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Caxambú - MG
Outubro de 2017
VELHOS, NOVOS OU NOVÍSSIMOS MOVIMENTOS SOCIAIS?
1
AS PAUTAS E PRÁTICAS DOS COLETIVOS
2
Olívia Cristina Perez e Bruno Mello Souza
INTRODUÇÃO
1
A pesquisa faz parte do projeto “Teorias da ação coletiva e novas formas de mobilização da sociedade civil”
do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Marcadores Sociais da Diferença (CNPq). O trabalho é desenvolvido
pelos professores junto aos alunos: Iara Cavalcanti. Maria Clara Paiva, Brenda Thereza Alencar Lobão Leite
Félix, Geovana Azevedo da Costa, Adriana Marina Cabello e Caroline Bandeira.
2
Professores de Ciência Política na Universidade Federal do Piauí (UFPI).
se fizesse referência a novas formas de mobilização, distantes das organizações burocráticas
e hierárquicas.
Embora seja uma nomenclatura bastante presente, são poucos os estudos que tratam
especificamente dos coletivos. Foram encontrados no portal de periódicos da CAPES3, em
2016, apenas sete artigos científicos brasileiros que tinham os coletivos como objetos de
pesquisa (MESQUITA, 2008; BORELLI e ABOBOREIRA, 2011; SIQUEIRA e LAGO,
2012; COSTA e PAULON, 2012; MAIA, 2013; FERREIRA, 2015; AMADOR e CASTRO,
2016), enquanto cinco deles são frutos de reflexões de pesquisadores de outros países — um
da Venezuela (SAPRIEZA, 2015), outro do Chile (MORA e RIOS, 2009), Índia (DESOUZA,
2012) e dois dos Estados Unidos (BORDT, 1990; VALK, 2002). Tais artigos se baseiam em
estudos de caso, não propondo uma sistematização sobre o que são os coletivos e o que os
diferencia de outras formas de mobilizações sociais. Os trabalhos que existem pontuam
algumas das suas características, tais como: pautas múltiplas, horizontalidade, fluidez e
presença nas mídias digitais (MAIA, 2013). Os estudos também apontam que os coletivos são
formas de mobilização social pequenas e não institucionalizadas – o que as distancia da
literatura sobre organizações não-governamentais e associações. Parecem mais próximos das
explicações sobre movimentos sociais (cf. BORELLI e ABOBOREIRA, 2011).
Os movimentos sociais são tipos de mobilização social bastante estudados pela
literatura. Em linhas gerais, duas correntes de análises contemporâneas se concentram na
explicação sobre as características e o surgimento dos movimentos sociais: a teoria dos novos
movimentos sociais (MELUCCI, 1989 e 2001; TOURAINE, 2003 e 2006) e a teoria do
confronto político (TARROW, 2009; McADAM, TARROW e TILLY, 2009; TILLY, 2010).
A partir do estudo dos movimentos sociais surgidos na Europa e Estados Unidos em
especial na década de 1960, os teóricos dos novos movimentos sociais explicaram que não se
tratavam mais de movimentos sociais clássicos. Estes últimos eram formados pela classe
trabalhadora e tinham como demanda direitos para os trabalhadores e a conquista do Estado.
3
O portal de periódicos da CAPES oferece acesso à textos completos de artigos, livros digitais, teses e
dissertações nacionais e internacionais, conforme consta na página virtual da instituição (www-periodicos-
capes-gov-br).
Por sua vez, os novos movimentos sociais expressavam demandas simbólicas (MELUCCI,
1989 e 2001; TOURAINE, 2003 e 2006).
Já a teoria do confronto político destaca o confronto como uma das principais
características dos movimentos sociais. Conforme Sidney Tarrow (2009), os movimentos
sociais são compreendidos como “desafios coletivos baseados em objetivos comuns e
solidariedade social numa interação sustentada com as elites, opositores e autoridades”
(TARROW, 2009, p. 21). Logo, o autor atribui uma posição conflituosa subjacente à própria
definição de opositores e autoridades.
Segundo tal corrente a mobilização social não pode ser compreendida de modo alheio às
especificidades dos contextos social e político. O sistema político muda e modifica o ambiente
em que os atores sociais atuam, influenciando o início, desenvolvimento e resultados da ação
coletiva. Assim, são fatores políticos que explicam porque a ação coletiva emerge em alguns
lugares e épocas e não em outros.
