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ÁLGEBRA I

Maria Lúcia Torres Villela


Instituto de Matemática
Universidade Federal Fluminense
Junho de 2007
Revisão em Fevereiro de 2008
Sumário

Introdução ...................................................... 3
Parte 1 - Preliminares .......................................... 5
Seção 1 - Noções sobre conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Seção 2 - Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Seção 3 - Relações de Equivalência ........................ 23
Parte 2 - Anéis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Seção 1 - Conceito de anel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Seção 2 - Propriedades elementares ........................ 41
Seção 3 - Polinômios com coeficientes em um anel comutativo 53
Seção 4 - Anéis ordenados e anéis bem ordenados ......... 63
Seção 5 - Indução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Seção 6 - Divisão euclidiana .............................. 77
Parte 3 - Domı́nios Principais ................................. 83
Seção 1 - Divisibilidade ................................. 85
Seção 2 - Ideais e máximo divisor comum . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
Seção 3 - Domı́nios principais e a fatoração única ......... 99
Seção 4 - Propriedades do Domı́nio Principal Z ......... 107
Seção 5 - Congruências módulo n e os anéis Zn ......... 117
Seção 6 - Homomorfismos de anéis comutativos com unidade 137
Introdução
A Matemática faz parte do nosso cotidiano e, em particular, recorremos
aos números para descrever diversas situações do dia a dia.
Contamos com os números naturais, repartimos um bolo usando os
números racionais, medimos comprimentos com os números reais, contabili-
zamos prejuı́zos com números negativos. Comparamos dois números inteiros,
dois números racionais e dois números reais. Calculamos raı́zes de polinômios
com coeficientes reais com os números complexos.
Estamos familiarizados com números naturais, inteiros, racionais, reais
e complexos, que estão relacionados pelas seguintes inclusões:

N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ R ⊂ C.

Esses conjuntos estão munidos com operações de adição e multiplicação,


que têm diversas propriedades.
O objetivo deste texto é introduzir o estudo de estruturas algébricas,
abordando os conceitos de anel, domı́nio, corpos, domı́nio ordenado, corpo
ordenado e domı́nio principal.
O conjunto dos inteiros é o primeiro exemplo de domı́nio principal, será
estudado sob o ponto de vista algébrico e aritmético e faremos um estudo
detalhado das suas propriedades no contexto dos domı́nios principais.
Outro exemplo de domı́nio principal que será introduzido é o anel K[x]
de polinômios com coeficientes no corpo K.
Estudaremos congruências de inteiros e introduziremos os anéis Zn dos
inteiros módulo n.
Mostraremos que Q é um corpo ordenado e é o corpo de frações de Z
e faremos a construção dos números racionais a partir dos números inteiros
no contexto dos domı́nios ordenados.
Mostraremos que, a menos de isomorfismo, Z é o único domı́nio bem
ordenado.
Não faremos a construção axiomática dos números naturais e dos números
inteiros, usaremos apenas as suas noções intuitivas.

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Parte 1

Preliminares

Consideraremos que a linguagem e as notações da teoria de conjuntos


são bem conhecidas, assim como as noções elementares de funções.
Relembramos alguns conceitos elementares da teoria de conjuntos e
propriedades de funções que faremos uso no texto.
Introduziremos os conceitos de relação de equivalência e de conjunto
quociente, que têm aplicações em diversas áreas da Matemática, desempe-
nham um papel importante no contexto das estruturas algébricas e apresen-
taremos muitas aplicações interessantes.

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Noções sobre conjuntos
PARTE 1 - SEÇÃO 1

Noções sobre conjuntos

Denotamos conjuntos por letras maiúsculas A, B, C, . . . e elementos de


um conjunto por letras minúsculas a, b, c, . . . .
Para dizer que a é elemento do conjunto A ou a pertence a A, escre-
vemos a ∈ A.
Para dizer que a não é elemento do conjunto A ou a não pertence a A,
escrevemos a 6∈ A.
Chamamos de conjunto vazio o conjunto que não tem nenhum elemento
e denotamos por ∅ ou { }.
Descrevemos um conjunto listando os seus elementos entre chaves ou
dando a propriedade dos seus elementos.

Exemplo 1
O conjunto dos números naturais, denotado por N, é

N = { 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, . . . }.

Exemplo 2
A é o conjunto dos números naturais menores do que 5.

A = {0, 1, 2, 3, 4} = {x ∈ N ; x < 5}.

Exemplo 3
B é o conjunto dos números naturais entre 5 e 11.

B = { 6, 7, 8, 9, 10 } = { x ∈ N ; 5 < x < 11 } = { x ∈ N ; 6 ≤ x ≤ 10 }.

Exemplo 4
C é o conjunto dos números reais menores ou iguais a 11.

C = {x ∈ R ; x ≤ 11} = (−∞, 11].

Exemplo 5
D é o conjunto dos números inteiros múltiplos de 2 entre −3 e 15.

D = {x ∈ Z ; −3 < x < 15 e 2 divide x}


= {−2, 0, 2, 4, 6, 8, 10, 12, 14}

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Noções sobre conjuntos

Definição 1
Dizemos que A está contido em B ou A é um subconjunto de B se, e somente
se, todo elemento de A é elemento de B. Nesse caso, escrevemos A ⊂ B.

O sı́mbolo ∀ significa A ⊂ B se, e somente se, para todo a ∈ A temos a ∈ B.


para todo.

Também dizemos que B contém A e escrevemos B ⊃ A.


Escrevemos A 6⊂ B, para dizer que A não está contido em B. Nesse
caso, existe a ∈ A tal que a 6∈ B.

O sı́mbolo ∃ significa existe.


A 6⊂ B se, e somente, existe a ∈ A tal que a 6∈ B.

Também dizemos que B não contém A e escrevemos B 6⊃ A.


Exemplo 6
Temos as seguintes relações entre os conjuntos dos exemplos anteriores:
A ⊂ N, A ⊂ C, B ⊂ N, B ⊂ C, A ⊂ C, D 6⊂ C, B 6⊂ D.
Escreva outras relações usando ⊂ ou 6⊂ e os conjuntos dos Exemplos 1 a 5.

Se os conjuntos A e B têm exatamente os mesmos elementos, dizemos


Para demonstrar a afirmação que A = B.
A = B devemos provar,
primeiramente, que A ⊂ B e Exemplo 7 
depois que B ⊂ A. x, se x ≥ 0
Seja A = { |x| ; x ∈ Z }, onde |x| =
−x, se x < 0
Facilmente, verificamos que A = N.

