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2aioa2016 POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. (Os LIMITES DA RACIONALIDADE LIMITADA: EVIDENCIA EMPIRICA E ESCOLHA TEORICA André Guimaries Augusto Abstract: This article illustrates two general propositions about the science based on the contemporary discussion on the rationality in the economy. The first proposition is that it is not possible to infer conchusions from empirical evidence without the prior adoption of a conceptual scheme. This point is illustrated with relation to critiques of bounded rationality to maximizing behavior. Supporters of behavioral economics infer from the empirical evidence that if agents do not maximize their rationality is limited, It is demonstrated that this conclusion is not inferred directly fiom empirical evidence but from the adoption of the same conceptual schema of the neoclassical school, the Classic Model of Rational Action, The second proposition is that ' being determines consciousness . This point is illustrated by showing how the adoption of this model by behavioral economics is rooted in the needs of capitalist society and by an outline about social determination of rationality Resumo: Nesse artigo se ifustram duas proposicbes de carter geral sobre a ciéncia com base na discussao contempordnea sobre a racionalidade na economia. A primeira proposigao é de que nao € possivel retirar conclusdes de evidencias empiricas sem a adogdo prévia de um esquema conceitual. Esse ponto é ilustrado com relagdo a critica da racionalidade limitada a0 comportamento maximizador. Os adeptos da economia comportamental inferem a partir da evidencias empiricas que se os agentes no maximizam entdo sua racionalidade ¢ limitada. ‘Demonstra-se que essa conclustio nao se infere diretamente das evidencias empiricas mas da adogao do mesmo esquema conceitual da escola neoclissica, 0 Modelo Clissico da Agto Racional. A segunda proposigaio € a de que ‘o ser determina a consciencia’, Esse ponto & ilustrado mostrando como a adogio desse modelo pela economia comportamental esta enraizado nas necessidades da sociedade capitalista e por um esboco acerca da determinacao social da racionalidade. Area: 1. Metodologia e Historia do Pensamento Econémico ‘Sub-Area: 1. Metodologia e Caminhos da Ciéncia ntpssAvuwcresearchgate.netipiicaton/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHATEORICA 1125 2aioa2016 POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. SESSOES ORDINARIAS A hipétese da racionalidade se tomou a pedra fimdamental da economia neoclissica, sendo até mesmo identificada com a propria teoria econdmica. Desde a critica de Veblen (1909), no entanto, que a hipétese do comportamento humano descrito como um céleulo iluminado de maximizagio tem sido contestada. A identificagéo da racionalidade com 0 comportamento maximizador foi objeto de longa controvérsia, na qual se ressalta a discussdo sobre seu estatuto epistemol6gico, a partir dos estudos de Hall & Hitch que demonstravam que os empresirios nao tomavam suas decisbes com base na regra de maximizasao de Incro. Os trabalhos de Hebert Simon a partir dos anos 1940 e mais recentemente, a partir da década de 1970, os trabalhos de Kahneman e Tversky forneceram uma fonte de contestacao da hipétese do comportamento maximizador. Inspirados nos resultados empiricos da psicologia cognitiva, esses autores refitam 0 realismo da hipétese do comportamento maximizador e propde em seu lugar um conceito de racionalidade limitada. Tal proposta inaugura todo um ramo da economia, que passou a ser conhecido como ‘economia comportamental’, visto por alguns como uma alternativa a hegemonia da economia neoclissica no pensamento econdmico, A principal critica dirigida pela economia comportamental ao comportamento maximizador @ a sua incompatibilidade com as evidencias empiricas; a partir dessas evidencias Simon e seus seguidores conchnem pela racionalidade limitada devido as restrigdes da capacidade cognitiva humana. Na primeira segio desse trabalho esse argumento ser reproduzido, A conclusao de Simon acerca do cariter limitado da racionalidade - seguida de forma diferente por Kahneman - no ¢ uma decorréncia exclusiva e necessdria das evidencias empiricas. As conclusdes da economia comportamental sobre a racionalidade e 0 comportamento do homem sto inferidas a partir de uma interpretagio das evidencias empiricas com base no mesmo esquema conceitual sobre a ago humana adotado pela hipétese de racionalidade neoclissica. As mesmas evidéncias empiricas poderiam levar a conclusbes diferentes sobre a racionalidade se interpretadas a partir de um esquema conceitual diferente. ntpssNvuwcresearchgate.netipicaton/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHATEORICA 225 2aioa2016 POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. Na segunda seco ser apresentado esse argumento, primeiramente com base na hipétese da filosofia da cigneia pés-positivista de que no é possivel extrair conclusdes de evidencias empiricas sem que se adote previamente, explicita ou implicitamente, uma teoria para interpreté-las. Em segundo lugar, ainda nessa seco © esquema teérico comum & racionalidade maximizadora neoclissica e a racionalidade limitada & identificado com 0 modelo clissico da ago racional, originado de David Hume e sistematizada de modo aitico pelo filésofo analitico, professor de filosofia da mente e da linguagem da Universidade de Berckley, John Searle (2001). Finalmente procura-se perscrutar, de forma apenas inicial, as motivagdes para a doco do referido esquema conceitual sobre a ago fumana por parte dos adeptos da racionalidade limitada, Argumenta-se que tal adogo se baseia no entendimento da cigneia como atividade que tem a finalidade de criar instrumentos manipulatérios capazes de permitir ‘unicamente a reproducao da realidade tal como existe. Em outras palavras, os limites da interpretagiio da evidencia empitica esto dados pelo condicionamento social da ciéneia direcionada para a reprodugdo da sociedade capitalista Indica-se, antes das conclusdes, em que medida o modelo clissico da racionalidade encomtra amparo na aparéncia da sociedade capitalista e como a racionatidade pode ser entendida como uma determinagdo social. Assim, nas duas seedes finais desse artigo procura se reafirmar a proposigo marxiana de que ‘o ser determina a conseigneia’, no que diz respeito discussdo sobre a racionalidade. Os pontos principais do artigo sao recapitulados nas consideragdes finais, Racionalidade limitada: A critica empirica ao comportamento maximizador. © conceito neoclassico de racionalidade € identificado formalmente com a maximizacdo de uma funcdo objetivo sob restrigao, Nessa concepco o agente racional dotado de suas finalidades constituidas por preferéneias bem ordenadas, ira eseolher a melhor entre ‘todas as alternativas existentes pata alcangar suas finalidades, isto é a altemnativa que leva ao resultado mais preferido com o menor sactificio de meios. O sistema de preferencias & completo e bem ordenado, o agente tem conhecimento de todas as alternativas existentes e & capaz de realizar qualquer célculo que vincule as altemativas a0 valor atribuido aos fins (Simon, H. 1976, p.87). Esse procedimento & aplicado pelos neoclissicos tanto a0 ntpssAvuwcresearchgate.netipiicaton/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHATEORICA 925 2aioa2016 POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. ‘comportamento do individuo na sua decisio de consumo como ao comportamento da firma na sua decisio de produgto, sendo a tinica diferenga entre os dois a fung0 objetivo ~ a utilidade no primeiro caso, 0 lucro no titimo, Essa descrigtio do comportamento racional tem sido objeto de fortes contestagdes empiricas, As primeiras contestagdes foram oriundas das observagdes diretas do comportamento dos