Sabe-se que ação coletiva não é estática e se reinventa, adicionando novos elementos
e retomando discussões passadas. Inclusive, para nomear recentes mobilizações tais como o
Occupy Wall Street ou as Manifestação de Junho de 2013 no Brasil, teóricos vêm utilizando o
termo novíssimos movimentos sociais (DAY, 2005; AUGUSTO, ROSA e RESENDE, 2016;
GOHN, 2008 e 2017). Os novíssimos movimentos sociais seriam manifestações apartidárias
e autônomas, características também atribuídas aos coletivos.
Diante da crescente adoção do termo coletivo e da aparente proximidade com os
novíssimos movimentos sociais, surgiram as seguintes questões: o que são os coletivos
contemporâneos? Os coletivos apresentam diferenças em suas pautas e práticas quando
comparados com os novos movimentos sociais? É possível pensá-los a partir das explicações
a respeito dos novíssimos movimentos sociais? Por que a crescente adoção dessa
autodenominação?
Considerando a importância da reflexão acerca dos movimentos sociais
contemporâneos, o objetivo do trabalho é apresentar os coletivos, particularmente suas
práticas e discursos à luz das teorias sobre movimentos sociais, sejam eles velhos, novos ou
novíssimos. Trata-se de uma análise acerca das pautas e formas de organização estabelecidas
pelos coletivos e o quanto as mesmas diferem ou se aproximam das características dos novos
e novíssimos movimentos sociais.
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Optou-se também pela busca pelo termo coletiva pois as entrevistas revelaram que alguns coletivos feministas
por vezes adotam o nome, reafirmando assim a questão de gênero
exclusões o banco de dados foi formado por setecentos e vinte e cinco páginas de coletivos.
Foram investigadas as seguintes informações retiradas das páginas de todos os
coletivos cadastrados no facebook: nome, região, ano de criação, composição, objetivo, tema
principal, existência de interseccionalidades (se sim, com qual causa/grupo), principais
interlocutores, práticas mais comum, conteúdo das postagens mais recentes, (observadas a
partir das últimas cinco postagens), afirmação de que há horizontalidade, autonomia,
apartidarismo, ausência de burocracia/formalização, opinião sobre política parlamentar, se o
coletivo faz críticas e, em caso afirmativo, contra quem5. Optou-se pela análise de conteúdo
de cada página, permitindo assim que o pesquisador procurasse e interpretasse as informações
necessárias. A confecção do banco de dados ocorreu no mês de junho de 2017 por uma equipe
treinada para tanto.
A pesquisa feita via rede social digital apresenta vários aspectos positivos: o principal
deles é a facilidade de acesso a uma grande quantidade e variedade de dados. Essa etapa da
pesquisa revelou uma realidade não identificada anteriormente pela leitura de artigos e
incursões qualitativas. Por exemplo, a forma e adoção do termo coletivo estavam associadas
nos artigos sobre o tema (BORDT, 1990; MORA e RIOS, 2009; BORELLI e ABOBOREIRA,
2011; DESOUZA, 2012; SAPRIEZA, 2015) a organizações de estudantes que discutiam e
difundiam principalmente debates em torno do feminismo. No entanto, por meio da pesquisa
via rede social digital ficou evidente que a maior parte dos coletivos é formado por artistas
que não discutem clivagens sociais de forma declarada. Na pesquisa qualitativa apenas dois
coletivos dentre os vinte e um pesquisados eram formados por artistas.
Já se sabe a importância dos estudos dos meios de comunicação. Os meios de
comunicação não apenas repassam concepções presentes no imaginário social, mas também
constroem e reconstroem as mesmas. Nesse sentido os meios de comunicação não seriam
apenas reflexos da realidade, mas o lugar onde são formuladas novas ideias e imaginários.
A internet desponta como uma das principais formas de comunicação em massa
contemporânea. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,
5
Embora as informações pesquisadas sejam de livre acesso, ou seja, as páginas são abertas a todos que queiram
consultá-las, optou-se por não citar o nome dos coletivos. Foram suprimidos também trechos que os identifiquem.
