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Capitulo 2 Especificidade e campo da psicologia social NOs TRAHALHOS ANTERIORES, a psicologia apareceu freqiien- temente como repetigao e reproducao, num contexto social, de processos ou estados de que o sujeito era, a titulo indivi- dual, a fonte e o teatro. Segundo Freud, uma “psicologia narcisica” tomava como paleo as situagdes sociais para ai desenvolver suas montagens neuréticas ou seus esquemas edipianos. Isso bastava para fazer dela a psicologia coletiva, © paleo social é comparavel a um bergario onde as criancas calam seu citime para conservar 0 amor do pai temido e ad- mirado (FREUD, 1981, p. 186). A situacao familiar equivaleria a uma situacdo social, co- mo a psicologia narcisica & psicologia coletiva? A questao fundadora da psicologia social reside justamente ai. Have- ria uma psicologia social diferente da psicologia que se te- porta ao individuo? O social introduziria uma dimensio Especiicidade campo da pseslogia socal especifica e, especialmente, seria outra coisa senao a familia em que se edifica a psicologia narcisica? A resposta passara, rtanto, por uma definicao do social Seriamos tentados por uma primeira observacdo de bom senso, a de que um coletivo nao é mais um individuo do que uma crianga e que tampouco se encontra na mesma situacao nem diante dos mesmos problemas. Mas aprendemos a des- confiar do bom senso e das aparéncias. E preciso, portanto, olhar mais de perto. A psicologia social pode ser considera- da como as aventuras da psicologia no social. Também pode set considerada como a psicologia do social. Deve-se entio admitir que o social pode tornar-se o suporte de fendmenos psicologicos da mesma forma que o individuo: um sujeito social. O psicoLdcico © que se entende por psicologia?! Trata-se dos fi nos intra-subjetivos dos quais 0 sujeito, definido organica- mente, é gerador e ao mesmo tempo caixa de ressonancia, Pode-se dizer que esses fendmenos conscientes ¢ inconsci- entes operam essencialmente na ordem do imaginario. Isso nio significa que nao sejam reais, mas que, se seu motor é 0 desejo, so as representacies e os afetos a eles ligados que armam 0 jogo. Fantasias, sonhos, imagens sao contetidos do psiquismo que podem servir para decifré-lo, Os mecanis- mos psiquicos usam esse material imagindrio para, ao mes- mo tempo, satisfazer 0 desejo e preservar o sujeito da an- Admitiremos aqui que a psicologia das profundezas explorada por Freud sirva de refer Jacqueline Baus-Michel glistia (isso vale para a identificacao, a projecao, mas tam- bém para qualquer arranjo neurético). A personalidade sin- gular se desenvolve de acordo com estigios: a maturagio organica provoca rearranjos dessa historia interior. As ima- gens basicas sio as parentais, destinadas a recobrir e a con- taminar todas as representagdes ulteriores do sujeito, que reencenara, adaptando-o mais ou menos, o roteiro concebi- do em sua primeira infancia, no estado de dependéncia em que entio se encontrava e no qual suas imagos a tudo subs- tituiam, ' = x Antecipar, como fizemos, que o sujeito ¢ definido orga- nicamente nao ¢ aleatério. Com efeito, apesar do que pode ser visto como a divisao do sujeito, a contradigao a habité-lo ou mesmo a negacao (0 nao reconhecimento de si), sua inte- gridade, cujo substrato é 0 organico, é— a nio ser em caso de patologia grave, como certas psicoses ~ sempre mantida. O recalque é de certa forma uma garantia: é melhor proibir-se de conhecer tudo do que poderia par em perigo essa inte- gridade. A castragéo permanece imaginéria ou simbdlica, O recalcado permanece interno ao sujeito. Com a psicologia social, passa-se do intra-subjetivo ao intersubjetivo, a fendmenos psiquicos que ocorrem entre os individuos. A verticalidade que evocavamos como desen- volvimento de uma histéria que remonta as imagens arcai- cas ¢ substituida, segundo a expressio de D. Anzieu, pela horizontalidade: a concomitancia e a jungao de representa- Ges, afetos e mecanismos de defesa. Isso bastaria? Nao se trata somente de fenémenos psiquicos colocados no plural, 9 social no ¢ uma colegdo de individuos justapostos, ele realiza uma nova unidade estrutural. Os fenémenos psico- l6gicos que ai emergem no responclem mais pelas caracte- Histicas evocadas acima, mas por essa unidade social. cidade e carpe a pls social O social F social 0 que liga os individuos tornados por isso com- panheiros, aliados, associados. O social é uma unidade nova, uma referéncia estruturante. E 0 que partilham e reconhe- ‘cem em comum individuos tornados membros da unidade criada (grupo, coletivo, sociedade). E também o que os atra- essa. O sentimento de pertencimento corresponde ai ao ni- vel afetivo e, poder-se-ia dizer, é seu primeiro trago psicol6- gico. Faz, com que os membros do grupo digam “nds”. Como referéncia e lago, 0 social é 0 que permite aos mem- bros do grupo orientar-se, comunicar-se, adaptar-se uns aos outros. E ao mesmo tempo o contrato, 0 cédigo, a regra. Por mais longinquas ¢ indiretas que sejam, as relagdes sociais o consideradas como tais na medida em que normaliza- das segundé um cédigo implicito que permite reconhecer- se aj e remete a uma unidade para a qual esse cédigo € ope- rante. Por exemplo, as relagdes mae/crianca sao sociais quan- do se considera o que se codificou numa sociedade ou gru- oa esse respeito, permitindo a todos os seus membros con- formar-se ao cdigo ou manter um discurso sobre ele. Em outras palavras, 0 social é da ordem do simbdlico. Como referéncia, associa-se & Tei: vincula, obriga e reine, forja a assungao unitiria. Como céddigo, articula os elemen- tos dispersos o permite 0 advento do sentido, a elaboracao de significancia para o grupo. A melhor expressao do social Ga lingua. E por sua lingua comum, adequando-se a ela ou utilizando-a, que 0s membros de um grupo comunicam, re- conhecem-se ¢ realizam uma agao coletiva Dizer que o social ¢ da ordem do simbélico nao significa que seja estranho as representacdes, que nao haja imagin’- rio social. Longe disso, o social o segrega sob as conhecidas formas do mito, da ideologia e, mais usualmente, dos boa-

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