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fol Ne CAMEL esi@ [ble especial PENSADORES DA Historias de vida e a obra de Freud, PC elma can Lacan e Winnicott igen lege iy BS eleRM Sou MUS LN -) a corrente brasileira Claudio Eizirik, felgorie (culmea discute a revisGo de pressupostos tedricos da pratica analitica Técnica completa 100 anos e evita tratar Os pequenos como adultos em miniaturas escata A arte como uma leitura dos significados reprimidos e inconscientes clo individuo Confira abaixo a relagao dos livros ja publicados desta colecao O1 Assim falava Zaratustra Nietzsche 288 pig. ——RS-6.90 02 A Origem da Famila, da Propriedade Privada e do Estado Engle 192 pag ——«RS5.90 03. Elogio da Loucura Erasmo 107 pag. RS-490 04 A Repablica - Parte | Placa 191 pig ——_RS.5,90 05 Republica Parte I! Placio 345 pie. —-RS-6.90 06. As Paixées da Aira Descartes 143 pag RS-4,90 07 A Origem da Desigualdade entre of Homens Rousseau 12 pie RS-4.90 08 Arce da Guerra Maquiave! 176 pag ———RS5.90 09 Utopia Thomas More N12 pag ——RS-4.90 10 Discurso do Método Descartes 79 pig RS$-4.90 11 Monarquia Dante Alighieri 127 pie. R$-4.90 12. 0 Principe Maquiavel 127 pig RS. 4.90 13 © Contrato Social Rousseau 159 pag. RS5.90 14. Banquete Dante Alighiors 224 pag. ——_—RS-6.90 15 A Religio nos Limes da Simples RazSo Kane 190 pig. R$5.90 16 APolitica Aristécoles 284 pig «RS. 6.90 17. Cindido ou © Otimismo/© Ingénuo Voltaire 158 pag. RS5.90 18. Reorganizar a Sociedade Comee NO pag RS 4.90 19 A Perfeica Mulher Casada Luis de Leén 2 pig ——-RS-490 20 A Genealogia da Moral Nietzsche 154 pag. $5.90 21 Reflexdes Sobre a Vaidade dos Homens/Carta Sobre a Fortuna Mathias Aires \69 pie. RS 590 22_De Pueris (Dos Meninos) e A Civiidade Pueril Erasmo 158 pag. $5.90 23 Caracteres LaBruyére 285 pag ——«RS.6.90 24 Tratado Sobre a Tolerdncia Volesire 141 pag. R$-4.90 25 Investigacto Sobre o Entendimento Humane Hume 173 pig —-RS5,90 26 A Dignidade do Homem Pico Della Mirandola 93 pig S490 27 Os Sonhos ‘Quevede 126 pag RS-4,90 2B _Crepisculo dos Idolos Nietzsche 109 pag RS 4.90 29 Zadig Volare N10 pag ——RS-4.90 30 Discurso Sobre o Espirito Postivo Comee 110 pag RS-4.90 31 Além do bem e do mal Nietzsche 2I8pég R690 32_APrincesa de Babilénia Voteaire 93 pig S490 33 A Origem das Espécies - Tomo | Darwin 186 pag RSS90 34 A Origem das Espécies - Tomo Darwin 236 pig ——=RS-E90 35. A Origem das Espécies - Tomo Il Darwin 7 pag R590 36. Solibquios Santo Agostinho i24pag S490 8 37 © Livrodo Amigo © do Amado Lilo Tapa = RS4I0 38 Fabulas Fedro 138 pag S490 39 A Sujeicio das Mulhoros Seuare Mit 140 pig «S490 40. Sobrinho de Rameau Diderot 105 pag S490 41 0 Diabo Coxo Guevara pd RSA90 42 Humano, Demasiade Humane Nietesche 303 pig. S690 43. AVida Feliz Séneca 123 pig S490 44. Enssio Sobre a Liberdade Seuare Mil 157 pag RS5.90 45. Gaia Ciéncia Niewesche 24pig REED 46 Cartas Persas | Montesquieu 189 pag S590 47 Cartas Persas I ‘Montesquieu 368péz R690 48. Principios do Conhecimento Humano George Berkeley 12 pig S490 49 OAteu 8 0 Sabi Voltaire S2pig = RSA90F 50_O Livro das Bestas Lito 95 pig S490 51 AHora de Todos ‘Quevedo 159 pig S490 52 OAnticristo Nietesche 127 pag R490 53. A Trangiilidade da Alma /A Vida Retirada Séneca NOpie. —RS4.90 54_ Paradoxo Sobre o Comediante Diderot 124 pag RS4.90 | 55. O Conde Lucanor Dom Juan Manuel 219 pag RSE.90 56 © Governo Representativo Seuare mit 270 pig. S690 57, Eece Homo ‘Nietzsche 123 pig. R690 58. Carta Floséficas Voltaire 64 pig 55.905 59 Carta Sobre os Cogos © Carta Sobre os Surdos ¢ Mudos Dideroe 167 pie —RSS90 60_A Amizade Cicero 38 pig S490 61 Do Espirito Geométrico e Pensamentos Pascal lpi S490 E 62_Critica da Razso Pritica Immanuel Kane 191 pig RS5.90 63. A Velhice Saudivel e O Sonho de Cipito Cicero ‘apg RS4900 EF 64. Dos Trés Elementos Lopez Medel 258 pig. ——-RS-6.90 eI Cec ucy) 5 r Een eee: icy a Ps eens Certs io | aD * elena i. Sumario 4 psique ai. HISTORIA Um novo método terapéutico criado por Sigmund Freud Mn CLINICA Revisdio dos pressupostos tedricos da prética analitica Ae CRIANGAS Melanie Klein e sua técnica do brincar 62 AUTORES NACIONAIS Corrente brasileira 6 representada por e Isaias Melsohn e 7 Fabio Herrmann INFLUENCIA Aproximagéo da Psicandlise com a critica de arte LIVROS GRANDES Ea PENSADORES CURSOS Contribuigées de Bion, Winnicott, Lacan e cm André Green RODAPE psique especial iqeecaa com br ols (12) 38552100 / 3955-2191 Dretor de eda: el Seals tra Chee: sr Gos ‘oor Tenia ily Geer eo: eas Droeto de Arter Maro Arsene de ite: 2900 Ci Fal Noiba to Cosa eTyag Bode Sha Rite: De & Roca Costs Caaeradrs: rks Ct, af ahs Eis En Vide 0A Fre Fora sé Maris Cals Nt, J Reno saad ed ars Lean aero FrmochaaraTte a a Cr, Osa Car, Games, Rs Mra Cato Res Siro hetemen caLa uo ol, 551 — Casa en EP 02518000 So Palo Te +55) 38552100 ~ Fa (085) 11 39617813 Pos 16.381 ~ CP 0299897 SinPain Sask toon sled cen fax) 11 8809158 (ERENT: Saas SUPERVISOR DE ARTE Ean Pores ‘COORDENADORA DE PRE-MPRESSKO: Cin Kara eal EVBSAO: Mona ae Earac. ‘COORDERADORAS DE PRODUCO: an Fra so Sha, Fev d sete Ferra hase Nati Woes de Pave ‘GEENTE DE CRACAO PUBLICTARIA: Oto Serie nar ASSESSOR DE INPRENSA: Ho Sree ngrneneslacom te PUBLICDADE:pcisnedesclncomtr Fae se ae852122 “ao stan cnt at, Storage, 2a Oe, Rina e Shon Perro ca Streep) [REPRESENTANTES DE PUBLIIDADE PORTO ALEGRE fous Cc opeacicvtiacomtr Ts fos sassas78 VENDAS DRETAS: en Carts (58)11 38552100 cares cmt rar) 11 AM66168 ares cote ATENDIAENTO AO LEITOR ert (CENTRAL DE ATENDIMENTO. Ta 85138551000 Here: tno a 1400 Fa (36) 113579602 aenertaestcombe ‘Pius, lia & Va Especial -nimaro 04, EA 768.776.343,939 istaco com exo pta todo BRIS, FerandoChiaglaDtbada fs Teo da ‘Si, S07 Tel: 085) 21 38797766. Niners rere pode se ‘oles ao seoraleo una cnr de atereerto goer, sero domimere aor, exis os custo de gesagem, ‘Dik Bonen Sola, 3 DitibudorTerande Chnal {ene 98 peor dos nies arenes da Eto escla Pela, Cacia & Vda Especial ua pubicar3o ds lade Maknane meta ot Consehe eto es eo no se responsi pl. Editorial wil DISCUTIR A PSICANALISE partir da década de 1960, © Psicanéli AY © 2°22 e2te fet2n com ume grande demanda tanto por formagtio psicanalit MIDS... Guonic pele busce de tratamento, Uma possibilidade para este grande sucesso seria o fato de «© populago em geral acreditar que 0 método fosse copaz de responder &s questées que sempre preocupa- rom 0s seres humanos. Porém, esta aproximasdo com sociedade durou pouco e hoje muito se discute o fato de @ Peicanélise estar passando por ume crise. ‘Apés portiipor do XX! Congresso Brasileiro de Psicand lise, crriscarta dizer que nao ha crise elguma, E prova cisso foi o grande quontidade de proftsionais partcipontes do evento, vidos por dialogar e dlscutr esta pritica, E para fomenter cinda mis @ oferta por informa nes: ta Geo, « Edigdo Especial Psique Grandes Psicanalistas traz @ vida e a obra de importantes pensaclores nacioncis € internacionas, retratados por um grupe de especicisas vn- culados & Associasdo Brasileira de Peicanclse sob a coorde- nage téenica da psicanalista Suely Gevertz Freud, Melanie Klein, Lacan, Wincott eos brasileires Fabio Herrmann elso- ios Melson compem os paginas deste especial, que espera provar que © corrente continua eficaz na interpretastio do psiquismo humano e na lida com nossas civics existencias Boa leitura! Renata Armas t s Historia PSICANALISE, as décadas de 1960 ¢ 1970 ocor- reu no Brasil ¢ em outros paises, principalmente Argentina ¢ Esta~ dos Unidos, uma espécie de boom da Psicanilise, com uma grande demanda de formagio psicanalitica e busca por tratamento. Pode-se dizer que, em alguma medida, estar fazendo anilise ganhou, naquela época, 0 sig~ nificado de status, um qué de superioridade em relagio aos que nao a faziam. Como foi que isso aconteceu nao se sabe exatamente, mas uma possibilidade de reflexto que naquela época a Psicanilise tenha sido co- locada no lugar de uma nova divindade, capaz de trazer as respostas que os humanos sempre procuraram. Depois dela, surgiram a computa- io eletronica, o misticismo, as filosofias orien tais © os medicamentos ¢ drogas pesadas, todas representando a busca das tao sonhadas respos- tas, a auséncia do mal-estar, do sofrimento € a felicidade duradoura » —_ Apés este Boom, os psicanalistas sentiram uma certa perda de prestigio, na medida em que 8 psiquiatras viain sua importincia se elevar ‘com 0 surgimento dos medicamentos psicotré- picos, agora, mais eficazes e com menos efeitos colaterais do que os da primeira geragio, De- 6 psique posal Por Pepro Gomes Corrente se renova para nao perder 0 valor ¢ a utilidade que, durante muitos anos, levou legides de pessoas a procuré-la na esperanga de viver melhor ram-se conta, alguns, de que tinham se isola~ do, distanciado-se do mundo a sua volta. Sai- se da universidade, do debate entre as virias cigncias, ¢ nao se pensa que a Psicandlise pre- cisa ser explicitada, justificada a outros profis- sionais e, cabe ressaltar, nem sempre se soube fazé-lo, Nao estavam preparados para os deba- tes apoiados em questées epistemoldgicas ou cientificas, no sentido da necessidade de com- provacio de resultados. Com certo exagero, a Paicanalise foi chamada de ficgio por alguns cientistas de outras reas. Quando os neurocientistas descobriram, com sua técnica PET scan’, fatos que valida vam certas hipéteses levantadas por Freud so- bre o funcionamento mental, os psicanalistas sentiram-se como retirados do limbo ¢ revalo- rizados em alguma medida e com isto chegou- se a perguntar: por que a Psicanilise hoje? DEBATE PUBLICO Ainda nos anos 1970, a Psicanilise foi trazida para o debate piblico com denincias que atingiram as instituigdes psicanaliticas da época ¢ seu modo autoritirio de funcionar. A corrente saiu daquela espécie de santuirio © comesou a se discutir a estrutura de poder, arbitrariedades ¢ engajamentos politicos equi- vocados apresentados pelas instituigdes. Entao, ao longo desses tiltimos anos, a Psicandlise viu-se forgada a sair desta condigio apoiada na idealizagao dos discipulos em relago a0 mes- tre, para um arejamento de idéias, divergencias ¢ atitudes politicas. A formagao psicanalitica, ‘em especial, foi muito atacada por sua ortodo- xia e virios outros tipos de formagio apareci ram, Cré-se também que a Psicanilise se viu sem um discurso para acompanhar as mudan- as que ocorreram na sociedade. Agora, vé-se que ela se desenvolveu, arejou- purou-se, & mais consciente, qualificada € coerente para defender suas préprias idéias. Nesse proceso de exposigio publica, a influ- éncia da Psicandlise na cultura pode até ter au- mentado, mas a magica terapéutica diminuiu. ‘As pessoas querem alivio dos sintomas, solu- ges nipidas para os problemas e que a fala do analista seja mais objetiva e direta. O autoco- nhecimento por si sé perdeu seu valor. O lugar que ainda existe para a Psicandli- se como terapia é algo que todos se esforgam para descobrir. Realmente, os psicanalistas s surpreendidos com a transformagao da profis~ silo, as novas demandas dos pacientes e 0 esva~ ziamento dos consult6rios. Desde a década de 1990, Psicandlise vem passando por um tempo de perda de prestigio e descrédito como forma de tratamento das doengas psfquicas. Mas ha algo de novo que parece recoloci-la num lugar melhor. A corrente se reumanizou, deixou de ser, principalmente, uma investigacio sobre 0 psiquismo e estaria se tornando cada vez mais uma investigacao sobre o ser humano em seu inexorivel contexto relacional A énfise do tratamento também vem se des~ Jocando do intrapsiquico para 0 relacional, com foco no exame do chamado campo psicanalitico, (0) Uns xpi demguns oroatiics computador ave em 2 ‘agile do masts om coves bess, opdes do ere dea eels esis ets rabalanco drei lgumaeefa mens. Pedro Gomes ¢ presen cg Sara de Pcie (8, mento eetio amit data Suc Bra de cane de i de [ano (BPR) « meio Ide d sao Basler par Edo a Popa amliia Jo So MBE, oa peomes@ etcincombr q Wiistoria 8 psique esa formado por analista ¢ paciente, Acredita-se que este foco possa ser a esperanga de que a Psicandlise seja 0 lugar no qual 0 homem con- tempordneo vai encontrar respostas para suas inquietagdes, sem idealizacio ow misticismo, mas com um trabalho intenso e dedicado da dupla,a procura dos signifieados incon: que originam a vida psiquica das pessoas. nites PRINCIPAIS CRITICAS “A Psicandilise se tornow um tratamento obsoleto”; ‘no atende A velocidade da de- manda do homem moderne”, “ portanto, dificil de ser paga’s “nio evolui pa- ralelamente a outras evolugaes da sociedade”, as teorias psicanaliticas nao explicam o psi- quismo humano”s frases como estas esto en- tre as principaig erftieas feitas 2 corrente, No entanto, a Psicanilise € a diniva forma de tea- tamento psivolégico que se propde a ir além do alivio dos sintomas. Isto porque ela, por meio da experiencia relacional entre analista € paciente, ofereee uma segunda chance para que o paciente reative, reviva ¢ entenda de uma mancira diferente 0s problemas de suas relagoes anteriores para que, eventualmente, haja a possibilidade de modificagdes das de- ficou cara ¢, fesas ¢ estratégias que este individuo vai es- truturando para sobreviver, psicologicamente, da melhor forma que the seja possivel, ape- sar de estes recursos serem inadequados para © desenvolvimento psicolégico. Seriam mais adequados a protegio do sei do que as novas conquistas, Esta modificagdo, quando obtida,vai mais além do alivio do sintoma porque € uma mu- danga na maneira pela qual a pessoa pode ver suas relagdes humanas, compreendé-las_no seu modo de estar nelas e modifica modo parecer inadequado, A Paicanilise se oferece, em iiltima instincia, para a possibi- lidade de ressignificagao dos significados que determinam os modos de pensar e as atitudes das pessoas. Este € 0 caminho pelo qual uma felagio terapéutica pode oferecer mudancas. E nenhum outro,recurso terapéutico 0 pade, até agora, porque nao o pretende; é mais valori- zado-oalivio de sintomas, a retomada de certo grau de capacidade de trabalho c, para ficar com os valores da moda, o “estar bem”. Nesse objetivo particular, a medicagz0 cumpre um papel importante porque, de fato, as pessoas se sentem methor em termos de animo para o trabalho e para a vida. Entretanto, elas nio se tomam pessoas que adquiriram novo conhe- cimento sobre si mesmas; sentem-se melhores apenas subjetivamente. Entdo, 0 tratamento medicamentoso nao transforma o ser humano em um ser melhor. ‘Transforma-o em alguém que se sente me- Thor do que antes, no ambito inteiramente pessoal, com algumas conseqiiéncias favo~ riveis nos relacionamentos. Se uma pessoa esta de bem com a vida, ela, na verdade, deve ser mais agradavel para o trato, mais tolerante. Isto nado é uma. verdadeira mudanga na _ma- neira como uma pessoa se vé diante do mundo e vé o mun- do diante dela. Uma proposta que a Psica~ nilise tem, ¢ que nao se repete em nenhuma outra abordagem terapéutica, € a mudanga dos modelos de _relacionamento conscientes ” oiv”inconscientes que as pessoas apresentam. Uma outra possibi- lidade a ser muito valorizada é a reumanizacio do ser humano, porque muitos individuos vio acumulando experiéncias to negativas e des- favoraveis pela vida que comegam a se sentir cidadios inferiores, de segunda classe, teito ao que hd de melhor, sem poder sequer permitir-se sonhar com algo maior, porque as~ sim a vida foi demonstrando por meio de re~ lagSes ruins, desfavoriveis, pouco valorizs ofensas e maus-tratos, Numa relagdo com o psicanalista, essas condigbes que deixaram a pessoa um tanto magada, tém a possibilidade de ser refeitas ¢ 0 paciente voltara a se sentir, ou se sentiré pela primeira vez, um ser humano melhor qualifi cado, Isso é um dos assuntos que os modernos psicanalistas norte-americanos fazem muita questio de destacar: a reumanizagio do ser humano ¢ da Psicandlise, porque ela chegou se tornar apenas uma técnica de investiga- io fria e distante e, agora, esti se tornando realmente 0 estudo de uma relacao na qual se exé que a maneiea como 0 analista lida com 6 paciente ~ atenciosa, respeitosa, interessada na descoberta de significados, valores ¢ estra tégia tico, S possa, por si 86, ter um efeito terapéu- esse interesse em saber do outro jé tem capacidade de dar a0 outro um sentimento de que cle € valioso ¢ visto como alg ficado, porque alguém, o analista, geralmente interessa-se por saber dele em detalhes e em profundidade. A Poicanilise € hoje, uma indicagao de tratamento para problemas de auto-estima, mais do que no passado, quando era sugerida para a solugdo de conilitos psiquicos, neuro- ses, Esse poder de revalorizar o ser humano hos tempos atuais tem muita importincia porque parece que os habitos e a maneira de viver da modernidade apreciam muito pouco 0 individuo, que acaba dissolvido nos padrées de comportamento e tendéncias dominantes. E como se houvesse esmagamento da indivi dualidade como decorréncia do mundo mo- derno. Entao, « Psicanslise € hoje uma opor- tunidade em que se pode, com toda elareza, perceber que é possivel 0 resgate da individu- alidade e da auto-estima. ém quali~ Peres FOCO RELACIONAL E de certa for mais notaveis modificagdes na teoria € pritica psicanaliticas, a partir de 1990, tenham ocorrido nos Estados Unidos, pais onde a corrente foi olhada, desde 1950 até 1990, como rigida, esques tica, distante, fria,cruel, pouco subjetiva e muito adaptativa. O dard que a obter 1a curioso que as nuito médica american way of sugeria quai mudanga deve se em uma andlise: adaptar-se a um padrio mediano dentro dos valores daquela sociedade. Em outros paises, neste mesmo periodo, a Psicanilise evoluiu muito e de outra maneira: as relagdes de objeto inglesas e 0 pensa- mento radical de Lacan, na Franca, so exemplos deste desenvolvimento, No Brasil,ela foi se trans- formando da rigidez kleiniana para uma certa le veza winnicottiana, alguma influéncia francesa, intelectualizada, ¢ nada, a nao ser um certo desprezo pela Pricanalise norte-americana, bem ma dominada pela psicologia do “ego”. No final dos anos 1970, um pequeno grupo de psicanalistas no Rio de Janeiro, ao produ- zir um trabalho sobre 0 “Narcisismo 60 anos depois”, teve acesso a obra de Heinz Kohut, 4 andlise do Self, publicada em 1971, mas com pletamente desconhecida no Brasil até 1976. Este fato trouxe, para alguns, a descoberta de um psicanalista norte-americano diferente dos demais ¢ com idéias que combinam muito bem com certos valores da cultura brasileira, princi palmente a énfase no afeto, dentro da situacio psicanalitica, por meio da empatia como figura da técnica. Desde esta data, toma-se conheci- mento de uma verdadeira revoluso nos con- ceitos psicanaliticos, no s6 norte-americanos, mas mundiais ¢ € com esta corrente do pen- samento psicanalitico que esté identificada e € nela que se cré ter encontrado um lugar atual para a Psicandlise CONCEITOS NOVOS Conforme diz uma psicanalista norte-ame- ricana muito conceituada, Donna Orange, que utiliza o termo “compaixio amigavel” para de- finir uma propriedade emergente de campos Petrecsy Eliigreke enone Pome st a Petree caret a fala do analista seja objetiva e direta.O autoconhecimento por si s6 perdeu seu valor pique pecs 9 i. Histéria Opa Prone Reg Recess a ser decodificado, m: Sone fascinante formado eer relaci Bcc tenats ts 10 psique CATES SEE Prensa | paixio psicanalitica e constituem uma atirude a relacionais ou sistemas bem sinto~ nizados entre pessoas, a hostilidade © o desprezo parecem surgir, natu- ralmente, de campos relacionais ou sistemas mal sintonizados. © termo compaixio em Psica~ nélise figurou completamente in perado e, até mesmo, chocante, mas © trabalho de Donna Orange 0 co- loca muito bem entre as concepgdes da moderna Psicanilise relacional. Antes de resgatar 0 termo, a autora comentava a capacidade de compar- tilhar o sofrimento do outro, a que denominava “fungao psicanalitica de testemunha”, Compaixio nao é pena, condescendéncia ou desaten- ta e falka atirude de fizer do outro um ¢oitadinho, Abracar os temas, contexto € complexidade em nossa teoria € pritica dio suporte a com- € capacidade que © analista passa a trvzer a0 compromisso psicanalitico, Compaixio nfo é técnica ¢ menos ainda é “uma regra técnica. Ao contrisio, é provesso € atitude, Como processo, equivale 4 compre ensio emocional: é 0 proceso dialégico de agiientar a situaga0 com o outro e chegar a. um entendimento juntos. Como atitude, ha- bilita formas de experiéncias, até entéo, im- provaveis ou desconhecidas para paciente e analista. Formas implicitas ¢ explicitas de participacio no sofrimento do paciente criam um mundo de