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41º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

GT11 Entre as Ruas e os Gabinetes:


institucionalização e contestação nos movimentos sociais

Velhos, novos ou novíssimos movimentos sociais?


As pautas e práticas dos coletivos

Olívia Cristina Perez


Bruno Mello Souza

Caxambú - MG
Outubro de 2017
VELHOS, NOVOS OU NOVÍSSIMOS MOVIMENTOS SOCIAIS?
1
AS PAUTAS E PRÁTICAS DOS COLETIVOS

2
Olívia Cristina Perez e Bruno Mello Souza

RESUMO: A presente pesquisa se insere na área de estudos sobre os movimentos sociais.


Um tipo de autodenominação de mobilizações sociais contemporâneas vem sendo bastante
utilizada nas universidades, artes e redes sociais digitais: os chamados coletivos. Para
compreender as particularidades dos coletivos, a investigação utilizou técnicas qualitativas e
quantitativas. Primeiramente foi feita uma pesquisa exploratória em que foram entrevistados
membros de vinte e um coletivos que atuam na cidade de Teresina, capital do estado do Piauí.
Posteriormente foram sistematizados dados a respeito de setecentos e vinte e cinco coletivos
que possuem páginas na rede social digital mais utilizada no Brasil: o facebook. Os resultados
apontaram como características dos coletivos a fluidez, a pontualidade nas ações e temáticas
vinculadas a clivagens sociais, além da forte presença nas artes. No entanto, constatou-se que
não existe um único tipo de coletivo, a pesquisa encontrou sete deles: coletivos universitários,
coletivos vinculados a partidos políticos e/ou movimentos estudantis, coletivos que atuam com
causas sociais, coletivos de artes, coletivos promotores de eventos e coletivos empresariais.
Tais coletivos combinam pautas e práticas conhecidas com temas e formas de comunicação
contemporâneas.

INTRODUÇÃO

Um tipo de mobilização social chamada de “coletivo” vem ganhando destaque nas


universidades e nas redes sociais digitais. Os coletivos debatem questões como o feminismo
e o racismo nas universidades por meio de rodas de conversa e nas redes sociais digitais,
compartilhando reflexões sobre o tema. O termo também é usado para nomear grupos que
promovem espetáculos artísticos.
Sabe-se que a nomenclatura não é nova, tampouco as organizações que se
autointitulam coletivos. No entanto, a utilização dessa autodenominação tem crescido, como

1
A pesquisa faz parte do projeto “Teorias da ação coletiva e novas formas de mobilização da sociedade civil”
do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Marcadores Sociais da Diferença (CNPq). O trabalho é desenvolvido
pelos professores junto aos alunos: Iara Cavalcanti. Maria Clara Paiva, Brenda Thereza Alencar Lobão Leite
Félix, Geovana Azevedo da Costa, Adriana Marina Cabello e Caroline Bandeira.
2
Professores de Ciência Política na Universidade Federal do Piauí (UFPI).
se fizesse referência a novas formas de mobilização, distantes das organizações burocráticas
e hierárquicas.
Embora seja uma nomenclatura bastante presente, são poucos os estudos que tratam
especificamente dos coletivos. Foram encontrados no portal de periódicos da CAPES3, em
2016, apenas sete artigos científicos brasileiros que tinham os coletivos como objetos de
pesquisa (MESQUITA, 2008; BORELLI e ABOBOREIRA, 2011; SIQUEIRA e LAGO,
2012; COSTA e PAULON, 2012; MAIA, 2013; FERREIRA, 2015; AMADOR e CASTRO,
2016), enquanto cinco deles são frutos de reflexões de pesquisadores de outros países — um
da Venezuela (SAPRIEZA, 2015), outro do Chile (MORA e RIOS, 2009), Índia (DESOUZA,
2012) e dois dos Estados Unidos (BORDT, 1990; VALK, 2002). Tais artigos se baseiam em
estudos de caso, não propondo uma sistematização sobre o que são os coletivos e o que os
diferencia de outras formas de mobilizações sociais. Os trabalhos que existem pontuam
algumas das suas características, tais como: pautas múltiplas, horizontalidade, fluidez e
presença nas mídias digitais (MAIA, 2013). Os estudos também apontam que os coletivos são
formas de mobilização social pequenas e não institucionalizadas – o que as distancia da
literatura sobre organizações não-governamentais e associações. Parecem mais próximos das
explicações sobre movimentos sociais (cf. BORELLI e ABOBOREIRA, 2011).
Os movimentos sociais são tipos de mobilização social bastante estudados pela
literatura. Em linhas gerais, duas correntes de análises contemporâneas se concentram na
explicação sobre as características e o surgimento dos movimentos sociais: a teoria dos novos
movimentos sociais (MELUCCI, 1989 e 2001; TOURAINE, 2003 e 2006) e a teoria do
confronto político (TARROW, 2009; McADAM, TARROW e TILLY, 2009; TILLY, 2010).
A partir do estudo dos movimentos sociais surgidos na Europa e Estados Unidos em
especial na década de 1960, os teóricos dos novos movimentos sociais explicaram que não se
tratavam mais de movimentos sociais clássicos. Estes últimos eram formados pela classe
trabalhadora e tinham como demanda direitos para os trabalhadores e a conquista do Estado.

3
O portal de periódicos da CAPES oferece acesso à textos completos de artigos, livros digitais, teses e
dissertações nacionais e internacionais, conforme consta na página virtual da instituição (www-periodicos-
capes-gov-br).
Por sua vez, os novos movimentos sociais expressavam demandas simbólicas (MELUCCI,
1989 e 2001; TOURAINE, 2003 e 2006).
Já a teoria do confronto político destaca o confronto como uma das principais
características dos movimentos sociais. Conforme Sidney Tarrow (2009), os movimentos
sociais são compreendidos como “desafios coletivos baseados em objetivos comuns e
solidariedade social numa interação sustentada com as elites, opositores e autoridades”
(TARROW, 2009, p. 21). Logo, o autor atribui uma posição conflituosa subjacente à própria
definição de opositores e autoridades.
Segundo tal corrente a mobilização social não pode ser compreendida de modo alheio às
especificidades dos contextos social e político. O sistema político muda e modifica o ambiente
em que os atores sociais atuam, influenciando o início, desenvolvimento e resultados da ação
coletiva. Assim, são fatores políticos que explicam porque a ação coletiva emerge em alguns
lugares e épocas e não em outros.
Sabe-se que ação coletiva não é estática e se reinventa, adicionando novos elementos
e retomando discussões passadas. Inclusive, para nomear recentes mobilizações tais como o
Occupy Wall Street ou as Manifestação de Junho de 2013 no Brasil, teóricos vêm utilizando o
termo novíssimos movimentos sociais (DAY, 2005; AUGUSTO, ROSA e RESENDE, 2016;
GOHN, 2008 e 2017). Os novíssimos movimentos sociais seriam manifestações apartidárias
e autônomas, características também atribuídas aos coletivos.
Diante da crescente adoção do termo coletivo e da aparente proximidade com os
novíssimos movimentos sociais, surgiram as seguintes questões: o que são os coletivos
contemporâneos? Os coletivos apresentam diferenças em suas pautas e práticas quando
comparados com os novos movimentos sociais? É possível pensá-los a partir das explicações
a respeito dos novíssimos movimentos sociais? Por que a crescente adoção dessa
autodenominação?
Considerando a importância da reflexão acerca dos movimentos sociais
contemporâneos, o objetivo do trabalho é apresentar os coletivos, particularmente suas
práticas e discursos à luz das teorias sobre movimentos sociais, sejam eles velhos, novos ou
novíssimos. Trata-se de uma análise acerca das pautas e formas de organização estabelecidas
pelos coletivos e o quanto as mesmas diferem ou se aproximam das características dos novos
e novíssimos movimentos sociais.