Exemplo 8
Seja A o conjunto dos triângulos retângulos isósceles e seja B o conjunto dos
triângulos retângulos cujos ângulos dos catetos com a hipotenusa são iguais.
Então, A = B.

Definição 2
Se A ⊂ B, mas A 6= B, então A é chamado um subconjunto próprio de B.

Quando consideramos subconjuntos de um conjunto fixado, chamamos


esse conjunto de conjunto universo e denotamos por U.
Exemplo 9
Se estamos considerando figuras geométricas planas, podemos tomar U como
o conjunto dos pontos do plano.
Nos Exemplo 2 e Exemplo 3 podemos considerar U = N.

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Noções sobre conjuntos
PARTE 1 - SEÇÃO 1

As operações com conjuntos são união, interseção e complementar e são


utilizadas para construir outros conjuntos.

Definição 3
O conjunto A união B, denotado por A ∪ B, é o conjunto dos elementos de
pelo menos um dos conjuntos A ou B.
x ∈ A∪ B
A ∪ B = { x ; x ∈ A ou x ∈ B }. ⇐⇒
x ∈ A ou x ∈ B.

O conjunto A interseção B, denotado por A ∩ B, é o conjunto dos


elementos que estão, simultaneamente, em ambos os conjuntos A e B.

x ∈ A∩ B
A ∩ B = { x ; x ∈ A e x ∈ B }. ⇐⇒
x ∈ A e x ∈ B.

Definição 4
Os conjuntos A e B são disjuntos se, e somente se, A ∩ B = ∅.

Definição 5
O complementar CU (A) de A ⊂ U é o conjunto dos elementos de U que não
estão em A.

CU (A) = { x ∈ U ; x 6∈ A }.

O complementar de A em B, denotado por A\B (ou A−B), é o conjunto


O complementar de A em B
dos elementos de A que não estão em B. também é chamado de
diferença de A e B.

A\B = { x ∈ A ; x 6∈ B }.

Exemplo 10
Sejam A = { 1, 2, 3, 4, 5, 6 }, B = {−2, 0, 2, 4, 6 } e C = {−2, −1, 0, 7}. Então,
A ∪ B = {−2, 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6 },
A ∩ B = { 2, 4, 6 },
A\B = { 1, 3, 5 },
B\A = { −2, 0 },
A ∩ C = ∅,
B ∩ C = { −2, 0 } e
C\B = { −1, 7 }.

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Noções sobre conjuntos

Proposição 1
Valem as seguintes propriedades para as operações:

(1) Comutativa:
A∪B=B∪A A∩B = B∩A

(2) Associativa:
A ∪ (B ∪ C) = (A ∪ B) ∪ C A ∩ (B ∩ C) = (A ∩ B) ∩ C)

(3) Distributiva:
A ∩ (B ∪ C) = (A ∩ B) ∪ (A ∩ C) A ∪ (B ∩ C) = (A ∪ B) ∩ (A ∪ C)

(4) Leis de Morgan:


CU (A ∪ B) = CU (A) ∩ CU (B) CU (A ∩ B) = CU (A) ∪ CU (B)

(5) Idempotente:
A∪A=A A∩A=A

(6) Dupla negação:


CU (CU (A)) = A

Demonstração: Para ilustrar, vamos verificar (3).


x ∈ A ∩ (B ∪ C) ⇐⇒ x∈Aex∈B∪C
⇐⇒ x ∈ A e (x ∈ B ou x ∈ C)
⇐⇒ (x ∈ A e x ∈ B) ou (x ∈ A e x ∈ C)
⇐⇒ x ∈ A ∩ B ou x ∈ A ∩ C
⇐⇒ x ∈ (A ∩ B) ∪ (A ∩ C)

x ∈ A ∪ (B ∩ C) ⇐⇒ x ∈ A ou x ∈ B ∩ C
⇐⇒ x ∈ A ou (x ∈ B e x ∈ C)
⇐⇒ (x ∈ A ou x ∈ B) e (x ∈ A ou x ∈ C)
⇐⇒ x∈A∪B e x∈A∪C
⇐⇒ x ∈ (A ∪ B) ∩ (A ∪ C) 

Proposição 2
Valem as seguintes propriedades para o conjunto vazio ∅ e para o conjunto
universo U:

Para qualquer conjunto A


(i) A ∪ ∅ = A A ∩ ∅ = ∅.
temos ∅ ⊂ A (ii) A ∪ U = U A ∩ U = A.

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Noções sobre conjuntos
PARTE 1 - SEÇÃO 1

Definição 6
O produto cartesiano dos conjuntos A e B é o conjunto A × B de pares
ordenados (a, b), tais que a ∈ A e b ∈ B.

Se A ou B é vazio, então
A × B = { (a, b) ; a ∈ A e b ∈ B }. A× B = ∅

Exemplo 11
Sejam A = {1, 2, 3} e B = {4, 5}. Então,
A × B = {(1, 4), (1, 5), (2, 4), (2, 5), (3, 4), (3, 5)} e
B × A = {(4, 1), (4, 2), (4, 3), (5, 1), (5, 2), (5, 3)}.

Exemplo 12
Sejam A = {a, b} e B = {b, c}. Então,
A × B = {(a, b), (a, c), (b, b), (b, c)} e
B × A = {(b, a), (b, b), (c, a), (c, b)}.

Os exemplos acima mostram que em geral A × B 6= B × A.


Podemos generalizar a definição acima a n conjuntos.

Definição 7
Sejam n ≥ 2 um número natural e A1, A2, . . . , An conjuntos.
O produto cartesiano A1 × A2 × · · · × An é o conjunto das n-uplas
ordenadas (a1, a2, . . . , an), tais que a1 ∈ A1, a2 ∈ A2, . . . , an ∈ An.

A1 × A2 × · · · × An = { (a1, a2, . . . , an) ; a1 ∈ A1, a2 ∈ A2, . . . , an ∈ An }.

Quando A = Ai para i = 1, 2, . . . , n, denotamos An = |A × ·{z


· · × A}.
n conjuntos

Exemplo 13
Sejam A = {a, b}, B = {c, d} e C = {e}. Então,
A × B × C = {(a, c, e), (a, d, e), (b, c, e), (b, d, e)}.

Sejam I um conjunto não-vazio e, para cada i ∈ I, Ai um conjunto.


