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O ESTUDO DE LÍNGUA

PORTUGUESA
Luiz Carlos Travaglia
Stella Maris Bortoni-Ricardo
Vanessa Souza da Silva
Lúcia Furtado de Mendonça Cyranka
INTRODUÇÃO
• Há um descompasso entre o ensino de Língua
Portuguesa nas escolas e os resultados dos
alunos em termos de competência quanto ao
uso da variedade culta.
• Para compreender isso, é necessário entender
como essa disciplina tem sido tratada na
trajetória escolar brasileira.
• É necessário entender:
 Os objetivos do ensino de língua materna (LM).
• Para que se dá aulas de Português a falantes
nativos de Português?
 Segundo Travaglia (1998), podemos dar quatro
respostas:
1) Desenvolver a competência comunicativa dos
usuários da língua:
• Capacitar progressivamente o usuário a realizar a
adequação do ato verbal às situações de
comunicação.
• Competência comunicativa:
 Competência gramatical ou linguística:
o Gerar sequências linguísticas gramaticais (que sejam
admissíveis, aceitáveis como uma construção da
língua). Ex.:
 O ontem lanche menino comeu.
 Competência textual:
o Produzir e compreender textos considerados bem
formados.
o Capacidades textuais básicas → Travaglia, p. (18).
Portanto:
 Se a comunicação acontece sempre por meio de
textos, e
 Se o objetivo do ensino de LM é desenvolver a
competência comunicativa,
 Então deve-se desenvolver a capacidade de
produzir e compreender textos nas mais diversas
situações de comunicação.
2) Levar o aluno a dominar a norma culta ou
língua padrão e ensinar a variedade escrita da
língua:
• A variedade culta, padrão, formal da língua,
bem como sua forma escrita, são formas
adequadas ao uso apenas em determinados
tipos de situação de interação comunicativa;
• Portanto são objetivos de uso mais restrito que
o primeiro.
3) Levar o aluno ao conhecimento da instituição
linguística:
• Conhecer a instituição social que a língua é;
• Conhecer como ela está constituída e como ela
funciona (sua forma e função);
• Portanto, tem utilidade no campo da
“informação cultural” (PERINI, 1988): todo
indivíduo civilizado tem que deter essa
informação. Ex.:
 “Colombo ‘descobriu’ a América em 1492.”
“Correr é um verbo.”
4) Ensinar o aluno a pensar, a raciocinar, o modo
de pensar científico:
• Desenvolver habilidade de observação e de
argumentação acerca da linguagem;
• São habilidades importantes nos vários campos
do conhecimento humano.
* COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA E COMPETÊNCIA
COMUNICATIVA
• O conceito de competência linguística proposto por
Chomsky em 1965 não dava conta das questões da
variação da língua.
• Dell Hymes, em 1966, propôs, então, o conceito de
competência comunicativa:
Dentro da matriz social na qual adquire um sistema
gramatical, uma criança adquire também um sistema de
seu uso com relação a pessoas, lugares, objetivos,
outros modos de comunicação, etc. – todos os
componentes de eventos comunicativos, juntamente com
atitudes e crenças em relação a eles.
 Passa a incluir as normas sociais e culturais que
definem a adequação da fala;
 Permite ao falante saber o que falar e como falar com
quaisquer interlocutores em quaisquer circunstâncias.
 Em todas elas, ele tem sempre de levar em conta o
papel social que está desempenhando.
 Ex.: p. 29(73) (Bortoni-Ricardo) + Questão:
(ENEM 2009-adaptada)
No texto, na representação escrita da conversa
telefônica entre a gerente do banco e o cliente,
observa-se que a maneira de falar da gerente foi
alterada de repente devido
a) à iniciativa do cliente em se apresentar como
