poderemos contar com pouco
mais de dez mil combatentes.
Tracs atravessou o acampamento juntamente com a moça e Sal Almong. Em toda
parte era cumprimentado por homens e mulheres de vários núcleos coloniais. Sal
Almong, que nunca pensara nisso, deu-se conta de que Roseata não fora o único lugar
visitado e abastecido por Potchyban. Era conhecido e benquisto em todo o planeta.
— Ainda bem que temos alguém como você, Tracs — disse depois que tinha
escurecido, enquanto voltavam à cúpula-arsenal. — É o único capaz de promover e
organizar uma ação como esta.
Potchyban fez um gesto de pouco-caso.
— Você também poderia ter feito isto, se tivesse a mente estabilizada — respondeu.
— Não — contestou Ana com a voz firme. — Não é verdade.
Potchyban parou e fitou-a. Parecia surpreso. Sorriu, inclinou-se sobre ela e beijou-a
delicadamente na face.
— Discuta isso com Sal — pediu. — Ainda tenho que fazer uma coisa.
Tracs despediu-se e entrou na cúpula-arsenal.
— Vamos juntar-nos ao nosso pessoal — sugeriu Almong.
Ana concordou. Saíram apressados pela estrada poeirenta.
Luminárias radiantes instaladas de dez em dez metros espalhavam luz em
abundância. Quase todos os colonos estavam em seus alojamentos, de pé ou sentados,
conversando. Em alguns lugares ouvia-se gente cantando. Vários grupos tinham acendido
fogueiras e alguns deles preparavam caças abatidas com o auxílio dos robôs.
— Acho que será um grande combate — disse Ana em tom nervoso.
Sal Almong sacudiu a cabeça.
— Tracs acha que não temos motivo para celebrar e ficar alegres — respondeu. —
Tenho a impressão de que nem gosta de ter-nos perto dele durante a luta. Preferiria
combater o cogumelo sozinho.
Ana parou. Fitou o engenheiro com os olhos chamejantes,
— Por quê? — gritou. — Será que não confia em nós?
— Confia, sim — respondeu Almong. — Até confia muito — mas está preocupado
conosco.
Almong esperou para ver se Ana dava uma resposta, mas ela arregalou os olhos e
manteve-os dirigidos para alguma coisa que ficava atrás dele. Sal virou-se rapidamente,
mas não viu nada. A escuridão entre as casas era impenetrável.
— Que houve, Ana?
— Vi Tocha Tchehars — respondeu a moça.
— O professor? — perguntou Almong. — Você deve estar enganada, Ana. Não é
possível que você o tenha visto. Nenhum Homo superior poderia estar aqui.
— Não estou enganada — disse Ana com a voz firme. — Vi Tchehars. Estava
vestido como um colono.
A moça agarrou-se a Almong.
— Sal. Ele veio para matar Tracs. Eu sei.
Almong afastou a moça, mas acabou segurando-a pelo braço e puxando-a até que
deram com um robô que fazia o patrulhamento entre os alojamentos parecidos com
bangalôs. O engenheiro comunicou ao ser de ferro o que Ana acabara de ver.
Dali a dois minutos apareceu Tracs Potchyban. Veio acompanhado de dez robôs de
combate. Quando viu Ana e Sal Almong, fez um sinal para as máquinas automáticas. Os
campos de irradiação cintilantes de suas armas energéticas apagaram-se.
Almong quis contar o que sabia, mas o mestre de armamentos não o deixou falar.
— Já fui informado pelos robôs — disse. — É possível que os superiores pratiquem
atentados.
Mal acabara de falar quando se viu um lampejo entre os bangalôs. Potchyban virou-
se abruptamente. Num instante sacou a arma energética. Um robô explodiu entre os
alojamentos. As peças metálicas incandescentes passaram assobiando por cima do
pequeno grupo. Uma árvore que ficava entre eles e os robôs salvou-lhes a vida. Reteve a
maior parte dos estilhaços e logo foi tomada pelas labaredas.
— Leve Ana para uma das casas — ordenou Potchyban e empurrou a moça para os
braços de Almong. — Rápido.
O engenheiro saiu correndo. Arrastou a moça. Neste instante outro raio energético
brilhou atrás das casas. Desta vez um dos alojamentos foi atingido pela onda de fogo. O
calor tremendo derreteu o plástico. Um trovão surdo sacudiu o acampamento. Em todos
os lugares os colonos saíam das casas e falavam nervosamente. Tomaram as coisas mais
complicadas, porque o autor dos atentados podia esconder-se na multidão.
Tracs Potchyban deu suas ordens. Os robôs espalharam-se. Sirenas uivaram mais ao
longe. Alguns planadores levantaram voo com os motores uivando. De repente holofotes
iluminaram a área.
Dez robôs cercaram o mestre de armamentos.
Um raio energético muito fino aproximou-se vindo de entre as casas. Potchyban viu
o lampejo. Deixou-se cair no chão. Mas sua reação teria sido lenta demais se um dos
robôs não tivesse atirado. Potchyban ouviu um grito. Levantou de um salto e saiu
correndo. Dois robôs o acompanharam. Os faróis presos em suas cabeças iluminaram a
noite, mas Potchyban não conseguiu localizar o autor do atentado. Parecia ter sido
tragado pelo chão. Sal Almong chegou perto dele.
— Droga! — disse furioso. — Onde está o cara? Eu o vi perfeitamente quando
apareceu o raio energético.
— Os robôs usaram raios paralisantes — disse Potchyban. — Sem dúvida
acertaram. O homem deve ter sido carregado por amigos. É a única explicação que achei.
Tracs deu alguns passos, abaixou-se e pegou uma pequena arma energética.
— Você deve entrar na casa — aconselhou Almong. — Ficando aqui só facilita as
coisas para esses tipos traiçoeiros.
Potchyban sorriu e acenou com a cabeça. Parecia que não se impressionara muito
com o atentado. Encarou o amigo com uma expressão calma e fria. Almong teve a
impressão de que quem precisava acalmar-se era ele e não o mestre de armamentos.
— Gostaria de ter seus nervos, Tracs.
Potchyban deu de ombros, dando a impressão de que não dava muita importância ao
atentado. Fez sinal para que um dos robôs se aproximasse.
— Espalhe imediatamente a notícia de que superiores entraram no acampamento —
ordenou. — Os colonos devem tentar descobri-los.
— Dificilmente conseguirão aguentar-se muito tempo aqui — disse Almong.
— Você não costuma ser tão otimista, Sal — escarneceu o oficial.
Um robô veio para informar que o distrito administrativo central fora
completamente instalado. Potchyban e Almong passaram pela rua principal que dividia o
acampamento em duas partes iguais e entraram no edifício principal que ficava ao lado da
cúpula-arsenal. Almong admirou-se com os inúmeros recursos técnicos que Potchyban
mandara trazer da base. Em uma das paredes laterais viam-se vinte telas de
monitoramento que permitiam uma visão global de todo o acampamento. Sobre a mesa
havia um microcomputador que expelia constantemente relatórios escritos. Almong
lançou um olhar ligeiro sobre os papéis e viu que o computador comandava e controlava
o abastecimento. Espantou-se ao perceber quantas coisas eram necessárias para suprir dez
mil pessoas de tudo que precisavam para viver.
Almong ia examinar um mapa preso à parede que mostrava o cogumelo e seus
arredores vistos de cima quando Af Atramo, prefeito de Roseata, entrou na sala.
— Você aqui? — perguntou Potchyban surpreso. — Pedi que ficasse em Roseata.
— Mais tarde — respondeu Atramo e ergueu as mãos num gesto de recusa. —
Prendemos um Homo superior. Quero que você venha para ver o que o pessoal fará com
o patife.
Potchyban, que estava sentado numa poltrona atrás da mesa, levantou de um salto e
saiu correndo ao lado de Atramo e Almong.
Quando saiu ouviu o barulho da massa exaltada. Homens e mulheres passavam
correndo a toda pelo edifício principal e dirigiam-se ao sul, onde uma grande fogueira
iluminava a noite. O mestre de armamentos viu que já havia uma grande multidão
aglomerada junto à fogueira. Percebeu que seria difícil romper a muralha humana. Por
isso entrou no planador que estava estacionado ao lado da casa e deu partida, enquanto
Atramo e Almong saíam correndo para assistir à cena de perto.
Potchyban desligou o abafador de ruído e fez com que os motores uivassem. Passou
rente aos telhados dos alojamentos. O barulho dos motores superou a gritaria dos
colonos. As pessoas pararam e levantaram os olhos para o planador. O silêncio passou a
reinar no acampamento.
O Tenente-Coronel passou por cima das cabeças dos colonos e pousou perto da
fogueira.
Junto a ela um Homo superior estava de pé. Sua mão direita fora amarrada a um
poste que os colonos tinham cravado no chão. As vestes pendiam em farrapos do corpo
que mostrava sinais de pancadas.
Potchyban foi para perto do homem e soltou as amarras. Seu rosto parecia pálido. O
cabelo crespo que cobria a cabeça como se fosse um boné emitia um brilho úmido. O
mestre de armamentos colocou a mão sobre o ombro do prisioneiro.
— Não há dúvida de que este homem não é nosso amigo — disse em voz alta. Suas
palavras ressoaram por cima das cabeças dos colonos, sendo entendidas por todos. —
Todos sabemos que ele e seus companheiros farão tudo que estiver ao seu alcance para
frustrar nosso plano. Atacar-nos-ão pelas costas para que não possamos lutar. Mas nem
por isso temos o direito de torturar e matar este homem.
Af Atramo, que abrira caminho através da multidão, aproximou-se de Potchyban.
Parecia que mal conseguia controlar-se. Estava com o rosto afogueado.
— Eles tentaram matar você — gritou. — Acha que ainda há alguma coisa para
discutir? Eles não têm escrúpulos na escolha dos meios que usam para combater-nos.
Não recuam nem mesmo diante do assassinato. E você quer poupar este homem. Por
quê?
— Porque é um ser humano como nós — respondeu Potchyban. — E porque a
morte é irreversível. Queremos lutar. Sobre isto não há dúvida. Mas para isso não
precisamos distribuir pancadas por aí. Lutar não é a mesma coisa que matar.
— Mas este homem merece a morte.
— Talvez — respondeu Potchyban calmamente. — Talvez possamos discutir isso
em outra oportunidade. Mas agora ninguém vai matar ninguém. Prenderei este homem e
providenciarei para que seja vigiado por robôs. Assim conseguiremos o resultado que
desejamos. Ele não poderá fazer-nos mal.
Af Atramo sacudiu a cabeça. Foi para perto do mestre de armamentos em atitude
violenta e estendeu a mão em direção ao Homo superior. Mas não a pôs nele quando viu
os olhos de Potchyban. O mestre de armamentos trazia um sorriso estranho nos lábios.
— Se quisermos sair vitoriosos da luta, o mais importante é continuar com a cabeça
limpa — disse Potchyban com uma ênfase ligeiramente exagerada.
— Tudo bem — concordou Atramo. — Isso talvez se aplique ao ataque ao
cogumelo, mas se tratarmos os inimigos que estão no acampamento com muita
delicadeza não haverá nenhum ataque. Temos de mostrar-lhes que sabemos ser duros se
tentarem impedir-nos.
Potchyban colocou a mão sobre seu ombro.
— Vocês não precisam mostrar coisa alguma aos superiores — afirmou. — O que
quero é que mostrem que sabem controlar-se. Nem penso em conduzir um exército de
cabeças esquentadas contra a espaçonave desconhecida.
— Que quer dizer com isso? — gritou Atramo.
— Não nos dará armas se não dançarmos de acordo com sua música?
— Isso mesmo — respondeu o oficial. — Parece que você ainda não se deu conta
de que é muito perigoso atacar o cogumelo. A tripulação não ficará inativa enquanto
destruirmos a nave. Retribuirá os golpes. Temos de aproximar-nos do cogumelo e
desferir um golpe-relâmpago, senão as perdas serão muito elevadas. E é o que quero
evitar de qualquer maneira. Cada morto de nosso lado representa um argumento de peso
contra o ataque.
Af Atramo baixou a cabeça. Estava mais calmo. Fez que sim várias vezes antes de
olhar para Potchyban.
— Sem dúvida alguns de nós morrerão — disse. — Mas o ataque vale a pena. Se
não lutarmos estaremos renunciando a nós mesmos. O ataque é necessário.
— Sem dúvida — concordou Potchyban. — Mas lutaremos à minha maneira. Vocês
têm de conformar-se com isso.
O Tenente-Coronel levou o Homo superior ao seu planador e partiu. A multidão
dissolveu-se. Os colonos voltaram aos alojamentos. A maior parte ficou em silêncio. Só
uns poucos discutiam sobre o que acabavam de ver e ouvir. Todos pareciam pensativos.
— Acho que devo agradecer-lhe por ter salvo minha vida — disse o Homo superior
com uma ponta de ironia na voz.
Tracs Potchyban encarou-o. Sacudiu a cabeça.
— De forma alguma — respondeu calmamente. — Sou eu que devo agradecer-lhe
por ter-me dado a oportunidade de dar uma pequena lição.