compaixio que introduz novas possibilidades de experiéncia. Esta participagio ¢ uma forma de estar com € nao uma formula para fazer Psicanilise. No Ingar em que havia indiferenga, humilhagio, rejeigao e perdas esmagadoras,o entendimento psicanalitico compassivo nfo apenas substitui ou cicatriza, mas vai prover, intencionalmente, uma nova experiéncia. Quando o analista tra: {a uma pessoa com tum interesse interminavel por entendé-la € ao seu sofrimento como algo. que vale a pena compartilhar, esta atitude de compaixio afirma, implicitamente, 0 valor hu- mano do paciente por ele se sentir, talvez, pela primeira vez, com dignidade de se ver tratado como sujeito de sua propria experiéncia. Estas so, em sintese, algumas idéias que explicitam uma nova forma de praticar Psica~ nilise e que podem indicar a seeventia desta corrente nos tempos atuais, Fica facil perceber a importincia maior atribuida experiéncia afetiva vivid: no campo da anise, ocupando © lugar prioritério da cognigio: trazer A cons- ciéneia o que era inconsciente, levantar as bar- reiras da repressao, superar as resistencias. O paciente nao é, principalmente, um mistério a ser descoberto, um cédigo a ser decodificado, mas sim, um personagem fascinante, formado num interjogo de relagdes humanas de alti sima complexidade, fortemente inffuenciadas por contextos variaveis. Significado, vinculo, apego, contexto, com- plexidade, relacdo, campo, experiéncia emocio- nal e ressignificacio passaram a ser termos mais ‘ow menos comuns em conversas entre analistas ¢ trabalhos publicados. Nao se coloca a Psica- nilise entte as ciéncias definidas pelas idéias de Descartes: mente monidica, autonomia do Eu, concessio A percepcio do Outro, mente fun- ‘cionando como o corpo, voluntariamente. Pen- ‘sa-se na mente como uma construcio coletiva, representando © conjunto dos valores de um ripe = eeteailis puincipalmente. ‘Todas estas idéias novas, por certo, ainda io sio dominantes, visto que ainda nao sio bem absorvidas e, em certas dreas, até mesmo combatidas ¢ desqualificadas. Mas seri que elas poderio trazer novamente 4 Psicanilise 0 lugar de importancia que cla ji teve entre as psicoterapias? Cré-se que sim. Nao se ignora e até se compartilha a presenga maciga da medi- cagio psicoativa, produto de uma conjungio de interesses econdmicos e hedonistas. Pacientes querendo no sofrer, querem estar bem pelo menor prego, médicos recebendo muitos pa~ cientes em seus consultérios e oferecendo-thes mais medicamentos, industria farmaceutica obtendo luctos estratosféricos, sade piblica diminuindo os custos, as filas ¢ as reclamagGes. Enfim, uma nova era plena de conveniéncias. Entretanto, o ser humano merece mais e quan- do se der conta disso, querer mais auto-estima, respeito, considetacdo € reconhecimento, Este ser humano que poder surgir, ou nao, na era pos-farmacologica tera, certamente, um olhar mais valorizador sobre a Psicanslise. Historia Um novo paradigma proposto por Ao tentar determinar a etiologia dos sintomas observados em pacientes neuréticas, Freud cria um novo método terapéutico capaz de transcender o particular e influenciar toda a nossa cultura 12 psique 20 Por Oscar CARRERA Oscar Carrera é mento eh da Saeed Basia de Pale do Bo de aco (PA, reser de vis cae idsios @ dis des sada end tala su fag pari 12 Asa Pca ge, candida no ao de 1902. Cat: scare @ goto. termo psicandlise foi cria~ do por Sigmund Freud (1856-1939) para designar um novo método terapéu- tico que ele vinha desenvolvendo para 0 tratamento das neuroses. Aparece pela primeira vez no idioma germanico, num artigo seu intitulado Novas observagées sobre as neuropsicoses de defesa. Neste tra- balho, de 1896, estao contidas algumas de suas primeiras tentativas tedricas, que tinham por finalidade determinar a ctiologia de algumas manifestagées sin- tomatolgicas observadas em pacientes neuréticos e psicdticos. A principal tese deste trabalho seria ade que esta etiologia deveria ser procu- rada nos conflitos psiquicos motivadores das diversas defesas psiquicas. Tais defe- sas acontecem sempre como uma alter- nativa para a resolugio destes contlitos. Entdo, teoricamente, para cada uma das psiconeuroses, corresponderia uma alter~ nativa defensiva. A tarefa que se impunha era a de encontrar um modo de articular estas idéias de conflitos, exigéncias, de- fesas, formagio de sintomas, ao mesmo tempo em que se fazia necessirio aperfei- oar um método terapéutico que possibi- litasse auxiliar os pacientes na obtengao das informagies necessirias, Reunindo com o mesmo interesse todas as descobertas e dificuldades que surgiam durante o trabalho ch the possivel, por um lado, aperfeigoar sua pritica terapéutica e, por outro, criar, pau- latinamente, um novo corpo teérico que surgia como conseqiiéncia destas obser vagées. Enquanto investigava os enigm- ticos universos psiquicos que emergiam sorrateiramente aqui e ali, nas reticen~ tes confissbes destas pacientes, Freud se deparava com as pegas soltas de um quebra-cabesa que exigia comprecnsio, Hoje, seus ensinamentos sio por demais conhecidos e, de um modo ou de outro, todos nés j4 vivenciamos no dia-a-dia, a tranqilila constatagio da sua enorme im- portancia em nossas vidas. ico, foi- © INCONSCIENTE FREUDIANO A pratica médica sempre esteve corre- tamente norteada, no sentido de iden ficar as lesdes e patologias que pudessem justificar e orientar 0 processo de cura das mais variadas queixas apresentadas por seus pacientes. Assim, na Neurologia, por exemplo, para cada sintoma de uma pique especs 13, i. Historia 14 psique sia paralisia motora, deveriam ser obri- gatoriamente encontrados aqueles sinais que evidenciavam a presenga de uma determinada etiologia pa- toldgica, uma lesio anatomica, res~ ponsivel por tal alteragao. Freud em sua trajetsria profissi nal encontrava-se mergulhado em pesquisas desta ordem. Estudava no laboratério de Fisiologia de Ernst Briicke as relagdes entre as diversas ccélulas nervosas ¢ como elas se arti- culavam entre si, formando comple xos sistemas de redes neuronais in- terligados. Sabemos hoje como todo © conteiido deste estudo neurolégi- co reapareceré entremeado em suas futuras descobertas psicanaliticas. Enquanto progredia em seus es- tudos histolégicos, Freud nos diz que atendeu 20 chamado do que ele mesmo considerou como sendo © seu “interesse maior”: a Psiquiatria e, sob a orientago de Meynert, seu professor, torna-se um profissional dos mais dedicados no Insti- tuto de Anatomia Cerebral. A distancia, na Franca, brilhava Jean-Mar- tin Charcot, renomado professor. Este médico possufa uma grande fama, pois corria a noticia de que experimentos inusitados eram realiza~ dos em suas concorridissimas sessdes clinicas. ‘Algo que agugava a curiosidade de todos, mo- ando toda a comunidade médica. ‘Todos os fendmenos demonstrados por Charcot aconteciam, tio somente, como con- seqiiéncia da enorme influéncia que as suges- tdes hipnéticas formuladas por ele exerciam sobre as frgeis e obedientes idéias de seus pa- cientes. O médico os hipnotizava e, por meio de suas sugestées, modificava seus psiquismos, Adicionava a eles uma nova informagio, um novo mandato, Como este proceso acontecia sem a participasio consciente dos pacientes, quando posteriormente estavam despertos, passavam a manifestar, um por um, pelos seus atos, todas aquelas ordens que haviam recebi- do enquanto encontravam-se sob hipnose. Como um prémio por merecimento profis~ sional, diz-nos o proprio Freud, *Foi-me con- cedida uma bolsa de estudos de considerivel valor. No outono do mesmo ano empreendi a viagem até Paris para continuar meus estudos” Uma vez li, por meio de suas atividades na Salpétrigre, Freud torna-se um eficiente cola- borador de seu novo professor, demonstrando muito entusiasmo com tudo o que vivenciava, tendo a oportunidade de traduzir para o ale~ mio alguns dos eseritos de Charcot. foco de seu interesse passou a concen- trar-se em “estabelecer a tese de que na histe- ria as paralisias c ancstesias das varias partes do corpo se acham demarcadas de acordo com a idéia popular dos seus limites € nio em con- formidade com fatos anatémicos’. Esta era entio uma grande e desconcertante novidade. Os sintomas apresentados, nfo respeitavam a anatomia ¢, portanto, poderiam estar sendo motivados por um outro fator etiolégico des- conhecido, UM NOVO ENIGMA EXIGIA ENTENDIMENTO Quando um feixe nervoso encontra-se afe- tado por alguma alterasio patolégica, quando existe realmente algum problema constatado, todas as fungdes a ele relacionadas, tudo o que se refere ao seu percurso neuronal estard obri- gatoriamente comprometido. Nao era isso 0 que acontecia quando se tratavam_ pacientes histéricas. Seus sintomas escapavam & possi~ bilidade de compreensdo e comprovagao e, por esta caracteristica, elas eram sistematicamente objetos de desprezo por parte dos tcrapcutas. Os sofrimentos ¢ queixas eram sinceros e ver- dadeiros, mas, para espanto, eram obrigadas a escutar que: “néo tinham nada”, “nenhuma enfermidade havia sido diagnosticada”. Pacientes histéricos eram entio, por este motivo, considerados como “corpos estranhos” pelos profissionais que os cuidavam. Apre~ sentavam, de fato, corpos “muito estranhos", pois os scus sintomas se manifestavam a partir de uma impossivel, improvivel e inexplicivel anatomia. Hoje, passados tantos anos, ainda ‘encontramos situagdes semelhantes em nossos atendimentos, convidando-nos a constantes reflexdes sobre o tema. Os pacientes submetidos & sugestdo hipné- tica de Charcot sabiam muito bem, ao sairem sconhecendo, entretanto, o porqué das suas notivacdes. Sabiam-se os tinicos responsaveis mas niio conheciam ne por tas e desta © que os determinava a ag ‘a, Estavam itremediavelmente conde nados a uma obediéncia cega. Repetiriam es- tes atos & exaustdo, pois, um mandato impe- rativo brotava de tempos em tempos, de suas proprias idéias, de seus proprios psiquismos, e sem motivos aparentes determinavam cond A idéia, a convicgio de que existiria no psiquismo um lugar com a fungio de arma zenar registros de meméria para uma futura dagio era aceita por todos. Quando por- ¢ uma alteracao nesta fungio, cla seria atribuida, por exemplo, a uma fa atengio ou até mesmo A constatagao de algum ps transes, 0 que estavam dizendo ou fazendo, | distirbio neurolégico. ra a convicgao passava a ser a de que deveriam existir pelo menos dois e nio apenas | um lugar psiquico. A certeza disto passou a se impor no ambiente médico, pois um deles conteria as memérias passiveis de ser lembra~ das, marcas mnémicas que poderiam ser res- gatadas para o pensamento consciente a qual- quer momento € com relativa facilidade. Um segundo lugar, deveria entio conter outras idéias, como as recebidas nos experimentos dos transes hipnéticos. Seria, igualmente, um lugar de registro de marcas mnémicas, mas com a total impossibilidade de resgate para © consciente. Eles fizem parte do psiquismo, disso jf temos certeza, mas o fazem agindo como uma criptonita das histérias do Super | Homem, que, mesmo varrida para debaixo do Charcot hipnotiza tuma de suas pacientas histérieas, Marie Wieeman, durance aula no Salpétriére, em Paris Estas apresentagées foram assstdas por Frevg, ‘que depois raduzie para o alemio algune importantes eseritos deste médico Historia Nese diva em seu consutori, Freud atendeu suas primelras analsandas, todas siagnosticadas ‘como histéricas ©. por iss, cderacrediadss no tratamento medico 16 psique es tapete, longe do alcance da visio, continuasse | a impor os seus efeitos de enfraquecimento | A humanidade que talvez nao seja tio | neurética assim, nos seus momentos de cri ses existenciais, parece vivenciar uma situacio bas mas no sabemos nem por que nem para qué. Como admitir este desconhecimento autoral da propria existéncia? Gracas aos ensinamentos de Copérnico, sabemos que nao somos o centro do universo; seguindo Darwin, adquirimos o entendimen- to evolucionista que nos retira de um lugar de isolamento privilegiado, contemplando 20 Jonge uma natureza distante com a qual nada parecida. Sabemos 0 que fazemos, temos a ver. Sao as chamadas feridas narefsicas que sempre determinam profundas modifica ges dos modelos de pensamento anteriores. Surge agora esta desconcertante novidade que nos obriga humildemente a acatar a con- vicgdo da existéncia, em toda a humanidade, destas duas formas de funcionamento mental. Uma delas, fruto desta descoberta tedrica tio recente, nos impés a conclusio inevitivel de que desconhecemos uma grande parte daquilo | que convencionamos chamar Eu. Freud, entio, seri o grande responsivel por revelar & humanidade uma te da narcisica, esta portentosa e dificil cons- ra feri- tatagao de que nao poderemos reivindicar para nds mesmos 0 total comando de nossos préprios pensamentos ¢ ages. Assim como aqueles individuos que se deixaram influen- ciar pelas sugestdes hipnéticas do grande mestre, toda a humanidade sera convidada a refletir que outros mestres, igualmente grandes, nos influenciaram durante os vi- ios anos de nossa existéncia. Freud nos dirt que cada psiquismo huma- no ser uma conseqiiéncia dindmica, resultan- te em eterna modificagao de poderosas forcas que irio influenciar-se reciprocamente, As chamadas séries complementares, que englobam as herangas genéticas, as vicissitudes congéni- tas, (acontecimentos vividos durante a época da gestagdo) e o vivencial, quando entao toda ‘uma sucessio de “grandes mestres”, exercendo as fungdes de pais e mies, tém a oportunidade de deixar as suas impresses em nossos psi- quismos. Deste modo, ser4 por meio de todas es- tay vivas € complexas inter-relagées, que 0 individuo ira se constituindo como um ser humano. As suas caracteristicas genéticas somente terdo a chance de manifestarem-se, nas mais variadas fases do desenvolvimen- to, se este mesmo desenvolvimento estiver possibilitado por razoaveis pré-condigoes genéticas, ¢ todos estes potenciais genéticos € congenitos, relacionando-se num ambiente vivencial minimamente regular. Aprendemos entto que todos nds somos 0 resultado desta eterna e constante metamorfose em que, provavelmente, teremos de incluir mui- to outros fatores ja conhecidos e outros ainda por conhecer. Somos, portanto, de acordo com a teoria psicanalitica, filhos do Destino, da Moira, do Acaso, da Familia, da Cultura, SIGNIFICADO DOS SONHOS Em Viena, envolto em esforgos bastante solitirios, que procuravam aperfeigoar 0 en- tendimento da alma humana, Freud conclui a sua mais importante obra, A Interpretagdo dos Sonos. Este trabalho retine importantes con~ sideragdes tedricas, mescladas a revelagdes au~ tobiogrificas, que resultam num texto sincero, causador de um grande impacto em todos 08 seus leitores. Parece que muito do que encon- tramos em suas paginas refere-se igualmente a nossa propria existéncia, De uma maneira categorica e de- finitiva, toda a teoria psicanalitica estard agora dirigida exclusivamente para as conseqiiéncias psiquicas de tudo aquilo que vivenciamos, ¢ que sob a forma de representacdes men- tais determinam as patologias neuré- ticas; palavras, pensamentos, vivén- cias, lembrangas, causando floridos sintomas. O objetivo do livro dos sonhos ser demonstrar, por meio de incontiveis exemplos, que devemos entender que “um sonho é a realiza~ do de um desejo”. A principio esta afirmativa parece um tanto simples, mas devemos nos lembrar da grande tradig4o popular de compreender os nossos sonhos como motivados pelas mais diversas circunstancias. ‘Como ja vimos, sempre que detectamos em nés qualquer manifestagao que se processa sem que saibamos o porqué, tendemos a con~ sidera-la como proveniente de algo externo, pois nao suportamos a constatagao das limita~ ges de nossa idealizada capacidade de possuir um total controle de nossas ages. Desejo, em Freud, nunca devera ser enten- dido como vontade. A vontade ¢ algo que nos orienta conscientemente para 0 tempo futuro. Refere-se aquilo que ansiamos conquistar por Jo possuirmos, € que supomos nos traré uma sensagio de grande felicidade. Desejo deve~ ra ser entendido como circuitos psiquicos ja percorridos. Portanto reparemos que os dese- jos falam de algo que j4 possuimos e que faz parte de nosso arsenal de vivéncias psiquicas. O desejo, portanto, aponta para um passado {que procura se presentificar. Posteriormente, 08 desejos poderio ser resgatados ou nio para © aleance dos pensamentos conscientes, mas, mesmo assim, nfo serio grande novidade. Sempre despertario uma sensagéo de serem simultaneamente estranhos e familiares. ‘As situagoes que acontecem em nossa vida cotidiana fornecem ao psiquismo um residuo de assuntos nfo resolvidos a que se convencionou chamar restos diurnos. Estes se associam incons- cientemente com aqueles desejos que procuram todo © tempo presentificar-se na consciéncia ¢ mediante a formagio de produtos mestigos, pique speci 17 restos diurnos,e desejos associam-se, construindo desta maneira uma alternativa, uma saida disfar- sada para o consciente. Assim, qualquer sonho obrigatoriamente iri constituir-se destes dois jue sofrerio uma transform: elementos, em imagens preferencialmente visuais, com uma pitada de aparéncia l6gica, que simule qualquer coisa que permita um razoivel sentido, Esta éa receita da elaboragio oniica, que ira surpreender a humanidade com suas ca- racteristicas cheias de incongruéncias ¢ ab- surdos, ocorrendo durante o estado de sono. Para que sonhamos? Qual seria o significado dos sonhos? PRAZER E DESPRAZER | Desde os tempos do laboratério de Fisiolo- ria, Freud ja havia feito uma observagio muito 18 psique espe facil de ser constatada por todos. Qualquer ser nulos e nenhum deles, dos vivo foge dos es mais element de bom grado que algo o incomode, exigin- do de sua parte uma reagao. A contrapartida psiquica que se impoe baseada nestas observa- ges sera o reconhecimento de uma tendéncia psiquica orientada para evitar todo e qualquer 1 que © sobrecarregue. Se isto nao for possivel, se a irrupgio de ener- vel, ai entio, observare- aos mais complexos, aceita recebimento de ener; gia psiquica for inevit ‘mos a emergéncia de uma segunda tendéncia Esta segunda opgao tera por finalidade livear-se 0 mais rapidamente possivel destas quantidades, mesmo insignificantes, que por ventura jé a tenha atingido. Ao aumento de energia que nos obriga a trabalhar psiquica~ mente para encontrarmos alternativas visando a sua imediata diminuigdo, Freud denominou Desprazer. Conseqiientemente, a diminui- so da tensio que nao nos foi possivel evitar denominaré Prazer. Freud nos diré que deve haver no psiquismo humano algum principio de funcionamento mental que tera como ca- racteristica principal evitar 0 Desprazer, bus~ cando em todos os momentos a diminuigao de tensio, o Prazer. Nosso psiquismo, segundo Freud, estar constantemente sendo estimulado tanto pelo entorno, o vivencial das séries complementa- res, como por suas proprias vivéncias internas como lembrangas, pensamentos, desejos etc., responsiveis pela existéncia de um residuo de ‘energia psiquica que, a0 no poder ser adequa- damente descarregada, estard sempre buscan- do brechas nas manifestagdes conscientes pe~ las quais possam encontrar alguma expresso mesmo que disfargadamente. Durante a noite, quando as condigées do estado de sono que Impedem ages motoras se fuzem presentes, alguns tipos de descargas acontecerio. Por meio dos sonhos, utilizando-se deste recurso de diminuigio de energia psiquica dissimula- da,a nossa mente reduz um pouco a sua tensio interna, 20 mesmo tempo em que nos possibi- lita permanecer dormindo. ‘Uma ver aceitas estas premissas sobre a feitu- ra dos sonhos, Freud eria uma espécie de tépica para exemplificar como, a seu ver, se constitui- tia o psiquismo humano. Para tanto, situa-o em, lugares virtuais, “como um tribunal de primei- ‘a instincia”, algo que sabemos do que se trata, algo que existe, mas ndo concretamente. For- mulou entio a concepgio de instincias psiqui- ‘as posicionadas de tal modo que permitissem uma visualizagio esquemitica de suas relagdes de dependéncias. Esta imagem grifica sera de~ nominada, posteriormente, como a sua primeira tépica, onde esto deseritos 0 Inconsciente, 0 Pré-Consciente € 0 Consciente. AUTO-ANALISE Na medida em que procura o significado dos varios sonhos relatados, Freud ira reali- zando, simultaneamente, pouco a pouco, uma auto-anilise, Para nutrir 0 seu texto com vi- tios exemplos, utiliza-se de seus préprios so- hos, ¢ mediante a andlise dos mesmos, em~ preende uma importante trajet6ria, decifrando-se a si mesmo. Freud ao longo de toda a sua obra, nos textos sobre metapsicologia, nos