Professional Documents
Culture Documents
patologização na educação
Enviado por:
Cesar Ribeiro | 0 comentários
Arquivado no curso de Psicologia na UNILAGO
Download
denunciar
Creative Commons
(Parte 1 de 2)
ABSTRACT – The text reflects about educational failure and the pathologization in education
arising from lack of accountability own by the agents involved in the learning process, which
transfer, cowardly, their responsibilities to the children (students). These, then, support alone
the weight of a broken system that undermines their self-esteem and prevents cognitive
development them, this when they are not medicated for health professionals to ingest
antidepressants and with psychoactive effects, which consequences over time are still
unknown.
O presente trabalho tem por objetivo a apresentação de reflexões sobre o processo de falência
educacional e a patologização na educação, bem como sobre as suas consequências para a
família, a instituição escolar e a criança/aluno.
Em vista disso, dividi em tópicos os assuntos objetos de reflexões pessoais, sendo eles: a
falência do sistema educacional e suas razões; a patologização na educação; as
consequências desta patologização para os envolvidos no processo educacional; e a
conclusão.
Com efeito, de plano nos surge a seguinte indagação: será que existe uma intencionalidade na
falência do sistema educacional?
A Igreja, ao pretender ser detentora da verdade absoluta, pregou o discurso de que a dúvida
(razão/conhecimento) era inimiga da fé. Quando a Igreja relegou a razão
(conhecimento/dúvida) a um patamar de submissão ao discurso religioso ela conseguiu manter
o povo (e os fieis) num estado duradouro de letargia (aproximadamente 1000 anos), o qual se
fortaleceu com as punições impostas aos hereges (subversivos), ou seja, àqueles que
questionavam e se revoltavam contra o pensamento dominante.
Considerando-se que nos dias de hoje a Igreja cristã não detém o mesmo poder de controle do
período medieval, resta saber quem estaria envolvido diretamente na falência educacional e
quais as suas razões. Seriam os nossos governantes para continuar mantendo o povo no
estado de submissão e controle? Seriam os próprios envolvidos no sistema educacional
(professores, instituição escolar, pais e alunos)? Quem seria?
Veja-se que estamos envoltos por duas grandes éticas, sendo uma delas no viés alienador de
pessoas (ética do mercado) e a outra no viés desalienador de pessoas (ética humana).
Lembre-se que no período medieval a Igreja cristã pretendia a ignorância do povo para manter
o seu discurso ético-religioso, o qual proporcionava miséria e desumanização. O sistema
capitalista também parece pretender a ignorância do povo para manter o seu discurso ético-
mercadológico, o qual também proporciona miséria e desumanização.
É nesse cenário que estamos vivenciando a mutação da sociedade do consumo de bens
materiais para a sociedade do bem-estar e do consumo de bens imateriais (intangíveis). Nesta
sociedade, atual, os maiores desejos humanos são: evitar desconfortos (dor/frustração) e
experimentar prazeres duradouros.
E, para cumprir tal desiderato, eis que surge rapidamente uma mercantilização dos meios para
a satisfação dos mencionados desejos humanos, a qual se dá, dentre outros, pelas chamadas
“farmácias da felicidade”, nas quais “se encontram em suas prateleiras as pílulas do bem-estar,
da potência, da tranquilidade” (BOCK; TEIXEIRA; e FURTADO, 2011, p. 209).
Contudo, não se pode olvidar que para a manutenção de tais farmácias exige-se um
compactuar dos profissionais da saúde, dentre eles, os médicos, os psicólogos, os
enfermeiros, os fonoaudiólogos etc.
Na sociedade atual do bem-estar não parece que haja maior prazer do que aquele
experimentado pelo afastamento de desconfortos e dentre estes está a autorresponsabilização.
Esta traz um desconforto tremendo, porque entramos em contato com a nossa humanidade.
Não ser humano é desconsiderar que morremos dia a dia e isso nos leva à infantilização e
covardia perenes.
A esse propósito é de todo oportuno transcrever as palavras do saudoso Paulo Freire (1996, p.
19):
de tal maneira submetidos ao comando da malvadez da ética do mercado, que me parece ser
pouco tudo o que façamos na defesa e na prática da ética universal do ser humano.
Envolvidos pelo ideal de bem-estar (minimização dos sofrimentos e maximização dos prazeres)
almejado pela sociedade pós-moderna e, também, pela consequente ausência de
autorresponsabilização, conforme mencionado no tópico anterior, os profissionais da saúde,
inicialmente os médicos e depois outros, transformaram questões políticas e sociais da
educação em questões médicas, naquilo que originariamente se denominou medicalização da
educação e, posteriormente pela maior abrangência, patologização da educação.
Pela patologização na educação a aprendizagem passou a ser uma questão médica, porque as
crianças/alunos são estereotipadas como portadoras de distúrbios que interferem no
desenvolvimento cognitivo, sendo eles supostamente decorrentes de disfunções neurológicas
ou de desnutrição.
Como se pode observar no texto base utilizado para embasar o presente trabalho2,os estudos
científicos demonstram que “a influência da desnutrição no desenvolvimento cognitivo refere-se
à desnutrição grave [...] que ocorra por um longo período no início da vida, quando o sistema
nervoso central está se desenvolvendo”. Outrossim, a disfunção neurológica seria um conceito
“vago demais, abrangente demais”, o
que não sustenta “critérios diagnósticos claros e precisos como exige a própria ciência
neurológica”.