empresitios. Aplicando um questiondrio em uma amostra de 58 empresas, Hall & Hitch (1939) concluiram que os empresétios no maximizam o lucro, usando 4 regra de igualar custos ¢ receitas na margem, mas definem pregos através de uma regra que consistia em adicionar uma margem ao custo total Ao mestio tempo, trabalhando em um estudo de campo na administragao piblica em Milwakee, Hebert Simon observava que na decisao e alocagao de fundos, os administradores nao agiam ‘conforme sugeriam os livros de economia’(Simon, H. 1978, p.352); essa observago se torou a base de seu livto, Administrative Behaviour (1947). A partir dai ha ‘uma série de estudos empiricos sobre a tomada de decisdes em organizagbes (e.g.. Cyert And al, de acordo March, 1963), e de estudos de campo na tomada de decisto. De uma forma g com Simon (1978; p.347), 0 que esses estudlos apontam & que mao ha observagtes diretas de que 08 individuos e firmas equalizam custo e receita na margem. © trabalho de Hall ¢ Hitch inaugurou uma longa controvérsia na teoria econémica sobre o papel do postulado de racionalidade maximizadora nas firmas. Em primeiro lugar 0 método de ‘teste’ do postulado da racionalidade, o da observacdo direta e mais precisamente no caso de Hall e Hitch a aplicagdo de questionéios, foi contestado em sua validade (Machhup, F.; 1946), Em segundo lugar, se questionou o que se poderia realmente testar pela observacdo empirica direta. De acordo com esse argumento, o postulado da racionalidade nao precisaria ser testado diretamente para ser vilido, mas somente pelos seus resultados, isto 6, suas previsdes empiricas; essa é de forma resumida a posigdo de Friedman (1953). Quanto ao primeiro aspecto, conforme reconhece © proprio Simon, os estudos de caso @ observagies ditetas sobre 0 processo de tomada de decisdes acumulados a0 longo das décadas de 1930 a 1970, nao permitiam derivar resultados teéricos (Simon, H. 1978, p.363). No entanto esse autor aponta as simulagdes por computador como método para extrair informagao teérica de estudos de caso (Simon, H. 1978, p.364). tps svc researchgate.netipicator/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHATEORICA 4/25 2aioa2016 POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. J4 com relacio & objecfo de Friedman, Simon assinala cuidadosamente que os resultados agregados empiricamente verificados da teoria neoclassica~ como a curva de demanda negativamente inclinada - sdo independentes do postulado da maximizarao por parte dos individuos. Segundo ele nfo hi previsdes que se seguem exclusivamente do suposto da maximizagio, dependendo estas muito mais de hipéteses factuais auxitiares. Assim, os :mesmios resultados empiticos observados no agregado seriam compativeis com uma descrigao diferentes do comportamento individual (Simon, H.: 1986). Como sera desenvotvido ao longo desse trabalho, a estrutura desse argumento - as mesmas observacdes empiricas podem ser explicadas por outros esquemas conceituais - pode ser usada contra a defesa da racionalidade limitada feita por Simon e seus continuadores. No ps-guerra a racionalidade passou a ser descrita como a maximizagto da wtitidade esperada onde os agentes escolhem entre ‘loterias’, ie, entre distribuigbes de probabilidades subjetivas de resultados, incorporando as erengas na a¢ao racional. Postulada de forma axiométiea com 0 modelo da maximizagio de utilidade espetada, a racionalidade maximizadora tomou-se uma hipétese manejével para o teste em situacdes experimentais Ap ‘ologia cognitiva, com o desenvolvimento de experimentos controlados sobre 0 comportamento dos seres humanos em laboratorio, se encarregou de verificar empiricamente a hipétese da maximizacao da utilidade esperada. Uma nova onda de contestagdo ao postulado da racionalidacle maximizadora surge na década de 1970 a partir dos trabalhos de Kahneman & ‘Tversky. De uma forma geral, os experimentos de Kabneman © Tversky mostram que em situagbes de incerteza as pessoas ndo realizam célculos de probabilidade para achar a melhor solugdo esperada, mas usam métodos de julgamento aproximados ~ heuristicas — a partir das informagdes que mais lhes chamam a atensao. Kahneman e Tversky descrevem o resultado de experimentos mentais, em que as pessoas rejeitam participar de um jogo em que se pode ganhat com chances iguais uma quantia maior de dinheiro do que a que se pode perder, mas aceitam fazer parte de um jogo em que a quantia que se pode perder € maior, também com chances iguais, se a alternativa & uma perda cetta, Em outras palavras, nem sempre o agente escolhe o melhor resultado esperado, entendido com o ganho de uma soma maior de dinheiro em termos absolutes (Kahneman, 2003, p. 1455-1456), apresentando uma ‘aversio’ a perda, Esses testes levaram os 5 ntpszAvwwcresearchgate.netipicator/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHATEORICA 25 2aioa2016 POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. autores a formularem a teoria da prospecgdo como altermativa a maximizacao da utilidade esperada Outro resultado que contesta a validade empirica da racionalidade maximizadora € 0 papel que a forma como o problema é apresentado tem na escolha do agente. No experiment da ‘doenga asiatica’ as pessoas tem que escolher o melhor tratamento em termos do resultado. © mesmo resultado € descrito de formas diferentes, levando as pessoas a escolhem o tratamento em um caso e rejeitarem em outro (Kahneman, 2003, p.1458-1459), Esse resultado que ficou conhecido como framing effect’, significa que as pessoas levam em consideraga0, informagdes que nao sto relevantes para o uso do meio em relacdo ao melhor resultado, Desse modo nem sempre se escolhe a alternativa étima, contrariando a hipStese da maximizagao. Simon sintetiza os resultados dos experimentos sobre a maximizagdo da utilidade esperada, afirmando: “What has been shown is that they do not even behave as if they had carried out those calculations, and that result is a direct refutation of the neoclassical assumptions."(Simon, H.; 1978, p.362); e recomenda que “..) we stop debating whether a theory of substantive rationality and the assumptions of utility maximization provide a sufficient base for explaining and predicting economic behavior. The evidence is overwhelming that they do not [énfase adicionada}” (Simon, 1986, p.s223) De acordo com o que se pode inferir das afirmagdes de Simon, a racionalidade maximizadora deve ser rejeitada porque ndo passou no teste empirico. E importante ressaltar nese ponto que o ctitério de validacdo ou rejeigao de uma teoria adotado nesse caso & 0 critério positivista: s6 ¢ valida a teoria que permita fazer boas previsdes e dessa forma, ~ conforme ser desenvolvido mais adiante — ofereca modelos ‘manipulveis’ O objetivo desse artigo ndo é discutir a validade ou ndo do teste empirico, no que se refere & escolha dos dados, ou a formulagio das condigdes do experiment e nem mesmo a sua validade para situagbes fora da situacao experimental ou s generalizagio de observagbes particulares. Esse trabalho se concentra na discussio sobre interpretago dos resultados dos testes empiricos no que diz respeito & compreensio da racionalidade. Nesse ponto, a conclusto de Simon e da economia comportamental de uma forma geral € no s6 de que os agentes no maximizam, mas de que entdo a sua racionalidade é limitada, ntpszAvuwcresearchgate.netipuicator/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHATEORICA 825 2aioa2016 POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. Para se chegar a essa conclusdo a auséncia da maximizacdo é explicada primeiramente pela existéncia de limites cognitivos que a impedem. A maximizago requer 0 conhecimento completo das consequéncias ¢ das alternativas de apo, bem como a antecipagdo dos resultados (Simon, H.; 1976, p.93: 1978, p. 356). © argumento & de que o aparelho cognitive numano nao € capaz de