1 NOVOS E NOVÍSSIMOS MOVIMENTOS SOCIAIS

A reflexão sobre a ação coletiva, suas motivações e sujeitos acompanham o percurso


das Ciências Sociais. Não existe uma definição sobre movimentos sociais, mas várias
definições conforme a abordagem teórica, o autor e o período analisado.
O paradigma revolucionário tem como referência a obra de Marx (1818-1883) que
considera as classes sociais como verdadeiros sujeitos de transformação social. Para essa
vertente teórica, organizações da classe trabalhadora como sindicatos, partidos e associações
teriam a tarefa de conscientizar a classe trabalhadora com vistas à mudança social.
Contrapondo-se a associação entre ação coletiva e classes sociais, a teoria dos novos
movimentos sociais considera que a modernidade é caracterizada por lutas identitárias
(MELUCCI, 1989 e 2001; TOURAINE, 2003 e 2006). Pelo fato das motivações serem de
ordem simbólica e voltadas para a construção ou o reconhecimento de identidades coletivas
esses movimentos são chamados de novos movimentos sociais. Os novos movimentos sociais
teriam como características a fluidez (pois têm curta duração e são reversíveis), a
horizontalidade e o apartidarismo (MELUCCI, 1989). Touraine (2006) define os movimentos
sociais das sociedades pós-industriais como culturais, indicando o deslocamento dos conflitos
para a ordem simbólica. O autor chega a conceituar um outro tipo de movimento histórico
contemporâneo ligados à globalização
Melucci (1989) define analiticamente um movimento social como uma forma de ação
coletiva baseada no conflito (relação entre atores opostos, lutando pelos mesmos recursos aos
quais ambos dão um valor), solidariedade (a capacidade de os atores partilharem uma
identidade coletiva) e limites (pois rompem os limites do sistema em que ocorre a ação). Os
movimentos sociais teriam momentos de latência — em que as pessoas que participam dos
movimentos experimentam e reinventam novos modelos culturais. Essa fase seria distinta do
movimento da visibilidade — em que os movimentos demonstram por meio da mobilização
pública a possibilidade de modelos culturais alternativos. Esses dois momentos são
reciprocamente correlacionados, pois a latência alimenta e permite a visibilidade, enquanto a
visibilidade renova a solidariedade, facilitando a criação de novos grupos e o recrutamento de
novos militantes. (MELUCCI, 1989).
No Brasil, os movimentos sociais que se multiplicaram durante o período da ditadura
militar, em especial na década de 1970, também ficaram conhecidos como novos movimentos
sociais. Conforme um estudo que é referência no assunto (SADER, 1988) os movimentos
daquela época produziram um novo sujeito coletivo pautado em novos padrões de
sociabilidade, mais horizontais e cientes do que lhes é de direito. Diferentes dos movimentos
sociais anteriores à ditadura que lutavam por mais serviços, os novos movimentos sociais
almejavam a conquista de direitos, inclusive o direito a participar das decisões públicas.
Conquistado o direito à participação política com a redemocratização do Brasil (que
tem como marco a Constituição de 1988), ganharam destaque os movimentos sociais que
lutam pela ampliação e concretização de direitos para mulheres, negros e casais homo afetivos,
apenas para citar alguns exemplos.
Tais lutas são estimuladas e contribuem para o debate acadêmico. Tanto que os estudos
sobre desigualdades têm apontado que não é somente a questão de renda que diferencia
socialmente indivíduos e grupos. Clivagens sociais tais como gênero, orientação afetiva, raça-
cor, geração, religião, nacionalidade, deficiência e escolaridade estão relacionadas à violência,
dificuldade de acesso a direitos, bens e serviços (MOUTINHO, 2014). Essas clivagens são
chamadas de marcadores sociais da diferença.
Os marcadores sociais da diferença não podem ser analisados de forma isolada. Por
exemplo, assim como é verdadeiro o fato de que todas as mulheres estão, de algum modo,
sujeitas ao peso da discriminação de gênero, também é verdade que outros fatores relacionados
às suas identidades sociais, tais como classe, raça-cor, etnia, religião, origem e orientação
afetiva, são diferenças que impactam na forma como vários grupos de mulheres vivenciam a
discriminação (CRENSHAW, 2002). A associação de sistemas múltiplos de subordinação tem
sido abordada como uma interseccionalidades dos marcadores sociais.
Outra corrente influente nos estudos sobre movimentos sociais contemporâneas é a
teoria do confronto político (TARROW, 2009; McADAM, TARROW e TILLY, 2009;
TILLY, 2010). Conforme essa corrente, a compreensão dos movimentos sociais não deve ser
apartada do contexto social e político. As mudanças operadas nas estruturas de oportunidades
e restrições políticas condicionam a motivação elementar para o engajamento na ação coletiva
(McADAM, TARROW e TILLY, 2009). Ou seja, mudanças gerais nas condições políticas
possibilitam ambientes favoráveis para a ação coletiva na medida em que as pessoas tendem
a acreditar que a mobilização pode ser bem-sucedida (TARROW, 2009).
Afora o contexto político, Tilly (2010) aponta outras duas fontes de mudança e
variação nos movimentos sociais: as interações que ocorrem no curso dos movimentos sociais
(por exemplo, interações entre os manifestantes e a polícia) e a comunicação entre os
participantes de diversos movimentos (nesse processo os movimentos emprestam ideias,
pessoas, retórica e modelos de ação). Nota-se que o caráter relacional dos movimentos sociais
com outros atores e instituições é uma das tônicas da teoria do confronto político. A
interdependência entre as instituições sociais é reforçada por estudos brasileiros que destacam
a relação mútua entre Estado e sociedade civil (ABERS e VON BÜLOW, 2011; LAVALLE
e SWAKO, 2015).
Se a categoria movimentos sociais é central nessas correntes, estudiosos
contemporâneos (DAY, 2005; GOHN, 2008 e 2017; AUGUSTO, ROSA e RESENDE, 2016)
têm adotado o termo novíssimos movimentos sociais para se referirem a mobilizações sociais
com pautas anarquistas e/ou anticapitalistas ligados ao fenômeno da globalização.
Na literatura internacional, o termo newest social movements abrange movimentos
contemporâneos que ensejam transformações sociais, em geral anticapitalistas, como o
Occupy Wall Street (movimento de protesto contra a desigualdade econômica e social,
iniciado em 2011 na cidade de Nova York).
O canadense Richard Day (2005) argumenta que os movimentos criados após a década
de 1980 (movimentos de resistência indígena, organizações feministas e ativismos
antiglobalização) devem ser considerados novíssimos movimentos sociais, pois seguem a
lógica da afinidade e não da hegemonia.
Os movimentos hegemônicos estariam ligados às tradições liberal e marxista que
dominaram e ação política ao longo do século XX. Para esses movimentos a mudança seria
alcançada com a conquista das forças que exercem controle hegemônico - mas, ainda assim,
mantendo a natureza hegemônica de tal controle. A premissa central da hegemonia é a
suposição de que a mudança social efetiva só pode ser alcançada simultaneamente e em massa,
em todo um espaço nacional ou supranacional. Os objetivos hegemônicos seriam uma forma
de opressão intrinsecamente autoritários (DAY, 2005).
Os projetos dos novíssimos movimentos sociais seguiriam uma lógica de afinidade
na medida em que estão enraizados em autonomia e na descolonização, desenvolvendo, para
tanto, novas formas de auto-organização. Essas novas formas de auto-organização podem
funcionar em paralelo ou como alternativas às formas existentes de organização social, política
e econômica. A lógica da afinidade está presente no anarquismo libertário como recusa ao
Estado e as formas de relações hegemônicas, permitindo assim que cada grupo desenvolvesse
sociabilidades distintas sem obedecer a um único projeto em comum (DAY, 2005).
Na literatura brasileira a categoria novíssimos movimentos sociais ainda é pouco
utilizada. Em uma consulta ao termo novíssimos movimentos sociais no portal de periódicos
da Capes, apenas dezenove trabalhos foram encontrados em 2016. Tais trabalhos descrevem
manifestações como as que ocorreram em Brasil em junho de 2013. Estas manifestações
tiveram como estopim a reivindicação por parte do Movimento Passe Livre para que a tarifa
na cidade de São Paulo não sofresse aumento e, em última instância, fosse gratuita —
atendendo ao direito humano de ir e vir. O Movimento Passe Livre é identificado como um
novíssimo movimento, que é caracterizado pelos “princípios do apartidarismo,
horizontalidade, autonomia e constituição de frente de luta para pressionar por um objetivo
específico” (AUGUSTO, ROSA e RESENDE, 2016, p. 26). O trabalho de Augusto, Rosa e
Resende (2016) atribui as seguintes características aos novíssimos movimentos sociais, a
horizontalidade, a autonomia, o federalismo (vínculo com outras localidades), o apartidarismo
e o ciberativismo.
Uma autora importante nos estudos sobre movimentos sociais brasileiros — Maria da
Glória Gohn — também utiliza o termo novíssimos movimentos sociais (GOHN, 2008 e
2017). Para fins didáticos Gohn (2008, p. 440) distingue três tipos de movimentos sociais:
movimentos identitários (lutam por direitos sociais, econômicos, políticos e culturais),
movimentos de luta por melhores condições de vida e de trabalho (pleiteiam acesso e
condições para terra, moradia, alimentação, educação, saúde, transportes, lazer, emprego,
salário) e, por fim, o que a autora chama de novíssimos movimentos sociais: movimentos
globais, como o Fórum Social Mundial. Esses últimos atuam em redes sociopolíticas e
culturais, articulando movimentos sociais locais, regionais, nacionais ou transnacionais. Os
novíssimos movimentos sociais seriam a grande novidade do novo milênio (GOHN, 2008).
Em livro mais recente (2017) Gohn analisa três novíssimos movimentos sociais criados
a partir de 2010: o Movimento Passe Livre, o Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre.
Percebe-se aqui uma mudança na forma de considerar um movimento como novíssimo: na
obra de 2017 o termo é usado para distinguir a novidade dos novíssimos movimentos sociais
em relação aos clássicos (ligados à luta da classe trabalhadora e com organização
verticalizada) bem como dos novos movimentos sociais (que atuam com pautas identitárias
em rede e em Instituições de Participação).
A autora considera fundamental nos novíssimos movimentos sociais o uso de novas
tecnologias de informação, que serve para mobilização e sociabilidade. Os novíssimos
movimentos sociais seriam plurais, autônomas e horizontais, características distantes das
estruturas institucionalizadas.
Gohn (2017) analisa outra forma de mobilização social contemporânea: os coletivos.
Para a autora os coletivos não são movimentos sociais, embora possam se transformar ou se
autodenominar como movimentos sociais. Os movimentos sociais teriam: opositores,
identidade mais coesa, projeto de sociedade, liderança, base, assessoria e laços de
pertencimento, seriam, portanto, mais estruturados. Os coletivos considerariam os
movimentos sociais engessados, tradicionais e centralizadores (GOHN, 2017).
Complementando, conforme Maia (2013), o que distingue os coletivos dos outros
movimentos é o fato justamente de o coletivo não ter uma pauta permanente de ação, ele “pode
agregar múltiplas demandas, e, por meio de debates periódicos, são definidas quais as pautas
prioritárias, a partir da conjuntura política que é mantida em permanente análise.” (MAIA,
2013, p. 69).
A horizontalidade — entendida como ausência de liderança — seria outra
característica dos coletivos (MAIA, 2013). Ou seja, não haveria um líder que falasse em nome
dos outros, a liderança seria partilhada por todos. Os jovens se identificariam com os coletivos
por se distanciaram das formas que repudiam: partidárias, centralizadas, hierárquicas e
burocráticas (GOHN, 2017).
Tais organizações teriam forte presença nas redes sociais, fazendo com que a inovação
não seja apenas no campo interno, mas no modo como o coletivo se apresenta. Inclusive, é
principalmente no ambiente virtual em que são realizadas as discussões (MAIA, 2013; GOHN,
2017).
Os coletivos não teriam como projeto a continuidade, apenas o prazer momentâneo
atendendo aos apelos das redes sociais, seriam “[...] similares a instantes mobs. Eventos
combinados nas redes sociais para promover uma ação específica no tempo e no espaço,
impactar um coletivo e se dissolver” (GOHN, 2017, p. 27). Nesse mesmo sentido, conforme
Maia (2013) os coletivos realizam atividades espontâneas que podem ser interpretadas com
uma vantagem, na medida em que permite a construção e novos debates a cada reunião
(MAIA, 2013).
Em suma, os coletivos seriam fluidos (aparecem e desaparecem com facilidade e a
permanência neles seria circunstancial), fragmentados, sem liderança, diferenciados
internamente, autônomos, com pautas múltiplas e temporárias e forte presença na internet.
Quanto ao seu surgimento, Mesquita (2008) associa a emergência dos coletivos à
suposta crise da representação política. Conforme o autor, os jovens perderem o respaldo de
instituições como movimentos estudantis, sindicatos e partidos políticos que tinham antes da
década de 1980 para expressar suas demandas e incluir a juventude. Os coletivos preencheriam
esse espaço necessário para a vocalização dos anseios da juventude.
Há que se questionar a dimensão inaugurada pelos coletivos ou pelos novíssimos
movimentos sociais, incluindo a adoção de novas nomenclaturas sobre os fenômenos. Os
movimentos sociais não são homogêneos e, portanto, não é possível afirmar que as práticas de
hoje são substancialmente diferentes das do passado. Pelo contrário, orientações distintas
coexistem por vezes dentro do mesmo movimento. Conforme esse argumento os velhos, os
novos ou os novíssimos movimentos sociais sempre conviveram em um mesmo espaço
temporal. O que muda é a seleção feita pelo pesquisador e a forma de interpretá-los.
No entanto, essas não são críticas suficientes para que se abandone a discussão. A
nomenclatura que se atribui a um fenômeno está ligada ao poder que o mesmo terá em relação
a mudança ou manutenção do status-quo.
2 METODOLOGIA