2016) o uso da internet vem crescendo no Brasil: em 2014, mais da metade dos domicílios no
Brasil passaram a ter acesso à internet, saindo de 48,0%, em 2013, para 54,9%, naquele ano,
o equivalente a 36,8 milhões de domicílios. Em 2015, a expansão continuou ocorrendo e
alcançou 57,8% dos domicílios brasileiros. Os meios móveis (celulares e tabletes) permitem
também o acesso à internet fora de casa, potencializando assim o uso da rede pelos brasileiros.
Contudo, há limitações nas pesquisas feitas nas redes sociais digitais. Embora os dados
sobre a presença da internet cresçam anualmente, há que se considerar que quase metade dos
domicílios brasileiros (42%) não tem acesso à internet nos seus domicílios (IBGE, 2016).
Ademais, o uso da internet é desigual entre regiões, faixas etárias e classes sociais. As
regiões sudeste, sul e centro-oeste registram os maiores percentuais de utilização da internet
quando considerados todos os equipamentos (IBGE, 2016). Ainda conforme os dados do
IGGE (2016), os grupos mais jovens registraram os maiores percentuais de utilização da
internet e, quanto maior a classe de rendimento mensal domiciliar per capita, maior o
percentual de domicílios conectados.
Outra limitação refere-se ao fato de que os usuários das redes sociais digitais
expressam opiniões e revelam comportamentos que não condizem com o que de fato pensam
e fazem. Existe uma imagem virtual construída nas redes sociais.
Também não é possível inferir que uma característica de um coletivo não exista
somente pelo fato de que ela não foi expressa. Os dados não revelados na internet não estão
necessariamente ausentes.
Por fim, as informações disponibilizadas na internet são voláteis. Nem todos os grupos
e páginas criados no facebook são mantidos ao longo do tempo: grupos são desfeitos e
postagens são retiradas.
Ciente das possibilidades e limitações de ambas as técnicas, a presente pesquisa adotou
procedimentos quantitativos e qualitativos, atentando para o fato de que os sujeitos expressam
ideias selecionadas conforme critérios individuais e grupais.
3 RESULTADOS
Tal definição evidencia a diferença entre um coletivo (fins estéticos e éticos) de uma
companhia (fins comercias). No entanto, não é suficiente para diferenciar um coletivo de um
grupo de teatro. Quando questionado sobre isso, o entrevistado C revelou o que parece ser
uma tendência na auto nomeação das organizações como coletivos: o fato de que o termo está
na moda e que remete a um tipo de organização mais autêntica — pois estaria distante das
burocracias e vícios das organizações tradicionais (sejam eles arenas parlamentares ou grupos
de teatro). Essa ideia de modernidade ajudaria a difusão e assunção do nome coletivo,
conforme pontuou o diretor de teatro entrevistado:
Fonte: os autores com base em pesquisa realizada nas páginas do facebook em 2017.
Os dados sistematizados no gráfico 1 revelam que grande parte dos coletivos com
páginas no facebook atuam na área das artes (39,9%). Os coletivos que atuam na área das artes
não têm necessariamente os marcadores sociais da diferença como pauta, embora a arte toque
nessas questões e por vezes os coletivos de artes declarem atuar com clivagens sociais.
O segundo tema mais abordado pelos coletivos é o feminismo (19%). Esse resultado
contaria as expectativas formadas a partir da leitura de artigos sobre os coletivos, já que a
maior parte dos coletivos estudados eram feministas (BORDT, 1990; MORA e RIOS, 2009;
BORELLI e ABOBOREIRA, 2011; DESOUZA, 2012; SAPRIEZA, 2015). Esperava-se assim
que o padrão dos coletivos fosse de universitários que discutiam questões de gêneros e suas
interseccionalidades.
Coletivos que se mobilizam em torno de questões ambientais (também incluídos
coletivos que defendem a causa animal e saúde dos indivíduos) ou assuntos ligados aos grupos
LGBTTs, assim como no combate ao racismo, têm em torno de 4% a 8% páginas cada um. Já
entre os vinte e um coletivos pesquisados na cidade de Teresina, quatro estão ligados à
temática LGBTT, três são feministas e um atua contra o racismo.