esctitos sobre a cultura, em seus arti- gos sobre a técnica psicanalttica, nos relatos de seus importantes historiais clinicos, nos textos de Psicanslise Aplicada etc.ira sustentar a idéia de que sérios conflitos permeario toda a nossa existéncia. Nao ha possibi- lidade de ser diferente, pois sempre que estas satisfagées se encontra- rem em posigdes de antagonismo compartilhado (uma vez que sem- pre em prol de seu maior prinefpio de funcionamento), todas as forgas psiquicas se amalgamam procuran- do desta maneira uma resultante dentre as varias possibilidades, Segundo Freud, cada ser humano foi, é € seri o fruto, a conseqiiencia possivel de todos estes amalgamas psiquicos realizados desde que inicia a sua existéncia. O inicio de cada um de nés acontece muito antes de nos- s0 proprio nascimento, uma vez que ja pré- existimos nas fantasias e expectativas daque~ les que nos geraram, ¢ talvez até mesmo nos sonhos € fantasias dos pais de nossos pais, e assim sucessivamente Sigmund Freud, um ser humano especial, ‘um génio, um pesquisador inigualavel da alma humana nos legou muitas outras importan- tissimas contribuigdes que por uma questao dos limites possiveis permanecerdo esperan- do tranqiiilamente que outras oportunidades surjam, possibilitando 0 seu acesso a futuras comunicagdes. Como jf foi dito, 0 termo Psi- canalise aparece pela primeira vez, em alemio, em 1896, Sera que jé apreendemos bem o sew significado, a sua importancia? . REFERENCIAS psique espcos 19 - fail Crier Penney psiqizvae picasa, re Picante de Pro eae) ed ren ee « predente da Asoo Cel cr a 20psigue so Cette ae cen Pee Ce Rre nr COne nny Coens h arene nest) XX, com o atendimento de pacien- tes diagnosticadas como histéricas por Freud. Embora, ao longo de mais de cem Pe Or Om tess Peo ncn etme enc Tea seus procedimentos - como veremos adiante Sc eee ue te meine Rec tinuam sendo os estudos metapsicoldgicos, 8 trabalhos sobre técnica ¢ 0s casos clinicos ere eee et Me Ee eee coat PeSeor eon m Re une nos Teieceaes er etm Ute Me rem rt teh rata em sua releitura, os conceitos psicanaliticos que fundamentam a pritica contemporanea: 0 cere est teen eo PORES ren Me Mer occ Ae Le pet acc ec Pe Cet onc ene ano) apenas histérico como igualmente relevante para alguns dilemas da pritica analitica con- CTU RCC Cer Cen Tod Freud deixaram registrada em livros essa ines- ieee Mer tere mer atm tree Desses depoimentos, eliminando-se a dose le ren eee Tans CO enc rel i mos mais realisticos, ae een! eee Se ces od Ronee Peet Secret eee O Ns UCRnenT eeeca Seen ec eee CC oc Oe Oo Re Tact Oot Mtoe Mere Mice Meo cc rere Me recto tancs n ie mera ser mais entendido ¢ estabelecer um contato Soe eR etre ty Peete ne ees acer cescest ty NOE eer es coe Perec teen en ements Fee eee es et ee co en See ee enter | Lor Cte etd Pee eet ee ey Cee eect on ere See neta enter ms nt Ce ee eon eee eee Sere e VOT CSL NCICONR Nt tercats Lacan se fazem claramente perceptiveis, dao ‘impressao de que hoje somos capazes de tra~ balhar melhor analiticamente do que nossos eee Cee mene Cooke COM LTT eSm Tera: PCC Co MMe Co mentos da experiéncia cliniea de cada ana~ lista. Ao mesmo tempo, para 0 estudioso de oe ees ee Creme eer Sema ren ee er SEO eee Oat A Ronen een eeu Cee Ted ee err ee ects nen eects areas ior pela figura do médico”. Mas ja (0 inaugural, Freud alerta para a possibilidade de que, além das “novas impres~ ee eee nem eect ae que outras sejam estruturadas com maior en- Pet CERT en ees RO reR en tect emer er et ete Pe eee cee cer Pee Umea ten aerate etn dade real na pessoa ou situagdo do médico, € rect Dae ON OMe Cee ert ee eee ean) Cinta ee ere eee cee Schafer tenham questionado esta hipdtese Ree an oe mene coe sugetindo que na realidade clinica lidamos Cuenta Chena na sadas e substituidas no curso da anilise, penso cenit Piers tes oe cette Jugar central na mente de todo analista, Este mesmo fendmeno pode ser observado com a Drie een eee ce eee i Pemere ceo On Cc om ry de salientar André Green. Além disto, quan- COL Eee nt ter ee ees pO ae See een ee cee ce reed sabiamente de alguma particularidade real na ee Ok eee ey Stee ee ee ee ec PO eeu eee eed Bae Wut an toe Cay ete cates tea temos sobre 0 complexo campo da relagio Rens occiter pS ree ne ce ee SR ee te ec erat Se en ee a a Peron ovement eee en ee hoje muitos analistas trabalham clinicamente foi Bion, com algumas de suas idéias a prop- cue eee ee Se Tea act Om Care GRC ree en rates newer tere rte) espacial de transicionalidade e a caracteristica eres eck uci ee eter esc een Renna rear cd precisam softer transformagées a0 longo da Treas eee ene ea Mc carer ean Ceres MT cc eT eC POCO Cem eect seu caminho para um outro lugar”. Para ele, PRU oun eee e eee Ree eon Se ee eC eae Serr cr eae Con eee Te torgdo do paciente), * projetivas” e“alucinoses” Grete eters distorgdes). Para Bion, no complexo transte~ en eee Cen ete ee ott TO Reese Serre cd Crete Cee eect parte neurética ou psicética da personalida- Ce eee etc ekrceseeee te ee eee ety CE al Clinica analitica, pois possibilita que tanto o pa ente quanto o analista perce bam e reflitam sobre uma mesma experiéncia a partir de uma outra possivel visualizasio. Outra importante contribui- g20 de Bion € a nogao de que a transferéncia no € apenas com a pessoa do analista, mas também de uma parte do paciente em re~ lagio A pessoa mais importante com quem ele jamais poder lidar, que é outra parte de si mesmo. Isto sem diivida abre um enor me campo de investigasao den- tro do processo analitico. Bion , essencialmente, encara 0 fend- meno transferencial a partir de seu modelo de uma relago con tetido-continente, tomando como paradigma a relagao original mae-bebé. Suas nogoes de réverie, da utilizagéo da mente da mae para processar , metabolizar e devolver transfor mada a angiistia do bebé, e também do im- acto desestruturador do terror sem nome oferecem uma nova maneira de entender a relacao analitica. A presenga viva da pessoa do analista e da permanente interacao de sua mente com a do paciente fica evidenciada quando Bion afirma : “Penso que o paciente faz algo para o analista e o analista faz algo para o paciente; néo é apenas uma fantasia onipotente” ( Bion, 1992, p. 79) Cada vez mais, portanto, trabalhamos den- tro desta nogio de duas mentes em vivo con tato e miitua influéncia. Com isto, fica dificil falar da transferéncia e da contratransferéncia como fendmenos que podem ser claramente individualizados, € precisamos estar sempre atentos ao interjogo dessas duas mentes que se interinfluenciam Willy e Madeleine Baranger sto dois au- tores que captaram com acuidade essa com plexa configuragio, com sua nogio de campo analitico. Para eles, é nec siderar rio sempre con que hi trés fatores em jogo: 1) 0 dis curso explicito do paciente suragio inconsciente do campo (fantasia inconscien- inclui a transfer@ que cada momento corresponde a algo inconsciente no pacien- te, e que d da mediagao da configuragio inconsciente de campo que 0 inconsciente do paciente pode te de campo), contratransferénci ser interpretado. E em virtude expressar-se € que o analista pode encontrar uma interpretagio, Disto decorre que a escuta analitica consiste em descentrar 0 discurso do paciente para procurar um novo centro, que nao esta num contetdo latente is do ma- nifesto, mas em outro lugar. Assim, a escuta analitica sera guiada por todos os recursos de escuta que possua o analista, entre os quais owas teorias que Ihe proporcionam um marco implicito em que possa acomodar seus acha- dos clinicos. Portanto, cada analista desen- volve um esquema de referéncia, constituido por suas lealdades teéricas, seu conhecimento da literatura analitica, sua experiencia clinica, em especial seus fracassos, © que foi capaz de aprender sobre si mesmo em sua andlise ¢ suas identificagdes com analistas e supervisores, bem como as modas teéricas que periodicamente se infiltram no movimento psicanalitico. Em varios trabalhos nos quais procure! es- tudar a neutralidade analitica e sua possivel re contextualizacao dentro de uma visto arual da relagio analitica, minha proposta de definigao descreve uma atitude tanto emocional quanto comportamental em que o analista de rar manter uma certa distincia possivel em re~ contratransferéncia, aos lagio a transferéncia, & seus proprios valores e as teorias psicanaliticas , sem perder a naturalidade ea espontaneidade de uma relagio terapéutica (Bizirik, 1996). Assim, com a nogio de campo analitico ¢ de suas complexas configuragdes, torna-se necessirio considerar que a relagio analitica atual apresenta maiore clinicos, e exige do analista contemporinco um trabalho psiquico continuo, uma auto~ observacao mais detida ¢ a inclusio de sua mente na trama de “vastas emogdes ¢ pen- samentos imperfeitos” que vai constituindo com cada paciente. Apenas para exemplificar, sucessivas releituras do caso Dora oferecem a oportunidade de perceber a fascinante trama desafios tedricos de emogdes que uniram por poucos meses aquela notivel dupla de pesquisadores do in- consciente e desloca nossa visio de um estu- do dos sonhos e da histeria para uma mais vivida interacio transferencial-contratrans ferencial, constituindo um campo dinamico cujas oscilages podemos acompanhar com 0 fascinio que nos desperta um jogo de xadrez entre dois mestres, Uma breve observacio da _literatu- ra anal tudes tedricas © clinicas, revela que dife- ica, perpassando distintas lati- rentes formulagdes procuram dar conta dessa nova maneira de entender a relacao analitica, como a simbiose terapéutica, de Searles (1994), © objeto analitico de Green (1975,1983), 0 terceiro analitico de Ogden ( 1995), © co-pensamento de Widlo (2002), 0 trabalho em dupla descrito pelo casal Botella ( 2001), a escuta da escuta pi posta por Faimberg, uma t6pica interativa su gerida por Racamier ( 1992) e toda a série de trabalhos sobre intersubjetividade de Renik, Schwaber, Jacobs. Contudo, do meu ponto de v 0 autor que tem trazido as mais criativas contribui alhos de Bion Antonino Ferro. Para ele, a atengio a0 que € continuamente narrado na a qualidade do acasalamento mental entre anali des recentes, a partir dos t ¢ dos Baranger, sala de andlise tituem ae paciente cons uum objeto de especial interesse. Considera como central o funcionamento onirico d mentes e que o objetivo da andlise é a capaci- dade de transformar 0 que chama de “novelos | emaranhados” de sensorialidade ¢ protoemo- goes (elementos) em emogdes, pensamentos e afetos. Assim, em sua perspectiva, 0 foco da | anilise deslocou-se do estudo dos contetidos | ar porque, na maioria das vezes, 0 material | @-eseue analien ncontra um aparato consiste em descontrar o cecurso para o estudo dos instrumentos para gerar ¢ | trazido pelo paciente administrar os contetidos. Ou seja, propde | constituido pelo se¢ting ¢ pelo analista, pre que passamos de uma Psicanilise dos afetos | disposto a transformagio narrativa das co- | Se pasente pata para uma capaz de favorecer 0 gerar e o vi- | tas excessivas de sensorialidade. Se as coisas | genero,que nloesth venciar pensamentos ¢ emogées cada vez mais | funcionam suficientemente bem, as turbu- num conteide latente vivos e complexos. lencias protoemocionais e protossensoriais | staede mane Por meio de sucessivos trabalhos enrique | serio transformadas em imagens oniricas, sem eure Mem cidos por material clinico, Ferro evidencia | em pensamentos oniricos e, especialment que a sala de andlise € o lugar das narrati- | terd i vas, € que o discurso é mais simples e line- | jego, no paciente, do método para digerir € i0 © processo que permite a intro: Tera A cliniea contemporinea encontra p: aves, ou que apresentam as novas ¢ da alma, como descreve Kristeva, vivendo ultura do narcisismo (Lasch) ou do imediato, em que as relagdes humanas apresentam um ca- riter liquido e facilmente descartével (Bauman). Tais pacientes se deparam com a oferta de ing meros métodos de tratame supostamente de eficdcia comprovada. A isto se Jevem acrescentar as dificuldades socioecond- micas que afetam quase todos os paises, e pro blemas inegaveis como as grandes distancias no: centros urbanos, em suma, um conjunto de fa- tores que tornam muitas vezes dificil a aplicagao do método analitico em sua plena acepcio. As novas concepgées da pritica analitica, conforme mencionado, capacitam o analista contemporineo a enfrentar tais desafios, nos quais se inclui o trabalho clinico com criancas e adolescentes, por um lado, ¢ pessoas de meiz-idade, por outro. Além disto, pacientes com patologias mais graves, como os fronteirigos ¢ os perversos sio também passiveis, de uma abordagem psicanalitica, a0 contrario do que se pensava anteriormente. E, ape s de so: psfquico, possivelmente a maioria dos novas apresentagées das diferentes forn tes que busca andlise continua a apresen- tar os conflitos internos inicialmente descritos por Freud ¢ gradativamente melhor entendidos pelos progressos da teoria e da pritica - alguns dos quais espero ter podido destacar. s desenvolvimentos, bem como me a propor a nogio de que uma obra em construc, uma que vive um periodo de transiga0, no jostos tedricos esto s ual varios pre do. linea ea transformar por meio da narra¢io. Quando a | criticamente discutidos e alguns revisados, e seus excontapacientes | anzlise privilegia os contetidos, ou os ativa, antes | distintos modelos de formagio reconhecid Beememouaie | Ge cuidar do desenvolvimento dos aparatos pa dados e comparados, Tal transicao também b decal pensiclos, isto pode conduzir a situagdes usual fica a busca de maior transparéncia e rigor e de formulagao, apresentagao e discussfio de ma: vendo numa ca ominadas reacdes terapéuticas negat io narcisismo ansferéncia psicdtica, O reconhecimento | terial clinico, visando estimular ¢ promover uma ines ragdes permite, assim, uma visio | avaliagdo mais objetiva de nossa competéncia ree |é con mais clara do campo anal clinica como analistas, assim como uma maior spresentarn um itico, ¢ da constant ‘aricerliquido © sutil ¢ interminzvel interago entre as mentes de | abertura para o dial com outros sabereres feelmeneedesersival | paciente e analista ( Ferro, 2005), (Bizirik 2006). a Criangas Cem anos de EXISTENCIA Psicanilise voltada especifi- ANG comente para a crianga esta comemorando cem anos de MMB cxistencia, podendo orgulhar- | se de sua trajetoria, do espago e do respeito conquistado com muita luta dentro da ci- | éncia psicanalitica. | Sua histéria comegou com a primeira anilise de uma crianga ~ 0 pequeno Hans - realizada por seu pai, Sr. M. Graf, entao aluno de Freud e que teve o respectivo tra- tamento analitico supervisionado pelo pré- prio mestre. A indicagao deste tratamento deveu-se aos sintomas fébicos da crian- ga € A busca de confirmagoes, em status nascendi, das teorias freudianas inferidas, até 0 momento, $6 utilizadas na andlise de adultos. Este Historial elfnico (1908), que desperta perplexidade ¢ fascinio a quem quer que o leia, mobilizou os analistas & escuta dos conflitos, angiistias e sofrimen- tos de criangas ¢ abriu um caminho para © trabalho clinico na in sucesso, durante muito tempo, deviam-se A tarefa impossivel de ver, compreender ¢ tratar os pequenos pacientes como adultos em miniatura; esta condigao assegurava sua analisabilidade. Freud referiu-se, algumas vezes, a esta importante questio, em 1912, afirmando que a Psicanslise nao poderia ser feita com criangas, porque a propria idade delas impedia 0 estabelecimento do enqua~ dre apropriado, necessirio ao tratamento. Em 1933, reafirma que justamente na crian- ga, onde era esperado maior éxito, a P: nilise fracassa devido as proprias condigoes da crianga e as resisténcias assumidas pelos pais, dificuldades externas ao setting. A partir de 1908, alguns analistas ini- ciaram suas escutas de criancas, criando abordagens técnicas particulares para estes novos pacientes. incia. Seu valor Por Nara AMALIA CARON Clinica psicanalitica infantil faz aniversario bem mais aprimorada e segura de que nao trata de lidar com adultos em miniatura ROL DE CONTRIBUICGES Dentre os precursores:. Hermine~ Hug-Hellmuth, nascida em Viena em 1871, foi a primeira analista de criangas, tendo sido considerada a “inventora da Psicandlise de ctiangas”. Apresentou no Congresso Interna~ cional de Haya (1920) a sua experiéncia com anélise de criangas, aplicando macigamente 4 teoria e hipéteses freudianas ao seu com- portamento. Com 0 mesmo embasamento tedrico, Sophie K. Morgenstern, psicanalista polonesa, nascida em 1875, apresentou a sua técnica de tratamento de criancas, em 1927, apartir do desenho, utilizando o caso de uma menina de nove anos com mutismo total. Foi assim que o desenho, como meio de expres- sio da crianga, desenvolveu-se amplamente na Psicanélise, vindo a ser uma das ferramen- tas mais importantes na técnica. Até 1945, a Psicanslise com criangas foi dominada pelas vias inovadoras propastas pelas pioneiras Anna Freud e Melanie Klein que criaram duas escolas psicanaliticas, pro- jetando suas teorias e técnicas, por meio de figis seguidores, na Inglaterra, nos Estados Unidos e na América do Sul. Melanie Klein, nascida em Viena, em 1882, publicou o resultado de muitos anos de pritica psicanalitica com eriangas ~ de diferentes idades - no seu primeito livro: 4 Psicandlise de Criansas (1932), com descr sao minuciosa de sua experiéncia, seus acha~ dos, sua compreensio e sua técnica analitica. Nunea modificou os prineipios defendidos nesse texto. Outra série relevante de traba- lhos teéricos, realizados entre 1921-1945 e publicados em 1948, contém idéias - por ela defendidas ¢ assumidas por seus seguidores - consideradas desenvolvimentos e exten- so das teorias freudianas. Assim, a escola Kleiniana seguiu enfatizando a relagao ana- lista-pais das criangas como um dos grandes T, Nara Amalia Caron é menbro ee, aaa dina e ama de ngs ales da Soca rcanacn de Porm Ng (FP) ana: ‘cron @ portowccan pique sce! a y on Criangas Até 1945, a Psicanilise com criangas foi Peer nek ee Pete tetede Reson Anna Freud e A COEt a eC} 28 psique espa Seer obsticulos que deviam ser enfrenta dos, a dependéncia infantil, uma interferéneia que dificultava 0 uso do enquadre fixado por Freud para clinica de adultos. Negando a de- pendéneia da crianga, a solugdo foi uma transposigéo quase direta do setting do adulto para a crianga; 0 tratamento era, entio, realizado sé com a crianga; esta seria responsavel por sua doenca e sua terapia, assu- midas numa relagio analista-crian- a. Os pais ficavam marginalizados: apresentavam a anamnese, responsa- bilizavam-se pela presenca da crian- a no tratamento © no respective pagamento. Eram vistos como mais um complicador da técnica. Anna Freud, nascida em Viena, em 1882, publica seu primeiro livro Psicand- lise de Criancas em 1927, no qual expe sua experiéncia e defende seus pontos de vista di- ferentes dos de Klein. Destaca a necessidade de modificagdes no método, por ver a criansa como um ser imaturo ¢ dependente dos pais; desconsidera o bringuedo como equivalente As associagses livres do adulto. Dedicou-se a0 estudo do ego ¢ dos mecanismos de de- fesa, publicando um livro sobre o tema em. 1937. Anna Freud buscou constantemente uma aplicagio da Psicanilise ao social, enca~ minhando um repensar sobre a crianga. ‘A riqueza das publicagées realizadas pe- las pioneiras, marcadas pela certeza, pela determinag0 e pelo entusiasmo presentes em seus trabalhos, asseguraram 0 reconheci- mento € a validade da Psicanilise na rea da infancia, alertando para que nio seja ela tra- tada como algo menor, mais ficil, como uma atividade para iniciantes e inexperientes. Na verdade, é bem 0 opasto. Entretanto, a erian- a continua nao vista dentro da sua estrutura psiquica ¢ como um ser em desenvolvimento, diferente do paciente adulto. Desde 0 inicio, a Psicandlise com criangas carregou a marca da dificuldade em lidar tecnicamente com a unidade pais-crianga. Com 0 passar do tempo, outras vozes co- megaram a ser ouvidas, surgindo um plura- lismo téorico. Dentre elas, Winnicott é um dos principais responsaveis por mudancas fundamentais na clinica psicanalitica com criangas. Criou uma nova teoria sobre de~ senvolvimento emocional primitivo que fa- voreceu novas abordagens técnicas. Destacou © desamparo, a dependéncia infantil de seu ambiente-mie ¢ as ansiedades catastroficas que acompanham o estado inicial de nao- integragio. Com sua extensa pratica clinica, sustentada por uma vigorosa reflexao, revita~ lizou a singularidade e a criatividade pesso- al em Psicanilise. Aprofundou 0s conheci- | | | | No mentos sobre o desenvolvimento