A presente pesquisa tem como objeto de estudo os coletivos. Por se tratarem de


fenômenos pouco estudados, essa é uma pesquisa exploratória e descritiva. Para selecionar os
objetos de pesquisa, partiu-se da autodefinição das organizações como coletivos. Ou seja, a
definição do que são os coletivos não foi estabelecida por critérios a prioris, mas sim a partir
da auto definição de seus participantes.
A pesquisa contou com procedimentos metodológicos qualitativos e quantitativos.
Primeiramente optou-se por fazer uma investigação exploratória por meio de entrevistas
semiestruturadas com membros de todos os coletivos que atuam na cidade de Teresina —
capital do estado do Piauí. Para ampliar a compreensão do fenômeno foram também
investigados todos os coletivos que possuem páginas na rede social digital mais utilizada
atualmente no Brasil: o facebook.
Detalhadamente, foram realizadas vinte e uma entrevistas com todos os representantes
dos coletivos que atuam na cidade de Teresina. A seleção do local de atuação dos sujeitos
entrevistados foi feita com base no critério de conveniência. Definida a cidade, as entrevistas
começaram com os coletivos que atuavam dentro da universidade. Os outros coletivos foram
selecionados por meio de notícias de jornais, buscas na internet e por meio da técnica
conhecida como snowball sampling (Bola de Neve). Ou seja, os entrevistados foram
solicitados a indicar o nome de outros coletivos, gerando novas rodadas de entrevistas, até que
a indicação de coletivos fosse se repetindo. Conforme essa busca, foram encontrados vinte e
um coletivos.
As entrevistas com os membros desses vinte e um coletivos foram feitas no primeiro
semestre de 2017. O roteiro semiestruturado contava com questões sobre a definição de
coletivo, as características da organização, a criação dos coletivos e suas relações com a
universidade, outros grupos, partidos e Estado. Cada uma dessas linhas de investigação contou
com diversas questões para que fossem confirmadas e exploradas mais profundamente as
respostas. Uma preocupação central era a de não assumir a resposta dos coletivos e sim
explorá-la por meio de outras perguntas.
No entanto, a pesquisa qualitativa tinha limitações, principalmente pelo fato de se
restringir aos coletivos existentes e localizados na cidade de Teresina. Para alargar a
compreensão dos coletivos, optou-se por uma investigação também quantitativa. Com a
combinação de ambas as técnicas foi possível traçar características e tipologia dos coletivos.
Seguindo a observação empírica e estudo sobre o tema que apontava a forte presença
dos coletivos nas redes sociais digitais (MAIA, 2013; GOHN, 2017), optou-se pela análise
dos mesmos na rede social mais utilizada no Brasil: o facebook. Conforme dados divulgados
no site da empresa, em 2016 cento e dois milhões de brasileiros se conectavam ao facebook
todos os meses. Desse total, 93 milhões acessavam via dispositivos móveis (FACEBOOK,
2017).
O facebook possui três formas para alguém se registrar: perfis (de pessoas, utilizados
para expressão pessoal), grupos (reúnem perfis individuais com interesses comuns) e página.
Essas últimas, também chamadas de fanpages ou páginas de fãs, são direcionadas a
organizações com ou sem fins lucrativos que desejem interagir com os seus clientes e/ou
divulgar informações para uma grande quantidade de pessoas. Considerando tais
características, optou-se pela investigação das páginas dos coletivos.
É possível encontrar todas as páginas que contém um determinado descritor por meio
de uma ferramenta de busca do facebook. Na busca feita para a presente pesquisa,
primeiramente o descritor coletivo e coletiva4 foram digitados no espaço da busca. Depois
foram selecionadas as páginas publicadas em qualquer localização, hora de publicação e por
qualquer pessoa (não somente aquelas criadas por amigos). Assim foi possível encontrar todas
as páginas que tivessem o descritor coletivo/coletiva — tanto como nome central, quanto na
breve descrição sobre a página.
A primeira busca revelou mil e vinte e sete coletivos. Desse total foram excluídos
coletivos de ônibus (que possuem o termo, mas sem o significado de coletivos abordados na
pesquisa). Foram também excluídos os coletivos sediados em outros países. Por fim, não
entraram na pesquisa empresas e marcas que adotam o nome, mas sem a ideia de junção, tais
como: editoras, bandas, marcas de camiseta, bares e restaurantes. No entanto, foram mantidas
as empresas que adotavam o nome e que tinham o sentido de trabalho coletivo. Com tais