funcionário do banco.
b) ao fato de ambos terem nascido em Uberlândia
(Minas Gerais).
c) à intimidade forçada pelo cliente ao fornecer seu
nome completo.
d) ao seu interesse profissional em financiar o veículo
de Júlio.
e) à adequação de sua fala à conversa com um amigo,
caracterizada pela informalidade.
 Noção de viabilidade: para viabilizar um ato de
fala, o falante precisa dispor de recursos
comunicativos de diversas naturezas:
gramaticais, lexicais, retórico-discursivas etc.
 Ex.: líderes comunitários (p. 44) e leiloeiro (p.
45).
 As pessoas vão adquirindo recursos
comunicativos à medida que vão ampliando
suas experiências na comunidade onde vivem e
passam a assumir diferentes papeis sociais.
• Qual o papel da escola nesse sentido?
 Facilitar a ampliação da competência
comunicativa dos alunos, permitindo-lhes
apropriarem-se dos recursos comunicativos
necessários para se desempenharem bem, e
com segurança, nas mais distintas tarefas
linguísticas.
• Parâmetros associados à ampliação dos
recursos comunicativos:
 Grau de dependência contextual:
 Ex.: irmãos brincando [p. 76 (Bortoni-Ricardo)].
 Grau de complexidade do tema abordado:
 Ex.: Contar uma narrativa de experiência
pessoal é cognitivamente menos complexo que
recontar um filme assistido.
 Familiaridade com a tarefa comunicativa:
 Ex.: entrevista [(p. (78) (Bortoni-Ricardo)].
A VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA E O
ENSINO DE LÍNGUA
MATERNA
Sírio Possenti
João Wanderley Geraldi
AS ESTRUTURAS LINGUÍSTICAS
• Existem línguas simples ou complexas, primitivas e
desenvolvidas?
• Existem dialetos simples ou complexos, primitivos
e desenvolvidos?
 Todas as línguas são estruturas de igual
complexidade. O mesmo vale para a comparação
entre dialetos de uma mesma língua.
 As diferenças mais importantes entre dialetos
populares e dialetos padrões estão ligadas à
avaliação social que deles se faz,
 Esse valor passa, em geral, pelo valor atribuído
pela sociedade aos usuários típicos de cada
dialeto.
• Portanto:
 Língua e dialetos são complexos →
Falantes os conhecem e falam →
Falantes têm conhecimento de uma estrutura
complexa.
• Qualquer avaliação da inteligência do falante
com base na desvalorização de seu dialeto é
cientificamente falha.
• Consequentemente: os indivíduos que falam
dialetos desvalorizados são tão capazes quanto
os que falam dialetos valorizados.
• A transformação de uma variedade linguística
em variedade “culta” ou “padrão” está associada
a fatores, como:
 A associação dessa variedade à modalidade
escrita;
 A associação dessa variedade à tradição
gramatical;
 A dicionarização dos signos dessa variedade;
 A consideração dessa variedade como
portadora legítima de uma tradição cultural e de
uma identidade nacional.
O ENSINO DE PORTUGUÊS E A VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA EM SALA DE AULA
(Bortoni-Ricardo; Rocha)
• Ritmo lento nas variedades brasileiras do
português;
• Os colonos, vindos de diferentes regiões de
Portugal, tenderam a um amálgama mais
conservador: prejuízo às novas variantes.
• Nativos e escravos: interlíngua – transmissão
linguística irregular (NARO; SCHERRE, 2007).
• Modelo teórico-metodológico de 3 contínuos para uma
descrição mais detalhada da ecologia linguística do PB:
 Rural-urbano: qualquer falante em função de seus
antecedentes, de sua história social e de sua rede de
relacionamentos;
 Oralidade-letramento: foca nas práticas sociais (orais ou
letradas), considerando a diversidade cultural de produção
e a implementação dessas práticas;
 Monitoração estilística*.