O Homo superior ergueu-se.
Parecia estupefato.
— Receio que tenhamos subestimado o senhor — disse.
4

17 de novembro de 3.441.
— Você há de compreender, Linda — disse Sal Almong. — Não é tão difícil.
Sal devolveu a arma à moça de cabelos escuros. Deu-lhe um pequeno empurrão,
fazendo com que flutuasse em sua direção. Era uma arma energética pesada para lutas de
superfície montada numa plataforma antigravitacional. O atirador podia ocupar um
assento pendurado na plataforma, o que lhe dava uma extraordinária liberdade de
movimentos.
— Acho que se você explicar mais uma vez compreenderei, Sal.
Sal Almong repetiu as instruções. Dali a pouco a moça o interrompeu.
— Já compreendi tudo — disse.
— Por favor, vamos experimentar.
Estavam na costa. A algumas centenas de metros dali havia numerosas placas de
metal coloridas suspensas sobre a água. A seu lado robôs erguiam novos alvos. Almong
lançou um olhar ligeiro para os outros grupos. Em toda parte havia colonos treinando
com várias espécies de armas.
Na manhã daquele dia Tracs Potchyban mandara erguer grandes paredes de imagem
para instruir os colonos. Ficara satisfeito ao constatar que a maior parte aprendia muito
depressa. Isso acontecia principalmente com muitas mulheres e moças que o tinham
surpreendido com a capacidade de compreensão. No início não concordara que as
mulheres participassem da luta, mas acabara mudando de opinião por causa de seus
protestos energéticos e da habilidade que revelaram ao lidar com as armas.
Alguns prefeitos pediram desculpas porque de suas cidades tinham vindo poucos
homens e mulheres. Potchyban tranquilizou-os dizendo que na verdade dez mil
combatentes quase chegavam a ser demais.
Sal Almong viu a moça preparando a arma. Os robôs afastaram-se dos alvos. Mais
ao sul, onde Tracs Potchyban trabalhava com vários grupos, já estavam atirando. Raios
saídos das armas energéticas e dos desintegradores correram para as placas.
— Então, Linda? O que está esperando? Acaba de ser dada autorização de abrir
fogo.
A moça fitou-o com um sorriso no rosto. Passou os dedos pela arma energética.
— Estava pensando que Tracs está fazendo um jogo muito perigoso — respondeu e
apontou para os outros grupos. — Em toda parte há homens e mulheres manejando armas
com as quais ainda não sabem lidar. O poder de fogo destas armas basta para destruir
uma nave do tamanho de uma montanha. Um único erro pode provocar uma catástrofe.
Sal Almong olhou para a moça. De repente teve a impressão de que Linda o
enganara o tempo todo. Estava completamente mudada. Mantinha os olhos semicerrados.
Apertou os lábios como quem está para executar um plano elaborado há muito tempo.
Sem olhar pôs a mão no acionador da arma.
— Linda — gritou Almong. — Que houve? Linda — o que está fazendo?
A plataforma antigravitacional descreveu um círculo. O projetor da arma, que ainda
há pouco apontara para o mar, ficou voltado para os outros grupos.
— Linda — não atire — gritou Almong.
A moça apertou um botão quando viu que Almong queria saltar sobre ela para
impedi-la de fazer o que queria. A plataforma antigravitacional abalroou-o e atirou-o a
alguns metros de distância. Sai Almong caiu numa fresta entre as rochas e acabou dentro
da água.
A moça de cabelos escuros já chamara a atenção, mas ninguém compreendia o que
estava acontecendo. De repente um raio de fogo ofuscante saiu do bocal de irradiação da
arma e entrou num grupo de oito homens que trabalhavam com outra arma. O raio
energético atingiu a arma. No mesmo instante o trecho do litoral transformou-se num
inferno de fogo trêmulo. A arma explodiu e despedaçou os homens. A faísca saltou para
mais dois grupos onde também provocou descargas espontâneas. A onda de pressão
atingiu Linda despedaçando-a juntamente com sua arma.
Sal Almong fora alcançado por uma onda que o arrastara mar a fora. Ficara longe
do centro da explosão. A onda de calor avançou para o mar, mas não o atingiu porque
uma onda passou sobre ele mantendo-o embaixo da água.
Quando voltou à tona tudo tinha passado. Viu homens e mulheres fugindo em
pânico para o acampamento. A maior parte jogou fora as armas de tão assustada que
ficou. No lugar em que estivera Linda abrira-se uma cratera na qual estava entrando a
água. Espessas nuvens de vapor subiam ao céu.
Sal Almong viu Tracs Potchyban vir correndo do sul. Era acompanhado por cerca
de trinta robôs. Quando viram que não houve novas explosões e perceberam como se
comportava o mestre de armamentos, os colonos voltaram envergonhados.
Almong lutou com as ondas até alcançar as rochas. Um robô entrou na água e
ajudou-o a sair. Almong quis explicar a Potchyban o que tinha acontecido, mas este fez
sinal para que se calasse.
— Posso imaginar quem é culpado disso — disse. — Mas não esperava que os
superiores chegassem a este ponto.
Os colonos voltaram a formar grupos. Alguns atiraram de novo nos alvos como se
nada tivesse acontecido. Potchyban sorriu de forma quase imperceptível. Queriam provar
que se tinham recuperado depressa do susto. Foi para junto de alguns feridos que estavam
sendo tratados e transportados por medo-robôs. Como os grupos estavam relativamente
longe uns dos outros, o número de mortos e feridos era relativamente pequeno.
— Levem os feridos à base — ordenou o Tenente-Coronel. — Lá serão mais bem
cuidados.
Sal Almong chegou perto dele e disse:
— Se estivesse no seu lugar não faria isso, Tracs. Não se pode confiar em ninguém.
Como pode ter certeza de que não há nenhum professor entre os feridos?
— Destacarei um robô para cada um deles — respondeu Potchyban. — Se houver
um Homo superior entre eles, não terá nenhuma chance.
Sal Almong não se deu por satisfeito, mas Potchyban mostrou-se inacessível aos
seus argumentos. Finalmente Sal piscou os olhos para o sol que estava junto ao horizonte
e perguntou:
— Quando atacaremos, Tracs?
O mestre de armamentos olhou para o cronômetro e refletiu um instante. Olhou em
volta. Atirava-se sem parar. Parecia que os homens já sabiam lidar muito bem com as
armas. Mais ao norte alguns veículos versáteis saíam da água. As armas dos blindados
voadores soltavam lampejos ininterruptamente.
— Amanhã — respondeu finalmente o oficial. — Amanhã atacaremos, Sal. —
Quem dera que tivéssemos mais veículos versáteis e planadores de combate. Eu me
sentiria mais à vontade.
Um blindado aproximou-se e pousou perto deles. Os dois foram em sua direção. Af
Atramo desceu do veículo. Estava radiante.
— Acertei 38 vezes em 40 tiros, Tracs — exclamou e bateu com o punho cerrado na
parede externa do veículo. — Que arma fantástica! Acho que conseguiremos. O
cogumelo está praticamente liquidado.
Potchyban encostou a pulseira aos lábios e falou em voz baixa para dentro do rádio.
Dali a pouco aproximaram-se alguns planadores. Quinze homens apareceram perto dele.
Comunicaram que seus grupos tinham feito grandes progressos.
— Muito bem — disse o mestre de armamentos e acenou com a cabeça. — Vamos
voar para a base. Os exercícios de tiro devem ser interrompidos pelo menos por duas
horas, senão acabaremos sendo assados. Vamos discutir a melhor maneira de atacar o
cogumelo. Amanhã teremos a decisão.
***
Ana Atramo parou na porta. Parecia embaraçada. Potchyban levantou os olhos e
interrompeu a discussão. Foi para junto da moça.
— Que houve, Ana?
— Há uma luz piscando na sala de rádio e não consigo descobrir o que significa —
respondeu a moça.
O Tenente-Coronel riu e deu-lhe o braço. Foram à sala em que Ana tinha estado. Os
aparelhos de imagem estavam ligados. Todos mostravam cenas do acampamento. Se um
dos colonos queria comunicar-se com Potchyban, só precisava colocar-se à frente de uma
das numerosas objetivas e começar a falar. Ana o ouviria e poderia avisar imediatamente
o mestre de armamentos.
Mas agora havia uma luz piscante acesa na extremidade do console alongado.
— Que significa isso, Tracs?
— Há alguém fora do acampamento querendo falar conosco. — disse Tracs e
apertou um botão.
Uma grande tela de imagem acendeu-se. O rosto de Tocha Tchehars apareceu no
cubo de trivídeo. Ana disse seu nome para informar Potchyban.
— Um homem de uma espécie nova e melhor — constatou Potchyban e sentou na
poltrona à frente do aparelho depois de pegar um caneco de café na máquina automática.
— Então, prezado vizinho, qual é a novidade?
— O senhor ainda vai perder a vontade de brincar, Potchyban — disse Tchehars
contrariado. — Preciso falar com o senhor.
— É o que está fazendo. Pode começar.
— Não. Preciso ter um encontro com o senhor, para que possamos discutir tudo
com calma.
— Não há mais nada a discutir, Tchehars. Tomei minha decisão e dela não me
afastarei. Mesmo que praticasse outro atentado, não adiantaria. Quando muito provaria
que no seu caso existe uma diferença enorme entre a teoria e a prática. Meus homens
receberam instrução militar. Se necessário poderão combater sem minha participação. Por
isso só posso dar-lhe um conselho. Desista da resistência contra mim e meus planos.
— Não — respondeu o Homo superior e sacudiu violentamente a cabeça. — Em
hipótese alguma permitiremos que ataque a espaçonave.
— Por quê?
— Porque já está na hora de a humanidade voltar a uma vida ligada à natureza. Os
combates que vêm sendo travados em todos os cantos da Galáxia precisam ter um fim.
— Os desconhecidos não atenderão ao seu desejo.
— Nesse caso o senhor me obriga a fazer uma coisa muito contra meu gosto —
respondeu Tchehars. Sua respiração era rápida e ruidosa. Estava cada vez mais nervoso.
Não encontrava as palavras. Potchyban observou-o atentamente. Era a primeira vez que
vira um Homo superior tendo dificuldades de exprimir-se.
— Espero que consiga superar isso — ironizou.
— Não seja tão danado de presunçoso — berrou Tchehars.
— Muito bem. Quero que saiba o que faremos. Amanhã de manhã entraremos em
contato com os desconhecidos e os informaremos sobre seu plano, a não ser que desista
dele antes. Já não poderá contar com o fator surpresa. Provavelmente nem sequer
conseguirá chegar perto da nave.
— Tchehars, seu patife — disse Potchyban em tom frio. — Acontece que comigo o
senhor não conseguirá nada com seus métodos pouco convencionais.
Tracs interrompeu a ligação com o Homo superior. Ana cerrou os punhos. Tinha
lágrimas nos olhos.
— Gostaria de matar esse traidor com minhas próprias mãos — disse.
Tracs Potchyban riu. Parecia sentir-se seguro.
— Isso não é necessário, mocinha — respondeu e levou a moça para fora. Parecia
que o ultimato não o deixara nem um pouco abalado.
— Até parece que para você é indiferente que Tchehars nos traia.
— Bem, indiferente não é — retrucou Potchyban. — Mas não vejo motivo para
ficar nervoso por causa dele.
— Mas eu estou ficando.
— Realmente não há motivo para isso, Ana. — O mestre de armamentos sorriu que
nem um menino que conseguiu pregar uma peça em alguém. — Tentei entrar em contato
com os desconhecidos. Não consegui. Nem tomaram conhecimento e não darão atenção a
Tchehars se tentar.
***
O sol estava subindo acima do horizonte quando Tracs Potchyban saiu do
acampamento em companhia de Ana e dos outros homens. Entraram num planador e
sobrevoaram o acampamento, onde os colonos já se tinham dividido em quinze grupos. A
maior parte estava preparada para a viagem. Potchyban examinou a força combatente que
conseguira formar. Retirara oitenta veículos versáteis, cento e dez planadores de grande
porte e mais de mil plataformas antigravitacionais dos depósitos da base. Os robôs
tinham construído cinco plataformas com os materiais abundantes da base. Em cada uma
dela cabiam quatrocentas pessoas. Nos quatro ângulos das plataformas sustentadas por
equipamentos antigravitacionais tinham sido montadas armas energéticas e
desintegradores pesados. Quase todos os homens e mulheres tinham sido equipados com
armas termo-intervalares fáceis de carregar. Além disso Potchyban viu alguns morteiros
destinados ao lançamento de microcargas atômicas. Eram armas muito eficientes, mas
não chegavam a pôr em perigo a segurança de suas tropas.
O planador pousou. Os comandantes dos diversos grupos correram para junto de
suas unidades. Potchyban mandara distribuir todos os trajes de proteção que havia na
base entre os homens e mulheres, mas só entregara radiocapacetes a poucos homens
porque não queria que o círculo de pessoas que pudessem manter contato pelo rádio fosse
muito grande. Lamentava que os colonos não tinham sido mais bem treinados, mas não
queria perder muito tempo. Todos os chefes de grupo estavam de acordo num ponto: o
cogumelo devia ser atacado quanto antes. Receava-se que a cada dia fosse mais difícil
enfrentar os desconhecidos.