4
Optou-se também pela busca pelo termo coletiva pois as entrevistas revelaram que alguns coletivos feministas
por vezes adotam o nome, reafirmando assim a questão de gênero
exclusões o banco de dados foi formado por setecentos e vinte e cinco páginas de coletivos.
Foram investigadas as seguintes informações retiradas das páginas de todos os
coletivos cadastrados no facebook: nome, região, ano de criação, composição, objetivo, tema
principal, existência de interseccionalidades (se sim, com qual causa/grupo), principais
interlocutores, práticas mais comum, conteúdo das postagens mais recentes, (observadas a
partir das últimas cinco postagens), afirmação de que há horizontalidade, autonomia,
apartidarismo, ausência de burocracia/formalização, opinião sobre política parlamentar, se o
coletivo faz críticas e, em caso afirmativo, contra quem5. Optou-se pela análise de conteúdo
de cada página, permitindo assim que o pesquisador procurasse e interpretasse as informações
necessárias. A confecção do banco de dados ocorreu no mês de junho de 2017 por uma equipe
treinada para tanto.
A pesquisa feita via rede social digital apresenta vários aspectos positivos: o principal
deles é a facilidade de acesso a uma grande quantidade e variedade de dados. Essa etapa da
pesquisa revelou uma realidade não identificada anteriormente pela leitura de artigos e
incursões qualitativas. Por exemplo, a forma e adoção do termo coletivo estavam associadas
nos artigos sobre o tema (BORDT, 1990; MORA e RIOS, 2009; BORELLI e ABOBOREIRA,
2011; DESOUZA, 2012; SAPRIEZA, 2015) a organizações de estudantes que discutiam e
difundiam principalmente debates em torno do feminismo. No entanto, por meio da pesquisa
via rede social digital ficou evidente que a maior parte dos coletivos é formado por artistas
que não discutem clivagens sociais de forma declarada. Na pesquisa qualitativa apenas dois
coletivos dentre os vinte e um pesquisados eram formados por artistas.
Já se sabe a importância dos estudos dos meios de comunicação. Os meios de
comunicação não apenas repassam concepções presentes no imaginário social, mas também
constroem e reconstroem as mesmas. Nesse sentido os meios de comunicação não seriam
apenas reflexos da realidade, mas o lugar onde são formuladas novas ideias e imaginários.
A internet desponta como uma das principais formas de comunicação em massa
contemporânea. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,

5
Embora as informações pesquisadas sejam de livre acesso, ou seja, as páginas são abertas a todos que queiram
consultá-las, optou-se por não citar o nome dos coletivos. Foram suprimidos também trechos que os identifiquem.
2016) o uso da internet vem crescendo no Brasil: em 2014, mais da metade dos domicílios no
Brasil passaram a ter acesso à internet, saindo de 48,0%, em 2013, para 54,9%, naquele ano,
o equivalente a 36,8 milhões de domicílios. Em 2015, a expansão continuou ocorrendo e
alcançou 57,8% dos domicílios brasileiros. Os meios móveis (celulares e tabletes) permitem
também o acesso à internet fora de casa, potencializando assim o uso da rede pelos brasileiros.
Contudo, há limitações nas pesquisas feitas nas redes sociais digitais. Embora os dados
sobre a presença da internet cresçam anualmente, há que se considerar que quase metade dos
domicílios brasileiros (42%) não tem acesso à internet nos seus domicílios (IBGE, 2016).
Ademais, o uso da internet é desigual entre regiões, faixas etárias e classes sociais. As
regiões sudeste, sul e centro-oeste registram os maiores percentuais de utilização da internet
quando considerados todos os equipamentos (IBGE, 2016). Ainda conforme os dados do
IGGE (2016), os grupos mais jovens registraram os maiores percentuais de utilização da
internet e, quanto maior a classe de rendimento mensal domiciliar per capita, maior o
percentual de domicílios conectados.
Outra limitação refere-se ao fato de que os usuários das redes sociais digitais
expressam opiniões e revelam comportamentos que não condizem com o que de fato pensam
e fazem. Existe uma imagem virtual construída nas redes sociais.
Também não é possível inferir que uma característica de um coletivo não exista
somente pelo fato de que ela não foi expressa. Os dados não revelados na internet não estão
necessariamente ausentes.
Por fim, as informações disponibilizadas na internet são voláteis. Nem todos os grupos
e páginas criados no facebook são mantidos ao longo do tempo: grupos são desfeitos e
postagens são retiradas.
Ciente das possibilidades e limitações de ambas as técnicas, a presente pesquisa adotou
procedimentos quantitativos e qualitativos, atentando para o fato de que os sujeitos expressam
ideias selecionadas conforme critérios individuais e grupais.
3 RESULTADOS

Não há uma definição de coletivos que abarque a variedade de organizações que se


autointitulam dessa forma. Mas as entrevistas com os vinte e um coletivo da cidade de Teresina
permitiram captar definições, características e particularidades.
As entrevistas revelaram que os coletivos são formados pela reunião de pessoas que
compartilham um propósito comum. Tratam-se de demandas pontuais que unem indivíduos
formando um grupo. Conforme a entrevistada A:

Eu percebo que os coletivos surgem a partir de demandas bem


específicas [...] e a partir de pessoas que se conhecem e compartilham
de um mesmo sentimento, de uma mesma inquietação e que passam a
se reunir e promover atividades que chamem atenção.

