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Reflexões sobre a falência educacional e a

patologização na educação

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Cesar Ribeiro | 0 comentários
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(Parte 1 de 2)

RIBEIRO, Cesar Augusto Costa1.

RESUMO – O texto traz reflexões sobre a falência educacional e a patologização na educação


decorrentes da ausência de autorresponsabilização pelos agentes envolvidos no processo de
aprendizagem, os quais transferem, covardemente, as suas responsabilidades às crianças
(alunos). Estas, então, suportam sozinhas o peso de um sistema roto que lhes mina a
autoestima e lhes impede o desenvolvimento cognitivo, isso quando não são medicadas por
profissionais da saúde a ingerirem medicamentos antidepressivos e com efeitos psicoativos,
cujas consequências ao longo do tempo ainda são desconhecidas.

Palavras-chave: Falência educacional. Patologização na educação. Autorresponsabilização.

ABSTRACT – The text reflects about educational failure and the pathologization in education
arising from lack of accountability own by the agents involved in the learning process, which
transfer, cowardly, their responsibilities to the children (students). These, then, support alone
the weight of a broken system that undermines their self-esteem and prevents cognitive
development them, this when they are not medicated for health professionals to ingest
antidepressants and with psychoactive effects, which consequences over time are still
unknown.

Key-words: Educational failure. Pathologization in education. Accountability own.

O presente trabalho tem por objetivo a apresentação de reflexões sobre o processo de falência
educacional e a patologização na educação, bem como sobre as suas consequências para a
família, a instituição escolar e a criança/aluno.

Em vista disso, dividi em tópicos os assuntos objetos de reflexões pessoais, sendo eles: a
falência do sistema educacional e suas razões; a patologização na educação; as
consequências desta patologização para os envolvidos no processo educacional; e a
conclusão.

Antes de adentrarmos no tema da patologização na educação e suas consequências para os


envolvidos no processo educacional, vale refletir um pouco sobre a falência do sistema
educacional, bem como sobre as possíveis razões e intencionalidades.

1 Advogado. Especialista em direito dos contratos pelo Centro de Extensão Universitária


(CEU). Pós-graduado em direito empresarial pela Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão
de São José do Rio Preto/SP. Graduando em Psicologia pela União das Faculdades dos
Grandes Lagos (UNILAGO).

Com efeito, de plano nos surge a seguinte indagação: será que existe uma intencionalidade na
falência do sistema educacional?

Na hipótese de acreditarmos na existência de uma intencionalidade na falência educacional


precisamos analisar alguns aspectos importantes, sendo eles: de quem seria essa
intencionalidade e qual a motivação. Mas, para tanto, precisamos divagar um pouco na história,
principalmente a partir do período medieval (séculos V a XV d.C.), para compreendermos o
estágio atual do pensamento.

Durante o período medieval, portanto, é fácil vislumbrarmos a existência de uma


intencionalidade da Igreja em alimentar e manter a ignorância dos fiéis e do povo em geral com
a finalidade da manutenção do poder, da submissão e do controle.

A Igreja, ao pretender ser detentora da verdade absoluta, pregou o discurso de que a dúvida
(razão/conhecimento) era inimiga da fé. Quando a Igreja relegou a razão
(conhecimento/dúvida) a um patamar de submissão ao discurso religioso ela conseguiu manter
o povo (e os fieis) num estado duradouro de letargia (aproximadamente 1000 anos), o qual se
fortaleceu com as punições impostas aos hereges (subversivos), ou seja, àqueles que
questionavam e se revoltavam contra o pensamento dominante.

Considerando-se que nos dias de hoje a Igreja cristã não detém o mesmo poder de controle do
período medieval, resta saber quem estaria envolvido diretamente na falência educacional e
quais as suas razões. Seriam os nossos governantes para continuar mantendo o povo no
estado de submissão e controle? Seriam os próprios envolvidos no sistema educacional
(professores, instituição escolar, pais e alunos)? Quem seria?

Para se estabelecer as razões e intencionalidades na falência educacional, é curial


reconhecermos a existência de um conflito latente de interesses relacionados ao sistema
educacional.

De um lado temos a educação como essencial à construção da dignidade humana e,


consequentemente, de uma sociedade livre e responsável, o que implica numa ética humana
universal (corolário da autonomia). De outro lado, entretanto, temos um sistema capitalista que
pretende a submissão das pessoas ao seu ideário, o que implica numa ética do mercado
(corolário da obediência aos interesses do lucro).