absorver e processar todas essas informagdes quando a decisto se refere a situagdes complenas e, particularmente, quando tem que ser tomadas em horizonte de tempo curto. Kabneman (2003) argumenta que a capacidade para fazer os julgamentos necessitios @ maximizagio é impedida pela acessibilidade disponivel em nosso aparelho cognitivo: nao somos capazes de absorver todas as informagdes ou as mais relevantes, Diante disso © procedimento na tomada de decisdes consistiria no melhor uso dos recursos disponiveis de acordo com a capacidade cognitiva dos agentes. Assim Simon propde © satisfacing’ no lugar da maximizagio. Primeiramente os agentes estabelecem um nivel de aspiragao como satisfatério em Ingar do ordenamento completo e coerente de todas as consequéncias de sua ado. Em seguida os agentes iniciam um proceso de busca das alternativas, uma vez que essas no so imediatamente acessiveis; como regra os agentes terminam a busca assim que descobrem uma alternativa satisfat6ria ou quando o custo ~ cognitivo e monetario - da busca se torna muito alto. (Simon, H.; 1972; 1955, 1978) Kalmeman (2003) também aponta que as decisdes so tomadas utilizando os recursos disponiveis, isto é, os mais acessiveis & mente. Os agentes decidem utilizando um procedimento simplificador, processando as informagdes disponiveis por meio de uma regra heuristica. © julgamento resultante desse procedimento € espontineo e nilo requer grande esforgo de deliberagto, constituindo 0 que ele denomina de um juleamento intuitivo. Assim, argumenta Kahneman (2003), dada os limites de nossa cognigtio, somos obrigndos a tomar decisdes intuitivas na maior parte do tempo. © importante aqui é 0 que se retira dessas conclusdes com relacao & racionalidade. ‘Simon argumenta que a racionalidade deve ser qualificada, uilizando-se diferentes advérbios para defini-la (Simon, H.; 1976, p.85), Assim ele distingue nao s6 a racionalidade ‘objetiva’ — que corresponcle A maximizagao de fato — como especialmente a racionalidade substantiva e a 1 As palavras “satisfcing” e “satisface” foram inventadas por Simon, combinando a iia de satisfatério e suficiente (Ken Manktelow (2000): Reasoning and Thinking, Hove: Psychology Press, p. 221), nto tendo consespondente em portagnés tps svc researchgate.netipicaton/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHATEORICA 7/26 2aioa2016 POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. procedural. Enquanto a substantiva se refere aos resultados que produz como “objetivamente melhor em termos de uma dada fungao wtilidade” (Simon, H.; 1986, p.s211), a racionalidade procedural se refere ao procedimento que emprega a raziio, sendo racional a decisto que é “ proceduralmente razoivel, em termos do conhecimento disponivel e dos meios de computasao” (Simon, H.; 1986, p.s211). De acordo com Simon, 0 fato dos agentes no maximizarem ¢ buscarem apenas solugdes satisfatdrias significa que eles so ‘pouco’ racionais. A diferenca entre racionalidade substantiva (objetiva) ¢ procedural ¢ fundamentalmente uma diferenga de gran; segundo Simon, “os tomadores de decisio humanos sto to racionais quanto sua capacidade computacional limitada e sua informacdo incompleta permitit” (Simon, H.: 1978, p.351) Kahmeman (2003) chega a uma conclusdo ligeiramente diferente, © autor parte da existéncia de dois sistemas de cognig20: o sistema 1, rapido, automético, associativo emocionalmente carregado; ditigido pelo habito e que gera impressdes — involuntias e ndo expressas - dos atributos e objetos. O outro sistema cognitive é 0 sistema 2, lento, serial, deliberadamente controlado; sujeito a regras ¢ relativamente flexivel ¢ que gera julgamentos intencionais e explicitos. Os julgamentos gerados pelo sistema 2 podem ser de dois tipos: os originados da deliberagto racional, cuja formulagdo constitui o racioeinio: e os originados da impressio, cuja formulacdo constitui a intuigao, Kahneman argumenta que as conchistes do trabalho empitico ndo sto de que o sistema racional funciona de forma precéria, como no caso da racionalidade limitada de Simon, De acordo com Kahneman, a conclusio de que na maior parte do tempo as decisdes sao tomadas de forma intuitiva, isto é de acordo com os juizos formulados diretamente das impressbes; nas palavras do autor: “The central characteristic of agents (Kahneman, 2003, p.1469) s not that they reason poorly but that they often act intuitively. A despeito das diferengas, no entanto, os dois autores extraem a mesma conchisdo com relagio A racionalidade a partir das evidencias empiricas, Ambos nao concluem que os homens nao sao racionais — embora Kahneman se aproxime disso — mas tanto um como outro concluem por um ‘rebaixamento ' da racionalidade. Se em Simon a racionalidade deve ser rebaixada por ser empobrecida, sem condiedes de funcionar plenamente, em Kahneman ela & rebaixada para um posto secundério, para o fimncionamento em casos especiais e muito raros. ntpszAvwwcresearchgate.netipicator/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENGIA EMPIRICA F_ESCOLHATEORICA 825 2aioa2016 POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. E a origem dessa conclusdo e sua ligagao com a evidéncia empirica que seri objeto de exame na seo seguinte. Evidencia empirica ¢ escolha teérica: racionalidade limitada ¢ 0 Modelo Classico da Acao Racional Os teéricos da racionalidade limitada partilham da mesma concepcao positivista de cientificidade dos autores neocléssicos. Para os Gltimos, 0 comportamento orientado pela satisfagao das preferencias é uma mera descrigio e a racionalidade maximizadora exerce 0 papel de um instrumento analitico itil para construir modelos que permitam organizar os dados empiricos e fazer boas previsdes (Samuelson, P.; 1983), Trata-se aqui do entendimento da cigncia como meta tarefa de descrigdo e organizagao dos dados imediiatos da experiéncia com a finalidade da previsdo, restando somente o estéril debate sobre 0 cardter analitico ou sintético do postulado da racionalidade. E esse mesmo ponto de partida que ¢ compartilhado pelos tedricos da racionalidade limitada. Por um lado, a rejeicao & maximizacto como teoria descritiva resulta do fato de que esta teria fihado nos testes empiricos; por outro lado, a racionalidade é supostamente obtida por meio de uma generalizacao dos dados empiricos. Em outras palavras, os adeptos da racionalidade limitada criticam os neoclissicos por terem falhado nos seus pr6prios termos, isto &, nos termos positivistas e defendem sua superioridade também nestes termos, Ou seja, a racionalidade limitada seria mais ‘realista’ onde o realismo é entendido como 'descrigao mais acurada’ e melhor capacidade de previsto. ponto pacifico que a experiéncia é um elemento distintivo da atividade cientifica; no se faz ciéncia somente com arazio, A questo central, no entanto, se refere a qual o papel da experigncia na formulagdo € validago das explicagdes cientificas. Para o positivismo 6gico 0 contetido da ciéncia deveria se reduzir & experiéncia, cabendo a razdo o papel de ‘mero auxiliar formal fornecendo regras logicas para generalizar e relatar os dados sensiveis da experigncia. A experincia seria nfo somente a tinica instancia capaz de validar uma teria ‘mas esta munca sairia da experiéncia: todos os seus termos seriam relatos de observagdes em ‘maior ou menor grau de generalidade. Um primeiro problema do empirismo exacerbado do positivismo lgico & que toda experigncia & singular ¢ as leis cientificas consistem em enunciados universais; além do mais, © proprio relato da experiéncia supde sempre 0 uso de termos teéticos no acessivels A 9 tps zAvuwcresearchgate.netipicator/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENGIA EMPIRICA F_ESCOLHATEORICA 925 2aioa2016 tps zw. researchate:netipicato/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHA TEOR, POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. definigdo