Percebe-se nesse trecho a importância do reconhecimento e da solidariedade


estabelecido entre os integrantes dos coletivos. A solidariedade (entendida como identidade
coletiva partilhada e construída entre os atores) é uma das características dos novos
movimentos sociais, conforme Melucci (1989). Também para os teóricos do confronto
político, os movimentos sociais fazem reivindicações às autoridades enquanto afirmam suas
próprias identidades ou das populações que falam em nome (McADAM, TARROW e TILLY,
2009). Nos coletivos, indivíduos que compartilham vivências decidem se unir para chamar a
atenção e agir em torno de uma inquietação comum, reafirmando e construindo solidariedade
entre os sujeitos.
O que distinguiria os movimentos sociais de um coletivo seria o escopo da
reivindicação – mais pontual no caso dos coletivos do que em um movimento social. Essa
percepção foi expressa pelo entrevistado C: “O movimento social eu acho que é mais
abrangente [...] dos movimentos sociais que eu participei que eu participo, a comunidade é o
objetivo principal”. Logo, para o entrevistado o movimento social teria como finalidade o
fortalecimento da comunidade, tendo assim uma atuação mais ampla do que o coletivo.
Ademais, os movimentos sociais teriam uma existência mais longa do que um coletivo.
Foi perguntado também a diferença entre um coletivo e uma Organização Não-
Governamental (ONG). A maior parte dos entrevistados revelaram que a ONG seria
formalizada e obedeceria a procedimentos burocráticos, ou seja: “Uma ONG, ela requer um
viés muito mais burocrático, pelo fato dela receber recurso público, seja Estado, seja
município, ela tem na sua burocracia uma prestação de contas muito mais detalhada”
(entrevistado B). O coletivo por seu turno seria mais fluido: bastaria a reunião de pessoas em
prol de um tema comum, sem a necessidade de formalização ou o estabelecimento de
procedimentos. Quando comparado a outas organizações, o “Coletivo é mais simples, mais
viável, a maleabilidade é muito maior” (entrevistado B).
Em suma, conforme os entrevistados os coletivos seriam diferentes de outras
organizações por serem mais informais, pontuais e com relações mais fluidas. Para a
entrevistada A: “Coletivo é uma organização da sociedade civil que eu imagino que ela seja
muito mais espontânea do que outras organizações que já são mais burocratizadas.” A fluidez
(pequena duração e reversibilidade) também é uma característica dos novos movimentos
sociais que se proliferaram na década de 1960 e foram chamados de novos movimentos sociais
(MELUCCI, 1989).
Vale ressaltar que no universo das artes é onde se encontram mais coletivos. Entre os
grupos de teatro, música e dança a definição do que são os coletivos também carrega a ideia
de junção de pessoas com identidades e propósitos em comum. O termo coletivo distingue um
grupo de teatro não comercial daquele que tem um empresário e uma organização por trás. Os
coletivos seriam, portanto, menos formalizados do que grupos e companhias. O coletivo teria
a função de promover o estudo e a reflexão sobre a sociedade — entre seus membros e aqueles
que assistem seus espetáculos. Os fins éticos seriam outra característica que faria com que
uma companhia se definisse como coletivo, conforme o entrevistado C que dirige um grupo
de teatro:

O trabalho de grupo no teatro brasileiro é um trabalho bastante


reconhecido, e milhares de pessoas, centenas e milhares de pessoas
convivem e sobrevivem desses grupos. Alguns se denominam
companhias, outros se denominam apenas grupos e outros se
denominam coletivo, presume-se que coletivo dentro de uma visão
teatral seria um conjunto de pessoas que estejam voltadas a
desenvolver uma determinada pesquisa artística e que essas pessoas
tenham objetivos éticos, estéticos e conceituais parecidos, ou afins. As
pessoas que se reúnem em companhia têm projetos mais voltados para
o comercial [...] a visão de companhia é às vezes em muitos casos,
presume que existe um empresário, uma pessoa que seria o dono
daquele trabalho.

Tal definição evidencia a diferença entre um coletivo (fins estéticos e éticos) de uma
companhia (fins comercias). No entanto, não é suficiente para diferenciar um coletivo de um
grupo de teatro. Quando questionado sobre isso, o entrevistado C revelou o que parece ser
uma tendência na auto nomeação das organizações como coletivos: o fato de que o termo está
na moda e que remete a um tipo de organização mais autêntica — pois estaria distante das
burocracias e vícios das organizações tradicionais (sejam eles arenas parlamentares ou grupos
de teatro). Essa ideia de modernidade ajudaria a difusão e assunção do nome coletivo,
conforme pontuou o diretor de teatro entrevistado:

A questão hoje do grupo é que não difere muito do coletivo, tem só


uma pequena diferença. Os agrupamentos teatrais, os grupos teatrais,
muitas vezes eles explodem essa coisa do coletivo, eles acham que é
uma coisa muito moderninha, que é uma visão muito ligada à arte
contemporânea [...].

Conforme o mesmo entrevistado, o nome coletivo já está bastante em voga — o que


poderia passar a mensagem de que não se trata de uma experiência inovadora. Por isso o termo
pode perder espaço para nomenclaturas que aparecem como novidades ainda mais fluidas, ou
seja:

[...] existem umas vertentes da arte contemporânea que acham que


coletivo é uma coisa muito ultrapassada [...], eles acham que as
plataformas de posições, onde cada um diz uma proposta onde não
necessariamente seja parecida, ou que tenha os mesmos objetivos de
um grupo maior seja interessante, onde se lançam ideias (entrevistado
C).
As plataformas de posição exigiriam menos consenso — permitindo que indivíduos
pensassem e atuassem de formas distintas, e não coletiva. A valorização do caráter mais
individual e mais descompromissado seria uma tendência na ação coletiva.
O uso de novas nomenclaturas para nomear inciativas mais fluidas que o termo coletivo
apareceu em outras entrevistas. Um coletivo também de arte (entrevistado D) e outro que atua
com questões relacionadas ao acesso à cidade (entrevistado E) defenderam o termo inciativas
coletivas por remeter a um compromisso ainda menor do que aqueles estabelecidos em um
coletivo. A inciativa coletiva dependeria da disponibilidade e interesse dos indivíduos para
agirem em temas pontuais, não necessitando de vínculos ou compromissos mais duradouros.
Nesse sentido o coletivo carregaria uma obrigação que não se coadunaria com a pouca
disponibilidade dos sujeitos modernos.
A fluidez dos coletivos podem ser constatadas pelo período de criação dos mesmos. O
facebook permite o preenchimento do ano de criação das organizações nas suas páginas,
embora nem todas o façam. Entre os coletivos que preencheram a data de criação, a maior
parte deles foi criada entre os anos de 2012 a 2016 (65,5%) com pico em 2016 (16,7%).
Esse resultado parece corroborar a percepção de que os coletivos são fenômenos
recentes. No entanto, o acesso à internet também cresceu nos últimos anos. Desde 2004, o
acesso à rede nos domicílios brasileiros por meio de microcomputadores vem aumentando,
variando de 6,3%, em 2004, a 57,8%, em 2015 (IBGE, 2016). Logo, o acentuado número de
coletivos criados nos últimos cinco anos não está somente relacionado à adoção desse termo
e forma de organização, mas também ao crescimento do uso da internet — possibilitando
assim a criação de páginas.
Mas os dados do facebook coincidem com o ano de criação dos vinte e um coletivos
pesquisados por meio de entrevistas qualitativas. Conforme as entrevistas, a maior parte dos
coletivos foi criada entre os anos de 2011 e 2016, sendo que maioria deles (cinco) foi criado
em 2016. As entrevistas revelaram pistas importantes para compreender o contexto da criação
dos coletivos.
Conforme o entrevistado B, o coletivo surgiu na universidade pela ausência de atuação
prática em relação ao meio ambiente. Embora nesse caso a percepção do entrevistado esteja
relacionado com a falta de intervenção das universidades nas comunidades, as outras
entrevistas revelaram que a criação dos coletivos universitários está relacionada com a falta
de discussão de temas que estão em voga entre a militância contemporânea, tais como:
feminismo, racismo e orientação afetiva. É como se a universidade se esquivasse da discussão
e da atuação com questões fundamentais para a convivência em sociedade.
A percepção de que o problema é a falta de ação diante de questões urgentes também
aparece nas páginas virtuais dos coletivos. Conforme uma das páginas pesquisadas: “o ponta
pé inicial do coletivo tenha sido ter voz”, pois os seus criadores sentiam que existem injustiças
que deveriam ser debatidas e combatidas. A internet permite isso, por isso, toma-se um espaço
para dar vez a grupos que defendem menos preconceitos e mais reflexões sobre problemas
sociais.
A relação entre a criação dos coletivos e grandes eventos estudantis que marcaram os
últimos anos — especificamente as manifestações de junho de 2013 e as ocupações estudantis
ocorridas em 2016 — também apareceu em cinco entrevistas. Segundo parte dos entrevistados,
nesses espaços os estudantes entraram em contato com o conceito e a ideia de criação de
coletivos. Assim, o momento de visibilidade dos movimentos, conforme Melucci (1989),
facilitou a criação de novos grupos e o recrutamento de militantes para os movimentos sociais.
No entanto, o termo coletivo não é uma invenção dos anos 2000: dois coletivos ligados
a partidos políticos da cidade de Teresina foram criados nos anos 1960 e 1985. Nesses dois
casos os coletivos foram criados como extensões da luta partidária nas universidades.
A dissolução e aparição dos coletivos têm relação com sua a fluidez. Conforme foi
revelado nas entrevistas, os coletivos são criados a partir de outras organizações que se
desmembram ou se juntam. Um dos coletivos pesquisados na internet expressou essa fluidez
ao relatar a decisão de dissolução do coletivo. Segundo sua publicação, o coletivo encerraria
suas atividades, pois a criação do mesmo se deu pela necessidade de defesa das mulheres da
universidade no final de 2013. Finda a ação, o coletivo se dissolveu.
A novidade dos coletivos pode ser melhor compreendida quando se examinam as
temáticas trabalhadas por eles. Para se ter uma noção ampla das causas e grupos defendidos,
os temas dos coletivos que tem páginas no facebook estão sistematizados no gráfico 1:
Gráfico 1 — Tema principal dos coletivos com páginas no facebook