O Tenente-Coronel olhou para a direita. Ana sorriu para ele. Estava sentada num
pequeno planador com uma arma energética presa de cada lado. As armas podiam ser
acionadas do lado de dentro.
A alguns metros dali Almong esperava numa máquina voadora que trazia mais ou
menos os mesmos equipamentos.
Tracs Potchyban partiu. Sobrevoou o equipamento e tomou a frente do grupo.
Assim que deu o sinal de partida, a voz de Tocha Tchehars soou em seu capacete. O
Homo superior fez mais uma tentativa de detê-lo.
— Espero que tenha pensado muito bem no que vai fazer — disse.
Potchyban olhou para trás. Viu todas as máquinas de transporte se desprenderem do
chão. Era uma máquina de guerra formidável. O Tenente-Coronel acelerou. Tinha pela
frente um voo de algumas horas que o faria percorrer uma distância de quase cinco mil
quilômetros. Tinham de atravessar o continente Oyster e o estreito que o separava de
Rose. A abóbada celeste azul estendia-se em cima deles, muito luminosa. Nuvens escuras
subiam no horizonte. Os postos de observação que Potchyban depositara junto ao
cogumelo anunciaram tempo mau. Na costa leste de Rose estava chovendo. Mas para o
mestre de armamentos o mau tempo não era um obstáculo para seus planos.
— Atacaremos — disse Potchyban.
— O senhor sabe o que vai acontecer — alertou o Homo superior.
— Se houver uma catástrofe, a responsabilidade será sua — respondeu Potchyban.
— Em hipótese alguma poderá evitar o ataque.
A voz do Homo superior atropelou-se. Tocha Tchehars insultou o mestre de
armamentos. Potchyban desligou.
***
Tocha Tchehars recostou-se no assento. Estava zangado por não conseguir mais
contato com o Tenente-Coronel. Olhou para o lado. Havia uma moça muito bonita
sentada perto dele.
— Ria — ele está atacando.
— Pois cumpra sua ameaça — gritou a moça. — Mas faça-o de uma forma que ele
possa ouvir.
Tchehars, que se encontrava em seu planador cerca de trezentos quilômetros ao
norte do cogumelo, na costa de Rose, partiu. O veículo era um modelo de luxo que
chamava a atenção pela forma alongada. O Homo superior levou-o para o sul. Voou
diretamente para dentro da frente de trovoadas que surgia na costa.
A moça ficou sentada a seu lado sem dizer uma palavra. Sacudiu a cabeça quando
Tchehars queria dizer uma coisa. Não estava com vontade de falar. Só voltou a dizer
alguma coisa dali a uma hora, depois que apareceu o cogumelo.
— Temos de fazê-lo — disse.
Olhou espantada para a figura gigantesca que se erguia à sua frente. Como Tchehars
voava acima das nuvens baixas, só viam a parte superior do cogumelo, que se erguia bem
acima das camadas de nuvens. Justamente por isso tiveram uma impressão marcante de
sua grandiosidade.
— Você acha que Potchyban se deterá se anunciarmos o ataque? — perguntou.
A moça deu de ombros. Franziu a testa e inclinou-se, com os olhos voltados para o
cogumelo. Passou a mão pela testa.
— Não compreendo que nossas faculdades mentais estejam diminuindo de repente
— disse em tom pensativo. — Fico me perguntando se a espaçonave gigante não tem
alguma coisa a ver com isso.
Tocha Tchehars fungou de desprezo. Sacudiu a cabeça.
— Quem faz essa pergunta duvida da nova espécie do Homo superior — respondeu
em tom convicto. — Não dependemos de espaçonaves desconhecidas ou das radiações
que emitem.
— Mas se for assim? — perguntou a moça. — Quem sabe se Potchyban não tem
razão?
Tchehars virou-se abruptamente. Fitou a moça com uma expressão zangada.
— Como pode fazer uma pergunta dessas, Ria?
A moça cerrou os lábios e olhou fixamente para a frente. Tchehars seguiu
diretamente para o talo do cogumelo. O planador voou sob a cobertura gigantesca do
veículo espacial. Tchehars ligou o rádio e puxou o microfone para perto dos lábios.
— Atenção — gritou. Vim para preveni-los. Aqui fala o
Homo superior, representante de uma nova humanidade que busca a paz e recusa
todas as formas de violência. Queremos que o período das agressões chegue ao fim
porque acreditamos que os povos do Universo podem conviver em paz. Por isso é meu
dever alertá-los para o ataque dos colonos.
O planador subiu e foi-se aproximando do chapéu do cogumelo. A moça olhou pela
cúpula transparente. Viu as aberturas vermelhas brilhantes. Pareciam os olhos de um
ídolo gigantesco.
— Atenção — respondam — gritou Tchehars. — Aqui fala um amigo de todos os
seres inteligentes do Universo.
A moça sacudiu a cabeça.
— Eles nem tomam conhecimento de nós — disse surpresa. O Homo superior fez o
planador descrever uma curva para continuar embaixo do chapéu do cogumelo. O veículo
contornou lentamente o talo. Tchehars olhou preocupado para as aberturas vermelhas.
— Aqui fala o Homo superior — insistiu. — Vim para preveni-los contra um
ataque.
Houve um lampejo bem no alto. Um raio energético da espessura de um dedo
humano passou rente ao planador. Ria soltou um grito e agarrou o braço do homem
sentado a seu lado.
— Depressa — disse. — Senão seremos mortos.
Tchehars sacudiu a cabeça.
— Ninguém nos matará — respondeu em tom calmo. — Nossas intenções são
pacíficas.
Não demonstrou nenhum medo. Olhou para cima e fez subir o planador. Neste
momento viu-se mais um lampejo em cima deles. O raio energético atingiu a popa do
planador. O raio térmico ultraquente transformou as máquinas numa massa derretida, que
explodiu em esguichos.
Tchehars foi atirado através da cúpula transparente que se partiu. Soltou um grito
estridente. Arregalou os olhos e contemplou os destroços do planador. Viu sua
companheira ria, que ainda estava deitada em seu assento, mas já tinha morrido.
Admirou-se de não estar ferido e de ter os pensamentos tão claros enquanto caía.
Reconheceu o terrível engano que cometera. Desejava falar mais uma vez com Tracs
Potchyban e amaldiçoou-se por tê-lo traído. Ao mesmo tempo começou a desconfiar de
que os colonos investiriam contra um gigante que não conseguiriam derrotar. Duvidava
que suas armas fossem suficientes para causar estragos sérios nessa nave.
Caiu através das nuvens. Era estranho, mas ainda não refletira sobre si mesmo. Só
naquele momento, quando as nuvens se abriram embaixo dele e a terra plana apareceu
diante de seus olhos teve uma ideia bem clara da situação em que se encontrava. Tentou
gritar de novo, mas a pressão do ar era tão grande que nenhum som saiu de seus lábios.
Debateu-se desesperada-mente, mas não havia nada em que pudesse segurar-se. Aos
poucos foi perdendo os sentidos.
Para ele tudo passou antes que batesse no chão.
***
As nuvens caminharam para o norte enquanto as forças de Potchyban sobrevoavam
o estreito que separava Oyster de Rose. O Tenente-Coronel ouvira a voz de Tchehars
quando ele alertara a espaçonave desconhecida e imaginava como acabara a ação do
traidor.
Potchyban fez subir o planador numa curva íngreme. Era o sinal para os outros se
espalharem. As extremas laterais aumentaram a velocidade para envolver o cogumelo em
forma de arco. Os veículos continuaram se espalhando. Potchyban retardou o avanço de
seu grupo, até que o círculo, que tinha quarenta quilômetros de diâmetro, se fechasse.
Os planadores voavam a apenas alguns metros de altura. Foram-se aproximando
devagar do cogumelo.
Potchyban olhou para o cronometro. O dia 10-11-3.441 estava chegando ao fim,
embora em Hitchera Pearl, sobre o continente Oyster, ainda fosse dia claro. Mas o
Tenente-Coronel resolvera elaborar o cronograma em relação ao tempo do planeta Terra,
para que todos os colonos compreendessem que não era somente a sorte de seu planeta
que estava em jogo.
Sal Almong, que voava bem a seu lado, ergueu o braço. Sorriu e não parecia ter
nem um pouco de medo. Tinha uma confiança ilimitada nas armas de Potchyban e
parecia incapaz de imaginar que pudesse haver uma coisa mais eficiente.
As colinas, os arbustos e as árvores ofereciam pouca proteção. Potchyban vivia
olhando para o cogumelo. Perguntava-se constantemente se era certo atacá-lo. Ninguém
conhecia o poder de combate do inimigo e era impossível avaliar suas reações ao ataque.
Quando chegaram a dez quilômetros do cogumelo, o terreno baixou um pouco. Os
últimos sete quilômetros que os separavam do inimigo passavam por uma trajetória
completamente plana.
Os veículos de transporte pousaram. Os colonos desceram e saíram marchando em
direção ao colosso. O círculo fora fechado e estreitava-se cada vez mais. Finalmente o
diâmetro diminuiu a ponto de garantir o uso mais eficiente das armas.
Tracs Potchyban, que estava só em seu planador de guerra, inclinou-se sobre o
microfone.
— Atacar — ordenou. — Fogo!
Trilhas de fogo ofuscantes saíram de dez mil armas energéticas em direção à
espaçonave. Todos atingiram a parte inferior do talo do cogumelo. Uma parede de fogo
rolou para a espaçonave ameaçando engoli-la.
No mesmo instante Tracs Potchyban fez subir seu planador. Acionou as duas armas
térmicas e viu os raios entrarem diretamente por uma das portas que ficavam no pé do
talo.
Neste instante as aberturas embaixo do chapéu do cogumelo cuspiram fogo. Teve-se
a impressão de que a onda de fogo foi refletida pela nave para retornar aos atacantes.
Potchyban, cujos instrumentos não tinham indicado a presença de um campo
defensivo, percebeu estupefato que o ataque praticamente não dera nenhum resultado. A
espaçonave nem sequer balançou, apesar de grande parte de sua face externa ter ficado
incandescente.
O planador atravessou em alta velocidade uma parede de fogo. Os pára-brisas
estouraram sob o impacto do calor tremendo. O mestre de armamentos disparava seus
canhões sem parar, enquanto os raios energéticos do inimigo passavam rente a ele.
Grossas nuvens de fumaça encobriram a planície pela qual os colonos vinham correndo.
Atiravam constantemente na espaçonave, para fazê-la tombar com a força conjugada das
armas.
Os mais eficientes foram os carros versáteis, que podiam romper o casco da nave
com seus canhões.
De repente Potchyban viu que o planador no qual estava sentada Ana estava caindo.
Descreveu uma curva com sua máquina voadora e a fez descer. Outro planador colidiu
com sua lateral e atirou-o para longe. Potchyban ficou desorientado por um instante.
Tudo em torno dele parecia ter pegado fogo. Sentiu-se levantado, bateu na cobertura do
planador e foi arremessado para fora. Rodopiou alguns metros no ar e caiu na cobertura
do planador que acabara de abalroá-lo. Tentou segurar-se. Viu através do pára-brisas os
rostos dos ocupantes marcados pelo pavor. Escorregou e caiu cerca de três metros.
Ana estava deitada entre os destroços fumegantes. Tentou levantar, mas voltou a
cair para trás. Potchyban conseguiu pôr-se de pé. Saltou por cima de algumas peças de
metal incandescentes e inclinou-se sobre a moça.
— Estou bem, Tracs — disse ela. Olhou em volta, à procura de sua arma energética.
Levantou-a. A poeira e as nuvens de fumaça impediam a visão. Mal se distinguiam os
contornos do cogumelo.
Homens e mulheres passaram correndo. De vez em quando paravam para atirar no
objeto gigantesco que se erguia à sua frente. Em toda parte desciam raios energéticos
parecidos com relâmpagos e batiam no chão. O número de crateras nas quais a terra ficou
incandescente aumentava cada vez mais.
Potchyban apoiou a moça que parecia estar ferida no pé. Olhou em volta à procura
de um planador ou outro veículo que pudesse recolhê-los. Ana recuou apavorada ao ver
os cadáveres de alguns colonos no chão. As nuvens de fumaça abriram-se por um
instante. Potchyban viu pelo menos vinte planadores destroçados ao redor dele. As
línguas de fogo que saíam deles produziam um calor insuportável.
Alguns colonos vieram ao seu encontro. Parte deles tinha jogado fora as armas para
correr mais depressa. Estacaram quando viram o mestre de armamentos. Alguns
voltaram, mas outros desviaram-se para os lados e contornaram Potchyban.
Um veículo versátil explodiu bem perto deles. Potchyban viu atrás da fumaça o
veículo se despedaçando. Ouviu um ruído ensurdecedor e sentiu alguma coisa bater
violentamente em seu quadril. Caiu ao chão.
Ana ajoelhou-se perto dele.
— Tracs — gritou. — Está ferido?