Veja-se que estamos envoltos por duas grandes éticas, sendo uma delas no viés alienador de
pessoas (ética do mercado) e a outra no viés desalienador de pessoas (ética humana).

A ética capitalista é desinteressada na promoção do desenvolvimento educacional, a não ser


para vender um pacote chamado “educação”, que vem com uma “surpresinha”, qual seja, o
preparo do educando para a própria ética mercantil (corolário do consumo e do lucro) e não
para a ética humana (corolário da autonomia).

Lembre-se que no período medieval a Igreja cristã pretendia a ignorância do povo para manter
o seu discurso ético-religioso, o qual proporcionava miséria e desumanização. O sistema
capitalista também parece pretender a ignorância do povo para manter o seu discurso ético-
mercadológico, o qual também proporciona miséria e desumanização.
É nesse cenário que estamos vivenciando a mutação da sociedade do consumo de bens
materiais para a sociedade do bem-estar e do consumo de bens imateriais (intangíveis). Nesta
sociedade, atual, os maiores desejos humanos são: evitar desconfortos (dor/frustração) e
experimentar prazeres duradouros.

E, para cumprir tal desiderato, eis que surge rapidamente uma mercantilização dos meios para
a satisfação dos mencionados desejos humanos, a qual se dá, dentre outros, pelas chamadas
“farmácias da felicidade”, nas quais “se encontram em suas prateleiras as pílulas do bem-estar,
da potência, da tranquilidade” (BOCK; TEIXEIRA; e FURTADO, 2011, p. 209).

Contudo, não se pode olvidar que para a manutenção de tais farmácias exige-se um
compactuar dos profissionais da saúde, dentre eles, os médicos, os psicólogos, os
enfermeiros, os fonoaudiólogos etc.

A adesão de outros agentes nesse pacto de manutenção das “farmácias da felicidade” é


rapidamente incumbida pela sociedade capitalista, cujo sistema aliena a todos, inclusive
aqueles que poderiam estar blindados de seus malefícios, como os profissionais do magistério.
Todavia, estes últimos são humanos. Aliás, será que realmente são humanos, ou melhor, será
que somos humanos? Afinal, a humanidade é permeada de erros e se estes pudessem ser
reconhecidos certamente seria mais fácil a autorresponsabilização por eles.

Na sociedade atual do bem-estar não parece que haja maior prazer do que aquele
experimentado pelo afastamento de desconfortos e dentre estes está a autorresponsabilização.
Esta traz um desconforto tremendo, porque entramos em contato com a nossa humanidade.
Não ser humano é desconsiderar que morremos dia a dia e isso nos leva à infantilização e
covardia perenes.

Perceba-se que nesse contexto histórico vivenciamos a inegável falência do sistema


educacional, cuja contribuição para o estabelecimento, manutenção e desenvolvimento da
ética humana seria imensurável.

A esse propósito é de todo oportuno transcrever as palavras do saudoso Paulo Freire (1996, p.
19):

de tal maneira submetidos ao comando da malvadez da ética do mercado, que me parece ser
pouco tudo o que façamos na defesa e na prática da ética universal do ser humano.

Em face do exposto, os envolvidos no sistema educacional culpam-se mutuamente pela


falência desse sistema, como crianças esgueirando-se da responsabilidade pelas peripécias
infantis praticadas, com medo da repreensão paterna. O problema é que os “adultos”
envolvidos não medem esforços para culpabilizar crianças (alunos) pelo fracasso do sistema
educacional. Essas crianças, pois, suportam o fardo do malogro e, o que é pior, excluídas da
proteção integral (por todos os membros da sociedade) que deveriam ter, ou seja, sozinhas e
desde cedo.

Envolvidos pelo ideal de bem-estar (minimização dos sofrimentos e maximização dos prazeres)
almejado pela sociedade pós-moderna e, também, pela consequente ausência de
autorresponsabilização, conforme mencionado no tópico anterior, os profissionais da saúde,
inicialmente os médicos e depois outros, transformaram questões políticas e sociais da
educação em questões médicas, naquilo que originariamente se denominou medicalização da
educação e, posteriormente pela maior abrangência, patologização da educação.

Os agentes envolvidos no sistema educacional, principalmente os professores e diretores de


instituições de ensino aceitaram muito bem a denominada patologização da educação, uma
vez que esta os eximem da responsabilidade conjunta pela falência do sistema, a qual é
transferida com exclusividade às crianças/alunos.