explicita em termos de observiveis. Em outras palavras, na formulagio de explicagies cientificas as observasdes nunca sto meramente relatadas, mas interpretadas, etal interpretagao supde um ‘algo mais’ além da experiéncia. ‘Ta no interior do positivismo, a necessidade desse algo mais era sentida por Popper: Para Popper as hipéteses cientificas ndo podem ser uma “recompilagtio de observagdes"; hipoteses cientificas ndo s%0 baseadas na experiéncia (Popper, K; 2008). Mas é a partir da critica de Khun ao positivismo que a necessidade de algo além da simples observardo para realizar a atividade cientifica ganha status de algo reconhecido na filosofia da cineia. Khun aponta a necessidade de um “esquema conceitual’, “paradigma” ou “modelo ontolgico” antes da pesquisa, para que essa se torne possivel. O esquema conceitual no apenas orienta a realizago da expetigneia — quais dados selecionar, que método utilizar -- mas fornece 0 quadto para a interpretagao dos resultados. De acordo com Khun “teoria e fato cientifico ndo sao categoricamente separiveis"(Khun, T.: 2009, p.26) Tanto para Khun como para Popper, no entanto, o algo além da observagdo e da experigncia € fiuto arbitrério da imaginag30, portanto itracional e sem existéncia independente da mente do pesquisador. Para Popper as leis so “inventadas” e 0 processo de conceber uma nova ideia inclui um elemento irracional na descoberta cientifica (Popper, K. 2008, p.32), Da mestna forma para Khun, os esquemas conceituais ou paradigmas tem origem arbitraria e nao é possivel fazer uma comparacdo racional entre eles (Khun, T.; 2009, p.23). © realismo ctitico de Bhaskar (2005) ultrapassa esse ponto ¢ procura definir claramente a origem desse esquema conceitual que vai além da experiéncia e a possibilidade de realidade dos entes postulados nele, Para Bhaskar (2005) 0 que caracteriza 0 empreendimento cientifico é a descoberta de mecanismos que esto além do empirico e que produzem os fatos da experiéncia, Para se transcender a experiéncia e doté-la de sentido cognitivo é necessério imaginar os mecanismios que as produzem, por meio da analogia com mecanismos conhecidos. Assim € 0 recurso aos modelos construides a partir da analogia que permite a0 conhecimento transcender o empirico. O ‘algo além' da observacio presente no conhecimento cientifico nao é arbitrério mas & 0 conhecimento jé estabelecido: a ciéncia ¢ apreendida entao como produgdo de conhecimento por meio de conhecimento (Bhaskar, R.; 2005, p.176). 0 conhecimento é um produto social, contém um elemento que Bhaskar (2005, p.179) denomina de transitive, que confere racionalidade educagao e ao treinamento cientifico. 10 1028 2aioa2016 tps zhwww.researchgatenetplicator/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA FVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHA_TEORI, POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. Como elemento adicional, é preciso Jembrar que para Bhaskar no s6 o ‘esquema conceitual! que dé sentido cognitivo & experigncia nao & arbitrério, como sua realidade independente do sujeito que couhece pode ser checada. Os mecanismos e entidades de um modelo podem ter sua existéncia real, intransitiva inferida pela observacio de seus efeitos, {sto é pelo critério causal Bhaskar, R.; 2008). Resulta dessas posigdes da filosofia da ciéncia pés-positivista que a conclusto sobre a racionalidade humana inferida pela economia comportamental a partir das observagdes € experimentos s6 & possivel pela adogao prévia de uma ‘esquema conceitual’ ou um ‘modelo’ de explicagdo da ago humana, Nao cabera nessa segdo discutir a realidade ou nao do modelo adotado pela economia comportamental; caberd no restante dessa secdo identifica qual 8 esse ‘modelo e nas sepbes seguintes tentar indicar suas origens sociais. O modelo adotado pela economia comportamental 6 o mesmo modelo da economia neoclissica. Esse modelo foi definido por John Searle (2001) como o “modelo clissico da acto racional”. © elemento fundamental dese modelo 6 a concepgdo instrumental da racionalidade, isto é, de que a razio é um mero instrumento para se alcangar fins dados e que, portanto, no tem relagdo com o contetido da ardo, é de cardter meramente formal, De acordo com Searle, 0 modelo classico da ag’o racional € caracterizado por seis elementos (Searle, 2001, pp.7-12). O primeiro deles € que a ago & causada por crencas € desejos; em segundo lugar, nesse modelo a racionalidade ¢ uma questo de obedecer a regras, Também € uma caracteristica do modelo clissico que a racionalidade ¢ uma faculdade cognitiva separada. No modelo clissico da ago racional a ago pritica comeca com os fins primdrios- metas, desejos fundamentais, objetivos e propésitos ~ que mio sto sujeitos a quaisquer restrigbes racionais afora a sua cousisténcia. Finalmente 0 modelo nao explica simagbes de ‘akrasia’ isto é, de fraqueza de vontade, onde o agente tem um desejo, mas nao implementa a ago para realizi-1o ou age contra o proprio desejo. E clara a aderéncia da maximizago da utilidade esperada a0 modelo clissico da ago racional, Nesse caso a racionalidade ¢ uma questo de melhor uso possivel dos meios para alcancar fins dados. © ponto de partida sto as preferencias dos agentes — os seus fins priméios ~ que nao possem qualquer restrig’o de conteiido, apenas de consisténcia formal: os axiomas da transitividade e completude das preferencias. Estar dotado de preferencias bem ordenadas 0 suficiente para os agentes iniciarem 0 processo de deliberagto sobre os meios & executarem suas agdes— em uma palava a utilidade (desejo e crenga) funciona como causa da uu 18 2aioa2016 tps zw. researchate:netipicato/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHA TEOR, POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. aco. A racionalidade ai passa a ser a aplicago de uma regra — em qualquer circunstancia, maximize — por meio do uso das faculdades cognitivas dos individuos, uma questio de absorver e processar informagio, isto é, de realizar 0 célculo de maximizacao. E a partir desse mesmo modelo, no entanto, que os resultados dos testes empiricos 40 interpretados pelos adeptos da racionalidade limitada. Em outras palavras, as conclusdes da economia comportamental sobre a racionalidade nao resultam apenas da observas0 empirica, mas da escolha do modelo classico da ago racional como esquema coneeitual para interpretagao das evidencias empiricas, Nao & muito dificil enquadrar as conclusdes acerca da racionalidade limitada, em especial 0 modelo do satiyfacing de Simon, no modelo clissico da ago racional. De infcio & explicito, ao menos em Simon, a adogdo de um conceito instrumental de racionalidade. Ja em seu trabalho seminal, Administrative Behaviour, Simon define a racionalidade como uma questo de escolha entre altemativas que levam a consequéncia mais alta em uma escala de preferencias (Simon, H.; 1976, p.77, 82, 84). De acordo com Simon a racionalidade & “a style of behavior that is appropriate to the achievement of given goals, within the limits imposed by given conditions and constrains.” (Simon, H.; 1972; p.161.) © modelo do satisfacing como critério da racionalidade atende aos elementos do modelo clissico da agao racional. O agente que mio maximiza, mas busca apenas o nivel satisfatdrio, também tem como causa de sua ago seus desejos e crengas, sem limites racionais para seu contefido; apenas em lugar das preferencias completas estdo os niveis de aspiracao. ‘Novamente a racionalidade & uma questo de seguir regras — pare a busca de altemativas quando encontrar uma que seja satisfatéria — e permanece como faculdade cognitiva do individuo, de absorgao e processamento de informardo, separada das outras. A correedo fundamental do modelo é apenas de que essas capacidades nfo permitem a0 agente obter 0 methor resultado realmente possivel, mas apenas aleangar 0 