You are on page 1of 5

Universidade de São Paulo

Avaliação de Teoria Política III Professor: Álvaro de Vita


Aluno: Guilherme Henriques de Araújo N USP: 9442201 Turno: Tarde
Questões:
1) “Assim, entre os antigos, o indivíduo, quase sempre soberano nas
questões públicas, é escravo em todos os assuntos privados. Como cidadão, ele
decide sobre a paz e a guerra; como particular, permanece limitado, observado,
reprimido em todos os seus movimentos...” “Entre os modernos, ao contrário, o
indivíduo, independente na vida privada, mesmo nos Estados mais livres, só é
soberano em aparência. Sua soberania é restrita, quase sempre interrompida; e, se,
em épocas determinadas, mas raras, durante as quais ainda é cercado de
precauções e impedimentos, ele exerce essa soberania, é sempre para abdicar a
ela” (Constant, B. “Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos”. In:
Filosofia Política 2. Porto Alegre: L&PM Editores, p. 11).
Com base nos trechos acima do ensaio “Da liberdade dos antigos comparada
à dos modernos”, diferencie, em linhas gerais, os dois tipos de liberdade explicados
pelo autor e apresente quais são, segundo ele, os fundamentos “sociológicos” que
explicam a diferença entre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos.
Discuta ainda as razões pelas quais Constant considerava não ser possível nem
desejável a recriação da liberdade dos antigos em Estados modernos

3) “A revolução política aboliu, portanto, o caráter político da sociedade civil”


(Marx, K. “A Questão Judaica’”. In: ____. Manuscritos Econômico-Filosóficos.
Lisboa: Edições 70, 1993, p. 60-61). “Por fim, o homem como membro da sociedade
civil é identificado como o homem autêntico, o homme como distinto do citoyen,
porque é o homem na sua existência sensível, individual e imediata, ao passo que o
homem político é unicamente o homem abstracto, artificial, o homem como pessoa
alegórica, moral. Deste modo, o homem tal como é na realidade reconhece-se
apenas na forma do homem egoísta...” (ibid. idem, p. 62). Considerando os excertos
acima de A Questão Judaica, de Karl Marx, apresente e discuta a crítica do autor à
ideia de “direitos do homem” e sua relação com o problema da separação entre
“sociedade civil” e “sociedade política"
1)