Dizemos que {Ai, i ∈ I} é uma famı́lia de conjuntos indexada por I.
As operações de união e interseção de conjuntos podem ser generaliza-
das a uma famı́lia de conjuntos.

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Noções sobre conjuntos

Definição 8
Seja a famı́lia de conjuntos {Ai, i ∈ I}. Então,
definimos a união dessa famı́lia como o conjunto dos elementos que estão em
algum Ai
[
Ai = {x ; x ∈ Ai, para algum i ∈ I}.
i∈I

e definimos a interseção dessa famı́lia como o conjunto dos elementos que


estão em todos Ai
\
Ai = {x ; x ∈ Ai, para todo i ∈ I}.
i∈I

Uma subdivisão de um conjunto em subconjuntos disjuntos e não-vazios


é chamada uma partição.

Definição 9
Seja A um conjunto. Uma famı́lia F de subconjuntos não-vazios de A é
chamada uma partição de A se, e somente se,
[
(i) A = X.
X∈F

(ii) Se X, Y ∈ F e X 6= Y, então X ∩ Y = ∅.

Exemplo 14
Tomando X = {x ∈ Z ; x é par }, Y = {x ∈ Z ; x é ı́mpar }, F = { X, Y }
vemos que Z = X ∪ Y e X ∩ Y = ∅. Logo, F é uma partição de Z.

Exemplo 15
Os conjuntos X1 = { 1, 2, 4, 5, 6 }, X2 = { 3, 7, 8 } e X3 = { 9, 10 } definem uma
3
[
Lembre que . . . partição de A = { 1, 2, . . . , 10 }, pois A = Xi e Xi ∩ Xj = ∅, para quaisquer
A ∩ B = B ∩ A. i=1
i, j tais que 1 ≤ i < j ≤ 3.

Exercı́cio

1. Determine os conjuntos descritos a seguir:

(a) { x ∈ N ; 2x > 10 e 3x < 28 };


(b) { x ∈ Z ; 2x = n2, para algum n ∈ N };

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Noções sobre conjuntos
PARTE 1 - SEÇÃO 1

(c) { x ; x, y ∈ Z, x2 = 2y + 1 e x + 1 = 4y }.

2. Dê uma descrição de cada um dos conjuntos:

(a) { 1, 3, 5, 7, . . . , 25 };

(b) 82 , 83 , 84 , 85 , 86 , . . . ;

(c) 51 , 24 , 33 , 42 , 51 .

3. Sejam U = {x ∈ Z ; 0 < x < 8}, A = {1, 3, 5, 7}, B = {2, 3, 5, 6} e


C = {3, 4, 5, 6}. Determine:

(a) A ∪ B.
(b) CU (A ∩ B).
(c) CU (A ∪ (B ∩ C)).
(d) A ∩ (B ∪ C).
(e) (A ∩ B)\(A ∩ C).

4. Consideremos A = {x ∈ Z ; x divide 40} e B = {x ∈ Z ; x divide 60}.


Determine:

(a) A ∩ B.
(b) A ∪ B.
(c) A\B.
(d) B\A.

5. Consideremos A = {x ∈ Z ; 2 divide x }, B = {x ∈ Z ; 18 divide x },


C = {x ∈ Z ; 12 divide x } e D = {x ∈ Z ; 36 divide x }.

(a) Mostre que B ⊂ A, C ⊂ A, D ⊂ A, D ⊂ B e D ⊂ C.


(b) Mostre que D = B ∩ C.

6. Mostre que se A ⊂ B e B ⊂ C, então A ⊂ C.

7. Mostre que A ∪ B = (A\B) ∪ (B\A) ∪ (A ∩ B) e a união do lado direito


é disjunta.

8. Sejam A, B conjuntos. Mostre que (A\B) ∪ (B\A) = (A ∪ B)\(A ∩ B).

9. Mostre que A ⊂ B se, e somente se, A ∩ B = A.

10. Mostre que A ⊂ B se, e somente se, A ∪ B = B.

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Noções sobre conjuntos

11. Mostre que A ∪ B = A ∩ B se, e somente se, A = B.

12. Indicamos por |A| o número de elementos de um conjunto finito A.


Mostre que se B e C são conjuntos finitos, então

|B ∪ C| = |B| + |C| − |B ∩ C|.


Sugestão: Para cada natural
r com 0 ≤ r ≤ n determine o
número mr de subconjuntos 13. Seja A um conjunto com n elementos, isto é, |A| = n.
de A com r elementos.
n
Conclua que |P(A)| =
X
mr Seja P(A) = { B ; B ⊂ A }. Mostre que P(A) tem 2n elementos.
r=0
e determine a soma.
14. Sejam A, B, C conjuntos.

(a) Mostre que (A ∪ B) × C = (A × C) ∪ (B × C).


(b) Mostre que (A ∩ B) × C = (A × C) ∩ (B × C).

15. Demonstre as propriedades (1), (2), (4), (5) e (6) da Proposição 1.

16. Demonstre a Proposição 2.

17. Mostre que se A e B são subconjuntos não-vazios de U com A 6⊂ B e


B 6⊂ A, então A∪B é um subconjunto não-vazio de U, tal que A∪B 6= A
e A ∪ B 6= B.

18. Sejam B um conjunto e Ai, i ∈ I, uma famı́lia de conjuntos.


!
[ [
(a) Mostre que Ai × B = (Ai × B).
i∈I i∈I
!
\ \
(b) Mostre que Ai ×B= (Ai × B).
i∈I i∈I
!
[ \
(c) Mostre que B\ Ai = (B\Ai).
i∈I i∈I
!
\ [
(d) Mostre que B\ Ai = (B\Ai).
i∈I i∈I

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Funções
PARTE 1 - SEÇÃO 2

Funções

Veremos alguns resultados importantes sobre funções.


Definição 10 (Função, domı́nio e contradomı́nio)
Sejam A e B conjuntos não-vazios. Uma função f de A para B, denotada por
f : A −→ B, associa a cada a ∈ A exatamente um elemento b ∈ B; b é dito
o valor da função f em a ou a imagem de a e escrevemos b = f(a).
Também costumamos denotar a função f por

f : A −→ B
a 7−→ f(a)
O conjunto A é o domı́nio e o conjunto B é o contradomı́nio de f.

Definição 11 (Igualdade de funções)


Sejam f : A −→ B e g : A −→ B funções. f e g são iguais se, e somente se,
para cada a ∈ A temos f(a) = g(a).