Pela patologização na educação a aprendizagem passou a ser uma questão médica, porque as
crianças/alunos são estereotipadas como portadoras de distúrbios que interferem no
desenvolvimento cognitivo, sendo eles supostamente decorrentes de disfunções neurológicas
ou de desnutrição.

Como se pode observar no texto base utilizado para embasar o presente trabalho2,os estudos
científicos demonstram que “a influência da desnutrição no desenvolvimento cognitivo refere-se
à desnutrição grave [...] que ocorra por um longo período no início da vida, quando o sistema
nervoso central está se desenvolvendo”. Outrossim, a disfunção neurológica seria um conceito
“vago demais, abrangente demais”, o

2 COLLARES, Cecília Azevedo Lima e MOYSÉS, Maria Aparecida Affonso. A transformação


do Espaço

Pedagógico em Espaço Clínico (A Patologização da Educação). Disponível em:


<http://w.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_23_p025-031_c.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2012.

que não sustenta “critérios diagnósticos claros e precisos como exige a própria ciência
neurológica”.

Veja-se que está havendo uma generalização de patologias que deveriam ser tratadas como
exceções, o que acaba por implicar maiores dificuldades no processo de aprendizagem, seja
pela desvalorização do magistério seja pelo abalo na autoestima do aprendiz (criança/aluno).

Assim, a criança/aluno passa a ser vista como a única responsável pela falência do sistema
educacional, por conta de sua patologização, o que chega a ser uma crueldade por parte dos
profissionais (que deveriam ser adultos o suficiente para se autorresponsabilizarem) da
educação e da saúde, cuja alienação é patente.

Nos primórdios da Revolução Industrial (século XVIII) o progresso da ciência e da tecnologia


expandiu as potencialidades do conhecimento, pelo homem, da realidade.

Contudo, “se este conhecimento foi valioso e benéfico, com o passar dos tempos a sua
exclusividade se tornou nociva, pois, conhecendo o mundo, classificando e conceituando as
coisas, o homem passou a esquecer-se de si próprio, ficando perdido entre as coisas que ele
conhecia e classificava”. (PARISI e COTRIM, 1999, p. 155).

O homem tem tratado as situações normais da vida como anormais, confundindo “alhos com
bugalhos” e confirmando a teoria de Tomas Hobbes no sentido de que “o homem é o lobo do
próprio homem”.

No presente tópico traçamos as consequências da patologização na educação para: a família,


a instituição escolar e a criança/aluno. Isso não significa que não haja consequências para
outros interessados, como, por exemplo, a sociedade, cujo progresso é inexoravelmente
dependente de indivíduos conscientes, ou seja, que não estejam alienados como parecemos
estar.

Vejamos, portanto, as consequências da patologização no sistema educacional aos envolvidos


propostos nesse estudo: i) família: A família tende a confiar nos profissionais envolvidos no
sistema educacional e que responsabilizam o membro familiar pela falência no
desenvolvimento cognitivo deste e pela falência do próprio sistema de educação.

Os pais dos alunos, via de regra, acreditam que os filhos são os únicos responsáveis pela falta
de aprendizagem, porque o sistema oferece diversas benesses materiais (merenda, transporte,
vagas escolares etc) que os genitores não tiveram em suas épocas estudantis.

Vale lembrar que no passado faltava vaga no sistema educacional, além de não haver
merenda e transporte suficientes e adequados para as crianças/alunos. Os pais, ao fazerem tal
comparação, acreditam numa educação de boa qualidade e, então, atribuem a falta de
aprendizagem à criança/aluno (membro familiar).

A visão distorcida da realidade faz com que a família se perca no processo de aprendizagem
de seus membros e até os exponham às desconhecidas consequências das medicações
psiquiátricas ministradas para conter os chamados déficits de atenção, hiperatividades,
disfunções neurológicas e outras patologias inexistentes, perpetuando um sistema falido pela
incompetência e medo da autorresponsabilização.

É inolvidável as crianças/alunos são amiúde estereotipadas, dentre outras, como hiperativas e


com déficits de atenção. Essas rotulações fazem com que os familiares encaminhem a criança
a psiquiatras, os quais ministram medicamentos psicoativos que não se conhecem as
consequências futuras.

A família, nesse cenário, parece retornar à época dos estamentos, relegando os seus membros
à própria sorte, isso quando não os impede de alçar novas condições sociais e mesmo
psíquicas além daquelas em que se encontram. i) instituição escolar:

A instituição escolar, quando não se responsabiliza pela aprendizagem das crianças/alunos,


perde a oportunidade de conhecer a realidade e eficácia dos seus métodos, o que impossibilita
o diagnóstico dos problemas existentes, perpetuando um sistema roto.