Potchyban sacudiu a cabeça. Ergueu o corpo. Sentia dores no quadril esquerdo.
Olhou para trás apavorado. O ataque à nave desconhecida estava terminando num caos.
Em toda parte homens e mulheres disparavam suas armas, mas entre eles sempre
apareciam outros que fugiam do cogumelo.
Um planador desceu perto deles. O rosto sujo de Sal Almong apareceu numa janela.
Mãos solícitas estenderam-se para eles.
O mestre de armamentos respirou aliviado quando se viu na poltrona ao lado de
Almong.
— Subir imediatamente — ordenou.
O planador subiu quase na vertical. Dali a pouco Potchyban viu em toda extensão a
catástrofe que se abatera sobre seu exército.
— Vamos retirar-nos imediatamente — disse.
A maior parte dos planadores e blindados voadores tinha sido destruída. Os veículos
estavam espalhados pela planície, em chamas. As nuvens de fumaça espessas cobriam a
área que nem uma névoa. Quase não se viam os homens e mulheres que continuavam a
investir contra o cogumelo, tentando derrubá-lo com seus tiros energéticos.
Potchyban aproximou o microfone dos lábios e deu ordem de retirada. Ouviu os
alto-falantes presos nos planadores berrarem. Dali a pouco a força começou a recuar.
Mas os carros versáteis e planadores armados continuavam a atacar, para que os
homens e mulheres que combatiam na superfície pudessem escapar ao inferno de fogo.
***
Af Atramo estava na linha de frente quando começou o ataque ao cogumelo. Ele e
seus companheiros mal tiveram tempo de atirar com as armas de bordo. Alguns blindados
voadores tinham explodido a seu lado e em cima deles. Os destroços atingiram o veículo
causando avarias graves. O prefeito teve de esforçar-se muito para mantê-lo no ar.
Parecia um milagre não terem sido atingidos pelo dilúvio de raios que saíram do chapéu
do cogumelo. Mas nem sequer puderam participar da luta.
Enquanto os colonos se precipitavam desesperadamente contra o cogumelo, o carro
versátil foi atirado de um lado para outro sobre a planície, que nem uma rolha sobre as
ondas.
Quando o Tenente-Coronel Potchyban deu ordem de retirada, Atramo encontrava-se
em seu blindado voador junto ao casco da nave desconhecida. Estavam suspensos
quatrocentos metros acima do chão. Perto deles via-se um rombo enorme no talo do
cogumelo.
Atramo sentiu-se aliviado ao perceber que o veículo voltara a obedecer aos
comandos. Dirigiu-o para o leste, para acompanhar a retirada. Neste momento as armas
voltaram a lampejar bem em cima deles. Uma parede de fogo desceu ao chão. Atramo
teve a impressão de estar parado à frente de um gigantesco campo energético.
Seguindo uma súbita intuição, fez o veículo voltar para trás e entrou na abertura. No
mesmo instante viram-se no interior da nave. O blindado voador colidiu violentamente
com uma parede. Atramo desligou os motores. Tudo ficou em silêncio.
Os homens entreolharam-se. Parecia que só então estavam compreendendo o que
tinha acontecido.
— Fiquem calmos — disse Atramo. — Não estamos perdidos. Provavelmente nossa
situação é até melhor que a de nossos amigos lá fora. Pelo menos a tripulação não usará
armas pesadas para atacar-nos. Destruiria a nave.
— Precisamos de algumas cargas explosivas — observou Wollan, que estava
sentado ao lado de Atramo. Wollan fora um artista que queria trabalhar em paz em
Hitchera Pearl. Vivera longe das cidades e criara obras notáveis. Depois que a constante
gravitacional da Galáxia foi modificada, passou a não compreender mais seus próprios
trabalhos. Brincara com eles e danificara bastante vários deles. Naquele momento achava
que era um milagre ter sobrevivido ao período de deterioração mental. Não se lembrava
de que Tracs Potchyban fora buscá-lo na solidão para que estivesse em segurança na
cidade, mas sabia que fora assim. Naquela altura considerava encerrada sua vida e estava
disposto a dar tudo por Potchyban e seu plano de libertação.
— Com algumas cargas explosivas podemos destruir a nave de dentro para fora —
disse.
Olhou para os outros, que pareciam cansados e deprimidos. Ninguém parecia
acreditar que conseguissem sair sãos e salvos da nave.
— Poderíamos consultar Tracs como se faz para fazer explodir um carro versátil de
tal maneira que cause mais estragos — sugeriu.
5

18 de novembro de 3.441.
— É o pai de Ana falando — disse Sal Almong e apontou para a imagem em
trivídeo que aparecia no painel. Potchyban inclinou-se e encostou o dedo ao painel para
completar a ligação.
— Que houve, Af? — perguntou.
Olhou pelas vidraças. Só se lutava em um ou outro lugar e parecia que o fato de as
tropas recuarem aplacara o ânimo dos ocupantes do cogumelo. Não atiravam mais.
— Quero saber se no veículo em que estamos existe uma coisa que possamos fazer
explodir. Wollan afirma que é possível fazer entrar numa reação espontânea a energia dos
motores. Você compreende o que quero dizer?
Atramo explicou.
O rosto de Potchyban descontraiu-se.
— Nem sei por que não pensei nisso antes — disse espantado.
Potchyban voltou a olhar para o campo de batalha. Os últimos planadores e carros
versáteis se retiravam. Robôs corriam pela planície para recolher os feridos. O número de
baixas era surpreendentemente reduzido. O mestre de armamentos fez sinal para que
Almong pousasse entre algumas colinas. Centenas de homens e mulheres estavam
reunidos neste lugar. A maior parte estava deitada no chão para descansar.
Quando Potchyban desceu do planador, quase todos sorriram para ele. Parecia que
não tinham perdido as forças. Muitos deles tinham sofrido queimaduras, mas não houve
cenas de miséria como Potchyban receara.
Um dos homens aproximou-se dele. Tinha vindo de Gray. Trazia no pescoço um
colar das pérolas cinzentas das quais o continente tirara o nome.
— Quase conseguimos, Tracs — disse em tom convicto. — Até estou triste porque
nos retiramos. Os outros terão tempo para recuperar-se.
— A pausa também nos fará bem.
O homem empertigou-se. Parecia alegre.
— Quer dizer que vamos começar de novo? — perguntou.
— Voltaremos ao ataque?
— Sim — respondeu Potchyban com um aceno de cabeça.
— Mas esperaremos pelo menos quatro horas. Vou voltar à base. Quando voltar,
desferiremos um novo golpe.
Depois de entrar no planador Potchyban falou com os comandantes setoriais, que
também apresentaram um relato bastante favorável. Alguns deles eram de opinião que
bastava mais um ataque para fazer tombar a nave. Tinham certeza de que apesar de todas
as dificuldades a batalha estava praticamente ganha. A perda de planadores, carros
voadores e plataformas antigravitacionais não pesava muito.
Potchyban acenou com a cabeça para Sal Almong. Sorriu de forma quase
imperceptível.
— O inimigo concentrou-se quase exclusivamente nos veículos voadores, tentando
destruí-los em primeiro lugar. Devo confessar que conseguiu. As perdas chegam a mais
de oitenta por cento.
— O que pretende fazer, Tracs? — perguntou Ana.
— Eu já disse; vou à base.
— E meu pai?
— No momento não podemos fazer nada por ele. Faço votos de que consiga
aguentar-se até que voltemos. Voltarei a dizer-lhe que deve tentar sair.
Ana sacudiu a cabeça.
— Já disse isso a ele — disse. — Mas não quer. Diz que só vai fugir quando não
conseguir aguentar-se mais.
— Está bem — concordou Potchyban. — Af deve saber o que faz.
Potchyban voltou a entrar no planador. Ana ficou. Queria ficar perto do pai. O
mestre de armamentos e Sal Almong voaram para o leste. Potchyban dirigiu o planador.
Subiu bastante para poder desenvolver urna velocidade elevada,
— O que pretende fazer? — perguntou Almong depois que avistaram a costa oeste
de Oyster.
— Na base ainda há alguns conjuntos de propulsão que podem ser transformados
em bombas atômicas.
—Seria uma arma mais eficiente do que qualquer uma que usamos até agora? —
perguntou Almong que não sabia o que vinha a ser uma bomba atômica.
— Sem dúvida — respondeu Potchyban.
O planador seguia para o leste em alta velocidade. Dali a pouco Almong viu a semi-
esfera cintilante do campo energético que cobria a base. Potchyban irradiou o código de
identificação. O planador aproximou-se do campo energético e atravessou uma fresta em
sua estrutura para em seguida pousar suavemente na cobertura de um dos edifícios.
Potchyban correu imediatamente para um depósito no qual estavam guardados
equipamentos para os mais diversos tipos de espaçonaves. Almong seguiu-o espantado.
Até então quase não vira nada das instalações.
— Tracs — disse enquanto o Tenente-Coronel acionava guindastes
antigravitacionais para tirar o conjunto propulsor das armações. — Você dispõe de armas
bem mais eficientes que aquelas que nos tem mostrado.
Tracs Potchyban concentrava-se no trabalho. A peça de propulsor saiu voando do
pavilhão. Os homens foram atrás dela.
— Naturalmente, Sal — respondeu o mestre de armamentos depois de algum
tempo. — Aqui existem coisas capazes de destruir cinco naves-cogumelo.
— Por que não as usa?
— Porque para isso precisaria de uma equipe de especialistas bem treinados, Sal —
respondeu Potchyban. — Se pudesse contar com cinco ou seis homens capazes de lidar
com estes aparelhos, não haveria mais problemas. Sinto muito, Sal, mas seus
conhecimentos não bastam.
Potchyban e Almong voltaram ao depósito para tirar mate algumas peças. Depois
Potchyban começou a montar os diversos aparelhos. Sal Almong gostaria de ajudá-lo,
mas não sabia como. Compreendeu melhor que nunca o que significava o processo de
deterioração mental. Potchyban lhe dissera que fora especialista em reatores em Hitchera
Pearl. Logo, naquele tempo compreendia o que o mestre de armamentos estava fazendo.
A raiva contra os desconhecidos aumentou. Eles não tinham lançado um ataque
verdadeiramente mortal à Galáxia? O que seria feito dos colonos de Hitchera Pearl se não
fosse Tracs que os ajudara com toda garra?
Nas últimas horas Sal Almong refletira várias vezes se tinham o direito de atacar o
cogumelo. Mas à medida que observava o mestre de armamentos no trabalho
compreendia cada vez melhor que efeitos os desconhecidos tinham alcançado mudando a
constante gravitacional. Justamente por isso reconheceu que Hitchera Pearl estava na
defensiva. Os colonos agiam em legítima defesa ao entrarem em luta com os
desconhecidos.
Quando Potchyban finalmente disse que tinha terminado já estava escurecendo.
Almong contemplou o monstro construído pelo Tenente-Coronel. Estava cheio de
dúvidas. Parecia que a bomba fora composta com peças de sucata soldadas ao acaso. Era
tão bizarra e tosca que Almong teve medo de que se quebraria assim que fosse
movimentada. Potchyban ligou as peças de propulsor precariamente montadas com
placas antigravitacionais para poder transportá-las. Em seguida as fez subir e as levou
através do campo defensivo que cobria a base. Depois voltou para junto de Sal Almong.
Os dois entraram no planador que decolou em seguida.
— Não podemos voar em alta velocidade — disse Potchyban em tom preocupado.
Do planador era possível dirigir as placas antigravitacionais coordenadas. Fez a
bomba subir a dez mil metros de altura para reduzir o atrito com o ar. Mas apesar disso
não puderam ir tão depressa como na ida. Unakho descia para o horizonte ao oeste.
Seguiram-no e ficaram na zona de penumbra até avistar a nave em forma de cogumelo,
que se destacava fortemente contra o céu avermelhado do anoitecer. A parte superior
abaulada estava cercada de nuvens.
Na planície alguns carros voadores e placas antigravitacionais estavam sendo
consumidos pelas chamas.
Potchyban ficou preocupado ao saber que um de seus subcomandantes fizera um
ataque ao cogumelo em sua ausência e perdera mais alguns veículos voadores.
***
Af Atramo e Wollan o artista saíram do carro voador.
Tinham pousado num pavilhão no qual estavam depositadas máquinas estranhas.
Nas paredes havia gigantescas telas de imagem nas quais dançavam linhas coloridas. Af
Atramo ficou fascinado ao ver as linhas verdes, azuis, amarelas e vermelhas formando
desenhos bizarros, cujas formas básicas variavam constantemente. A mudança muito
rápida das formas parecia lembrar Wollan de sua atividade artística. Sem dar atenção às
coisas que o cercavam aproximou-se das telas e apalpou sua superfície vidrada. Parecia
não ter olhos para outra coisa além das linhas e seu jogo excitante.
Af Atramo viu que não havia mais ninguém no pavilhão. Parecia que as máquinas
não representavam nenhum perigo para eles. Além disso o veículo em que tinham vindo
causara estragos consideráveis, fazendo com que a maior parte dos aparelhos deixasse de
funcionar.