Nota-se a presença de temas como gênero, orientação afetiva e raça-cor-etnia –
reunidas sob o conceito de marcadores sociais da diferença – que impactam na dificuldade de
acesso a serviços e direitos (MOUTINHO, 2014). As lutas pelo reconhecimento de identidades
já eram bandeiras dos movimentos sociais que se multiplicaram na década de 1960
(MELUCCI, 1989 e 2001; TOURAINE, 2003 e 2006). Logo, com uma nova roupagem, os
coletivos trazem discussões marcantes das sociedades contemporâneas apontadas pelos
teóricos dos novos movimentos sociais (cf. MELUCCI, [1982] 2001, TOURAINE, 2003 e
2006).
Contudo, temas dos movimentos sociais clássicos também estão presentes nas pautas
dos coletivos. Dentre todos os coletivos com páginas do facebook, 4,40% são movimentos
estudantis e grupos ligados a partidos políticos, 2,70% são vinculados a classes sociais e
categorias profissionais (incluindo sindicatos) e 1,20% se declaram anticapitalistas.
Resultados semelhantes foram encontrados nas entrevistas: um terço (sete) dos coletivos
entrevistados são movimentos estudantis ligados a partidos políticos (Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL), Partido Comunista Revolucionário (PCR), Partido Comunista do Brasil
(PCdoB) e Partido Comunista Brasileiro (PCB)). Esses dados reforçam a tese de muitos
coletivos não são novos, alguns são continuações de movimentos sociais antigos, embora com
outras nuances.
Decorrente dessa observação torna-se sem sentido afirmar que os coletivos são
autônomos em relação às instituições estatais, como sugere a literatura (MAIA, 2013; GOHN,
2017). Tampouco pode-se aproximá-los das explicações elaboradas por Day (2005) segundo
a qual os ideais anarquistas libertários estão presentes nos novíssimos movimentos sociais (o
anarquismo recusa partidos e a aproximação com o Estado).
Os setes coletivos ligados a partidos atrelam a luta da classe trabalhadora organizada
via partidos políticos (assim como ressaltava a teoria marxista acerca da ação coletiva) com a
demanda dos estudantes (que ganhou relevo na Europa na década de 1960). Eles também
absorvem discursos e características dos novos movimentos sociais, tais como a fluidez e a
horizontalidade (destacada por MELUCCI, 1989) ao mesmo tempo em que reinventam forma
de comunicação (via redes sociais digitais). Tais coletivos misturam o passado e o presente
adicionando pautas clássicas com discussões contemporâneas, ressaltando assim a
interseccionalidade dos marcadores sociais da diferença.
A interseccionalidade de clivagens sociais tais como gênero e raça vêm sendo apontada
pela literatura com fundamental para análise das dificuldades de reconhecimento e
concretização de direitos (CRENSHAW, 2002). Em consonância com esse debate, nas
entrevistas quase metade dos coletivos apontou para a importância da atuação do seu tema
principal aliado a outro marcador social da diferença (tal como feminismo e classe). No
mesmo sentido, dentre os coletivos pesquisados na internet, 37,3% destacaram a
interseccionalidade, na medida em que ou se declaram, ou suas postagens contém a defesa de
clivagens diferentes daqueles que são suas bandeiras principais.
Os coletivos que discutem feminismo são os que mais apresentam interseccionalidade
(56,5%). A interseccionalidade mais comum é com a temática racial (30%) seguida pela
questão LGBTT (14%) e classe social (8%). Tal resultado tem relação com os grupos que
formam os coletivos, pois a interseccionalidade está mais presente em coletivos universitários
— e a maior parte deles luta pelo feminismo (70%). Os estudantes universitários têm mais
chances de entrar em contato com o debate feito da academia sobre a interseccionalidade,
talvez por isso discutam mais a questão.
Após a análise das entrevistas e da pesquisa feita na rede social digital constatou-se
que os coletivos diferem principalmente conforme o grupo que o compõe e a forma de atuação.
Com base nesses dois critérios é possível distinguir sete tipos de coletivos. Essa tipologia está
atrelada a formas de atuação e particularidades.6 O quadro 1 sintetiza os sete tipos de coletivos
encontrados no facebook:
6
Vale ressaltar que o facebook demonstra informações expressas. Isso não significa que as mesmas sejam exatas
ou que determinadas características não existam. Por exemplo, 21,7% dos coletivos trabalham com clivagens
sociais tais como gênero e raça-cor-etnia, mas sem ligação com a universidade declarada. Ou seja, a ligação com
a universidade pode existir, no entanto, não é possível detectá-la por meio das postagens e descrição sobre os
coletivos.