melhor resultado percebido. Os resultados de Khaneman nao so muito diferentes; embora restringide o campo da agi racional, 0 seu ‘sistema 2° flnciona nos mesmos moldes do modelo clissico da agio racional. ‘Mais uma evidéncia de que 0 modelo tesrico de racionalidade utilizado pela economia comportamental para interpretar os resultados empiricos é 0 mesmo adotado pela escola neoclissica, é a notdvel a compatibilidade entre os modelos de racionalidade limitada e os de ‘maximizaydo. Com racionalidade limitada os niveis de aspiragio podem ser modificados a 2 ons. 2aioa2016 tps zw. researchate:netipicato/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHA TEOR, POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. medida que os agentes tomam novas decisdes e vio apreendendo novas informagbes sobre as alternativas possiveis © suas consequéncias. Assim os agentes com racionalidade limitada estdo em um processo dinimico de aprendizado, que no longo prazo leva a maximizardo; isso 6 reconhecido explicitamente por Simon: “In long run equilibrium it might be the case that choice with dynamically adapting aspitation levels would be equivalent to optimal choice, taking the costs of search into account.” (Simon, H.; 1978, p.356-357). Assim, conforme assinala Sontheimer (2006), a selesdo de novos niveis de aspiracdo no processo de aprendizagem dindmica com racionalidade limitada & guiado pela fungao de maximizagio sob restrigto, Desse modo, a maximizagao nao desaparece, mas permanece oculta como um ‘padrdo’ de racionalidade; conforme Sontheimer: “So Simon’s form of, satisficing in fact reduces to the neoclassical optimization problem when the information, information-processing capacity, and time and effort constraints become nonbinding, (Sontheimer, 2006, p.242) A conclusio de que a racionalidade € limitada significa que os agentes nto maximizam devido a presenga de constrangimentos cognitivos; ma auséncia desses constrangimentos, os agentes iriam maximizar (Southeimer, 2006, p.240). Kahneman reconhece explicitamente isso, deixando a possibilidade de utilizagao das regras racionais - leia-se maximizacdo - a situagdes muito restritas e sujeita aos constrangimentos cognitivos: “three general conclusions: (i) choices that are govemed by rational rules do exist, but (ii) these choices are restricted to unusual circumstances, and (iii) the activation of the rules depends on the factors of attention and accessibility” (Kahneman, 2003, p.1468) Assim, a economia comportamental a0 coneluir pela racionatidade limitada, mantém o ‘mesmo esquema conceitual da escola neoclassica, procedendo apenas a uma comres’o empitica: “The issue that separated Simon and colleagues from their neoclassical counterparts ‘was always an empirical one.” (Stontheimer, 2006, p.252). Diante das evidencias empiricas 0 conceito de racionalidade é mantido: a maximizacto permanece como uma definicao ‘padrio! de racionalidade que & apenas ‘rebaixada’ ‘Uma conclusio possivel, & que esse pad de racionalidade mo é apenas teérico, mas também algo desejavel e, portanto que deve set alcangado, Na sega seguinte sera explorado esse aspecto da questio. Apenas para finalizar o argumento de que a conclusio acerca do carter limitado da racionalidade decorte da adogio do modelo clissico da ago racional, ilustrarei a possibilidade de retirar outra conclusio sobre a racionalidade das mesmas 3 1398 2aioa2016 tps zw. researchate:netipicato/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHA TEOR, POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. evidencias empiricas. Nao se trata aqui de defender exaustivamente essas outras conclusdes possiveis, mas apenas de utilizé-las como uma evidencia da dependéncia das conchusbes acerca da racionalidade limitada com relapdo a uma escola teérica. ara ilustrar esse ponto utilizarei as conclustes de Kahneman (2003). O autor procura se diferenciar ndo s6 da economia neoctéssica, mas também da economia comportamental por meio dessas conclusbes, Segundo Kahneman a economia comportamental teria mantido a estrutura basica do modelo de agdo racional (Kahneman, 2003, p.1469), Como visto antes, concordo como o ponto de vista de Kahneman sobre a economia comportamental, no entanto, ele mantém ainda o mesmo modelo de ago racional, pois interpreta os resultados empiricos como apenas restringindo fortemente o campo de ago da racionalidade, sem mudar substantivamente a compreensto desta Os resultados obtidos por Kalneman, no entanto, permitiriam reformular 0 proprio conceito de racionalidade, se a sua escolha teética fosse outra, Kahneman aponta, primeiramente, que 0s agentes nao se orientam por aquilo que eles so capazes de computar, mas sim por aquilo que sao capazes de perceber no momento (Kahneman, p.1469), Dai s6 se retira que seu comportamento € intuitivo em lugar de racional, se a racionalidade € identificada de forma exclusiva com um capacidade abstrata de célculo. Ao contratio, partindo da mesma observagao @ com a adogdo de outro esquema conceitual se poderia concluir que a racionalidade & sempre situada; 0 que é racional para o agente depende das circunstancias concretas de sua agao. Em outras palavras significaria adotar 0 comportamento comum ou esponténeo como padrio de racionalidade, conforme sugerido por L. J. Cohen "Can Human Irrationality Be Experimentally Demonstrated?,” Behavioral and Brain Sciences 4: 317-70, 1981 (apud Gardener, H., 1985, p.374). ‘A conclusio a favor de um conceito de racionalidade concreta, simada pode ser “What is natural and intuitive in a derivada também da segunda observagao de Kahnem: given situation is not the same for everyone: different cultural experiences favor different intuitions about the meaning of sitwations, and new behaviors become intuitive as skills are acquired [énfase adicionada)’(Kahneman, 2003,p.1469). Ora, dessa observagio se pode conchuir que, a racionalidade é uma questio de contesto cultural e, portanto é novamente, situada, Poderia se coneluir, a partir dos resultados empiricos spontados por Kalmeman, que ser ‘racional'é algo que se aprende ~ e portanto algo varidvel de acordo com as experiéncias 14 a8 2aioa2016 tps zw. researchate:netipicato/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHA TEOR, POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. culturais. 1ss0 vai radicalmente contra 0 modelo clissico da ago racional que encara a racionalidade como uma faculdade cognitiva inerente que se reduz ao seguimento de uma regra logica abstrata — a de maximizar quando possivel ou de alcangar o satisfatorio quando no 0 for. Esses pontos server apenas para ilustrar o argumento desse artigo: a conclusio de que a racionalidade € limitada se origina da adogi do mesmo esquema conceitual da racionalidade maximizadora. Dado isso € preciso, no entanto responder a questo: por que esse modelo é adotado? Essa questio nfo encontra resposta satisfat6ria no fato dele 'aderit’ as. observagdes empiricas. Tsso nos remete aos condicionantes sociais dessa escotha, objeto da segiio seguinte, Racionalidade limitada ciéncia manipulatéria A hipétese da racionalidade limitada tem sido defendida nao s6 por ser uma descricao do comportamento que adere as observagdes empiricas, mas também porque & mais jtil do que © suposto da maximizagao. Simon (1978) advoga a favor da racionalidade limitada explicitamente por esta ser capaz de fornecer uma técnica mais manejavel do que o suposto da racionalidade maximizadora, Desta forma Simon considera que é misao da teoria da decisto atender as “demandas da politica econdmica’ e ‘oferecer aconselhamento direto aos tomadores de decisdo & empresérios’ (Simon, H.: 1978, p.349). A questo fundamental aqui é formular uma técnica que seja manejavel, isto &, que considere os dados empiricos as capacidades computacionais disponiveis; “Models have to be fashioned with an eye to practical computability, no matter how severe the approximations and simplifications that are thereby imposed on them.” (Simon, H.; 1978, p.350). Assim fica claro o critério de escolha e mais ainda a orientagdo da ciéncia para Simon: fomecer uma técnica que possibilite a manipulagao da realidade empirica. Trata-se de prover modelos e ferramentas que auxiliem a tomada de decisto nas firmas e instituigdes governamentais para lidar com a complexidade do ambiente das decisdes (Simon, H.; 1972, 176). Assim se a racionalidade do homem é limitada, suplementa-se esta com os modelos de decisdo de forma a nos aproximarmos do ideal da racionalidade m: ximizadora, quase da mesma forma que os éculos nos auxiliam a superar as deficigncias de percepsa0 (Varian, HL; 2005, p.561). 