emocional do ser humano, afirmando que o potencial herdado s6 pode chegar a ser uma criatura se estiver ligado ao cuidado materno. A Psicand ianga também foi ob- jeto de estudo ¢ reflexao por parte de outra analista inglesa - E. Bick. Merece destaque especial seu trabalho pioneiro, cujo objeti- vo era auxiliar a formacio dos terapeutas de crianga. Criou 0 método de observagio da relagio mae-bebé que oferece mais uma alter- nativa de mergulhar profundamente na alma humana, conviver diretamente com as primei~ tas experiéncias de interagao do bebé com sua fe e, ainda, com as mais primitivas vivéncias, em seu ambiente natural ~ a familia — desde 0 nascimento até dois anos de idade. APsicanilise que, até entio, sempre tivera dificuldade para lidar com a participagao dos pais no setting, vé-se pressionada a dar uma solusa0 a0 problema. A crianca s6 pode ser compreendida na relagéo pais-crianga. Em decorréncia, a prépria patologia da crianga std intimamente ligada a essa dependéncia infantil. Os pais passam a ser incluidos no setting desde 0 inicio. O intercambio com pais torna-~ grada a técnica. O processo analitico aconte- ce entre o analista, a crianga ¢ seus pais; todo questionamento da erianga tem incidéncia precisa nos pais. Dessa forma, vio se deline~ ise com mais livre e sua presenga inte- ando fundamentais diferencas entre o trabalho com adulto e aquele com crianga, ¢ definindo-se espccifici~ dades na clinica infantil A busca de tratamento para uma crianga é sempre feita pelos pais, que precisam ser acolhidos ¢ compreendidos em suas expectati- vas, conflitos ¢ sofrimento, porque eles integram tanto a estruturagio psiquica da crianga como a organi- zagao da patologia e, agora, o trata~ mento. Eles devem ser ouvidos no seu contetido manifesto e latente. Para isto, sio utilizadas varias en- trevistas com os pais - juntos ou em separado; com a familia, com outros familiares, com a crianga. $6 assim poderao ser examinadas, com aten- 540, as varias alternativas das inimeras ques- ‘t6es propostas em cada caso. E preciso que © analista esteja consciente de que todos os presentes no sefting - familia real, participa~ tiva ~ informam, agem, reagem, transferindo suas ansiedades, conflitos e resisténcias ao analista. Merece destaque a forma de expres- sao do material da crianga, sua intensidade, sua concretude e sua violéncia que entravam a contengio ¢ a elaboragio. Como a comu- nicagio da crianga é predominantemente nio-verbal, ela joga por meio da conduta seu Winnicott No contexto tedrico Preece BWelinec ener ely um eer Ee ee fundamentais sigue espace 29 oe Criangas inconsciente no analista que, intuitivamente, percebe e interpreta essa mensagem. Penso que tal atitude mostra a crianga de forma mais pura em sua comunicagao de necessida~ des, desejos, tentativas de conquistar, ser ob- servada, amada e¢ investida. As criangas sio mestres nesse brinquedo por caracteristicas proprias de uma personalidade em formasao. Em assim sendo, a pessoa do analista é muito mais exigida e de uma forma diferente da- quela trabalhada com o adulto. A avaliagao é de fundamental importancia para esclarecer as intimeras varidveis que fazem parte desse emaranhado de situagdes ¢ é a base para uma correta indicagio das po: sibilidades terapéuticas. E mais elaborada, exige mais informagoes, _observagio © compreensio por parte do analista. Este ficou especialmente mobi lizado e desafiado em seus conhecimentos, em suas experiéncias € em sua técnica jé estabelecida, ape- sar de poder usar todo o seu arsenal tedrico basico. Considerando © aparelho psiqui- co infantil em seu contexto, o analista conta com mtiltiplos recursos, além do tra~ tamento individual da crianca: terapia indivi- dual dos pais, terapia de casal, fam(lia, entrevistas mie-filhos, _pais-filhos. © tratamento, qualquer que seja indicado, vai de- pender da alianca tera~ péutica feita com os pais durante a avaliagao; se esta nfo se estabelecer, a terapia pode nem iniciar ou vir a fracassar. As dificuldades que se~ guem so imimeras: que terapia é indicada? Quem é 0 paciente - a crianga? Os pais? O processo deverd ser iniciado com anélise in- dividual? Como se realizar 0 acompanha- mento dos pais? Haver preserigao da medi- cagdo? Bem, isto é s6 uma pequena amostra das varias possibilidades de lidar com os problemas susgidos quando uma crianga € trazida para avaliagio, As contribuigées de Winnicott permitiram uma abertura na terapia infantil. Adaptava a sua técnica as necessidades de cada caso em particular € dentro da sua etapa evolutiva. Quando necessério realizava uma anilise extensa; quando nfo, variava 0 método com sessdes regulares, consultas terapéuticas isoladas ou prolongadas. Com o processo analitico estabelecido entre o analista-crianca-pais, © desafio se agiganta; a rede, o interjogo transferencial — contratransferencial que se instala € muito mais complexo, criando-se uma das situagSes mais dificeis ¢ exigentes para quem exerce a Psicanilise Hoje em dia vemos uma abertura ¢ aco- Ihimento da Psicaniilise, incluindo a Psica- nilise com criangas, a uma série de trans- formagées sociais, politicas, econdmicas ¢ culturais que exigem modificagdes na téc~ nica. Com a divulgacio da Psicandlise, esta expandiu-se para outros contextos como 0 hospital ¢ a escola, A interrelagio com di- versos profissionais de diferentes campos de atuagao e heterogeneidade de contextos tem enriquecido o intercambio de conhecimento, de experiéneia, abrindo muitas areas de ques- tionamentos, reflexdes e investigagao clinica. Desenvolveram-se técnicas para atender dis- tirbios do bebé dentro da relago pais-bebé, em unidades de Tratamento Intensivo Neo- natal, em enfermarias, em creches. Essa ex- pansfo também permitiu que outras pessoas usufruissem dos conhecimentos de Psicani- lise de erianga, Passou a ser outro o perfil da crianga e da propria familia que a trazia para tratamento. Apareceram criangas gravemen- te doentes, autistas, que sofriam maus-tratos, abuso. Houve um aumento do mimero de pa- cientes abaixo de trés anos ¢ familias, muitas vezes, desestruturadas ou com novas e dife~ rentes conformagées. Criou-se um espaso de avaliagdo para todos: crianga, pais e familia. E objetivo do texto destacar como a crianga desafiou a Psicanilise, a medida que foi definida com um aparetho psiquico pré- prio, diferente daquele do adulto, com ca~ racteristicas especificas, e como um ser em desenvolvimento, exigindo, portanto, modi- ficagGes técnicas. © DESAFIO MOBILIZADOR Em 1912, Freud, num trabalho sobre ‘técnica, faz um interessante paralelo entre © processo psicanalitico e 0 jogo de xadrez, referindo que neste jogo, como no tratamen- to psicanalitico, s6 se aprendem regras para as aberturas e fechamentos das partidas. Isto porque a infinita variedade de jogadas que se desenvolvem apés o inicio € um desafio sgigantesco, Pode-se dizer que na clinica com criangas mudaram as pegas do jogo e as re- gras iniciais. A inclusio ou no dos pais no proceso analitico traz grandes diferencas tanto no inicio, quanto durante € no resul- tado final da “partida-tratamento”. Entram muitas pecas no jogo. A presensa dos pais no setting tanto revela a propria condigao espe- cial da crianga, quanto possibilita a sua com- preensio e desafia a técnica. Merece ser des~ tacado 0 quanto novas caracteristicas tornam © trabalho mais complexo e exigente para 0 analista que tem que lidar, a0 vivo, com uma riqueza de fatores determinantes, uma diver~ sidade de constelasdes psiquicas ¢ uma plas- ticidade de todos 0s processos mentais. Vé-se ele diante de um paradoxo: maiores sio as complicagées do processo, mas maiores sao também a possibilidades de tratamento. Por todas essas exigéncias, o analista de crianga necessita de uma formagio aprimo- rada e solida, como também habilidades tais como capacidade de conter, paciéncia, em- patia, identificagdo com 0 sofrimento da ctianga e dos prdprios pais, que se encontram fragilizados e feridos por sentirem-se fracas- sando em sua fungao parental. Nao se pode esquecer que tratar uma crianga no & cumprir com os designios dos pais, seus desejos e esperangas sobre os fi- thos. Menos ainda, seria cumprir com desig- nios do analista. O maior conhecimento da crian- Ga, sua estruturagao psiquica, seu desenvolvimento, sua singularidade exigem enfrentamentos, criativida- de e novas abordagens. Especifici- dades e diferengas entre 0 trabalho com crianga e aquele com adulto constituem um desafio constante € uma possibilidade para um perma- nente aprendizado e conhecimento. O terapeuta fiz parte da historia da crianga — ao vivo ~ enquanto esta acontecendo. Isso exige uma maior plasticidade no contato com cada situagao particular, uma grande fle- xibilidade ¢ tolerancia. E no dizer de Winnicott (1968 p.172),“esperamos que nossos pacientes terminem e nos esque- gam, ¢ que descubram que o viver em si é a terapia que faz sentido”. . ree cee PrescuTe net Cet ataeoly eee ret PEL Re sea Povconed Rockers 1 tard 1GK.E The experience of the skin in early object- relations. remtatina Jour of Psychoras, 1964 1.49, 484-486, ‘CK &(1962|Andlse de erianea hoje, i Meare Men ae. ‘io de neo: nago Este ‘FREUD.A (1827) Psicoanalisis del nifio. Buen res Eos iin i951, ___(18%5)-El yo y los mecanismos de defensa. Buenos Ares: Pas 1965. Feul.S. Analise de uma fobia em um menino de ‘cinco anos. ode Jane: ago. (1912)-Sobre o inicio do tratamento. fi de “nao raga, 1912)-Recomendages aos médicos que ‘exercem a Psicandlise.Ro de Jano: krago, (1889) Novas conferéncias introdutorias ‘Sobre Psicanslise. Ao de Jen imac, HELLMUTH Hi (192?)—On the technique of child analy- ‘sis In. Psychoanal V2 0. 287-205, 1959, LEN, (1922)! psicoanalisis de nifios. 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Canréenadar oe cos de Hebe Kin da Escala Ingesa de scale do Insite SPH, Cone: azarae ol ‘abr Por José Renato Avzarapet. valiar a importincia da obra de PAN Melanie Klein implica nto 36 examinar todas as stias contri- MMM ices para a Psicandlise como também os desenvolvimentos que seus conceitos possibilitaram e que vém fruti ficando até hoje. O exame de sua obra nao se encerra, portanto, no estudo de seus til- timos trabalhos, mas nos leva a ver seus desenvolvimentos transformacdes. Principal personagem da Escola In- alesa de Psicandlise, Klein, que nao havia se formado em nenhum curso universi- tirio e tivera uma vida pessoal bastan- te dificil, construiu um corpo tesrico amplo ¢ completo do desenvolvimento emocional do ser humano. Fato que an tes dela somente Freud fizera ¢, depois de Klein, ninguém. Seus estudos a partir da ansiedade a levaram a construir conceito de posi- G40, que se compreende como uma orga- nizagao mental composta de um conjun- to de defesas e mecanismos mentais que estruturam 0 ego. Sao duas as posigdes mentais. A po- sigdo esquizo-parandide, cuja ansiedade bisica ¢ a angustia do aniquilamento, para 0 qual o bebé desenvolve duas de~ fesas principais: a cisio ea identificagao projetiva. A identificaco projetiva é, sem duvida, © conceito mais conhecido e estudado de Klein pelos psicanalis- tas nao kleinianos. Tornou-se a “marca” Kleiniana. A publicasio, em 1946, de Notas sobre alguns mecanismos esquizdides um ponto essencial para a Escola In- gilesa de Psicandlise. Para lidar com a angistia do aniqui- lamento, que ¢ intoleravel, o bebe, ainda com poucos recursos mentais, cinde os objetos em bons ¢ maus entendendo-se por isto “ideais ¢ terriveis”. Assim pode depositar via identificagao projetiva tudo ‘0 que vive de bom nos objetos ideais, que estario pela cisio protegidos, e rudo 0 que vive de ruim nos objetos maus. Isto impli- ca também, ¢ claro, na cisio do ego; mas é a primeira forma de organizacao mental, a partir da qual a evolugao sera possivel, A segunda posigao é a depressiva, cuja ansiedade bisica é a de culpa em relagio 20 objeto © cuja resolugio se da com 0 mecanismo de reparacdo. Esta culpa deri- va da percepeao de que sentiu ddio, e em fantasia atacou 0 objeto amado, Com a integragio do ego e do objeto, passa a ex- perimentar uma responsabilidade para com sique aspacel 33 ® Criangas Herbert Rosenfeld {foro) ¢ Hanna Segal fazem parte do mais importante grupo e psicanalstas dliscipulos de Klein, Seus trabalho ampliaram o vvatamento de pacientes psicsticos ‘© comunicagio da dup analiien 34 pique se © outro e vive o reconhecimento da alteridade. A partir dai experimenta mente a responsabilidade para consigo mesmo. | Este c dam questdes como compromisso ¢ ética a | mbém ¢ simultanea- | ito permite que se compreen- | partir do desenvolvimento emocional do ser humano, € nao como imposigdes sociais © morais superegdicas. A posi¢ao depressiva continuard a ser ela~ borada 20 longo da vida e envolve a consi- deracao para com 0 outro, a elaboragao dos processos de luto e de perda, © sentimento de impoténcia, a capacidade de experimen- tar seus objetos como completos e nao mais parciai bs Ela muda o foco do tratamento psicanalitico, a integracio do ego e, finalmente, .ce a capacidade de amar e de perdoar. que deixa de ser a sexualidade. Uma curiosidade sobre o trabalho O Luto aes com o estado mantaco-depressivo € que neste artigo Klein descreve minuciosa- Sra A, que havia perdido 0 filho de forma trégica. A Sra A éa propria Melanie Klein, que perdera 0 mente a elaboracao do luto pel: filho dramaticamente. ‘A partir do estudo das posigoes ela tam- bém aponta para aspectos primitivos do com- plexo de Edipo e do superego e, discordando de Freud, afirma que bem mais cedo do que Freud supunh ja se observava um superego arcaico fancionando. Para ela, 0 complexo de Edipo comega a ser elaborado em torno dos seis meses de idade ‘As posicdes Kleinianas se alternam de tal forma que uma pessoa pode, em qualquer pe rfodo da vida ou em uma mesma sessio, de uma posi¢ao a outra. Nao sio fases que se seguem e se encerram, mas sim um modo de fancionamento mental. A identificacao projetiva é uma fantasia inconsciente, mas diferente do conceito de projecio que implica em livrar-se de con- tetidos; ela implica em livrar-se também de partes funcionais do ego, como por exemplo, da capacidade de pensar, e implica ainda em alcangar 0 objeto transformando-o. Por isto, é claro, 0 uso macigo deste mecanis- mo leva a um empobrecimento da personalida- de, como observamos nas psicoses erdnicas O desenvolvimento deste conceito per- mitiu que se abrisse um caminho para a compreensio ¢ tratamento de pacientes mais graves, como também trouxe possibilidades para uma melhor compreensio da comunica~ Gao que ocorre entre paciente e analista Os trabalhos de Bion, Rosenfeld ¢ Segal, grupo mais importante de psicar listas dis- cipulos de Klein, ampliaram estas duas vias: a do tratamento de pacientes psicéticos e a da comunicagao da dupla analitica A TEORIA DAS PULSOES A abordagem de Klein da Teoria das Pul- sbes levoura, em primeiro lugar, a considerar a pulsio de morte de forma mais presente. A pulsao de morte é vista por ela como fonte da destrutividade que se observa nos tratamentos através da transferéncia negativa. Com isto, ¢ por muito tempo os analistas kleinianos enfa- tizaram seu trabalho na transferéncia negati- va, Atualmente trabalham-se as transferéncias positiva e negativa de forma mais balanceads. ‘Mas sua postulacao de que a pulsio visa 0 objeto abre 0 caminho para uma psicanilise com foco na relagio. Para Klein a pulsio nio visa desearregar um excesso de energia, mas sim vincular 0 eu ao objeto. Desta forma, juntamente com a descri- 0 do mecanismo de identificagao projetiva, Klein estabelece as bases para uma Psicanslise voltada para a relagio, e isto irk mudas, como vyeremos adiante, os conceitos de transferéncia € contratransferéncia. Melanie Klein constréi uma teoria das re- lagdes de objeto. Para ela os objetos internos so representagdes dos objetos externos, co- oridos pelas pulsées. O individuo veste com suas pulsdes 0 objeto externo € o introjeta, Quanto mais primitivo for esse objeto maior deturpacio sofreré, ¢ © objeto interno seri muito distante do externo, o que também observamos nas psicoses. A medida que 0 dividuo cresce estas discrepancias vio dimi rnuindo. Estes objetos vio sendo introjetados € passam a ser elementos formadores do ego, €4 medida que se integram ao todo vio en- riquecendo 0 mesmo. F claro que este é um processo mental que se passa em fantasia, ¢ para Klein a fantasia inconsciente é extremamente rica e dinamica € € isso que o analista vai buscar compreen- der em seu trabalho. Poucos psicanalistas geraram tanta con trovérsia. Diversos pontos da obra de Klein produziram muita reacio, como por exemplo, a énfuse na transferéncia negativa, a psicandli~ se de criangas, sua concepgao de transferéncia, a precocidade do Edipo e do superego. Mas foi com 0 livro Inveja e gratiddo, publicado em 1957, que as reagdes foram mais intensas. O motivo foi o surgimento do conceito de inveja como manifes- taco primaria da pulsio de morte. A ‘inveja estragaria 0 seio da mie em fantasia ¢ entio o bebe introjeta esse seio estragado. Nisto estariam as origens das doencas mais graves. Esta postulagdo gerou fortes re- acoes. Ela tinha levado 0 conceito de pulsio de morte 0 mais longe que era possivel. Mais. recentemente, Elizabeth Spillius e Ronald Britton, dois de seus seguidores, reavaliaram 0 ca- riter peremptério desta conceitu- acio de Klein. TECNICA ‘A técnica kleiniana busca sempre a expetiéncia emocional. Fica claro que s6 se acredita que possa haver mudanga psiquica se a interpretagao se dirigir para a ex- periéncia emocional do paciente naquele mo- mento. Assim, pode-se obter 0 insight. Caso contritio, seré um conhecimento tedrico que © paciente aprendera, mas sem qualquer poder de transformaga A abordagem sobre transferéncia também se diferencia, pois, para cla, a transferéncia nflo esté apenas naquilo que 0 paciente diz © que pode ser uma atualizacto de seu pas- sado. A transferéncia é também do mundo interno para a situagao analitica, 0 que Joyce MacDougall chamou de “teatro do eu”, ¢ se expressa por absolutamente tudo o que o pa- ciente diz e mostra, ¢ como age. O trabalho Trangferéncia, uma situagdo total de Betty Joseph, publicado cm 1985, ¢ a me- Ihor referéncia para entender esta postulagio. ‘Um outro aspecto fundamental do trabalho Kleiniano com a transferéncia é que ela nao € vista como fixa ou rigida. O paciente ndo ira transferir sempre a mesma coisa, dai nio cabem conceitos como transferéncia paterna, ‘materna, etc. O analista vai examinar o que a cada momento é transferido; muitas vezes uma fungio mental ou um papel no sistema de defesas do paciente que visa manter a pato- logia inalterada, Além disso, o analista precisa pique sci 38, 5 . Criangas 36 pique spss acompanhar em que posigio mental o paciente esti a cada momento, pois isto iri definir nio apenas 0 contedi~ do da transferéncia, mas também seu contexto intrapsiquico. Dessa forma © analista abre-se para 0 novo, para a surpresa,¢ assim nao tenta enqua- drar 0 paciente daquela sesso num esquema transferencial engessado. Em relagio a linguagem do ana- lista, ocorreu uma evolugao impor- tante. Influenciada pela linguagem conereta das criangas pequenas (de 2a 5 anos) que Klein comegara a tratar, e pensando em termos do in- consciente, no infcio usava-se uma terminologia conereta, anatomica; ‘uma linguagem de objetos parciais. Esta forma de falar ficava dis- tante da fala consciente do pacien- te. Dai, ser raro o analista kleiniano utilizar hoje termos como “ “seio". Ele falar em poténcia e nutigio. ‘Uma transformasio importante desenvol- vida pela andlise Kleiniana foi a de pensar a linguagem no apenas como uma forma de comunicasio, mas também como uma forma de agir sobre 0 outro. E nfo € coincidéncia que simultaneamente a Filosofia Analitica estudasse a linguagem como forma de asio. Cingiienta anos depois essas duas linhas de pensamento iro se reunir. Quanto a contratransferéncia, o concei~ to de identificasio projetiva foi fundamental para o seu desenvolvimento. A contratrans- feréncia entendida no seu sentido amplo im- plica tudo aquilo - sentimentos, sensagdes, fantasias ~ que se passa na mente do analista em relaso 20 paciente, ¢ como isso pode ser usado terapeuticamente, Em seu sentido estrito a contratransfe~ réncia faz parte do inconsciente do analista, © como tal remete o analista a sua prépria anilise, Esse € 0 conecito freudiano de con~ tratransferéncia. Conta a histéria que, preocupada com a publicagio do trabalho de Paula Heimann, On Countertransference, em 1950, Klein temia um acizramento de animos por parte do grupo de Anna