Atramo sorriu satisfeito. Acenou com a cabeça para o blindado voador. Sentia-se
alegre com qualquer prejuízo que podia causar à tripulação do cogumelo. Odiava tudo
que estivesse ligado a essa nave.
Af colocou o fuzil energético a tiracolo e saiu andando em direção ao rombo que se
formara na parede externa. Milo, que era o terceiro homem de sua equipe, já estava lá.
Contemplava admirado o material do casco da espaçonave, apoiado por uma maça
espumosa muito dura.
— É um milagre que este buraco tenha sido feito — disse em tom de respeito. —
Parece que os habitantes do cogumelo não são incompetentes. Nunca vi coisa igual entre
nós.
Af Atramo olhou para o campo de batalha. Deu uma cuspida de desprezo.
— Acontece que você nem imagina como é nossa tecnologia, rapaz. Não se esqueça
de que sua inteligência está funcionando em marcha lenta. Potchy provavelmente se
espantaria se visse isto.
— Por quê? — perguntou Milo em tom inseguro.
— Quem dera que eu soubesse — disse Wollan, que provavelmente já vira tudo que
queria e começava a interessar-se pela situação em que se encontravam.
— Acho que não pode haver nenhuma dúvida — respondeu Af Atramo em tom
convicto. — A tecnologia terrana é mil vezes superior a isto aqui.
Wollan sorriu ironicamente.
— Você sempre foi uma boca grande — disse. — Mas acaba de produzir sua obra-
prima.
Um rugido surdo vindo de perto fez com que se calassem Os três homens
entreolharam-se. Ouviram pisadas estranhas. Parecia um grupo de homens se
aproximando.
Os três estavam de pé ao lado do carro voador, de costas para a abertura no casco da
nave. Mantinham as armas em posição de tiro, esperando.
Wollan estava sério e calmo. De vez em quando olhava para as telas, dando a
impressão de que queria despedir-se das imagens abstratas. Milo mordia nervosamente os
lábios. Suas mãos tremiam. Deu um passo para trás, e em seguida mais um. Sem dúvida
gostaria de entrar imediatamente no carro voador para fugir nele, mas sabia que Atramo
não concordaria.
O prefeito de Roseata pegou o fuzil energético nas mãos. Sorriu despreocupado,
dando a impressão de que nada, absolutamente nada lhe podia acontecer.
— Nem pense em fugir, Milo — disse quando este deu mais um passo para trás. —
Iria trazê-lo de volta pessoalmente para dar-lhe umas palmadas.
— Aqui o ar não está tão viciado — respondeu Milo contrariado.
— Silêncio — disse Atramo. — Estão chegando.
Mais uma vez ouviram um estranho ruído parecido com um trovão.
— Parece que há um gigante escondido atrás da parede — murmurou Wollan.
— Isso é obra de sua imaginação — respondeu Atramo ironicamente. — Só mesmo
um artista. Aposto que os caras são tão pequenos que podemos jogar futebol com eles.
De repente a parede à frente da qual estavam parados subiu juntamente com as telas
de imagem e desapareceu no teto. Os três colonos defrontaram-se com robôs de aspecto
assustador.
Suas formas eram tão bizarras que no início Wollan não compreendeu
absolutamente nada. Parecia que o artista se sentia inibido em atirar nas estranhas figuras.
Milo deu um salto enorme que o fez parar atrás do carro voador, onde foi abrigar-se.
Deixou-se cair no chão, fez pontaria com o fuzil energético e atirou. Viu sete máquinas
saírem de um corredor bem estreito. Seu tiro acertou no meio do grupo, mas Atramo
acionara sua arma antes dele. Era o único que agia calma e refletidamente. Depois do
primeiro tiro continuou onde estava. Acionava a arma com movimentos calmos, sem
levantá-la acima dos quadris. Estava pálido.
Graças à sua inteligência objetiva compreendera a situação melhor que os dois
companheiros. Viu armas de diversos tipos nos braços dos robôs. Talvez fosse o único
dos três que não deixou que o aspecto das máquinas automáticas o confundisse,
permitindo que reconhecesse à primeira vista seu caráter agressivo.
Depois de destruir quatro de seus inimigos, Milo foi atingido. Viu que uma
multidão das estranhas figuras vinha se aproximando. Alguns se deslocavam sobre
esteiras, outros caminhavam sobre três ou quatro pernas e havia um grupo que rolava
sobre rodas de um metro de altura.
Atramo foi atingido por um raio energético no braço esquerdo. Soltou um grito.
Atirou o fuzil energético que não podia manipular mais com toda violência contra os
atacantes. Um deles apontou o cano em espiral de sua arma para ele. Atramo recuou
cambaleando, mas não escapou ao raio energético vermelho brilhante.
Wollan atirava ininterruptamente. Voltou a acertar no meio do grupo de robôs — e
riu. Ainda estava rindo quando Atramo morreu. Parecia que não conseguia compreender
o que estava acontecendo.
— Fique quieto — gritou Milo.
Wollan refugiou-se perto dele e tratou de abrigar-se.
— Íamos fazer explodir o carro para destruir a nave — disse Wollan. — Mas não
temos nenhuma ideia de como fazer isto. A única coisa que sabemos é qual o botão que
deve ser apertado para que lá na frente saia um raio energético. É pouco para ganhar uma
batalha, não acha?
— Você deveria ter pensado nisso antes.
Wollan atirava sempre de novo. Parecia que tinham conseguido um pequeno alívio.
Uma parede de máquinas destroçadas amontoava-se na saída do corredor.
— Já pensei nisso — confessou Wollan. — Mas achava que ainda poderíamos sair
vitoriosos.
Em seguida levantou de um salto e atirou para dentro do corredor como se não
tivesse mais medo dos robôs. Correu para perto das máquinas postas fora de combate e
pegou a arma que Atramo atirara nelas. Passou a atirar com ambas as mãos para dentro
do corredor. As paredes tomaram-se incandescentes. Uma onda de calor insuportável
atingiu-o.
Milo gritou. Wollan olhou para trás. Milo acenou com o braço.
— Vamos fugir no carro voador. É a única possibilidade que nos resta, Wollan.
O artista hesitou. Olhou para o corredor. O metal deformara-se bastante com o calor
e mudara de cor. No fim do corredor havia uma escotilha entreaberta. Parecia que estava
emperrada. Nestas condições não havia por que temer um novo ataque desse lado. O
artista baixou a arma e inclinou-se sobre Atramo.
Houve alguns lampejos do lado de fora. Wollan ouviu o chiado de tiros energéticos.
Correu para o buraco no casco da nave.
— Voltaram a atacar — disse e virou a cabeça. — Podemos ter nova esperança,
Milo.
O amigo estava deitado no chão do carro voador. Um raio energético perfurara seu
corpo. Wollan ainda viu um relâmpago descer do teto e atingir o veículo. Ficou no meio
do fogo.
O blindado explodiu.
***
Potchyban entrou em contato pelo rádio com o subcomandante. Deu ordem de
retirada imediata e proibiu novos ataques. Um dos ajudantes acalmou-o comunicando que
todos os colonos se tinham retirado, depois que o ataque ligeiro desfechado depois do
primeiro não foi bem-sucedido.
O prefeito cerrou os lábios. Reprimiu o desejo de repreender os homens.
O sol se punha ao oeste. O céu assumiu uma coloração vermelha, dando a
impressão de que fora regado de sangue. Potchyban deixou a arma recém-construída a
quatro mil metros sobre a costa e pousou.
Ana veio imediatamente para perto dele e comunicou-lhe o que tinha acontecido
com o carro blindado de seu pai. Vira a explosão, que abrira um rombo ainda maior no
casco da nave. Mas o rombo já fora fechado pela tripulação.
Além disso Potchyban viu que a tripulação desconhecida da nave-cogumelo
também consertara outras avarias. Frestas e buracos na parte inferior do talo tinham sido
vedados.
Aos poucos foram chegando os subcomandantes. Potchyban informou-os sobre seus
planos. Ficaram entusiasmados.
O mestre de armamentos tentou abafar sua alegria.
— Não temos motivo para sermos muito otimistas — disse. — É possível que este
ataque também fracasse. Preferiria realizar uma ação desviacionista, mas para isso
precisaria dos últimos planadores que ainda nos restam.
Mais uma vez os homens concordaram.
— Nesse caso todos os homens e mulheres continuarão a retirar-se — disse o
Tenente-Coronel ao concluir suas instruções, — Quando a bomba explodir, os efeitos se
farão sentir a vários quilômetros de distância. Quanto mais longe estivermos do
cogumelo, melhor será.
Dali a meia hora foi iniciada a operação. Potchyban programara e sincronizara
pessoalmente todos os planadores que ainda estavam em condições de voar. Podia dirigi-
los e acionar as armas de bordo pelo rádio, da mesma maneira que era capaz de guiar a
bomba rudimentar segundo seus desejos.
Estava de pé no alto de uma colina, perto da costa, ao lado de Sal Almong, que não
queria sair de perto dele. O planador estacionou perto deles. Estava pronto para decolar.
Um vento forte soprava do leste.
As informações dos subcomandantes foram chegando. Os colonos tinham-se
retirado até as montanhas ao oeste e as florestas que ficavam ao norte e ao sul.
Potchyban levou Almong ao planador. Os dois entraram. O mestre de armamentos
ligou os rádios e transmitiu os primeiros impulsos direcionais. Os planadores de guerra
subiram e saíram em direção ao cogumelo acelerando fortemente.
Suas armas soltavam lampejos em rápida sucessão. Os raios energéticos atingiam o
talo do cogumelo sem parar. O metal ficou incandescente. Fendas surgiram em vários
lugares.
A bomba deslocava-se bem alto acima de suas cabeças. Voava em direção à
espaçonave. Potchyban passou um pano pelo rosto. Transpirava. A hora da decisão estava
chegando. Pelos seus cálculos o propulsor convertido devia ter um poder explosivo
equivalente a cerca de cem mil toneladas de TNT. Devia ser o suficiente para destruir a
nave.
Sal Almong soltou um grito. Apontou para a frente. Raios saíam sem parar de baixo
do chapéu do cogumelo. Raios energéticos ofuscantes atingiram o objeto de formas
bizarras. Potchyban quase perdeu o fôlego. Esperava que sua bomba explodisse — mas
teve uma decepção. Os destroços incandescentes caíram sem produzir o efeito desejado.
— Tracs — gemeu Sal Almong. — Veja — o cogumelo está chorando!
Potchyban ficou calado. Sabia que perdera a última chance.
— O cogumelo está chorando — repetiu Almong. — Chora lágrimas vermelhas.
Das aberturas na face inferior do chapéu do cogumelo saíam numerosos objetos.
Realmente eram parecidos com lágrimas vermelhas. Pareciam flutuar no ar. Depois de
sair dos olhos vermelhos deslizavam para os lados, lentamente como se se deslocassem
sobre trilhos invisíveis.
— Que é isso, Tracs? — perguntou Almong. — O que significam essas lágrimas
vermelhas? Diga alguma coisa, Tracs.
— Não sei, Sal — respondeu Potchyban.
Não sabia mesmo.
Os dois olharam fascinados para os objetos em forma de pingo que brilhavam à luz
do sol no poente como se tivessem sido cobertos com um revestimento muito brilhante. A
parte inferior do talo do cogumelo e a planície já estavam envoltas na escuridão, mas o
chapéu do cogumelo voltou a emitir uma luminosidade intensa. Parecia que o sol, antes
de desaparecer, queria derramar mais uma vez sua luz sobre ele antes que tivesse de ceder
lugar à noite. O chapéu do cogumelo estendia-se em cima das nuvens que nem uma tocha
ardente.
Potchyban puxou o microfone para perto dos lábios.
— Aqui fala Potchyban — disse numa voz que não revelava sua agitação interior.
— Vamos fugir. Esta ordem é para todos. Afastamo-nos o mais depressa possível. Não
vamos perder tempo. Cada segundo conta. Repito...
Enquanto falava deu partida no planador e o dirigiu para o leste.
Neste momento a primeira lágrima vermelha caiu no chão bem ao oeste. Explodiu
com o impacto.
Clareou de novo. Parecia que o tempo dera um salto para trás de algumas horas.
Parecia que o sol Ynakcho de repente voltara a ficar no zênite. Uma tremenda onda de
pressão varreu a área.
O planador de Potchyban foi atirado para o lado. Os anteparos óticos fecharam-se
de repente. Mas o mestre de armamentos ainda viu bastante. Viu perfeitamente um
cogumelo atômico crescendo sobre as montanhas. Distinguiu outras lágrimas vermelhas
que se espalhavam para os lados. Mais uma delas caiu bem ao sul.
Potchyban gemeu e cerrou os punhos quando logo em seguida o cogumelo típico de
uma explosão atômica se formou ao norte. As ondas de pressão vindas do sul e do norte
atiraram o planador para o alto. Potchyban perdeu o apoio no assento. Bateu com a testa
num aparelho de rastreamento e perdeu os sentidos.