15 1528 2aioa2016 tps zw. researchate:netipicato/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHA TEOR, POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. Essa abordagem da questo demncia na economia comportamental — como na neockissica - a orientagio da cigncia em diresdo a sistematizaga0 do imediatamente dado com finalidade da manipulagio da realidade. Tal orientacdo € que define os objetivos, auto entendimento ¢ método da ciéncia presctitos pelo positivismo. No positivismo a pritica da cigncia supde-se ser — e afirma-se que deve ser - a de observar os fendmenos empiricos e capturar regularidades de eventos. A ciéncia, segundo essa orientagiio, deve se ater a0 fendmeno imediatamente dado, no lugar de descobrir os mecanismos causais nao capturados imediatamente pelos sentidos. © direcionamento da cigneia para a finalidade do itil e da manipulagao pritiea do imediatamente dado influencia seus métodos. Conforme jé assinalado, a ciéncia no ositivismno & identificada com o reconhecimento de regularidades empiricas, com 0 objetivo de controlar a ocoméncia de eventos, isto 6 da manipulagao. Dessa forma, a pritica cientifica 6 oientada metodologicamente, muitas vezes de forma exclusiva, para a quantificacio, a mensuragao e a previsto. Define-se assim como objetivo da cigncia nao mais a busca da verdade objetiva, mas a possibilidade de intervir na operas de fatos importantes; o conhecimento verdadeiro j4 lo importa mais, o que importa é 0 conhecimento ‘itil. (Lukées, G.; 1976, p.20). Assim sob essa orientagio da cigneia se pode afinmar que na utilidade em formular modelos mais “manejiveis’ que reside a superioridade da racionalidade limitada em relagdo ao suposto da maximizagio, conforme vindica Simon. Essa orientagdo geral da ciéncia em diregao 4 manipulacdo se consolida no capitalismo do século XX, embora jé esteja presente desde os primordios da ciéncia modema com a visto do cardeal Belarmino frente 4 fisica de Galileu (Lukées, G.; 2004). A ciéncia sob o capital se orienta crescentemente para 0 conhecimento manipulatério, © suposto neoclassico sobre a racionalidade maximizadora corrigido pela hipétese da racionalidade limitada, se insere assim em movimento geral de transformacdo da sociedade capitalista na direcao da manipulaca, transformagao assinalada por Lukées (2004, p.119). Nao por um acaso, Simon se refere & ‘Taylor - fundador da ‘gerencia cientifica’, i., a aplicagao da ciéncia na manipulagdo da forga de trabalho no processo de produgao - como um dos pioneiros da abordagem normativa da teoria da decisdo (Simon, H.: 1978, p.350). A orientagao da ciéncia para o conhecimento manipulatério tem um sentido muito preciso: ela significa que a ciéncia deve ser restringir a fornecer 0 conhecimento necessario 16 1828 2aioa2016 tps zw. researchate:netipicato/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHA TEOR, POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. para a reprodugo nos limites da sociedade capitalista. Deste modo, de forma crescente a cigncia vai se tornando um meio para as finalidades da reprodugao capitalista (Meszaros, T 2002). Esse papel crescente das necessidades da reprodugdo capitalista na orientagtio da atividade cientifica se afirma nao s6 pelo ditecionamento e selecdo dos abjetos das pesquisas cientificas, mas também pelas escothas teéricas que orientam esas pesquisas, de forma inconsciente na maior parte das vezes. Esse ¢ 0 caso da escolha do modelo classico da ago racional pela economia comportamental para interpretagdo das evidencias empiricas © modelo clissico da aco racional se adequa a visto manipulatéria da ciéneia, ou seja, a0 conhecimento suficientemente adequado para a reprodugio da sociedade capitatista, em pelo menos dois sentidos: epistemolégico e normative. O Primeiro esta ligado previsibilidade e o segundo ao comportamento compativel com a eficiéncia Em primeiro lugar, 0 modelo clissico da ago racional permite definir um modo de comportamento previsivel e nesse sentido ‘administravel’. A ideia & que o sujeito, se racional, sempre seré enquadrével, mesmo que parcialmente, em uma tnica hipétese de comportamento: a busca do melhor meio para atingir fins dados ou, como prefere Simon, da melhor alternativa para chegar & consequéncia preferida, Isso significa que o modelo da razio como instrument e, portanto do comportamento escrito como o seguimento de uma regra légica — maximize; satisfacing — inerustrada no aparelho cognitivo é um modelo que possibilita criar de forma abstrata um sistema fechado Um sistema fechado é aquele em que se produzem regularidades de ocoméncias de eventos (Bhaskar, R.; 2005, p.60). como nos experimentos controlados de laboratérios. No caso do modelo clissico da ago racional essa regularidade de eventos est posta no fato de que de acordo com esse modelo, a cada desejo do agente se seguir sempre um determinado curso de cio — seja ele o timo ou o apenas satisfatério. Simon 6 explicito ao vincular a racionalidade - em seu sentido mais geral como racionalidade instrumental, ow seja, 0 modelo clissico da agao racional ~ a existéncia de regularidades empiticas e, portanto a um sistema fechado: “Fortunately, the problem of choice is usually greatly simplified by the tendency of the empirical laws that describe the regularities of nature to amange themselves in relatively isolated subsets (.) If it were too offen tme that for want for a nail the a m8. 2aioa2016 tps zw. researchate:netipicato/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHA TEOR, POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. Kingdom was lost, the consequence chains encountered in practical life would be of such complexity that rational behavior would become virtually impossible” (Simon, 1976, p. 79). E mais adiante, Simon descreve como esse ‘sistema fechado’ serve 4 racionalidade e consequentemente & manipulagao: “The fact that consequences usually form “isolated” systems provides both scientist and practitioner with a powerful aid to rationality, for the scientist can isolate these closed systems in his experimental laboratory, and study their behavior, while the practitioner may use the laws discovered by the scientist to vary certain environmental conditions without significantly disturbing the remainder of the sitation.”