O que estamos vivenciando é um novo papel da instituição escolar (e seus profissionais), a


qual passou a mediar o encaminhamento de crianças/alunos para serem supostamente
“tratadas” por profissionais da saúde. Digo “supostamente tratadas” porque as crianças/alunos
triadas e mediadas são, em grande maioria, extremamente saudáveis e não precisam de
medicação ou tratamento médico, mas sim de cuidado e atenção.

É nesse processo falido que a instituição de ensino não consegue produzir uma educação de
boa qualidade, deixando de se atentar para a má formação do professor, inclusive para a falta
de preparação deste para o ministério dos conhecimentos básicos em salas de aulas,
principalmente nas classes sociais menos abastadas.

i) criança/aluno: Este envolvido no sistema educacional com certeza é o maior dos


prejudicados, porque, além dos profissionais da educação e da saúde, os familiares também o
responsabilizam pela falta de aprendizagem.

Note-se que há um condicionamento no sentido de que os culpados pela não aprendizagem do


aluno é o próprio aluno.

A criança/aluno, portanto, sofre uma afronta em sua autoestima, o que complica ainda mais o
seu desenvolvimento cognitivo. Isso quando a criança, como já noticiamos, não é medicada por
profissionais da saúde a ingerirem medicamentos antidepressivos e/ou que tenham efeitos
psicoativos, cujas consequências ao longo do tempo ainda são desconhecidas.
É o velho ditado popular de que “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”, a qual, no
sistema educacional, é a criança/aluno. A covardia e a mediocridade não têm limites!

Diante das reflexões expostas e de todo o material pesquisado para embasá-las, concluímos
trazendo à baila a ficção literária de João Guimarães Rosa (1984), o qual, em 1956, nos
abrilhantou com a estória de Miguelim, que era estereotipado como lerdo da cabeça por não
render nada no trabalho, além de viver tropeçando nas coisas e se machucando.

A vida desse protagonista ficcional era muito sofrida pelo desamparo familiar e pela
ruralização, entretanto, a sua sensibilidade era aguçadíssima.

Num determinado dia Miguelim viu o vulto de dois homens se aproximando do portão da
fazenda onde morava. Após algumas perguntas o homem apeou do seu cavalo e observou que
o menino forçava a vista para vê-lo. De inopino o homem tirou os seus óculos e colocou em
Miguelim, que passou a enxergar tudo a sua volta, inclusive que o bondoso homem estava só e
que a sua mãe era belíssima.

Concluiu-se, enfim, que Miguelim não era lerdo da cabeça, mas apenas não enxergava tão
bem.

Antes de ir para a cidade, a convite do bondoso homem,

Miguelim fez uma pergunta fundamental da existência: “Mãe, por que tudo acontece?”.

Fizemos questão de recordar a ficção literária de Guimarães

Rosa, porque parece muito propícia e autoexplicativa para o que tem acontecido na educação.

Em regra, o que falta às crianças/alunos é a atenção e o cuidado por parte dos adultos
(profissionais e familiares) e instituições responsáveis pelo processo de aprendizagem, para o
qual é imprescindível a autorresponsabilização dos envolvidos e não a patologização, cujo
fenômeno somente contribui para a própria falência do sistema educacional e,
consequentemente, para a afronta à dignidade do ser humano.

Nessa cegueira intelectual que vivemos seria de grande valia indagarmos parafraseando
Miguelim: “Deus, „por que tudo acontece?‟”

Referências

BOCK, Ana Maria Mercês; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi; FURTADO, Odair. Psicologia
fácil. São Paulo: Saraiva, 2011.

COLLARES, Cecília Azevedo Lima e MOYSÉS, Maria Aparecida Affonso. A transformação do


Espaço Pedagógico em Espaço Clínico (A Patologização da Educação). Disponível em:
<http://w.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_23_p025-031_c.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2012.

PARISI, Mário; COTRIM, Gilberto. TDF: trabalho dirigido de filosofia 2º grau. 17ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1999.

ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. 30ª ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
WEITEN, Wayne. Introdução à psicologia: temas e variações. Tradução: Maria Lúcia Brasil,
Zaira G. Botelho, Clara A. Colotto e José Carlos B. dos Santos. São Paulo: Cengage Learning,
2008.

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