Portanto, duas funções são iguais se, e somente se, têm mesmos domı́nios
e contradomı́nios e têm valor igual em cada elemento do domı́nio.

Exemplo 16
São exemplos de funções:
(1) f : Z −→ Z definida por f(x) = 2x, para cada x ∈ Z.
(2) g : Z −→ {0, 1} definida por

0, se x é par
g(x) =
1, se x é ı́mpar
1
(3) h : Z\{0} −→ Q definida por h(x) = x
, para cada x ∈ Z\{0}.

(4) u : R −→ R definida por u(x) = 4x + 3, para cada x ∈ R.

Exemplo 17
A associação entre os conjuntos A = {0, 1, 2} e B = {3, 4, 5} definida a seguir
não é uma função:

0 → 3
ց
5
1 → 4
2 → 3

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Funções

Nesse caso, o elemento x = 0 de A está associado aos elementos de B y1 = 3


e y2 = 5.

Definição 12 (Composição)
Sejam f : A −→ B e g : B −→ C funções. A composição ou função composta
de g e f, indicada por g ◦ f, é a função g ◦ f : A −→ C definida por

(g ◦ f)(x) = g(f(x)), para cada x ∈ A.

Observamos que a função g ◦ f tem o mesmo domı́nio de f, o mesmo


contradomı́nio de g e só está definida quando o contradomı́nio de f coincide
com o domı́nio de g.
Exemplo 18
(1) Sejam f : R −→ R e g : R −→ R definidas, respectivamente, por f(x) =
3x − 5 e g(x) = e(2x+1), para cada x ∈ R.
Nesse caso, podemos determinar ambas as compostas.
Temos que f ◦ g : R −→ R e g ◦ f : R −→ R são dadas por
(f ◦ g)(x) = f(g(x)) = 3e(2x+1) − 5, para cada x ∈ R e
(g ◦ f)(x) = g(f(x)) = e(2(3x−5)+1) = e(6x−9), para cada x ∈ R.

(2) Sejam f : Z −→ N e g : N −→ {0, 1, 2} dadas por f(x) = |x| e g(x) = r,


onde r é o resto da divisão de x por 3.
Só faz sentido determinar a composta g ◦ f : Z −→ {0, 1, 2}.

 0, se x ∈ {0, ±3, ±6, . . .}

Temos (g ◦ f)(x) = g(f(x)) = 1, se x ∈ {±1, ±4, ±7, . . .}


2, se x ∈ {±2, ±5, ±8, . . .}

Definição 13 (Função Identidade)


Seja A um conjunto não-vazio. A função IA : A −→ A definida por
IA(a) = a, para cada a ∈ A, é chamada de função identidade.
Proposição 3
Consideremos as funções f : A −→ B, g : B −→ C, h : C −→ D e as funções
identidades IA : A −→ A e IB : B −→ B. Então,

A composição de funções é (i) h ◦ (g ◦ f) = (h ◦ g) ◦ f;


associativa.

(ii) IB ◦ f = f;

(iii) f ◦ IA = f.

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Funções
PARTE 1 - SEÇÃO 2

Demonstração: (i) É claro que o domı́nio de ambas as funções é A = Dom(f),


assim como o contradomı́nio é D, o contradomı́nio de h. Além disso, para
cada x ∈ A, temos:
(h ◦ (g ◦ f))(x) = h((g ◦ f)(x)) = h(g(f(x))) = (h ◦ g)(f(x)) = ((h ◦ g) ◦ f)(x).
Logo, h ◦ (g ◦ f) = (h ◦ g) ◦ f.
(ii) A função IB ◦ f tem domı́nio A, igual ao domı́nio de f e contradomı́nio
B, o mesmo de f. Para cada x ∈ A, temos (IB ◦ f)(x) = IB(f(x)) = f(x).
Portanto, IB ◦ f = f.
(iii) A função f ◦ IA tem domı́nio A, igual ao domı́nio de f e contradomı́nio
B, o mesmo de f. Para cada x ∈ A, temos (f ◦ IA)(x) = f(IA(x)) = f(x).
Portanto, f ◦ IA = f. 

Definição 14 (Imagem)
Seja f : A −→ B uma função.
A imagem de f é o conjunto Imagem(f) = {f(a); a ∈ A} = f(A).

A imagem de f é um subconjunto de B, a saber,


Se f : A −→ B é uma função,
então
Imagem(f) = {b ∈ B ; b = f(a) para algum a ∈ A}.
Imagem(f) = f(A) ⊂ B.
Exemplo 19
1
Seja h : Z\{0} −→ Q definida por h(x) = x
, para cada x ∈ Z\{0}. Então,

Imagem(h) = ±1, ± 21 , ± 31 , ± 14 , . . . .
Definição 15 (Injetora, sobrejetora ou bijetora)
Seja f : A −→ B uma função.
f é injetora se, e somente se,
f é injetora se, e somente se,
para a,a′ ∈ A, f(a) = f(a′ )
para a, a′ ∈ A a 6= a′ =⇒ f(a) 6= f(a′ ). implica a = a′ .

f é sobrejetora se, e somente se, B = f(A); em outras palavras,


f é sobrejetora se, e somente
para cada b ∈ B, existe a ∈ A tal que b = f(a). se, a imagem de f é o seu
contradomı́nio.
f é bijetora se, e somente se, é injetora e sobrejetora.

Exemplo 20
(1) Segue, imediatamente, das definições acima, que IA : A −→ A é bijetora.
(2) f : Z −→ Z definida por f(x) = 2x, para cada x ∈ Z, é injetora e não é
sobrejetora.
De fato, para x, x′ ∈ Z temos

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Funções

f(x) = f(x′ ) ⇐⇒ 2x = 2x′ ⇐⇒ x = x′ ,

mostrando que f é injetora.


Além disso, qualquer inteiro ı́mpar não está na imagem de f, que se constitui
dos inteiros pares. Logo, Imagem(f) = 2Z 6= Z = contradomı́nio(f) e f não é
sobrejetora.

(3) g : Z −→ {0, 1} definida por



0, se x é par
g(x) =
1, se x é ı́mpar

claramente, não é injetora e é sobrejetora.


1
(4) h : Z\{0} −→ Q definida por h(x) = x
, para cada x ∈ Z\{0}, é injetora
e não é sobrejetora.
2
Essa função não é sobrejetora pois, por exemplo, o número racional 3
não
pertence à imagem de h.
Por outro lado, para x, x′ ∈ Z\{0},

h(x) = h(x′ ) ⇐⇒ 1
x
= 1
x′
⇐⇒ x = x′ ,

mostrando que h é injetora.