[énfase adicionada|(Simon, H.; 1976. p.79) Mas € também em outro sentido, nommativo e no apenas epistemolégico, que 0 modelo clissico da ago racional serve & orientac#o manipulatéria da ciéncia no capitalismo, © modelo da ago racional descreve 0 comportamento idealmente adequado as necessidades de reprodugao do capital, © comportamento eficiente. Ao afimar o cariter instrumental da razio, 0 modelo classico da ago racional ¢ aparentemente neutro quanto aos valores ~ 0 agente racional, nesse modelo, é aquele que pode preferir ‘a destruigdo do mundo inteiro a um atranhao em meu dedo’ (Hume, D.; 2000, p ). No entanto ale descreve a acto do agente como aquela em que ele, sendo racional, ira sempre seguir uma regra que o permita alcangar 0 fim com 0 uso do melhor meio disponivel— isto é, buscar o seu fim de forma eficiente e desse modo afirmar a eficiéncia como um valor. Nao cabaria nesse espago desenvolver completamente o argumento sobre a eficiéncia como um valot € mais especificamente como um valor enraizado na sociedade capitalista. Devo assinalar apenas que se o produtor de mercadorias na sociedade capitalista ndo usa os meios de forma eficiente, o resultado pode ser o seu desaparecimento como produtor por nao couseguir vender suas mercadorias ow por vendé-las a um prego abaixo de seu custo, em termos de tempo de trabalho, Dessa forma, a ago boa para cada produtor de mercadoria & 18 1028 2aioa2016 tps zw. researchate:netipicato/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHA TEOR, POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. aquela em que ele realiza um céleulo preciso de fins e meios; “o tempo de trabalho socialmente necessério (...) forma a base do calculo racional, (..)" (Lukées, G.: 2003, p.201) Nao s6 no sentido da reprodugao como produtor de mercadoria, mas também no da produgdo de mais-valia, a eficiéncia se impde como norma de comportamento na sociedade capitalista, Os métodos que tornam o trabalho mais eficiente — mais produtivo — levam a ‘vantagem para cada capitalista em relacao a seus competidores, permitindo a esse se apropriar de uma mais-valia extraordinéria (Marx, K., 1996, cap.10) e produzindo, como um resultado nao intencional, a mais-valia relativa para o capital global, O modelo classico da agao racional, ao tomar a razdo como meramente instrumental dessa forma equalizar o comportamento racional com a eficiéncia, estabelece um padrao normativo para 0 comportamento na sociedade capitalist. © comportamento ideal & aquele que utiliza de forma perfeita os meios sem qualquer desperdicio e alcanga as finalidades ~ sejam quais forem — com 0 menor custo. Assim, a maximizagdo permanece como 0 padriio, 0 ideal de racionalidade a ser alcangado: toda a pesquisa da racionalidade limitada se refere a0 quanto o comportamento ‘real’ se afasta desse ‘standard of rationality’ (Simon, H.; 1976, p92) ‘Vé-se aqui a ligagdo entre a orientagdo maniputatéria da ciéncia e o modelo classico da ago racional. © modelo clissico da agao racional oferece um guia para se alcangar 0 ‘pattrdo de racionatidade’ representado pela maximizagao da utitidade esperada. Por um Jado, se o comportamento ‘real’ se afasta do padrio deve se criar instramentos, que permitam a maior aproximacao possivel deste: parece nao ser outra a intengao de Simon a0 descrever os instrumentos administrativos das organizagdes que permitiriam ‘suprir’ as limitagdes de racionalidade dos individuos (Simon, H.; 1976, cap.V), ou ainda, o quanto se ‘aprende’ de como se chegar ou aproximar desse padrao ideal nas escolas de economia. Em ‘iltima andlise, € correndo o risco de ser injustamente caricato, 0 que a economia comportamental procura fomecer, no final, & um ‘guia pritico para sobrevivéncia no mercado’ Por outro lado. se compreende assim a escolha do modelo cléssico de acio racional como esquema conceitual para interpretar as evidencias empiricas pela economia comportamental. E somente medindo os resultados dessas investigagdes empiricas contra o 19 1926 2aioa2016 POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. padrio ideal —a maximizacio - que se pode saber 0 quanto e o como se deve adequar 0 modo de comportamento observado dos individuos ao comportamento eficiente. Para que essa medida em relardo ao padrao seja possivel é necessério utilizar a linguagem tedrica comum do modelo classico da agao racional, Mas se o modelo clissico da apo racional e a racionalidade limitada atendem aos quesitos manipulatérios da ciéncia sob o capital ao formular modelos de previsibilidade e definir nomas de comportamento, isso s6 pode ser alcangado se, de alguma forma, esse modelo esta enraizado na realidade ~ mesmo que apenas aparente ~ da sociedade capitalista E sob esse aspecto da questo que se detém a sepo seguinte, O modelo classico da aco racional ¢ a determinacdo social da racionalidade £ preciso, de inicio, ressaltar um ponto. A orientagao do conhecimento para a manipulacao pritica nfo impede que esse descubra conexdes e propriedades reais do nmundo, © conhecimento manipulatério deve ter 0 caréter de objetividade, de descoberta de conexdes passiveis de generalizagao e até mesmo de corregio. Esses so critérios necessdrios inclusive para sua utilizagae prética. Mesmo baseado em concepgdes ontologicamente falsas, esse conhecimento garante a sua cortego quanto ao que the é detimitado —o imediatamente dado. Até mesmo a orientagao a0 ttil em Iugar do verdadeiro supde que, para ser eficaz, 0 conhecimento deve ser verdadeiro, ainda que parcialmente. essa forma, 0 modelo cléssico da aco racional em todas sts variantes nao é apenas um recurso epistemol6gico inventado para possibilitar previsdes ou um principio ‘meramente’ normativo. Nao se trata de uma mera ‘criagao mental” ~ ainda que o seja em muitos sentidos — mas é algo profundamente enraizado nas necessidades da sociedade capitalista e, para além disso, na sua aparéncia imediata, © modelo clissico da ago racional e sua expresso méxima no modelo da racionalidade maximizadora, conforme ja indicado, estabelece como padro 0 comportamento eficiente, necessirio para a reprodugio do capital. Se isso nos mostra a necessidade para a sociedade capitalista de um modelo de comportamento racional, em seu aspecto normativo, as operagdes pelas quais a realidade da sociedade capitalista, em especial em seus aspectos 2 ntpssAvuw.researchgate.netipicator/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F ESCOLHATEOR.. 2025 2aioa2016 tps zw. researchate:netipicato/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHA TEOR, POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. aparentes, 6 transformada em um modelo universal de explicagtio da aco dos individuos, so de dois tipos. Em primeiro lugar, 0 modelo classico da agéio racional reproduz a légica da valorizacao do capital. No modelo classico da aco racional a razAo é um mero instrumento para se alcangar fins dados e que, portanto, nfo tem relagao com o conteitdo da ago, é de cardter meramente formal. Trata-se de um andlogo da légica de autoexpansto do valor, que tem cardter meramente formal, abstrato e independe do contetdo — os valores de uso especificos. ‘Mas, porque essa logica instrumental de autoexpansio do capital é tomada como propriedade subjetiva dos individuos? Na raiz dessa operacio de transferéncia esta a aparéncia da sociedade mercantil, de que existem somente individuos livres e auténomos, carentes de qualquer determinagao social. Assim, a légica social/objetiva, aparece apenas como propriedade cognitiva dos individuos isolados, como racionalidade instrumental. Mais do que isso, ela s6 pode aparecer assim, uma vez que as determinagbes sociais no capitalismo so opacas e s6 aparecem para os individuos no mercado como “coisa”, isto é, como dinheiro. Dessa forma, a ldgica instrumental do capital aparece como propriedade exclusivamente biolSgica incrustada no aparetho cognitive do homem independente de suas circunstancias historicas. Mas mostrar esse enraizamento na realidade aparente da sociedade capitalista, nfo significa, por um lado que o modelo clissico da ago racional — especialmente em sua verso do comportamento maximizador — seja uma explicaso correta do comportamento fnumano Ao se manter na aparéncia da sociedade capitalista o modelo classico da ago racional omite o carter contraditério da racionalidade humana e, em especial, sua determinagto histériea e social, fornecendo assim uma explicagdo equivocada do ponto de vista ontolégico. Vejamos brevemente os argumentos nessa direcao, Crtamente hié uma contradi¢ao entre o comportamento requerido e aprendido para a reprodugto na sociedade capitalista e 0 comportamento efetivo, espontneo — contradigao essa que é observada, em outros temmos, pelos adeptos da racionalidade limitada. Mas essa contradicdo repousa, a0 menos em parte, na contradicao da propria produco de mercadorias Se por um lado 0 comportamento orientado pelo valor requer um tipo de racionalidade a 21108 2aioa2016 POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. abstrata, formal e instrumental, por outro comportamento orientado pelo valor de uso tem um cariter substantivo, concreto e situado. A orientago a0 valor de uso esté diretamente relacionada ao comportamento espontineo, uma vez que esta orientagto est enraizada nas nossas necessidades, em iiltima instancia nas biologicas socialmente transformadas. Assim € possivel identificar como racional o comportamento que leva a reprodugao material da espécie; nas palavras de Gardner “(...) the kinds of induction and deduction individuals habitually (and even reflexively) make are most likely to lead to survival, And so they are rational in this absolute sense, even if they appear itvational in the light of certain textbook principles."