No trecho citado vemos que Benjamin Constant faz uma contraposição entre
a vida pública antiga e a moderna, ele mostra como em um caso o Estado controla a
vida privada dos cidadãos em seus aspectos mais particulares por meio das
tradições, mas no outro, os cidadãos são livres em sua vida privada embora
limitados em sua participação pública. Na antiguidade a liberdade estava
diretamente relacionada à participação direta na vida pública e também com a
subordinação às leis do todo, na modernidade um valor essencial associado à
liberdade é a autonomia privada, o que torna a recriação de instituições no formato
antigo indesejáveis por sua incompatibilidade com as instituições e Estados
comerciais modernos.
Os dois tipos de liberdade considerados por Constant se diferenciam em
muitos aspectos, os direitos religiosos, por exemplo, o direito de escolher a própria
religião, não faziam parte da compreensão de liberdade dos antigos, devido a seu
apego às tradições coletivas. O direito de escolher a própria profissão, fundamental
para a sociedade moderna liberal, também não era exercido na antiguidade, sendo
a profissão transmitida hereditariamente até certo ponto.
Benjamin Constant apresenta as diferenças entre os valores cultivados como
liberdade nas sociedade antigas e modernas e a relação desses valores com os
seus diferentes sistemas de governo, características geográficas e sociológicas.
Uma das diferenças essenciais é o tamanho geográfico e populacional
relativamente menor das repúblicas antigas em comparação às modernas. As
repúblicas antigas eram menores, fechadas em si mesmas, e guerreiras, e a
participação do cidadão no todo era essencial para o sucesso da comunidade em
maior grau que nos grandes Estados modernos.
Constant afirma que a tendência das sociedades modernas seria a paz entre
indivíduos que se veriam como iguais em uma massa, enquanto nas sociedades
antigas o indivíduo pertenceria a uma família isolada e participaria de uma
comunidade já empenhada em batalhas com outras.
Outra diferença, derivada da anterior, é a predominância do comércio nas
sociedades modernas e da guerra nas antigas, essa diferença orienta muito da vida
pública em ambos casos. A escravidão também era presente nas sociedades
gregas de que ele fala e ele a contrapõe ao regime moderno de trabalho assalariado
como uma das explicações para os diferentes sistemas de governo. Enquanto nas
sociedades antigas os indivíduos se preocupavam com a guerra na maior parte de
seu tempo, e a maior parte de seu tempo na vida pública também tratava de
assuntos de guerra, os indivíduos sob o sistema representativo moderno são uma
parte pequena do Estado cuja atividade não é constantemente requisitada.
As discussões públicas exercidas diretamente também só eram possíveis
porque os escravos cuidavam das atividades laborais, que os cidadãos evitavam. O
desenvolvimento do comércio como meio predominante de subsistência do Estado
impediu a permanência de um tipo direto de democracia com a que existia.
Assim como seria impossível surgirem na antiguidade as instituições de
governo representativo modernas, é anacrônico transportarmos formas de governo
antigas para situações políticas presentes, como Constant critica seus
contemporâneos da revolução francesa. Sua crítica à revolução francesa, se baseia
numa crítica aos pressupostos filosóficos de homens como J. J. Rousseau: na
impossibilidade de se transpor para a época moderna os valores e instituições
antigos, pois os modernos valorizam sua independência individual, e não aceitam
que sua subordinação completa a autoridade social seja condição para sua
considerada liberdade política.
Não é desejável a recriação dos modelos antigos pois isso envolveria a
atribuição de um poder ilimitado ao estado incompatível com as formas de
soberania atuais, o que necessariamente gera distorções. Para os antigos não havia
inconsistências entre a liberdade cultivada e a submissão completa do indivíduo ao
grupo,mas para os modernos a liberdade envolve essencialmente ser independente
da intervenção de qualquer autoridade em seus assuntos particulares.
3)
Marx critica a noção de direitos humanos a partir da perspectiva de que
esses direitos, por generalizarem a ideia de homem apenas para o homem burguês,
se limitam a estabelecer direitos e liberdades egoístas de propriedade e liberdade,
que consideram o homem como uma mônada fechada em si mesma, reificada na
figura do homem da sociedade política, abstraído de suas particularidades e
independente, separado da comunidade.
Marx analisa os direitos humanos estabelecidos na constituição de 1793, na
perspectiva de sua limitação em efetivar suas promessas para além da sociedade
burguesa e do Estado político. A liberdade seria então o direito de poder ser
considerado como indivíduo isolado numa mônada, dissociado de seus
semelhantes. O direito à propriedade privada, segundo Marx, seria a aplicação
prática do direito de liberdade, os homens não encontram por meio desse direito de
liberdade sua devida associação com os outros, mas justamente sua dissociação.
Todos os direitos do `homem` da revolução francesa, segundo a crítica de
Marx, seriam direitos do homem burguês, dada a limitação do Estado político em
realizar a completa emancipação de seus cidadãos para além da esfera política.
Enquanto a sociedade civil compreende os homens em suas particularidades, na
sociedade política, o homem é visto como um ente abstrato, generalizado de suas
preocupações imediatas e dissociado de seus semelhantes, havendo a
emancipação política em um polo, que se exerce nos limites formais do Estado, e a
emancipação social, por outro, que revoluciona as próprias formas institucionais que
são entraves à realização de seus princípios.
Ele elabora uma distinção entre os direitos que permanecem em sua forma
abstrata e formal, e sua concretização, criticando a institucionalidade burguesa dos
direitos do homem. Essa distinção compreende a divisão entre sociedade civil e
sociedade política,os direitos do homem só podem afirmar-se como princípio numa
sociedade que já possui como base material de sua existência as formas de vida
subjacentes a ele. Então os direitos do homem instituídos na sociedade burguesa
nunca serão capazes de transformar materialmente os horizontes das relações de
propriedade que os instituíram, a não ser que ocorra uma revolução.
A distinção entre o homem da sociedade civil, o burguês particular, e o
cidadão em geral, ente abstrato, mostra as duas faces do problema da
emancipação. O homem enquanto cidadão tem suas particularidades abstraídas e é
considerado como isolado e igual aos outros, assim, a esfera dos direitos políticos
acaba por suprimir certas diferenças de maneira aparente e afirmar isso como
igualdade. Sendo o homem burguês considerado como o ente concreto e sensível,
todos os direitos, em sua efetivação, tendem a reforçar as instituições burguesas, já
que os direitos especificamente burgueses são considerados direitos naturais.
Marx faz uma radical crítica contra as concepções de direitos humanos, eles
seriam direitos que, baseados numa interpretação individualista da sociedade e dos
homens de seus legisladores, embora promovessem em seu universalismo uma
resolução e emancipação de problemas políticos nos limites do Estado, acabariam
por refletir as limitações essenciais dessa forma de emancipação meramente
política.
Uma distinção fundamental entre sociedade política e sociedade civil é que
no plano político a emancipação pode se dar apenas nos limites do poder
estabelecido da sociedade burguesa, enquanto no âmbito da sociedade civil, temos
as relações de poder em sua concretude, entretanto, como Marx afirma, a
emancipação política embora insuficiente é uma etapa necessária para a
emancipação humana, e só podemos atingir a emancipação humana usando do
Estado como meio.

You might also like