Sal Almong teve mais sorte. Também foi derrubado pela força da explosão, mas
conseguiu segurar-se. Assumiu imediatamente os controles. Parecia que seu espírito se
recuperara sob o choque dos acontecimentos. Mexeu nos comandos com a segurança de
um sonâmbulo e conseguiu controlar o planador. O veículo correu para o leste, sempre à
frente da onda de pressão, sem perder altura.
Sal Almong olhava constantemente para os lados. Arregalou os olhos apavorado,
pois em toda parte via bombas atômicas explodindo. A tripulação do cogumelo desferia
golpes terríveis. O cogumelo chorava lágrimas vermelhas e cada uma delas abria uma
cratera gigantesca ao cair no chão.
Sal Almong percebeu claramente que ninguém, a não ser ele e Potchyban, podia ter
sobrevivido ao ataque à espaçonave.
6

19 de novembro de 3.441.
Sal Almong respirou aliviado quando viu Tracs Potchyban abrir os olhos e olhar
para ele.
— Você está vivo — disse. — Tudo ficará bom. Cheguei a pensar que nunca mais
acordaria.
O mestre de armamentos tentou erguer-se. Mas uma dor lancinante no quadril
esquerdo o fez cair no assento de novo.
— Que aconteceu, Sal? — perguntou.
— Você poderia ter dito que queimou o quadril no ataque ao cogumelo. Poderia ter
cuidado de você antes. A ferida não está muito boa.
Potchyban cerrou os dentes. Levantou puxando-se no encosto do assento. Luzes
dançavam à frente de seus olhos. Ficou alguns minutos sem enxergar nada. Ficou
apalpando até encontrar o medo-estojo.
— Ainda estamos no planador — disse. Aos poucos foi-se recuperando do ataque
de fraqueza. Seus olhos clarearam. Viu que Almong voara para junto do campo defensivo
da base. Não chegara mais longe. Com um movimento quase instintivo ativou o
transmissor de código que fez com que o rastreador instalado na base acionasse o
impulso de abertura. Uma fenda surgiu no campo energético, O planador pôde passar por
ela.
Dali a pouco Tracs Potchyban saiu do planador para o terraço que ficava à frente de
seu setor habitacional. Sal Almong seguiu-o em silêncio. Parou quando o Tenente-
Coronel de repente estacou. Pôs a mão em Potchyban para evitar que ele caísse, mas o
amigo afastou-o.
Potchyban apalpou com a mão esquerda o hematoma que trazia na testa. Virou a
cabeça devagar e encarou Almong. O rosto moreno tomara-se pálido como cera. Seus
olhos ardiam.
— Sal — o que foi que eu fiz?
Os ombros robustos tremiam. A lembrança da luta foi voltando. Potchyban
começou a compreender o que tinha acontecido. Cada cena das investidas inúteis contra o
gigante do espaço desfilou diante dos olhos de sua mente como um filme feito para
incutir nele com uma violência implacável os acontecimentos do dia anterior.
— Venha comigo — pediu a Almong.
O pedido soou nos ouvidos do colono como um grito de desespero. Parecia que
Potchyban ia cair. Sal apoiou-o e viu que o uniforme do mestre de armamentos começava
a tingir-se de vermelho do lado esquerdo do corpo. A queimadura tinha arrebentado.
Os dois entraram no edifício. Potchyban arrastou-se através da sala de estar simples
e entrou no centro de rádio e rastreamento que ficava ao lado. Deixou-se cair numa
poltrona. Seu rosto crispou-se e ele gemeu baixo. Olhou preocupado para o quadril. Já
sabia que seu ferimento era mais grave do que acreditara quando caiu com seu planador
durante o ataque ao cogumelo. Mais uma vez luzes dançaram à frente de seus olhos. O
Tenente-Coronel apoiou a cabeça nas mãos e resistiu a um ataque de fraqueza.
Apontou para uma gaveta marcada com uma cruz vermelha. Antes que pudesse
dizer qualquer coisa, Almong já a tinha aberto. Viu imediatamente a pomada para
queimaduras. Tirou-a e rasgou o uniforme com a mão esquerda. Com a direita ligou o
aparelho para fazer contato com o satélite de observação suspenso sobre Hitchera Pearl.
O continente Rose apareceu nas telas. As explosões atômicas tinham criado várias
camadas de nuvens que impediam em parte a visão direta da paisagem. Ao sudoeste via-
se perfeitamente o cogumelo. Em Oyster era dia claro, mas em Rose ainda estava
nascendo o sol. Potchyban e Almong viram através de várias aberturas nas nuvens que
todo o sudoeste em forma de pirâmide do continente Rose fora aplainado. Grandes áreas
tinham mergulhado no oceano. Na região norte, que era a maior, caíra há poucos minutos
uma lágrima vermelha. O cogumelo atômico espalhava-se a cerca de mil quilômetros de
Roseata. Viam-se perfeitamente as consequências da onda de pressão, que se afastava em
círculos do foco da explosão.
Tracs Potchyban gemeu. Sentia-se martirizado.
Percebeu que toda a força combatente de Hitchera Pearl fora destruída na luta em
torno do cogumelo.
Mexeu rapidamente nos controles. As imagens projetadas nas telas mudavam
constantemente e tão depressa que Sal Almong mal pôde acompanhá-las. Só percebeu
que Potchyban queria informar-se sobre o que tinha acontecido nos outros continentes.
Potchyban mudou as projeções setoriais. Almong viu perfeitamente que havia
numerosas lágrimas vermelhas suspensas sobre a região norte de Rose e o litoral nordeste
de Red.
— Deixe-me só por um instante — pediu Tracs Potchyban.
Levantou e encarou o amigo. Sal Almong teve a impressão de que Potchyban
envelhecera vários anos em alguns minutos. As faces estavam encovadas. Os olhos
pareciam de um tamanho descomunal. Rugas profundas tinham-se formado em tomo dos
cantos da boca.
Almong sacudiu resolutamente a cabeça.
— Não o deixarei só, Tracs — respondeu em tom calmo.
Potchyban deu-lhe as costas sem dizer uma palavra e dirigiu-se à saída. Almong
acompanhou-o até a porta. O Tenente-Coronel parou e Almong ficou a seu lado.
Segurou-o pelo braço.
— Você fez tudo que estava a seu alcance para salvar-nos — disse em tom
insistente. — Não desespere, Tracs.
Potchyban afastou a mão de Almong.
— Pedi que me deixasse só.
— Não adianta martirizar-se se auto-recriminando, Tracs — disse o antigo
engenheiro. — Precisamos de você. Não podemos viver sem sua ajuda.
— Você não compreende o que eu fiz, Sal — respondeu Potchyban. — Mandei dez
mil seres humanos para a morte. Sacrifiquei-os por uma ideia maluca e insensata.
Almong sacudiu a cabeça.
— Você se obstina numa teoria completamente errada, Tracs — disse. — Não podia
saber que o cogumelo revidaria de uma forma tão cruel. Só quis ajudar-nos. Quis libertar-
nos para que voltássemos a ficar independentes.
Tracs Potchyban ia dar uma resposta amargurada quando uma luz verde se acendeu
em cima dos aparelhos de rastreamento, A surpresa ficou estampada em seu rosto,
Encarou Almong confuso e inseguro.
— Que houve, Tracs?
Potchyban correu para junto do painel de instrumentos e mexeu em alguns
comandos. Fez isso tão depressa que Almong desistiu de descobrir um sistema nas
medidas do mestre de armamentos, Levantou os olhos para as telas que aos poucos
deixaram de mostrar imagens do espaço. Depois de algum tempo os dois homens viram
os arredores da base.
Um único planador vinha em direção à base. Estava bastante avariado e dava a
impressão de que iria arrebentar de um momento para outro. A parte traseira estava
pendurada. Os pára-brisas tinham saltado e o revestimento estourara em alguns lugares.
Havia uma moça agachada no assento. Não a reconheceram porque estava
completamente coberta de sujeira e tinha parte do rosto coberta por uma atadura. Só
viram que era Ana Atramo depois que ela levantou a cabeça e olhou para cima.
Tracs Potchyban reagiu imediatamente. Deu ordem a Almong para que ficasse no
centro de rastreamento e saiu correndo. Quando estava à frente da casa, um planador-
ambulância já corria pela área com as luzes de alerta piscando. Cinco robôs saíram de um
subterrâneo carregando um tanque com material de extinção de incêndio.
O planador atravessou uma fenda estrutural do campo energético. O planador-
ambulância subiu e ficou perto dele. Braços robotizados tiraram a moça dos destroços e
colocaram-na no planador-ambulância, enquanto os outros robôs seguravam o planador
para fazê-lo pousar. Potchyban acompanhou o planador-ambulância ao centro médico. O
diagnóstico positrônico instantâneo constatou um grave estado de choque e alguns
ferimentos leves. O mestre de armamentos leu os resultados num quadro eletrônico.
Ana já recebera algumas injeções. O rosto, os ombros e os braços tinham sido
limpos. Abriu os olhos e tentou orientar-se. Começou a tremer que nem vara verde
quando viu os aparelhos reluzentes que a cercavam. Mas quando ouviu a voz de
Potchyban acalmou-se imediatamente.
— Você não corre perigo, Ana — disse.
A moça virou o rosto para ele. As medo-sondas afastaram-se automaticamente de
seu corpo. Os ligamentos de segurança caíram. Ana Atramo pôde levantar. Potchyban
ajudou-a a sair da cama.
— Como vai? — perguntou. — Tudo bem?
— Ainda não vou muito bem das pernas — disse Ana sorrindo. — Mas de resto vou
indo.
Potchyban levou-a à sala de rádio e rastreamento, onde Sal Almong estava à sua
espera. Sal aproximou-se imediatamente e segurou as mãos da moça.
— Alegro-me em vê-la aqui — disse com toda sinceridade. — Já tinha perdido a
esperança de que mate alguém tivesse sobrevivido à explosão.
Ana encarou Tracs Potchyban. Não havia nenhuma recriminação em seu olhar, mas
Tracs baixou a cabeça.
— Preferiria que eu mesmo tivesse morrido, Ana — disse. Ana sacudiu a cabeça.
— Não diga isso, Tracs.
— Ele se consome em auto-recriminações — afirmou Sal Almong. — Não sei o que
posso fazer para ajudá-lo a desmontar seu complexo de culpa.
As faces de Potchyban adquiriram uma coloração escura.
— Você não precisa ajudar-me, Sal. Sei o que devo fazer. Ana Atramo juntou os
farrapos da blusa sobre o peito.
— Para começar poderia dar-me uma coisa decente para vestir — disse em tom frio.
— Como foi que você conseguiu, Ana? — perguntou Potchyban enquanto se dirigia
ao painel de controle, apertava um botão e falava dentro de um microfone dando ordem
para trazer roupas novas para a moça.
— Estava sentada na direção do planador — principiou Ana. — Ia fugir com alguns
homens. Era a única que sabia dirigir o veículo. De repente vimos duas mulheres num
desfiladeiro. Acenavam para nós. Desci para recolhê-las. Nesse momento deve ter
acontecido. Ouvi o barulho horrível e clareou tanto que não enxerguei mais nada. Ao
mesmo tempo senti uma pressão tão forte que tive a impressão de que ia, morrer
sufocada. O calor era insuportável Desmaiei. Quando acordei o planador estava meio
soterrado sob a sujeira e os escombros. Os outros homens e mulheres estavam mortos.
Tirei o planador do desfiladeiro. O cogumelo continuava no mesmo instante e a terra se
tomara incandescente em alguns lugares. Não vi ninguém que pudesse recolher,
Sobrevoei o mar na direção leste. Não sei quanto tempo viajei. Em certo momento vi a
base. Depois não sei mais nada.
Neste momento entrou um robô trazendo roupas limpas para Ana. Ela a pegou e foi
para uma sala ao lado mudar de roupa. Quando voltou, Potchyban estava sentado à frente
da galeria de telas de imagem, que voltavam a mostrar cenas do espaço.
Há poucos minutos houvera mais uma explosão em Rose. Naquele momento
começava a espalhar-se o cogumelo atômico.
Ana Atramo foi para perto do mestre de armamentos e colocou as mãos sobre seus
ombros.
— Que vai fazer, Tracs?
— Ainda não sei — respondeu Potchyban em voz baixa.
— Não abandone a luta — disse a moça. — Agora menos que nunca. Você tem de
evitar que os forasteiros transformem Hitchera Pearl num planeta inabitável.
Potchyban espantou-se ao notar que Ana se recuperara muito depressa. Parecia
reagir muito bem aos medicamentos que lhe tinham sido aplicados.
— Tracs, você tem de salvar-nos. Se não nos ajudar estamos todos perdidos. Você
pode tirar de Roseata os homens, mulheres e crianças que ainda estão aqui, antes que
sejam mortos.
— Você tem razão, Ana — respondeu Potchyban e levantou. — Temos de evacuar
os habitantes de Roseata. Quem dera que os recursos de que disponho não fossem tão
limitados.
Potchyban saiu. Ana e Sal seguiram-no para uma sala circular que ficava ao lado.
As paredes estavam cobertas com desenhos de vários tipos de espaçonaves. Potchyban
sentou à frente de um console no qual havia um grande teclado de programação.