(Gardner, 1985, 376). A aparente irracionalidade desse comportamento sob a luz dos prineipios dos manuais decorre da contradigio entre 0 comportamento orientado para o valor de uso € 0 orientado para o valor. A otientagio para o valor de uso e sua racionalidade correspondente esta na rmaioria das vezes em direta oposi¢ao ao comportamento orientado pela légica da valorizagio do capital. Como todos se orientam nesse sentido contraditorio - primordialmente através do trabalho que no capitalismo comporta essa dupla natureza, abstrata e concreta - tal conttadigto & incorporada ao comportamento dos individuos. Esse carder contraditério do ‘comportamento e da racionalidade nas sociedades capitalistas ¢ claramente omitido na versio do modelo clissico de racionalidade. ‘Mas a explicagdo instrumental do conceito de racionalidade, seja na versio da maximizagio, seja na da racionalidade limitada, se mantém no nivel da aparéncia também porque omite o fato de que toda racionalidade é resultado das condigdes histéricas do homem. Ao colocar a racionalidade como uma propriedade dos individuos isolados, algo que estaria contido exclusivamente na sua estrutura biolégica, o modelo clissico da racionalidade faz desaparecer a processualidade e as determinagdes sociais do comportamento human. Trata-se, portanto de uma naturalizaao de determinagbes sociais que aparecem como jonadas autossuficientes, limitadas por seu receptaculo fisico (usualmente 0 cérebro)” (Donald. M.; propriedades biolégicas dos individuos isolados. Aqui a mente é tratada como “ 2007, p.215). Se por um lado, & correto afirmar que estruturas sociais no possuem consciéncia e, portanto uma mente, e que as decisbes — racionais ou ndo — so tomadas por n tps svc researchgate:netipicator/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICAF ESCOLHATEOR.. 2228 2aioa2016 tps zw. researchate:netipicato/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F_ESCOLHA TEOR, POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. meio do cérebro dos individuos, hd evidencias de que a racionalidade é socialmente determinada, assim como as demais propriedades cognitivas dos individuos. Em primeiro lugar ha varias evidencias da neuroplasticidade, isto &, da capacidade do cérebro de modificar sua arquiterura e de criar novas conexbes neuronais a partir de mudangas ‘no ambiente (Doidge, M., 2007). Essa propriedade pode ser observada no s6 nos casos de acidentes que alteram as fungdes do cérebro, mas também nas mudancas fisiolégicas decorrentes da aquisicto de uma habilidade — como, por exemplo, no caso de miisicos ou até de motoristas de tini (Dodge, M: 2007, p.289) — e na aquisigao da tinguagem falada especialmente da escrita ‘A plasticidade do cérebro é um resultado da evolugdo biolégica que permite a0 aparelho neurolégico humano evoluit independente dos processos de selegio e mutagio genética (Dodge, M: 2007 p.293). Assim, as capacidades cognitivas, as formas como entendemos 0 mundo e tomamos decisdes para agir sobre ele ndo so — e isso do ponto de vista bioldgico ~ estritamente individuais, mas resultam da ag3o da sociedade ou da cultura sobre a formarao de nosso cérebro. De acordo com o psicélogo e neurocientista cosnitivista Donald Merlin, as instituigdes e artefutos criados socialmente formam um sistema cognitive disperso, externo aos cérebros e que determinam as decisdes dos homens: “Human decision making is most commonly a culturally determined process in which many basic cognitive operations play a part, and the mechanisms of such decisions must be regarded as hybrid systems in which both brain and culture play a role, When the individual ‘makes’ a decision, that decision has usually been made within a wider framework of distributed cognition, and, in many instances, itis fair to ask whether the decision was really made by the distributed cognitive system itself, with the individual reduced to a subsidiary role [Enfase adicionada]” (Donald, M..; 2008 p.202). Consideragoes finais [Nese artigo foram ilustradas duas proposicdes de cardter geral sobre a ciéncia com base na discussdo contemporanea sobre a racionalidade na economia. Em primeiro lugar, procurou-se com a discussio acerca do carater limitado da racionalidade em economia ilustrar B 23108 2aioa2016 POF viewsr Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software hitp:/Mww.foxitsoftware.com For evaluation only. uum ponto fundamental da. filosofia da ciéncia: a relaco entre o empirico e o esquema teérico. Através do exame das conclisdes da economia comportamental sobre o caréter limitado da racionalidade apoiado nas evidencias empiricas, procurou-se demoustrar um ponto de carter mais geral: a impossibilidade de retirar conclusdes exclusivamente das evidencias empiricas sem a adog’o de um esquema coneeitual prévio. No caso, 0 debate entre racionalidade limitada e maximizadora se restringe a um mesmo esquema couceitual, o modelo classico da agto racional, figurando as diferengas apenas na menor ou maior aderéneia aos dados e a melhor operacionalidade na formulagdo de técnicas para tomada de decisdo. As duas dltimas segdes também procuram ilustrar um ponto geral, a afirmasao do materialismo marxiano de que “o ser determina a consciéncia’. Procurou-se realizar isso de duas formas, Primeiramente, a escotha pot parte da economia comportamental do mesino esquema conceitual que a neoclissica no que diz respeito ao comportamento humano, fi explicada a partir de sen enraizamento nas necessidades da reproducao da sociedade capitalista, Em segundo lugar, se procurou indicar, apenas como um esbogo para fituras pesquisas, 0 enraizamento social e 0 carter socialmente determinado das capacidades cognitivas humanas, incluindo ai a racionatidade como uma propriedade socialmente construida e transmitida em lugar de uma propriedade da ‘mente isolada’. Bibliografia Bhaskar, R: A realist Theory of Science. Routledge, London, 2005 Cyert, RM. and J. G. March, 4 Behavioral Theory of the Finn, Et lewood Cliffs, N. J: Prentice-Hall, 1963, Donald, M. “How culture and brain mechanisms interact in decision making.” In: C. Engel and W. Singer, Better than conscious? Decision-making, the Human Mind, and Implications for institutions. Cambridge, MA: The MIT Press 2008, 191-225 Donald, M. “Evolutionary Origins of the Social Brain.” In O. Vilarroya, & FF i Argimon, (Eds,) Social Brain Matters: Stances on the Neurobiology of Social Cognition. Rodopi, 2007, 18: 215-222 Doidge, N. The Brain That Changes Itself. Stories of Personal Triumph from the Frontiers of Brain Science. New York, Viking Press, 2007. 28 tps zAvuw.researchgate.netipuicator/259619147_OS_LIMITES_DA_RACIONALIDADE_LIMITADA EVIDENCIA EMPIRICA F ESCOLHATEOR.. 2425

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