Quadro 1 – Tipos de coletivos com páginas no facebook e suas características
Tipo Tema principal Formação Porcen Forma de atuação
tagem principal
1. Coletivos de artes Teatro, dança etc Artistas 30,6% Apresentação de
espetáculos
2. Coletivos universitários Feminismo Estudantes 23,5% Discussões nas
Racismo universitários universidades (em geral
LGBTT rodas de conversa)
3. Coletivos que discutem Feminismo Grupos identificados 21,7% Discussões na
marcadores sem ligação Racismo com marcadores comunidade e/ou no
com a universidade LGBTT sociais, mas não espaço virtual
universitários
4. Coletivos promotores Música Artistas empresários 9,9% Organização de eventos
de eventos p/ promover cultura
5. Coletivos vinculados a Direito p/ estudantes Grupos ligados a 5,7% Reuniões p/ discussão e
partidos e/ou movimentos Feminismo partidos e/ou organização de atos
estudantis Racismo movimentos
estudantis
6. Coletivos que atuam Defesa de grupos em Grupos que se 4,8% Atendimento a grupos
com causas sociais situação de identificam em torno que precisam de
vulnerabilidade social de causas sociais proteção social
7. Coletivos empresariais Publicidade e mídia Empresários 3,8% Venda de produtos
Fonte: os autores com base em pesquisa realizada nas páginas do facebook em 2017.
7
O Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288, foi promulgado em julho de 2010; o Estatuto das Pessoas com
Deficiência, Lei nº 13.146, em 2015; leis que visam o combate à violência contra a mulher, como a Lei Maria da
Penha (Lei nº 11.340) data de 2006 e a recente Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104 de 9 de março) de 2015. No
tocante aos direitos LGBTTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros), houve avanços proporcionados
pelo poder judiciário como, por exemplo, o reconhecimento pelo STF (Supremo Tribunal Federal) da
equiparação da união homossexual à heterossexual, em 2011.
(feminismo, racismo, direitos à população LGBTT) mas sem ligação declarada com a
universidade. Composto por pessoas que vivenciam clivagens sociais pelas quais se engajam,
têm em comum com os coletivos universitários os temas do ativismo. Nas suas páginas
realizam denúncias contra grupo opressores e expressam experiências vivenciada pelos seus
integrantes. Diferente dos coletivos universitários, o principal lócus de atuação deles é o
próprio ambiente virtual, embora possam promover encontros presenciais.
Ainda com afinidade com os coletivos universitários, os coletivos ligados a partidos
políticos e/ou movimentos estudantis constituem o quinto tipo de coletivo, conforme a
classificação exposta no quadro 1. Tais coletivos também são formados por jovens
universitários e atuam por direitos para os estudantes e/ou bandeiras partidárias. Além de parte
deles expressarem ligação com partidos, os coletivos ligados a partidos políticos e movimentos
estudantis utilizam suas páginas para criticar outros partidos e arenas parlamentares. Diferente
dos coletivos universitários, esses coletivos atuam mobilizando seus membros para
manifestações, ou seja, têm como prática a organização de protestos. Nem sempre eles
carregam o nome do partido ou da chapa do movimento estudantil com os quais têm ligação.
O termo coletivo também vem sendo adotado por organizações até então chamadas de
Organizações Não-Governamentais (ONGs) ou entidades assistenciais, posto que atuam na
defesa de direitos ou na prestação de serviços à população em situação de vulnerabilidade
social. Exemplo de uma ONG que já adota o termo coletivo é uma organização voltada à causa
animal que se auto define no facebook como: “[...] um grupo de voluntárias e voluntários
envolvido com o manejo e o controle populacional dos animais abandonados [...]. Visamos ao
bem-estar dos animais, por meio de iniciativas como doação e castração.”