Veja-se que está havendo uma generalização de patologias que deveriam ser tratadas como
exceções, o que acaba por implicar maiores dificuldades no processo de aprendizagem, seja
pela desvalorização do magistério seja pelo abalo na autoestima do aprendiz (criança/aluno).
Assim, a criança/aluno passa a ser vista como a única responsável pela falência do sistema
educacional, por conta de sua patologização, o que chega a ser uma crueldade por parte dos
profissionais (que deveriam ser adultos o suficiente para se autorresponsabilizarem) da
educação e da saúde, cuja alienação é patente.
Contudo, “se este conhecimento foi valioso e benéfico, com o passar dos tempos a sua
exclusividade se tornou nociva, pois, conhecendo o mundo, classificando e conceituando as
coisas, o homem passou a esquecer-se de si próprio, ficando perdido entre as coisas que ele
conhecia e classificava”. (PARISI e COTRIM, 1999, p. 155).
O homem tem tratado as situações normais da vida como anormais, confundindo “alhos com
bugalhos” e confirmando a teoria de Tomas Hobbes no sentido de que “o homem é o lobo do
próprio homem”.
Os pais dos alunos, via de regra, acreditam que os filhos são os únicos responsáveis pela falta
de aprendizagem, porque o sistema oferece diversas benesses materiais (merenda, transporte,
vagas escolares etc) que os genitores não tiveram em suas épocas estudantis.
Vale lembrar que no passado faltava vaga no sistema educacional, além de não haver
merenda e transporte suficientes e adequados para as crianças/alunos. Os pais, ao fazerem tal
comparação, acreditam numa educação de boa qualidade e, então, atribuem a falta de
aprendizagem à criança/aluno (membro familiar).
A visão distorcida da realidade faz com que a família se perca no processo de aprendizagem
de seus membros e até os exponham às desconhecidas consequências das medicações
psiquiátricas ministradas para conter os chamados déficits de atenção, hiperatividades,
disfunções neurológicas e outras patologias inexistentes, perpetuando um sistema falido pela
incompetência e medo da autorresponsabilização.
A família, nesse cenário, parece retornar à época dos estamentos, relegando os seus membros
à própria sorte, isso quando não os impede de alçar novas condições sociais e mesmo
psíquicas além daquelas em que se encontram. i) instituição escolar:
É nesse processo falido que a instituição de ensino não consegue produzir uma educação de
boa qualidade, deixando de se atentar para a má formação do professor, inclusive para a falta
de preparação deste para o ministério dos conhecimentos básicos em salas de aulas,
principalmente nas classes sociais menos abastadas.
A criança/aluno, portanto, sofre uma afronta em sua autoestima, o que complica ainda mais o
seu desenvolvimento cognitivo. Isso quando a criança, como já noticiamos, não é medicada por
profissionais da saúde a ingerirem medicamentos antidepressivos e/ou que tenham efeitos
psicoativos, cujas consequências ao longo do tempo ainda são desconhecidas.
É o velho ditado popular de que “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”, a qual, no
sistema educacional, é a criança/aluno. A covardia e a mediocridade não têm limites!
Diante das reflexões expostas e de todo o material pesquisado para embasá-las, concluímos
trazendo à baila a ficção literária de João Guimarães Rosa (1984), o qual, em 1956, nos
abrilhantou com a estória de Miguelim, que era estereotipado como lerdo da cabeça por não
render nada no trabalho, além de viver tropeçando nas coisas e se machucando.
A vida desse protagonista ficcional era muito sofrida pelo desamparo familiar e pela
ruralização, entretanto, a sua sensibilidade era aguçadíssima.
Num determinado dia Miguelim viu o vulto de dois homens se aproximando do portão da
fazenda onde morava. Após algumas perguntas o homem apeou do seu cavalo e observou que
o menino forçava a vista para vê-lo. De inopino o homem tirou os seus óculos e colocou em
Miguelim, que passou a enxergar tudo a sua volta, inclusive que o bondoso homem estava só e
que a sua mãe era belíssima.
Concluiu-se, enfim, que Miguelim não era lerdo da cabeça, mas apenas não enxergava tão
bem.
Miguelim fez uma pergunta fundamental da existência: “Mãe, por que tudo acontece?”.
Rosa, porque parece muito propícia e autoexplicativa para o que tem acontecido na educação.
Em regra, o que falta às crianças/alunos é a atenção e o cuidado por parte dos adultos
(profissionais e familiares) e instituições responsáveis pelo processo de aprendizagem, para o
qual é imprescindível a autorresponsabilização dos envolvidos e não a patologização, cujo
fenômeno somente contribui para a própria falência do sistema educacional e,
consequentemente, para a afronta à dignidade do ser humano.
Nessa cegueira intelectual que vivemos seria de grande valia indagarmos parafraseando
Miguelim: “Deus, „por que tudo acontece?‟”
Referências
BOCK, Ana Maria Mercês; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi; FURTADO, Odair. Psicologia
fácil. São Paulo: Saraiva, 2011.
PARISI, Mário; COTRIM, Gilberto. TDF: trabalho dirigido de filosofia 2º grau. 17ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1999.
ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. 30ª ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
WEITEN, Wayne. Introdução à psicologia: temas e variações. Tradução: Maria Lúcia Brasil,
Zaira G. Botelho, Clara A. Colotto e José Carlos B. dos Santos. São Paulo: Cengage Learning,
2008.