Arte, cultura e/ou comunicação 39,90%


Feminismo 19,00%
Meio ambiente / natureza / causa animal / Saúde 7,60%
LGBTT 5,90%
Racismo 5,60%
Movimentos estudantis e grupos ligados à partidos 4,40%
Acesso / uso da cidade/periferia 4,30%
Classe social / categoria profissional 2,70%
Juventude 1,90%
Anticapitalismo 1,20%
Anarquismo 1,10%
Outros 6,40%

Fonte: os autores com base em pesquisa realizada nas páginas do facebook em 2017.

Os dados sistematizados no gráfico 1 revelam que grande parte dos coletivos com
páginas no facebook atuam na área das artes (39,9%). Os coletivos que atuam na área das artes
não têm necessariamente os marcadores sociais da diferença como pauta, embora a arte toque
nessas questões e por vezes os coletivos de artes declarem atuar com clivagens sociais.
O segundo tema mais abordado pelos coletivos é o feminismo (19%). Esse resultado
contaria as expectativas formadas a partir da leitura de artigos sobre os coletivos, já que a
maior parte dos coletivos estudados eram feministas (BORDT, 1990; MORA e RIOS, 2009;
BORELLI e ABOBOREIRA, 2011; DESOUZA, 2012; SAPRIEZA, 2015). Esperava-se assim
que o padrão dos coletivos fosse de universitários que discutiam questões de gêneros e suas
interseccionalidades.
Coletivos que se mobilizam em torno de questões ambientais (também incluídos
coletivos que defendem a causa animal e saúde dos indivíduos) ou assuntos ligados aos grupos
LGBTTs, assim como no combate ao racismo, têm em torno de 4% a 8% páginas cada um. Já
entre os vinte e um coletivos pesquisados na cidade de Teresina, quatro estão ligados à
temática LGBTT, três são feministas e um atua contra o racismo.
Nota-se a presença de temas como gênero, orientação afetiva e raça-cor-etnia –
reunidas sob o conceito de marcadores sociais da diferença – que impactam na dificuldade de
acesso a serviços e direitos (MOUTINHO, 2014). As lutas pelo reconhecimento de identidades
já eram bandeiras dos movimentos sociais que se multiplicaram na década de 1960
(MELUCCI, 1989 e 2001; TOURAINE, 2003 e 2006). Logo, com uma nova roupagem, os
coletivos trazem discussões marcantes das sociedades contemporâneas apontadas pelos
teóricos dos novos movimentos sociais (cf. MELUCCI, [1982] 2001, TOURAINE, 2003 e
2006).
Contudo, temas dos movimentos sociais clássicos também estão presentes nas pautas
dos coletivos. Dentre todos os coletivos com páginas do facebook, 4,40% são movimentos
estudantis e grupos ligados a partidos políticos, 2,70% são vinculados a classes sociais e
categorias profissionais (incluindo sindicatos) e 1,20% se declaram anticapitalistas.
Resultados semelhantes foram encontrados nas entrevistas: um terço (sete) dos coletivos
entrevistados são movimentos estudantis ligados a partidos políticos (Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL), Partido Comunista Revolucionário (PCR), Partido Comunista do Brasil
(PCdoB) e Partido Comunista Brasileiro (PCB)). Esses dados reforçam a tese de muitos
coletivos não são novos, alguns são continuações de movimentos sociais antigos, embora com
outras nuances.
Decorrente dessa observação torna-se sem sentido afirmar que os coletivos são
autônomos em relação às instituições estatais, como sugere a literatura (MAIA, 2013; GOHN,
2017). Tampouco pode-se aproximá-los das explicações elaboradas por Day (2005) segundo
a qual os ideais anarquistas libertários estão presentes nos novíssimos movimentos sociais (o
anarquismo recusa partidos e a aproximação com o Estado).
Os setes coletivos ligados a partidos atrelam a luta da classe trabalhadora organizada
via partidos políticos (assim como ressaltava a teoria marxista acerca da ação coletiva) com a
demanda dos estudantes (que ganhou relevo na Europa na década de 1960). Eles também
absorvem discursos e características dos novos movimentos sociais, tais como a fluidez e a
horizontalidade (destacada por MELUCCI, 1989) ao mesmo tempo em que reinventam forma
de comunicação (via redes sociais digitais). Tais coletivos misturam o passado e o presente
adicionando pautas clássicas com discussões contemporâneas, ressaltando assim a
interseccionalidade dos marcadores sociais da diferença.
A interseccionalidade de clivagens sociais tais como gênero e raça vêm sendo apontada
pela literatura com fundamental para análise das dificuldades de reconhecimento e
concretização de direitos (CRENSHAW, 2002). Em consonância com esse debate, nas
entrevistas quase metade dos coletivos apontou para a importância da atuação do seu tema
principal aliado a outro marcador social da diferença (tal como feminismo e classe). No
mesmo sentido, dentre os coletivos pesquisados na internet, 37,3% destacaram a
interseccionalidade, na medida em que ou se declaram, ou suas postagens contém a defesa de
clivagens diferentes daqueles que são suas bandeiras principais.
Os coletivos que discutem feminismo são os que mais apresentam interseccionalidade
(56,5%). A interseccionalidade mais comum é com a temática racial (30%) seguida pela
questão LGBTT (14%) e classe social (8%). Tal resultado tem relação com os grupos que
formam os coletivos, pois a interseccionalidade está mais presente em coletivos universitários
— e a maior parte deles luta pelo feminismo (70%). Os estudantes universitários têm mais
chances de entrar em contato com o debate feito da academia sobre a interseccionalidade,
talvez por isso discutam mais a questão.
Após a análise das entrevistas e da pesquisa feita na rede social digital constatou-se
que os coletivos diferem principalmente conforme o grupo que o compõe e a forma de atuação.
Com base nesses dois critérios é possível distinguir sete tipos de coletivos. Essa tipologia está
atrelada a formas de atuação e particularidades.6 O quadro 1 sintetiza os sete tipos de coletivos
encontrados no facebook:

6
Vale ressaltar que o facebook demonstra informações expressas. Isso não significa que as mesmas sejam exatas
ou que determinadas características não existam. Por exemplo, 21,7% dos coletivos trabalham com clivagens
sociais tais como gênero e raça-cor-etnia, mas sem ligação com a universidade declarada. Ou seja, a ligação com
a universidade pode existir, no entanto, não é possível detectá-la por meio das postagens e descrição sobre os
coletivos.
Quadro 1 – Tipos de coletivos com páginas no facebook e suas características
Tipo Tema principal Formação Porcen Forma de atuação
tagem principal
1. Coletivos de artes Teatro, dança etc Artistas 30,6% Apresentação de
espetáculos
2. Coletivos universitários Feminismo Estudantes 23,5% Discussões nas
Racismo universitários universidades (em geral
LGBTT rodas de conversa)
3. Coletivos que discutem Feminismo Grupos identificados 21,7% Discussões na
marcadores sem ligação Racismo com marcadores comunidade e/ou no
com a universidade LGBTT sociais, mas não espaço virtual
universitários
4. Coletivos promotores Música Artistas empresários 9,9% Organização de eventos
de eventos p/ promover cultura
5. Coletivos vinculados a Direito p/ estudantes Grupos ligados a 5,7% Reuniões p/ discussão e
partidos e/ou movimentos Feminismo partidos e/ou organização de atos
estudantis Racismo movimentos
estudantis
6. Coletivos que atuam Defesa de grupos em Grupos que se 4,8% Atendimento a grupos
com causas sociais situação de identificam em torno que precisam de
vulnerabilidade social de causas sociais proteção social
7. Coletivos empresariais Publicidade e mídia Empresários 3,8% Venda de produtos
Fonte: os autores com base em pesquisa realizada nas páginas do facebook em 2017.