Formulou as perguntas batendo nas teclas com os dedos ágeis. Dali a instantes longas
colunas de algarismos e relações de materiais foram projetadas numa tela de imagem.
— Que está fazendo? — perguntou Almong.
Quase tudo que havia na base era misterioso e estranho para ele. As instalações
técnicas lhe davam medo, porque não as compreendia. Mesmo que fizesse mil perguntas,
ainda não ficaria satisfeito. Por enquanto só queria saber que medidas Potchyban
pretendia tomar. Limitou-se de propósito a só fazer as perguntas mais simples, embora
isso se tomasse bem difícil.
— Estou fazendo uma consulta sobre os recursos de que ainda podemos dispor para
a evacuação, Sal — respondeu Potchyban. — O depósito está quase vazio. Teremos de
improvisar mais uma vez.
Potchyban digitou os comandos e levantou. Seu rosto endureceu. Parecia que estava
criando novo ânimo.
— Vamos lá fora.
O Tenente-Coronel levou os dois colonos pelo corredor. Chegaram a um elevador
antigravitacional. Almong e Ana confiaram nele cegamente. Quando entrou no campo
energético para que este o levasse para baixo, os dois seguiram seu exemplo. Saíram no
pavilhão de montagem. Foram a um alpendre de onde viam todo o pavilhão. Havia cerca
de uma dezena de robôs trabalhando em blocos de motor de aspecto complicado.
— Vamos construir um planador antigravitacional — informou Potchyban. — São
os últimos equipamentos que nos restam. Estão sendo acoplados e ligados a uma
plataforma sobre a qual poderão ser transportadas cerca de quatrocentas pessoas.
Uma luz vermelha acendeu-se perto deles. No mesmo instante ouviu-se o som de
uma sirena. Potchyban correu para junto de uma tela e ligou-a. A sirena parou de tocar
enquanto a imagem foi clareando. Ana e Sal, que tinham seguido Potchyban, viram o
continente Rose, onde acabava de haver mais uma explosão atômica.
— Destruíram os campos de Solgan — disse Almong com a voz abafada. — Por
que fizeram isso, Tracs? Trabalhamos durante vários anos para formá-los.
Os campos de Solgan ficavam num platô a trinta quilômetros de Roseata. Há quatro
anos as plantações, que ocupavam uma área de vinte quilômetros de comprimento e
quinze de largura, tinham produzido a primeira colheita, depois de trinta anos de trabalho.
Os frutos do pé de solgan, cujo valor fora descoberto pelos cientistas de uma nave
exploradora muito antes da colonização do planeta, formavam a base de um cosmobiótico
de valor extraordinário.
Almong estava com os olhos cheios de lágrimas. Ana Atramo cravou os dedos nos
braços de Potchyban. Cerrou os lábios e esforçou-se para não mostrar a raiva que sentia.
— Não se contentam em ter-nos derrotado — disse Almong. — Querem destruir-
nos. Tracs, não há nada que possamos fazer?
Potchyban sacudiu a cabeça. Desligou o aparelhou e olhou para o pavilhão.
— Só podemos fazer votos de que cheguemos em tempo para tirar os colonos de lá.
***
Em Roseata reinava o pânico.
A população da cidadezinha fugiu para as matas que ficavam ao leste. A maior parte
usava carroças simples puxadas por cheps. Tratava-se de animais parecidos com
carneiros com pernas robustas e uma lã de fios curtas, muito dura para ser usada. Sua
cabeça era achatada. Os colonos viviam olhando para o oeste, onde se via o cogumelo de
fumaça apavorante em cima das montanhas, que saíra do fogo. Os superiores tinham
atravessado o rio, mas nem mesmo eles foram capazes de explicar à população confusa o
que tinha acontecido. Tentavam acalmar os colonos, mas como também estavam
nervosos, não conseguiam. A única coisa de que foram capazes foi reunir homens,
mulheres e crianças numa colina e impedir que se espalhassem em todas as direções na
mata.
A fuga e o pânico só terminaram quando um estranho veículo passou chiando sobre
as árvores e pousou numa clareira. Muitos fugitivos ficaram tão assustados que quiseram
fazer meia-volta e tomar outra direção. Mas alguns deles reconheceram o mestre de
armamentos Tracs Potchyban sobre a plataforma suspensa. Gritaram seu nome aliviados
e de repente criaram nova esperança.
Potchyban veio ao seu encontro atravessando o capim alto. Quando passava perto
de um trator abandonado há um ano encontrou os primeiros homens e cumprimentou-os.
A notícia de que o mestre de armamentos tinha voltado espalhou-se com a rapidez do
fogo. Potchyban ficou surpreso ao descobrir que os homens já sabiam da derrota.
Potchyban viu os colonos se aproximarem de todos os lados. Ficou abalado.
Estavam todos marcados pela angústia e pelo pavor. Até os superiores, que pareciam um
pouco mais controlados, mostravam que tinham fugido às pressas. Parecia que o pânico
fizera com que esquecessem seus planadores, nos quais poderiam afastar-se de forma
muito mais rápida e confortável.
O chão esquentou embaixo de seus pés. O céu brilhava. Uma nuvem de fumaça
subiu ao céu do outro lado das montanhas ao oeste, formando um cogumelo gigantesco,
enquanto se ouvia um trovejar surdo.
— Rápido — disse Potchyban controlando a voz a muito custo. — Subam na
plataforma. Vocês têm de abandonar a área.
Um Homo superior aproximou-se. Usava uniforme azul-claro com sete sóis
bordados.
— Para onde vai levá-los? — perguntou em tom agressivo. — Quer que lutemos
contra o cogumelo? Será que teremos de enfrentá-lo de mãos vazias?
O Homo superior virou-se e apontou para o cogumelo atômico em atitude
acusadora. Tracs Potchyban sacudiu a cabeça.
— Tentarei levá-los a um lugar em que estejam seguros.
— Seguros! — fungou o Homo superior em tom de desprezo. — Será que ainda
existe um lugar seguro neste planeta?
— Talvez em Gray — respondeu o Tenente-Coronel em tom calmo. — Trata-se de
um continente pouco explorado. Nas montanhas do norte o clima é suave e regular. Os
vales oferecem proteção contra eventuais ataques. Além disso lá estarão longe da base do
cogumelo.
— A base também está sendo atacada? — perguntou o Homo superior.
— Ainda bem — disse Potchyban. — Mas é provável que logo sofra o bombardeio.
— Será que embaixo do campo defensivo não correríamos menos perigo que
qualquer outro lugar deste mundo?
— Não sei se o campo defensivo resistirá ao potencial de ataque dos desconhecidos.
Além disso os equipamentos técnicos da base devem ser uma coisa chocante para o
senhor. Certamente não se sentiria bem lá.
O Homo superior fitou Potchyban. Parecia confuso. Sacudiu a cabeça. Parecia que
não tinha compreendido as palavras do mestre de armamentos. Mas Potchyban não lhe
deu mais atenção. Voltou à plataforma para pedir aos colonos que se apressassem.
Sal Almong, que estava apoiado num bloco de motor, olhou discretamente para
cima.
— Que houve? — perguntou Potchyban.
— As lágrimas vermelhas, Tracs.
Só então o homem de cabelos escuros compreendeu. Olhou para cima. Havia uma
lágrima vermelha bem no alto, entre as nuvens.
Potchyban olhou para o sul. Viu outra bomba atômica enviada pela nave-cogumelo.
Pelos seus cálculos a força explosiva do artefato devia corresponder pelo menos a um
megaton de TNT. Será que os desconhecidos pretendiam devastar todo o planeta?
A lágrima vermelha foi caminhando lentamente pelo céu até desaparecer entre as
nuvens bem ao norte. Um pressentimento vago fez Potchyban olhar para o sul. A bomba
seguinte se aproximava. O Tenente-Coronel percebeu que estava para perder o controle
dos nervos. Depois que o tinham visto, os colonos passaram a andar mais devagar e a
mostrar-se mais calmos. Até parecia que com sua presença o perigo fora eliminado.
Homens, mulheres e crianças aproximavam-se de todos os lados. Potchyban pediu-lhes
que se apressassem. Aos poucos a multidão em movimento foi diminuindo. A plataforma
ficou cheia. Pelos cálculos de Potchyban devia haver cerca de quatrocentos colonos em
cima dela.
Sal Almong chegou perto dele.
— Deveríamos partir, Tracs — disse. — Tem certeza de que nossa carruagem aérea
suporta toda essa gente?
— Tenho certeza absoluta, Sal. Mas gostaria de saber se ainda há colonos
escondidos na mata. Não podemos deixar ninguém.
— Faça o favor de olhar para cima, Tracs — pediu Almong.
Potchyban atendeu ao pedido.
Havia uma lágrima vermelha suspensa bem em cima deles. Não se mexia mais;
permanecia no mesmo lugar. Potchyban empalideceu.
— Receio que caia em cima de nós — disse Almong. — Seria uma pena se nossa
linda plataforma voadora fosse destruída, não acha?
Potchyban não apreciou a brincadeira. Mandou que o amigo subisse no veículo e
ficou de pé junto à direção. Uma mulher jovem com uma criança de peito nos braços foi a
última a vir correndo em sua direção. Potchyban esperou por ela e decolou. Olhava
constantemente para cima. A lágrima vermelha continuava ameaçadoramente suspensa
em cima de suas cabeças. Se caísse naquele momento, não teriam nenhuma chance.
Levariam alguns minutos para escapar ao perigo. Se dentro deste tempo houvesse uma
explosão, estaria tudo perdido.
As máquinas uivaram. Um campo de sustentação formou-se entre a plataforma e o
solo. Os colonos agarraram-se uns aos outros para ter um apoio. Potchyban acelerou
cuidadosamente, mas logo aumentou a velocidade até o máximo tolerável. Os colonos
ficaram agachados para proteger-se do deslocamento do ar.
O mestre de armamentos estava de pé junto à direção. Não se atrevia a olhar para
trás, pois receava ver um ou alguns colonos saindo das matas. Não podia esperar ou
voltar para recolher os retardatários.
Neste momento Sal Almong soltou um grito.
— Tracs! — Estava encolhido no chão, agarrando-se às pernas do gigante de
cabelos escuros. Olhava para trás. — Tracs — tenho a impressão de que ainda há dois
homens por lá.
Sal levantou ao perceber que o mestre de armamentos não reagia. Repetiu suas
palavras. Potchyban sacudiu a cabeça.
— Você está enganado, Sal. Não há mais ninguém lá embaixo.
Sal Almong examinou a paisagem com os olhos ardentes. Não tinha certeza se
realmente vira dois homens, mas não podia imaginar que pudesse enganar-se tanto,
Olhou para Potchyban. De repente compreendeu.
— Tracs — disse, mas ninguém o compreendeu. — Estou tão contente por não estar
no seu couro. Nos últimos dias desejei várias vezes ser um estabilizado mental como
você. Mas já compreendi que fui um idiota.
A plataforma sobrevoou em alta velocidade os recifes da costa leste. Potchyban
deixou para trás Rose bem ao norte, onde o estreito que separava os continentes não tinha
mais de cinquenta quilômetros de largura. Dali a pouco as montanhas da costa leste de
Oyster apareceram à frente deles. Os cumes mais altos estavam cobertos de neve. Sal
Almong não se lembrava de já ter viajado para o norte até encontrar neve. Contemplou a
costa fascinado. Só virou a cabeça quando houve um lampejo atrás dele. Prendeu a
respiração.
Um cogumelo atômico crescia sobre a região que acabavam de abandonar. Dali a
pouco foram alcançados por um trovão medonho. Sal Almong compreendeu que a bomba
devia ter explodido bem em cima de Roseata.
Depois de descarregar os colonos no norte de Oyster, Potchyban partiu
imediatamente para recolher os colonos de Red e os superiores que se encontravam lá.
Duas bombas atômicas tinham explodido no litoral norte, de onde se via o
cogumelo de Rose. Os colonos tinham entrado em pânico. Receavam que outras bombas
pudessem cair.
Tracs Potchyban e Sal Almong realizaram cinco voos para levar todos os homens,
mulheres e crianças para Yellow. Por enquanto não havia nenhuma lágrima vermelha
suspensa sobre este continente mais ao sul, que tinha muita semelhança com a Austrália
do planeta Terra e ficava mais ou menos na mesma latitude geográfica.
O funesto 19 de novembro de 3.441 estava chegando ao fim quando o mestre de
armamentos estava recolhendo os últimos colonos do sul de Oyster. Sua plataforma
separava o estreito que dividia Gray de Yellow quando Ana Atramo fez contato com ele.
Ainda se encontrava na base.
Sua figura apareceu na pequena tela de imagem que ficava sobre o painel de
comando do planador. Parecia assustada.
— Tracs — exclamou. — O ataque à base começou. Vi robôs. Atiram com armas
energéticas e vêm de todos os lados.
7

20 de novembro de 3.441.
A paisagem subtropical, que sofrera os efeitos da bomba dos superiores, era
parecida com um deserto de lava negra. O campo energético radiante que subia nela não
combinava com o quadro de destruição.