Exemplo 21
A função f : Z −→ Z definida por f(x) = −x + 3 é bijetora.
Dado y ∈ Z, existe x ∈ Z tal que y = f(x), pois y = −x + 3 se, e somente
se, x = 3 − y. Logo, dado y, tomamos x = −y + 3 e f(x) = f(3 − y) =
−(3 − y) + 3 = y. Portanto, f é sobrejetora.
Da unicidade de x, obtida acima, temos que f é injetora.

Teorema 1
Seja f : A −→ B uma função.

(i) f é injetora se, e somente se, existe uma função g : B −→ A, tal que
g ◦ f = IA.
Nesse caso, dizemos que g é uma inversa à esquerda de f.

UFF 18
M. L. T. Villela
Funções
PARTE 1 - SEÇÃO 2

(ii) f é sobrejetora se, e somente se, existe uma função h : B −→ A, tal que
f ◦ h = IB.
Nesse caso, dizemos que h é uma inversa à direita de f.

Demonstração:
(i) (⇐=:) Suponhamos que existe g : B −→ A, tal que g ◦ f = IA. Sejam
a, a′ ∈ A, tais que f(a) = f(a′ ). Então,

a = IA(a) = (g ◦ f)(a) = g(f(a)) = g(f(a′)) = (g ◦ f)(a′) = IA(a′ ) = a′ .

Logo, f é injetora.
(=⇒:) Suponhamos que f : A −→ B é injetora. Então, para cada
b ∈ Imagem(f) = f(A) existe um único a ∈ A, tal que b = f(a).
Escolhemos a1 ∈ A e definimos g : B −→ A por

g(b) = a, se b = f(a)
g(b) = a1, se b ∈ B\f(A)

Para cada a ∈ A temos (g ◦ f)(a) = g(f(a)) = a = IA(a). Logo,


g ◦ f = IA.
(ii) (⇐=:) Suponhamos que existe h : B −→ A, tal que f ◦ h = IB. Então,
para cada b ∈ B temos b = IB(b) = (f ◦ h)(b) = f(h(b)) ∈ Imagem(f),
mostrando que f é sobrejetora.
(=⇒:) Suponhamos que f : A −→ B é sobrejetora. Então, para cada
b ∈ B existe a ∈ A, tal que b = f(a). Escolhemos ab ∈ A com f(ab) = b.
Seja h : B −→ A definida por h(b) = ab. Portanto, para cada b ∈ B temos
(f ◦ h)(b) = f(h(b)) = f(ab) = b = IB(b), mostrando que f ◦ h = IB. 

Vamos analisar o que ocorre quando f : A −→ B é bijetora. Pelo


Teorema 1, f tem uma inversa à esquerda g : B −→ A e uma inversa à
direita h : B −→ A, tais que g ◦ f = IA e f ◦ h = IB. Portanto,

g = g ◦ IB = g ◦ (f ◦ h) = (g ◦ f) ◦ h = IA ◦ h = h.

É claro, pelo mesmo Teorema, que g também é bijetora.


Obtivemos parte do seguinte Corolário.

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Funções

Corolário 1
Seja f : A −→ B uma função. Então, f é bijetora se, e somente se, existe
uma função g : B −→ A tal que g ◦ f = IA e f ◦ g = IB.
Demonstração: Falta apenas mostrar que a condição é suficiente. Da com-
posição g ◦ f = IA e do item (i) do Teorema 1, segue que f é injetora e, da
composição f ◦ g = IB e do item (ii) do Teorema 1, segue que f é sobrejetora.


Definição 16 (Função inversa)


Seja f : A −→ B uma função. Dizemos que f é invertı́vel se, e somente se, f
é bijetora.
f−1 : B −→ A, a inversa de Nesse caso, a função g : B −→ A tal que g ◦ f = IA e f ◦ g = IB é
f : A −→ B, é definida por
f−1 (b) = a ⇐⇒ f(a) = b chamada de inversa de f e a denotamos por f−1.

Exercı́cio

1. Sejam f : R\{−3} −→ R e g : R\{−3} −→ R definidas por f(x) = x − 2


2 +x−6
e g(x) = x x+3 . Mostre que f e g são funções iguais.

2. Sejam f : R −→ [0, +∞) e g : [0, +∞) −→ R definidas por f(x) = x2,



se x ∈ R, e g(x) = x, se x ∈ [0, +∞).

(a) Mostre que f não é injetora e é sobrejetora.


(b) Mostre que g é injetora e não é sobrejetora.
(c) Determine as funções f ◦ g e g ◦ f.

3. Sejam s : [0, +∞) −→ [0, +∞) e t : [0, +∞) −→ [0, +∞) definidas por

s(x) = x2 e t(x) = x, para x ∈ [0, +∞).

(a) Mostre que s é bijetora.


(b) Mostre que t é bijetora.
(c) Determine as funções s ◦ t e t ◦ s.

4. Sejam r : (−∞, 0] −→ [0, +∞) e t : [0, +∞) −→ [0, +∞) definidas por

r(x) = x2, se x ∈ (−∞, 0] e t(x) = x, se x ∈ [0, +∞) .

(a) Mostre que r é bijetora.


(b) Determine a função t ◦ r.
(c) Determine r−1.

UFF 20
M. L. T. Villela
Funções
PARTE 1 - SEÇÃO 2

5. Mostre que a função f : R −→ R definida por f(x) = 3x + 2, para cada


x ∈ R, é bijetora.

6. Mostre que a função f : Z −→ Z definida por f(x) = 3x + 2, para cada


x ∈ Z, é injetora e não é sobrejetora. Determine a imagem de f.

7. Sejam f, g, h : Z −→ Z definidas por f(x) = −x, g(x) = 3x e h(x) = x2.

(a) Mostre que f é bijetora.


(b) Mostre que g é injetora e não é sobrejetora.
(c) Mostre que h não é injetora nem sobrejetora.
(d) Determine f−1.

8. Sejam f : A −→ B e g : B −→ C funções e considere a função composta


g ◦ f : A −→ C. Mostre que:

(a) se f e g são injetoras, então g ◦ f é injetora;


(b) se f e g são sobrejetoras, então g ◦ f é sobrejetora;
(c) se g ◦ f é injetora, então f é injetora;
(d) se g ◦ f é sobrejetora, então g é sobrejetora.