Os aqui denominados coletivos que atuam com causas sociais têm em comum com as
Organizações Não-Governamentais o fato de não serem lucrativos, embora não sejam
formalmente instituídas como uma ONG. Aliás, quando adquirem existência formal deixam
de ser chamados de coletivo e passam a ser nomeados como associação ou ONG, conforme
revelou o entrevistado H. Nota-se que esses são a minoria dos coletivos que discutem
clivagens sociais (4,8%).
Um outro grande conjunto de coletivos é formado por artistas: atores de teatro,
dançarinos, músicos, grafiteiros, fotógrafos, produtores de fanzine etc. Eles usam o termo
coletivo no sentido de união de um grupo de profissionais. Fazem poucas críticas a políticos
e grupos opressores nas suas postagens, utilizando a rede social para promover suas
performances, eventos ou produtos.
Dentre esses, a maior parte é o que chamamos de coletivos de artes (30,6%), também
conhecidos como grupos, companhias teatrais ou trupes. Um desses grupos assim se define na
internet: “O Coletivo [...] é composto por atores e ativistas teatrais que buscam a arte como
veículo da transformação social. Nasceu em 2010 e está em seu quarto espetáculo [...].”
Percebe-se que é uma companhia de teatro — ainda que adote outro nome — mas com
uma ideia de junção de profissionais e algum vínculo com causas sociais (consideram que a
arte é uma forma de transformação social). Distanciam-se assim das companhias empresarias
— que fariam peças para auferir lucros — se colocando numa posição de engajamento.
Na página desses coletivos é recorrente a menção à prêmios e patrocínios
proporcionados por órgãos públicos, como a Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), órgão
responsável pelo desenvolvimento de políticas públicas de fomento às artes visuais, à música,
ao teatro, à dança e ao circo. Logo, merece uma investigação a relação entre uma política
pública voltada à cultura e a proliferação desses grupos. 8
Outro tipo de coletivo (o quarto conforme a classificação do quadro 1) é formado por
promotores de eventos que organizam festas, saraus, vernissages etc situando-se na fronteira
entre os coletivos de arte e o empresariado. O sentido de coletivo nessas organizações está
relacionado com o fato de que agregam artistas (músicos, dançarinos e atores) com vistas a
estimular a cultura local. Diferente dos coletivos de artes, não são formados por um grupo
homogêneo que realiza intervenções artísticas, mas reúnem profissionais de diversas
modalidades. Assim como o coletivo de artes, usam suas páginas somente para divulgação de
eventos.
Nas postagens dos aqui chamados coletivos promotores de eventos, por vezes, aparece
o caráter fluido e horizontal da organização – assim como nos coletivos universitários. Como
8
Uma pista dessa relação pode estar nos Pontos de Cultura. O Plano Nacional de Cultura — PNC (Lei
12.343/2010) estabelece em seu Plano de Metas o fomento de 15 mil Pontos de Cultura até 2020. O ponto de
cultura é definido pela página oficial do Ministério (http://www.cultura.gov.br/culturaviva/ponto-de-
cultura/apresentacao) como “entidade cultural ou coletivo cultural certificado pelo Ministério da Cultura” [grifo
nosso].
exemplificado no seguinte trecho retirado do facebook: “O método horizontal de trabalho
conta hoje com seis colaboradores fixos, e muitos outros ocasionais”. A ausência de uma
estrutura rígida e hierárquica seria uma das características dos coletivos que organizam
eventos.
O último tipo de coletivo, e com menos expressão (3,8%), é formado por empresários
que adotam o termo com um sentido de união de profissionais de áreas próximas. Ou seja, o
coletivo reuniria designers, publicitários e grafiteiros para criar e/ou comercializar produtos.
Tais coletivos pontuam a sustentabilidades e/ou preocupação com causas sociais nas suas
ações. Por exemplo, um dos coletivos empresarias se define na internet como “Um punhado
de gente criativa empreendendo e crescendo junto”. Logo existe uma ideia de união embutida
no termo e reforçá-la parece deixar a organização mais afinada com novas formações e
conceitos.
Os aqui chamados coletivos empresariais foram considerados nas análises pois
carregam o sentido de união e autonomeação – ambos critérios para o recorte da pesquisa.
Ademais, é importante atentar para a apropriação do mercado de um termo aparentemente
característico do mundo universitário e das artes, mas que pode agregar modernidade e
juventude para as marcas e negócios.