A ordem de apresentação dos tipos de coletivos no quadro 1 obedece ao critério de


proporção do mesmo dentro do universo geral. Nesse ponto chama a atenção o fato de que a
maior parte dos coletivos (30,6%) com páginas no facebook é composto por artistas.
Esses resultados diferem do que se esperava. Um estudo consultado (MAIA, 2013)
apontou que os coletivos eram formados por estudantes que atuavam de forma horizontal e
apartidária. Melucci (1989) em referências aos novos movimentos sociais também destacou a
horizontalidade e o apartidarismo. Mesmo autores que utilizam a expressão novíssimos
movimentos sociais (DAY, 2005; AUGUSTO, ROSA e RESENDE, 2016; GOHN, 2017)
atribuem aos mesmos características tais como apartidarismo, horizontalidade e autonomia.
Logo, esperava-se que os coletivos tivessem a ideia de horizontalidade (ausência de hierarquia
ou liderança) e autonomia frente a outras organizações (como partidos e Estado). No entanto
essas características estão presentes apenas nos coletivos universitários, que somam 23,5%
dos coletivos. E mesmo ente eles, apenas 3% dos coletivos declararam a ausência de
hierarquias ou lideranças.
Já o destaque das cores no quadro 1 permite visualizar dois grandes tipos de coletivos:
aqueles ligados a clivagens sociais tais como gênero, raça-cor-etnia e classe social e coletivos
que possuem alguma ligação com as artes. Os primeiros — destacados no quadro com a cor
cinza — atuam dentro das universidades e/ou na comunidade estimulando a reflexão, além de
atendimento a grupos marcados por tais clivagens. Já o segundo tipo — na cor branca — têm
alguma ligação com as artes (teatro, música, dança, pintura, grafite, editoração) promovendo
espetáculos, eventos ou comercializando produtos.
Detalhando melhor os tipos de coletivos, dentre aqueles que discutem clivagens
sociais, o tipo mais comum pode ser classificado como coletivo universitário – o segundo tipo
mais presente no facebook (23,5%), conforme o quadro 1. Os coletivos universitários possuem
as seguintes características: são formados por estudantes que utilizam o espaço universitário
para promover debates sobre questões atuais como feminismo, racimo e questões ligadas ao
universo LGBTT (utilizando os termos mobilizados pelos próprios administradores das
páginas). Em geral as discussões são interseccionais, pois consideram, além da temática
principal, clivagens como raça-cor-etnia e classe social.
A principal prática desses coletivos (73% deles) é a promoção de palestras, encontros,
cursos e rodas de conversa em que são discutidos textos e questões cotidianas vivenciadas pelo
grupo ou noticiadas pela mídia. Trata-se de um importante espaço de reafirmação de
identidade e divulgação de questões emergentes. Nota-se que os coletivos universitários
entrevistados chamam suas atividades de rodas de conversa. As rodas de conversas seriam
diferentes dos debates pelo seu caráter mais informal, sem conflitos e sem a necessidade de
regras que determinem quem tem a fala ou em quanto tempo deve ser feita a réplica. Os
coletivos inventam nomes para distanciar suas práticas daqueles regidas por normas, formais
e hierárquicas.
Embora não seja compartilhado entre todos os coletivos, 3% deles declararam a
ausência de hierarquias ou de lideranças em suas organizações, assim como o apartidarismo.
Essas características também aparecerem nas entrevistas. Mais da metade dos vinte e um
coletivos entrevistados destacaram o distanciamento dos partidos e a ausência de liderança nas
decisões. Um exemplo típico de coletivo universitário que destaca tais características é assim
descrito no facebook:

O Coletivo feminista [...] surgiu em 2012 através da iniciativa de


estudantes da Universidade Federal [...] que, percebendo a falta de
espaço e debate sobre a situação das mulheres na instituição e as tantas
situações sexistas a qual somos expostas diariamente, iniciaram um
grupo de conversa/debate para discutir a condição das mulheres na
universidade (e todas as questões que aqui se encaixam) sob a
perspectiva feminista. Nos organizamos de forma horizontal e auto
gestionada, ou seja, sem hierarquias e divisão de cargos, apenas
divisão de tarefas. Autônomo, o Coletivo não tem vínculo com outras
organizações partidárias, o que não exclui que pessoas organizadas em
outras esferas ajudem a construir o coletivo e, portanto, esteja presente
um diálogo aberto com quaisquer ideologias. Entendemos que a luta
feminista é interseccional e necessária para desnaturalizar, combater e
superar as relações sexistas existentes na sociedade. Por isso,
pautamos também discussões transversais de classe e raça.

Notam-se nesse trecho várias particularidades aqui apontadas como típicas de


coletivos universitários: o trabalho com feminismo, a importância da interseccionalidade, a
prática de promover debates e rodas de conversa. Os coletivos universitários seguem essa linha
em suas postagens, inclusive fazem mais críticas a políticos e a grupos que manifestam
práticas opressoras (machistas, racistas e homofóbicos, principalmente).
Tais coletivos são influenciados ao mesmo tempo em que influenciam os debates sobre
marcadores sociais da diferença nas universidades. Surgem em um contexto de proeminência
de discussões relacionadas ao preconceito – tanto em sala de aula quanto nas esferas
governamentais – o que gerou legislações e políticas públicas determinadas a corrigir erros
históricos e possibilitar um pouco mais de igualdade de oportunidades.7
Bem próximo a esse tipo de coletivo estão aqueles que discutem clivagens sociais