9. Seja A um conjunto não-vazio com n elementos. Seja f : A −→ A uma


função. Mostre que :

(a) f é injetora se, e somente se, f é sobrejetora;


(b) há n! funções bijetoras f : A −→ A.

10. Sejam f : A −→ B uma função e S ⊂ A. A imagem de S por f é

f(S) = {f(a) ; a ∈ S} = {b ∈ B ; b = f(s) para algum s ∈ S}.

Determine f(S), para cada f e S dados:

(a) f : R −→ R definida por f(x) = x2, S = [−5, 2).


(b) f : R −→ R definida por f(x) = |x|, S = (−5, 2).
(c) f : Z\{0} −→ Q definida por f(x) = x1 , S = {−2, −1, 1, 2, 3, . . .}.
(d) f : N −→ {0, 1, 2} definida por f(x) = r, onde r é o resto da divisão
de x por 3 e S = {a ∈ N ; a ≥ 6}.

11. Sejam f : A −→ B uma função e T ⊂ B. A imagem inversa de T pela


função f é

21 UFF
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Funções

f−1(T ) = {a ∈ A ; f(a) ∈ T }.

Determine f−1(T ), para cada f e T dados.

(a) f : R −→ R definida por f(x) = x2, T = (−3, 7].


(b) f : R −→ R definida por f(x) = |x|, T = (−3, +∞).
(c) f : Z\{0} −→ Q definida por f(x) = x1 , T = {y ∈ Q ; − 37 < y ≤ 32 }.
(d) f : N −→ {0, 1, 2} definida por f(x) = r, onde r é o resto da divisão
de x por 3, T = {1}.

12. Seja f : A −→ B uma função. Mostre que:

(a) se S ⊂ A, então f−1(f(S)) ⊃ S;


(b) se T ⊂ B, então f(f−1(T )) ⊂ T ;
(c) se {Ti ; i ∈ I} é uma famı́lia de subconjuntos de B, então
! !
[ [ \ \
f−1 Ti = f−1(Ti) e f−1 Ti = f−1(Ti) .
i∈I i∈I i∈I i∈I

UFF 22
M. L. T. Villela
Relações de equivalência
PARTE 1 - SEÇÃO 3

Relações de equivalência

Frequentemente, temos relações entre dois objetos de um conjunto. Ve-


jamos alguns exemplos:
- No conjunto dos números inteiros: menor ou igual, divide, múltiplo.

- Numa famı́lia de conjuntos: inclusão.

- No conjunto dos triângulos: semelhança, congruência.

- No conjunto das retas no plano: paralelismo, perpendicularismo.

- No conjunto dos moradores de um edifı́cio: residir no mesmo andar, residir


em apartamento de frente, residir na mesma coluna.

Definição 17
Dados um conjunto A, denotaremos por ∼ uma relação binária em A. Dados
a, b ∈ A indicamos que a está relacionado com b escrevendo a ∼ b.
Caso contrário, dizemos que a não está relacionado com b e escrevemos
a 6∼ b.

Exemplo 22
Sejam A = {1, 2, 3} e a, b ∈ A. Definimos a ∼ b ⇐⇒ a ≤ b.
Então, 1 ∼ 1, 1 ∼ 2, 1 ∼ 3, 2 ∼ 2, 2 ∼ 3 e 3 ∼ 3.
Também, 2 6∼ 1, 3 6∼ 2 e 3 6∼ 1.

Exemplo 23
Sejam A = {1, 2, 3} e a, b ∈ A. Definimos a ∼ b ⇐⇒ a < b.
Então, 1 ∼ 2, 1 ∼ 3, 2 ∼ 3.
Também, 1 6∼ 1, 2 6∼ 2, 2 6∼ 1, 3 6∼ 3, 3 6∼ 2 e 3 6∼ 1.

Exemplo 24
Seja A o conjunto das retas do plano. Sejam r, s ∈ A.
Definimos r ∼ s ⇐⇒ r k s.
Nesse caso, duas retas do plano não estão relacionadas se, e somente se, se
intersectam em um único ponto.

23 UFF
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Relações de equivalência

Exemplo 25
Seja Z o conjunto dos números inteiros. Sejam a, b ∈ Z.
Definimos a ∼ b ⇐⇒ a − b é par.
Temos que 1 ∼ 3, −2 ∼ 4 e 135 ∼ −1, enquanto 1 6∼ 2 e −2 6∼ 3.
Observamos que :

a e b são pares ou
a ∼ b ⇐⇒
a e b são ı́mpares


a é par e b é ı́mpar ou
a 6∼ b ⇐⇒
a é ı́mpar e b é par

Exemplo 26
Sejam Π um plano e O um ponto fixado de Π. Para cada ponto P ∈ Π
consideramos d(O, P) a distância entre os pontos O e P.
Dados P, Q ∈ Π definimos P ∼ Q ⇐⇒ d(O, P) = d(O, Q).
O único ponto relacionado a O é o ponto O.
Dois pontos P e Q, tais que P 6= O e Q 6= O, estão relacionados se, e somente
se, d(O, P) = d(O, Q) > 0 se, e somente se, P, Q estão situados no mesmo
cı́rculo de centro O e raio r = d(O, P) = d(O, Q).

Exemplo 27
Sejam Π um plano e r uma reta fixada.
Dados P, Q ∈ Π, definimos:

P ∼ Q ⇐⇒ existe s, uma reta paralela a r, tal que P, Q ∈ s .

Nesse caso, dois pontos distintos do plano estão relacionados se, e somente
se, a única reta determinada por eles é paralela a r.
Fixado um ponto P do plano, sabemos que existe uma única reta s paralela a
r passando por P. Todos os pontos Q ∈ s estão relacionados com P, inclusive
P.

A seguir definimos três tipos de propriedades que uma relação binária


pode ter.

Definição 18 (Relação reflexiva, simétrica ou transitiva)


Seja ∼ uma relação binária no conjunto A. Dizemos que
∼ é reflexiva se, e somente se, a ∼ a, para todo a ∈ A;

UFF 24
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Relações de equivalência
PARTE 1 - SEÇÃO 3

∼ é simétrica se, e somente se, para quaisquer a, b ∈ A, tais que a ∼ b,


então b ∼ a;
∼ é transitiva se, e somente se, para quaisquer a, b, c ∈ A, tais que
a ∼ b e b ∼ c, então a ∼ c.