Freud, acompanhado da acusagio de nio serem freudianos e, por essa raziio, teria tenta~ do impedir sua publicagio. Mas a eriatura, 0 “conceito de identificagao projetiva”, escapara ja do dominio de sua criadora, passando a ser estudado e desenvolvido por diversos autores. Este conceito permitiu que se tratasse de psicéticos, servindo como uma bissola no tra~ tamento de pacientes graves. Ocorreu entio uma torrente de trabalhos sobre tratamento de psicéticos e estudos sobre simbolizagio, destacando-se os trabalhos para entender 0 pensamento concreto, de Hanna Segal, uma teoria de pensamento desenvolvida por Wilfred Bion e estudos sobre as dificulda- des na contratransferéncia ¢ impasses analiti- cos, por Herbert Rosenfeld. ‘Mais recentemente, Thomas Ogden tem estudado como os devaneios que o analista fiz. durante a sesso, € que aparentemente no tém nada a ver com o paciente, sio, em realidade, uma expresso do campo psicanalitico. uso do conceito de contratransferéneia ra anilise afetou-a profundamente € deu-se tum salto de qualidade Nio mais se podia olhar a situacio anali- tica como se a mente do analista nao estivesse ali o tempo todo. O analista também passou a se observar ¢ examinar 0 que se passava com ele ¢ como isto expressava a situacio analitica. ‘Acabara a pseudoneutralidade. O conceito de campo psicanalitico desen- volvido pelo casal Baranger ganhou forga. O campo é 0 espago mental construido pela du- pla. E um espaco de criagéo de sentido e de significados mentais. analista passa a ter a tarefa de discern, dentro do que vive, o que se relaciona ao traba- Iho € 0 que a ele apenas pertence. Seu lugar tor rnou-se menos comodo, porém mais instigante. PSICANALISE DAS CRIANCAS ‘Melanie Klein € considerada a criadora da anilise de criangas porque desenvolveu um método especifico para trati-las: a técnica do brincar, equivalente as associagoes livres do paciente adulto, Percebeu que, a0 brincar, a erianga expres sava suas fantasias sobre todos os aspectos de sua vida, inclusive os mais primitivos. E pode, entio, além de tratar, observar as criangas pe- juenas, suas angiistias, seus conflitos ¢ seus -onteiidos mentais. Ela nao foi a primeira analista a pensa psicanalitica de a abordagem uma_crianga Freud o havia feito com 0 pequeno Han tinha uma fobia a cavalos ¢ cujo tratamento tinha a singularidade de ter um intermedi rio, © pai, que transmitia a Freud os relatos do que Hans dizia, e ao menino levava as in de Freud, texpretag Os pioneiros da Psicandlise realizaram coi sas que até hoje nos surpreendem. O prime. ro paciente de Klein foi seu filho cacula, que apresentava distuirbios emocionais,¢ ela tomou ara sia tarefa de buscar ajudé-lo, posto que no havia quem pudesse entio fazé-lo Chamou sua atengio 0 fato de que o me nino respondia as interpretagdes de forma surpreendente ¢ comegou a investigar a mente infantil ao vivo, ¢ no como ilagao a partir do tratamento de adultos Melanie sta afirmava que, como Ocorre entdo um choque entre Klein ¢ Anna Freud. is criangas pequenas ainda nio haviam resol- vido o complexo de Edipo, elas nao poderiam ter superego € nio teriam desenvolvido 0 m canismo de repressao, essencial para a existéx a das neuroses. A frase de Freud, “o superego €0 herdeito do complexo de Edipo”, ecoava como uma verdade inquestionével. Portanto, para Anna Freud a abordagem s criangas s6 poderia ser feita com um viés educacional Mas Klein observava coisas diferentes. Vin nas eriangas que tratava, mesmo nas menores, aspectos de um superego primitive, mas funcio- ante ¢, por vezes, bastante severo, Observava mais do que isto, observava que as criangas nao s6 respondiam as interpretagdes como também realizavam elaboragao dos conflitos. fancia foi que Anna Freud nio achava possivel que houvesse transferéncia, pois esta se daria do passado para O segundo ponto de discor o presente com os adultos ¢ que as criangas pe- quenas nao teriam esse passado para transferie A concepgio de transferéncia de Klein envolvia 0 mundo interno sendo transfer do para o mundo externo. Suas observagoe apontavam outro rumo e a transferéncia era vista e trabalhada, Dai s surgiram, no final da década de 1940, as famosas discusses controversas que envol- viam toda a Sociedade Britinica de Psicand: lise. Foram dez. sessdes cientificas a partir de quatro trabalhos Kleinianos. Num acordo de damas para que a socieda de pudesse seg rumo, esta se organizou em trés grupos: o grupo freudiano, o kleinia Como conseqiiéncia Klein escreve um tra~ balho: Algumas observasées tedricas sobre a vida As divergencias entre Klein e Anna Freud (foto) envoiveram toda Sociedade Briinica de Picanlisee forgaram festa organizagio a 0 divide om ere grupos: os freudianos, 9: klainianos © 0 mile group psique &@ Criangas Ofilesofe Wieegenstein sponcou, em 1953, para os jogos de linguagem que vio 4 ito. lero ancontra tum forte parallo 1a forma como os analistae neo-kleinianos ‘ocorréncia na sessio 38 psique cs emocional do bebé, 1952, para que seus pontos de vista ficassem mais claros e definidos. Hoje, a andlise de criangas segue os pa- drdes de Klein da técnica do brinquedo e interpretagdo transferencial, tanto positiva quanto negativa. DESENVOLVIMENTOS Nao se pode abordar a obra de Klein sem con- siderar os desenvolvimentos que propiciou. Desde © principio jé havia um interesse em relaga0 magio dos simbolos, 4 construcio dos cont mentais, Jiem 1926,no trabalho sobre uma crian- gana escola, Klein, numa nota de rodapé, aborda a questo dos signos chineses e do alfabeto. Mas foi Hanna Segal quem melhor investigou a formagio dos simbolos. A capacidade de simbolizar € essencial para simbolo inscreve 0 se comunicar ¢ pei homem na cultur rages da formagio dos simbolos como publica ¢ Segal aborda tanto as alte- trabalhos em que leva a Psicanilise 4 cultura de forma bastante criativa Hanna Segal estabelece um conceito que permanece até hoje, o de equacio simbélica. Ou seja, o simbolo na mente psicética nao € uma representacio de algo, Ele € a propria coisa, Base do pensamento concreto, Seus trabalhos contribuiram tanto para o trata~ mento de psicéticos quanto para o desenvolvimen- to dos conceitos de simbolizacio ¢ de sublimacao. Wilfred Bion, 2 partic do estado das posigées, desenvolveu uma teoria do pensamento onde inv frustragio é necesséria para ‘© pensar. Examina também aspectos da fango ma- tema enquanto continente da mente do seu bebé, tiga como a tolerin: sendo capaz.de ajudé-lo a suportar e transformar os elementos mentais que a mente do bebé nao pode utilizar, tornando esses elementos passiveis de inte- grar-se ao ego. Assim, aprofinda 0 entendimento de uma funcio basica do analista, além da inter- pretagio: realizar 0 exercicio dessa de con- ‘inente junto aos pacientes. Aprofundou 0 conceito de identificasio projetiva desenvolvendo a idéia de ‘uma identificago projetiva realistica - quando ela no € apenas uma fantasia inconsciente, mas de fato afeta a mente do receptor (mie, analista, et). O conjunto dos trabalhos de Herbert Rosenféld com descricées detalhadas dos tratamentos com pacientes psicéticos € os estudos de situages de im passe na psicandlise sfio um acréscimo inestimavel. Ele utiliza o conceito de identificasio projetiva de forma acurada para abordar as nuances do trabalho. Seu livro: Impasse einterpretapto no pode deixar de ser lido por quem pretende ser psicanalista. A partir dos anos 1980, um grupo de psicana- lstas chamado de neo-kleiniano, passou a dedicar especial atengZo aos pacientes que no melhoram, ‘0s pacientes narcisicos e suas sub-divisdes, aos de- senvolvimentos da técnica, & investigagio daquilo que gera mudancas psiquicas, 20 aprofundamento do complexo de Edipo, ao estudo das perversées, ao entendimento das organizagdes patol6gicas, a0 ‘exame mais percuciente do que ocorre na mente do analista e sobre como utilizar este conhecimento no tratamento dos pacientes. ‘Mais recentemente vem ocorrendo uma in~ teressante confluéneia da psicandlise kleiniana com outras ‘reas do conhecimento como a Fi- losofia, a Lingtifstica e a Sociologia e esta con fiuéncia vem sendo apontada por autores como Marcia Cavell e Emilia Steuerman. O caminho da psicanalise da intra-subjetividade para a in- tersubjetividade acompanha o caminho da mo- dernidade para a pés-modernidade. Em meados do século XX a Filosofia Analitca Gesenvolve uma vertente chamada de filosofia da linguagem ordindtia, que passa a estudar a lingua ‘gem como forma de ago, e ainda considera que os significados vio se construir na relagio entre os si jeitose destes com seus objetos. Wittgenstein, em 1953, apontow para os jogos de linguagem, jogos estes que vio dando sentido ao que € dito, Isto encontra um forte paralelo na forma como os analistas chamados neo-Kleinianos, Betty Joseph em destaque, exa- minam esta ocorréncia na sessio analitica. O que se busca € a elucidacao do jogo. Qual papel de cada um (paciente e analista),a cada momento. O que se espera do outro. © que se pretende. E assim se ganha um maior entendi- ‘mento do trabalho analitico, daquilo que é dito edaquilo que € atuado. Nesta vertente da Filosofia Analitica en tende-se a linguagem e o pensamento a partir da intersubjetividade. Isto encontra na teoria da relagio de objetos, principalmente em Me- lanie Klein, uma compreensio psicanalitica que permite um didlogo fecundo. Sto trés as conceituagses Kleinianas que sustentam este didlogo. A primeira € que as pulsdes se dirigem para os objetos e buscam vincular-se a estes, desde o nascimento, 0 que estabe- lece um pressuposto intersubjeti- vo. A segunda € que 0 conceito de identificago projetiva permite uma compreensio mais aguda da comu- nicagdo entre os sujeitos. E terceiro, © conceito de posicao depressiva, que estuda como 0 sujeito desenvolve sua relago com 0 outro, assumindo a res~ ponsabilidade que isto implica, tanto em relagio a si, quanto em relago 20 outro. Entende-se psicanaliticamen- te a nogiio de consideragao. i Hoje, no foco das discussdes, as questdes do perdio e da ética encon- traram na formulagéo Kleiniana e, acredito, mais particularmente na posigio de- pressiva, um fundamento psicanalitico para seu melhor entendimento. Entendo que s6 com a considerago para com os objetos externos e intemnos pode-se gerar a possibilidade de perdoé-los e perdoar- s¢ pelas decepsdes e frustragdes que cada um carrega para consigo mesmo. Da mesma forma compreende-se que a ética, o considerar 0 outro € a responsabilidade para com o outro podem ser entendidos como conseqiiéncia do desenvol- ‘vimento emocional do ser humano. ‘As contribuigdes efetivas dos conceitos klei- nianos para discussio de outras questoes que envolvem diferentes dreas do saber, fazem reco- nhecer o vigor e a atualidade destes conceitos. A importante produsio de trabalhos te- 6rico-clinicos investigando tanto patologias mais atuais, contemporineas, como também 0s quadros mais dificeis de tratar, expde uma vertente psicanalitica que continua a ampliar seus horizontes. . REFERENCIAS pique espe 39 Autores contempordneos Linguagem, ética e INFINITUDE Para W.R. Bion, otrabalho do psicanalista é que vo se abrindo ¢ se desdobrando no suceder das sessdes 40 psigue c2 Por ARNALDO CHUSTER Ammaldo Chuster ¢ nico iqata e psa, nemo ko ¢ditaa da Asocagio Pcanaltica do Estado do Ro de Jano (APER, ada & nteraonl Fhydoaralial Asoaton (PH (ona cher @ ena, erta vez, lendo Joao Guima- tes Rosa, deparo-me com a seguinte citagio: “Goethe = Masceu no sertdo, assim como Dostoievski, Tolstoi, Flaubert, Balzac; ele era, como os outros que eu admiro, um bo~ mem que vivia com a lingua e pensava no infinito, Acho gue Goethe foi, em resumo, 0 unico grande poeta da literatura mundial que nao escrevia para o dia, mas para 0 infinite. Era um sertancjo”. A frase me pegou de surpresa e me fez pensar, de imediato, em W.R. Bion, o psicanalista inglés, nascido em 1897 no sertio da {n- dia, que também pensou sobre a relagio do infinito com a Psicanilise e nela bus~ cou fundamentar uma pritica. Arrisco~ mea dizer aqui que o sertio é 0 infinito, daf a habilidade do sertanejo em escre- ver sobre o que Ihe € familias, enxergar longe, o que inclui a trigica finitude de todos nés. Em outro ponto, Guimaries Rosa, afirma: “Escrevendo, descubro sempre um novo pedaso de infinito. Vivo no infini- 10; @ momento nao conta”. Novamente, a aproximagio me fez pensar na proposta de trabalho criada por Bion: trabalhar sem meméria, sem desejo, sem neces- sidade de compreensio; isto é, atentar seriamente para o que esti se passando no presente da sessio, nfo se prender a fatos passados nem se desviar para ex- pectativas futuras, ndo pretender curar, no colocar aspiragdes pessoais, nem fidelidades teéricas grupais, nem habi- tos e crengas, pois € com tal liberdade que se torna possivel contatar de forma nova com a realidade da sesso, que, por sua vez, € uma evolusio de “O". Todo conhecimento verdadeiramente psi canalitico deve orientar-nos para uma experiéncia de “O”, uma transformagio em “O”. Intrigante sinal, ele foi traduzido pelo préprio Bion por meio de um tre- cho da poesia de John Milton em Paradi- se Lost: ‘obtido do vazio infinito sem forma” (won from the void and formless infinite). Paro para pensar no que acabei de escrever sobre Bion e percebo que mais uma vez me coloco diante de um desafio permanente de pensamento: a conexio entre as atividades do psicanalista ¢ do artista. Ha muito me é nitido que am- bos despertam um no outro uma forte (1) 0sinal“0" deve sr pronunciato em ings, pois eta ra a Inter de Bar" ang omisterarad eae. pique espe 41 "a Autores contemporGneos inquietagdo, um interesse estranho que nao é apenas retdrico ou teéri- co. Mas Bion sugere também que ainda devemos olhar como fazem 08 cientistas, isto é, curiosos de to- das as dimensdes do mundo. Cientista, artista, psicanalista, a mudanga de vértice € parte intrin- seca do trabalho analitico, que nao pode prescindir de buscar um lu- gar no dominio da linguagem e da palavra, pelo compromisso ético de nao ficar indiferentes as interpreta~ gOes que ocorrem incessantemente nos diversos dominios do mundo social-histérico. Tampouco o ar tista e 0 cientista estao isentos da inquietago que a Psicandlise vem produzindo desde os_primérdios do século XX. Os trés ~ psicana- lista, artista, cientista ~ deparam-se constantemente com o sentimento de que existe algo que sempre escapa as inter~ pretacoes, ¢ este algo de dimensdes infinitas € justamente aquilo que constitui a esséncia da arte € o vigor do trabalho que executam. Dizer simplesmente neste ponto que se trata do inconsciente nao basta. O incons- ciente sempre vai muito mais além do que aquilo que nomeamos como tal. Numa confe~ réncia pronunciada em Paris, julho de 1978, Bion dizia: “O inconsciente é simplesmente ‘uma dessas palavras usadas por Freud numa tentativa de chamar a atengio para algo que realmente existe. Mas, como sempre, pren- demo-nos na palavra e entdo ocorrem estas intermindveis e cansativas discussoes, para mim, sobre todos os tipos de teoria. Eu aca- bo me desinteressando delas porque obscu- recem 0 fato de que existe algo, pelo que eu sei, que a mente humana 20 vivo, ou a per- sonalidade. Nao creio que alguém jé tenha descoberto como descrever aquele carter humano ou a personalidade, nem mesmo um bom pintor de quadros que possa pintar um retrato mostrando nao somente a cor da pele oua forma da pessoa”. Ao formular “O”, Bion destacou a com- plexidade para se alcancar uma interpretacZo em Psicandlise ¢, conseqiientemente, sua di- mensio ética. Assim, nao se trata de exigir que o analista seja um artista, pois quando se lida com o infinito temos diversidades logi- cas, ¢ a do psicanalista nao seré a mesma do artista, nem a do cientista. O que *O” repre~ senta para o psicanalista, provavelmente nao sera alcangado pelos outros dois. Assim, por exemplo, se um analisando traz para a sesso uma composi¢a0 musical no lugar da pala- vra, € possivel que o analista nfo podendo ser miisico na sesso, néo possa entendé-lo, ain- da que seja misico em sua vida particular. Pelo vértice filoséfico, poder-se-ia dizer que a temitica de Bion 0 aproxima da me- Ihor tradigao do conceito kantiano de verda~ de, democraticamente inacessivel para todos. ‘Nem artista, nem cientista, nem psicanalista @ possuem - no maximo conseguem usar a imaginacio produtora em seu lugar. TEORIA DO PENSAR Em 1956, ao estabelecer uma de suas principais diretrizes teérico-praticas, elimi- nando categorias diagnésticas comumente usadas na Psicanélise disponibilizando 0 pensamento para duas grandes polaridades, a parte psicética e a parte nao-psicética da personalidade, poder-se-ia dizer que Bion aproxima-se do mesmo paralelismo disjun- tivo adotado por Spinoza para dispor sobre a relagio entre a sanidade ¢ a loucura. Nao ha ilogicidade na loucura, nem logicidade na sanidade; apenas trata-se de estados que possuem uma logica paralela, disjuntiva & suposicao de “normalidade”. © que temos sio realidades incomensuraveis, incontaveis espelhos de palavras, expostos por varios dis- cursos, nos quais corremos o risco de desco- brir a relacio finitude/infinitude. Lendo Bion nfo € preciso ir muito lon- ge para deduzir que estamos diante de uma ética trégica, e nos desdobramentos da in- vestigagio sobre a interaclo entre as par- tes psicdticas © as partes ndo-psicéticas da personalidade cle realiza a transposicao do conceito filoséfico de verdade incognoscivel para a pritica intuitiva psicanalitica, ¢ faz emergir no inicio da década de 1960, uma Teoria do Pensar ¢, com ela, uma ética de pensamento psicanalitico que vai se desdo- brando nos textos seguintes: Aprendendo da Experiéncia (1962), Elementos da psicandlise (1963), Transformarées (1965) Podemos acompanhar sua presenga ¢ evo- lugao em todas as Conferéncias da década de 1970, que se seguem ao livro Atengdo e Inter- pretazéo (1970): Buenos Aires, Rio de Janei 0, Sao Paulo, Brasilia, Nova Torque, Roma, Paris, Londres, todas elas no se eximem de apresentar a ousadia de suas proposicées centrais, © método de apresentagao de Bion € inconfundivel. Ele exige que seus interlo- tomem como pro- er, como lider de cutores ¢ ouvintes no o fessor, como homem de s: uma escola, mas como um psicanalista com suas diividas e incertezas, com toda inde bilidade ¢ incompletude das interpretasées ¢, sobretudo, deparando-se com a complex de que o campo da Psicanslise nos impée. Ele com freqiiéncia parte de um pequeno Epemencorderumcasc..tf' NgniGestiva que no ouvimos falar do paciente sem ouvir falar aneamente do psicanalista, Ele suge re-nos a imagem de um poliedro, uma figura multifacetada que, de acordo com 0 angulo observado mostra uma faceta diferente. Por exemplo: quantos anos de idade tem 0 pa~ ciente se cada faceta revela uma idade dife- rente? Quantos anos uma pessoa sente que tem? E como sabe disso? Obviamente Bion niio ird se deter em buscar uma determinagao exata, mas ressaltar o fato de que a observa tifacetada cujo correspondente na linguagem 86 pode ser um, a saber: 0 mito. Dai a per- gunta se expande: qual € 0 mito particular do paciente q idades dife por exemplo, fala a partir de es € presentes na mesma pes- soa? F na criagao deste mito que se instala a mobilidade da relacao analitica SEDE DE SABER Sabemos que Freud colocou 0 mito de Edipo como elemento nuclear da neurose, € fer dele a base para investigar os sentimentos de amor, ddio, citimes, rivalidade que estio presentes nos aspectos essenciais do desen- volvimento sexual. As investigagdes subse- qiientes foram enriquecidas por importantes contribuigdes que se referem ao contetido se- xual do drama e as interagGes entre os pares | ativo/passivo, masoquismo/sadismo, libidi- | nal/agressivo, individuo/cena priméria, Com do Melanie Klein, 0 mito passa a ser inves desde as relages mais precoces da vida mental Bion confronts fa Psicandlise a lmaginacto radical ou seja:nio a capacidade de ver "figuras", mas de cestabelecer 0 que io €,€ ver alguma coisa alem do psique ssp 43 = Autores contempordneos 5 Valiosas contribuigdes surgiram também a Vida e obra partir do campo semidtico e lingiiistico, so- bretudo com Lacan. Bion aproximou-se por um vértice di- ferente do mito edipico, detendo-se pro- fandamente naqueles elementos que foram ‘Wilfred Ruprecht Bion nasceu meiros projetos de grupoterapia.. em 1897, em Muttra, na India, mas Durante a Guerra, casou- mudou-se para a Inglaterra aos se com a atriz Betty Jardine, que olto anos de dade. Apésterminar morreu tragleamente durante © deslocados do pensamento psicanalitico pela © colegial em 1915, alistou-se no parto da fia, em 1945. Astim, 20 nfase no sexual. Sem excluir a importan- Royal Tank Regiment, participan- final da Guerra, ele estava deluto, cia essencial da sexualidade, ele destacou na do da | Guerra Mundial na Franga com um bebé para cuidar e muito funcio narrativa do mito os elementos de até o final do conflto, sendo con pouco dinheiro para se estabele- arrogancia, curiosidade e estupidez. atuando decorado com virias mengdes de cer. Retornou a Clinica Tavistock, contra o desejo de saber a verdade, propondo bravura em combate, trabalhando com diferentes gru- com eles captar a presenga da parte psicstica Em 1918, entrou para a Uni- pos e tomou parte na reorgani- da personalidade em confronto com a parte versidade de Oxford onde cur- zacéo da Clinica, retomando sua ndo-psicdtica. Desta forma, destaca um ob- sou Historia Moderna e Francés andlise didética com Melanie Klein, _jeto tridimensional cujo vinculo, que nomeia ©, pds dois anos trabalhando até abrir um consultério particular de K (a sede de saber) é tio essencial a0 ser como professor de sua antiga es- na Harley Street. Foi também di- humano como o Amor (vinculo L) ¢ o ddio cola, matriculou-se no curso de retor da Sessio Médica da Socie- _(vinculo H). - medicina no University College dade Britanica de Psicologia, onde Podemos dizer que, para Bion, 0 mito de Hospital em Londres, entre 1924 apresentou o trabalho Paiquiatia ipo traduz a base do aparetho de aprendi- ‘¢ 1930, Durante estes anos, ficou em Tempos de Crise, em 1948. Em 7840 desde os primérdios do desenvolvimen- especialmente encantado com 1950, expés um esuudo promo, ‘© Mental, que ele assinala presente jé no meio Wilfred Trotter, um brilhante cional para a Sociedade Britanica, int#-wterino. FIA uma pré-concepsao edipig neurocirurgifo e admirador de 0 gémeo Imaginéro bade gui ala rela Freud, que escreveu o livro Os Em junho de 1951, casou-se Personalidad na descoberta ou no conhe Eee ere a i mento da realidade psiquica. Esta pré-con- nstintos da Horda na Guerra e no com Francesca, com quem vive. CL. conduzita 4 mvestigasae ds relagto Paz. Multas de suas idélas sobre até o final de sua vida, untamen- sin g seio, os pais reais ou substitutos, 0 srupos, desenvolvidas na década te com mals um filho e uma fi: Cial , finalmente, com a mente criativa de 1940, foram influenciadas por ha. Durante a década de 1950 Diip fatoids eadaviadividins te wicia Hes estes escritos de 1916. desenvolveu importantes estu- yéria exclusiva e vnica, Bion postula “o mito Apés formar-se, Bion passou dos sobre a parte psicética dade Fdipo privado” formado por elementos- sete anos fezendo formagio em personalidade, que sucederam alfa, decorrentes do que ele chamou de fun- psicoterapia na Clinica Tavistock. 