Há um padrão de postagens nas páginas dos coletivos no facebook: elas divulgam as
ações dos coletivos, têm poucas visualizações e muitos compartilhamentos de reportagens e
informações. Em geral os coletivos não postam sobre representantes parlamentares – nem para
fazerem críticas, tampouco elogios. Apenas 4,82% das páginas faziam críticas e denúncias
sobre parlamentares nas últimas cinco postagens, enquanto 86,35% usaram a internet para
divulgar informações sobre grupos e causas pelas quais os coletivos atuavam.
CONCLUSÕES
O termo “coletivos” vem ganhando espaço nas universidades e redes sociais digitais
para se referir à união de pessoas em torno de um objetivo comum. No entanto, não existem
trabalhos que sistematizem dados sobre eles. Para preencher essa lacuna foi feita uma pesquisa
no sentido de captar as particularidades dos coletivos à luz das teorias sobre os movimentos
sociais.
A pesquisa exploratória utilizou técnicas quantitativas e qualitativas. Foram
entrevistados membros dos vinte e um coletivos que atuam na cidade de Teresina, capital do
estado do Piauí. Posteriormente foi criado um banco de dados com informações sobre os
setecentos e vinte e cinco coletivos que possuem páginas na rede social digital facebook.
Com a análise dos dados constatou-se que não existe apenas um tipo de coletivo, mas
sim sete tipos: coletivos universitários, coletivos vinculados a partidos e/ou movimentos
estudantis, coletivos que atuam com causas sociais, coletivos de artes, coletivos promotores
de eventos e coletivos empresariais.
Em comum os coletivos carregam a ideia de união, bem como a vinculação com causas
sociais. Existe um sentido de novidade e modernidade embutido no termo: coletivo remete a
um novo tipo de organização distante das organizações formalizadas e burocratizadas. Seus
membros reinventam nomenclaturas para distanciar as práticas dos coletivos das organizações
hierárquicas e com excesso de regras. A fluidez (ausência de normas rígidas de funcionamento
ou da necessidade de continuação no tempo) é sua principal característica que, aliás, foi
apontada por Melucci ([1982] 2001) como uma das características dos novos movimentos
sociais surgidos na Europa a partir da década de 1960.
Não é possível afirmar que são horizontais e sem lideranças (MAIA, 2013; GOHN,
2017), tampouco que não possuem características de movimentos sociais tais como opositores,
identidade mais coesa, projeto de sociedade, liderança, base, assessoria e laços de
pertencimento (GOHN, 2017). Inclusive, movimentos sociais consolidados como o
movimento estudantil já vem se autodenominando como coletivo.
Existem entre os coletivos tanto aqueles que propõem formas alternativas de
sociabilidade pulverizadas, quanto aqueles que se encaixam dentro do padrão que Day (2005)
considera hegemônico – caraterístico dos movimentos sociais do século XX. Poucos coletivos
estão próximos do ideal anarquista de recusa ao Estado e partidos - característica dos
novíssimos movimentos sociais, conforme Day (2005).
Os coletivos carregam traços dos movimentos operários classistas, assim como
bandeiras típicos dos novos movimentos sociais, divulgadas e mobilizadas com o uso de
mídias digitais, típico dos novíssimos movimentos sociais. Os coletivos são como os novos
movimentos sociais definidos por Melucci (1989): heterogêneos, entrelaçando heranças do
passado e bandeiras contemporâneas. Na relação de uns com os outros, os movimentos sociais
emprestam ideias, pessoas, retórica e modelos de ação (TILLY, 2010).
Em suma, há tantas divergências entre os coletivos que não é possível reuni-los sob
um mesmo conjunto de características, ou seja, não é possível tratá-los como uma unidade. O
que é possível captar é a diversidade deles, bem como o distanciamento de uma forma de fazer
política considerada hierárquica e pouco participativa, ainda que possam reproduzir tais
lógicas. Adotar novos nomes é uma forma de mostrar que se trata de algo diferente, embora
quando observado com mais cuidado é possível notar muitas semelhanças com práticas e
formas de mobilizações conhecidas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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COSTA, D.; PAULON, S. Participação social e protagonismo em saúde mental: a insurgência
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CRENSHAW, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação
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