* Leva em conta:
• A acomodação do falante a seu interlocutor,
• O apoio contextual na produção dos enunciados,
• A complexidade cognitiva envolvida na produção
linguística,
• A familiaridade do falante com a tarefa comunicativa que
está sendo desenvolvida.
• Urbanização: no Brasil, ela não veio precedida de
industrialização;
• Até o início do século XX, o Brasil é rural.
• Em 2010, a população urbana passou a ser 84% do
total.
• “Rurbano”: populações rurais com razoável integração
com a cultura urbana e populações urbanas com
razoável preservação de seus antecedentes rurais.
• Esse contato:
 desencadeou mudanças rápidas na evolução da LP no
Brasil;
 essas mudanças se expandiram mais nas áreas
interioranas;
 contribuiu para a heterogeneidade do PB.
• Heterogeneidade:
 falta de uma política educacional eficaz;
 não circulação de textos escritos.

• Estratificação das variáveis:


 “Descontínua”: variedades regionais e sociais
isoladas, que são mais estigmatizadas pela
sociedade urbana hegemônica;
 “Gradual” ou “Contínua”: regras graduais que estão
presentes no repertório de quase todos os
brasileiros, a depender do grau de formalidade.
A CONSTITUIÇÃO DA DISCIPLINA LÍNGUA
PORTUGUESA E A VALORIZAÇÃO DA
TRADIÇÃO EUROPÉIA
• Há unidade na formação da língua portuguesa?
• Até o século XVIII, o português ainda não era a
língua dominante:
 Língua geral (línguas indígenas);
 Latim (ensino jesuítico).
• Portanto, anula-se a hipótese de uma unidade
na formação da língua portuguesa.
• O português brasileiro (PB) nasce com
diversidade.
• Língua geral: tratava-se de um tupi simplificado,
gramaticalizado pelos jesuítas e, assim, tornado
uma língua comum.
 Essa língua era fundamental para a
comunicação com os indígenas, os quais ainda
eram bastante numerosos;
 Era também a língua dos bandeirantes;
 Segundo o Padre Antônio Vieira, “a língua que
nas famílias [dos portugueses] se fala é a dos
índios, e a portuguesa a vão os meninos
aprender à escola.”
 Ou seja: apenas uma elite.
• O português era apenas um instrumento para a
alfabetização nas chamadas escolas menores,
• E, dela, passava-se para o latim.
• Em 1757, o marquês de Pombal proibiu
oficialmente o uso dessa língua no Brasil e
obrigou o uso da língua portuguesa.
• Ele a reconheceu no currículo nacional.
• Os alunos da classe dominante desejavam uma
educação de acordo com a tradição europeia.
• Portanto, o ensino de língua portuguesa
satisfazia os interesses culturais dos alunos?
A ESCOLA SE ABRE PARA O POVO
• Décadas de 1950 e 1960: as classes populares
passam a reivindicar o direito à escolarização.
• Democratiza-se a escola, e os filhos dos
“trabalhadores” povoam as salas de aula
(SOARES, 2002).
• Portanto, há a necessidade de se reformular as
funções e os objetivos da escola e, também, da
disciplina de Língua Portuguesa.
• Por quê?
 A nova clientela trazia consigo uma variedade
linguística não estudada na escola.
• Elevação da quantidade de alunos. Qual uma
outra consequência?
 Aumento da quantidade de professores.
 De onde (com qual nível de escolarização)
viriam tantos professores?
 A qualificação deles passou a sofrer um menor
rigor.
 Acentua-se, assim, o processo de depreciação
da função docente:
 Com o rebaixamento de salários;
 Transferência para o LD da tarefa de preparar
aulas e exercícios.

• O que havia no livro didático?


 Primazia da gramática sobre o texto e a
concepção de linguagem como sistema.