0s trabalhos sobre a Teoria do ¢io-alfa bem-sucedida dentro da historia da Em 1938, iniciou sua andlise di- Pensar e seus desdobramentos _ evolucio da pré-concepsiio. Isto é, 0 “mito de datica com John Rickman, ex-pa- _epistemolégicos e priticos. Edipo privado” atende a um principio ético- ciente de Freud e proeminente Em 1968, mudou-se para estético de singularidade. analista na Sociedade Britanica Beverly Hills para trabalhar com 0 Por outro lado, para entender o cresci- de Psicanilise. A anélise teve que grupo psicanalitico de Los Angeles, | mento mental especifico de cada individuo, é ser interrompida em virtude da el4permaneceuatéseufalecimento _r¢ciso atentar para os ataques destrutivos da NN Guerra Mundial, quando Bion em 1979, Bion esteve quatro vezes Parte psicética da personalidade, quando en- alistou-se novamente, trabalhan- no Brasil (1972, 1973, 1975,1978), #0 encontraremos os sentimentos de inveja, do em hospitais militares na ten- encontrando-se com psicanalistas Voracidade, sadismo articulados por meio da tativa de introduzir novos méto- das sociedades filiadas 4 IPA e dei- Sroztacis dos peronagens. que se epseme dos para o tratamento das baixas xando entre nés um forte legadoe *Pansio do conhecimento. As conseqién- psiqudtricas. As experincias no uma abertura de pensamento que Sins €o atadueincidem sempre sobre 0 ap Northfield Hospital tiveram curta permitem continuar desenvolven- “1° Pasa pensar Pensamentos’, ¢ impeder © desenvolvimento da fungao psicanali duragio, mas foram um dos pri- do suas idéias origina. Sieperspaalidade Ho. ea: suaAe: Reicans 44 psique cepoca PROCESSO CRIATIVO Cabe ainda notar que 0 elemento funda- mental no processo analitico para Bion, que faz destacar sempre a relagao entre o artista € sempre 0 procesto criativo, o psicanalis isto é, a capacidade de escutar 0 diretamente dado no material do analisan- do para atingir uma interpretagao. Os ter- mos imaginagio c imaginario devem ser aqui pensados em conjunto. A imaginagao (ima~ gem-em-aco) nao é apenas a capacidade de combinar elementos ja dados para produzir um outro; € a capacidade de colocar uma nova forma. Utiliza-se de elementos que ai estavam, mas a forma, enquanto tal, é nova. Sem divida, Bion nos confronta na Psi canilise com a imaginagio radical, a imagi- nagio produtora. Nao a capacidade de ver “figuras”, ou se ver num “espelho”, mas a capacidade de estabelecer 0 que nao 6, e ver alguma coisa além do senso comum Os aspectos criativos da mente, resultan- tes ou representantes da fungao psicanalitica da personalidade, revelam-se na radicalidade de um outro conceito que Bion nos traz na parte final de sua obra: 0 conceito de cesu ra (1975), retirado de uma citacio de Freud em Inibigao, Sintoma e Angustia (1926). Em qualquer momento, se ndo nos deixamos impressionar pelos elementos de meméria, de desejo, e da necessidade de compreen- sfo, nossa mente recupera a plasticidade de movimento transitends' pela cisio temporal, estabelecendo vinculos insuspeitados, crian- do conjecturas, enfim, exercendo a imagina- go. Tudo é metaforizavel e deve possuir a liberdade do que ele chamou de Language of Achi E Sendo assim, 0 psicanalista pode entender sement (Linguagem de Exito, 1970) que 0 nascimento psiquico pode libertar-se da idéia do nascimento fisico e perceber que seu trabalho é acompanhar as infinitas jane- las psiquicas para a vida que vio se abrindo se desdobrando no suceder das sessoes. mt = Oe Me ee nl = —— em, —<—_ ee oe ee ae oe oo — ‘Aa lado de Anna Freud (@ esquerd) Bion (na ‘qualdade de presidente da British Psycho- ‘Analytical Sociey) celebra a Edgdo Standard des Obras Completa de Sigmund Freud, em 1964 sigue esol 45 Autores contemporGneos Uma Psicandlise Idéia de criatividade de Winnicott contribui para © melhor conhecimento do ser humano Ao psiane ec Por Epna Vitete & Rosa Maria CarvaLHo REIS EdnaVilete ¢ nit, cant, mnbro eft, didata docene da Sociedade Picanaltica 4 Re Janeiro da Asociagio Bes de Pocandse. Conta: tne @ garg Rosa Maria Carvalho Reis & pica, pscaralsta,membro ehtv «dace da Sociedade Picanala do Node Janie da sac Brak de Psa (ona: sae @ abnor. inglés Donald Woods Win- nicott, filecido em 1971, dei- xou, com stia obra, um legado valioso nao somente para psica~ nalistas, mas também para médicos, assisten~ tes sociais, educadores e pais. De sua contri- buigao para o conhecimento do ser humano ressaltam suas dias sobre acriatividade, que ele conceitua como “um colorido de toda ati- tude com relacio 2 realidade externa’, pois € “por meio da apercepeio criativa, mais do que qualquer outra coisa, que a vida € digna de ser vivida”. Para alcangar 0 que Winnicott quer de faro dizer, temos que distinguir a criagio bem-sucedida do que ele chama de criativi- dade, assim definida quando afirma que “o impulso criativo é algo que pode ser consi- derado como uma coisa em si, algo natural- mente necessirio a um artista na produgio de uma obra de arte, mas também que se faz presente quando qualquer pessoa — bebé, crianga, adolescente, adulto ou idoso ~ in- clina-se de maneira saudivel para algo ou realiza deliberadamente alguma coisa, desde uma sujeira com fezes ou o prolongsr do ato de chorar como fruigo de um som musical”. Entretanto, Winnicott se pergunta: por que pode desaparecer sentimento que o indivi- duo tem de que a vida € real e signifcativa? E sesponde referindo-se a submissiio que se cestabelece com relagio A realidade externa ‘quando,2o invés de o ambiente atender & de~ pendéncia do bebé, cle se impée ¢ falha, sem ajudé-lo a enfrentar a perda da onipoténcia. ‘No inicio, para o bebé, ele €0 seio no es- ‘Ho separados e somente a mae que & syficien temente boa teri a capacidade de apresentar ‘6 mundo de tal forma que o bebe acreditari ser o seu eriador. Quando tudo corre bem, isso significa que a mie cumpriu, também, atarefa de desifudir gradativamente o bebé. Porém, a accitagio da realidade extema leva © individuo, durante toda a vida, a softer uma inevitavel tensao que s6 € atenuada pela en- ‘trada no que Winnicott chama de “uma fea intermediria de experiéncia”. A propésito, & melhor sepetir as proprias palavras de Wi nicott:“é itil, portanto, pensar numa firea in- termediria do viver humano, uma area que no se encontra nem dentro, nem fora, no mundo da realidade compartilhada, Pode-se ‘pensar nesse viver intermediério como ocu- pando um espaco potencial, a negara idéia de espago e separagio entre o bebé e a mie «todos os desenvolvimentos derivados desse ‘fendmeno. Este espago potencial 6 extrema mente variivel de individuo para individuo sique esvecia 47 4 . Autores contemporGneos 48 psique esc € seu fndamento esti na confianga quea mie inspira ao bebé..”, Essa drea intermediatia abrigard a criatividade € dara origem ao sonho € ao brinear. © HOMEM “SEM CHEIRO” Durante décadas, Winnicott exer- ceu a pediatria junto a sua atividade de psicanalista, atendendo bebés © suas iiies, 0 que Ihe ofereceu a oportuni- dade de investigar e conhecer nio 6 0 desenvolvimento infantil, mas também a importincia do ambiente que cerca a crianga. Com os cuidados que ofere ce a0 filho, diz Winnicott, “a mie esti assentando, sem que o saiba, as bases da satide mental do individuo. Isso, po- rém, nio é tudo. Do ponto de vista da saiide mental, a mie — se agir de forma adequada — estarf, também, criando os fundamentos da forga de cariter e da riqueza da personalidade”. E continua, “infelizmente é uma grande verdade que, se uma crianga no comesar bem, entio nio poderé desfrutar do que o mundo tema lhe ofere- cer. Assim, existem ‘os que tém’e ‘os que nio tém, isso nada tem a ver com finangas; tem a ver com aqueles que comegaram muito bem a sua vida, ¢ com aqueles que nao tiveram a mesma sorte”. ‘Tio vasta é a obra de Winnicore que para apresentar algumas de suas idéias relacionadas 20 bom desenvolvimento de uma crianga e a0 seu contririo, quando ocorrem sérias perturba~ Bes que provocam distorses de personalidade € graves patologias, recosremos @ um persona~ gem da literatura contemporinea. Referimo- nos a um homem que, por ter sido um bebé sem mie, nfo conseguiu desenvolver uma identidade prépria, particular, e era, assim, uma pessoa sem cheiro; falamos de Jean-Baptiste Grenouille, a criagio de Patrick Stiskind em seu livro O Per _fume, recentemente adaptado ao cinema. Nascido de uma vendedora de peixe em um dia quente ¢ mal-cheiroso de vero no meio de visceras atiradas a0 chio, Jean- Baptiste poderia ter tido o mesmo destino dos quatro irmios que © precederam ¢, como um excremento, ser des pejado no lixo. Escapa, pois se poe a chorar e é encontrado, denunciando, assim, o delito da mie (que, por isto, € presa e decapitada, Passa a ser “o bastardo da infanticida”, eriado por amas sucessivas que acabavam por recusi-lo porque era faminto e mamava por dois, dimi- rnuindo o lucro dos que o cuidavam, Finalmente é mantido por um convento e entregue a uma ama ‘com quem permaneceu durante semanas. Torna- se gordo ¢ rosado, mas, outra vez, ¢ devolvido por- que, diz ela, “encheu a panga a minha custa. Su- gourme toda, esvaziou-me até os ossos. Mas agora acabou". O padre do convento tenta argumentar: “Nao é bom ficar empurrando uma crianga por ai. ‘Quem sabe se ela vai se desenvolver com o leite de outra tio bem quanto com o seu? Esti acos- ‘tumado ao aroma do seu peito ¢ a batida do seu coragao". Nenhuma palavra a demove e enojada afasta © bebé de si. Nao tem cheiro, disse ela, ¢ por isso no gosta dele. Nao cheira como 03 outros bebés a manteiga fresca, bolacha ensopada no leite ou caramelo ¢, por essa razao, suspeita que cle tenha parte com o deménio. Esta suspeita insinuada faz com que seja mal interpretado o talento inato que © bebé depois revelou ao monge, quando mexen- do o narizinho mostrou farejar e aspirar seu chei~ 10, como s¢ o olhasse de modo arguto e exami- nador. Aterrorizado, o padre o leva correndo para bem longe ¢, aliviado, com muitos sinais da cruz, centregou-o a uma mulher que mantinhs eriangas sob pagamento. “Com o cuidado da mae”, diz Winnicott, “o bebé é capaz de ter uma existéncia pessoal, uma individualidade. Entretanto, se 0 cuidado mater~ no nfo € suficientemente bom, 0 bebé nfo vem a existir”, Podemos pensar que a Jean-Baptiste tudo faltou: a mae que 0 cuidasse ou 0 pai que o salvasse. Faltou o tipo de cuidado que Winnicott chamou de devogio, em que uma mie zelosa, pre- ocupada e atenta se debruga sobre o seu bebé ¢ 0 acolhe dentro de si como estivera antes de nascer. Nesta gestacio afetiva, neste processo de identi- ficagio primaria, ela se sente igual a ele e & capaz de reconhecer seus estados aetivos e descobrir sua singularidade, podendo identificar o seu choro, ou diriamos, 0 seu cheiro, Winnicott ressalta também o papel de espelho da mae. Descobrindo a singularidade do seu bebe, de seu seff que desabrocha em caracteristicas como seus gorjeios, seu sorriso, suas expresses faciais, seus gestos e trejeitos, cla pode refletir aquilo que ele é Ha bebés, entretanto, diz Winnicott, que olham 0 rosto da mie ¢ nao se véem. Ao invés deo rosto da mae refletir 0 bebé reflete a rigidez de suas proprias defesas. pois, dessa maneira que Jean-Baptiste inicia a vida, como deposi- titio das projegdes alheias, pois é voraz pela ama mercenaria que troca leite por dinheito, & visto como deménio pelo padre su- considerado perstcioso e assustado. Winnicott nos deixou uma frase instigante “quando esti reagindo, um bebé nfo e do”, esta sim, podemos acrescentar, lutando para sobreviver e usando todas as suas forgas contra a ameaga de ser aniquilado, Para preservar sua ma ncira propria de ser, a sua individualidade, 0 bebé precisa ser reconhecido e respeitado no seu rit- em sua espontaneidade, e protegido das imposigdes, das invasdes € do ambiente que mo natural, o levam a se defender reagindo. A luta pela so- brevivéncia prosseguiu para Jean-Baptiste, mas, conclui o autor, quem, como ele, tinha sobrevivido 29 proprio nascimento no lixo, nlo se deixaria ex- pulsar tio facilmente do mundo. Assim, ao longo da infincia sobreviveu & sopa aguada, aos maus- tratos, 4s doengas e ao trabalho insalubre de 15 horas didrias em um curtume. No entanto, ensina Winnicott, se a agress ambiente € persistent, crianga pode reagir is im- posigdes com retraimento e submissio. A retirada ara o isolamento € a tiniea condigo que permite ‘texisténcia como individuo; porém, se em casos ex- ttemos nao houver nenhum lugar de descanso inte: siog.acriangaem conseqiiéncia, desenvolve-se como uma extensio do ambiente invasor. Bem a propésito, por este estado de retraimento, por viver encapsula- do em si mesmo, o autor compara Jean-Baptiste a um earrapato, de pele list e dura, resistente e auto- suficiente, vivendo de uma gotinha de sangue, pre- cisando de um minimo para sobreviver. Para a alma, diz ele, nao precisava de nada ~ nem calor humano, dedicaglo, delicadeza ou amor. Mas, sugere 0 autor, talvez tudo isto se tomasse dispensivel para que ele pudesse sobreviver, pois se tudo desejasse provavel- teria perecido, Como protecio ele aprende a dissimular a0 lidar com 0 mundo, desenvolvendo «uma personalidade falsa, um falso se—na aparéncia, submisso, humilde, trabalhador e obediente, guar- éando, contudo, no fando de si mesmo, suas inten- s8es e,acima de tudo, seu talento recém-descoberto ~o faro agudo e preciso que the permite como que ver distncia e através das paredes A ESSENCIA DO SELF Jean-Baptiste brincava com os odores como ‘uma crianga brinea com os seus jogos, mas sem- pre em uma atividade secreta, realizada apenas em seu interior, pois esse dom precioso, essa ca pacidade rara de apreender, discriminar ¢ m morizar cheiros representa a verdadeira essé do seu seff ¢, como tal, necessita ser ocultado, provavelmente para evitar 0 perigo maior de ser submetido ¢ explorado, A exploragio realmente acontece quando Jean-Baptiste passa a trabalhar para Baldini, um importante perfumista de Paris. Percebendo o ta- lento do rapaz apodera-se das formulas dos mag- nificos perfumes que ele & capaz de criar ¢, com isso, enriquece. Jean-Baptiste, porém, aceita toda a falsidad Baldini ele encontra a primeira oportunidade de hipocrisia porque no laboratério de que olham © rosto da tric nfo se véom, ‘efletindo apenas, sa rigdes pique op0 49 Em Paris, no ano de 1738, Jean-Baptiste Grenouille, fiho de uma feirante, nas- cceu em uma barraca de peixe na cidade ‘mais sae fedorenta do mundo ociden- tal. Apds a morte de sua mie, sobrevi- ‘yea doengas e pestes em diversos ares rmiseraveis. Contra todos os prognés- ticos, Grenouille acaba desenvolvendo duas caracteristicas que mudariam stra vida: a0 mesmo tempo em que nio tinha cheiro algum, era dotado de um olfato apuradissimo, Este uikimo talento permite que deixe para tris a pobreza para brilhar na industria da perfumaria Mas Grenouille, um_personagem amoral, nfo ambiciona a fama ou a fortuna que sua habilidade poderia the proporcionar, mas um peder maior so- bre as pessoas: a sedugio dos odores sobre a alma humana, Assim, confor- me relaciona Winnicott, o personage brincava com os odores como uma crianga brinca com os seus jogos. mas sempre em uma atividade secreta, realizada apenas em seu interior, pois esse dom precioso, essa capacidade rara de apreender, discriminar e me- morizar cheiros representa a verda- deira esséncia do seu self e, como tal necessita ser ocultado, provavelmente para evitar o perigo maior de ser sub- metido e explorado. a 0 perfume A historia de um assassino Por Patrick Siskind (Record, 256 paginas, Ri 37,90) Oe sae yl mY AE au 50 psique epoca |_ se expressar em sua capacidade criadora e, apren- demos com Winnicott, as situagdes em que o fil- 0 seif permite ao verdadeiro self emergir podem possibilitar & pessoa uma existéncia normal sim, cle se revela em sua espontaneidade ia ‘mais que um menino de olhos brilhantes que fala € gesticula com liberdade, mostrando-se do e envolvido em sua brincadeira, lidando com vidros ¢ esséncias, esquecido de tudo 20 redor. Mas ele tem, também, a necessidade de aprender 4s t€enicas que o mestre pode Ihe ensinar, pois, a0 descobrir o fato de que nio possuia um cheizo ~ ou seja, de que era insignificante para as pesso- as ~ passa a acalentar o propésito secreto de eriar um odor sobre-humano, angelica, tio bom ¢ com tanta energia vital que quem o cheirasse ficaria enfeitigado, ficaria sob um encantamento, tendo de amar de todo coragio, até a loucura ou sacrift-| soal, portador deste aroma, Afinal, podemos pensar que, por meio da| alegoria do cheiro bom representando, no caso, o falso «ef, ele estaria, tio somente, pretendendo arrancar aquilo que lhe fora negado um dia — 0 sentimento de fascinagio ¢ a entrega que ¢ ca paz de experimentar uma mie apaixonada pelo seu bebe ~ esta condigio que Winnicott to bem conceituou de “preocupago materna primsria’ Jean-Baptiste realiza 0 seu intento e como um virtuose em sua arte, conféceiona um perfirme m gico com a fiugrincia extraida de certas pessoas ~individuos raros que inspiram amor ~ ¢ assim, cle proprio, com apenas algumas gotas, viu-se amado, venerado, desejado. Mas tudo resulta iniitil, pois ele se vé invadido por um sentimento de vazio. Nao é reconhecido em obstante 0 seu sucesso, nilo se seu talento, 0 que, de fato, ele realmente buscava e necessitava: “Os outros s6 sentem o efeito deste per~ fume”, pensou melancdlico, “mas nao sabem como ele é bem feito”, Semelhante & 0 vazio que determi- nados pacientes experimentam na vida, apesar do poder de que desfrutam ~ conferido por dinheiro, fama, prestigio intelectual, beleza ou quaisquer o0- tros recursos de que uma personalidade filso sf pode, inutilmente, langar mao para se sentir amada e considerada, REVELACOES DO SUICIDIO As idéias de Winnicott e Siiskind se unem, de novo,no desfecho trigico da hist6ria. Jean-Baptis- te ja nflo quer mais viver ¢, se n’io ha mais