Potchyban e Sal Almong aproximaram-se da base vindos do mar. Viam
perfeitamente as tropas de robôs dos desconhecidos aproximando-se. As máquinas
chamavam a atenção pelas formas extremamente bizarras, que não pareciam ter sido
inspiradas na funcionalidade.
Os dois agarraram-se ao planador. Esperavam que os atacantes abrissem fogo contra
eles, mas alcançaram o campo defensivo sem incidentes e atravessaram-no. Almong deu
uma risada de alívio depois que tinham pousado junto a uma linha de montagem e
enquanto corriam para um edifício. Achava que estava em segurança.
Dali a pouco começou outro ataque. Quando chegaram à sala de rádio e
rastreamento, onde Ana Atramo estava à sua espera, uma sereia começou a uivar.
Potchyban correu para junto dos instrumentos.
Sacudiu a cabeça preocupado.
— Não conseguiremos aguentar-nos — disse.
— Os robôs estão se retirando — gritou Ana e apontou para a tela.
De fato, a multidão de seres estranhos afastava-se da base.
— Tentarão de novo com bombas — anunciou Potchyban. — Não quero enganá-
los. A base está praticamente perdida. Vocês me deixarão.
Ana e Almong sacudiram a cabeça. Estavam decididos a ficar com o mestre de
armamentos.
— Eu não vou — disse a moça.
— Também fico — afirmou Almong. — Não precisamos falar mais sobre isto.
Potchyban sorriu.
— Não vale a pena ficar — disse. — Não ajudarão ninguém com isso.
— Será que não podemos contar mesmo com ajuda de fora? — perguntou Ana. —
Você tentou pedir socorro?
Potchyban acenou com a cabeça.
— Naturalmente, Ana — respondeu. — Fiquei sentado todos os dias à frente dos
aparelhos. Foi inútil. A única coisa que captei foram pedidos de socorro. Tratem de ir
embora.
— Não — responderam Ana e Sal ao mesmo tempo.
Potchyban dirigiu-se a um armário. Tirou uma arma paralisante e apontou-a para os
dois. O engenheiro soltou um grito.
— Não, Tracs. Não faça isso — exclamou.
O mestre de armamentos acionou a arma e paralisou os amigos. Em seguida
chamou um robô e deu ordem para que carregasse Almong. Ele mesmo pôs Ana Atramo
nos braços e levou-a ao planador antigravitacional. Colocou-a no veículo e olhou para
cima. Havia sete lágrimas vermelhas suspensas bem alto acima da base, e outras se
aproximavam do oeste. O ataque concentrado era iminente. Potchyban deu ordem para
que o robô chamasse outros. Dentro de vinte segundos apareceram vinte máquinas
automáticas de vários setores. Eram os últimos exemplares que havia na base. Potchyban
mandou que subissem na plataforma e retirou-se depois de olhar mais uma vez para os
amigos inconscientes. O planador antigravitacional saiu voando em direção ao campo
defensivo, atravessou-o e correu em alta velocidade para o mar. Potchyban virou-se e
voltou ao edifício central. Sentou à frente dos aparelhos, na sala de rádio e rastreamento,
e ligou-os.
As telas acenderam-se. Os satélites de reconhecimento forneciam uma imagem clara
dos outros continentes. Grande parte de Rose fora destruída. A nave em forma de
cogumelo estava parada perto de um deserto contaminado por radiações atômicas, mas
parecia não ter sofrido nada com o bombardeio. Nem mesmo os efeitos indiretos das
explosões tinham causado qualquer dano. As antenas que subiam da cobertura do
cogumelo continuavam como tinham sido antes do início das hostilidades.
De repente a sala balançou. Os revestimentos dos aparelhos arrebentaram com um
estouro. Alguns tubos especiais explodiram. Os instrumentos indicaram uma sobrecarga
do campo defensivo que chegava a cento e trinta por cento.
Potchyban praguejou. Gostaria de ter pelo menos uma arma para atacar o cogumelo.
Voltou a digitar o programa dos materiais, enquanto o chão voltava a tremer e um ruído
ensurdecedor ameaçava estourar seus tímpanos.
De repente estacou. Fez voltar para trás a projeção na tela para certificar-se de que
não estava enganado. As colunas de algarismos recuaram. Não estava enganado. Havia
mesmo um jato espacial entre os materiais existentes nos depósitos da base. Era verdade
que estava bastante avariado.
Potchyban levantou e saiu correndo. Dali a pouco chegou ao pavilhão de montagem
onde estava guardado o jato. Havia grandes avarias no casco. Alguns equipamentos
estavam em condições de serem sucateados.
O oficial deu um pontapé no jato espacial. Virou-se, mas acabou parando,
pensativo, e entrou no veículo espacial. O pavilhão de montagem balançava. Uma parede
lateral desabou e uma luminosidade insuportável atingiu os olhos de Potchyban. O
Tenente-Coronel pôs a funcionar os rádios do jato. Examinou as instalações para ver o
que ainda estava funcionando. Ficou estupefato ao descobrir que o veículo espacial
estava em plenas condições de voo. Sorriu amargurado, levantou da poltrona e dirigiu-se
à saída.
Para onde poderia fugir? Nunca chegaria à Terra naquele jato.
— A única coisa que você poderia fazer é atirar o jato sobre o cogumelo —
murmurou, mas no início não levou a ideia a sério. Mas quando pôs o pé no chão, parou e
perguntou em voz alta:
— Por que não?
Talvez ainda houvesse um meio de deter a ação dos desconhecidos. Potchyban
voltou ao assento do piloto. Sobressaltou-se quando de repente ouviu uma voz clara e
compreensível saída do alto-falante. A voz parou tão depressa como tinha começado, mas
Potchyban compreendeu que havia gente cujos pensamentos estavam em ordem perto do
sistema de Ynakcho. Tentou imediatamente entrar na linha, mas não teve sorte.
Ouvira um fragmento de uma hipermensagem. A situação não chegava a ser tão
desesperadora como acreditara.
O Tenente-Coronel saltou do jato, correu para um armário, tirou um traje espacial e
apressou-se em colocá-lo. A base estava sofrendo um bombardeio atômico. De onde
estava dificilmente conseguiria estabelecer contato com a nave que transmitira a
mensagem. Precisava sair do planeta.
Voltou depressa ao assento do piloto. Mexeu nos comandos o mais rápido que pôde.
A cada segundo que passava ficava mais calmo. Enquanto o campo defensivo ameaçava
desmoronar sob a violência dos ataques, enquanto lágrimas vermelhas choviam sobre a
base e seres parecidos com tartarugas atiravam nela com canhões energéticos, Potchyban
ativou o jato espacial e o fez sair cuidadosamente do pavilhão.
Uma luz fortíssima penetrou pela eclusa aberta. Os aparelhos de imagem falharam.
Potchyban sentiu que estava sendo violentamente puxado para trás. Acelerou a toda. O
campo defensivo abriu-se. O jato espacial subiu que nem um projétil, enquanto o campo
energético entrava em colapso e uma lágrima vermelha explodia dentro da base.
Dali a instantes o Tenente-Coronel Potchyban tinha entrado em órbita em torno de
Hitchera Pearl.
— Aqui fala o Tenente-Coronel Potchyban — gritou para dentro do microfone
enquanto usava a potência máxima na transmissão. — Quero falar com a nave
desconhecida. Aqui fala Hitchera Pearl pertencente ao sistema de Ynakcho. Preciso de
ajuda com urgência. Responda, por favor.
— Aqui fala a Good Hope II — respondeu o radioperador. — Estamos ouvindo.
Identifique-se, por favor.
Potchyban sentiu um nó na garganta. Não conseguiu dizer uma palavra. Olhou
instintivamente para as telas, que mostravam uma imagem de Hitchera Pearl. Estava
sobrevoando Oyster. Uma gigantesca nuvem de fumaça cobria a base destruída. Subia às
camadas superiores da atmosfera. Potchyban não viu outros sinais de explosões atômicas.
Os combates pela posse do planeta tinham chegado ao fim.
O Tenente-Coronel recuperou o controle da voz e iniciou seu relato.
A imagem do radioperador desapareceu. Voltou dentro de alguns segundos.
— Convidamo-lo a subir a bordo, Tenente-Coronel — disse. — Eis os dados da rota
e as instruções para a manobra de encontro.
O radioperador sorriu.
— Pararemos e ficaremos à sua espera.
O jato espacial saiu da órbita em tomo do planeta e abandonou o sistema de
Ynakcho, depois que Potchyban tinha registrado os dados da rota e programado o piloto
automático.
***
— O senhor teve sorte — disse Perry Rhodan. — Estamos regressando do planeta
artificial Peregrino Beta. Trocamos algumas mensagens durante o voo.
O Administrador-Geral contemplou o homem alto que estava de pé à sua frente. O
Tenente-Coronel Tracs Potchyban tirara o traje espacial. Seu jato espacial atracara junto
ao costado da Good Hope II, depois de quatro horas de voo.
Perry Rhodan o esperara na sala de comando. Em sua companhia estavam o
arcônida Atlan e o Professor Geoffry Abel Waringer. Potchyban já os conhecia. Naquele
momento estava entrando Gucky. Caminhou para uma poltrona balançando o corpo e
sentou nela.
— Cara, oh cara, o mestre das armas está grogue — disse sem o menor respeito.
— Sente, Potchyban — pediu Rhodan. Esperou que o mestre de armamentos
atendesse ao convite e disse: — Dei ordem para que seu jato espacial seja destruído numa
explosão atômica. Não podemos recolhê-lo a bordo e não convém que seja encontrado e
examinado pelo inimigo.
Potchyban sorriu ligeiramente.
— É apenas um monte de destroços, senhor.
— Continue seu relato — pediu Rhodan sem tomar conhecimento da observação. O
Administrador-Geral levantou os olhos ao ver Fellmer Lloyd entrar e juntar-se a eles. —
O Tenente-Coronel Potchyban acaba de formular uma teoria segundo a qual Homo
superior só adquiriu suas características atuais por causa da modificação da constante
gravitacional galáctica em 852 megakalups — informou.
Atlan sacudiu a cabeça.
— Acho isso pouco provável — disse. — Seria muito rápido.
— Não acredito que a evolução que levou ao Homo superior possa ser considerada
tão rápida — respondeu Potchyban. — Não consigo entender que a estranha invasão só
tenha começado há um ano.
— Por enquanto não existe nenhuma prova de que tenha começado antes — objetou
Rhodan.
— Mas estou inclinado a acreditar que é bem mais antiga — insistiu Potchyban. —
Talvez já dure algumas décadas ou até séculos. É possível que os manipuladores ou
manips de que o senhor me falou tenham chegado à galáxia há muitas décadas. Não me
entra na cabeça que a constante gravitacional tenha sido modificada de um instante para
outro num espaço imenso como o de nossa galáxia. Estou convencido de que uma medida
desta só pode ter sido realizada num tempo muito longo.
O Tenente-Coronel olhou em volta. Viu que os outros o ouviam com atenção, mas
sentia que não pensavam como ele. Começou a sentir-se um pouco inseguro.
— Não seria possível que o Homo superior tenha amadurecido lentamente neste
tempo longo, para reagir relativamente depressa à modificação da constante
gravitacional, passando a ser quem ele é hoje? Uma coisa que me chamou a atenção,
senhor, é que entre os superiores não parece haver pessoas de idade. Deve haver um
motivo para isso, senhor.
Perry Rhodan sorriu. Acenou com a cabeça para Potchyban.
— Provavelmente dentro de pouco tempo teremos outras informações a este
respeito — disse. — A primeira coisa que o senhor vai fazer é descansar um pouco. Em
outra oportunidade voltaremos a discutir sua teoria.
— Gostaria de falar mais uma vez com o senhor sobre a luta com o cogumelo —
disse Potchyban.
— Ainda teremos muita coisa para conversar — respondeu o Administrador-Geral.
— O senhor fez algumas observações interessantes, que talvez nos ajudem muito. O que
mais queremos é que o senhor nos informe detalhadamente sobre a reação do Homo
superior à nova modificação da constante gravitacional.
— Senhor, resumindo posso dizer que o Homo superior...
— Durma bem, Tenente-Coronel. Mais tarde voltaremos a falar.
Tracs Potchyban levantou e deixou que o levassem para fora da sala de comando.
Só então percebeu o quanto estava exausto.

***
**
*
Enquanto os homens da Good Hope II
desenvolviam sua ação em Peregrino Beta, o Marechal-
de-Estado Reginald Bell e o Marechal Solar Julian
Tifflor dedicaram-se a uma tarefa não menos
importante. Prepararam uma conferência dos imunes.
Agora cerca de um ano depois de ter aparecido o
“Enxame”, a conferência deverá ser realizada num
mundo deserto muito antigo.
Leia a história no próximo volume da série Perry
Rhodan, com o título O Império Secreto.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

O Projeto Tradução Perry Rhodan está aberto a novos colaboradores.


Não perca a chance de conhecê-lo e/ou se associar:

http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?rl=cpp&cmm=66731
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?
cmm=66731&tid=52O1628621546184O28&start=1

You might also like