• E agora, o ensino de língua portuguesa


satisfazia os interesses culturais dos alunos?
O avanço da Sociolinguística no Brasil...
• A Sociolinguística mostrava que o sistema
linguístico é heterogêneo,
• E essa heterogeneidade tem relação com variáveis
externas ao sistema, como idade, sexo, etnia,
classe social, estilo.
• Divisor de águas para apreender o uso real da
língua:
 Criação do Projeto NURC, em 1969. Objetivos:
ajustar o ensino da língua portuguesa, em todos
os seus graus, a uma realidade linguística
concreta, evitando a imposição indiscriminada
de uma só norma histórico-literária, por meio de
um tratamento menos prescritivo e mais
ajustado às diferenças linguísticas e culturais do
país. (Rosa Virgínia SILVA, 2004, p. 42).
OS ANOS 80/90
Novos estudos acerca de uma concepção de
linguagem para nortear a prática pedagógica são
intensificados.
• Estudos de descrição da língua portuguesa
escrita e falada:
 Retira a primazia da língua escrita no
conhecimento da gramática,
 Abre espaço para a criação e o reconhecimento
da gramática da língua falada.
• Sociolinguística:
 Alerta a escola para as diferenças entre as
variedades faladas pelos alunos e a variedade
de prestígio preconizada no ensino da língua.
NOVAS PERSPECTIVAS E VELHOS PROBLEMAS
• Década de 1990 até os dias atuais: alterações?
• O professor de Língua Portuguesa continua(va)
investindo a maior parte dos esforços no ensino
da terminologia gramatical,
 No espaço reservado aos exercícios escritos;
 E continua(va) ignorando as variedades
regionais e sociais não-standard.
• E o material didático de apoio a essas práticas
pedagógicas para trabalhar a diversidade
linguística dos alunos?
• E a própria preparação do professor para
ensinar a língua dentro dessa nova concepção
de linguagem?
• É necessário maior investimento em formação
continuada;
• Maior valorização da carreira do magistério para
que o professor tenha tempo para investir em
estudos dessas novas perspectivas e para que
possa planejar material didático correspondente
a elas.
• Que gramática ensinar?
Normativa (prescritiva), descritiva ou
internalizada?
• Possenti (1983[2004]) sugere o convívio, na escola, com
os três tipos e
• Colocando em último lugar aquela a que a escola tem
dado primazia: a gramática normativa.
• Por que em último lugar?
 Se o objetivo da escola for dominar a variedade padrão e
tornar os alunos hábeis leitores e autores de seus
próprios textos, então não é necessário ensinar
nomenclatura gramatical;
 Ter domínio do português padrão significa a aquisição de
determinado grau de domínio da escrita e da leitura:
 escrever diversos tipos de textos como narrativas,
bilhetes, cartas diversas, textos argumentativos,
informativos, etc.,
 ler textos também variados sobre diversos assuntos
(literários e não literários) e
 conhecer alguns clássicos da literatura universal.
• Que relações existem entre língua e poder?
 Para Gnerre (1998 apud BOURDIEU, 1977):
Uma variedade linguística “vale” o que “valem” na
sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo
do poder e da autoridade que eles têm nas relações
econômicas e sociais.
 Para Geraldi: a linguagem é um dos caminhos para
romper o bloqueio de acesso ao poder;
 Se ela serve para bloquear, também serve para
romper o bloqueio.
 Portanto, o ensino da língua deveria centrar-se na
leitura/produção de textos e na análise
linguística, a fim de ultrapassar a artificialidade
que se constitui na prática quanto ao uso da
linguagem.
ALGUMAS OBSERVAÇÕES:
• Se a língua não é estática nem acabada,
• As tentativas na direção dessa ruptura estarão
também em permanente construção, com erros
e acertos, mas sempre em movimento.
PRINCÍPIOS BÁSICOS PARA A
IMPLEMENTAÇÃO DA SOCIOLINGUÍSTICA NA
EDUCAÇÃO
(Bortoni-Ricardo)
• Primeiramente, é uma etapa preliminar e
importante:
 A descrição das regras variáveis.
• No entanto, não basta mostrar ao aluno essas
“novas” regras;
• É preciso desenvolver uma pedagogia sensível às
diferenças linguísticas e culturais dos alunos.
• Como fazer isso?
 Mudando a postura da escola (de professores e
alunos) e da sociedade em geral.
1) A influência da escola não deve ser procurada
em estilos coloquiais e espontâneos dos
falantes, mas em seus estilos mais monitorados
• Vernáculo: sistema básico da língua;
• Estilo monitorado: tarefa da escola (p. (131)).
2) A escola deve ocupar-se principalmente das
regras variáveis que recebem avaliação
negativa na sociedade, enfatizando as que são
mais salientes
 Ex. pouco saliente: “Recebi ontem meu
contracheque. Ao receber fiquei surpresa.”
 Ex. saliente: “Recebi ontem meu contracheque.
Ao receber ele fiquei surpresa.”
• Nesse contexto, a escola deve treinar o uso dos
pronomes oblíquos.
3) O estudo da variação sociolinguística no Brasil,
por não estar essa variação associada
basicamente à etnicidade, exceto no caso das
comunidades linguísticas bilíngues, não tem o
potencial de conflito interétnico que assume em
outras sociedades
• Conduzido com sensibilidade e respeito, esse
estudo pode ser muito positivo:
 Quando o professor sensível às diferenças
sociolinguísticas e culturais:
 O aluno é reconhecido como um falante legítimo e
 Começa a aprender a alternar entre seu vernáculo
e a norma de prestígio.
4) Os estilos monitorados da língua devem ser
reservados à realização de eventos de
letramento em sala de aula. Eventos de
oralidade podem ser conduzidos em estilos
mais casuais
• Dicotomia entre: Letramento e Oralidade
 Letramento: língua que usamos para ler,
escrever e falar, quando falamos da maneira
como escrevemos;
 Oralidade: língua que usamos para falar com
pessoas de quem gostamos e em quem
confiamos.
5) A descrição da variação da Sociolinguística
Educacional não deve ser dissociada da análise
etnográfica de sala de aula:
• Ela permite avaliar o significado que a variação
assume para os atores naquele domínio,
particularmente a postura do professor diante de
regras não padrão da língua
• Atenção voltada para:
 Os padrões de emprego da variação e
 Os significados que essa tem no processo
interacional para os atores ali envolvidos.
 Ex.: Para alguns alunos
→ dialeto vernáculo: inserção numa cultura de rua
que prezam; ou
→ domínio do estilo monitorado: prestígio.
6) É importante que professores e alunos tenham
uma conscientização crítica de que a variação
linguística reflete desigualdades sociais.
• Isso promove o empoderamento do professor,
• O professor vai dialogando com produtos da
pesquisa acadêmica para promover uma
autorreflexão e uma análise crítica de suas
ações.
Proposta de curso de treinamento para
professores
• Ver p. (145).
SOCIOLINGUÍSTICA APLICADA À EDUCAÇÃO
(Cyranka)
• Levar para a sala de aula a discussão sobre a
variação linguística,
• Orientando os alunos a reconhecerem as
diferenças dialetais e
• A compreenderem que essas diferenças são
normais, legítimas e devem ser consideradas na
seleção das estruturas a serem utilizadas.
• “Certo/errado” → “adequado/inadequado”.
• Propostas de atividades: p. (173).

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