Exemplo 28
A relação binária do exemplo 22 é reflexiva e transitiva e não é simétrica. Exemplo 22: 1 ∼ 2, mas
2 6∼ 1.
A relação binária de exemplo 23 é transitiva e não é reflexiva nem simétrica. 6 1 e 1 ∼ 2,
Exemplo 23: 1 ∼
mas 2 6∼ 1.

Exemplo 29
A seguinte relação binária em um plano Π é reflexiva e simétrica, mas não é
transitiva: Basta exibir três pontos
P, Q, R, tais que d(P, Q) ≤ 1
P, Q ∈ Π, P ∼ Q se, e somente se, d(P, Q) ≤ 1. e d(Q, R) ≤ 1 com
d(P, R) > 1.
Desempenham um papel importante as relações binárias que têm, si-
multaneamente, as três propriedades: reflexiva, simétrica e transitiva.
Definição 19 (Relação de equivalência)
Dizemos que uma relação binária ∼ em A é uma relação de equivalência se,
e somente se, para quaisquer a, b, c ∈ A
(i) (reflexiva) a ∼ a;
(ii) (simétrica) se a ∼ b, então b ∼ a;
(iii) (transitiva) se a ∼ b e b ∼ c, então a ∼ c.
Exemplo 30
Vamos verificar que a relação binária ∼ do exemplo 25 é uma relação de
equivalência em Z. De fato, se a, b, c ∈ Z, então
(i) como 0 = a − a é par, então a ∼ a;
(ii) se a ∼ b, então a − b é par, logo b − a = −(a − b) é par, provando que
b ∼ a;
(iii) se a ∼ b e b ∼ c, então a − b e b − c são ambos pares e
a − c = (a − b) + (b − c) é par, logo a ∼ c.
Exemplo 31
São relações de equivalência as relações binárias dos exemplos 24, 26 e 27.
Não são relações de equivalência as relações binárias dos exemplos 22 e 23.

Em geral visualizamos um conjunto pelos seus elementos. Uma relação


de equivalência em um conjunto permite visualizar o conjunto por meio dos
seus subconjuntos chamados classes de equivalência. Com esse objetivo, in-
troduzimos o conceito de classe de equivalência.

25 UFF
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Relações de equivalência

Definição 20 (Classe de equivalência)


Seja ∼ uma relação de equivalência em A.
Para cada a ∈ A, a classe de equivalência a de a é
a = { x ∈ A ; x ∼ a }.

Exemplo 32
No exemplo 24, onde A é o conjunto de todas as retas do plano, a classe de
equivalência de cada reta r ∈ A é
r = { s ∈ A ; s k r }.
Exemplo 33
No exemplo 25 a relação de equivalência foi definida no conjunto dos números
inteiros, que é a união dos subconjuntos dos inteiros pares com os inteiros
ı́mpares, a saber
Z = { 0, ±1, ±2, ±3, . . . } = { 0, ±2, ±4, . . . } ∪ { ±1, ±3, ±5 . . . }.

Para cada a ∈ Z, temos que: ou a é par ou a é ı́mpar. Logo,



{ 0, ±2, ±4, . . . }, se a é par
a = { x ∈ Z ; 2 divide x − a } =
{ ±1, ±3, ±5 . . . }, se a é ı́mpar

Exemplo 34
No exemplo 26 o conjunto é um plano Π, onde fixamos um ponto O para
definir a relação de equivalência entre os pontos do plano. Temos:

O = { P ∈ Π ; d(O, P) = d(O, O) = 0 } = { O } e

P = cı́rculo de centro O e raio r = d(O, P), para todo P ∈ Π com P 6= O.

Exemplo 35
No exemplo 27 o conjunto é um plano Π, onde fixamos uma reta r para
definir a relação de equivalência entre os pontos do plano. Nesse caso, para
cada P ∈ Π, temos:

P = reta s passando por P e paralela à reta r.


Exemplo 36
Consideremos um edifı́cio com 6 andares, 3 apartamentos por andar dis-
tribuı́dos em 3 colunas, sendo a coluna 01 de frente e com três quartos, as
colunas 02 e 03 de fundos com um e dois quartos, respectivamente.
Seja A o conjunto dos apartamentos desse edifı́cio.

UFF 26
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Relações de equivalência
PARTE 1 - SEÇÃO 3

Para a, b ∈ A, consideremos as seguintes relações binárias em A:


a ∼1 b ⇐⇒ a e b estão no mesmo andar.
a ∼2 b ⇐⇒ a e b estão na mesma coluna.
a ∼3 b ⇐⇒ a e b são ambos de frente ou ambos de fundos.
Cada uma das relações binárias acima é uma relação de equivalência em A.
Sabendo que cada apartamento é identificado por n01, n02 ou n03, onde
n = 1, . . . , 6 é o andar em que está situado e os dois últimos dı́gitos corres-
pondem à sua coluna, temos que:
1
601 = { x ∈ A ; x ∼1 601 } = { 601, 602, 603 },
1
602 = { x ∈ A ; x ∼1 602 } = { 601, 602, 603 },
2
601 = { x ∈ A ; x ∼2 601 } = { 601, 501, 401, 301, 201, 101 },
2
602 = { x ∈ A ; x ∼2 602 } = { 602, 502, 402, 302, 202, 102 }
3
601 = { x ∈ A ; x ∼3 601 } = { 601, 501, 401, 301, 201, 101 },
3
602 = { x ∈ A ; x ∼3 602 }
= { 602, 603, 502, 503, 402, 403, 302, 303, 202, 203, 102, 103 }.
1 1 1 2 2
Observamos que 603 = 602 = 601 , enquanto 601 ∩ 602 = ∅. Por quê?

As seguintes propriedades de uma relação de equivalência desempe-


nham um papel muito importante.

Proposição 4
Seja ∼ uma relação de equivalência em A. Valem as seguintes propriedades:

(i) Se a ∩ b 6= ∅, então a ∼ b.

(ii) a ∼ b se, e somente se, a = b.


[
(iii) A = a.
a∈A

Demonstração:
(i) Como a ∩ b 6= ∅, então existe c ∈ A tal que c ∈ a ∩ b. Logo, c ∼ a e
c ∼ b. Pela simetria, a ∼ c e, pela transitividade, obtemos a ∼ b.
(ii) (=⇒ :) Suponhamos que a ∼ b. Vamos mostrar que a ⊂ b. Lembre que . . .
Seja x ∈ a. Então, x ∼ a. Como a ∼ b, pela transitividade, temos Os conjuntos X e Y são
iguais se, e somente se,
x ∼ b. Logo, x ∈ b. X ⊂ Y e Y ⊂ X.