7
O Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288, foi promulgado em julho de 2010; o Estatuto das Pessoas com
Deficiência, Lei nº 13.146, em 2015; leis que visam o combate à violência contra a mulher, como a Lei Maria da
Penha (Lei nº 11.340) data de 2006 e a recente Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104 de 9 de março) de 2015. No
tocante aos direitos LGBTTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros), houve avanços proporcionados
pelo poder judiciário como, por exemplo, o reconhecimento pelo STF (Supremo Tribunal Federal) da
equiparação da união homossexual à heterossexual, em 2011.
(feminismo, racismo, direitos à população LGBTT) mas sem ligação declarada com a
universidade. Composto por pessoas que vivenciam clivagens sociais pelas quais se engajam,
têm em comum com os coletivos universitários os temas do ativismo. Nas suas páginas
realizam denúncias contra grupo opressores e expressam experiências vivenciada pelos seus
integrantes. Diferente dos coletivos universitários, o principal lócus de atuação deles é o
próprio ambiente virtual, embora possam promover encontros presenciais.
Ainda com afinidade com os coletivos universitários, os coletivos ligados a partidos
políticos e/ou movimentos estudantis constituem o quinto tipo de coletivo, conforme a
classificação exposta no quadro 1. Tais coletivos também são formados por jovens
universitários e atuam por direitos para os estudantes e/ou bandeiras partidárias. Além de parte
deles expressarem ligação com partidos, os coletivos ligados a partidos políticos e movimentos
estudantis utilizam suas páginas para criticar outros partidos e arenas parlamentares. Diferente
dos coletivos universitários, esses coletivos atuam mobilizando seus membros para
manifestações, ou seja, têm como prática a organização de protestos. Nem sempre eles
carregam o nome do partido ou da chapa do movimento estudantil com os quais têm ligação.
O termo coletivo também vem sendo adotado por organizações até então chamadas de
Organizações Não-Governamentais (ONGs) ou entidades assistenciais, posto que atuam na
defesa de direitos ou na prestação de serviços à população em situação de vulnerabilidade
social. Exemplo de uma ONG que já adota o termo coletivo é uma organização voltada à causa
animal que se auto define no facebook como: “[...] um grupo de voluntárias e voluntários
envolvido com o manejo e o controle populacional dos animais abandonados [...]. Visamos ao
bem-estar dos animais, por meio de iniciativas como doação e castração.”
Os aqui denominados coletivos que atuam com causas sociais têm em comum com as
Organizações Não-Governamentais o fato de não serem lucrativos, embora não sejam
formalmente instituídas como uma ONG. Aliás, quando adquirem existência formal deixam
de ser chamados de coletivo e passam a ser nomeados como associação ou ONG, conforme
revelou o entrevistado H. Nota-se que esses são a minoria dos coletivos que discutem
clivagens sociais (4,8%).
Um outro grande conjunto de coletivos é formado por artistas: atores de teatro,
dançarinos, músicos, grafiteiros, fotógrafos, produtores de fanzine etc. Eles usam o termo
coletivo no sentido de união de um grupo de profissionais. Fazem poucas críticas a políticos
e grupos opressores nas suas postagens, utilizando a rede social para promover suas
performances, eventos ou produtos.
Dentre esses, a maior parte é o que chamamos de coletivos de artes (30,6%), também
conhecidos como grupos, companhias teatrais ou trupes. Um desses grupos assim se define na
internet: “O Coletivo [...] é composto por atores e ativistas teatrais que buscam a arte como
veículo da transformação social. Nasceu em 2010 e está em seu quarto espetáculo [...].”
Percebe-se que é uma companhia de teatro — ainda que adote outro nome — mas com
uma ideia de junção de profissionais e algum vínculo com causas sociais (consideram que a
arte é uma forma de transformação social). Distanciam-se assim das companhias empresarias
— que fariam peças para auferir lucros — se colocando numa posição de engajamento.
Na página desses coletivos é recorrente a menção à prêmios e patrocínios
proporcionados por órgãos públicos, como a Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), órgão
responsável pelo desenvolvimento de políticas públicas de fomento às artes visuais, à música,
ao teatro, à dança e ao circo. Logo, merece uma investigação a relação entre uma política
pública voltada à cultura e a proliferação desses grupos. 8
Outro tipo de coletivo (o quarto conforme a classificação do quadro 1) é formado por
promotores de eventos que organizam festas, saraus, vernissages etc situando-se na fronteira
entre os coletivos de arte e o empresariado. O sentido de coletivo nessas organizações está
relacionado com o fato de que agregam artistas (músicos, dançarinos e atores) com vistas a
estimular a cultura local. Diferente dos coletivos de artes, não são formados por um grupo
homogêneo que realiza intervenções artísticas, mas reúnem profissionais de diversas
modalidades. Assim como o coletivo de artes, usam suas páginas somente para divulgação de
eventos.
Nas postagens dos aqui chamados coletivos promotores de eventos, por vezes, aparece
o caráter fluido e horizontal da organização – assim como nos coletivos universitários. Como

8
Uma pista dessa relação pode estar nos Pontos de Cultura. O Plano Nacional de Cultura — PNC (Lei
12.343/2010) estabelece em seu Plano de Metas o fomento de 15 mil Pontos de Cultura até 2020. O ponto de
cultura é definido pela página oficial do Ministério (http://www.cultura.gov.br/culturaviva/ponto-de-
cultura/apresentacao) como “entidade cultural ou coletivo cultural certificado pelo Ministério da Cultura” [grifo
nosso].
exemplificado no seguinte trecho retirado do facebook: “O método horizontal de trabalho
conta hoje com seis colaboradores fixos, e muitos outros ocasionais”. A ausência de uma
estrutura rígida e hierárquica seria uma das características dos coletivos que organizam
eventos.
O último tipo de coletivo, e com menos expressão (3,8%), é formado por empresários
que adotam o termo com um sentido de união de profissionais de áreas próximas. Ou seja, o
coletivo reuniria designers, publicitários e grafiteiros para criar e/ou comercializar produtos.
Tais coletivos pontuam a sustentabilidades e/ou preocupação com causas sociais nas suas
ações. Por exemplo, um dos coletivos empresarias se define na internet como “Um punhado
de gente criativa empreendendo e crescendo junto”. Logo existe uma ideia de união embutida
no termo e reforçá-la parece deixar a organização mais afinada com novas formações e
conceitos.
Os aqui chamados coletivos empresariais foram considerados nas análises pois
carregam o sentido de união e autonomeação – ambos critérios para o recorte da pesquisa.
Ademais, é importante atentar para a apropriação do mercado de um termo aparentemente
característico do mundo universitário e das artes, mas que pode agregar modernidade e
juventude para as marcas e negócios.
Há um padrão de postagens nas páginas dos coletivos no facebook: elas divulgam as
ações dos coletivos, têm poucas visualizações e muitos compartilhamentos de reportagens e
informações. Em geral os coletivos não postam sobre representantes parlamentares – nem para
fazerem críticas, tampouco elogios. Apenas 4,82% das páginas faziam críticas e denúncias
sobre parlamentares nas últimas cinco postagens, enquanto 86,35% usaram a internet para
divulgar informações sobre grupos e causas pelas quais os coletivos atuavam.

CONCLUSÕES

O termo “coletivos” vem ganhando espaço nas universidades e redes sociais digitais
para se referir à união de pessoas em torno de um objetivo comum. No entanto, não existem
trabalhos que sistematizem dados sobre eles. Para preencher essa lacuna foi feita uma pesquisa
no sentido de captar as particularidades dos coletivos à luz das teorias sobre os movimentos
sociais.
A pesquisa exploratória utilizou técnicas quantitativas e qualitativas. Foram
entrevistados membros dos vinte e um coletivos que atuam na cidade de Teresina, capital do
estado do Piauí. Posteriormente foi criado um banco de dados com informações sobre os
setecentos e vinte e cinco coletivos que possuem páginas na rede social digital facebook.
Com a análise dos dados constatou-se que não existe apenas um tipo de coletivo, mas
sim sete tipos: coletivos universitários, coletivos vinculados a partidos e/ou movimentos
estudantis, coletivos que atuam com causas sociais, coletivos de artes, coletivos promotores
de eventos e coletivos empresariais.
Em comum os coletivos carregam a ideia de união, bem como a vinculação com causas
sociais. Existe um sentido de novidade e modernidade embutido no termo: coletivo remete a
um novo tipo de organização distante das organizações formalizadas e burocratizadas. Seus
membros reinventam nomenclaturas para distanciar as práticas dos coletivos das organizações
hierárquicas e com excesso de regras. A fluidez (ausência de normas rígidas de funcionamento
ou da necessidade de continuação no tempo) é sua principal característica que, aliás, foi
apontada por Melucci ([1982] 2001) como uma das características dos novos movimentos
sociais surgidos na Europa a partir da década de 1960.
Não é possível afirmar que são horizontais e sem lideranças (MAIA, 2013; GOHN,
2017), tampouco que não possuem características de movimentos sociais tais como opositores,
identidade mais coesa, projeto de sociedade, liderança, base, assessoria e laços de
pertencimento (GOHN, 2017). Inclusive, movimentos sociais consolidados como o
movimento estudantil já vem se autodenominando como coletivo.
Existem entre os coletivos tanto aqueles que propõem formas alternativas de
sociabilidade pulverizadas, quanto aqueles que se encaixam dentro do padrão que Day (2005)
considera hegemônico – caraterístico dos movimentos sociais do século XX. Poucos coletivos
estão próximos do ideal anarquista de recusa ao Estado e partidos - característica dos
novíssimos movimentos sociais, conforme Day (2005).
Os coletivos carregam traços dos movimentos operários classistas, assim como
bandeiras típicos dos novos movimentos sociais, divulgadas e mobilizadas com o uso de
mídias digitais, típico dos novíssimos movimentos sociais. Os coletivos são como os novos
movimentos sociais definidos por Melucci (1989): heterogêneos, entrelaçando heranças do
passado e bandeiras contemporâneas. Na relação de uns com os outros, os movimentos sociais
emprestam ideias, pessoas, retórica e modelos de ação (TILLY, 2010).
Em suma, há tantas divergências entre os coletivos que não é possível reuni-los sob
um mesmo conjunto de características, ou seja, não é possível tratá-los como uma unidade. O
que é possível captar é a diversidade deles, bem como o distanciamento de uma forma de fazer
política considerada hierárquica e pouco participativa, ainda que possam reproduzir tais
lógicas. Adotar novos nomes é uma forma de mostrar que se trata de algo diferente, embora
quando observado com mais cuidado é possível notar muitas semelhanças com práticas e
formas de mobilizações conhecidas.
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