esperan- as de que o self verdadeiro possa exisir, esclarece Winnicott, passa a ser tarefa do falso self organizar © suicidio. Winnicott nos ajuda, assim, a com- preender porque Jean-Baptiste se dirige a Paris e como que voltando ao seu principio, a0 lugar onde nascera, unta-se aos ladrbes, assassinos, prostitutas e desesperados que ali, junto ao fogo, reuniam-se. Despeja todo o contetido do perfume sobre o seu corpo € aparece, ento, a0 grupo, como um anjo de imensa beleza, imerso em um brilho irradiante. Atraidos por esse fulgor,a massa humana cai sobre de e o devora, pedaco por pedago. Em meia hora Jean-Baptiste havia desaparecido da face da te Quando os canibais se reuniram apés a re 20 nada disseram, apenas se entreolharam com 0 coragio livre,e sorriram, tendo no rosto um brilho de suave felicidad, Conclui 0 autor: “estavam or gulhosos. Pela primeira vez haviam feito algo por | amor". A sensibilidade de Siskind nos conduz, com esta afirmagio, 4 patologia de Jean-Baptis- tg; a0s assassinatos cometidos para se apoderar da fragrincia das mulheres por ele amadas e confec- cionar 0 seu perfume magico e, dessa maneira, A natureza do amor primitivo do personagem e dos companheiros que o devoraram. Amor este feito deavider e excitag20, oriundo de uma fase no de- senvolvimento anterior culpa e a responsabilida- de pelos atos cometidos. ‘Assim, para chegar ao se/fverdadeiro de Jean Baptiste, revelado pelo suicidio, seria necessério compreender que, apesar do impulso amoroso primitivo ter uma qualidade destrutiva, 0 obje- tivo do bebé nao € a destruigto. *O objetivo do bebe”, diz Winnicott, “€ a satisfago, a paz do corpo € do espirito”. Bem a propésito, a0 sentir © perfume da primeira jovem que o assassinou, Jean-Baptiste ~ descreve 0 autor ~ quase passou ‘mal de tanta excitagao. Acompanhou o perfume “com o coragio a saltar de medo, pois adivinhava que nfo estava seguindo o aroma, mas que o aro- mao havia aprisionado e, agora, irresistivelmen- te, 0 atraia para si”. Nao era o esforco de correr que fazia seu coragio pular, “mas © seu excita- do desamparo diante da presenga desse aroma’, Precisava t€-lo, ‘nao pela mera posse, mas para sossego do seu coragao”, Por isto, ao ser preso pe- los assassinatos cometidos, indagado quanto 20s motivos de seus crimes, simplesmente respon- deu: “Precisava delas’. E nada mais acrescentou, apesar de interrogado e torturado. E curioso que Siskind, o autor, em diversos momentos se mostre hostil 20 personagem. “Foi um monstro desde o i se EIITG! ‘comego”, diz ele, ¢ 0 acusa de teimosia ee ce maldade porque com o seu grito teria‘ Winnicott, levado a mie 20 cadafalso, decidindo- se,assim, acredita, a favor da vida e con- tra o amor. A esse respeito, Winnicott sabia da extensio do encargo que um analista teria para tratar de uma pato- ogia primitiva como as personalidades falso self, 0s esquizcides e os distuirbios de cariter. Sabia também da intensida~ de de sua contratransferéncia quando, ao criar condigées para a verdade do paciente emergir, cle se revelasse em sua extrema dependéncia. Recomen- dou, mesmo, que o analista ve sua disponibilidade emocional para tal tarefa, que certamente incluiria a capa- cidade de empatia com a necessidade € 0 desamparo do paciente, pois este sentimento 0 ajudaria a suportar 0 édio que pudesse ser despertado com as exi- géncias de sua regressio, ¢ sua rude maneira de amar. E,diante de suas defesas, de seu retraimento € agressio, de sua ameaga em abandonar o trata~ ‘mento, Winnicott nos deixou uma frase que nos tar alent pore nos reo a ealdade desses pacientes:“E este um sofisticado jogo de esconder, em que pode ser uma alegria estar escondido, mas € um desastre nao ser encontrado”. . situagdes em que o falso self permite ao verdadeiro self emergit podem possibilitar a pessoa uma existéncia normal REFERENCIA \VLETE,£ Sobre o perfume e a teoria do self e do falso solf om Winnicott, Em: Wanicty,24 Anos Depos. Rio de Jano: Ravin, 1895, SISKND, P.0 perfume, a historia de um assassino. ‘Sto Paulo: 6 Clit, 1979. \WINNICOTT, 0. W. Da Pediatria a Psicanalis Seleconados. Rode Janel: Francisco Alves, 1978. © ambiente e os processos de matu- Fagtio, Porto Alegre: E,Artes Meeas, 1990. (Os bebés e suas mies. Sto Paulo texios Narn Fonts, 2002. ___ Privagao e delingiiéneia. Séo Pau: Natios Fontes 1905. © brincare a realidade. Roe Janu: i. imago, 1974 psique expec $1 ™@ Autores contemporGneos De onde fala Pincura, poesia Filosofia, Lingtiistica; muitos sao os lugares que influenciaram a ase do pensamento niano Por LEONARDO ADALBERTO FRANCISCHELLI Leonardo Adalberto Francischellié pialsa, embrfndor«eeie da Snead Bralera de cade se Pat Hee. Comat focicheh @ bacon br complexo 0 conceito de “Sujeito” WW cin Lacan e é desde af que ele fala. a A histéria deste “Sujeito” se con- fande com a da ciéncia a partir de seu nascimento estabelecido por Des- cartes (1596 - 1650). Desde esse lugar € que se desenha o “Sujeito” na virada do século XVI para o XVII."O Sujeito ¢ de finido como 0 proprio homem enquanto fundamento de seus proprios pensamen- tos € atos” (Roudinesco & Plon, 1998) Predominava a sentenga cartesiana: “Eu penso, logo existo”. Desse enunciado nasceu a Psicandlise, com Freud revolucionando exaltadamen- te essa assertiva por meio da hipétese do inconstiente e da cura pela fala. Com a publicacio da A interpretagao dos sonbos em 1900, Freud estabelece o conceito de Inconsciente, diferenciando-o de forma radical as idéias de inconsciente que cir- culavam no campo da Filosofia. A partir desse momento, o homem deixa de ser senhor na sua propria casa; dai a concep- sto de ferida narcisista: perdemos 0 co- mando consciente sobre nossos préprios atos. Antes, a humanidade jé havia sofri- do duas injiirias: a primeira com Galileu Galilei (1564-1642), no século XVI, 20 afirmar que a Terra no era o centro do universo e, a segunda, com as teses de Darwin (1809-1882), fazendo ruir nossa origem divina; descobrimos que somos descendentes do macaco. A divisto do sujeito nasce com a for- malizacao do Inconsciente. O chamado sujeito da consciéncia, antigo senhor, en contra-se absolutamente subjugado pelo sujeito do inconsciente. Este € caracteri~ zado pela atemporalidade, por nao apre~ sentar contradicées, ser sexuado ¢ finito. De onde partimos e aonde chegamos! E bem verdade que Freud nao trabalha a ideia do Sujeito em sua obra monumen- tal. Falamos de “o sujeito do inconscien- te", a partir de autores posteriores, parti~ cularmente, de Jacques Lacan. VARIOS LUGARES Lacan nasce em 13 de abril de 1901, ano em que Freud publica 4 interpreta~ do dos sonbas,¢ falece em 9 de Setembro de 1981.”Morto sob nome falso: tal seria o destino ultimo desse grande artifice da fungio simbélica” (Roudinesco, 1988). Surge na psiquiatria francesa como um furacio com sua tese de doutora- mento, em 1932, sobre o célebre caso psigue ospoca $3 4 a Autores contempordneos ‘4 psique ispecs Aimée, também conhecido como “a parandia de autopunicéo”. En- tretanto, a produgfo lacaniana é vastissima. Uma parte de sua obra € escrita por ele mesmo € organiza da pelo seu editor Francois Wahl, em 1966. Estes seriam os chamados Escritos e, em 2001, sio publicados 08 Outros Escritos. Essas duas obras praticamente absorvem toda a pro- dugio escrita pelo préprio Lacan. O restante representado pelos se~ minérios que proferia e cujas trans~ ctigdes e gravacdes, realizadas pelos assistentes, foram organizadas na forma de textos ¢ publicadas por seu genro, Jacques-Alain Miller. Lacan fala desde varios lugares. Hegel ocuparé um lugar destacado, particularmente pela questio do Sujeito, e, nesse pensador, conside- ramos duas perspectivas: a dialética do Senhor ¢ do Escravo, com toda a consideragao que desenvolve so- bre a problematica do desejo. Hegel diz que desejo & desejo de desejo. Essa forma de pensar o desejo mar- ca 0 chamado primeiro tempo do complexo de Edipo em Lacan, no qual a crianga deseja 0 desejo da mae. Dese~ ja completar a mie, ser 0 que a mie gostaria que ela fosse e, assim, se aliena no desejo do outro, ficando o seu eu preso a essa dialética do desejo. De Lévi-Strauss, fundador da antropolo- gia moderna, Lacan vai tomar 0 modelo es- truturalista como organizador de sua forma de pensar a Psicandilise, Seguramente o chamado n6 borromeo, que estrutura a metapsicologia lacaniana no real, simbélico ¢ imaginario, € um exemplo estruturalista de compreensio articulada dos elementos em uma teoria, na qual a desarticulago de um deles implica a desorganizagéo dos demais. Aragon, na poesia; Bataille, na Filosofia; Velésquez ¢ Salvador Dali, na pintura, podem ser citados entre muitos outros como titulares representantes do surrealismo, todos referén- cias importantes na obra de Lacan. Shakes peare ocuparé o lugar do representante de toda a literatura, uma vez que elegeu Hamlet para um importante estudo. © autor era tio envolvido com a cultura que, em certo mo- ‘mento, precisou declarar: ”Nio sou um poeta, mas um poema”. Da matemitica, os teoremas; mas espe- cialmente a topologia tornou-se instrumento importante para se pensar formas de trans- missio da Psicandlise por meio de cifras algé- bricas. Usou as figuras da topologia para ex- pressar aquilo que nossos sentidos, em geral, no conseguem observar. Por iiltimo, Lacan langou mao do apoio da Lingiistica, em particular, de Saussure Jakobson, visto que é com base nesta ciéncia que vai desenvolver sua idéia mais original; a questio do significante, sem 0 qual nada poderiamos dizer do Sujeito. A partir des- ses lingiiistas, nasceré uma nova defini¢ao de inconsciente: “o inconsciente é estruturado ‘como uma linguagem”, afirma, Essa coloca- 40 fala na verdade do mesmo inconsciente freudiano, que Lacan retoma radicalmen- te pelo discurso do Sujeito. £ 14 que ele ira buscar a verdade do inconsciente. Dentro do discurso do Sujeito da ciéneia, Lacan ird dar um lugar para o inconsciente, Diz: “eu, a ver~ dade falo”. Mas a verdade fala onde o discur- so do saber apresenta um furo, uma quebra pelos esquecimentos, atos falhos, lapsos, tro- cas de nomes... E a verdade do inconsciente a que fala s6 ld para ele, nesse saber nio sa~ bido, quando irrompe no discurso consciente do Sujeito, é que se estabelece 0 verdadeiro Sujeito do inconsciente. RETORNO A FREUD Mas Freud é essencialmente o grande ins- pirador de Lacan, este retorna ao autor. Para ele muitos conceitos desenvolvidos em Freud poderiam ser revisitados e compreendidos sob uma nova ética, e Lacan os recoloca em circulagio, agora ressignificados. Isso aconte- ce a partir dos anos 1950, quando propée um movimento de retorno a Freud. Explica: "0 sentido de um retorno a Freud é um retorno ao sentido de Freud”. Nessa época, a Psica- niélise caminhava aceleradamente para uma forma adaptativa do paciente, afastando-se da proposta freudiana que pregava destituir 0 0, Lacan afir lacanianos, se homem instituido. Por tudo ma em Caracas: quiserem. Eu sou freudiano”. Lacan escreve ¢ fala num estilo barroco, ncia do leitor dificil, exigindo forte per para acompanhé-lo, *O estilo é 0 homem”, conforme ele mesmo diz. Seu pensamento, contudo, € vigoroso. Roudinesco 0 chama “um sistema de pensamento” como uma ma neira de procurar marcar seu estatuto para nossa época. “O termo Sujeito, introduzide por La- can na Psicanilise, est af para tornar pos- sivel operar com a hipétese do inconsciente sem aniquilar sua dimensio fundamental de nio sabido” (Porge). Portanto, esse Sujeito do nconsciente nao se encontraria em uma de- terminada localizago, mas o Gnico lugar em que poderiamos situs-lo seria na fala, de uma forma fugidia, quase evanescente, em paralelo 20 “Sujeito da consciéncia” “O estidio do espelho”, trabalhado por La~ can em 1936 e, posteriormente, em 1949, vai nos ntroduzir no processo de construgio do Sujei~ to, Trata-se do primeiro tempo do complexo de Edipo que em Lacan se da em trés tempos. O autor afirma que num primeiro tempo domina | 0 desejo da mie. A crianca deseja ser 0 objeto de desejo da mae e, conforme jé foi dito anterior- mente, ai se aliena, Ela quer ser o falo da mie porque ai supe encontrar o desejo dela Em certo momento, entre os seis ¢ 18 meses, aproximadamente, descobre sua propria ima- gem no espelho, Inicialmente imagina tratar-se de outro ser semel thante, depois se di conta que esse outro cla propria, Ela é este outro li de fora, no espelho. Olha para sua mie e tem a con firmagio de que esse outro é ela. Entio, élé fora que se descobre. E af se dé uma segunda forma de alienagio do Sujeito que 0 tornara inexora- velmente descentrado de si, ernittico com relagio ‘Contudo, segue-se um sentimento de gran- de jubilo no infans, porque ai nessa imagem fora dela, 1é no espelho, descobre pela primeira vez uma gestalt! de seu proprio corpo. Antes disso tinha uma imagem despedacada de si, decorrente (0) Teme nas perce viual A partir dos sno: 1950.3 Picanlise caminha aceleradamente para um forma sdaptatva do paclente, afastandovse da proposta freudiana ‘que pregava desciuir ‘o homem instcuido, Por tudo isso, Lacan afirma:"seiam ‘yoets lacanianos, se ‘quiserem.Eu sou freudiano” pique ees 88 e n Ml Autores contemporGneos ‘Afinal de onde fala Lacan? E ele proprio responde: e que buseo na fala 6 resposta, ‘do outro, O que se constiul como Sujeto € a minha pergunea”™ dda propria filta de coordenagio e da imaturidade geral com que vem a0 mundo, Decorrente de todo esse processo surge uma ‘dentificagao do infans com a sua imagem no es- petho, onde o outro, a imagem do espelho, assume 0 seu lugar; dai dizermos que o outro sou eu. Esta- mos falando do imaginrio ¢ da sua forsa no adven- to do Sujeito, Dizer imagindtio é falar do campo narcisista, etapa obrigatéria no desenvolvimento do indivuo, Entetano, no devernos exquecer que 0 simb6lico est presente também desde o comes... | a matriz simbslica em que o (eu) se precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificagio com 0 outro e antes que a lingu: ‘gem Ihe restitua, no universal, sua fungi de Sujeito” orge). Seria o testemunho de nossa afirm: Entendo esse (eu) como 0 Sujeito. FIGURA PATERNA O segundo tempo do complexo de € marcado pela intervengao do pi vento do simbélico. Nao podemos esquecer que esse simbélico precede a crianga, estando na cultura, e justamente por isso, € colocado no pai, aquele que se encontra fora da ligacao. ebé. Lacan afirma: implesmente 0 a época dirigido a crianga, mas um ‘nao reintegraras 0 teu produto',que é en~ derecado 4 mae”, Aqui também se processa a passagem do “ser o falo para alguém’, desejo proprio, embora nio onipotente pel mediagao da castracio. O terceiro tempo € aquele em que o pai deixa di da lei. “A castracio nfo é, portanto, apenas dupla (da crianga e da mie), mas também do pai. Ninguém é mais o falo, assim como tam- bém ninguém € mais a lei. Tanto um como outro esto para além de qualquer pessoa singular” (Lacan; Garcia-Rosa; Luiz Alfredo, 1999). Essas interiorizagoes da lei possibili- tariam a crianga constituir-se como Sujcito. “Wo Es war, soll Ich werden", assim Freud termina sua conferéncia XXXI. "Ali onde se estava, ali como Sujeito devo vir a ser” (Lacan; Garcia-Rosa; Luiz Alfredo, 1999). Lacan trabalha exaustivamente essa posi freudiana em distintos lugares de seus tex- tos e seminirios. E, com razio ditia eu, pois, como podemos antever, ndo se trata de um problema que envolva uma local: ca, mas a elaboragao de uma subjetivida A frase estabelece que de “Ali onde estava’- estava quando? Em que momento? - “Como Sujeito devo" tem o sentido de uma ordem - “vir a ser”, Ser 0 qué? Aquilo “onde va", contudo, “onde estava”, néo estou mais? Como sair de “onde estava” e, no mesmo lu- gar, advir como Sujeito? Sujeito é a tradugao que Lacan esta~ belece para o alemao Es. “O Es é aquilo a ipo eo ad- “Essa mensagem te deitarés com tua mie’, ja terum e ser a lei e passa a ser o representante que 0 Sujeito ¢ suscetivel, por intermédio da mensagem do Outro (grande outro), de tor- nar-se Eu. Esta ainda é a melhor definicao” (Lacan, 1999). No artigo Subversdo da Sujeito e a dialéti- ca do Sujeito encontramos a definigao consa~ grada de Lacan sobre o sujeito: “um signifi- cante aquilo que representa o Sujeito para outro significante”. Quem representa quem nessa definigao? Em linguagem diplomética, o embaixador representa 0 pais em outra nagio. A embai- sada é a representacio material, territorial do pais do embaixador. Contudo, 0 embaixador depende das credenciais que the outorgam 0 poder politico ¢ a qualquer momento pode perdé-las. Mantém-se a forga ¢ a fragilidade do representante, enquanto a representagio permanece. Poder-se-ia dizer que 0 embai- sador seria um significante que representa 6 Sujeito-pais para outro significante? Seria por isso que Lacan coloca 0 quadro Os embai- xadores na capa do seu livro 11? O primeiro significante surge no campo do outro pelo processo de identificagio, ou seja, sem o olhar do Outro (grande outro), io existimos. Esse significante primeiro re- presenta o Sujeito para um outro significan- te que vai “afanizar” o Sujeito, para dividi-lo. Sujeito barrado,quando aparece em algum lugar como sentido, desaparece em outro; manifesta-se como fading, desaparecimento. Nunca € todo. Origem ¢ fim. Vida e morte. ‘Vejamos de forma mais radical essa ques~ tio do Sujeito: “Por mais que queiramos, 0 Sujeito do saber inconsciente nao se reduz a nenhum eu, ego, ser, esséncia, permanéneia ou substancia qualquer: é uma pulsagao in- consciente de causagio entre $1 ¢ $2, fenda e refenda, participagao e parturigio na divisio entre Saber e Verdade”. (Souza, 2006). “O sujeito diz e, dizendo, torna-se sujeito ¢ desaparece” (Nasio, 1991). Outra maneira de expressar 0 aparecimento do “Sujeito do inconsciente”, Ele surge quando penso em um nome e digo outro; quando pretendia usar uma palavra e aparece outra que muitas vezes nem percebo. O outro, ao meu lado, ou, o meu analista, vai ouvi-la. Isso que sai de mim “in- voluntariamente” tem mais verdade que saber. Verdade carregada pelo “Su- jeito do inconsciente” que se faz presente num instante, que se opde ao saber or- ganizado pelo “Sujeito da consciéncia” ou da ciéncia. Contudo, é a minha verdade mais verdadeira. E para retornar a questao que nomeia este artigo, re- corro a Lacan: “o que busco na fala é a resposta do outro. © que me constitui como Sujeito € minha pergunta” (p-301 - Escritos). . psique especial 57 ® Autores contempordneos Discurso vivo de /ANDRE GREEN es centrais quanto a clinica contemporinea 58 psique Por José Martins Canetas Neto José Martins Canelas Neto é pique pant, ebro eto da Sociedade Hraslein de Pacis de Sao Paulo «poe aitente do nite (4 Picaie "Dur Marans” ea mena Sead, tendo fit uz formagio nn Ista de Pca ta Sociedade Picea e Pr, wa gal fe supeviia india com André Gree. Cont: potanels @olcon.r ndré Green €um dos mais conceitu- PAY 0s pscanaistas contemporineos, ranto dentro da Psicandlise francesa ‘quanto da mundial. Foi presidente da Sociedade Psicanalitiea de Paris' (SPP) e vice-presidente da Associagio Psicanalitica Internacional (APD), ¢ pode ser considerado tum dos prineipais teéricos da corrente con- temporéinea. Sua obra é muito ampla e abrange temas como o afeto,a teoria da representagioe da linguagem, trabalho do negativo,o narci- sismo ¢ os estados limites (Borderfins) além de virios estudos de Psicandlise Aplicada, Den- tre 0s autores que mais o influenciaram estio, em primeizo lugar e com um peso maior que 6 outros, Freud, em seguida Jacques Lacan, Donald Winnicott e Wilfred Bion. Antes de adentrarmos as idéias de Green, escreverei algumas palavras sobre sua biografia e sua insereio no movimento ppsicanalitico francés. Teremos assim uma maior compreensio do lugar que ocupa seu pensamento dentro do movimento psicana- Iitico francés e mundial, ‘André Green nasceu na cidade do Cairo, no Egito,em 12 de masgo de 1927. Sua familia cera de origem judia sefudi pouco praticante, portuguesa do lado patemo ¢ espanhola, do matemo. Eo quarto filho, nascido temporio, nove anos apés © terceito. Perdew 0 pai 20s 14 anos e estudou no Liceu francés do Cairo, conde se apaixonou pela Franga e pela lingua francesa, Tinha um grande interesse por Filo- sofia, ¢ foi nesse curso que deseobriu a obra de Freud, 20s 18 anos de idade. Fim 1946,com 19 anos, imigrou sozinho para Paris, onde iniciou ‘os estudos de medicina. Escolheu esta profissio, sobretudo, por ra ‘bes de sobrevivéncia, mas nio sentia grande pendor para exercé-Ia e foi-he dificil 0 peri- odo da faculdade. Somente 20 iniciar sua es- pecializaco em Psiquiatria, em 1953, € que conseguiu se entusiasmar