A outra inclusão é análoga, usando a simetria.

(⇐= :) Suponhamos a = b. Então, a ∩ b 6= ∅ e, pelo item (i), a ∼ b.

27 UFF
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Relações de equivalência

(iii) É claro, por definição de classe de equivalência, que a ⊂ A. Logo,


[
a ⊂ A.
a∈A
Por outro lado, pela propriedade reflexiva, a ∈ a, mostrando que
[
A⊂ a. 
a∈A

A propriedade (ii) da proposição anterior motiva a seguinte definição.

Definição 21 (Representante)
Seja A um conjunto e ∼ uma relação de equivalência em A. Dizemos que
b ∈ A é representante de uma classe de equivalência a se, e somente se,
b ∼ a.

As classes de equivalência de uma relação de equivalência ∼ em A são


subconjuntos de A não-vazios, pois para cada a ∈ A temos a ∈ a. Mais
ainda, pelo item (iii) da proposição anterior, cobrem A e, pelo item (ii),
classes distintas são conjuntos disjuntos.
Portanto, as classes de equivalência distintas de uma relação de equi-
valência de um conjunto A dão uma subdivisão de A em subconjuntos dis-
juntos e não-vazios, isto é, definem uma partição de A.
Com a observação acima obtivemos a primeira parte do seguinte teo-
rema.

Teorema 2
Se ∼ é uma relação de equivalência no conjunto A, então as classes de equi-
valência distintas de ∼ definem uma partição de A. Reciprocamente, dada
[
uma partição de A, digamos A = Ai, onde Ai 6= ∅ e Ai ∩ Aj = ∅, para
i∈I
quaisquer i, j ∈ I, i 6= j, existe uma única relação de equivalência ∼ em A, tal
que as classes de equivalência distintas de ∼ são os subconjuntos Ai, i ∈ I.
Demonstração: Falta apenas demonstrar a recı́proca. Digamos que a famı́lia
{Ai ; i ∈ I} é uma partição do conjunto A.
[
Como A = Ai, então para cada a ∈ A existe i ∈ I, tal que a ∈ Ai,
i∈I
seguindo a unicidade do ı́ndice i do fato de Ai e Aj serem disjuntos para
i 6= j.
Para a, b ∈ A definimos a ∼ b se, e somente se, para algum i ∈ I,
a, b ∈ Ai.
É fácil a verificação de que ∼ é uma relação de equivalência em A.

UFF 28
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Relações de equivalência
PARTE 1 - SEÇÃO 3

Com a definição de ∼ temos a = Ai, onde i é o único ı́ndice de I tal


que a ∈ Ai. 

Definição 22 (Conjunto quociente)


Seja A um conjunto não-vazio e ∼ uma relação de equivalência em A.
O conjunto quociente A/ ∼ é definido por

A/ ∼ = { a ; a ∈ A}.

Exemplo 37
Consideremos em Z a relação de equivalência

a, b ∈ Z, a ∼ b ⇐⇒ a − b é múltiplo de 2.

Temos apenas duas classes de equivalência, a saber, P a classe dos números


pares e I a classe dos números ı́mpares.
Logo, Z/ ∼ = { P, I }.
Exemplo 38
Consideremos a relação de equivalência no plano Π do Exemplo 26, dada por

P, Q ∈ Π, P ∼ Q ⇐⇒ d(O, P) = d(O, Q),

onde O é um ponto fixado em Π.


Vimos que O = {O} e P = cı́rculo de centro O e raio r = d(O, P) }, se
P 6= O.
Para cada número real r > 0 seja Cr o cı́rculo de centro O e raio r. Então,

Π/ ∼ = { {O} ; Cr, r > 0 }.

Exercı́cios

1. Mostre que são relações de equivalência as relações binárias dos Exem-


plos 24, 26 e 27.

2. Mostre que não são relações de equivalência as relações binárias dos


Exemplos 22 e 23, indicando quais das propriedades (reflexiva, simétrica
ou transitiva) não têm.

3. Seja A = {x ∈ N ; x ≤ 15}. Para x, y ∈ A definimos

x ∼ y ⇐⇒ 3 divide x − y.

29 UFF
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Relações de equivalência

(a) Mostre que ∼ é uma relação de equivalência em A.


(b) Determine as classes de equivalência: 0, 1 e 2.
(c) Há quantas classes de equivalência distintas?

4. Seja A o conjunto dos triângulos no plano. Seja ∼ a congruência de


triângulos.
Mostre que a congruência de triângulos é uma relação de equivalência.

5. Seja A o conjunto dos triângulos no plano. Seja ∼ a semelhança de


triângulos.
Mostre que a semelhança é uma relação de equivalência.

6. Seja A = Z × (Z\{0}) = {(a, b) ; a, b ∈ Z e b 6= 0}.


Para (a, b), (c, d) ∈ A definimos

(a, b) ∼ (c, d) ⇐⇒ a · d = b · c.

(a) Mostre que ∼ é uma relação de equivalência em A.


(b) Determine a classe de equivalência de (a, b).

7. Seja A = R2\{(0, 0)}. Para (x, y), (x′, y′ ) ∈ A definimos

(x, y) ∼ (x′ , y′ ) ⇐⇒ x = λx′ e y = λy′ , para algum λ ∈ R\{0}.

(a) Mostre que ∼ é uma relação de equivalência em A.


(b) Interprete, geometricamente, a classe de equivalência de (x, y).

8. Sejam V um espaço vetorial real e W um subespaço de V.


Para u, v ∈ V definimos

u ∼ v se, e somente se, u − v ∈ W.

(a) Mostre que ∼ é uma relação de equivalência em V.


(b) Determine a classe de equivalência de v, para cada v ∈ V.
(c) Sejam V = R2, (a, b) 6= (0, 0) e W = {(x, y) ∈ R2 ; ax + by = 0}.
Interprete, geometricamente, a classe de equivalênvia de (x0, y0).
(d) Sejam V = R3 e (a, b, c) 6= (0, 0, 0).
Consideremos o subespaço W = {(x, y, z) ∈ R3 ; ax+by+cz = 0}.
Interprete, geometricamente, a classe de equivalênvia de (x0, y0, z0).

UFF 30
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