novamente com os estudos. Sua visio da Psiquiatria era a de um ‘humanista apaixonado pela Filosofia, Feno- menologia, Psicologia, Sociologia, literatura, teatro, mitologia, além das Neurociéncias ¢ da observagio clinica. Freqiientou o que na época era um centro incrivel de encontros e pesqui- sas, 0 Hospital Sainte-Anne de Paris, foi ali ue teve aulas com J. de Ajuriaguerra, discutin com Henri Ey, Lacan, Lebovic, Pierre Marty (um dos eriadores da Escola psicossomitica cde Paris) ¢ muitos outros grandes psiquiatras e psicanalistas franceses. (1) ase: da Peat races, una em 1826, por Mara Bonaar como apa Feu. psique esp 9 - Autores contemporGneos Nesse mesmo ano, Lacan ¢ sew gtupo rompem com a Sociedade Psi- canalitica de Paris , criando a Socieda- de Francesa de Psicandlise (SFP). Em na com Maurice Bouvet. A partir de 1961, comeca a assistir aos semind- tios de Lacan, cujo pensamento exerce grande fascinagio sobre ele, levando- © a freqiientar os seminarios durante sete anos. Devido a sua recusa em se “enfeudar” num tinicopensamento, Green iri se afastar de Lacan ¢ apro- ximar-se de Winnicott ¢ mais tarde de Bion. A partir de 1963, estabelece relagdes de amizade com Jean Laplanche e Jean Bertrand Pontalis ¢ colabora na revista crinda por cles ~ Nowvelle Revue de Prychanalyse. O engajamento no movimento psicanalitico far sustentar uma posiglo tedrica entre 0 corpo € a pura prigue:entre Winnicotte Bion de um lado e La~ can do outro,ou seja,entre a clinica do arcaico ea me~ ‘apsicologiafreudiana entre a mie, objeto da loucura primaria, e o pai garantidor da triangulacio edipica, Procura a articulagio de dois tipos de pensamentos psicanalitioos extremamente opostos: de um lado a ‘metifora simbolizante e paterna de Lacan e de ou- to, a insisténcia sobre a-vivéncia empatica, a relagio 0 entomo de Winnicott ¢ de Bion. E interessante notar que no mesmo ano em que Green comeca a assistir aos serninirios de Lacan (1961), ele conhe- ce Winnicott, tendo admirado no analista inglés sua Jhumanidade, seu senso clinico e a maneira profunda aque tinha de filar de sua contratransferéncia DO AFETO A LINGUAGEM Green foi chamado por muitos de o “homem do afeto”e, com efeito, parte de sua obra foi de- dicada a0 estudo da linguagem viva do afeto no interior de uma teoria do narcisismo. Seu pri- meito livro, O discurso vive (1973), foi escrito a partir de sua posisio critica em relagio a Lacan, que segundo ele caminhava para uma grande formalizagdo da Psicandlise, excluindo o afeto € © corpo de sua teoria, Por outro lado, também é muito critico quanto a uma tendéncia presente na Psicandlise norte-americana, que na época tendia a renegar a metapsicologia freudiana a um segundo plano, vendo no afeto ou um sinal biolégico geneticamente programado e destina- do a favorecer a adaptagao a0 meio social, ou uma simples aprendizagem cognitiva adquirida nas relagdes precoces mie-bebé, Nesta obra, Green retoma toda a metapsicolo- gia freudiana a fim de reintegrar o afeto dentro do aparelho psiquico e representativo, assim como na pritica do tratamento e no interior da linguagem. Ele mostra que o afeto nfo é uma parte negligenci- fvel em relagio A representagio, ¢ ini deserever sua » ta da Sociedade Brasileira de Paicanilise de Sa0 Paulo (SBPSP), apresenta, nessa mesma socieda- de, seu trabalho inaugural Critica do conceito de inconscienteem Psicandtise,Trata-se de um ensaio que contém suas teses fandamentais que respondem a uma interrogasao nodal: em quais fundamentos se apéia a idéia de representagio inconsciente e seus conceitos correlatos como repressiio, representacio de coisa e de palavra? O que Melsohn mostra, em reapresentagdes ¢ em cuidadosa reela~ oraglo € que, em sua forma de ver, temos dois Freud que é preciso distinguis. Um de Jes que amplia muito o espectro das mani- festages dotadas de sentido pelo homem. Este é 0 Freud presente, principalmente, nos grandes trabalhos publicados no inicio do século XX, 4 interpretagao dos sonbos, A Psicopatologia da vida cotidiana, O chiste e ‘sua relagd com a inconsciente & nos intimeros relatos clinicos em suas palavras que repro~ duzo aqui: “O grande Freud € aquele capaz de encontrar o sentido na fala, na conduta, no gesto humano. E capaz de formular o sentido nao literal expresso num contetido mental. Aquele que intuiu a possibilidade de captagio de virias camadas de sentido nas virias formas de vivéncia: a mitica, a religiosa, a neurdtica, Pode aprender a es~ trutura de um ato mental individual como correspondendo & mesma estrutura de um ato religioso, Péde fazer a leitura do sentido ‘em todas as vivéncias, seja num chiste, num ato falho, seja no relato de um sonho [...]”. Este Freud € de uma imaginagio eriadora extraordinaria. Rompe com a nogao de ci- éncia causal, mostrando como no domi da vida psiquica prevalece a compreensibi- lidade ou a motivagio” A atengio flutuante que Freud prope ao analista, ou seja, a atengio livremente dispersa “apreende uma forma de arti- culaglo na fala na qual palavras, distantes uumas das outras, ligam-se verticalmente. Diferentemente, portanto, da apreensio de significado de uma fala através da orga~ nizagio das palavras na sintaxe discursiva, isto é, na seqiiéncia e ordenacio horizontal das frases”. Em todos 0s c2808 clinicos apa- rece isto. No *Homem dos ratos”, no “Ho- mem dos lobos”, na anilise dos sonhos. Um homem sonha com uma mesa, em (0) STEN. 6. TAFFAREL, Maia elon, Picarso ea Vi | ‘stata. aos Ga istnas pals &fomagie de bm pensar ‘notarial. Si Pau, Ese, 198. 173, pique sci 63 i. Autores nacionais 64 psique espe alemao Tisch. Ora,o homem se cha- ma Tisehler. Uma conexio vertical (Tisch/Tischler) € que da o sentido do sonho. A mesa é uma forma de apresentagio do sonhador”?, Para Melsohn, 0 outro Freud, pre- sente nos textos metapsicolégicos, fundamenta a ampliagio do campo do sentido em nogdes emprestadas da Psicologia clissica que reinou do século XVII até o XIX e persiste até hoje em nossa disciplina ¢ no senso comum. Nela a mente é concebida como uma superficie que registra 0 mundo sob a forma de uma cépia, 0 que garante a objetividade. A verdade € entendida como adequagio da re~ presentagio ao mundo (adequatio rei t intelectus). Como o autor explicita detathadamente em seus escritos, a representagao inconsciente ou repri- mida consiste para Freud numa per- cepsio realistica que © processo pri- mario viria a distorcer. No sintoma fébico de Hans, fobia ‘em relagio a cavalos - exemplo que ‘6 autor examina retirado de uma das cinco mais famosas andlises condu- zidas por Freud, Andlise da fobia de um menino de cinco anos - temos, para Freud, no inconsciente, a representacao objetiva “pai”, ver- dade do sintoma do menino. Esta, substituida e deformada, aparece na consciéneia como repre- sentagiio cavalo caindo ¢ esperneando, A analise condwz ao material reprimido, & representacao do pai como objeto real de suas mogées afetivo- instintivas. Melsohn considera que 08 impulsos contraditérios de Hans em relasio ao pai to- mam forma diante da percepgiio expressiva ca valo caindo ¢ esperneando. Esta objetivacio do sujeito, pequeno Hans, nesta imagem compe a forma de consciéncia mais basal, chamada cons iéncia expressiva. Esta é a verdade dos sinto- mas, nada ha além dela. A postulagio de uma representacio pai no inconsciente seria produto de uma anilise intelectualista, Melsohn se interroga sobre a auséncia total de uma critica & nogio de percepcio adotada pela Peicanslise. Por que, pergunta-se, a fe- nomenologia com sua renovacio total da Psi- cologia clissica, assim como a Paicologia de “Merleau-Ponty e de Sartre, nao penetraram no pensamento psicanalitico? *O que realmente me surpreende € que ninguém se dé conta da necessidade de uma revisio dos fundamentos basicos da Psicandlise, que nao foram objeto de um exame eritico aprofundado e por isso continuam confusos. [...] A Psicologia empi- rista foi totalmente refundida e modificada, mas a Psicandlise ~ que pretende ser uma disciplina moderna ~ ficou A margem deste processo, A verdadeira vocagao da Psicanili- se 86 nos sera acessivel mediante um embate profundo e permanente com a tradigio que bloqueia o avango tedrico”’. Abordar diretamente, por meio de uma epis- temologia critica, o crindor da Psicanilise, nto tem sido o caminho percorrido pelos psicana~ listas que renovaram a corrente, Habitualmente faz-se uma leitura atualizadora, conservando a posisio de referéncia universal, mantendo a sua importancia doutrindria num primeiro mo- ‘mento para depois abandonar Freud: Melanie Klein torna-se “Kleiniana’, Lacan torna-se “la- caniano”. Isafas Melsohn, todavia, nfo é 0 unico psicanalista intra muros a fazer uma critica da ‘metapsicologia freudiana. Também Roy Scha- fer, por exemplo, importante psicanalista da so- Giedade de Nova York, elaborou varios ensaios criticos 4 metapsicologia. Melsohn reconhece que 0 positivismo nio impede o psicanalista de apreender a signifi- cacao de um fenémeno psiquico, no plano di- namico, tal como ele € expresso na linguagem de Freud. Mas isto amarra o psicanalista a uma fundamentagio da teoria metapsicolégica e da interpretagio psicanalitica amparada na psico- logia das sensacées — niicleo da epistemologia positivista. Isto se mostra presente até hoje ¢ de forma bastante forte em quase todos os meios psicanaliticos. E esta epistemologia que poe a Psicanilise como uma ciéneia de observacio. Isaias Melsohn situa-se entre aqueles que pretendem uma superacio do parimetro empi- rista-positivista. Est, portanto, entre psicana~ listas tais como R. Schafer, que mencionamos anteriormente, que se tornou um representan- te maior do que veio a ser chamado hermeneu- tic turn na Psicanilise. A critica de Melsohn se amparou em cuidadoso estudo da Fenome- nologia ~ Husserl, Max Scheler, Sartre e M Merleau ernst Cassirer Ponty — no filésofo alemio nas investigagées empiricas da Psi- cologia da Forma, IMAGEM EXPERIMENTADA Por meio de Susanne Lang ricana, Melsohn toma contato com a virada se~ fildsofa ame mantica que se operara na Filosofia no século XX Porintermédio dela,chega A Filasofia das for- imbélicas, principal obra filos6fica de reeprao ex- | presiva. Para Cassirer a percepeo expressiva é a Ernst Cassirer e a0 conceito inovador de um s6 tempo imagindria, simbélica e lingiiistica, embora se trate de uma linguagem nao organi- zada discursivamente. Neste plano fundamental a perceps: que nio tem a conotagao do mental; trata-se de uma io constitui-se em uma imagem imagem vista, ouvida, experimentada pelo tato, a forma de perceber o a percepgio ob- jetiva. Ela € simbélica, uma ve: na sua constituigio um trabalho de sintese criadora T se de um simbolo presentificador. A vida ntivo-impulsiva projeta-se no exterior e | captura uma imagem, adquirindo entio forma. Trata-se do que Cassirer chama de metéfora ginal, diferente da metifora comum, porque naquela se da uma passagem de um plano para outro, de uma tensio interna informe para o plano do impulso “enformado” A critica 20 conceito de representagao in- consciente feita por Melsohn foi analisada por Bento Prado Jr. na resenha do livro do psicana- chav’. Esta sucinta leitura que o fil6sofo fez de suas concepgoes deu lista, 4 Psicandlise em No a Melsohn a experiéncia de ter um interlocutor, © que ele procurou de mancira pertinaz ao longo de sua vida, Bento Prado entende que a reflexio sobre o estatuto epistemolégico e ontolégico da representago inconsciente constitui uma “ter- ceira via’, situada entre a re-interpretagio de Lacan, que elabora “uma teoria do simbolismo. que apaga a dimensio do imaginitio e Klein, cuja concepsio de fantasia inconsciente “faz as vezes de teoria do simbélico”, toma o lugar do simbélico. Passemos ao texto de Bento: “O que (@) fom,p3734. om 172 (@) PRADO, 8A tere va de Melon Jerald sens enc Por melo da fos americana Sussane Langer @ esquerda), Maliohn toma contico Inovador do pansador alanio Est Casier-a porcepylo expressia ou Seja uma imagem visa, ‘ouveda experimentada pelo tato palque especial 63 ® Autores nacionais Bento Prado J.a0 analisar © concete de representagio inconsciante de Melsohn, proporciona. 30 psicanalsta a experiéncia ‘deseade de ter ‘um interlocutor importa, sobretudo, € a originalidade dessa abordagem de um problema, no enta to, perfeitamente clissico. Como dizer algo de novo depois de quase um século de debate sobre a-se Bent “Desde jé arrisco uma hipstese assunto?”, pergun E responde vantagem de Melsohn foi justamente a de dissolver aporias aparentes por meio da clarificagao dos conceitos bisicos conseguir, assim, passar incélume entre duas formas unilaterais e simétricas de “reduz’ © conceito de representacio inconsciente O que S cia, sfo as falsas contradigées entre in simbélico. Ele o fuz, como ja foi escrito, servin ‘ol do-se do que a evolucao da F clsohn dissolve em altima instin- | lo XX nos trouxe. A interface entre diferentes ada, pode ser disciplinas € ecdnomica e, b muito elucidativa, permite re-pensar a Psica~ nilise, afinar seus instrumentos, suas teorias 20 invés de dissolvé-la, como temem os psicanalis tas. Como escreve Prado Jr. pode-se recorrer & I gista doutrinatio, nomenologia sem tornar-se um fenomenolo: PRESENCA DA LINGUAGEM O recurso a Husserl, a Cassirer, a Koffka, a Jakobson, entre outros, permite eliminar du- alidades varias que atravessam 0 pensamento ocidental e a Psicandlise: dentro/fora, interno/ externo, simbélico/imaginirio, perceptivo/sen: sivel e, segundo o fildsofo, expressivismo puro/ formalismo puro. Ou trfades como imaginsrio/ simblico/real Bento Prado Jr. ressalta a importincia de Emst Cassirer para esta re-vitalizagio da Psi Sao Paulo canilise. Cassirer era conhecido em apenas como historiador da Filosofia. Sua obra filoséfica mais importante, Filosofia das fi simbélicas, entrou aqui nos anos 1970 por meio da Psicanilise, leia-se Isaias Melsohn, que 0 descobriu por intermédio de Susanne Langer’ A ascendéncia filésofica mais imediata de E. Cassirer foram os neo-kantianos da Escola wetudo Paul Natorp. Natorp de Marbourg, so propunha um retorno da Filosofia 4 questao da subjetividade, entendendo-a como dimensio originéria ou contraparte do mundo objetivo , da religiao e da arte. A relacio er stigada a pois a apenas consciéncia cientifica da ciénci tre as produgdes culturais deve ser im partir das diversas formas de consciéne cia moral, uma esté ha uma con cae uma outra lingiiistica”’, Cassirer estende esta inves tigagio p: ético indo até as fontes subjetivas primigénias além do légico, do estético ¢ do esto na concepsao lingiiistica e mitica do mundo. O campo das formas simbélicas inclui lingua- gem, o mito, a religiio,o direito. © conceito de a ciénei para ele a étic: a estétic: simbolo é, para Cassirer, a mediagio entre as ciéncias do espirito e as ciéncias naturais, 0 fa- tor comum a todas as produgées culturais, em- bora seja diferente em cada uma delas’. Todas jesmo as mais distan- vo, s&o ling’ as formas simbélic tes do pensamento discu: Como salienta Bento Prado, para compreender © mundo da linguagem precisamos nos reportar 0 chamado pré-lingiiistico, porém, para um su- jeito humano, precisamos reconhecer que nada hi de absolutamente pré-lingiistico. A presenca da linguagem, uma linguagem mio discursiva, nas formas mais elementaces de apreensio do mundo, ou seja, na percep- so expressiva, permite a Isafas eliminar outra dicotomia da Psicandlise: percepgio de coisa/ percepedo de palavea. A percepcio elementar, expressiva ~ re-construgio do conceito de re- presentagao inconsciente - é linguistica ¢ ima- gética a um s6 tempo. SENTIDO ORIGINAL As concepgées tedricas de Isaias Melsohn €a sua fundamentacao epistemolégica tem relagio intrinseca com a atividade clinica, com 0 trabalho interpretativo, Sua concepgio de trabalho analitico implica em um analista voltado para a apreensio do sentido original do dizer, do simbolo presentificador da re~ lacio transferencial, criados pelo analisando em meio a sua fala discursiva. Para nosso au- tor 0 proceso analitico no é uma busca do passado reprimido, ainda que tal rememora- sao do passado nio seja um processo mera~ mente intelectual, mas uma meméria afetiva. Para ele anilise é a busca do presente, and- lise € andlise do presente, em primeiro lugar. *A imersio no clima de panico, de terror, de seducio ou éxtase em que se distende uma sesso psicanalitica € compartilhada pelos dois protagonistas, e a possibilidade de acei- taco desta ineasdo emocional (grifo nosso) por parte do analista, seu relativo distancia mento por recuperasio reflexiva dessa inva~ sio, sua ‘audigio poética’ e sensibilidade aos (PRADO B.A tcl wae Mesohne, Ja Ge Rasenas Fara Sin Pai 20/2002 9.8 ison (Fo apskanalista Regina Checeman quem voue para Mtn evolu dota esta de Case Fogo das mas snakes. Dt amiga o es gare o Bras na ase do nazi, Arta esol co quem Walon etic Float qu he peste, com aFlosta em Nova Chave de Sisame Langer (0) TATAREL, M.A percepeioexpressva- Est Casser ‘kerio 6 neem Mooi PUES, 006, p67 (@ tem.p.9, 10 (1) MELSOH Transcend uma aus poeta ra SBPSP em 1988, tata min serie de mesa 8.8, Picanaso, ritmos vivenciais so os instrumentos funda- mentais da profunda comunicagio requerida pela situagao; fascinio e atracéo, submissio ¢ liberdade sio momentos significativos na fruigao estética, nto muito distantes dos da experiéncia mitico-religiosa. E, também, da relagao terapéutica™", Teoshua Hessel, como consta no passaporte polonés, tornou-se aqui Isaias Melsohn pelas artes do tradutor juramentado. Isaias costuma lamentar, brincando como sempre, que jamais conseguiu ser profeta em sua terra, uma vez que no Rio de Janeiro suas idéias foram mais aclamadas. Mas é preciso dizer que os psica~ nalistas, os mais jovens na area, sobretudo, sio muito atraidos pela sua concepgio de escuta analitica, embora quase ninguém acompanhe suas reflexes teéricas. Também € preciso di zer que ele legou para outro psicanalista, Fabio Herrmann, cuja obra parte de uma re-leitura inovadora da concepeio de interpretasio psi canalitica, a fundamental concepgio de in- consciente nao conteudistico. . Principais obras psique espechl 67 Autores nacionais A ciéncia geral da PSIQUE Fabio Herrmann institui a Psicandlise brasileira como sua bandeira politica (6B pique copci Por Leoa HERRMANN Leda Herrmann é pcaalsta Sead Basia de candi ‘eSio Pale (PSP), over en Pilg Cina pala PUCSP reseed Genre Exe Te os angos (EE), Cnat: Sermon @ bacon, ida breve, obra extensa, Ou, a apresentagfo em quatro pala- vras do pensador da Psicana- lise Fabio Herrmann. Nasccu em Sao Paulo em 11 de julho de 1944 af viveu 61 anos, quase 62. Faleceu a8 de julho de 2006. Tendo ingressado aos 18 anos na Faculdade de Medicina da USP, a Casa de Arnaldo, para poder tornar-se psicanalista, viveu Psicandlise por mais de quarenta anos. Estudou-a, praticou- a, pensou-a, Médico recém-formado e jé com alguns anos de lida psicanalitica, mes- mo antes de iniciar sua formacio no Instituto de Psicandlise da Sociedade Brasileira de Psicanilise de Sao Paulo (SBPSP), comesa a construir um pen- samento psicanalitico original. Acaba por tornar-se um autor da Psicandli- se Brasileira, Militando na burocracia institucional do movimento psicanali- tico internacional nas décadas de 1980 € 1990, institui a Psicandlise Brasileira como sua bandeira politica. Nesse pei odo, Fabio Herrmann ocupou a pre: déncia da SBPSP, da Federagao Psica- nalitica da América Latina (FEPAL) diversos postos na hierarquia cientifica da Associagao Psicanalitica Internacio~ nal (IPA). Luta importante, mas soli-~ téria, pois no contou com apoio dos colegas conterraneos. No entanto, a Te- oria dos Campos — como passou a ser conhecido seu pensamento — difun- diu-se nos meios intelectuais brasileiro € latino-americano © vem agregando produgao escrita de colegas, principal mente na forma de teses ¢ dissertacées académicas. A par do movimento psi- canalitico da IPA, Fabio Herrmann ba- talhou em outras frentes. Desde 1984 exerceu a fungio de professor do pro~ grama de estudos pés-graduados em Psicologia Clinica da PUC-SP e em 1999 criou e presidiu até sua morte 0 Centro de Estudos da Teoria dos Cam- pos (CETEC). E tarefa desafiadora apresentar re~ sumidamente esse pensamento. Nao s6 pela extensio da obra — mais de 10 li- vros © uma centena de artigos — mas por desenvolver uma idéia, por assim dizer, quimicamente simples que, pre~ sente € direcionando toda a obra, nio se mostra facilmente ao leitor como 0 clo que a estrutura. Tentar enfrentar 0 desafio € 0 propésito deste texto. jee

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